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Transcrição

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daniel senise
vai que nós levamos as partes que te faltam
Go. we'll bring the parts you leave behind
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you leave behind
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34–01 38 AVE, LIC II 2005
Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm
Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in
p. 2–3
W.L. 140 setembro 2008 III (04/09) 2008
Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm
W.L. 140 September 2008 III (04/09) 2008
Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in
p. 4–5
W.L. 140 setembro 2008 II (05/09) 2008
Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm
W.L. 140 September 2008 II (05/09) 2008
Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in
p. 6–7
W.L. 140 setembro 2008 II (06/09) 2008
Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm
W.L. 140 September 2008 II (06/09) 2008
Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in
p. 8–9
W.L. 140 setembro 2008 II (03/09) 2008
Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm
W.L. 140 September 2008 II (03/09) 2008
Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in
p. 336
34–01 38 AVE, LIC II 2005
Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm
Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in
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Algumas obras tiveram seus títulos mantidos na
língua original por decisão do artista.
The artist has chosen to keep some of the works’
titles in their original language.
A grafia dos textos de “Daniel Senise: Cronologia
crítica” foi mantida na língua original.
All texts from “Daniel Senise: Critical Chronology”
were kept in their original writing.
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índice
index
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Apresentação
Ivo Mesquita
19
Territórios de infinitude
María A. Iovino
37
OBRAS works
145
exposições exhibitions
156
daniel senise: cronologia crítica
Glória Ferreira
279
daniel seNise
go. we'll bring the parts you leave behind
327
índice onomástico name index
329
bibliografia bibliography
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Depois de quase 30 anos de trabalho, a obra de Daniel Senise
representa um compromisso consistente e consolidado com a pintura,
sua prática, seu sentido social e histórico, tendo ele criado um
espaço de reflexão pessoal, articulado a partir de um imaginário
sofisticado e original. Com uma palheta econômica, e que se fez
cada vez mais sóbria ao longo do tempo; com composições bem estruturadas sempre privilegiando os grandes formatos, características de toda a sua produção, inicialmente, sua pintura se desenvolveu a partir das tensões entre os planos no espaço do quadro,
onde surgem fragmentos de corpos e objetos industriais como que
amputados de seu todo, de arquiteturas e paisagens imaginárias,
que tomam quase toda a superfície pictórica. Imagens densas,
acentuadamente gráficas, elas são, ao mesmo tempo, evocações de
formas arcaicas da arte e conhecidas do repertório moderno, e uma
16
abordagem de questões específicas da pintura como figura e fundo,
a construção da superfície e a retórica da representação.
No início dos anos 1990, há uma mudança no modo de trabalho
do artista. À sua pesquisa sobre as possibilidades da pintura
a partir do imaginário e da tradição em que ela se inscreve —
programa adotado por diversos pintores em diferentes lugares
desde o final dos anos 1970 —, Senise incorpora o próprio fazer,
a própria materialidade do meio e do suporte, como elementos
constitutivos do discurso plástico e do seu sentido na atualidade.
Ao método tradicional da pintura, ele agrega colas, laca,
betume, processos de oxidação de ferro, e incorpora toda sorte
de acidente sobre superfícies de telas expostas, por longos
períodos de tempo, ao piso do seu ateliê. A partir do recorte
e justaposição de partes escolhidas dos tecidos impregnados
de matéria e memória de sítios específicos, surgem paisagens
inventadas ou apropriadas de pinturas do passado, imagens
lembradas, arquiteturas de interiores reais como galerias e
museus, ou ainda construções utópicas, sem um lugar preciso,
apenas a marcação de espaços constituídos por vigas, planos,
colunas, encaixes e volumes. As imagens apontam também para
um mundo em constante movimento — o rio, o mar, as nuvens, os
estados gasosos, as suspensões — e instável, causando a sensação
de que esses espaços, os volumes e objetos não se acabaram de
construir ou estão em processo de desmanche.
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O livro Daniel Senise. Vai, que nós levamos as partes que te
faltam, de um lado, documenta de forma generosa a produção
do artista nos últimos 15 anos, seu processo de trabalho, e
registra uma série de exposições panorâmicas realizadas sobre
este conjunto de obras, entre 2008 e 2009, em quatro museus
brasileiros, mas com diferentes configurações em cada espaço
expositivo. As fotos mostram a articulação das pinturas com
o lugar em que se apresentaram, o que lhes confere algo de
Apresentação
instalações, criando espaços sobre espaços. Permite ver a
densidade do projeto artístico de Senise, a complexidade de sua
obra, uma reflexão articulada e crítica sobre o sentido da pintura,
um campo possível de ser ativado no presente, pois oferece ainda
uma experiência única de ver e imaginar. De outro, o livro faz um
balanço dos quase 30 anos da carreira do artista, dentro de um
percurso ilustrado sobre um tempo recente.
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O texto de María Iovino, “Território da infinitude”, analisa a
produção artística de Senise para além das noções de identidade
e contexto que prevaleceram nas últimas décadas na interpretação
dos artistas latino–americanos, para afirmá–la como o registro
do enfrentamento disciplinado de questões como tempo, memória,
ausência, e, portanto, parte de “uma cultura universal” e
histórica da pintura.
A magnífica “Cronologia crítica 1977–2007”, organizada por Glória
Ferreira, por sua vez, oferece uma cuidadosa visão retrospectiva
dos trabalhos do artista desde os anos 1980 e dos fatos mais
significativos para o sistema da arte, e recupera, a partir de
extensa pesquisa, textos importantes na leitura da produção de
Senise, justapondo–os a outros também fundamentais dos movimentos
e questões que orientaram o debate sobre a pintura e a arte
nesse período. Além de representar uma valiosa contribuição
à historiografia e crítica de arte contemporânea, a cronologia
oferece um percurso afetivo e prazeroso de um tempo vivido,
resgatando imagens, ideias e comportamentos de uma geração que
põe em movimento o presente, na forma de outra grande “sinfonia
de memórias”.
ivo mesquita
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IVO MESQUITA
é curador–chefe da Pinacoteca
do Estado de São Paulo.
is the chief curator of the Pinacoteca
do Estado de São Paulo.
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maría a. iovino
dedica-se à pesquisa e curadoria de arte
contemporânea com foco na América Latina
especialmente Colômbia. Reside em Bogotá.
is a researcher and curator focusing in Latin
American and Colombian Contemporary Art.
She lives in Bogotá, Colombia.
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Territórios
de infinitude
María A. Iovino
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concebe — como um esquema arquitetônico —
Daniel Senise pressupõe penetrar na cadeia de
para cada obra específica e de acordo com as
investigações e consequências que guiaram seus
necessidades de luminosidade requeridas pela
admiráveis achados e, além do mais, entender
imagem que corresponde a cada desenho.
nesse caminho que esta proposta, apesar de se
Em consequência, no momento de instalar os
desenvolver no domínio do bidimensional e daquilo
fragmentos das diferentes impressões em um su-
que se entende como pintura, é inclassificável em
porte preparado para tal efeito, ele reúne, além
um meio determinado.
da impressão e da concepção construtiva, uma soma
Na obra deste artista, a pintura, a gravu-
de tempos e de espaços — tanto de forma real como
ra, o desenho e a construção espacial convivem em
metafórica. Acopla também neste exercício um jogo
um equilíbrio tão exato que não permite a demar-
de suportes no qual conjuga a superfície em que
cação de fronteiras técnicas entre os diferentes
realiza a obra, a tela que traz a impressão — que
recursos. Nessa medida, localizar processos de
é, originalmente, um suporte para a pintura — e a
trabalho exclusivamente em algum desses espaços,
matéria que traz de outros lugares, retirada dos
além de limitar a diversidade de possibilidades
pisos sobre os quais transitaram.
de reflexão que a obra oferece, nega a própria
Daí parte uma das complexidades filosóficas
essência de qualquer meio que se queira entender
e de interpretação deste trabalho, pois, não sen-
como principal.
do exata a definição de suporte, que tradicional-
Daniel Senise gera suas imagens a partir
mente se admite como o tema estável de uma argu-
de uma indagação que estabelece um diálogo en-
mentação, o conteúdo da obra se abre ao incerto e
tre impressões, tiradas diretamente de realidades
ao variável da simultaneidade. Na obra de Daniel
diversas, e concepções de imagem e de espaço que
Senise, convive, em uma mesma imagem e superfície,
são produto de sua reflexão. No entanto, são muitos
uma multiplicidade de suportes e histórias, mas,
os aspectos inovadores desta obra. O primeiro é a
além disso, esses suportes representam espaços
própria natureza da matéria pictórica com que o
que são estranhos aos que pertencem. Não há cor-
artista trabalha. Faz pintura com a informação que
respondência entre o lugar de origem da monotipia
extrai dos mais diversos lugares e, naturalmente,
e o espaço representado. Esse é um dos estranha-
em tempos distintos e desiguais. Seu procedimento
mentos materiais produzido pelo artista, ao qual
consiste em aderir a pisos, marcados pela passagem
se agrega o fato de a construção ser uma sinfonia
do tempo, telas tradicionais, usando uma mistura
de memórias.
de cola de marceneiro e água, que espalha sobre
Isso pressupõe que, além da ilusão de pers-
as telas. Quando separa os tecidos, depois de um
pectiva gerada pelas imagens de Daniel Senise em
tempo de secagem, eles trazem matéria do lugar, do
sua obra, há outras múltiplas perspectivas inter-
dado essencial da estrutura e da história em que
nas que comportam os tempos–espaços que se mistu-
se inseriram.
ram em cada trabalho.
Isso quer dizer que, na pintura de Daniel
Esses espaços bidimensionais de aparência
Senise, a cor e o gesto provêm de traços da memó-
tridimensional são, basicamente, construções pla-
ria ou de vestígios da ocupação de espaços que se
nas que encerram um número incalculável de dimen-
acumulam no plano único dos solos nos quais desen-
sões, manifestado nas memórias trazidas por cada
volve parte de seu processo criativo; por isso, em
fragmento de gravura que as conforma.
primeira instância sua obra é um registro. Depois
dessa captura monotípica do real, o artista frag-
partir de suportes, é uma impressão a mais. Assim,
menta e mistura os cortes das distintas camadas de
nesta obra, a conversão de tempos e realidades,
acordo com as formas projetadas nos desenhos que
somada à envolvente monumentalidade do formato e
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Acessar uma obra tão particular como a de
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Às vezes, a imagem obtida, trabalhada a
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de qualquer outro discurso ou tendência racional.
e leva o espectador a um espaço distinto do me-
Nenhum aspecto da obra deste artista está cerca-
ramente frontal, mesmo que isso aconteça também
do por discursos. As propostas intelectuais são
nos casos em que o formato nem sequer é monumen-
forças com as quais evidentemente o trabalho tem
tal. Além do mais, às vezes esses suportes são o
relação, mas elas devem ser desentranhadas nas ma-
apoio de estruturas que se alçam ou se enterram no
neiras específicas em que o artista estruturou seu
vazio; esta é outra maneira que o artista usa para
pensamento e alimentou suas buscas de autodidata.
quebrar a qualidade de superfície do plano para
Por outro lado, é compreensível que os
convertê–lo em um universo em que a imersão não
recursos organizativos das imagens de Daniel
tem fim.
Senise revelem de maneira importante sua formação
No plano e a partir do plano, as cons-
de engenheiro, embora em sua carreira de artista
truções e projeções espaciais de Daniel Senise
ela sobreviva em espaços já distantes e indefiní-
despertam no espectador a consciência da veloci-
veis. Da mesma maneira, são inegáveis os
dade que o circunda. A metáfora seria então a de
diálogos sensoriais e racionais que estabelece
uma mobilidade incontrolável, pois cada questão
com a tradição artística brasileira, assim como
no tempo e no espaço é cimento e apoio para ou-
com a história da arte em geral. Mas, ainda assim,
tras; é uma das formas de circulação infinita que
a personalidade deste trabalho continua alheia aos
este trabalho oferece entre as noções de começo
marcos teóricos ou às referências estabelecidas.
e de fim. O que indica que cada elemento no es-
Não há citações da tradição ocidental, nem mesmo
paço é suporte e, ao mesmo tempo, superfície. As
da latino–americana, a partir das quais possa ser
duas funções estão fundidas e também diferencia-
lido ampla e suficientemente. Se, por necessidade
das. As impressões dos pisos continuam aludindo a
conceitual, estes lhe forem impostos, o alcance de
suportes de memória, mas alteram sua natureza em
uma obra tão rica em conteúdos poderá ficar redu-
desenho sobre outro plano no qual o artista fala
zido ao clichê, o que implica perder um aporte de
de profundidade.
grande valor para a construção filosófica e cultural
Pelas mesmas razões, a humanidade e o sen-
da América Latina e, em particular, do Brasil.
timento povoam cada fragmento mínimo dos espaços
As rotas que podem conduzir a uma aprecia-
racionais, desolados e abissais de Daniel Senise.
ção mais completa e complexa de obras como a de
Neles, a emocionalidade não é impressa apenas pela
Daniel Senise, que se apoiam em muitos territó-
riqueza do gesto da matéria–prima e da vertigem
rios sem pertencer a nenhum, estão por construir
que incita a exatidão do cálculo das projeções es-
ou em construção. Por essas mesmas razões, um
paciais, mas também pela viagem a que conduz cada
trabalho como o seu, que não recorre às retóri-
um de seus elementos componentes. Esse contraste
cas políticas e sociais, mas se edifica nas cir-
entre o poder do gesto e o controle construtivo
cunstâncias de um continente estigmatizado por
permite que se possa, no silêncio imponente da
essa visão, pode ser visto como um comportamento
pintura de Daniel Senise, entender a voz mínima
latino–americano atípico e, consequentemente,
e imprescindível de cada partícula do mundo vivo.
um lugar impreciso e vago.
Assim, apesar de sua estrutura geométrica
Na América Latina, a proposta geométrica
e racional, é impossível ler uma obra como a deste
na arte foi lida, essencialmente, como uma
artista a partir dos preceitos da pintura geomé-
contrarresposta à proposição geométrica abstrata
trica abstrata ou partir dos preceitos do moder-
formulada na Europa, não como racionalização
nismo, não obstante a repercussão que teve na arte
própria ou como produto independente. Sempre
e na arquitetura do Brasil. Tampouco seria possí-
em comunicação para negar ou para traçar
vel acessar este trabalho a partir dos parâmetros
independência em relação a alguns parâmetros que
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da própria imagem, quebra a limitação do plano
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opõe ao identitário foi ter anulado a importância
De qualquer forma, é lógico que tivesse sido
do lugar para favorecer um cenário vago no qual
entendido dessa maneira, na medida que na história
aparentemente não existiriam suportes de nenhum
do continente, assim como na da cultura ocidental,
tipo para as diferentes concepções. O suporte
os temas abstratos se desenvolveram em um cenário
pode ser desconcertante, múltiplo, variável e,
difícil, no qual se tornaram híbridas as adoções
inclusive, um assunto incógnito, como adverte a
e as imposições das culturas de maior poder
obra de Daniel Senise, mas existe.
econômico. Embora isso sempre tenha acontecido no
Embora o fluxo do intercâmbio com outras
meio de esforços notáveis para fazer adaptações que
realidades aporte constantemente novos dados, o
oferecessem interpretações de lugar, estas, pela
lugar onde se vive ou a partir do qual se olha o
própria condição política em que foram abordadas,
mundo como paisagem e como campo no qual se pro-
em geral se politizaram, romantizaram ou, inclusive, duz e se ouve determinada sonoridade não pode
se exotizaram como versões do subdesenvolvimento.
deixar de exercer uma influência decisiva no pro-
No entanto, é importante reconhecer
cesso de construção do olhar. Assim, o lugar pode
hoje que o século XXI herdou do XX atitudes
ser ressemantizado, mas não eliminado. A questão
intelectuais e propostas artísticas que não são
é que não se trata mais de identificação, que é um
despenhadas na resistência, apesar de serem gera-
conceito restritivo atado a preceitos discursivos,
das ou fortalecidas em lugares tradicionalmente
mas de pertencimento, que é uma posição flexível e,
compreendidos, a partir de si mesmos e a partir
no entanto, acomodável às mudanças das circuns-
de fora, nessa condição de contradição política.
tâncias e, inclusive, à própria mudança de lugar.
No enlace ocorrido entre a maturação dos
Dessa maneira se entende que um lugar possa ser
processos políticos da América Latina, da expansão
ao mesmo tempo o próprio e outros mais.
da comunicação, da aceleração na cobertura e da
No caso particular da arte produzida na
capacidade de espaços da internet, assim como da
América Latina ou como latino–americana, a reflexão
popularização e da democratização dos transportes
acerca do lugar está ligada à da memória, mesmo
e das conexões entre diferentes lugares do mun-
que esta não apareça como objetivo expresso de
do, cresceu com muita naturalidade o sentimento
um determinado projeto criativo.
de pertencimento a uma cultura universal, ao lado
Levando–se em conta que na base de toda
da ideia de livre mobilidade por qualquer tipo
estrutura poética a memória é o ingrediente de
de espaços informativos, educativos, culturais e,
fundo, no continente este foi por décadas o grande
inclusive, geográficos e espaciais.
tópico da produção artística e intelectual, ques-
Não obstante, mesmo quando se considera
tão que se explica por sua condição histórica.
que foi assimilada uma nova realidade em que
Na América Latina, a reflexão sobre o que o passado
as fronteiras do pensamento estão cada vez mais
significa no presente surge da necessidade — e isso
dissolvidas, persiste a permanência de discur-
de maneira espontânea —, a partir de distintas
sos viciosos de identidade, fato que pressupõe a
ocasiões, e não só por meio do diálogo estrito com
necessidade de amadurecer uma compreensão distinta
a narrativa social ou a dificuldade de seu devir
na qual a comunicação com o lugar seja assumida
político. O contato com o labirinto criado pela
de forma natural e não forçada, em uma competição
fusão — muitas vezes inarticulada — de realidades
entre dominadores e dominados.
obriga a entender tanto o originário como a com-
plicada trama dos acontecimentos.
É impossível reconhecer há mais de um sé-
culo, e em especial no presente, o próprio ter-
Como todos os países que trabalham para
ritório fora de um diálogo entre muitas culturas,
se libertar de diversos processos de colonização,
espaços e interesses. O erro do discurso que se
para os latino–americanos o trauma central foi a
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não é possível acolher ou que se evita favorecer.
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Bumerangue 1994 (detalhe)
Esmalte sintético e óxido de ferro sobre tela, 165x256cm (obra p.134–135)
Boomerang 1994 (detail)
Synthetic enamel and iron oxide on canvas 64.9x100.7in (work p.134–135)
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não como corpo, e seus vestígios fazem uma inti-
negação cultural e a destruição de suas tradições
nerância infinita, não apenas pelo movimento que
e crenças, mediante uma intensa e urgente tare-
propõem como desenho, mas pela atividade mesma
fa de silenciamento e ideias impostas em todos os
do rastro impresso, cuja oxidação não se detém.
campos que permitem interpretar o mundo e o uni-
Equivale a dizer que a memória é tratada
verso. Entre as múltiplas negações estão não ape-
neste trabalho como atualidade, como presente,
nas as construções culturais, mas também a própria
e não como testemunho de um tempo passado. Na
paisagem e o entorno mais próximo. Isso explica
obra de Daniel Senise, o tempo é concebido como
o fato de que a criação crítica tivesse procurado
uma questão em ação, e em ação múltipla. Daí que
desentranhar, de várias maneiras, uma atmosfera
as obras realizadas a partir de interconexões
própria através de diversos mecanismos, apesar
de impressões feitas em camadas sejam a negação
de não existir uma programação para fazê–lo.
de um êxtase do registro, como o é, também, a
Não é acontextual então que entre os moti-
conversão dos distintos suportes impressos em
vos centrais da reflexão de Daniel Senise estejam
estruturas ou em edificações totalmente estranhas
a memória, a expansão do tempo e do espaço, que
à sua natureza de origem.
em seu trabalho obrigam a sentir o infinito. Da
Por esse mesmo motivo, a inquietude de
mesma forma, é compreensível que o artista pen-
Daniel Senise desde que realizou o primeiro mono-
se nestes temas em um sentido pessoal no qual
tipo no piso de seu ateliê foi alterar a situação
não contam avaliações de ordem social, histórica
monolítica distinta, referida a outro lugar.
ou política. Não existe formato algum capaz de
Esta é outra forma de circulação infinita que a
precisar suficientemente quais são os domínios da
obra de Daniel Senise adota. Nela, o passado é
memória, pois esta é, afinal, a matéria que compõe
sempre presente.
cada sensação, percepção, reflexão e concepção vi-
De fato, a primeira impressão não foi con-
tal. São incontáveis as maneiras de se aproximar
sequência de uma indagação de registro, mas um
dela e de expressá–la.
acidente que apresentou novas possibilidades de
No caso da obra de Daniel Senise, o ar-
representar o material, quando a obra do artista
tista pensou na matéria como uma voz autônoma e
ainda podia ser definida mais estritamente como
como expressão per se desde os primeiros trabalhos
pintura. Uma tela que preparava para usar em um
nos quais investigou imagens e processos que lhe
trabalho aderiu com mais força ao solo do ateliê
permitiram revelar sua forma de perceber o mundo e
por um excesso de aplicação de tinta acrílica.
suas questões.
A tinta traspassou a tela fina, provocando assim
O exemplo mais claro desse modo de operar
a aderência. A separação da tela trouxe então
é constituído pelos traços de movimentos infinitos
consigo camadas da história do espaço em que
feitos com a oxidação de pregos, um exercício mais
estava, e as mais visíveis foram os rastros do
direto desse pensamento. O desenho que o artis-
trabalho que Daniel Senise estava então desenvol-
ta dispôs em determinado percurso sobre a tela
vendo. Naquele momento, sua experimentação con-
fez dele o elemento mesmo com sua própria oxida-
sistia em sobrepor superfícies de material, nas
ção. Depois de ocorrido esse fenômeno de tempo e
quais depois fazia extrações para deixar desta
de vida, a realidade como matéria foi retirada da
maneira traços de uma atividade distinta sobre a
obra para que ela fizesse de si mesma sua evocação.
pintura. No entanto, essa primeira tela impressa,
Ausência, então, é um conceito chave na
que recolheu os resíduos que haviam caído no chão
obra do artista, com o qual edifica um jogo de
durante a elaboração de vários exercícios, pare-
acesso às diferentes camadas da memória. Nesta
cia também uma obra sua, como o próprio artista
obra, os pregos se fazem presentes como rastros,
esclareceu em várias entrevistas.
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perda e o descontrole da memória a que levaram a
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Só encontra quem está procurando, e nesse
mantêm ausentes a coisificação e a realidade viva
sentido foi que aquele acaso desembocou em refle-
e mutável do material.
xões e concepções sobre a memória, a imagem e o
Com essa lógica, em obras como as aqui men-
espaço de crescente complexidade.
cionadas, o projeto de Daniel Senise já entrara em
Enquanto experimentava a oxidação dos pre-
um tempo e um espaço metafísico, percepção que em
gos e de outros sólidos metálicos, Daniel Senise
seguida ele incrementa bastante por meio da auste-
também estudava, com suas pinturas, imagens icô-
ra construção de espaços e estruturas a partir das
nicas da história da arte e da ilustração como
impressões tiradas dos pisos e pelo desaparecimen-
representação e ausência, como formas de habitar
to total em suas imagens de qualquer esquema do
o espaço e de se expressar nele em distintas or-
corpo humano.
dens. A essas séries pertencem obras como Retrato
Embora no começo tenham representado cons-
da mãe do artista (1992, p.215), Despacho (1993,
truções reais, esses espaços levaram o trabalho
p.220) e Casamento (1994, p.224), inspiradas
do artista a passar radicalmente ao terreno da
na conhecida pintura do artista norte–americano
reflexão abstrata, e isto em uma solução de todo
James Whistler; Mountain e Cliff (1994, p.132–
pessoal. O que não está neles são muitas coisas:
133), inspiradas na obra do pintor alemão Caspar
o lugar e a realidade de onde provêm, os seres
David Friedrich, assim como Ela que não está
que os habitam e o interminável entorno em que
(1994, p.126–131), inspirada no esquema de restau-
se projetam, e o chamado ao infinito em que se
ração por perda de material de um dos afrescos do
sustentam. Com esses mecanismos, Daniel Senise
pintor italiano Giotto, na capela Barci da Igreja
leva a sonoridade e a importância do imenso mundo,
da Santa Cruz, de Florença. O artista conheceu a
que por força se distancia de qualquer proposta
imagem nos livros em que estudava história da arte
de representação, a uma instância de maior poder
e depois diretamente em uma viagem àquela cida-
metafórico e poético.
de italiana, em 1994. O fato de tê–la estudado
Interpretei com insistência em outros es-
primeiro em um impresso no qual se manifestava a
tudos e textos que esse chamado ao infinito e a um
deterioração e o processo de restauração da obra
tempo–espaço circular, instável e complexo na arte
gerou a ênfase na observação e reflexão que Daniel
e no pensamento que amadureceu sob os esquemas do
Senise fez do ausente nela.
moderno e do contemporâneo na América Latina —
ou no campo de ação latino–americano — tem uma
Em especial neste último trabalho, a
observação do artista se concentra naquilo que
relação direta com a libertação do tempo–espaço
desapareceu, uma questão vital que encerra uma
único, plano e quieto da fotografia. E também com
explicação do mundo e sem a qual é impossível
o das importações discursivas de diferentes or-
decifrar um conteúdo ou uma mensagem. É uma
dens: políticas, econômicas, sociais, artísticas
reflexão muito semelhante a que faz o artista
e intelectuais em geral, que submeteram os Estados
francês Marcel Duchamp na obra Tu manque qui
latino–americanos, em sua nascente história, a uma
(1918), a marca final de seu trabalho em pintura
ordem rígida, central, monocular, na qual pareciam
e o começo do desenvolvimento de sua reflexão
ter resolvido de muitas maneiras o problema de
sobre o mundo objetal. Em Tu manque qui, Duchamp
interpretação do real, a partir da compreensão do
representou apenas a sombra do cabide e com o
tempo, do espaço e da história, comparáveis às do
título apontou sua ausência, para se referir,
plano fotográfico.
com esse ato, a uma falha da representação
Em primeiro lugar, concebi–o desta maneira
pictórica e inclusive fotográfica, que consiste
porque lembrei que no continente, na maioria dos
em fornecer uma expressão acerca do real ao
casos, as academias de arte foram fundadas depois
retrato de um fragmento aplanado, enquanto se
de a fotografia ter sido amplamente experimentada.
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para se integrar com a mesma velocidade ao estudo
com seu apoio para o treinamento em padrões rígi-
da imagem nos ateliês de pintura e escultura.
dos da correta representação do real, alimentados
Como complemento a essa situação de descon-
por um neoclassicismo e romantismo que se preten-
certo acerca do que implica a apreensão do real,
dia aclimatar.
se soma o fato de que mais tarde aparece o cine-
Isso implicou o achatamento e a simplifica-
ma, integrando–se ao mesmo entendimento plano e
ção da dificílima apreensão do real que havia sido
fragmentado, mas agora em movimento, poucos anos
trabalhada por séculos nas academias históricas,
depois de seus primeiros passos na Europa.
e também, em consequência, a destruição do exercí-
Como consequência desse processo, não é de
cio filosófico e de observação em que a realidade
se estranhar que quando teve início a assimilação
se compreende inabarcável e inapreensível e, por
dos trabalhos vanguardistas na América Latina —
essa razão, sujeita a uma interpretação, através
quando, na Europa, através das imagens do cubismo
de códigos e símbolos como os do horizonte, da
e do surrealismo estava sendo entendida a ruptura
fuga, ou da estrutura geométrica, etc.
do tempo único e se desenvolvendo uma filosofia da
Pelo contrário, a fotografia chega com
simultaneidade — esse produto tenha sido acolhido
essa abstração resoluta no interior de um aparato
no novo mundo de maneira plana e frontal e dentro
construído a partir da lógica cartesiana, na qual
da lógica estrutural do tempo linear e inerte da
o mundo se ordena em um eixo matemático simétrico.
fotografia. Não era possível conceber no continente
A realidade que se observou então foi a da câmera,
a transcendência do tempo único refutada desde o
que faz um registro exclusivamente frontal e,
Impressionismo sem que se tivesse especulado sobre
além disso, fragmentado e compactado em um único
a instabilidade do real e quando, pelo contrário,
plano, no qual o horizonte se transforma em linha
os avanços da fotografia, que era trabalhada como
reta e finita, apagando desta maneira a noção da
o principal apoio do entendimento da imagem na
circularidade do mesmo, e da mesma forma a do
academia, afirmava a possibilidade de congelar o
tempo–espaço.
instante e, com ele, a imagem.
México, Brasil e Cuba tiveram a sorte
No século XX, a fotografia se transformou em
de ter fundado as primeiras academias da Améri-
texto que documenta e testemunha o real de maneira
ca Latina, em 1783 (México), 1818 (Cuba) e 1826
irrefutável, e por isso países como os latino–ame-
(Brasil). Este fato, apesar de ter propiciado uma
ricanos não podiam tampouco renegar os discursos
vantagem no exercício da observação direta da
que lhes eram impostos a partir de fora sem fazer
realidade no que se refere ao que aconteceu em
a revisão filosófica que a arte fez sobre o verídico
outros países, ocorreu, de qualquer maneira, por
e documentável da realidade no fotográfico. A eman-
meio dos padrões neoclássicos estudados no novo
cipação filosófica em todos os campos deve ter sido
mundo, fundamentalmente a partir de gravuras de
por isso mesmo um trabalho simultâneo, em que cada
escolas europeias. Isso quer dizer que além de
um se alimentava dos avanços e progressos do outro
não priorizar no estudo da imagem o livre exercí-
para tecer algo realmente próprio.
cio da observação e compreensão do próprio entor-
Dessa forma, não se podia entender desde o
no, os primeiros desenvolvimentos das escolas de
começo qual era esse Tu manque qui de que fala-
arte (exceto no México) aconteceram em paralelo
va Marcel Duchamp, nem qual a simultaneidade do
às primeiras experimentações que deram lugar aos
tempo que os cubistas embutiam em uma única cena
testes de fixação da imagem fotográfica na França.
pictórica, como, tampouco, quais as vias de expan-
E também poucos anos depois do anúncio oficial do
são bidimensional que levaram a pintura a sair da
surgimento da fotografia (1839), meio que chegou de
moldura até abordar o tempo–espaço da instalação,
maneira surpreendentemente rápida ao continente,
da ambientação e da performance. As primeiras ado-
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Territórios de infinitude
Este fato pressupõe que desde o começo se contara
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a partir de fronteiras de percepção muito mais
temporização da imagem a partir de um formalismo
amplas e diversificadas do que as da literalidade e
superficial. Esse exercício foi desempenhado, além
da leitura política e social a que foram forçadas
do mais, na maioria dos casos, a partir de repro-
nos primeiros passos.
duções de obras da história da arte, o que, além
Na poética de Daniel Senise se compreende
de desvirtuar questões de formato, qualidade, cor,
que o ausente na representação da realidade é o
técnica e profundidade, reforçou a relação com a
mundo que está fora do horizonte finito, a vida
moldura e o ordenamento fotográfico.
que não se pode formatar nele, que é inefável,
e da qual, no entanto, o artista consegue dar um
Foi durante a manipulação prática dos dis-
cursos mais inovadores que se entendeu, pouco a
aviso espantoso. O interessante e inovador em seu
pouco — enquanto se destituía a integridade dos
caso foi ter assumido o desafio de incluir esse
padrões europeus —, que o tempo e o espaço, como
entendimento no formato da pintura, demonstrando
aquilo que os habita, são assuntos infinitos que
desta maneira a vitalidade de um meio que se
a finitude de nenhum suporte ou concepção pode con-
considerou superado em incontáveis debates ao
ter de nenhuma outra maneira a não ser por meio da
longo do século XX.
poética. Isso aconteceu, como é lógico entender,
A pintura já se enriquecera de grande
em relação à preocupação de compreender e contri-
quantidade de experimentações ao longo da
buir aos temas do contexto.
primeira metade do século XX com a colagem e a
Dessa compreensão expansiva da forma e dos
ensamblagem, com o desenho e a administração de
suportes nasceram obras e processos que não são
um espaço metafísico, de maneira que não foi com
mais aclimatados, mas gerados em estruturas de
esta comunicação de meios que Daniel Senise gerou
pensamento diferentes, como as de Armando Reverón,
outras possibilidades. Foi com o que fez com a
Lygia Clark e Hélio Oiticica, por exemplo. Armando
imagem e com o tempo nesses meios e através da
Reverón dissolveu a imagem em luz e transparência
forma como os fez expressar uma simultaneidade
e depois erigiu um mundo objetal particular, em
distinta, que é a atual.
que a simultaneidade e a velocidade são entendidas
No presente, a representação do mundo che-
a partir de suas próprias leis. Por sua vez, Lygia
gou a distâncias que teriam sido inimagináveis de
Clark e Hélio Oiticica insistiram na importância
alcançar no espaço cósmico; atingiu, também, di-
da linguagem estrutural até dissolver a matéria
mensões subatômicas, que afirmam, cada vez com mais
em comportamento ou na atmosfera do ambiente.
elementos, um infinito que se estende para fora e
Não são poucos os exemplos que podem ser
para dentro de cada partícula da existência e que
mencionados a respeito de projetos que rompem os
em seu movimento constante gera uma quantidade
limites do suporte angular e da estrutura cen-
incalculável de conexões de toda ordem. A palavra
tralista do eixo simétrico. Os mencionados podem
para definir esse acontecimento múltiplo é ‘víncu-
ser simplesmente alguns dos mais notáveis entre
lo’, e vínculo entre uma quantidade inimaginável
os pioneiros. O certo é que o trabalho fortaleci-
de dimensões, das quais não havia notícia quando
do pelos artistas latino–americanos neste sentido
as vanguardas abordaram a simultaneidade no espaço
está conformado no presente por um corpo bastante
e no tempo, paralelamente à formulação da teoria
destacado de obras que, como as de Daniel Senise,
da relatividade.
não são mais concebidas por contradição e em opo-
sição às concepções de outros, mas na integração
que se refere o trabalho de Daniel Senise é ou-
das culturas e das propostas mais plurais, sem que
tra. E o é também porque a elaboração geométrica
esse procedimento as descontextualize. Em con-
com a qual pôde se aproximar dela nasce de con-
sequência, essas posturas também devem ser lidas
clusões distintas.
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Territórios de infinitude
ções são por isso mesmo mais um exercício de con-
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É por estas razões que a simultaneidade a
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Skira I 2009 (detalhe detail)
Papel colado em alumínio, 154,5x333cm (obra p.40–41)
Paper glued on aluminum, 60.8x131.1in (work p.40–41)
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A construção geométrica que a modernidade
a que têm as obras realizadas com papéis oxidados
é resultado de um continuum investigativo ao qual
cendente que o artista fez do suporte e da matéria
foram se somando achados e respostas sobre as di-
como memória, mas é, também, constância de uma fina
mensões do homem e seu universo. Dessas dimensões
sensibilidade e cultura em relação às possibili-
nasceram, progressivamente, abstrações das quais
dades da pintura e do desenho. Dessa maneira se
resultaram muitos dos aparatos físicos e conceitu-
entende que, na insistência de um mesmo argumen-
ais que a América Latina teve que descontruir para
to observado a partir de ângulos muito diversos,
entendê–los e reconstruí–los de outras maneiras,
Daniel Senise tenha conquistado uma clareza dia-
de acordo com suas circunstâncias e necessidades.
mantina acerca do significado do tempo. E daí, ter
Pelo mesmo, e também em muitos casos, com outras
podido usar sua voz para a expressão artística,
funções. Isso porque a desconstrução foi feita de
entendendo a carga que deixa nos distintos corpos,
modo empírico, sem conhecimento da lógica inter-
sem ser literal nem simplista em relação a ela.
na dos sistemas que analisa, fato que desviou os
Os papéis oxidados saíram dos próprios li-
estudos por rotas distintas, que sempre aportam
vros em que o artista estudou imagens da história
outros olhares e objetos de investigação.
da arte. Os textos que em certas ocasiões deixa
Na obra de Daniel Senise, por exemplo, na
visíveis são identificações de obras cujas estampas
indagação autodidata que o artista fez sobre a
estavam aderidas e retirou a fim de usar o papel.
imagem e sua geometria, houve uma redescoberta
Isso permite entender o olhar múltiplo com que o
da perspectiva, em um momento da história em que
artista lê uma mesma informação. Enquanto estuda
não é possível organizar uma composição em nenhum
a história da arte (essencialmente da pintura), o
campo de acordo com as perspectivas centrais ou
faz também com a do suporte em que ela se imprime
simples, e em que, por muito tempo, esteve proble-
e com as possibilidades que tem esse suporte de
matizada a representação figurativa na pintura.
ser superfície de outra argumentação sobre arte,
Daí que em seu trabalho abstrato as projeções di-
através da pintura. É outra maneira de conectar
rijam o espectador a todos os ângulos, incluindo o
o princípio e o fim, de fazer circulações infinitas
que ele próprio ocupa e inserindo–o desta maneira,
com o tempo e a matéria.
de repente, em um grande e acelerado vazio.
A versatilidade com que o artista ofereceu
a pintura aplicada com pincel, depois desses pro-
concepções distintas a um mesmo repertório de
cessos, não faz uma pintura íntegra em um plano.
recursos prova não apenas que nenhuma maneira
Ou seja, não faz uma pintura de tempo linear, mas
ou técnica se esgota quando é redescoberta
sim o contrário — traz até a tradicional maneira
constantemente em outro território, mas que o
de aplicar a cor, o ensinamento da fragmentação e
mesmo pode ser feito com a base de conhecimentos
a comunicação de tempos e espaços que lhe deixaram
herdados dos clássicos. Essas bases alimentam o
os trabalhos de impressão em pisos e de composição
drama dos espaços de Daniel Senise, que não tem
pictórica segundo gradações de oxidação dos papéis.
ressonância com os conflitos da América Latina, e
Com essa lógica, o artista submete a recor-
por consequência não é sensível a eles, mas sim à
tes — agora reticulares — a pintura hiperrealista
profundidade ilimitada da poesia.
que faz a partir das cores do piso de sua habita-
Em seu incessante diálogo com a história da
ção, que depois recompõe em jogos cromáticos, para
arte, Senise conseguiu oferecer leituras contem-
traçar, em escala natural, o corredor que percorre
porâneas a estruturas que deixaram de sê–lo e, no
diariamente conectando as distintas estâncias de
entanto, transportaram no tempo seus dados essen-
seu próprio espaço. Neste caso, o tempo da pintu-
ciais. Uma qualidade pictórica e de desenho como
ra se mescla para falar do mais íntimo da memória,
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trouxe para a América Latina, em diferentes campos, pela passagem dos anos é resultado do olhar trans-
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Quando, em 2006, Daniel Senise volta para
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que também é impreciso e inapreensível, embora
tendimento redutor de América Latina, com a conse-
as medidas e escalas materiais sejam transcritas.
quente perda interpretativa e filosófica que pres-
irremediavelmente, muitos outros, desde os mais
resultados tão originais como aqueles a que leva a
próximos até aqueles a respeito dos quais se pode-
obra de Daniel Senise. Apesar de seu diálogo cria-
ria chegar a dizer que já se apagaram da memória.
tivo se ter fortalecido com a pintura alemã, em
Os nomes que os aportes que se estruturaram
especial com a de Markus Lüpertz e Sigmar Polke,
nestes processos poderiam receber são distintos
assim como com a produção artística norte–ameri-
daqueles com os quais naturalmente foram batizadas
cana durante os anos em que viveu em Nova York, é
as diferentes tendências criativas no século
simplificador deixar de entender o decisivo diálogo
XX, mas sobre estes novos nomes ainda não há
que seu olhar estabelece com a luz, com a paisagem
nada proposto. A arte latino–americana enfrenta,
e com os processos intelectuais e criativos de seu
portanto, um problema de nominalidade, o que,
lugar de origem.
como consequência, repercute em um nome único
Obras como as de Daniel Senise, que não
que acolhe o enorme repertório de processos que
traçam os limitem das considerações de que se
ela inclui.
nutrem, não apenas porque são múltiplas, mas
Tanto a paisagem como a performance e as
porque se submetem ao ritmo das observações
interpretações e acomodações do low tech na Améri-
de seu tempo em um sentido muito amplo, alcançam
ca Latina são chamadas de ‘arte latino–americana’.
uma universalidade que torna o lugar de onde
Dessa maneira, nesse oceano vastíssimo de olhares
provêm distinto, questão que, em geral, marca
e interpretações, favoreceu–se tradicionalmente o
o início de novas narrativas e de outras formas
que se pode vincular com maior facilidade a um en-
de reconhecimento.
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O lugar absolutamente próprio inexiste; nele estão, supõe deixar de entender, entre esses processos,
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obras
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2009
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Skira I 2009
Papel colado em alumínio, 154,5x333cm (detalhe p.42–43)
Paper glued on aluminum, 60.8x131.1in (detail p.42–43)
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Ealumeoila 2009
Acrílica em colagem sobre alumínio, 150x955cm (detalhe p.46–47)
Acrylic paint on collage on aluminum, 59x375.9in (detail p.46–47)
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2008
Sem título 2008
Acrílica sobre colagem em madeira e estrutura de alumínio, 150x500cm (detalhe p.50–51)
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Untitled 2008
Acrylic paint on collage on wood and aluminum structure, 59x196.8in (detail p.50–51)
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Vai que nós levamos as partes que te faltam 2008
Aquarela em papel montado em alumínio, 120x1000cm (detalhes p.54–57)
Watercolor on papel mounted on aluminum, 47.2x393.7in (details p.54–57)
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Legenda 2008
Cretone com impressão de cimento e objeto de plástico, 311x201cm (detalhe p.58)
Cretonne with cement impression and plastic object, 122x79.1in (detail p.58)
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2008
Reino II 2008
Acrílica em colagem sobre alumínio, 215x215cm
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Kingdom II 2008
Acrylic paint on collage on aluminum, 84.6x84.6in
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2007
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Ici et ailleurs 2007
Acrílica em colagem sobre alumínio, 215x215cm (detalhe p.62)
Acrylic paint on collage on aluminum, 84.6x84.6in (detail p.62)
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Closed 2008
Acrílica em colagem sobre alumínio, 150x500cm
Acrylic on collage on aluminum, 59x196.8in
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2007
Reino III 2007
Acrílica sobre colagem em alumínio, 200x300cm (detalhes p.68–71)
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Kingdom III 2007
Acrylic paint on collage on aluminum, 78.7x118.1in (details p.68–71)
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Reino 2006
Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm
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Kingdom 2006
Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in
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Reino I 2006
Acrílica sobre colagem em alumínio, 200x300cm (detalhes p.76–79)
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Kingdom I 2006
Acrylic paint on collage on aluminum, 78.7x118.1in (details p.76–79)
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Ararat 2006
Acrílica sobre colagem em madeira, 320x250cm (detalhe p.80)
Acrylic paint on collage on wood, 125.9x98.4in (detail p.80)
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Invasor I 2006
Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm
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Invader I 2006
Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in
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Encore 2006
Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm
Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in
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Sem título 2005–2009
Acrílica sobre colagem em madeira, 215x430cm (díptico, detalhes p.88–91)
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Untitled 2005–2009
Acrylic paint on collage on wood, 84.6x169.2in (diptych, details p.88–91)
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2006
Aurora Boreal 2006
Acrílica sobre colagem em madeira, 210x420cm (díptico, detalhe p.94–95)
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Aurora Borealis 2006
Acrylic paint on collage on wood, 82.6x165.3in (diptych, detail p.94–95)
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2006
Poça II 2006
Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm
97
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Puddle II 2006
Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in
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2006
Poça III 2006
Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm
99
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Puddle III 2006
Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in
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2005
Obra 2005
Acrílica sobre colagem em madeira, 300x400cm (díptico)
101
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Work 2005
Acrylic paint on collage on wood,118.1x157.4in (diptych)
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2005
103
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Casa 2005
Acrílica sobre colagem em madeira, 215x430cm (díptico)
Acrylic paint on collage on wood, 84.6x169.2in (diptych)
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2004
105
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Misty Peach Vision Petal 2004
Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm (cada, detalhe p.106–107)
Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in (each, detail p.106–107)
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2004
Galeria 2004
Acrílica sobre colagem em madeira, 200x300cm
109
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Gallery 2004
Acrylic paint on collage on wood, 78.7x118.1in
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2003
Piscina 2 2003
Acrílica sobre colagem em madeira, 185x290cm
111
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Pool 2 2003
Acrylic paint on collage on wood, 72.8x114.1in
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2003
Piscina 3 2003
Acrílica sobre colagem em madeira, 185x290cm
113
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Pool 3 2003
Acrylic paint on collage on wood, 72.8x114.1in
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2001
115
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Huntington Hartford Museum 2001
Acrílica sobre colagem em madeira, 200x300cm
Acrylic paint on collage on wood, 78.7x118.1in
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2001
117
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Haus Lange, Krefeld 2001
Acrílica sobre colagem em madeira, 200x300cm
Acrylic paint on collage on wood, 78.7x118.1in
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2001
Sem título 2001
Acrílica sobre colagem em madeira, 215x510cm
119
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Untitled 2001
Acrylic paint on collage on wood, 84.6x200.7in
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2000
121
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Witchal 2000
Acrílica sobre colagem em madeira, 213x426cm (díptico, detalhe p.122–123)
Acrylic paint on collage on wood, 83.8x167.7in (diptych, detail p.122–123)
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1995
Paisagem com levitação 1995
Acrílica, pó de ferro e laca sobre cretone, 130x190cm (detalhe p.124)
125
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Landscape with levitation 1995
Acrylic paint, iron dust and lacquer on cretonne, 51.1x74.8in (detail p.124)
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1994
127
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Ela que não está III 1994
Acrílica, pó de ferro e laca sobre cretone, 193x305cm
Acrylic paint, iron dust and lacquer on cretonne, 75.9x120in
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1994
129
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Ela que não está I 1994
Acrílica, pó de ferro e laca sobre cretone, 193x305cm
Acrylic paint, iron dust and lacquer on cretonne, 75.9x120in
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1994
131
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Ela que não está II 1994
Acrílica, pó de ferro e laca sobre cretone, 193x305cm
Acrylic paint, iron dust and lacquer on cretonne, 75.9x120in
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1994
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Mountain 1994
Laca e pó de madeira sobre lona, 260x178cm
Lacquer and sawdust on canvas, 102.3x70in
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1994
Penhasco 1994
Laca e pó de madeira sobre lona, 260x178cm
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Cliff 1994
Lacquer and sawdust on canvas, 102.3x70in
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1994
Bumerangue 1994
Esmalte sintético e óxido de ferro sobre tela, 165x256cm
135
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Boomerang 1994
Synthetic enamel and iron oxide on canvas, 64.9x100.7in
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1994
Bumerangue 1994
Esmalte sintético e óxido de ferro sobre tela, 165x256cm
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Boomerang 1994
Synthetic enamel and iron oxide on canvas, 64.9x100.7in
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1994
Bumerangue 1994
Esmalte sintético e óxido de ferro sobre tela, 165x256cm
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Boomerang 1994
Synthetic enamel and iron oxide on canvas, 64.9x100.7in
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1992
Quase infinito 1992
Óxido de ferro e esmalte sintético sobre cretone, 72x183cm
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Almost infinite 1992
Iron oxide and synthetic enamel on cretonne, 28.3x72in
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exposições
exhibitions
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MUSEU
DE ARTE
MODERNA
DA BAHIA
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Museu de Arte Moderna da Bahia
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MUSEU
DE ARTE
MODERNA
DO RIO DE
JANEIRO
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Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
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MUSEU DE
ARTE D0
RIO GRANDE
DO SUL
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Museu de Arte do Rio Grande do Sul
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ESTAÇÃO
PINACOTECA
SÃO PAULO
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Estação Pinacoteca de São Paulo
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Glória Ferreira
é Doutora em História da Arte, crítica de arte
e curadora independente. Vive e trabalha no
Rio de Janeiro e em Paris.
has a PhD. in Art History, art critic and independent
curator. She lives and works in Rio de Janeiro and
in Paris.
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daniel senise:
cronologia
crítica
Glória ferreira
colaboração
fernanda lopes
ivair reinaldim
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1977
W.
W.L.
L.140
140—
abril
estacionamento
2008 I – estacionamento
(2/9) 2008 (06/07) 2008
Colagem sobre impressão em jato de tinta, 94x91
101x 92cm
cm
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W.
W.L.
L.140
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April
parking
2008 lot
I – parking
(2/9) 2008
lot (06/07) 2008
Collage on ink jet printing, 37x35.8
39.7x36.2in
in
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A partir de fragmentos de críticas e de entrevistas, esta cronologia da trajetória de Daniel Senise buscou apresentar suas reflexões
e tomadas de posição sobre as questões artísticas e estéticas em
contexto de intensa polêmica envolvendo o chamado retorno da pintura desde os anos 1980. Buscou, igualmente, apresentar o desenEm paralelo, uma Cronologia Geral coloca em relação os
acontecimentos e as reflexões teóricas e críticas de diversas
ordens e de diferentes latitudes, por vezes em oposição, que
se desenvolveram ao longo dos últimos 30 anos. Como cronologia
crítica, visa permitir apreender a história ou, melhor, oferecer elementos para a constituição da história de um período, em
plena expansão do circuito de arte, marcado tanto pelo “retorno”
da pintura quanto, por exemplo, pela ascendência das imagens de
Cronologia crítica: introdução
volvimento de sua produção e as críticas que a têm acompanhado.
reprodução técnica.
Em um primeiro momento, a pluralidade de referências,
mesmo que no sentido apenas pragmático, permite, esperamos,
159
acesso às fontes, em um contexto como o brasileiro — com sua
conhecida precariedade de bibliotecas e centros de documentação
especializados —, em que a maior parte desses textos ainda hoje
não se encontra disponível para consultas.
No entrecruzamento das referências e, assim, menos do
que na pretensão de estabelecer uma linha do tempo inexorável,
com supostos encadeamentos de causas e consequências constituindo uma história da arte linear, a pesquisa convocou amplo universo de acontecimentos artísticos, socioculturais e políticos,
e o mais largo campo possível de reflexões que pontuaram essas
décadas — em particular no que se refere à pintura.
Essa pesquisa tem sua origem no interesse suscitado pelas
estratégias poéticas e reflexões sobre a arte com as quais Daniel
Senise tem enfrentado as problemáticas do universo da pintura
contemporânea. Deriva, igualmente, da inquietação diante de um
debate que continua a ser pautado entre nós, salvo raras e honrosas exceções, ora pela adesão acrítica ao chamado “hedonismo”
da geração de artistas dos anos 80, ora por sua intransigente
negação, grosso modo, sob a alegação de compromissos com o mercado de arte. Só possível, contudo, pelo entusiasmo e confiança
do artista e por ser trabalho em conjunto com Fernanda Lopes e
Ivair Reinaldim ao longo de mais de dois anos.
Nossos agradecimentos se estendem a todos que colaboraram
com indicação de textos, sugestões e documentos, e, em particular, aos autores citados.
Glória Ferreira
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1977
> Fundação do Centre Georges Pompidou (Beaubourg),
Paris.
> Documenta VI, com curadoria de Manfred
Schneckenburger, Kassel, com a participação
inédita de artistas da República Federal da
Alemanha.
> Primeira edição da Skulptur Projekte in Münster,
com curadoria de Klaus Bussmann e Kasper König,
Westfälisches Landesmuseum, em Munique, Alemanha.
> P.S.1: The Institute of Arts and Urban Resources,
Nova York, apresenta as exposições Pattern
Paintings e A Painting Show.
> Exposição Probing the Earth: Contemporary Land
Projects, com curadoria de John Beardsley,
Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington.
> Exposição Pictures, com curadoria de Douglas
Crimp, no Artists Space, Nova York.
> Primeira individual de Anselm Kiefer em uma
instituição germânica, com pinturas explorando
temas da história da Alemanha.
> Exposição Projeto Construtivo Brasileiro, com
curadoria de Aracy Amaral e Lygia Pape, MAM–RJ
e Pinacoteca do Estado, São Paulo.
> Exposição Poéticas Visuais, com curadoria de
Walter Zanini e Julio Plaza, MAC–USP, São Paulo.
> Coletivo Nervo Óptico, em Porto Alegre, publica
o cartazete N.O., n.1.
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O final dos anos 1970 caracteriza–se pela
forte expansão do circuito e do mercado de
arte, com profundas mudanças dos espaços
expositivos, das políticas dos museus e con­
cepção das exposições, criação de numerosos
centros culturais pluridisciplinares, instala­
ção de obras em espaços públicos e multipli­
cação das feiras internacionais de arte.
Em Paris, uma retrospectiva de Marcel
Duchamp inaugura o Centre Georges Pompi­
dou. Apelidado pela imprensa de ‘Pompidosau­
re’, ‘Supermarché cultural’, suscitou, na época,
intensas polêmicas como a acusação, por Jean
Baudrillard, de criar um “vazio cultural”.
Inicialmente idealizado como The
Institute of Art and Urban Resources Inc.
para recuperar construções abandonadas
ou subutilizadas em espaços de exposição
e ateliês de artistas, o P.S.1 transforma–se
em um dos mais importantes centros de arte
contemporânea de Nova York, filiando–se
mais tarde ao MoMA.
No Brasil, em meio ao início da abertu­
ra política e de movimentos populares contra
a ditadura, o contexto é de intenso debate
sobre política cultural, com vistas à constitui­
ção de um circuito para a arte contemporânea
em diversas capitais, como, por exemplo, a
criação do Espaço N.O., em Porto Alegre, e o
NAC, em João Pessoa. No Rio, o MAM catalisa
a atenção dos artistas com suas exposi­
ções, cursos e a Sala Experimental — criada
para possibilitar e estimular a realização de
pesquisas marginalizadas pelas instituições e
galerias comerciais. Contudo, a Sala Experi­
mental é objeto de discussão entre os artistas,
com a publicação de manifestos coletivos
contra os compromissos mercadológicos e
políticas institucionais amadorísticas. Em São
Paulo, o MAC–USP, cuja atuação, sob a dire­
ção de Walter Zanini e colaboração de Julio
Plaza, foi um polo decisivo para o experimen­
talismo desenvolvido pela vanguarda artística
brasileira e para o contato com o meio inter­
nacional ao longo da década de 1970, com
programas como as exposições Jovem Arte
Contemporânea (JAC) e a criação do Núcleo
de Vídeo Tape, disponibilizando um equipa­
mento portapack para a produção de artistas
convidados e promovendo debates e mostras
de trabalhos com as novas mídias. Em 1977, o
MAC–USP apresenta diversas exposições, en­
tre elas Poéticas Visuais, ficando, no entanto,
praticamente fechado no ano seguinte.
No plano da formação de artistas
começam a ocorrer profundas transforma­
ções movidas pela exigência de uma didática
experimental, comprometida com a arte
contemporânea, postulada, por exemplo, pela
Escola Brasil, criada em São Paulo, em 1970,
pelos artistas José Resende, Carlos Fajardo,
Luiz Paulo Baravelli e Frederico Nasser.
A Escola de Artes Visuais do Parque
Lage, criada em 1975, começa a se afirmar
como um novo espaço de formação de artis­
tas, permitindo, segundo Rubens Gerchman,
seu primeiro diretor, “o surgimento de toda
uma produção marginalizada pelo sistema
acadêmico cultural vigente”.
Tomando por modelo a feira de Bâle,
na Suíça, iniciada em 1974, diversas outras
manifestações do gênero são criadas — por
exemplo, a Fiac, em Paris, a Arco, em Madri.
As galerias de arte, surgidas em profusão nos
mais diversos países, incluindo o Brasil, reu­
nidas nessas feiras, têm como estratégia re­
lacionar a comercialização da arte a aconteci­
mentos de ordem mais cultural, contribuindo
para a crescente circulação internacional de
obras e de artistas, o que se ampliará com o
surgimento de novas bienais de arte, como a
de Sydney, de Havana, de Istambul, etc.
Paralelo ao investimento na paisagem
pelos artistas da Land art, generalizam–se
as ações de artistas em lugares externos
ao meio de arte, bem como se incrementa a
encomenda por parte de instituições públi­
cas e privadas de projetos artísticos, não
mais restritos ao universo escultórico, para
o espaço público. Com financiamento da The
Dia Art Foundation, são realizados trabalhos
de grande porte como o Lightning Field, no
Novo México, The Vertical Earth Kilometer,
em Kassel, e o The New York Earth Room, em
Nova York, todos de Walter De Maria. Entre
diversos projetos patrocinados por munici­
palidades, Skulptur Projekte in Münster, na
Alemanha, realizado a cada dez anos (hoje na
sua quarta edição), afirma–se desde então
pela regularidade e pioneirismo de envolvi­
mento de toda a cidade. Sob a curadoria de
Klaus Bussmann e Kasper König, reuniu,
em 1977, 64 artistas.
A década de 1970 é também
considerada o início da chamada ‘Era da
Informática’, com o lançamento do primeiro
computador pessoal, pela Apple, em
1977, e posterior popularização do PC, da
IBM. Importantes eventos internacionais
apresentam as experiências da utilização do
computador como linguagem poética, sendo
Waldemar Cordeiro um dos pioneiros nessas
novas possibilidades.
É nesse contexto de experiências
com vários campos de linguagens, sem a
qualificação anterior de categorias artísticas
e sem estarem restritas aos espaços
convencionais da arte que, em termos
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1978
O incêndio no MAM–RJ consumiu 90% das
obras do acervo e cerca de 200 peças que fa­
ziam parte da exposição Geometria Sensível,
organizada por Roberto Pontual — incluindo
80 obras da fase construtiva do uruguaio
Joaquin Torres–García. Representa um
ponto de inflexão no circuito carioca, entre
outras coisas, pela perda do espaço da Sala
Experimental e a drástica interrupção de
um período de reavaliação das tendências
construtivas na arte brasileira e na América
Latina (cujos marcos são o ensaio Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto
construtivo brasileiro, de Ronaldo Brito, e a
exposição Projeto Construtivo Brasileiro na
Arte, realizada no ano anterior no Rio e em
São Paulo).
Ivair Reinaldim
Criado a partir da fusão do Salão Nacional
de Belas Artes e do Salão Nacional de Arte
Moderna, apesar das reservas e críticas ao
modelo de seleção e julgamento e reco­
nhecida falência histórica desse tipo de
instituição cultural, o Snap congrega, com a
intermediação da Funarte, críticos e artistas
de diversas regiões do país em acirrados
debates para a definição de suas linhas,
representando um aporte significativo para
o meio de arte brasileiro ao longo da década
de 1980.
Glória Ferreira
Cronologia crítica: 1977–1978
internacionais, assiste–se ao fenômeno de
revitalização da pintura e reavaliação de
pintores como Lucien Freud, Francis Bacon e
Philip Guston, entre outros.
Com diferentes matizes e designações,
proliferam análises críticas e exposições:
nos Estados Unidos, às exposições do
P.S.1 (Pattern Paintings e A Painting Show),
sucede, no ano seguinte, a mostra Bad
Painting; na Itália, sob coordenação do
crítico Achille Bonito Oliva, desenvolve–se a
Transvanguarda; na Alemanha, pintores que
iniciaram sua produção na década de 1960,
como Anselm Kiefer, Jo Immendorf, R. A.
Penck e Markus Lüpertz, são caracterizados
como tendência neoexpressionista.
Um pouco mais tarde começam, no
Brasil, as exposições e o debate sobre o retor­
no da pintura. Retorno polêmico e ainda hoje
carente de análises aprofundadas capazes de
incorporar o legado das intensas e acirradas
reflexões sobre a morte da pintura e sua per­
manência, que perpassou o século XX.
161
Glória Ferreira
> Emenda Constitucional Brasileira n.11 revoga
o AI–5, decretado em 13 de dezembro de 1968.
> Exposição URSS 1968–1978, de Droese, Immendorff
e Kunc, em solidariedade à Carta 77, na galeria
Arno Kohnen, Dusseldorf.
> Exposição Bad Painting, com curadoria de Marcia
Tucker, The New Museum, Nova York.
> Criação do Collaborative Projects, Inc. (Colab),
coletivo de artistas contemporâneos voltado para
questões políticas e sociais, Nova York.
> A Funarte, criada em 1975, inicia a publicação
da Coleção Arte Brasileira Contemporânea.
> Exposição Mitos e Vadios, organizada por Ivald
Granato, São Paulo. Hélio Oiticica, de volta ao
Brasil, escreve o texto Delirium ambulatorium e
faz performance com o mesmo nome.
> F
undação do Núcleo de Arte Contemporânea (NAC),
na Paraíba, subordinado à UFPB, com financiamento
da Funarte.
> Exposição Arte Agora III: América Latina:
Geometria Sensível, com curadoria de Roberto
Pontual, MAM–RJ, encerrada tragicamente com o
incêndio do museu.
> Criação do Salão Nacional de Artes Plásticas,
com a fusão do Salão Nacional de Belas Artes e
o Salão Nacional de Arte Moderna.
> Alex Vallauri realiza os primeiros graffitis
em São Paulo.
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“Esta, então, é a natureza irônica do título
bad painting (pintura ruim), que como o
próprio Albertson disse em seu texto no
catálogo, na verdade é uma pintura ‘boa’.
É um trabalho figurativo que desafia, seja
deliberadamente ou em função do desinte­
resse, os cânones clássicos do bom gosto,
do desenho, do material–fonte aceitável, da
execução ou da representação ilusionista.
Em outras palavras, esse é um trabalho que
evita as convenções da arte elevada, seja em
termos da história da arte tradicional ou o
gosto ou moda mais recentes. Mesmo assim,
a ‘bad’ painting emerge de uma tradição de
iconoclastia, e sua sensibilidade romântica
e expressionista a liga a diversos períodos
passados da cultura e da história da arte.
(…) Portanto, a ‘bad’ painting ou ‘ugly’ painting (pintura feia) é definida de acordo com e
em oposição aos cânones do gosto clássico
ou do ‘bom’ gosto, uma categoria extrema­
mente limitada que, como assinala Poggioli,
tende a ser absoluta. Ainda mais porque os
artistas nessa exposição usaram a figura
por muito tempo, de maneiras excêntricas, o
trabalho parece radicalmente oposto às for­
12/04/11 17:42
mas e objetos visualmente diretos e simples
que constituíram a vanguarda pelos últimos
dez anos, e que hoje parece constituir uma
estética classicizada.”
1979
Tucker, Marcia. Bad Painting. Nova York:
The New Museum, 1978.
> Eleição de Margaret Thatcher como primeira–
ministra da Grã–Bretanha.
> Lei da Anistia é sancionada no Brasil.
> Jean–François Lyotard publica o livro La condition
postmoderne.
> Rosalind Krauss publica “Sculpture in the
Expanded Field”, na revista October.
> Achille Bonito Oliva publica o artigo “La
transavanguardia italiana” nas edições italiana
e internacional da revista Flash Art.
> Exposição Europa 79, Kunstaustellungen
Gutenbergstrasse, Stuttgart, Alemanha, reúne
novos pintores alemães, ingleses e italianos.
> Exposição Paris–Moscou, Centre Georges Pompidou,
Paris.
> Exposição Gerry Schum, organizada por D. Mignot,
Stedelijk Museum, Amsterdã, com filmes produzidos
para a Fernsehgalerie Gerry Schum (1968–1970).
> Lançamento do periódico Arte em Revista.
> Frederico Morais publica no jornal O Globo
os primeiros textos sobre a revitalização
da pintura no Brasil: “Abertura também na cor?”
e “O Informalismo está de volta”.
> Exposições Figuração Selvagem, Palácio das Artes,
e Figuração Referencial, MABH, ambas em Belo
Horizonte.
> O coletivo 3NÓS3, formado por Hudnilson Jr.,
Mario Ramiro e Rafael França, realiza suas
primeiras Intervenções Urbanas, São Paulo.
> Inauguração do Espaço N.O. — Centro Alternativo
de Cultura, Porto Alegre, com uma exposição dos
trabalhos do artista pernambucano Paulo Bruscky.
30150006 miolo.indd 162
“Entre outros fatos que marcaram o setor
de artes plásticas nesta década, no
Brasil, podem ser destacados o boom
do mercado de arte, seguido, pouco
depois, do estouro da Collectio, a criação
do Instituto Nacional de Artes Plásticas
(Funarte), como parte da decisão do
governo de manter sob controle o setor,
mediante o maciço financiamento de
atividades várias, inclusive no campo da
vanguarda, o esforço dos artistas por se
organizarem em entidades de classe em
nível internacional (Associação Brasileira
de Artistas Plásticos Profissionais, com
sede no Rio) e regional (Cooperativa
dos Artistas Plásticos de São Paulo), a
condenação do pintor Lincoln Volpini a
um ano de prisão por um Tribunal Militar,
em Juiz de Fora, acusado de realizar
obra atentatória à segurança nacional, o
incêndio do Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, o declínio dos salões de
arte e, ao mesmo tempo, a fusão dos
dois salões oficiais no Salão Nacional de
Artes Plásticas, os sucessivos fracassos
da Bienal de São Paulo, a ativação de
alguns núcleos regionais como produtores
e consumidores de arte, como os eixos
Recife/Olinda/João Pessoa, Brasília/
Goiânia/Cuiabá ou capitais como Belo
Horizonte e Porto Alegre. (…) No que tange
aos meios expressivos, cabe destacar um
novo surto do desenho a partir de 1974,
funcionando ao mesmo tempo como
reação ao caráter autoritário do regime e
à vanguarda como forma de impacto. Se
o audiovisual, entre as novas mídias, teve
um certo sucesso na primeira metade
da década, sobretudo em Minas Gerais,
a videoarte não chegou, efetivamente, a
construir tendência, interessando a poucos
artistas, mas sem eco junto à crítica e
ao público. Em contraposição, cresceu
o interesse em torno da fotografia, que
ascendeu como um dos meios expressivos
mais aptos a captar e revelar a realidade
social brasileira, produzindo trabalhos
de alta voltagem crítica e de um realismo
perfeitamente adequado ao momento. A
gravura sem propriamente renovar–se
voltou a enfatizar o aspecto técnico, e a
escultura, de caráterpúblico, encontrou
apoio governamental, especialmente em
São Paulo. Quanto à pintura, neste final
de década começa a viver um momento
de euforia, como iremos ver mais tarde.”
Morais, Frederico. Arte brasileira,
anos 70: o fim da vanguarda? Módulo,
n.55, setembro de 1979.
12/04/11 17:42
Bonito Oliva, Achille. La transavanguardia
italiana. Flash Art, ed. Italiana, Flash Art
International, n.92–93, outubro/novembro 1979.
30150006 miolo.indd 163
1980
“A década de 60 havia proclamado a morte
da pintura, como culminância de uma atua­
ção radicalmente experimental, organizada
e coesa, fora da qual não haveria salvação.
A morte da pintura seria o símbolo de uma
desejada exaustão, que deveria marcar a
década seguinte com o carisma do con­
ceitualismo e da integração arte/vida em
termos lúcidos, violentos e autofágicos.
Tal não aconteceu. (…)
Ao mesmo tempo, surgiam perspec­
tivas para um experimentalismo moderado
e construtivo, ligado a um procedimento
de raiz, e reabriam–se as velhas questões
da pintura de cavalete, do desenho e da
gravura, e era dado o primeiro sinal de
sistematização e levantamento histórico,
com o lançamento do Dicionário de Artes
Plásticas de Roberto Pontual.”
Cronologia crítica: 1978–1980
“Finalmente a arte retorna aos seus motivos
internos, às razões constitutivas de sua
fatura, ao seu lugar por excelência que é o
labirinto, entendido como ‘trabalho interior’,
como uma perpétua escavação no interior
da substância da pintura. A ideia de arte
nos anos 70 é aquela de reencontrar em si
o prazer e o perigo, de literalmente botar
a mão na massa na matéria do imaginário
feita de derivações e de explorações difíceis,
de aproximações, e nunca de abordagens
definitivas. A obra torna–se um mapa do
nomadismo, do deslocamento progressivo
praticado fora de qualquer direcionamento
preestabelecido pelos artistas que são
cegos que veem, palpitantes e excitados
por uma arte que não se detém diante de
nada, nem mesmo diante da História (…)
Os artistas dos anos 70, aqueles que chamo
de transvanguardistas, redescobrem a
possibilidade de tornar a obra impactante
por meio da apresentação de uma imagem
que é simultaneamente enigma e solução.
Assim, a arte perde seu aspecto noturno e
problemático, de pura interrogação, em nome
de uma luminosidade visual que significa a
possibilidade de realizar obras feitas para
a arte nas quais a obra funciona realmente
como domadora dos olhares, no sentido de
que ela doma o olhar inquieto do espectador,
habituado pela vanguarda, à obra aberta de
caráter incompleto, projetado, de uma arte
que exige a intervenção aperfeiçoadora do
espectador. (…) Hoje, fazer arte significa ter
tudo em cima da mesa numa simultaneidade
rotatória e sincrônica que consegue fundir no
cadinho da obra imagens pessoais e imagens
místicas, signos ligados à história individual
e signos públicos ligados à História da arte e
da cultura.”
Ayala, Walmir. A década de 70: revisão
e madureza. Jornal do Commercio, Caderno
de Leilão, Rio de Janeiro, 13 e 14 de janeiro
163
de 1980.
> Ronald Reagan é eleito o 40º presidente dos EUA.
> Aprovação da emenda que restabelece eleições
diretas para governadores a partir de 1982.
> São publicados os livros La Chambre Claire:
Note sur la Photographie, de Roland Barthes;
Mille Plateaux, de Gilles Deleuze e Félix
Guattari; e La Transavanguardia Italiana,
de Achille Bonito Oliva.
> Realização da 40ª Bienal de Veneza, com a
exposição especial Aperto 80. O pavilhão
internacional incluiu trabalhos de pintores
norte–americanos e europeus, com curadoria de
Achille Bonito Oliva e Harald Szeemann.
> Exposição Les Nouveaux Fauves. Die Neuen Wilden,
Neue Galerie, Sammlug Ludwig, Aix–la–Chapelle.
> Exposição Issue: Social Strategies by Women
Artists, com curadoria de Lucy Lippard, ICA,
Londres.
> Exposição Art of Conscience, the Last Decade,
Wright State University de Dayton.
> Exposição Documents on Minorities, Institute
for Art & Urban Resources, Nova York.
> Exposição Events: Fashion Moda: Taller Boruica.
Artists invite Artists, The New Museum, Nova York.
> Exposição Expressionism: a German Intuition, com
curadoria de Tom Messer, Solomon R. Guggenheim
Museum, Nova York.
> Keith Haring inicia seus desenhos nas estações
de metrô, Nova York.
> A. R. Penck deixa a RDA, instalando–se em Colônia,
Alemanha.
> Joseph Beuys concorre às eleições alemãs como
candidato do partido ecologista.
> Krzysztof Wodiczko realiza sua primeira
projeção de imagens sobre um monumento público,
Universidade de Toronto, Canadá.
> John Lennon é assassinado por Mark Chapman.
> A galeria brasileira ABC no Rio, gerida por
artistas, é aberta em Nova York.
> Encontro Nacional de Críticos de Arte da ABCA,
Curitiba, produzindo–se um documento contra
a censura.
> Exposição Hologramas, organizada por Ivan Isola,
então diretor do MIS–SP, pavilhão da Bienal.
> Inauguração do Espaço ABC da Funarte e da Galeria
Banerj, Rio de Janeiro.
> Criação do Curso de Especialização em História
da Arte e Arquitetura no Brasil, na PUC–Rio.
> Morte de Hélio Oiticica.
> Lançamentos da revista Arte em São Paulo e do
jornal A Parte do Fogo.
> Lançamento de A idade da terra, de Glauber Rocha,
e de Pixote, a lei do mais fraco, de Héctor
Babenco.
O graffiti, fenômeno que apareceu origi­
nalmente no metrô de Nova York, a partir
dos anos 1970, teve grande ímpeto na
década seguinte. Inicialmente caracteri­
zou–se como uma espécie de guerrilha
visual, sendo produzido por artistas prove­
nientes das classes minoritárias (negros
e imigrantes). A passagem do metrô para
os muros da cidade e para as paredes
das galerias de arte, tendo o percurso
de Jean–Michel Basquiat como exemplo
paradigmático, impõe problemas de outra
ordem para a prática, tais como o forma­
to, tipo e proveniência do suporte, bem
como a eliminação da rapidez do gesto na
execução do trabalho. No Brasil, o ‘picho’,
com mensagens de protesto contra a
ditadura militar, cede lugar à lata de spray
industrializada e ao uso do estêncil — per­
mitindo a reprodução e comercialização
das imagens — no início dos anos 1980,
destacando–se artistas como Alex Vallauri,
Carlos Matuck e Waldemar Zaidler.
Ivair Reinaldim
“Os berlinenses Lüpertz e Baselitz e
também o pintor A.R. Penck, natural de
Dresden, e que lhes é próximo, se opõem
no início dos anos 60 à arte americana —
arte pop — que dominava o meio artístico
oficial europeu. Esta oposição os remete a
uma escola com a qual têm afinidades: a
do grupo Cobra, que é marcado tanto pela
América do Norte quanto pelo expressio­
nismo alemão da primeira fase. Contraria­
12/04/11 17:42
mente à cínica rejeição urbana do conteúdo
formal da arte pop, eles cultivam um pathos
trágico e tentam pintar ‘antipinturas’ ‘sem
estilo’ (Baselitz) e lentamente desenvolvem o
vocabulário que lhes é próprio. (…)”
1981
Becker, Wolfgang. “Proposition d’analyse”.
In: Les Nouveaux Fauves — Die Neuen Wilden.
Aix–la–Chapelle: Neue Galerie, Sammlug
Ludwig, 1980.
> F
rançois Mitterrand é eleito presidente da França.
> A Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) faz
suas primeiras vítimas.
> Benjamin Buchloh publica “Figures of authority,
ciphers of regression”, na revista October e Thomas
Lawson publica “Last exit: painting”, na Artforum.
> Exposições Paris, Paris, Centre Georges Pompidou,
Paris, e Moscou–Paris 1900–1930, Museu Pouchkine,
Moscou.
> Exposição Art Allemagne aujourd’hui, com curadoria
de René Block, ARC/Musée d’Art Moderne de la Ville
de Paris.
> Exposição Baroques 81: les débordements d’une
avant–garde internationale, com curadoria de
Catherine Millet, ARC/Musée d’Art Moderne de la
Ville de Paris.
> Início da Figuração Livre, com uma exposição de
jovens pintores franceses realizada no apartamento
do crítico Bernard Lamarche–Vadel, Paris.
> Exposição A New Spirit in Painting, com curadoria
de Nicholas Serota, Norman Rosenthal e Christos
Joachimides, na Royal Academy of Art, Londres.
> Exposição Normal, Neue Galerie/Sammlug Ludwig,
Aachen, Alemanha.
Fundação do grupo Mülheimer Freiheit, nome da rua
> onde estava instalado o ateliê coletivo em torno
de Walter Dahn e Georg Jiri Dokoupil, Colônia,
Alemanha.
> Exposição Downtown Invitational Drawing Show, com
curadoria de Keith Haring, Mudd Club, Nova York.
> Exposição Pictures and Promises, com curadoria de
Barbara Kruger, The Kitchen, Nova York.
> Exposição Figures, Forms and Expressions, no
Albright–Knox, Art Gallery, Buffalo, EUA.
Julian Schnabel inaugura duas exposições simultâneas
> nas galerias Mary Boone e Leo Castelli, em Nova
York, tendo todas as obras vendidas.
Jorge Guinle publica "O conceito da imagem na nova
> pintura do século XX", Módulo n.67.
> Morre o crítico de arte Mario Pedrosa (1901–1981).
Fundação da Cooperativa dos Artistas Plásticos de
> São Paulo.
16ª Bienal de São Paulo, conhecida como “Bienal
> Conceitual”, com curadoria de Walter Zanini, marca
a abolição da premiação e da divisão por delegações
de países, privilegiando a seleção das obras por
analogia de linguagem. Julio Plaza organiza a
mostra Arte Correio.
> Exposição Do Moderno ao Contemporâneo — coleção
Gilberto Chateaubriand, MAM–RJ.
> Exposição itinerante Brasil–Cuiabá: Pintura Cabocla,
com curadoria de Aline Figueiredo, MAM–RJ.
> Exposição Internacional de Arte em Outdoor/Artdoors,
organizada por Paulo Bruscky e Daniel Santiago,
Recife.
> Inauguração da Galeria de Arte do IAB–RJ, com
exposição–síntese de Franz Weissmann.
> Primeiras atuações da Dupla especializada, formada
por Ricardo Basbaum e Alexandre Dacosta, Rio de
Janeiro.
ormação do coletivo Tupinãodá, com Carlos Delfino,
> F
Ciro Cozzolino e José Carratu, São Paulo.
> Lançamento da revista Novos Estudos do Cebrap —
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
> Inauguração do Circo Voador, Rio de Janeiro.
30150006 miolo.indd 164
“Aí entra o lado negativo e ‘decadente’,
pessimista, da nova pintura, que não quer
mais criar um perímetro transcendental ou
transformador. É uma atitude ‘decadente’ e
fechada. Isso é fundamental na nova pintura.
O lado trágico dessa pintura seria a sua não–
combatividade, a sua renúncia ontológica.
Isso seria seu lado problematicamente
expressionista. O não–querer expressar.
E isso seria a proximidade possível. A pro­
ximidade é o pessimismo, não existe outra
proximidade possível. Nessa nova pintura, o
impulso de pintar, essa proximidade, já é
negativa porque é decadente. Agora no plano
abstrato, sendo pessimismo pictórico, ela é
uma não–pintura. Sendo uma não–pintura,
nem mesmo se pronuncia pela negação da
pintura, ela não se afirma, não se positiva.
São termos abstratos de raciocínio. Você,
sendo um pintor cético, não é exatamente
um pintor, você ‘transa’ uma pintura que é
não–pintura; aí surge o paradoxo. (…) A nova
pintura é um movimento ‘decadente’ e ‘con­
servador’, se aceitarmos os termos colocados
pelos antepassados da tradição moderna.
Os antepassados da pintura moderna que­
riam recriar o mundo, pintavam para recriar
o mundo, como falamos antes. Os novos
pintores já partem do princípio de que não
vão poder recriar o mundo, e não querem isso.
Os seus trabalhos explicitam a apropriação
de todo um banco de ideias e tradições já
usadas; fazem a mixagem disso e lançam as
obras no espaço cultural.”
Guinle Filho, Jorge. “A pintura contra a
parede”. Entrevista–debate com Ronaldo Brito,
Tunga e Carlos Vergara. Rio de Janeiro: Espaço
ABC/Funarte, MAM–RJ, 1981.
“Assim, os barrocos dos anos 80 veem seu
território bordejado por dois abismos: aquele
causado pelo desaparecimento da pintura
em sua função de liame social e de bálsamo
espiritual e aquele deixado pelo desmorona­
mento das utopias de substituição propostas
pelas vanguardas. Eles poderão encontrar ali
talvez o seu mérito. Operando uma espécie de
síntese formal entre uma herança depositária
da história da pintura e as propostas vanguar­
distas a que nos conduziram a leitura crítica,
elas nos fazem tomar consciência dos limites
dos movimentos que nestas últimas décadas
dogmaticamente faziam opor tradição pictó­
rica e tradição da vanguarda exigindo que se
escolhesse entre uma ou outra. Eles des­
cobrem o que a pintura formalista rejeitava:
a ancoragem no mundo das imagens e dos
corpos e o que o vanguardismo dispensava:
um saber de formas acumuladas ao longo do
12/04/11 17:42
séculos de história da arte. Figures, formes
and expressions apresentam o trabalho de
15 artistas contemporâneos que usam a figu­
ra com veículo de expressão. Esses artistas
trabalham em uma variedade de mídias e
exploram uma variedade também ampla de
preocupações, indo desde a manipulação da
massa, equilíbrio e outros elementos formais,
até a exploração do potencial expressivo
da figura.”
Millet, Catherine. Les débordements
Kenrich, B.; Currie, W.; Denson,
Kotik, C.; Krane, S.; Collignon, R.;
d’une avant–garde internationale. Baroques 81.
G. R. “Introduction/Acknowledgments”.
Paris: ARC, Musée d’Art Moderne de la Ville
In: Figures, formes and expressions. Buffalo/
de Paris, 1981.
New York: Albrigt–Knox Art Gallery: Cepa
“Voltamos a nos deparar com numerosos
potes de pintura nos ateliês dos artistas e
é raro vermos um cavalete abandonado em
uma escola de arte. Em qualquer local, seja
na Europa ou nos Estados Unidos, encon­
tramos artistas que redescobriram a alegria
pura e simples de pintar. Nos ateliês, nos
cafés, nos bares, em qualquer lugar onde
se reúnem os artistas ou os estudantes, ou­
vimos os debates e as discussões animadas
sobre a pintura. Em resumo, os artistas se
sentem novamente interessados pela pintu­
ra; tornou–se crucial para eles; essa nova
consciência da significação contemporânea
da mais antiga forma de sua arte está cla­
ramente no ar, onde quer que se faça arte.”
A New Spirit in Painting. Londres: Royal
Academy of Art, 1981.
“Em anos recentes, muitos artistas mais
jovens se afastaram dos dogmas estéticos
predominantes no final da década de 1960
e 1970, tal como a estrita formalidade da
arte minimalista e o austero intelectualis­
mo da arte conceitual. Eles rejeitaram o
visual de refinamento frio, apregoado pela
geração de professores e críticos antes
deles, em favor de estilos pessoais diversos
e extremamente pessoais que deram freio
às emoções e uma paixão para a técnica.
O expressionismo e a representação emer­
giram em um vasto conjunto na vanguarda
da arte contemporânea. Com frequência
cada vez maior, os artistas estão empre­
gando imagens reconhecíveis, muitas vezes
carregadas de conotações e imbuídas de
referências à história, cultura contemporâ­
nea, autobiografia e as tradições acadêmi­
cas da arte há muito rejeitadas.
Uma imagem especialmente prepon­
derante atualmente é a figura humana — e
o assunto eterno da fascinação, mas um
que também suporta o peso formidável de
30150006 miolo.indd 165
1982
Cronologia crítica: 1980–1981
curso da história como aluviões na borda
de cada um dos nossos gestos, tão ‘natural’
como se queira ser. ‘A pintura morreu’, pro­
clamavam as vanguardas. ‘Pois que seja,’
respondem estes artistas, ‘vamos fazer pin­
turas com o seu cadáver’. Faustosa múmia
revestida por todas as estéticas inventadas
ao longo do tempo, fonte inesgotável onde
os artistas vêm agora beber com a mesma
liberdade como se fosse uma mala cheia de
velhas roupas que perderam o uso.”
Gallery: HallWalls, 1981.
165
> Realização de eleições legislativas e eleições
diretas para governadores dos estados brasileiros.
> D
ocumenta VII, com curadoria de Rudi Fuchs,
Kassel, com predomínio da recente pintura
figurativa.
> Exposição Zeitgeist International, com curadoria
de Norman Rosenthal e Christos Joachimides,
Kunstausstellung, Berlim.
> Exposições Transvanguardia: Italia/América,
Galleria Cívica, Modène, e Avanguardia–
Transavanguardia, Mura Aureliane, Roma, ambas
com curadoria de Achille Bonito Oliva.
> Exposição L’Air du Temps: Figuration Libre en
France, Galerie d’Art Contemporain des Musées
de Nice.
> Exposição Italian Art Now: an American Perspective
— 1982 Exxon International Exhibition, com
curadoria de Diane Waldman, Solomon R. Guggenheim
Museum, Nova York.
> Exposição Extended Sensibilities: Homosexual
Presence in Contemporary Art, com curadoria
de Dan Cameron, New Museum of Contemporary Art,
Nova York.
> Exposições Image Scavengers: Painting e Image
Scavengers: Photography, ICA, Filadélfia.
> Exposição Art and the Media: a Fatal Attraction,
com curadoria de Thomas Lawson, Renaissance
Society, Chicago.
> Exposição New Figuration in America, Milwaukee
Art Museum.
> Primeira exposição individual de Sigmar Polke,
Holly Solomon Gallery, Nova York.
> Congresso americano aprova a restituição da “arte
nazista de guerra”, sequestrada no final da Segunda
Guerra Mundial, englobando produção de 80 artistas
alemães, participantes da divisão de propaganda
nazista, entre 1941 e 1944.
> Exposição Contemporaneidade — Homenagem a Mario
Pedrosa, MAM–RJ, contando com edição especial
da revista Módulo.
> Exposição Entre a Mancha e a Figura, com curadoria
de Frederico Morais, MAM–RJ.
> Exposição Brasil/Desenho, Palácio das Artes,
Belo Horizonte.
> Exposição Bicicleta, Sala de Exposições do Teatro
Guaíra, Curitiba.
> Inauguração da Gibiteca, Centro Cultural Solar
do Barão, Curitiba, e da Gibiteca do Sesc Pompeia,
São Paulo.
> Inauguração do Centro Cultural São Paulo.
> O MAC–MT instala oficina de experimentação
artística.
> Lançamento da revista Artis, Porto Alegre.
12/04/11 17:42
“Esta nova pintura, que parece indicar, fi­
Leirner, Sheila. Guinle, a pintura como ato
nalmente, o tão esperado estilo dos anos
heroico. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29 de
80 deverá predominar nas duas exposições
junho de 1982.
internacionais mais importantes, a Bienal de
Veneza e a Documenta de Kassel, que serão
“Porque o fato mais geral e significativo é
inauguradas respectivamente nos dias 9 e 19
este: trata–se de um momento de plenitude
deste mês. Além do rótulo energético, outros
da pintura. Porque a pintura aí está, reve­
têm sido aplicados a essa nova produção:
lando prazer e também angústia, alegria e
novos fauves/novos selvagens, na Alemanha;
também tensão, anunciando novos tempos
transvanguarda, na Itália; neobrutalistas,
e também o apocalipse, colocando–se como
entre nós.
cor ou gesto gráfico, como mancha ou figura
O termo ‘transvanguarda’ é o que pare­ ou as duas coisas, simultaneamente, mas, em
ce fadado a maior fortuna crítica. Foi cunhado qualquer dessas situações, caracterizando–se
pelo crítico italiano Achille Bonito Oliva, cura­ como uma entrega total ao ato de pintar.
dor de importantes exposições de vanguarda
O caráter mais evidente da arte atual,
dentro e fora de seu país e autor de vários
a que está presente em Kassel e em Veneza,
livros polêmicos. Bonito Oliva está sempre
é o nomadismo. Como cavalheiros errantes
presente nos diversos circuitos internacionais buscando o santo graal, os artistas atuais,
de arte. Esteve no Brasil em 1976, convidado
especialmente aqueles rotulados de trans­
a organizar uma exposição de vanguarda in­
vanguardistas, viajam através da história da
ternacional na qual os brasileiros teriam boa
arte, dos países, dos estilos, sem qualquer
presença. Percorreu vários estados brasilei­
compromisso, sem qualquer preocupação
ros, deu cursos e conferências, visitou ateliês com genealogias, isto é, sem praticar o que
mas, afinal, a exposição tão esperada não
Bonito Oliva chamava darwinismo linguístico,
saiu, para tristeza de nossa vanguarda. Suas
ou seja, contra uma ideia evolucionista em
opiniões sobre arte brasileira, sumaríssimas,
arte, que implica a absorção e a superação
estão no seu livro Auto–critico/Automóbile:
metódica dos ismos do passado recente.”
Attraverso le Avanguardie, de 1977.”
Morais, Frederico. Entre a mancha e a figura.
Morais, Frederico. A transvanguarda,
último grito vital, vive entre a comédia e o
Rio de Janeiro: MAM, 1982.
formal está cada vez mais dominado. Uma
sintaxe e um léxico que se colocam fora das
molduras constrangedoras, facilmente reco­
nhecíveis (e exploráveis) que se movem na
direção do formalismo. Quando, ao contrário,
ele domina com bastante rapidez seu terri­
tório, acontece de dar marcha a ré e, através
de uma regressão das aparências, colocar em
jogo os mecanismos de uma outra distribui­
ção da imagem. Neste caso, as circunstâncias
materiais intervêm não mais como figuras de
estilo, mas como a operação da passagem
das imagens, o índice de sua mobilidade. Ao
se insinuar no interior de um caos, estas não
são simplesmente projetadas (o que faz de
muitas pinturas uma maneira de aplicação
sumária de efígies coloridas sobre um fundo
branco), elas emergem de sua algazarra à
maneira dos rostos de Chaissac ou de um
meio edênico como imagens muito pictóricas
de Vênus. É da parte deste nascimento que
acontece hoje um dos meios mais ativos de
não parar diante do emblema do imaginário.
(…) Figuração perversa então, como já tínha­
mos sublinhado? Que ela tome a liberdade de
suas figuras, que ela as pictorialize a sua má­
xima intensidade, talvez esta seja a balística
com a qual eu tenha sonhado.”
Girard, Xavier. “Figuration perverse?”.
In: L’Air du Temps: Figuration Libre en France. Nice:
Galerie d’Art Contemporain des Musées de
“Nos salões, nas bienais e nas mostras
Nice, 1982.
internacionais dos últimos dois anos estão
aparecendo obras, especialmente de pintura,
nas quais é visível o gestualismo do autor.
“‘Revival Expressionista’, ‘pintura violenta’,
“Pode–se dizer sem exagero que no momento
O número dessas obras é tão grande que já
‘de volta à estética do choque’, ‘o retorno
em que o novo movimento apareceu na cena
configuram uma nova tendência estética, que
dos Fauves’ ou simplesmente ‘os artistas
artística nos anos 70, o expressionismo — e
poderíamos, sem muito erro, designar de
estão pintando de novo!’ — estas são
em particular a forma de expressionismo
gestualismo pictórico.
algumas reações provocadas pelas mais
ligada aos motivos figurativos e/ou simbólicos
O gestualismo implicaria o ato de pintar — já era há bastante tempo um estilo despre­
novas gerações de artistas, sobretudo
solto e livre, ele facilita que a mão do artista
na Alemanha, Itália e Estados Unidos.
zado e considerado como deteriorado.”
siga os seus impulsos sensoriais numa rela­
Espontaneidade, improvisação, extroversão,
Kramek, Hilton. Signes de la passion.
ção lúdica com a tinta colorindo uma superfí­
energia, gesto, obsessões individuais,
Zeitgeist International. Berlim: Kunstausstellung,
cie plana. Isto porque o gesto de pintar mais
primitivismo são os elementos principais
1982.
dessa linguagem metastática que atribui seu sensitivo é correspondente à personalidade
do autor; e quanto maior for a sua descontra­ “Giulio Carlo Argan: Ouvi com muito
estilo à moderna escola alemã, mas não se
ção e a sua prontidão artística, mais autêntica interesse e, devo dizer, também com sincera
funda em nenhum programa estético.
Depois da arte conceitual, das reduções será a sua marca, o seu traço esboçado sobre admiração, o discurso leal feito por Bonito
a tela.”
Oliva, mas me parece — e não digo isso para
minimalistas (e da correspondente Arte
fechar o debate — que a divergência, enfim,
Povera, na Itália), do didatismo de Beuys,
Abramo, Radha. “Uma pintura gestual”.
se limite a isto: diante de um fenômeno
In: Claudio Kuperman. São Paulo: Galeria São
das experimentações com os meios
Paulo, 1982.
do qual se nega a relevância, do qual não
tecnológicos, body art, performance etc.,
se pode tomar parte, do qual, talvez, não
esta corrente pode soar como um nostálgico
consigamos formular um juízo satisfatório
(e até reacionário) retorno às tradições até
“A questão, como foi o caso em todas as
ou persuasivo, ou totalmente persuasivo, há
agora longamente negligenciadas. Uma
propostas da contracultura — incluindo a art
uma diferença de prognóstico. Sem dúvida
visão mais apurada, porém, pode constatar
brut — , é saber qual articulação pictórica
que estas são posições estéticas realmente
este golpe irá adotar por tempo prolongado. O esta arte é um sinal, e sou o primeiro a
reconhecê–lo e declarei isso.
novas (a despeito e justamente por causa
interesse de uma mediação precipitada é de
da ausência de programa estético) e
que esta transformação já esteja se passando Achille Bonito Oliva: Se há um sentimen­
to presente na transvanguarda é a indiferença,
conscientemente historicistas.”
diante de nossos olhos. Quando o critério
drama. O Globo, Rio de Janeiro, 2 de junho
de 1982.
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as seleções de cinco pessoas diferentes de
tantas direções diferentes em uma única
estrutura. Portanto, o princípio orientador,
derivado do Ohne Leitbild, Anstelle einer
Vorrede (Em vez de um prefácio) de Adorno,
se torna: a ausência de ideias preconcebidas.
Este princípio pode oferecer uma situação
aberta para examinar e possivelmente
rever velhos hábitos e regras estéticas, e de
modo imprevisível iluminar os trabalhos em
exposição. Mas não se afirma ser deliberado
evitar–se o Leitbilder e as normas; a falta de
um conceito pode contribuir também para a
completa perplexidade. O resultado pode ser
um acompanhamento dócil do mais recente
modo do ecletismo, que se presta de forma
tão conveniente a um mosaico facilmente
apelativo de reiterações estilísticas.”
1977
1982
Cronologia crítica: 1982
aquela indiferença que leva mesmo o homem
médio a pular de um canal para o outro da
televisão com a máquina digital, a deslocar–
se velozmente entre um símbolo de imagem
ao outro até tornar essas imagens inter­
cambiáveis. A tragédia da guerra do Vietnã
se consumiu, no início, sob a indiferença
dos olhos do homem americano como pura
imagem, como imagem espetacular, imagem
que perdeu algo da profundidade dramática
e que se achatou no vídeo como um simples
aparecer e desaparecer.
Eu diria que a transvanguarda assimila
esta antropologia da indiferença e a realiza
deslocando–a da velocidade da imagem
televisiva à lentidão viscosa do tempo da
produção da pintura; uma desaceleração
que significa também captura, e que poderia
também significar um achatamento pelo
seu aprofundamento, captura para superar
este achatamento bidimensional, captura
que poderia também significar introspecção,
restituir a esta imagem a profundidade
semântica que parece apagada da civilização
de massa.
Como é possível, porém, requalificar
estas imagens? Através, exatamente, daquele
valor que julgo encontrar na transvanguarda,
o do ecletismo, quando o artista contamina,
reúne os níveis baixos da imaginação
reproduzida na mídia e os níveis altos,
profundos, derivados da tradição histórica
das vanguardas.
Não foi por acaso que denominei esta
atitude, este movimento de ‘transvanguarda’,
porque — e Argan muito lealmente me fez
tomar conhecimento disso — a transvanguar­
da não é uma antivanguarda. Paradoxalmente,
eu diria que a transvanguarda hoje é a única
vanguarda possível.”
Bruggen, Coosje van. “In the Mist Things
Appear Larger”. In: Documenta VII. Kassel:
Nach Folgen der Druck: Verlag Gmbh, 1982.
167
Argan, Giulio Carlo e Oliva, Achille
Bonito. “Art and the crisis of models”.
In: Oliva, Achille Bonito. Transavantgarde
international. Milano: Giancarlo Politi, 1982,
Daniel Senise, Rio de Janeiro, 1955.
p.147–149.
1980
> Conclui curso de Engenharia Civil, UFRJ
> Trabalha como fotográfo, arte–finalista e
programador visual
> Editor de arte das revistas para hotéis
publicadas pela Latin American Marketing Systems
“Além do mais, acontecimentos recentes
na pintura indicam que uma mudança
está ocorrendo de uma atitude conceitual
apolínea para uma atitude dionisíaca.
Consequentemente, Picabia se tornou o novo
campeão do antiestilo eclético. Declarações
como ‘estilo é como uma folha morta’ e
‘gosto de pintar para não ter de pensar’.
Mas pensar para poder pintar é só um
truque de imitação da maré de primavera
do humor que combina perfeitamente com a
época. A Documenta VII nunca foi visualizada
como um todo. Seria impossível encaixar
30150006 miolo.indd 167
1981
> Frequenta a Escola de Artes Visuais do
Parque Lage, Rio de Janeiro (e tem aula
com John Nicholson e Luiz Aquila)
> Começa a trabalhar no Banco Nacional
1982
> Ganha o Prêmio Videotexto com uma história
em quadrinho para crianças
> Aluga ateliê em uma casa de vila na rua
São Clemente, em Botafogo, com Luiz Pizarro,
Angelo Venosa e João Magalhães
Exposições Coletivas
1978
> Desenhos, Galeria Aberta de Ipanema,
Rio de Janeiro
12/04/11 17:42
1983
Estudos para Sem título 1983
Lápis sobre papel
página ao lado
Studies for Untitled 1983
Pencil on paper
next page
> A Aids é relatada em 33 países.
> Início da campanha Diretas Já!
> Exposição Depois do Modernismo — Uma Polêmica
dos Anos 80, Galeria Cômicos, Lisboa.
> Exposição International Mail Art, com curadoria
de Michael Gross Chopp, Berlim.
> Exposição Recent European Painting, The Solomon
Guggenheim Museum, Nova York.
> Exposição Post–Graffiti, Sidney Janis Gallery,
Nova York.
> Exposição Expressions: New Art from Germany,
Saint Louis Art Museum.
> I Bienal Internacional de Vídeo C.D. 83,
com curadoria de S. Dolenc, em Ljubljana.
> Markus Lüpertz concebe os cenários da ópera
Vincent, do compositor Rainer Kunaud, sobre
Van Gogh.
> A pintura Notre Dame, de Julian Schnabel, é
vendida na Sotheby’s por U$ 93.500.
> 17ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Walter
Zanini. No mesmo ano, sob sua organização, é
publicado o livro História geral da arte no
Brasil, em dois volumes, com textos escritos por
especialistas de diversas áreas.
> Exposição Pintura como Meio, com curadoria de
Aracy Amaral, MAC–USP, São Paulo.
> Exposição Arte na Rua, por iniciativa do
MAC–USP, São Paulo.
> Exposição O Tempo do Olhar — Panorama da
Fotografia Brasileira Atual, MNBA–RJ, e MASP–SP.
> Mostra Vídeo Brasil, com curadoria de Arlindo
Machado, São Paulo.
> Exposição Pintura/Brasil, com curadoria de
Frederico Morais, Palácio das Artes, Belo
Horizonte.
> Exposição Pintura Pintura, Fundação Casa de
Rui Barbosa, Rio de Janeiro.
> Exposição Pintando a Festa, EAV Parque Lage,
Rio de Janeiro.
> Centro Empresarial Rio apresenta as exposições:
À Flor da Pele. Pintura & Prazer, com curadoria
de Marcus Lontra, e 3.4 — Grandes Formatos,
com curadoria de Frederico Morais.
> Evento Moto Contínuo, com mostra na Galeria
de Arte da Fundação Cultural de Curitiba e
intervenções nas ruas da cidade.
> Evento Seis Mãos, coletivo formado por Alexandre
Dacosta, Jorge Barrão e Ricardo Basbaum, Circo
Voador, Rio de Janeiro.
> Inauguração da Galeria Thomas Cohn, Rio de
Janeiro.
> Inauguração da Galeria de Arte da UFF, Niterói.
> Criação do Espaço Cultural Sérgio Porto,
Rio de Janeiro.
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“Entre os meios tradicionais de arte
retomados com vigor, a pintura ocupa lugar
privilegiado e na mostra está representada
com uma quantidade de peças bastante
superior à de outras categorias vizinhas
ou distantes. Ela que parecia uma espécie
viva a caminho da extinção reassumiu o
estudo e a reflexão pelo trâmite da busca
de novas investigações plásticas e de ideias.
Uma imaginária emblemática adquiriu
considerável importância nos últimos
anos restaurando atribuições do mundo
das formas e das cores, com padrões
iconográficos e de estilo que recorrem tanto
à informação da história da arte recente
ou antiga como às novas mitologias da
comunicação de massa.”
Zanini, Walter. “Introdução”. In: Catálogo
Geral da 17ª Bienal de São Paulo, 1983.
“A chamada pintura energética parece recusar
justamente essa dúvida e assumir a casua­
lidade, a inutilidade até, da arte. Operando
sobre os dados modernos, aproveitando–se de
suas manobras emancipatórias, ela desconfia,
porém, de qualquer sentido de progresso e
transformação. É cética quanto à lógica da
História da Arte, talvez o dogma principal da
modernidade. O seu único sentido positivo
seria o de atravessá–la, confundir as suas
determinações. Fazê–la lidar, por exemplo,
com um produto híbrido como o seu expres­
sionismo pop — o drama subjetivo no quadro
de uma sociologia desencantada da arte, a
‘energia’ misturada ao sarcasmo indiferente,
a ênfase no sujeito junto à descrença na sua
originalidade. Afinal, teríamos a esquisita cena
de uma subjetividade que se exalta e delicia,
sadomasoquista, com os próprios estereótipos.
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Sem título 1983
Acrílica sobre tela, 160x130cm
Cronologia crítica: 1983
Untitled 1983
Acrylic paint on canvas, 62.9x51.1in
169
> Visita a Bienal de São Paulo
Exposições Coletivas
> Pintura no Parque Lage, Escola
de Artes Visuais do Parque Lage,
Rio de Janeiro
> Em Torno do Parque Lage, Piccola
Galeria, Instituto Italiano de
Cultura, Rio de Janeiro
> Pintura no Metrô, Mezanino do metrô
da Carioca, Rio de Janeiro
> Pintura! Pintura!, Fundação Casa
de Rui Barbosa, Rio de Janeiro
> Trinta Anos de Artes Plásticas,
Edifício Petrobras, Rio de Janeiro
> Propostas Artísticas, Galeria Aberta,
Rio de Janeiro
“Vaso chinês. Entrevista com
Agnaldo Farias”. In: Daniel Senise
2000–2006. Curitiba: Museu Oscar
Niemeyer, 2006.
“Daniel Senise: Ainda que minha mãe desenhasse e meu pai fosse muito criativo, não existia a possibilidade de eu pensar em ser artista. Eles não frequentavam essas coisas, museus, exposições.
Não falavam de arte em casa. Tinha muito livro, que meu avô havia deixado. Meu pai gostava de
comprar enciclopédias, o que era interessante. Quando era muito pequeno, eu quis fazer uma
enciclopédia. Comecei, inclusive. Meu irmão era o meu sócio, mas ele não gostou da trabalheira
e abandonou o projeto. Na época em que nasci, a gente estava naquela maré política difícil. (…)
A gente morou dois anos em São Paulo, porque a Panair do Brasil fechou: meu pai era piloto da
Panair, e foi voar na Vasp. Eu morei só dois anos em São Paulo e a minha vida lá foi jogar bola na
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Convém não esquecer: chegamos a um outro
fim–de–século, e com ele, inexorável, surge,
sempre, um esteticismo decadente.”
170
“Diante de nós, uma ação íntima. Em algu­
‘nova’ pintura. Há dois ou três anos que as
mas, transparece mais visível o rigor; em
páginas dos jornais e revistas especializados
outras, a emoção. É nesse território difuso
estão cobertos de retóricas, prospecções,
que ela opera, ‘entre a ordem e o caos’.
ressentimentos e apologias em forma de
Brito, Ronaldo. “Voltas de pintura”. In: Jorge
história, documento ou poesia sobre o assunto.
O importante é controlar o gesto e arriscar
Guinle. 17ª Bienal de São Paulo, 1983. (cartaz)
Os artistas (e também os não–artistas) têm
o rigor. Não existem opções exclusivas,
não existem imposições.
finalmente a permissão. Experimentam o sa­
“Sejam os neoexpressionistas alemães que,
bor de uma ‘liberdade’ feita de leis: expansão,
Inspirar e expirar são movimentos
armados dos preceitos expressionistas do
do corpo, movimentos de um mesmo ato.
imagem, mau gosto, subjetividade, primitivis­
início do século, os colocam à luz da nova
mo, arcaísmo, exteriorização, etc., etc., etc…
E é entre eles, neste exato momento do
sensibilidade; sejam os transvanguardistas
jogo, que aparece o prazer; questão de
Nadam no ‘pluralismo’, o último achado
italianos que se nutrem da arte mural
essência. Foi dito acima que a festa acabara. de um modernismo exausto, escolhendo
Pompeiana ou das miniaturas indianas
Engano. A festa continua. É a festa do olhar.” entre um enorme sortimento de atraentes
(Francesco Clemente), ou da arte
rótulos — Arte Narrativa, Estampa e Decora­
neorromântica do início do século XX
Costa, Marcus Lontra. “A essência
ção, Nova Imagem, Nova Onda, Naive Nouveau,
(Sandro Chia); seja a arte dos grafitti
do prazer”. In: À flor da pele: pintura e prazer.
Energismo — o estilo mais adaptável aos pró­
artists americanos (Keith Harring), ou
Rio de Janeiro: Centro Empresarial Rio, 1983.
prios, e sempre autorreferenciais, propósitos.
enfim, na incorporação de toda uma gama
Muitos, sem a consciência de que estão diante
de justaposições da história da arte, como
“Na liberdade de agir há agora qualquer coi­
de novas normas que são contra as normas,
nos trabalhos de Julian Schnabel; o uso do
sa de Picabia, artista dadaísta e pintor que,
de novos valores antivalores, entregam–se à
decorativismo em Robert Kushner, todos os
como o francês Marcel Duchamp na década
euforia ilusória da subversão. Outros constro­
artistas parecem sugerir uma sensibilidade
de 70, começa a ser lembrado como um dos
em, de fato, um ‘novo mundo’ dentro do caos.
pós–modernista e, acima de tudo, negam a
artistas–modelo dos anos 80. A pintura com
Todos tomam telas e tintas: pintam, pintam,
historicidade “racional” da arte moderna com alegria e irreverência.”
pintam. O que ficará, veremos a seguir.”
seus avanços e recuos.”
Coutinho, Wilson. Na flor do prazer. Jornal
Guinle Filho, Jorge. Leonilson: A implosão
da imagem. Módulo, n.75, Rio de Janeiro, 1983,
p.47–48.
“Surge então a pintura integrada ao am­
biente, espaço bidimensional que recebe
a pintura e no qual a ausência de moldura
confere uma intermediação insinuante
como em todos os artistas que se utilizam
deste ‘artifício’ desmistificador, entre o
espaço real e o virtual de seu trabalho
pictórico. Transparece assim uma pintura
desnuda em seu naturismo, independente
do fato de ser figurativa ou não, porém
como comunicação visual plástica válida em
si, sem a pose da ‘grande pintura’, embora
substancialmente pintura.”
do Brasil, Rio de Janeiro, 6 de maio de 1983.
“E não por acaso, a nova pintura dos anos
80, frequentemente suja e caótica, tem sido
definida como ‘antiautoritária’. As novas
tendências informais/figurativas, com toda
sua carga de violência e emoção, de humor
e sujeira, de temas obscenos e desbragada
fantasia, surgem, assim, como uma reação
à tautologia da arte conceitual, com seu
intelectualismo hermético, e à assepsia da
arte construtiva, em suas vertentes mais
radicais, com seus sistemas, sua lógica
e seu rigor purista.”
Morais, Frederico. “Gosto deste cheiro de
pintura…”. In: 3.4 — Grandes Formatos. Rio de
Janeiro: Centro Empresarial Rio, 1983.
Amaral, Aracy. “Uma Jovem Pintura em
“Uma das prováveis questões que se fará
sobre esta mostra será, sem dúvida, por
que grandes formatos? A meu ver, em uma
época em que nosso olhar está condicio­
“A pintura está aí, entrando pelos poros, pelo
nado às poucas polegadas dos vídeos da
nariz, pelos ouvidos, indo direto ao coração
televisão, consumindo imagens limitadas
ou às entranhas, antes mesmo de passar pelo
por esse reduzido campo visual, pinturas
cérebro. A componente conceitual da nova
pintura é esta espécie de prática arqueológica em grandes formatos, grandes dimensões,
significam violenta ruptura e reformulação
que leva o artista a buscar na história da arte
de nossa maneira de ver. Romper hoje, é
o que antes buscava na natureza. (…) Dizem
essencial. Vital.”
que é bad painting, eu a vejo linda. Dizem que
é feia, ultrajante — eu a sinto sensualíssima.
Von Schmidt, Carlos. “Grandes Formatos”.
Tem seis dedos, um olho só e manca de uma
In: 3.4 — Grandes Formatos. Rio de Janeiro:
perna. I love her.”
Centro Empresarial Rio, 1983.
São Paulo”. In: Pintura como meio. São Paulo:
MAC–USP, 1983.
Morais, Frederico. “A pintura vive viva a
pintura”. In: Pintura/Brasil. Belo Horizonte:
Palácio das Artes, 1983.
30150006 miolo.indd 170
“Todos conhecemos o roteiro da gênese, as
causas e os efeitos, os prós e os contras da
Leirner, Sheila. “Grandes Formatos:
euforia e paixão”. In: 3.4 — Grandes Formatos.
Rio de Janeiro: Centro Empresarial Rio, 1983.
“O tom de polêmica da exposição já está
indicado no título 3x4 — Grandes Formatos.
Os números indicam a dimensão da foto
padrão da carteira de identidade, o docu­
mento frio, sem emoção, que a rigor não
identifica o indivíduo, mas seu nome, um
rosto. Grande formato, ao contrário, pretende
ser uma proposta de liberação, de erotização
do ato de pintar, este encarado como uma
espécie de corpo–a–corpo entre o pintor e
a tela. A polêmica prossegue na forma de
apresentação dos trabalhos (boa parte deles
sem chassis ou molduras, fora da parede
ou muro) e se completa no catálogo–livro da
mostra: é a primeira reflexão expressiva da
crítica brasileira sobre o momento artístico
nacional e internacional.”
Morais, Frederico. Exposição da nova arte
tem retrato polêmico: 3x4 ou grande formato?.
O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro,
1º de setembro de 1983.
“De fato, é uma importante e alegre exposição.
Traços, gestos, figuras, campos de cor, cada
artista tentando exemplificar, em obras de
grandes dimensões, a grande salada cultural
que as artes plásticas, sem inibição, estão
preparando nesses anos 80.”
Coutinho, Wilson. No Centro Empresarial
Rio, 100 metros quadrados de pintura. Jornal
do Brasil, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 1983.
12/04/11 17:42
rua, essas coisas. Depois, vim para o Rio, entrei na faculdade, passei a ter uma sensação maior
de liberdade. Entre os momentos importantes consta a descoberta do Robert Crumb.
(…) Eu não tenho nada a ver com o que ele faz, a não ser, talvez, um pouco da angústia, coisa que
me interessava. (…) Durante a faculdade, o desenho era um instrumento de expressão para mim.
Eu fazia e guardava na gaveta. Coisa, assim, meio intuitiva. Como minha mãe fazia.(…) Eu
desenhei para o Cruzeiro umas coisas. Fiz algumas charges para o Pasquim. (…) Depois, fiz umas
ilustrações panorama–econômicas para O Globo. Na faculdade, fazia charges para o Casseta Popular,
que começou lá no Fundão. (…) Hoje, são os caras do Casseta e Planeta; três deles são engenheiros.
ta. Também ia, de vez em quando, com meus amigos do Posto 6 ao MAM; até me lembro de uma
exposição com trabalhos do Hélio Oiticica, com instalações, ninhos etc.” (…)
DS: O primeiro quadro de verdade que vi foi aos vinte e poucos anos, quando consegui viajar.
(…) Comecei pelos contemporâneos. Depois, fui para o Louvre, mas o Louvre é um museu difícil.
Até chegar no assunto, você já viu muita múmia, muita coisa que não era o que estava procurando. Mas o curioso é que eu tive a impressão de estar me surpreendendo poucas vezes. É claro que
o original é outra história, mas, muitas vezes, tem certa decepção. Eu convivi a vida toda com
a representação. Nesse sentido, o original que mais me impactou foi o David de Michelangelo
que está em Florença. (…) Mas a escala que me decepcionou, obviamente, foi a Monalisa, e
Cronologia crítica: 1983
E a gente fazia o jornal na faculdade. Era divertido. Mas eu não me sentia um legítimo humoris-
a que eu achei interessante foi Les Demoiselles d'Avignon, que era uma tela muito maior do que
imaginava. (…)
DS: Na época, eu trabalhava no Banco Nacional e ia para São Paulo toda semana. Fazia o projeto
do videotexto do Banco Nacional. E como tinha a formação de engenheiro e gostava de imagens,
171
porque já desenhava — inclusive fazia cartuns em jornais — arrumei um trabalho que consistia
em coordenar a parte gráfica do videotexto, que é uma coisa que já nem existe mais. Era um trabalho de seis horas por dia e o resto do tempo eu ficava no ateliê. (…) Sempre gostei de coisas que
não eram classificadas como arte. E quando comecei a pintar — quando comecei a lidar de uma
maneira mais consciente com problemas relacionados ao processo pictórico — a pintura passou
a mediar esse meu contato com as imagens. Então, a minha pergunta era: por que eu tinha
que fazer aquilo como pintura? Onde é que estava a relevância de pensar as imagens através de
pinturas? Isso, muito no início, quando a minha pintura era tinta e pincel. (…) Já naquela altura,
eu começava a ver a pintura como algo mutável. Hoje eu a vejo ainda mais ampla, quer dizer, a
linguagem da pintura não está presa ao pincel e à tinta. Acho que o único dado irredutível de
uma pintura é que ela é uma superfície, que pode ser plana embora não necessariamente. É claro
que isso depende de você, de como você compreende os limites dela, enfim, tudo pode variar
enormemente. Eu comecei a usar uma forma de pintar meio expressionista como estratégia para
pensar as imagens — para começar a ver o que me interessava. Mas digamos que eu não tenha
feito isso de forma completamente consciente. (…)
Agnaldo Farias: E por que você começou por aí, pela via expressionista?
DS: Talvez porque era o que muitos estavam fazendo.
AF: Quem? Professores, artistas e colegas da Escola de Artes Visuais [Parque Lage], os artistas plásticos
pelos quais você se interessava?
DS: Principalmente os da Escola de Artes Visuais. Eu olhava muito para fora, para o meio inter-
nacional e havia uma onda de pintura muito grande. Era uma época em que as publicações chegavam rapidamente e, aí, um artista fazia uma exposição no exterior e, no mês seguinte, essas
imagens já estavam disponíveis para a gente. Acho isso natural. Você é contemporâneo porque é
sensível à produção que você está assistindo.”
Entrevista com Cláudia O’Reeley,
em 21 de junho de 1999, no estúdio
do artista. Lapa, Rio de Janeiro.
[Inédita]
“Daniel Senise: Entrei na Escola de Artes Visuais do Parque Lage em 81/82. Fiz um curso de três meses e depois um curso prático, no ano seguinte com Luiz Aquila. A partir daí, comecei a experi-
mentar diferentes maneiras de pintar, num período entre seis meses e um ano, até que na Bienal
de 83 vi o trabalho do Markus Lüpertz — um pintor alemão contemporâneo, que foi como um
guia para mim (tem fundamentos expressionistas). Comecei então a organizar meu trabalho em
torno de imagens, objetos comuns, objetos meus, de uma maneira expressiva — o objeto quase
sumia. Por causa desse trabalho, fui à Bienal de São Paulo, ganhei alguns prêmios… (…) foi tudo
muito rápido. O meu processo de trabalho não veio assim: ‘eu vou fazer um statement a partir da
atual situação da arte aqui e por isso tenho que discutir tais e tais questões’. Foi um processo
mais interno do que uma resposta a uma situação da produção de arte local. Era estanque, come-
çava naquele momento. Os anos 70 não repercutiam nesse momento. Eu tinha aulas à noite, era
escuro, não havia antecedentes, ou os antecedentes não foram necessariamente a arte brasileira.
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“O que caracteriza esses 11 artistas — diz
Marcio Doctors — , assim como a pintura que
se procura fazer hoje é o seu aspecto sen­
sorial. Mas, diferentemente dos artistas já
consagrados ou estabelecidos, esta questão
do prazer do fazer artístico se coloca no nível
da produção, ou seja, da viabilidade de sua
realização. Surpreendemos, então, um fato
novo: pessoas recém–saídas ou ainda ligadas
a escolas de arte organizam–se entre si,
dividem ateliês, e investem seu desejo para
romper com os estreitos limites do cenário
e do mercado artístico nacional, sem gerar
com isso nenhum tipo de atitude de vanguar­
da. Procuram afirmar seu lugar a partir do
seu próprio ofício: pintura.”
Morais, Frederico. O Globo, Rio de Janeiro,
9 de outubro de 1983.
172
“Há, por exemplo, nos dois polos culturais
do País — Rio e São Paulo — uma aposta no
ar (galeria Luísa Strina, São Paulo; Thomas
Cohn A.C., Rio). Uma aposta independen­
te, apoiada numa espécie de movimento
estilístico que se propaga nos últimos anos
nos Estados Unidos e na Europa, das mais
variadas formas (pintura de imagem, ener­
gética, idiota, folclórica, urbana, vernacular,
neoexpressionista etc.) Trata–se, portanto,
de fazer valer comercialmente, também aqui,
a jovem linguagem do momento (…).”
Machado, Arlindo. “A arte do vídeo no
Luiz Pizarro, Angelo Venosa, João Magalhães e
Daniel Senise, Ateliê da Lapa, Rio de Janeiro
Brasil”. In: XVI Salão Nacional de Artes Plásticas.
Rio de Janeiro: Funarte, 1998.
Em 1983 é publicado o n.7 do periódico
investimento na subjetividade. Mas, como
Arte em Revista, sob coordenação de Otília
a passagem da angst moderna para a
Arantes, Celso Favaretto, Iná Costa e Walter
cultura contemporânea ‘esquizofrênica’
Addeo. Uma seção especial dedicada ao
sugere, a subjetividade não está mais
debate crítico em torno da relação entre
isenta de reificação e fragmentação do que
Modernismo e Pós–Modernismo reuniu
a realidade objetiva. O neoexpressionismo,
textos de Jürgen Habermas, Peter Bürger,
portanto, aparece como mais uma tentativa
Andreas Huyssen, Jean–François Lyotard e
retardatária de negar essa condição, de
Leirner, Sheila. Além da mera aposta
Paolo Portoghese. O termo ‘pós–modernis­
centrar de novo o eu na arte.”
comercial?. O Estado de S. Paulo, São Paulo,
mo’ apareceu no início da década de 1970,
7 de junho de 1983.
Foster, Hal. A falácia expressiva. Art in
primeiro na arquitetura, em oposição ao
America, n.1, Janeiro de 1983; Foster, Hal.
a–historicismo das vanguardas, e depois se
Recodificação: arte, espetáculo, política cultural.
“No começo dos anos 80, uma nova vaga de
tornou uma expressão corrente no campo
São Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996, p.110.
realizadores viria reorientar a trajetória
das artes e da sociologia americana. No iní­
do vídeo brasileiro. Trata–se da geração do
cio dos anos 1980 era recorrente o emprego “Ao final dos anos 70, uma nova pintura
vídeo independente, constituída em geral
do termo para designar toda a atividade
de jovens recém–saídos das universidades,
alemã faz sua entrada na cena americana.
artística contemporânea. Uma das contri­
que buscavam explorar as possibilidades
É talvez em 1981 que esta primeira onda
buições fundamentais para essa discussão
da televisão enquanto sistema expressivo e
atinge seu apogeu quando cinco pintores
foi a publicação do livro The Anti–Aesthetic
transformar a imagem eletrônica num fato
alemães — Georg Baselitz, Markus Lüpertz,
da cultura do nosso tempo. O horizonte dessa — Essays on Postmodern Culture, Washing­
A. R. Penck, Rainer Fetting e Salomé —
ton: Bay Press, 1983, organizado pelo crítico expuseram em sete galerias de arte de
geração é agora a televisão e não mais o
norte–americano Hal Foster.
circuito sofisticado dos museus e galerias
Nova York. Desde o início, a nova pintura
de arte. Muito sintomaticamente, essa outra
suscitou uma oposição violenta. (…) Para
Fernanda Lopes e Ivair Reinaldim
vaga se opõe à videoarte dos pioneiros pela
os críticos, o índice maior da decadência
tendência ao documentário e à temática
da nova pintura alemã é o seu retorno ‘às
“Desse modo, o retorno do expressionismo
social. Com sua entrada barulhenta em cena,
convenções perceptuais da representação
é menos do que uma volta no Zeitgeist
o vídeo começa a sair do gueto especializado
mimética’ — certamente o traço mais mal
e mais do que uma reação local. É uma
e conquista seu primeiro público. Surgem os
interpretado desta nova pintura. A afinidade
resposta tardia ao mesmo processo
festivais de vídeo, aparecem timidamente as
não é a de reafirmar a ligação e a hierarquia
que anteriormente já fizera surgir o
primeiras salas de exibição e se começam
das relações figura–fundo. Trata–se isto sim
expressionismo alemão — a alienação ou
a esboçar estratégias para romper o feudo
de criar uma referência fictícia, na qual a
desintegração progressiva do indivíduo (que
das redes comerciais de televisão. Um marco
figura é o instrumento para dar a ilusão de
o expressionismo quer testemunhar em
nesse movimento é a realização em 1983 da
ser natural.”
sua proclamação do eu). O expressionismo
mostra Vídeo Brasil, sob curadoria de Arlindo alemão podia ter esperanças em reclamar
Kuspit, Donald B. Expressions: New Art from
Machado, em São Paulo.”
uma realidade perdida mediante um novo
Germany. Saint–Louis: Art Museum, 1983.
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E de repente eu era um pintor na Bienal… (…) quando terminei a Engenharia, fui trabalhar em
coisas que não me atrapalhassem a pintura.
(…) Não era completamente consciente, mas o dia em que comecei a estudar pintura,
quando tinha entre 24 e 25 anos, vi que havia arrumado um problema para mim. Pensei: como
é que vou resolver isso agora? (…) As aulas no Parque Lage funcionaram como um momento de
passagem, um pretexto para encontrar um pessoal e arrumar um ateliê imediatamente.”
“Daniel Senise: A minha formação inicial foi por livros, maciçamente. Gosto muito da imagem impressa. Às vezes, até me decepciono com um quadro de que gosto quando o vejo ao vivo, ou tem
quadros meus de que eu gosto mais quando aparecem reproduzidos com a cor errada… Enfim, o
livro é super importante, mas quando viajo vou ver quase tudo. Man Ray, por exemplo, gosto
muito. Tem Max Ernst, Picabia — um dos paradigmas do artista contemporâneo, a meu ver.
Existem muitos. O Yves Klein, por exemplo. Acho lindo pensar que Klein, Rauschenberg, e Lygia
Clark e Hélio Oiticica, todos contemporâneos, estavam fazendo coisas tão diferentes. Essa coisa
estanque que não existe mais no mundo às vezes nos priva de experiências profundas. Hoje se
tem uma salada, um atropelo. O poeta Leonard Cohen chama essa situação de ‘pânico da perda’:
o medo de ficar fora da tendência cria um estouro da boiada mundial, todos correndo para o
mesmo lado. (…)
Cronologia crítica: 1983
“O voo do boomerang. Entrevista
de Daniel Senise a Glória Ferreira”.
In: Daniel Senise. São Paulo:
Galeria Thomas Cohn, 1999;
Bueno, Guilherme (Org.). Mapa
do agora: arte brasileira recente
na coleção João Sattamini do MAC
de Niterói. São Paulo: Instituto
Tomie Ohtake, 2002, p.194–197.
Glória Ferreira: Embora o ‘retorno à pintura’ tenha sido considerado como algo contra a desmaterialização da arte, até que ponto a pintura atual, como a sua, não é também tributária do conceitualismo?
DS: O problema é que, um dia, existiu a arte conceitual, e criou–se a ideia de que a arte, antes ou
depois, não tinha conceito. A arte que vem depois, no entanto, já não era conceitual; tem um
173
conteúdo, uma formulação que é específica de cada linguagem e que defino como conceitual.
Ampliaria o que você disse para o modernismo em geral. Assim, qualquer pintor que está em
atividade hoje não pode ser cego a todas as ‘conquistas’ do modernismo, de modo que não existe
um pintor interessante cujo trabalho não esteja lidando com a própria condição crítica da pintura. No início, não sabia muito o porquê da minha opção pela pintura, agora talvez saiba um
poquinho mais. Gosto de pensar nisso. Não se trata de defender esta forma de arte, mas o fato de
o território sobre o qual estou especulando poder chamar–se pintura. E a pintura, no meu caso,
tem que ser necessária para falar do que estou fazendo, senão não o faria em pintura. O meu
desejo é que se tenha uma relação instantânea com o objeto que faço — sempre vejo um objeto
— , uma comunicação sem conhecimento do que vem antes ou depois. Por esse motivo, sempre
acho que tangencia a ideia de uma fenomenologia da imagem ou do olhar, de como o olho funciona em relação às coisas. É claro que tudo isso é mediado pela própria pintura. Busco algo de
amplo espectro.”
Entrevista com Carlos Eduardo
Vianna A. Soares, em 5 de agosto
de 1997. In: _____. O rastro
da modernidade: o discurso da
modernidade e a pintura brasileira
até o evento “Como vai você,
Geração 80?”. Dissertação de
Mestrado em História e Crítica de
Arte. Rio de Janeiro: PPGAV —
EBA/UFRJ, 1998, p.161.
“Carlos Eduardo Soares: Então eu te pergunto, como era a tua relação com a Escola de Artes Visuais,
lá pra 84, antes do evento acontecer, como você participou da montagem?
Daniel Senise: Eu me formei em 80, em Engenharia. Eu sempre desenhei. Desenhava na faculda-
de. Não tinha envolvimento com artes plásticas. De certa maneira, mais com artes gráficas. Aí
fui trabalhar com artes gráficas e eu comecei a fazer aula no Parque Lage. Eu estava totalmente
dessintonizado com o que se estava fazendo em arte ou qualquer coisa parecida. Nessa hora,
eu encontrei a Bia Milhazes, o Luiz Pizarro, o Angelo Venosa, na Escola, em 82, 81. A gente se
reunia para estudar modernismo. Fora da Escola. A Escola sempre foi muito precária em termos
assim, de te oferecer um curriculum. Ainda é muito precária.
CES: A estrutura de curso livre, você acha que por ser muito aberta não funciona?
DS: Com o tempo você pode dar sorte se a coisa tem uma direção. São poucas pessoas que dão a
sorte de encontrar os cursos que estão precisando… Hoje em dia, não dá para você aprender artes
só a partir dos fundamentos formais: como é que o quadro funciona, o que que é ritmo, equilí-
brio, etc. O livro da Fayga Ostrower, Universos da arte, que é muito interessante, por exemplo, não
é suficiente. Tem que se contextualizar. Se sinalizam com o pós–moderno, você tem que saber
o que é moderno. Você teria que pensar antes no moderno. A Escola não te dá isso… nunca deu.
Então na verdade a gente se encontrava… ia estudar Cézanne, cubismo, impressionismo etc.
Eu aluguei um ateliê, na mesma época, com o Luiz, o Angelo e o João Magalhães. A Bia tinha o
ateliê dela.
CES: Quem eram os seus professores lá na época?
DS: Eu fiz uma aula com John Nicholson, acho que em 81, e aí saí e no ano seguinte fiz dois ou
três meses com Aquila. Foi tudo o que eu fiz no Parque. Depois eu passei a ir ao Parque como
‘frequentador’. Ia lá, ficava conversando, e tal… E trabalhava no ateliê.”
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Entrevista. Pergunta de Katie
van Scherpenberg. Papel das
Artes, Rio de Janeiro, n.7,
6 de julho de 2008.
“Katie van Scherpenberg: Sendo um dos nomes mais conhecidos da Geração 80, qual a importância
da Escola de Artes Visuais do Parque Lage na sua formação como artista?
Daniel Senise: Fui aluno da Escola de Artes Visuais do Parque Lage por apenas seis meses,
em 82 e 83. Desde então passei a ser sócio do lugar. Devo a esse convívio a minha iniciação nas
artes. O Parque Lage foi concebido como uma escola livre. Foi também por isso que consegui
participar dela. Porém os contextos dos quais a escola fazia parte nos anos 70 e depois nos 80 já
não existem mais.”
Exposição de pintura em estação
do metrô. O Globo, Rio de Janeiro,
14 de maio de 1983.
“De segunda–feira até o dia 31, a Estação Carioca do metrô estará apresentando a exposição Pintura no Metrô,
que reúne trabalhos de 16 artistas. Estarão expondo seus trabalhos Charles Watson, Luiz Aquila, John
Nicholson, André Costa, Angelo Venosa, Beatriz Milhazes, Clara Cavendish, Cristina Bahiense, Daniel
Senise, Eva Cavalcante, João Magalhães, Lúcia Sá, Luiz Pizarro, Nelson Cople, Raphael Werneck, Rosie
Wates e Sidney Roland. A vernissage da mostra será na segunda–feira, às 18h30m.”
Morais, Frederico. O Globo,
Rio de Janeiro, 15 de maio
de 1983.
“Na Piccola Galeria estão expondo vários professores e alunos da Escola do Parque Lage. Finalmente, ama-
nhã, no mezzanino da estação do metrô do Largo da Carioca, estarão se apresentando, em mostra coletiva,
novos artistas que receberam orientação de três professores da EAV, Luiz Aquila, Charles Watson e John
Nicholson. Além dos três expõem mais 14 novos pintores.”
174
“Vaso chinês. Entrevista com
Agnaldo Farias”. In: Daniel Senise
2000–2006. Curitiba: Museu Oscar
Niemeyer, 2006.
“Daniel Senise: Bem, numa dessas idas a São Paulo, em 1983, visitei a Bienal e fiquei muito impressionado com a obra do [Markus] Lüpertz. Tudo veio muito rápido. Antes, a coisa era mais fugaz: três
semanas com Francis Bacon, um mês com David Hockney… um monte de gente, mas com o Lüpertz
consegui organizar algo melhor: uma maneira mais consistente de trabalhar com a pintura, com os
meios que eu podia dominar rapidamente para, daí, começar a desenvolver meu trabalho, pensar
nas imagens através desses elementos. Criei uma pintura simples para mim, com características
expressionistas ou neoexpressionistas, porque o Lüpertz não é realmente neoexpressionista. Os
neoexpressionistas eram caras mais jovens como Salomé e Rainer Fetting. O Lüpertz era mais complexo. Organizei um vocabulário simples para mim, em termos de cores e de tratamento: usava a
tinta acrílica que seca mais rápido e não se mistura tanto quanto o óleo.
Agnaldo Farias: E quando você percebeu o trabalho do Lüpertz, mais gente percebeu? Quando você voltou
para o Rio, o impacto dessa descoberta entrou logo no seu trabalho?
DS: De fato, eu fiquei muito impressionado quando olhei o Lüpertz. Mais do que qualquer coisa ele
parecia ideal para mim. Não era mais incensado na época do que Francesco Clemente ou Anselm
Kiefer, mas me parecia mais próximo daquilo que eu desejava. Naquele momento, não sabia muito
de pintura, mas tinha uma vontade muito grande de levá–la adiante, de modo que quando olhei o
Lüpertz, tentei traduzi–lo na minha pintura. Eu fazia o seguinte: pegava um tema, por exemplo, o
pinguim que estava na minha geladeira, e ia pintando com essa imagem na cabeça ‘à maneira’ do
Lüpertz que, no fundo, era mais à minha maneira. Isto porque está claro que não saía um Lüpertz,
saía uma coisa mais minha. E obviamente, que era uma pintura muito imediata, sem a sofisticação
que tem a pintura do Lüpertz — uma tinta acrílica que secava muito rápido. A tinta que eu usava
era uma mistura de pigmentos com uma base acrílica industrial, mais simples que a tinta a óleo.
Depois, quando incluí tinta a óleo, tudo complicou um pouco mais. Eu estava lidando com proble-
mas pictóricos, próprios do processo de pintura, da composição, do equilíbrio da cor. Enfim, estava
fazendo uma pintura.
AF: Você tinha clareza dessas noções?
DS: Era quase tudo meio intuitivo. Gostava, como gosto, de olhar para imagens; gosto de pensar
nelas. (…) Em seis meses, passei da confusão para alguém que tinha algo a dizer. A coisa foi meio
assim: um dia, estávamos no ateliê quando soubemos que um amigo havia entrado no Salão Nacional e ganho um prêmio. Eu e o Angelo fomos para o cinema chateados.
AF: Quem era o amigo premiado?
DS: Pizarro. Mas não, foi um pouco diferente, o Pizarro havia entrado no Salão e nós não. No meio
da sessão do cinema, eu virei para o Angelo e disse: esse cara vai ganhar o prêmio.
AF: E ganhou?
DS: Ganhou. E aí veio Lüpertz para me organizar.
AF: O Lüpertz veio depois disso?
DS: Foi. Mas foi tudo muito rápido. Como eu disse, vi o Lüpertz na Bienal de São Paulo em 83 e,
em 85, era eu quem estava na Bienal.”
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A solidão de My Friend 1984
Acrílica sobre tela, 191x135cm
Acrylic paint on canvas, 75.1x53.1in
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1984
Exposição Como Vai Você, Geração 80?,
Escola de Artes Visuais do Parque Lage
Exhibition Como Vai Você, Geração 80?,
Escola de Artes Visuais do Parque Lage
> São publicados os livros The Originality of
the Avant–Garde and Other Modernist Myths,
de Rosalind Krauss; Art after Modernism:
Rethinking Representation, de Brian Wallis;
e o ensaio Postmodernism or The Cultural Logic
of Late Capitalism, de Fredric Jameson, na New
Left Review.
> 41ª Bienal de Veneza, com curadoria de
M. Calvesi.
> Exposição When Attitudes Became Form, Le Nouveau
Musée, Villeurbanne.
> Exposição Aspects de la Peinture Contemporaine
1954–1983, com curadoria de Gérard Xuriguera,
Musée d’Art Moderne de Troyes, França, e
Andorra.
> Exposição Le Temps: regard sur la 4ª dimension,
com curadoria de M. Baudson, no Palais des
Beaux–Arts, Bruxellas.
> Retrospectiva de Anselm Kiefer, em Dusseldorf,
itinerando para Paris, ARC/Musée d’Art Moderne
de la Ville de Paris, e Jerusalém, The Israel
Museum.
> Exposição An International Survey of Recent
Painting and Sculpture, com curadoria de
Kynaston McShine, marca a reabertura do MoMA,
Nova York.
> Exposição Primitivism in the 20th Century Art:
Affinity of the Tribal and the Modern, com
curadoria de William Rubin e Kirk Varnedoe,
MoMA, Nova York.
> Exposição Difference: On Representation and
Sexuality, com curadoria de Kate Linker e
Jan Weinstock, New Museum of Contemporary Art,
Nova York, Renaissance Society, Chicago, e ICA,
Londres.
> Exposição Art and Ideology, com curadoria de
Benjamin Buchloh, Donald Kuspit, Lucy Lippard,
Nilda Peraza e Lowery Sims, New Museum of
Contemporary Art, Nova York.
> Exposição Art After Modernism, The New Museum,
Nova York.
> Exposição Development of Sculpture in the
Twentieth Century: from Rodin to Christo,
The Museum of Modern Art, Shiga, Japão.
> 1ª Bienal de Havana, Centro Wilfredo Lam.
> Exposição Generación 80: Nueva Gráfica Brasileña,
México.
> Martin Kippenberger pinta o quadro Ich kann beim
besten Willen kein Hackenkreuz entdecken [Com a
melhor vontade, eu não posso descobrir a cruz
gamada].
> Exposição Como Vai Você, Geração 80?, EAV
Parque Lage, Rio de Janeiro. Na mesma ocasião,
o crítico Roberto Pontual publica Explode
Geração!
> Exposição Geração 80 em Alagoas: Pintura,
evento paralelo ao 7º Salão Nacional de Artes
Plásticas, Associação Comercial de Maceió.
> Exposição Viva Pintura!, Petite Galerie,
Rio de Janeiro.
> Exposição Geração 80, Núcleo Jovem, Galeria
MP–2, Rio de Janeiro.
> Exposição Arte no Espaço, Galeria Espaço
Planetário da Cidade do Rio de Janeiro.
> Evento As Artes da Arte, Noites Cariocas,
Morro da Urca, Rio de Janeiro.
> Artistas pintam o muro do Parque Lage, e
a fachada da Loja Fiorucci–Ipanema,
Rio de Janeiro.
> Projeto Arte nos Muros, organizado pela Funarte,
Rio de Janeiro.
> Exposição Arte na Rua II, realizada em São
Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, por iniciativa
do MAC–USP, com apoio da Central de Outdoor e
patrocínio da Fundação Bonfiglioli.
> Evento Sensibilizar — Arte na Rua, Curitiba,
marcando os 20 anos do golpe militar de 64.
> Intervenção do coletivo Rádio Novela, PUC–Rio.
> I Seminário sobre Artes Visuais na Amazônia,
organizado pela Funarte, Manaus.
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Estudo para Sansão 1984
página ao lado
Study for Samson 1984
next page
“‘Como vai você, Geração 80?’ Respondem
Essa geração tem suas próprias táticas.
123 artistas de todo o Brasil, que ocuparão
Se não se fascina pelos prêmios dos salões,
paredes, portas, janelas, piscina, banheiros,
no entanto não abre mão de participar deles.
O Salão Nacional contou com o absoluto
espaços construídos e espaços vazios do im­
ponente prédio da Escola de Artes Visuais do
desprezo dos artistas emergentes na década
Rio de Janeiro, além das aleias, árvores, gru­
de 70. Será surpreendente a verificação de
tas e cantinhos malocados do Parque Lage.
quantos artistas que estão nesta mostra par­
Muito mais, portanto, que uma ‘exposição’,
ticiparam dos últimos Salões, entre aceitos
‘Geração 80’ caracteriza–se como um evento,
e recusados. Quase a totalidade. E por que
oportunidade primeira em que 123 jovens
o Salão Nacional não tem a vitalidade desta
batalhadores resolvem se reunir e permitir
mostra? Porque ela é desburocratizada.”
que as pessoas conheçam, e se possível com­ Herkenhoff, Paulo. Módulo, edição
preendam, a sua produção. É evidente que,
especial, Rio de Janeiro, julho/agosto 1984.
num evento como esse, estipular critérios de
seleção é algo de perigoso e delicado.”
“O contato com esses jovens me ensinou algu­
ma coisa: é uma geração que não teve facili­
Leal, Paulo Roberto; Mager, Sandra;
Costa, Marcus de Lontra. A bela
dade alguma, que viveu sempre sob o regime
enfurecida. Módulo, edição especial,
da força. Hoje, se a situação política é menos
Rio de Janeiro, julho/agosto 1984.
opressora, a situação econômica impõe uma
outra barreira. Eles não podem conhecer
nada, nenhum jovem hoje pode pensar em
“Na obra desta geração há menos racionali­
ir à Europa, diferentemente de minha época,
dade e mais prazer (como a década gosta e
quando, com algum sacrifício, dava para
desgasta o termo)? Há menos guerra entre
se ir ver o que acontecia nos museus e nas
arte e mercado (suas ideologias coincidem,
galerias. Apesar disso, eles são muito politi­
se aproximam, concedem?): a obra não tem
zados, e isso me surpreende, principalmente
a intenção de enfrentar heroicamente o mer­
a coragem: enquanto nós, nos comícios,
cado. Não há mais artista–Kamikaze: quem
sobressaltamo–nos com qualquer coisa, eles
quer viver profissionalmente do seu trabalho
são muito mais abertos, desfraldam as faixas
que procure se entender com as forças do
mercado. Amadurecimento. Feras e mamutes amarelas e sem medo pedem ‘Diretas, já’.”
(setores da crítica e da imprensa, instituições
Quadros, Anna Letycia. Módulo, edição
públicas, Museus, etc.) já não são cutucados
especial, Rio de Janeiro, julho/agosto 1984.
e nem mobilizam tanto os artistas. Falta uma
indignação coletiva, publicamente manifesta­ “Não existe um movimento, o que existe são
da. Ou sobra a descrença ou a falta de saco?
coisas, atitudes em comum. É inegável que,
12/04/11 17:43
Exposições Individuais
> Galeria do Centro Empresarial Rio,
Rio de Janeiro
Exposições Coletivas
> Como Vai Você, Geração 80?, Escola
de Artes Visuais do Parque Lage,
Rio de Janeiro
> IV Salão Brasileiro de Arte, Fundação
Mokiti Okada, Exposição itinerante,
Brasil e Japão
> VII Salão Nacional de Artes
Plásticas, Funarte, Rio de Janeiro
> I Salão de Arte Brasileira Atual,
Museu do Ingá, Niterói
> Intervenções no Espaço Urbano,
Galeria da Funarte, Rio de Janeiro
> Treze Artistas: Nova Arte Brasileira,
Rio de Janeiro
> Galeria 80, Escola de Artes Visuais
do Parque Lage, Rio de Janeiro
Entrevista com Carlos Eduardo
Vianna A. Soares, em 5 de agosto
de 1997. In: _____. O rastro
da modernidade: o discurso da
modernidade e a pintura brasileira
até o evento “Como vai você,
Geração 80?.” Dissertação de
Mestrado em História e Crítica
de Arte. Rio de Janeiro: PPGAV —
EBA/UFRJ, 1998, p.161–163.
Cronologia crítica: 1984
> Prêmio Aquisição Souza Cruz — I Salão
Arte Brasileira Atual, Museu do Ingá,
Niterói.
> Prêmio Viagem ao País — VII Salão
Nacional de Artes Plásticas,
Rio de Janeiro.
> Prêmio M.O.A. Viagem ao Japão — IV
Salão Brasileiro de Arte, São Paulo.
177
“Daniel Senise: O que aconteceu foi que entrou o Marcus Lontra como diretor da Escola, e ele era basicamente um promotor. Ele é muito articulado para esse tipo de coisa. É um animador cultural. Acho que
tem termos melhores, que seriam mais adequados. Fez aquela exposição que não tinha nenhuma base
profissional, assim, quer dizer, técnica, teórica. Não tinha um método.
Carlos Eduardo Soares: Como foi esse processo de divulgação de que iria haver o evento ou como é que foi a
seleção, como é que você chegou lá?
DS: Eu estava na Escola e daí eu soube dessa exposição. Obviamente existia uma coisa externa da qual
essa exposição era o reflexo e que eu nem estava sabendo. Reflexo de uma coisa que estava acontecendo
fora do Brasil, a Transvanguarda italiana, a volta da pintura, o mercado se fortalecendo, os Estados
Unidos muito fortes, com muito dinheiro, o Brasil saindo do período da ditadura, eu sei que tinha
uma moeda nova dessas na época, quer dizer, tudo criava a impressão de uma certa solidez democrática e econômica. Eu estava no bolo. Eu soube dessa exposição e essa exposição acho que inicialmente ia
ser no MAM, curada pelo Frederico Morais, não tenho certeza mas acabou indo pro Parque. Eu não sei
se o Leonilson, naquela época, já tinha feito a exposição na galeria do Thomas Cohn.
CES: Pelo que eu levantei, ela ocorreu um pouco antes. Estava o pessoal de São Paulo, o Leonilson e mais outros.
DS: É, mas uma coletiva. Mas o Léo já tinha feito uma individual com o Thomas Cohn e foi uma
grande celeuma por lá, porque o Thomas brigou com os artistas fundadores, foi mais ou menos assim:
Thomas era um colecionador, e quando fez a galeria, ele foi meio que acompanhado por um grupo de
artistas que colecionava. Ele inaugurou a galeria com uma exposição do Vergara, eu não sei quem foi
a segunda, mas depois veio o Léo. O Léo foi a segunda ou terceira. O pessoal não gostou e o Thomas
falou para um crítico ou pra alguém, do grupo: ‘Olha, a galeria é minha, eu exponho quem eu quero.’
E o Léo foi uma coisa assim…, cara de pouca idade, os trabalhos com preço lá no alto, matéria na Veja,
Isto É, no JB, na Folha, no Globo, sabe, tipo assim, todos os sintomas de ‘geração 80’, sabe? O sucesso
nacional, consagração… (…) Eu pensei assim estrategicamente: ‘eu vou botar um trabalho no umbigo,
ou seja, no centro da Escola’. Botei o Sansão (p.176–177). Naquela época, eu não tinha propriamente um
trabalho… eu ficava patinando. Era muito pouco tempo para formular uma obra, menos de três anos.
Eu fiquei patinando, assim uns dois anos, sei lá. Pintando de todas as maneiras possíveis, experimentando. Eu comecei a me fixar em David Hockney e passei para Francis Bacon. Na Bienal de 83, fiquei
muito envolvido com o trabalho de um artista chamado Marcus Lüpertz, um pintor neoexpressionista
alemão. Daí comecei a pintar à ‘la Lüpertz’. E saiu um trabalho meu. O Sansão (p.176–177) é mais ou
menos isso. Me lembro que o Angelo Venosa não participou da exposição Geração 80, porque teve escrúpulos, achava que não tinha um trabalho.(…)
DS: É que, de repente, pelo menos pra mim, as coisas começaram a fazer um certo sentido. Por exemplo, eu estava me debatendo, assim: o que eu ia fazer na vida? De uma hora pra outra eu estou em
uma exposição e as coisas começam a acontecer. Obviamente eu estava muito empenhado. Mas era
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hoje, abrem–se novas possibilidades
de relação com a arte. O conceito, funda­
mental durante a década passada, perde im­
portância, trata–se de afastar o Prof. Beuys.
A pintura hoje está aí, com força total, como
linguagem específica na qual o indivíduo
deixa de buscar padrões fora dele e busca
seus próprios referenciais.”
aquila, Luiz. Módulo, edição especial,
Rio de Janeiro, julho/agosto 1984.
178
“A volta às ruas foi além do fato político, foi
uma vontade que as pessoas manifestaram
de se juntar, gritar, cantar, de se tocar, de
criar, juntas, uma nova cultura — popular,
espontânea, baseada na improvisação, na
alegria — uma cultura não hierarquiza­
da, sem distinção de classes, cor, fora dos
guetos. Uma vontade de trocar a solidão pela
solidariedade. Este o fato novo gerado pelas
Diretas Já, a carnavalização da política e da
própria cultura, uma reação a toda forma de
autoritarismo, seja ele político ou cultural.
Duchamp dizia que ‘o sério é uma coisa
muito perigosa’.”
Morais, Frederico. Gute Nacht Herr
Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você?.
Módulo, edição especial, Rio de Janeiro, julho/
agosto 1984.
“Em relação aos jovens artistas que compõem
este certame da arte brasileira dos anos
80, uma inversão de valores que se opera.
A efemeridade da Nova Arte não se de­
monstra através, por exemplo, do chassis
eliminado da tela. Esta nova precariedade da
tela não reverteria portanto a um questio­
namento filosófico do plano como na escola
francesa Support–Surface. A efemeridade
da nova arte surge justamente no plano ide­
ológico; é aí que está situada a sua reversão
de valores frente à década anterior. Sem
arcabouço teórico que a prolongue, com a
negação imediata de qualquer ‘ismo’, ela
proporia uma quebra na História da Arte de
Vanguarda Brasileira.”
Guinle Filho, Jorge. Papai era surfista
profissional, mamãe fazia mapa astral legal.
‘Geração 80’ ou como matei uma aula de arte
num shopping center. Módulo, edição especial,
Rio de Janeiro, julho/agosto 1984.
tempos, como uma realidade imediata e
precisa. Parecerá mais ainda se, para além
desses sinais de superfície, descermos até
a análise de certos elementos profundos de
prova: a reiteração de modelos de pensa­
mento e de conduta, a incidência de idiossin­
crasias, o paralelismo de gestos e de gostos
— enfim, o exercício de preferências. Nesse
sentido, uma nova geração está seguramente
em campo. (…) Geração 80 corre o risco de
ser uma figura de retórica como outra qual­
quer se, para defini–la, não encontrarmos a
base concreta de evidência no plano estrito
da linguagem.”
Pontual, Roberto. Explode, Geração!.
Rio de Janeiro: Avenir, 1984.
“Dizem ainda Marcos e Sandra que a nova
geração detesta ler, não é afeita a teoriza­
ção excessiva. Prefere viver. Entre eles, ‘A
parte do fogo’ não tem nenhum prestígio.
Nada a ver com a racionalidade da arte
dos anos 70 — conceitual. Gostam mesmo
é de rock, de dançar (por isso, depois da
inauguração haverá um grande baile, às 20
horas, com muito som e muita dança) ou,
como diz a mineira Ana Horta, gestualista:
‘Emoção para fluir, cor–ação, algo assim
como dançar’.”
Morais, Frederico. Como vai você, Geração
80? (‘Sinto–me como uma star, no palco,
investindo no prazer’). O Globo, Rio de Janeiro,
14 de junho de 1984.
“Gerações, em arte, pouco interessam.
Picasso foi jovem até 1972. Um ano depois
morria. Mas a ideologia da juventude num
país que tem mais de 20 milhões de jovens,
dos 14 aos 29 anos, e um milhão e meio de
universitários, é seduzida pela ideologia do
Peter Pan. Com ressalva: é um Peter Pan
desempregado. Daí este alegre movimento
de massa transformada em arte. Mas não
é negativa uma exposição deste tipo, e até
o número imenso de artistas recolocará o
nosso meio de arte numa efervescência. Ele
se apoiava no tédio, em muita caipirinha e
em discussões que mais favoreciam uma
política do poder do que, realmente de ideias.
É onde vejo, neste movimento, algo próximo
à abertura política, as massas estão nas ruas,
ou melhor, no Parque Lage.”
“Trata–se então, daqui para frente, de tentar
Coutinho, Wilson. Festa e democracia
na arte do Parque Lage. Jornal do Brasil,
defini–la. A primeira certeza a estabelecer é
se existe mesmo algo a que possa se chamar, Rio de Janeiro, 23 de julho de 1984.
com alguma correção, de Geração 80. Parece
que sim, se levarmos em conta o número
“Mesmo que muitos destes efeitos sejam qua­
crescente de manifestações (mostras, textos,
se brincadeiras, é indiscutível que esta nova
debates) que a ela se referem, nos últimos
geração de artistas já travou com o público
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uma aliança mais eficaz do que os artistas da
década anterior. Isto é explicável. A geração
80 se inspira em imagens do cinema ou de
revistas em quadrinhos, volta à figuração e
não tem preconceitos de usar o material que
perpassa a vida cotidiana. Com isto, atrai o
público menos especializado, o que, por sua
vez, se reflete numa indiscutível vitalidade do
mercado de arte.”
A invasão do parque: com 123 artistas, a
mostra ‘Como vai você, Geração 80?’ confirma
a força das novas tendências. Veja, 25 de julho
de 1984, p.132–134.
“Dá até vontade de gritar: ei, Bienal, morra
de inveja. De quê? Da Geração 80. Mais jovial
e estimulante que a maior parte do elenco
vanguardista da última Bienal ela é. E mais
sortuda também. Desde a inauguração, numa
data cabalística (14 de julho), seu début
coletivo vem colecionando loas de quase toda
a grande imprensa. Como Vai Você, Geração
80?, seu título, mais que uma pergunta, é um
repto ao ceticismo.”
Augusto, Sérgio. Com vocês, o Neo–
Qualquer Coisa. Folha de S. Paulo, Ilustrada,
São Paulo, 27 de julho de 1984.
“O País vive um momento da pintura. No Rio,
à geração dos pintores–resistentes (Áqui­
la, Kuperman, Ronaldo Macedo, Nelson
Augusto), juntam–se estes novos artistas e
aqueles recentemente atraídos para a pin­
tura. Muitos são os artistas que na década
de 70 estiveram vinculados aos suportes
não tradicionais e às experimentações se
permitiam apenas o desenho, talvez pelo seu
caráter de anotação e como jeito de ganhar a
sobrevivência. Hoje pintam.
Alguns críticos insistem em transfor­
mar a mostra em momento de consagração da
transvanguarda, do neoexpressionismo e da
pintura energética do Brasil. Isto seria ignorar,
para alcançar efeitos de retórica ou resultados
de mercado, a maior parte dos artistas partici­
pantes. A mostra pretende sempre consagrar
a diversidade, que evidentemente não está no
elenco dessas tendências.”
Herkenhoff, Paulo. Também para
a ‘Geração 80’, alegria é a prova dos nove.
Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, 11 de
setembro de 1984.
“Esses jovens artistas na faixa dos vinte a
trinta anos, redimensionam e revitalizam o
expressionismo abstrato gestual (americano)
o abstracionismo lírico (à la École de Paris),
a geometria sensível [de um Milton Dacosta),
da década dos 50 a própria POP da década
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como se eu tivesse virado artista instantaneamente, quer dizer, é uma certa arrogância, de repente ser
artista. Os artistas anteriores ficavam um pouco chateados com os artistas que estavam aparecendo
nesse momento. De repente tem uma época em que as artes plásticas estão super retraídas, ninguém
vende. Aí o mercado cata um monte de jovens e eles começam a botar banca. E alguns preços estavam
altos. Tinha muita coisa ruim ou sem qualidade, que tinha que desaparecer mesmo. Abrem–se várias
galerias, tem exposição quase toda semana. Abrir uma galeria era mais ou menos como uma opção
equivalente a abrir um restaurante. Quer dizer, um ambiente assim não é para permanecer. Eu considero essa ideia de ‘geração 80’ como um tipo de catalisador para algumas obras que, uma hora, iam se
não participou, o Angelo Venosa também não.
CES: Essa não–permanência… a que se poderia atribuir essa precocidade? A sedução pelo brilho na mídia
e de repente não terem desenvolvido legal o trabalho?… A que você atribui isso? Muitas propostas ali não
se efetivaram.
DS: É que nem pescaria, que nem corrida de espermatozoide. Não é porque você tem 123 artistas, ou
pessoas que estão sendo chamadas de artistas, que você vai ter 123 obras. É muito difícil constituir um
trabalho, principalmente em pintura. Você tinha esse mote de volta, a alegria de pintar, que artista
da ‘geração 80’ não gosta de ler, gosta de ouvir rock… É uma tolice. Eu acho que qualquer pessoa que
for pintar hoje tem que se contextualizar, a gente estava falando que o Parque Lage não dá. Quando
Cronologia crítica: 1984
estabelecer. Tem artistas importantes que começaram nos anos 80, que não participaram. Jac Leirner
eu comecei, quando a Bia começou, estava todo mundo rateando ainda. O Léo talvez menos, porque
o Léo tinha passado já um período no exterior, tinha viajado, tinha visto coisas… ele tinha mais
carga, ele tinha estudado um tempo na Faap, que é uma escola mais estruturada.”
179
Coutinho, Wilson. A Geração 80. “Para as artes plásticas começam os anos 80. Com o título Como vai Você, Geração 80?, os 625 mil metros quadraJornal do Brasil, Rio de Janeiro,
dos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage mostrarão, sábado, obras de 120 artistas de todo o Brasil. É uma
9 de julho de 1984.
boa oportunidade para se conhecer o que anda fazendo esta nova geração de artistas, essencialmente pintores.
‘Geração 80 integra–se nesse quadro como uma proposta de analisar influências externas (a nova figuração, a
transvanguarda italiana, os neoexpressionistas alemães) e sua transposição para o Brasil’, explica o catálogo.
A revista mensal de arte, Módulo, organizará uma edição especial com esses artistas. As obras — como ocorre
na Documenta de Kassel, na Alemanha — ficarão espalhadas interna e externamente. Um passeio sobre os
iniciantes anos 80, bom para avaliar o significado da presença dessas obras no território alucinado de crise,
desemprego e falta de perspectivas que se chama Brasil.”
A invasão do parque. Com 123
artistas, a mostra ‘Como vai você,
Geração 80?’ confirma a força das
novas tendências. Veja, 25 de julho
1984, p.132–134.
“Inicialmente, Lontra tentou montar a exposição no Museu de Arte Moderna do Rio, mas logo se chocou com
as dificuldades pelas quais vem passando aquela instituição. Decidiu, então, aproveitar a época de férias da
Escola de Artes Visuais e abriu os espaços do Parque Lage. O resultado não poderia ser melhor. Evitando os
burocráticos painéis de uma exposição em museu, o diretor ofereceu a cada artista convidado um espaço específico da casa — os salões, o pátio, os porões, os jardins ou o parque — e cada um definiu seu trabalho a partir
do espaço escolhido. Assim, no nicho formado por duas grandes colunas ao fundo do pátio principal, em frente à piscina, o carioca Daniel Senise, 29 anos, instalou uma tela gigantesca, Sansão (p.176–177), na qual uma
atlética figura em traços expressionistas também anuncia o tom geral do conjunto — muita pintura, telas de
grandes proporções e imagens explosivas.”
“Vaso chinês. Entrevista com
Agnaldo Farias.” In: Daniel Senise
2000–2006. Curitiba: Museu Oscar
Niemeyer, 2006.
“Agnaldo Farias: A Como vai você, Geração 80? [exposição organizada no Parque Lage] aconteceu em 84, não foi?
Daniel Senise: Foi, e, para ela, eu pensei: vou colocar um trabalho no centro do prédio. E fiz um
Sansão monumental derrubando as colunas do Parque — que era uma maneira de interagir com
o espaço, uma escola de arte. Uma pintura plana, feita em um plástico laranja com tinta preta e
branca. Acho que, talvez, tivesse um pouco de vermelho.
O interessante, também, é que, naquela época, já tinha um grupo de artistas que estava no
(…) O Frederico Morais foi, talvez, quem tenha feito a maior resenha sobre os anos 80. Ele
mercado, que estava expondo.
virou uma referência para todos, até porque escrevia regularmente através da coluna semanal que
tinha no jornal. Embora já tendo dito que a vocação da arte brasileira era a construção, tinha interesse no que estava acontecendo.
AF: Ah, estava muito atento. Ele saúda vocês, chega a declarar que achava um saco aquilo que vinha antes.
Embora sempre tenha mantido uma forte relação com o Cildo Meireles, chega a dar um basta ao cerebralismo.
Ficou meio evidente que o alvo dele era o Waltércio Caldas e os artistas ‘herméticos e excessivamente intelec-
tuais dos anos 70’ [‘Gute nacht herr Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você’, catálogo da mostra Como Vai Você, Geração 80?]. O efeito colateral dessa posição, por outro lado, foi enfiar todos vocês na chave do binômio pintura/
prazer, o que é uma visada simplificadora. Bem, quem sabe, se nos meados dos anos 80, fosse só isso mesmo?
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dos 60, através de um distanciamento irônico
e mordaz, obrigatório nos anos 80. As obras
desses jovens artistas refletem e ao mesmo
tempo procuram quebrar rotinas e tabus
inseridos na apreciação teórica dos movi­
mentos acima referidos.
Nesse sentido, diante do trabalho
desses jovens artistas, oposições anteriores
(por exemplo entre o neoplasticismo e o abs­
tracionismo lírico) perdem sentido, se diluem,
permitindo por sua vez novas justaposições
outrora impossíveis.”
Guinle Filho, Jorge. “Duas tendências
possíveis na jovem arte brasileira e tradição
180
Balanço, ‘me avisa quando for a hora, me
avisa que eu vou embora’. O momento pre­
sente, portanto, pede expansão, crescimento.
É hora de se romper os limites. Nada pior
que o controle, o enfado, a preguiça, a vida
vista pela janela, os espaços traçados.
A arte se faz também nos muros, nas ruas,
nas festas: a Fiorucci Ipanema entra no jogo
e libera suas fachadas, sua marquise. Marcus
André, Hilton [Berredo], Beatriz [Milhazes],
Lucia [Beatriz] e André [Costa] conquistam
novos cenários de ação e essa nova geração
de artistas reafirma, com suas obras, a sua
importância e valor.”
independente das pessoas — pode ser.
É que novas relações têm surgido na estru­
tura do nosso meio de arte, o que elimina
em muito a presença organizadora do
Estado, seja a Funarte ou a Funarj. Empre­
sas privadas têm colocado seu dinheiro em
inúmeras mostras como foi o caso recen­
te do Banco Nacional, que está inclusive
colorindo os muros da cidade. A maioria
dos catálogos e livros de arte é produzida
pelo dinheiro da empresa privada. Elas têm
também posto seu dinheiro em obras do pa­
trimônio. O mercado de arte nesses últimos
dez anos cresceu bastante.”
modernista frente ao inconsciente dos anos
Costa, Marcus de Lontra. “Fachadas”.
Coutinho, Wilson. Os premiados do Salão
80”. In: Geração 80. Rio de Janeiro: Galeria
Fiorucci–Ipanema, Rio de Janeiro, agosto
Nacional e algumas questões. Jornal do Brasil,
MP2, 1984.
de 1984.
“Foi um lindo e comovente presente de natal “Mesmo diante das evidências, ainda há os
que os artistas cariocas deram à sua cidade. que criticam ceticamente a high–tech art
No último domingo, um belo dia de sol e
e que pensam que a holografia é apenas
calor, em pleno rush natalino, 70 artistas de
um modismo. Mas ela é uma realidade e
diferentes gerações, representando quase
não veio para trazer messianicamente
todas as tendências da arte brasileira atual
respostas. O poeta do século XXI trabalha
— figurativos uns, abstratos e concretos
a linguagem holográfica e busca perguntas.
outros, líricos ou irônicos, construtivos e
O que ele quer ninguém sabe. A poesia é
gestuais — realizaram, juntos, o maior mu­
um enigma tridimensional.”
ral já pintado no Brasil em todos os tempos.
Kac, Eduardo. “Poesia holográfica: as três
Com seu talento e criatividade, cobriram
dimensões do signo verbal”. In: VII Salão
os 350 metros do muro do Parque Lage,
Nacional de Artes Plásticas, 1984, p.43–44.
na Rua Jardim Botânico. A iniciativa foi da
Escola de Artes Visuais, com o apoio das
“A seleção final reafirmou, mais uma vez, a
tintas Suvinil.”
principal novidade desta década de 80, o
domínio absoluto da pintura sobre a impor­
Morais, Frederico. O rito da cor no maior
mural do País. O Globo, Segundo Caderno,
tância da mostra Como Vai Você, Geração
Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 1984.
80?. A pintura cobre 45 por cento das obras
aceitas e, em sua quase totalidade, seus
autores estiveram presentes na mostra rea­
“Cada artista recebeu cinco metros do muro
lizada este ano na Escola de Artes Visuais do
pintados de branco e quatro cores oferecidas
Parque Lage. Vêm a seguir o desenho (que
pela Suvinil, de onde teriam que arrancar
vai crescendo em importância em termos
nuanças coloridas. (…) A escolha foi ampla e
de renovação no âmbito da arte brasileira)
irrestrita. Estavam desde artistas da Geração
e a escultura. Pouquíssimos gravadores,
80, como Jorge Duarte, que fez uns pés
um certo crescimento na área da fotografia
subindo o muro; Luiz Pizarro, que pintou um
(…) bem como na área experimental (novas
nu feminino, e Hilton Berredo, procurando
mídias, instalações).”
recriar as suas estruturas orgânicas, de
sugestão aquática, até Lygia Pape, que come­
Morais, Frederico. VII Salão Nacional.
çou seu muro com o famoso retrato do poeta
O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro,
russo Maiakovski feito por Rodchenko e no
7 de dezembro de 1984.
final já pigmentava o canto do seu muro com
os típicos arabescos da transvanguarda.”
“O que eu peço é simples: transformar as
grandes montagens burocráticas, criadas
Coutinho, Wilson. Parque Lage: Uma arte
alegre e esperançosa. Jornal do Brasil, Caderno B,
a épocas de governos autoritários, em algo
Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1984.
mais transparente e descentralizado, em
que a participação de muitos evite o contro­
le de poucos. É um processo democrático,
“Arte na cabeça, nos olhos e no coração, ge­
apenas. Não que o Inap [Instituto Nacional
ração oitenta mil braços, oitenta mil planos e
de Artes Plásticas] seja antidemocrático em
desejos, oitenta mil cruzeiros por dia de tinta
si. A sua diretoria não é. A sua estrutura —
e papel, oitenta milhões de vozes de Beth
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Caderno B, Rio de Janeiro, 14 de dezembro
de 1984.
“O estilo do 7º Salão está na cara: reflete o
pensamento e a temática (ou não temática)
inspirada na Documenta de Kassel. Predo­
minam alguns bons artistas da chamada
transvanguarda, de que a nova figuração e o
abstracionismo expressionista, a action pain­
ting, tomaram conta. E foi dessa fornada que
saíram os principais prêmios e o de aquisi­
ção — todos obras de grande formato, como
convém à moda de hoje. Que apartamento
os abrigará? Ao que parece, os artistas de
hoje pintam para vender aos falidos museus.
Com exceção do esquecimento de Manfredo
de Souzaneto, os prêmios foram merecidos.
Nuno Ramos, um mato–grossense, tirou,
com sua obra abstrato–expressionista, o
Prêmio de Viagem ao Estrangeiro. A carioca
Beatriz Milhazes, com suas colunas pairando
no céu, obteve um Prêmio de Aquisição. Os
demais couberam a Lúcia Menezes, Maty
Vitat, Luiz Zerbini (Referência Especial),
Emmanuel Nassar (Viagem ao País), Maria
Lídia Magliani. A gravura premiou Rubem
Grilo (Viagem ao Estrangeiro). O 7º Salão
homenageou a pintora recém–falecida Maria
Leontina e Iberê Camargo. Apesar de nossas
restrições iniciais, o julgamento foi bom.”
Aquino, Flávio de. Mais um salão. Manchete,
Leitura Dinâmica, 1984, p.94.
“‘Quem disser que o mercado de arte aqui não
existe, ficou louco’, diz João Sattamini. Outro
exemplo apontado pelo marchand: o êxito e a
valorização de novos artistas cariocas atra­
vés da recente promoção Quem É Você, Geração 80?, que divulgou um grupo de jovens
que haviam passado pela escola do Parque
Lage, dirigida há alguns anos justamente por
Rubens Breitman, o sócio de João Sattamini.”
Arte no poder. Vogue Homem, 1984, p.158 e 174.
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Sem título 1984
Acrílica sobre tela, 200x135cm
Cronologia crítica: 1984
Untitled 1984
Acrylic paint on canvas, 78.7x53.1in
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DS: Na verdade, é possível você classificar a maioria desse jeito. Como em qualquer grupo geracional
que tem mais baixos do que altos. Seja como for, a posição do Frederico e da mídia mais próxima a
ele, forjou essa impressão simplificadora sobre os anos 80 no Brasil. Mas, a meu ver, o maior problema é que, ao contrário do que aconteceu em outras épocas, essa geração não produziu um autor
que tenha escrito sobre ela.”
Costa, Marcus Lontra.
“Sangue e areia. Portões abertos”.
In: Daniel Senise. Rio de Janeiro:
Centro Empresarial Rio, 1984.
“A atmosfera é caótica, sugere várias histórias, o olhar percorre, perplexo, o campo defrontado, sem
direito a repouso. A palheta é propositalmente restrita: negros, brancos, cinzas, vermelhos, pra [sic]
que mais? O que importa, aqui, é o volume, a massa, a fatura de uma pintura que se faz presente como
matéria, corpo. Neste momento em que se pretende uma arte leve, cotidiana, descartável, Daniel muda
a sua rota: incorpora o objeto, quadro, aceita o inevitável autoritarismo da coisa pintada e a expectativa
de que ela um dia venha a desabar da parede, como ‘um fruto pesado e podre’.
O artista evidencia os momentos de identificação com a história da arte deste século (os expres-
sionistas alemães, Braque, Picasso, Guston, etc.). Esses momentos, entretanto, não se apresentam
de maneira ordenada, eles desprezam o didatismo. Ao contrário, é a confusão que perpassa a obra, o
pêndulo da história, passado, presente e futuro, rasga a obra como um pincel enfurecido. A tragédia e
a luta são as regras do jogo, caminhos nesta arena. Importa destacar o aspecto primeiro da obra através
dos croquis, projetos que o artista preelabora. Neles, destaca–se a presença do construído, base quase
escondida da obra. O gráfico esclarece o processo, desnuda a ideologia. Depois, na tela, o artista vomita
a informação, cola e tinta, a matéria despreza essa evidência da ordem e a pintura surge no momento
do ato, no gesto, no movimento, no respirar do artista e nos seus braços condutores da perplexidade do
gladiador diante de seu amante e de seu algoz.
(…) Pelos cantos da boca de Sansão, otário e cego personagem magistralmente encarnado por
Victor Mature, um sorriso se insinua enquanto se diverte a clamar por Deus e a derrubar Templos poderosos. Esse incansável e insaciável Sansão descobriu que, diante de tanta força e sofrimento, o prazer
também pode encontrar a sua vez. A trágica mensagem que os trabalhos de Daniel esforçam–se em
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sugerir carrega, em seu ventre, como Sansão (no ventre de Dalila…), a incômoda presença de um forte
contentamento. É essa ambiguidade, essa inserção da ironia, elemento a transcender os vagos limites
da tragédia e da comédia, que transforma o poderoso Sansão no simpático ursinho da fábula a indagar,
assustado: ‘Quem comeu o meu mingau?’. E é exatamente nesta hora que a sempre trágica e combatente produção de Daniel Senise deixa transparecer o esboço de sorriso que ameaça escorrer pelos quatro
cantos da sua história.”
Morais, Frederico. Fúria
“Pintor vigoroso, de um expressionismo selvagem, Daniel Senise foi um dos destaques da mostra Como Vai
expressionista nas cores de Senise. Você, Geração 80? até mesmo pelo tema e localização de seu trabalho: o enorme Sansão situado entre as coluO Globo, Rio de Janeiro, 26 de
nas do pátio central da Escola de Artes Visuais. Bancário de meio expediente, ex–aluno de John Nicholson
agosto de 1984.
e Luiz Aquila na EAV, Senise dedica–se à pintura desde 1980, mantendo com Luiz Pizarro, Angelo Venosa e
João Magalhães um ateliê em Botafogo. Desenhando muito antes de pintar e revelando ainda algumas in-
fluências — de Guston aos neoexpressionistas alemães, especialmente Lüpertz e Penck, mas já com bastante personalidade — , Senise, como diz Marcus Lontra na apresentação de sua mostra no Centro Empresarial
Rio, não deixa lugar para sutilezas e pequenas elegâncias, incorporando a tragédia como instrumento de
luta’ [sem as aspas iniciais] em sua pintura prevalece o negro e o cinza, havendo pouco espaço para nuan-
ças colorísticas. Às vezes pinta um vermelho que é, no entanto, dor e sangue, transformando–se o desenho
em volume, a matéria em massas inquietas e brutas. A atmosfera como diz ainda Lontra, é caótica e o
olhar do espectador, ao querer recompor a figura, não consegue descansar.”
182
Daniel Senise, da ‘geração 80’
mostra pintura de vanguarda.
Pouca cor, mas muita energia.
O Globo, Rio de Janeiro, 28 de
agosto de 1984.
“Representante do que ele mesmo chama de ‘geração 80’ das artes plásticas, Daniel Senise, de 28 anos, está
fazendo a sua primeira exposição individual, na galeria do Centro Empresarial Rio (Praia de Botafogo 228),
mostrando ‘uma pintura de vanguarda, não convencional, que embora seja uma coisa um pouco rude,
passa uma certa energia’. (…)
— Meu trabalho tem pouca cor — define o artista. — Gosto do contraste, uma coisa entre o figurativo e
o não–figurativo. Faço um trabalho pessoal, de força, que não costuma entrar fácil no mercado porque,
às vezes, pode ser considerado pouco decorativo.
Trabalhando em quadros de até dois metros por 1,80 metro, Daniel diz que a pintura, para ele, é uma forma
de autoconhecimento. A descoberta foi feita há três anos, época em que concluiu o curso de Engenharia.
— Nem sei por que fiz Engenharia — prossegue. — Assim que me formei, já fui trabalhar com publicidade e programação visual. Como estava meio perdido profissionalmente, comecei a fazer aulas
de pintura com John Nicholson e Luiz Aquila, no Parque Lage. Em seguida ‘pintou’ o atelier, que eu
divido até hoje com mais três artistas plásticos: Luiz Pizarro, João Magalhães e Angelo Venosa. Hoje,
na procura de um trabalho legal, estou sabendo bem mais o que é minha pintura.
No atelier — uma casa antiga de uma vila em Botafogo, que tem o chão rebocado de tinta e as paredes dos
quatro cômodos ocupadas por quadros dos mais variados estilos — , muitas vezes a criação se dá ao som de
um bom rock ‘pauleira’, conforme a sintonia do rádio permanentemente instalado ali. Mas Daniel explica
que também existe espaço para a música clássica e questiona a imagem de ‘roqueira e alienada’ com que
tentaram marcar sua geração.
— É bom trabalhar ouvindo música e esse negócio de dizer que a geração 80 é alienada, é roqueira,
não tem nada a ver. O importante é que estou fazendo o que gosto, estou batalhando um trabalho
legal. Moro num ‘apezinho’, tenho um fusca ‘ferrado’ e faço uns ‘frilas’ (free–lancer) para uma revista
inglesa, além do meu trabalho como programador visual num Banco, para me manter, para poder
pintar. Espero um dia viver só da pintura.
A exposição no Centro Empresarial surgiu através do convite dos diretores da galeria, Ronaldo do Rego
Macedo e Ascânio MMM, que já conheciam o trabalho de Daniel, como ele conta.
— Eles me convidaram em março e eu terminei os quadros há dois meses. Antes, havia participado
de várias coletivas, inclusive da mais recente no Parque Lage, Como Vai Você, Geração 80?. Esta exposi-
ção foi uma boa maneira de dar uma mexida nas pessoas e de mostrar que tem uma nova geração de
artistas plásticos que de repente leva uma mostra de artes para um espaço diferente de uma galeria.
A pintura pode ser curtida num espaço que não seja uma galeria.”
MORAIS, Frederico (Org.).
“7 de Dezembro de 1984. Nuno Ramos, pintura, e Rubem Grilo, gravura, recebem o prêmio de viagem ao
Cronologia das artes plásticas no
exterior no VII Salão Nacional de Artes Plásticas, enquanto Daniel Senise e Emmanuel Nassar, pintores,
Rio de Janeiro: da Missão Artística
são contemplados com viagem ao país. O júri, composto por Abelardo Zaluar, Aline Figueiredo, Antônio
Francesa à Geração 90: 1816–1994.
Henrique Amaral, Glauco Pinto de Morais, Alberto Nemer e Osmar Pinheiro, seleciona os artistas a partir
Rio de Janeiro: Topbooks, 1995,
de dossiês. No catálogo, textos de Paulo Herkenhoff analisando as modificações introduzidas e de várias
p.401–402.
críticos, abordando diferentes aspectos da arte contemporânea representados no salão. A sala especial,
organizada por Lúcia Gouveia é dedicada ao ‘Salão Revolucionário’ de 1931.”
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Sem título 1985
Acrílica sobre tela, 230x190cm
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Untitled 1985
Acrylic paint on canvas, 90.5x74.8in
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Sem título 1985
Acrílica sobre tela, 230x190cm
Untitled 1985
Acrylic paint on canvas, 90.55x74.8in
> Lançado teste sorológico para diagnóstico da
infecção pelo HIV. A doença é relatada em
51 países.
> O Colégio Eleitoral elege Tancredo Neves
como presidente do Brasil e José Sarney como
vice–presidente. Sarney assume a presidência em
caráter definitivo, após morte de Tancredo.
> Charles Saatchi inaugura sua coleção para o
público, Londres.
> Exposição Les Immatériaux, com curadoria de
Jean–François Lyotard e Thierry Chaput, Centre
Georges Pompidou, Paris.
> Exposição Figuration Libre: France/USA, com
curadoria de Otto Hahn e Hervé Perdriolle, ARC/
Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris.
> Exposição Art Minimal I, com curadoria de Jean–
Louis Froment, CAPC, Musée d’Art Contemporain
de Bordeaux.
> Exposição Warhol, Basquiat Paintings, Tony
Shafrazi Gallery, Nova York.
> Exposição The European Iceberg: Creativity in
Germany and Italy Today, com curadoria de Germano
Celant, Art Gallery of Ontario, Toronto.
> Exposição Today’s Art of Brazil, Hara Museum of
Contemporary Art, Tóquio.
> Exposição Nueva Pintura Brasileña, Buenos Aires.
> Fundação do coletivo norte–americano Guerilla
Girls.
> 18ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Sheila
Leirner, ganhando destaque as mostras especiais
Grande Tela, Grupo Cobra e Expressionismo no
Brasil: Heranças e Afinidades.
> Exposição O Visual do Rock, MAM–RJ.
> Exposição do coletivo Casa 7, MAC–USP e MAM–RJ.
> Exposição Holopoesia, de Eduardo Kac e Fernando
Catta–Preta, MIS–SP e EAV Parque Lage,
Rio de Janeiro.
> Exposições Arte nos Muros, Velha Mania e Rio
Narciso, EAV Parque Lage, Rio de Janeiro.
> Exposições Arte Construção: 21 Artistas
Contemporâneos, com curadoria de Marcio Doctors,
Centro Empresarial Rio, Rio de Janeiro.
> Exposição Dupla Especializada, com Alexandre
Dacosta e Ricardo Basbaum, Galeria do Ibeu,
Rio de Janeiro.
> Exposição do Grupo Seis Mãos, com Alexandre
Dacosta, André Costa, Jorge Barrão e Ricardo
Basbaum, Centro Cultural São Paulo, São Paulo.
> Exposição Pinacoteca Anos 80, Pinacoteca do
Estado, São Paulo.
> Inauguração do Paço Imperial, Rio de Janeiro.
> Inauguração da Galeria Espaço Capital Arte
Contemporânea, Brasília.
> Inauguração do Espaço Cultural Cemig, Belo
Horizonte.
> Inauguração da Galeria Subdistrito, São Paulo.
> Realização do primeiro Rock in Rio, reunindo
cerca de um milhão de pessoas.
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“A década de 70 — década de autoritarismos
de toda espécie, inclusive estéticos — pro­
clamou, com insistência mórbida, o fim dos
salões e da pintura. Curiosa coincidência,
aliás. Nesta primeira metade dos anos 80,
ei–los de volta. A pintura vive um momento
bastante criativo no Brasil e o slogan desta
década, ‘prazer & pintura’, pode ser aplicado,
também, aos salões de arte, que, entre nós,
especialmente no tocante às capitais regio­
nais, continuam sendo o principal acesso
democrático dos jovens artistas ao circuito
artístico nacional.”
Morais, Frederico. Salões de arte, sempre
um estimulante foro de debates. O Globo,
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1985.
“Na Grande Tela, os trabalhos são articula­
dos entre si, num desenrolar ininterrupto,
narrativo e ruidoso. Porém, que não se espere
dali um discurso coletivo fluente e linear. Ao
contrário, a Grande Tela revela, sobretudo o
atrito, choque e antagonismo característicos,
aliás, de toda relação profunda e amorosa. Os
seus significados podem ser lidos à luz da his­
tória da arte, sociologia ou filosofia. O que se
pretende mesmo é criar um espaço perturba­
dor, uma zona de turbulência, análoga àquela
que encontramos na arte contemporânea.
Contudo, a visão de tal conjunto tem
como fundamento a utopia. E não parece pre­
sunçoso afirmar que ele é também antididá­
tico, anti–historicista, anárquico; e tão teatral
quanto os próprios trabalhos que ‘encenam’
o seu referencial histórico e repertório auto­
biográfico. Adquire o seu significado total por
meio da noção de uma ocorrência cotidiana,
ininterrupta e sincrônica dos atos estrutu­
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Sem título 1985
Acrílica sobre tela, 135x160cm
Cronologia crítica: 1985
Untitled 1985
Acrylic paint on canvas, 53.1x62.9in
Exposições Individuais
> Subdistrito Comercial de Arte,
São Paulo
> Galeria do Centro Cultural Cândido
Mendes, Rio de Janeiro
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Exposições Coletivas
> O Atelier da Lapa, Galeria de Arte
UFF, Niterói
> Rio Narciso, Escola de Artes Visuais
do Parque Lage, Rio de Janeiro
> A Figura Hoje, Galeria do Ibeu,
Rio de Janeiro
> 18ª Bienal Internacional de São
Paulo, São Paulo
> 7 Artistas do Rio, Museu de Arte e
Cultura Popular, Cuiabá
> Expressionismo no Brasil: Heranças
e Afinidades, Fundação Bienal de São
Paulo, São Paulo
“Vaso chinês. Entrevista com
Agnaldo Farias”. In: Daniel Senise
2000–2006. Curitiba: Museu Oscar
Niemeyer, 2006.
“Daniel Senise: E tinha, também, os meus amigos. Conversava um pouco com Angelo, falávamos sobre arte, mas nunca se falava muito. A gente teve uma convivência baseada em um olhar o trabalho
do outro. Um dos meus trabalhos que acho mais importante é aquele em que pego uma sobra de
madeira do Angelo, uma sobra dos objetos e das esculturas que ele fazia. Ora, uma sobra é um regis-
tro de uma coisa que saiu de lá do trabalho dele; uma presença, o contorno externo, um negativo de
uma coisa que ele usou, e aquilo foi meu tema no quadro. Isso veio do nosso convívio.
Agnaldo Farias: Isso aconteceu na época que vocês dividiam o ateliê?
DS: Sim.
AF: Até quando vocês dividiram o ateliê?
DS: Bom… nós fomos despejados pelo Breitman. Ele era o proprietário da casa onde trabalhávamos.
Eu tive uma discussão com o João Manuel, que era sócio do Breitman, e eles despejaram a gente.
Acho que foi em 90. Aí, meio que, cada um foi pra um lado: o Luiz e o Angelo foram para um ateliê
aqui perto, na Lapa — para onde eu acabei indo depois. Fiquei uns meses lá, enquanto estava fazen-
do este aqui, em que nós estamos agora.
AF: Você tem esse ateliê desde o começo?
DS: Desde 93… 92.
AF: Precisa crescer, né?
DS: Estou vendo uma casa aqui do lado. É, está apertado.
AF: Está apertado.
DS: Em 92 a gente separou. Também eu já estava cansado de trabalhar em grupo.”
Coutinho, Wilson. O grupo da
Lapa. Os filhos de Freud com a
pintura. Artistas revivem num ateliê
o clima artístico do velho bairro.
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10
de março de 1985.
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“O ateliê do grupo fica numa íngreme ladeira, na Lapa e os quatro artistas que o compõem tem como cená-
rio os arcos construídos no século XVIII, os bondinhos amarelos e as imagens de suas próprias obras insta-
ladas num imenso casarão de dois andares, com amplos espaços onde pintam peças em grandes dimensões.
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rados que se dão entre o artista e o fruidor.
Atos que — como um todo — agem como
‘cola’ psíquica, existencial e intelectual que
mantém toda cultura interligada. A Grande
Tela é quase um símbolo da Grande Obra
contemporânea, a qual se teve em mente ao
conceber e organizar a 18ª Bienal Internacio­
nal de São Paulo.”
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Gonçalves, Marcos Augusto. Os jovens
pintores chegam à Bienal. Folha de S. Paulo,
Ilustrada, São Paulo, 5 de setembro de 1985.
“‘Houve muita pressão, especialmente dos
alemães’, diz Sheila Leirner. Ela explica a
insatisfação de uma maneira original: ‘Os
alemães não querem o confronto’. E contra–
ataca: ‘Eles não querem um espaço não
Leirner, Sheila. “A Grande Tela e as exposições
acadêmico como o da Grande Tela, preferem
especiais”. In: 18ª Bienal de São Paulo, 1985. [Cat.]
uma disposição tradicional’. Na verdade, a
questão em jogo na Grande Tela é menor do
“A presença principal brasileira é a dos
que a que Sheila propõe. Ou mais simples.
artistas que adotaram como linguagem
O grande corredor cria, de fato, dificulda­
a chamada transvanguarda (seja lá o que
des para a observação dos trabalhos. Não
pode significar um termo destes). Ou seja, a
há como fugir dos ‘ruídos’ causados pelo
vaga atual do expressionismo abstrato, com
excesso de informação visual concentrada
telas sem chassis, largos gestos, desprezo
nas paredes.”
pelo cromatismo e pela composição, acento
principal numa suposta emoção que deixa
Gonçalves, Marcos Augusto. A música
sempre dúvidas, já que a emoção é a mesma
deu o tom no Ibirapuera. Folha de S. Paulo,
para todos. No Brasil, este grupo de artistas
Ilustrada, São Paulo, 7 de outubro de 1985.
recebeu o nome de batismo de Geração 80 e
foi apoiado por um grande e carioca esforço
“A Grande Tela representa o percurso do
promocional. O que resultou bem, como se
expressionismo que se vê hoje por toda parte
pode observar. A evidência de que a cultura
— das galerias do Soho de Nova York aos
não se divide por décadas e que as manifes­
museus e galerias da Alemanha e também
tações artísticas não se estruturam em gera­
nos quilômetros de páginas de revistas de
ções, mas em posições diante da história dos
arte do mundo inteiro. ‘Não se trata mais de
homens, não foi capaz de impedir o triunfo
celebrar o expressionismo’, adverte Sheila.
promocional da Geração 80.”
No entender dos idealizadores do projeto, a
Grande Tela funciona como um antimuseu,
Klintowitz, Jacob. Bienal: Quilômetros de
uma antigaleria com uma função crítica que
arte. Para caber tudo. A Tarde, 23 de agosto de
mostra o presente na história da arte. É claro
1985.
que muitos reagiram a essa condenação
ao pelourinho. Um dos papas da corrente
“‘Sem Malfatti não seria possível existir este
neoexpressionismo dos jovens pintores brasi­ expressionista, o checo naturalizado alemão
Jiri Georg Dokoupil, 30 anos, por várias vezes
leiros’, comenta Ivo Mesquita. Mas esta fatia
pensou em retirar suas telas da Bienal.
das novas gerações que preferiu o pincel às
É provável que esta 18ª Bienal de
guitarras elétricas não está tão segura assim
São Paulo seja a última grande festa desse
de sua filiação a uma suposta tradição ex­
expressionismo surgido no final dos anos 70,
pressionista brasileira. ‘Eu não sei se existe
início dos anos 80.”
essa tradição’, duvida Senise, 29, que prefere
pintar o conceito de expressionismo com as
No túnel da pintura — com 2.400 obras, já
tintas múltiplas do jazz. ‘Hoje a noção de
está aberta a 18ª Bienal de São Paulo. Veja,
expressionismo é tão ampla quanto a do jazz:
9 de outubro de 1985, p.90–93.
cabe muita coisa diferente dentro’, diz. Da
mesma forma, o paulistano Carlito Carvalho­ “A pintura, frequentemente declarada morta,
sa, 23, um dos integrantes do grupo Casa 7
sobrevive. Para maior espanto, nas obras de
— que participará da Bienal — é cético: ‘Acho
um grupo de jovens paulistanos, todos na
que não existe uma tradição expressionista
faixa dos 23 anos, que receberam a denomi­
no Brasil’. Carlito e seus colegas de ateliê
nação comum de geração 80 e pela primeira
não se sentem confortavelmente instalados
vez, farão parte da 18ª Bienal a ser inau­
numa árvore genealógica que teria pendu­
gurada em outubro próximo em São Paulo.
rada em seus galhos os frutos, por exemplo,
Suas obras são, na maioria, expressionistas,
da pintura de Di Cavalcanti e Portinari. ‘Eles
mas eles recusam esse rótulo assim como
são subcubistas’, classificam. Ao menos em
o de transvanguardistas, expressão criada
relação a Portinari, Senise concorda com o
pelo crítico italiano Bonito Oliva para definir
grupo paulista: ‘Prefiro ir direto ao cubismo
artistas alemães, americanos e italianos da
de Picasso’.”
mesma tendência. Suas obras já foram deno­
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minadas também de bad painting, por parte
da crítica brasileira, à qual eles retrucam
que, ao contrário, fazem good painting,
the best.”
Soller, Neide Martins. Vai, filho, ser
transvanguarda na vida. Folha da Tarde,
São Paulo, 5 de abril de 1985.
“O gosto pela arte transformou–se nos últi­
mos anos num padrão de status e a nova e
jovem burguesia brasileira já identificou a
obra de arte como um excelente produto de
consumo que é simultaneamente um investi­
mento promissor.”
Sattamini, João. Geração 80. HV, n.1, julho
de 1985, p.58–61.
“A coletiva Velha Mania, na Escola de Artes
Visuais, foi uma evidência da diversidade, em
que se misturavam obras com pouco em co­
mum entre si (inclusive Carlos Zéfiro, a quem
se dedicou uma ‘sala especial’, o banheiro de
mármore de Gabriela Besansone). Beatriz
Milhazes (com pinturas na César Ache), Beth
Jobim (também pinturas, na GB), Angelo
Venosa (esculturas, no Centro Empresarial
Rio) e Isaura Pena (desenhos, na Macunaíma)
apresentaram trabalhos que mereceram a
atenção. A voga do neoexpressionismo teve
um reforço com a exposição de dois alemães
presentes à Bienal de São Paulo, Middendorf
e Koberling (pinturas, na Thomas Cohn). Fora
dos limites da Geração 80, Rubem Grilo foi
um dos poucos a apresentar um trabalho no­
tável, especialmente por explorar o expres­
sionismo de forma alternativa ao ‘neo’.”
Roels Jr., Reynaldo. Predominaram as
cores da pintura. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
29 de dezembro de 1985.
“No momento, a arte é alimentada por uma
energia mental secreta, que calibra suas
aparições por meio de formas e modos de
representações que não têm nada de impro­
visação, mas na verdade são mediadas.
Isso não significa a perda da espon­
taneidade e vitalidade na expressão; pelo
contrário, ela permite a recuperação de
planos culturais sedimentares da memória e,
ao mesmo tempo, é capaz de reter a energia
gestual que acompanha a criação do trabalho.
Números abstratos, potencialidade figurati­
va, ornamentação e pulsação narrativa são
moldados em uma imagem no calor da cria­
ção, capaz de aceleração futurista e calma
metafísica juntas.”
Oliva Bonito, Achille. “Introduction”.
In: 1985 Nouve trame dell’arte. Roma: Castello
Colonna di Genazzaro, 1985.
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Luiz Pizarro, Angelo Venosa, Daniel Senise e João Magalhães estão lá desde o ano passado quando a editora
Guanabara Koogan esvaziou o seu depósito de livros. Koogan é parente do artista e marchand Rubem
Breitman que vem apostando atualmente em dois deles: Senise e Pizarro.
(…) Todos esses quatro artistas estão no ritmo de sua geração de pintores. São figurativos no que se
entende agora por isto que não são formas totalmente explícitas e objetivas. É um figurativismo oblíquo
e estranho. Pizarro é mais claro com as suas fortes pinceladas coloridas que constroem, quase com golpes,
nus masculinos e femininos com gestalt da distância. Perto, seus nus dissolvem–se em manchas pratica-
mente abstratas. Senise é um artista que começa a ter uma pintura admirável, extremamente forte, com
reconhecíveis, mas não são. Na tela, suas figuras em massa parecem construir um rodopio e muitas dessas
formas que ele considera autobiográficas podem vir de inúmeras sugestões esdrúxulas como um pinguim de
porcelana ou a imensa Atlântida sonhada por Platão. Muitos acusam sua obra de sair do atual expressionis-
mo alemão. ‘Pode parecer pintura alemã, mas não sou alemão. Pode haver uma referência, mas a pin

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