14 de junho. Eleições no Irão - Jornal de Defesa e Relações

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14 de junho. Eleições no Irão - Jornal de Defesa e Relações
2013/06/04
14 de junho. Eleições no Irão
Alexandre Reis Rodrigues
Não há lugar a muitas expetativas sobre as
eleições presidenciais no Irão. Dos 686
candidatos iniciais, só vão às urnas os oito que o
Conselho
de
Guardiões
aprovou,
todos
considerados leais ao Grande Aiatola Ali
Khamenei, que é, de facto, quem detém o
essencial do poder da República Islâmica.
Nenhum destes candidatos ameaça apadrinhar
qualquer movimentação que afaste o regime da
sua mentalidade revolucionária islâmica, muito
menos que possa questionar o poder de
Khamenei e a estabilidade da complexa rede de
instituições políticas em que assenta o
funcionamento do regime.
As hipóteses de se repetirem as contestações pós eleitorais de 2009 e o
reaparecimento do “Movimento Verde” de Hussein Mousavi são marginais. Mas não
faltariam motivos. Além de vários de ordem social (inflação, desemprego, etc.),
devido aos efeitos das sanções, a polémica rejeição das candidaturas de Rafsanjani
e de Esfandir Mashei pelo Conselho de Guardiões veio acrescentar razões de
descontentamento entre algumas fações políticas.
Rafsanjani, que foi Presidente entre 1989 e 1997, terá sido rejeitado, segundo uns,
devido à sua avançada idade. Mas a verdadeira razão, segundo outros, pode
derivar de receios de Khamenei, de que ele - “cansado” de ser o eterno número
dois da liderança religiosa - pudesse vir a desafiar a sua autoridade. Khamenei,
chegou à posição de Grande Aiatola pela mão de Rafsanjani. Quando este já era o
braço direito de Khomeini, Khamenei ainda se encontrava longe da liderança
religiosa. É natural que Rafsanjani tenha concluído que chegou a altura de
recuperar a dívida de Khamenei para consigo. Khamenei, no entanto, não arrisca a
conceder-lhe mais do que a presidência do Conselho de Discernimento, para a qual,
aliás, foi recentemente reconduzido.
Esfandir Mashei tem uma situação diferente. Terá sido rejeitado por ser
considerado pela ala mais conservadora como uma espécie de “béte noir” do
regime, pela sua preferência por um nacionalismo secular. Acresce que Mashei tem
uma estreita proximidade com o Presidente Ahmadinejad, quer política, como seu
braço direito, quer familiar, como sogro do seu filho. Compreende-se que
Ahmadinejad tenha dificuldade em conformar-se com a decisão de exclusão do “seu
candidato” e, nessa base, tenha pedido a Khamenei para fazer rever a decisão
tomada pelo Conselho de Guardiões. Depois de se ter envolvido em litígios e ter,
repetidamente, desafiado a autoridade dos religiosos durante a sua presidência,
Ahmadinejad estaria a tentar evitar ficar à mercê dessas fações, a partir do
momento em que abandonar a Presidência.
Malgrado a manipulação de Khamenei, que controla as principais instituições não
sujeitas a escrutínio popular (Conselho de Guardiões, Conselho de Discernimento e
Assembleia de Peritos), não se espera – dizem os peritos – que isso venha a reduzir
a participação popular na escolha do sucessor de Ahmanidejad. Dentro da linha de
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solidariedade ao Grande Líder, entre os oito candidatos ainda, há mesmo assim,
importantes diferenças a que os vários grupos de interesses não vão deixar de
prestar atenção. É justo fazer notar que não obstante estas singularidades do
regime, no conjunto Médio Oriente, trata-se de uma democracia mais saudável da
que se verifica nas monarquias árabes.
Naturalmente, o programa e promessas económicas vão pesar nas escolhas, como,
aliás, sucedeu com Ahmadinejad, que, no entanto, não conseguiu minimamente
inverter o caminho para o caos económico e financeiro que as sanções estão a
reforçar. O primeiro debate televisivo entre os oito candidatos foi esclarecedor.1 Só
quase se falou de economia mas com um detalhe interessante. Foi defendido o
afastamento dos militares das atividades económicas, assunto que interessa, em
especial ao Corpo de Guardas da Revolução, que é onde essa associação se faz
sentir.
Até ao momento, o regime tem conseguido, com relativo sucesso, atribuir as culpas
do insucesso económico aos EUA, que são apresentados como os grandes inimigos
da revolução iraniana e, como tal, os responsáveis por todas as dificuldades. No
entanto, o processo de “ocidentalização”2 por que está a passar a sociedade
iraniana, o constante agravamento das condições de vida da maioria da população
e as divisões políticas internas tenderão a tornar esta “explicação”, aos olhos da
população, cada vez menos plausível. A produção petrolífera, um elemento central
da economia, terá caído de 4,2 milhões de barris por dia (BPD) (média dos últimos
anos) para 2,3 milhões BPD, em 2012, desde o início das sanções.
Poderá esta situação abanar a solidez do regime? Julga-se que, pelo menos, fará
agravar as dificuldades do ciclo presidencial que se inicia com as eleições de 14 de
junho, mas, no essencial, os valores tradicionais e a cultura patriarcal não estarão
ameaçados seriamente, pelo menos nos tempos mais próximos. Como ficou
provado em 2009, o regime encontra-se muito organizado para lidar com a
possibilidade de nova crise de contestação. Mas também se sabe como estas
situações podem evoluir radicalmente de um momento para outro, desde que haja
um bom pretexto popular, como, por exemplo, sucedeu recentemente na Turquia,
que também tem um regime “musculado”.
O Corpo de Guardas Revolucionários (Islamic Revolutionary Guard Corps, IRGC),3
criado em 1979, exatamente para proteger o regime e a mais influente e eficaz
organização do País, mantém um rigoroso controlo da situação de segurança
interna. Aliás, o seu peso político continua a crescer, desta vez por hábil
aproveitamento das dificuldades de relacionamento entre Khamenei e
Ahmadinejad, ficando como que no meio das duas fações. Se a organização vai ou
não conseguir manter a coesão e firmeza depende da forma como a liderança
conseguir conviver e, eventualmente, ultrapassar os efeitos das sanções
internacionais, que estão a afetar diretamente as suas atividades económicas e já
levou à inclusão de alguns dirigentes numa “lista negra” de excluídos de realização
de negócios internacionais.
A esta situação de incertezas no campo interno junta-se um ambiente internacional
bem diferente, em termos de equilíbrio regional, do gerado pela invasão americana
do Iraque, da qual o Irão, foi o principal beneficiário com a substituição dos sunitas
pelos xiitas, em Bagdade, no governo do País. Neste momento, para além do risco,
não muito distante, de o Iraque se tornar um Estado falhado, Teerão tem também
o problema da Síria, cuja evolução cada vez mais a afasta da solução que lhes
1
Segundo relatos da imprensa internacional.
Segundo uma reportagem da revista “Foreign Policy”, em muitos aspetos da vida social, Paris e
Londres parecem capitais mais conservadoras do que Teerão.
3
São 125000 efetivos, comandados por oficiais generais nomeados por Khamenei. Nas últimas três
décadas, o Corpo de Guardas Revolucionários apenas teve três chefes
2
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interessaria, isto é, a manutenção de Assad no poder. O impacto destes dois
assuntos no equilíbrio da região pode constituir um revés para as ambições
iranianas de liderança regional mas não se espera que chegue para alterar a
postura agressiva do País em relação ao Ocidente e, em especial, aos EUA. Não
podendo ter o controlo destes dois Países, Teerão tudo fará para que também mais
ninguém o tenha.
Em resumo, vai ser necessário manter as sanções e os EUA precisarão de continuar
a armar4 as potências mais ameaçadas (Arábia Saudita, Emiratos Árabes Unidos e
Israel) e manter em aberto a possibilidade de uma intervenção militar se Teerão
não aceitar limites verificáveis ao seu programa nuclear.5 Embora não seja provável
que as eleições presidenciais, dentro de dez dias, venham a introduzir qualquer
fator novo, pelas razões atrás explicadas, a hipótese existe e merece ser seguida
com atenção.
4
Em abril, os EUA celebraram acordos de fornecimento de armamento no valor de 10 mil milhões de
dólares. Incluem aviões F-16 (versão “advanced”), munições de precisão (EAU e Arábia Saudita),
mísseis anti-radiação para a supressão de defesas aéreas e aviões-tanque de reabastecimento em voo.
Para atacar o Irão, precisa de meios aéreos capazes de voar 2500 quilómetros, portanto, de serem
reabastecidos em voo.
5
Se serão os EUA ou Israel a desencadear um ataque cirúrgico às instalações nucleares é assunto que
continua a ser matéria de debate. Em termos militares, pelas suas maiores capacidades militares,
deveriam ser os EUA, mas em termos políticos, é preferível que seja Israel, como o principal ameaçado.
Esta segunda hipótese deixa os EUA livres para a intervenção diplomática subsequente.
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