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Transcrição
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daniel senise vai que nós levamos as partes que te faltam Go. we'll bring the parts you leave behind 22/11/10 17:11 30150006 capa.indd 1 30150006 miolo.indd 1 12/04/11 17:35 30150006 miolo.indd 2 12/04/11 17:35 30150006 miolo.indd 3 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 4 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 5 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 6 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 7 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 8 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 9 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 10 12/04/11 17:36 Go. we'll bring the parts you leave behind 30150006 miolo.indd 11 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 12 12/04/11 17:36 Go. we'll bring the parts you leave behind 30150006 miolo.indd 13 12/04/11 17:36 p. 1 34–01 38 AVE, LIC II 2005 Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in p. 2–3 W.L. 140 setembro 2008 III (04/09) 2008 Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm W.L. 140 September 2008 III (04/09) 2008 Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in p. 4–5 W.L. 140 setembro 2008 II (05/09) 2008 Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm W.L. 140 September 2008 II (05/09) 2008 Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in p. 6–7 W.L. 140 setembro 2008 II (06/09) 2008 Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm W.L. 140 September 2008 II (06/09) 2008 Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in p. 8–9 W.L. 140 setembro 2008 II (03/09) 2008 Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm W.L. 140 September 2008 II (03/09) 2008 Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in p. 336 34–01 38 AVE, LIC II 2005 Colagem sobre impressão em jato de tinta, 91x90cm Collage on ink jet printing, 35.8x35.4in 30150006 miolo.indd 14 Algumas obras tiveram seus títulos mantidos na língua original por decisão do artista. The artist has chosen to keep some of the works’ titles in their original language. A grafia dos textos de “Daniel Senise: Cronologia crítica” foi mantida na língua original. All texts from “Daniel Senise: Critical Chronology” were kept in their original writing. 15/04/11 09:11 índice index 30150006 miolo.indd 15 16 Apresentação Ivo Mesquita 19 Territórios de infinitude María A. Iovino 37 OBRAS works 145 exposições exhibitions 156 daniel senise: cronologia crítica Glória Ferreira 279 daniel seNise go. we'll bring the parts you leave behind 327 índice onomástico name index 329 bibliografia bibliography 12/04/11 17:36 Depois de quase 30 anos de trabalho, a obra de Daniel Senise representa um compromisso consistente e consolidado com a pintura, sua prática, seu sentido social e histórico, tendo ele criado um espaço de reflexão pessoal, articulado a partir de um imaginário sofisticado e original. Com uma palheta econômica, e que se fez cada vez mais sóbria ao longo do tempo; com composições bem estruturadas sempre privilegiando os grandes formatos, características de toda a sua produção, inicialmente, sua pintura se desenvolveu a partir das tensões entre os planos no espaço do quadro, onde surgem fragmentos de corpos e objetos industriais como que amputados de seu todo, de arquiteturas e paisagens imaginárias, que tomam quase toda a superfície pictórica. Imagens densas, acentuadamente gráficas, elas são, ao mesmo tempo, evocações de formas arcaicas da arte e conhecidas do repertório moderno, e uma 16 abordagem de questões específicas da pintura como figura e fundo, a construção da superfície e a retórica da representação. No início dos anos 1990, há uma mudança no modo de trabalho do artista. À sua pesquisa sobre as possibilidades da pintura a partir do imaginário e da tradição em que ela se inscreve — programa adotado por diversos pintores em diferentes lugares desde o final dos anos 1970 —, Senise incorpora o próprio fazer, a própria materialidade do meio e do suporte, como elementos constitutivos do discurso plástico e do seu sentido na atualidade. Ao método tradicional da pintura, ele agrega colas, laca, betume, processos de oxidação de ferro, e incorpora toda sorte de acidente sobre superfícies de telas expostas, por longos períodos de tempo, ao piso do seu ateliê. A partir do recorte e justaposição de partes escolhidas dos tecidos impregnados de matéria e memória de sítios específicos, surgem paisagens inventadas ou apropriadas de pinturas do passado, imagens lembradas, arquiteturas de interiores reais como galerias e museus, ou ainda construções utópicas, sem um lugar preciso, apenas a marcação de espaços constituídos por vigas, planos, colunas, encaixes e volumes. As imagens apontam também para um mundo em constante movimento — o rio, o mar, as nuvens, os estados gasosos, as suspensões — e instável, causando a sensação de que esses espaços, os volumes e objetos não se acabaram de construir ou estão em processo de desmanche. 30150006 miolo.indd 16 12/04/11 17:36 O livro Daniel Senise. Vai, que nós levamos as partes que te faltam, de um lado, documenta de forma generosa a produção do artista nos últimos 15 anos, seu processo de trabalho, e registra uma série de exposições panorâmicas realizadas sobre este conjunto de obras, entre 2008 e 2009, em quatro museus brasileiros, mas com diferentes configurações em cada espaço expositivo. As fotos mostram a articulação das pinturas com o lugar em que se apresentaram, o que lhes confere algo de Apresentação instalações, criando espaços sobre espaços. Permite ver a densidade do projeto artístico de Senise, a complexidade de sua obra, uma reflexão articulada e crítica sobre o sentido da pintura, um campo possível de ser ativado no presente, pois oferece ainda uma experiência única de ver e imaginar. De outro, o livro faz um balanço dos quase 30 anos da carreira do artista, dentro de um percurso ilustrado sobre um tempo recente. 17 O texto de María Iovino, “Território da infinitude”, analisa a produção artística de Senise para além das noções de identidade e contexto que prevaleceram nas últimas décadas na interpretação dos artistas latino–americanos, para afirmá–la como o registro do enfrentamento disciplinado de questões como tempo, memória, ausência, e, portanto, parte de “uma cultura universal” e histórica da pintura. A magnífica “Cronologia crítica 1977–2007”, organizada por Glória Ferreira, por sua vez, oferece uma cuidadosa visão retrospectiva dos trabalhos do artista desde os anos 1980 e dos fatos mais significativos para o sistema da arte, e recupera, a partir de extensa pesquisa, textos importantes na leitura da produção de Senise, justapondo–os a outros também fundamentais dos movimentos e questões que orientaram o debate sobre a pintura e a arte nesse período. Além de representar uma valiosa contribuição à historiografia e crítica de arte contemporânea, a cronologia oferece um percurso afetivo e prazeroso de um tempo vivido, resgatando imagens, ideias e comportamentos de uma geração que põe em movimento o presente, na forma de outra grande “sinfonia de memórias”. ivo mesquita 30150006 miolo.indd 17 IVO MESQUITA é curador–chefe da Pinacoteca do Estado de São Paulo. is the chief curator of the Pinacoteca do Estado de São Paulo. 12/04/11 17:36 maría a. iovino dedica-se à pesquisa e curadoria de arte contemporânea com foco na América Latina especialmente Colômbia. Reside em Bogotá. is a researcher and curator focusing in Latin American and Colombian Contemporary Art. She lives in Bogotá, Colombia. 30150006 miolo.indd 18 12/04/11 17:36 Territórios de infinitude María A. Iovino 30150006 miolo.indd 19 12/04/11 17:36 20 30150006 miolo.indd 20 12/04/11 17:36 concebe — como um esquema arquitetônico — Daniel Senise pressupõe penetrar na cadeia de para cada obra específica e de acordo com as investigações e consequências que guiaram seus necessidades de luminosidade requeridas pela admiráveis achados e, além do mais, entender imagem que corresponde a cada desenho. nesse caminho que esta proposta, apesar de se Em consequência, no momento de instalar os desenvolver no domínio do bidimensional e daquilo fragmentos das diferentes impressões em um su- que se entende como pintura, é inclassificável em porte preparado para tal efeito, ele reúne, além um meio determinado. da impressão e da concepção construtiva, uma soma Na obra deste artista, a pintura, a gravu- de tempos e de espaços — tanto de forma real como ra, o desenho e a construção espacial convivem em metafórica. Acopla também neste exercício um jogo um equilíbrio tão exato que não permite a demar- de suportes no qual conjuga a superfície em que cação de fronteiras técnicas entre os diferentes realiza a obra, a tela que traz a impressão — que recursos. Nessa medida, localizar processos de é, originalmente, um suporte para a pintura — e a trabalho exclusivamente em algum desses espaços, matéria que traz de outros lugares, retirada dos além de limitar a diversidade de possibilidades pisos sobre os quais transitaram. de reflexão que a obra oferece, nega a própria Daí parte uma das complexidades filosóficas essência de qualquer meio que se queira entender e de interpretação deste trabalho, pois, não sen- como principal. do exata a definição de suporte, que tradicional- Daniel Senise gera suas imagens a partir mente se admite como o tema estável de uma argu- de uma indagação que estabelece um diálogo en- mentação, o conteúdo da obra se abre ao incerto e tre impressões, tiradas diretamente de realidades ao variável da simultaneidade. Na obra de Daniel diversas, e concepções de imagem e de espaço que Senise, convive, em uma mesma imagem e superfície, são produto de sua reflexão. No entanto, são muitos uma multiplicidade de suportes e histórias, mas, os aspectos inovadores desta obra. O primeiro é a além disso, esses suportes representam espaços própria natureza da matéria pictórica com que o que são estranhos aos que pertencem. Não há cor- artista trabalha. Faz pintura com a informação que respondência entre o lugar de origem da monotipia extrai dos mais diversos lugares e, naturalmente, e o espaço representado. Esse é um dos estranha- em tempos distintos e desiguais. Seu procedimento mentos materiais produzido pelo artista, ao qual consiste em aderir a pisos, marcados pela passagem se agrega o fato de a construção ser uma sinfonia do tempo, telas tradicionais, usando uma mistura de memórias. de cola de marceneiro e água, que espalha sobre Isso pressupõe que, além da ilusão de pers- as telas. Quando separa os tecidos, depois de um pectiva gerada pelas imagens de Daniel Senise em tempo de secagem, eles trazem matéria do lugar, do sua obra, há outras múltiplas perspectivas inter- dado essencial da estrutura e da história em que nas que comportam os tempos–espaços que se mistu- se inseriram. ram em cada trabalho. Isso quer dizer que, na pintura de Daniel Esses espaços bidimensionais de aparência Senise, a cor e o gesto provêm de traços da memó- tridimensional são, basicamente, construções pla- ria ou de vestígios da ocupação de espaços que se nas que encerram um número incalculável de dimen- acumulam no plano único dos solos nos quais desen- sões, manifestado nas memórias trazidas por cada volve parte de seu processo criativo; por isso, em fragmento de gravura que as conforma. primeira instância sua obra é um registro. Depois dessa captura monotípica do real, o artista frag- partir de suportes, é uma impressão a mais. Assim, menta e mistura os cortes das distintas camadas de nesta obra, a conversão de tempos e realidades, acordo com as formas projetadas nos desenhos que somada à envolvente monumentalidade do formato e 30150006 miolo.indd 21 Territórios de infinitude Acessar uma obra tão particular como a de 21 Às vezes, a imagem obtida, trabalhada a 12/04/11 17:36 22 30150006 miolo.indd 22 12/04/11 17:36 de qualquer outro discurso ou tendência racional. e leva o espectador a um espaço distinto do me- Nenhum aspecto da obra deste artista está cerca- ramente frontal, mesmo que isso aconteça também do por discursos. As propostas intelectuais são nos casos em que o formato nem sequer é monumen- forças com as quais evidentemente o trabalho tem tal. Além do mais, às vezes esses suportes são o relação, mas elas devem ser desentranhadas nas ma- apoio de estruturas que se alçam ou se enterram no neiras específicas em que o artista estruturou seu vazio; esta é outra maneira que o artista usa para pensamento e alimentou suas buscas de autodidata. quebrar a qualidade de superfície do plano para Por outro lado, é compreensível que os convertê–lo em um universo em que a imersão não recursos organizativos das imagens de Daniel tem fim. Senise revelem de maneira importante sua formação No plano e a partir do plano, as cons- de engenheiro, embora em sua carreira de artista truções e projeções espaciais de Daniel Senise ela sobreviva em espaços já distantes e indefiní- despertam no espectador a consciência da veloci- veis. Da mesma maneira, são inegáveis os dade que o circunda. A metáfora seria então a de diálogos sensoriais e racionais que estabelece uma mobilidade incontrolável, pois cada questão com a tradição artística brasileira, assim como no tempo e no espaço é cimento e apoio para ou- com a história da arte em geral. Mas, ainda assim, tras; é uma das formas de circulação infinita que a personalidade deste trabalho continua alheia aos este trabalho oferece entre as noções de começo marcos teóricos ou às referências estabelecidas. e de fim. O que indica que cada elemento no es- Não há citações da tradição ocidental, nem mesmo paço é suporte e, ao mesmo tempo, superfície. As da latino–americana, a partir das quais possa ser duas funções estão fundidas e também diferencia- lido ampla e suficientemente. Se, por necessidade das. As impressões dos pisos continuam aludindo a conceitual, estes lhe forem impostos, o alcance de suportes de memória, mas alteram sua natureza em uma obra tão rica em conteúdos poderá ficar redu- desenho sobre outro plano no qual o artista fala zido ao clichê, o que implica perder um aporte de de profundidade. grande valor para a construção filosófica e cultural Pelas mesmas razões, a humanidade e o sen- da América Latina e, em particular, do Brasil. timento povoam cada fragmento mínimo dos espaços As rotas que podem conduzir a uma aprecia- racionais, desolados e abissais de Daniel Senise. ção mais completa e complexa de obras como a de Neles, a emocionalidade não é impressa apenas pela Daniel Senise, que se apoiam em muitos territó- riqueza do gesto da matéria–prima e da vertigem rios sem pertencer a nenhum, estão por construir que incita a exatidão do cálculo das projeções es- ou em construção. Por essas mesmas razões, um paciais, mas também pela viagem a que conduz cada trabalho como o seu, que não recorre às retóri- um de seus elementos componentes. Esse contraste cas políticas e sociais, mas se edifica nas cir- entre o poder do gesto e o controle construtivo cunstâncias de um continente estigmatizado por permite que se possa, no silêncio imponente da essa visão, pode ser visto como um comportamento pintura de Daniel Senise, entender a voz mínima latino–americano atípico e, consequentemente, e imprescindível de cada partícula do mundo vivo. um lugar impreciso e vago. Assim, apesar de sua estrutura geométrica Na América Latina, a proposta geométrica e racional, é impossível ler uma obra como a deste na arte foi lida, essencialmente, como uma artista a partir dos preceitos da pintura geomé- contrarresposta à proposição geométrica abstrata trica abstrata ou partir dos preceitos do moder- formulada na Europa, não como racionalização nismo, não obstante a repercussão que teve na arte própria ou como produto independente. Sempre e na arquitetura do Brasil. Tampouco seria possí- em comunicação para negar ou para traçar vel acessar este trabalho a partir dos parâmetros independência em relação a alguns parâmetros que 30150006 miolo.indd 23 Territórios de infinitude da própria imagem, quebra a limitação do plano 23 12/04/11 17:36 24 30150006 miolo.indd 24 12/04/11 17:36 opõe ao identitário foi ter anulado a importância De qualquer forma, é lógico que tivesse sido do lugar para favorecer um cenário vago no qual entendido dessa maneira, na medida que na história aparentemente não existiriam suportes de nenhum do continente, assim como na da cultura ocidental, tipo para as diferentes concepções. O suporte os temas abstratos se desenvolveram em um cenário pode ser desconcertante, múltiplo, variável e, difícil, no qual se tornaram híbridas as adoções inclusive, um assunto incógnito, como adverte a e as imposições das culturas de maior poder obra de Daniel Senise, mas existe. econômico. Embora isso sempre tenha acontecido no Embora o fluxo do intercâmbio com outras meio de esforços notáveis para fazer adaptações que realidades aporte constantemente novos dados, o oferecessem interpretações de lugar, estas, pela lugar onde se vive ou a partir do qual se olha o própria condição política em que foram abordadas, mundo como paisagem e como campo no qual se pro- em geral se politizaram, romantizaram ou, inclusive, duz e se ouve determinada sonoridade não pode se exotizaram como versões do subdesenvolvimento. deixar de exercer uma influência decisiva no pro- No entanto, é importante reconhecer cesso de construção do olhar. Assim, o lugar pode hoje que o século XXI herdou do XX atitudes ser ressemantizado, mas não eliminado. A questão intelectuais e propostas artísticas que não são é que não se trata mais de identificação, que é um despenhadas na resistência, apesar de serem gera- conceito restritivo atado a preceitos discursivos, das ou fortalecidas em lugares tradicionalmente mas de pertencimento, que é uma posição flexível e, compreendidos, a partir de si mesmos e a partir no entanto, acomodável às mudanças das circuns- de fora, nessa condição de contradição política. tâncias e, inclusive, à própria mudança de lugar. No enlace ocorrido entre a maturação dos Dessa maneira se entende que um lugar possa ser processos políticos da América Latina, da expansão ao mesmo tempo o próprio e outros mais. da comunicação, da aceleração na cobertura e da No caso particular da arte produzida na capacidade de espaços da internet, assim como da América Latina ou como latino–americana, a reflexão popularização e da democratização dos transportes acerca do lugar está ligada à da memória, mesmo e das conexões entre diferentes lugares do mun- que esta não apareça como objetivo expresso de do, cresceu com muita naturalidade o sentimento um determinado projeto criativo. de pertencimento a uma cultura universal, ao lado Levando–se em conta que na base de toda da ideia de livre mobilidade por qualquer tipo estrutura poética a memória é o ingrediente de de espaços informativos, educativos, culturais e, fundo, no continente este foi por décadas o grande inclusive, geográficos e espaciais. tópico da produção artística e intelectual, ques- Não obstante, mesmo quando se considera tão que se explica por sua condição histórica. que foi assimilada uma nova realidade em que Na América Latina, a reflexão sobre o que o passado as fronteiras do pensamento estão cada vez mais significa no presente surge da necessidade — e isso dissolvidas, persiste a permanência de discur- de maneira espontânea —, a partir de distintas sos viciosos de identidade, fato que pressupõe a ocasiões, e não só por meio do diálogo estrito com necessidade de amadurecer uma compreensão distinta a narrativa social ou a dificuldade de seu devir na qual a comunicação com o lugar seja assumida político. O contato com o labirinto criado pela de forma natural e não forçada, em uma competição fusão — muitas vezes inarticulada — de realidades entre dominadores e dominados. obriga a entender tanto o originário como a com- plicada trama dos acontecimentos. É impossível reconhecer há mais de um sé- culo, e em especial no presente, o próprio ter- Como todos os países que trabalham para ritório fora de um diálogo entre muitas culturas, se libertar de diversos processos de colonização, espaços e interesses. O erro do discurso que se para os latino–americanos o trauma central foi a 30150006 miolo.indd 25 Territórios de infinitude não é possível acolher ou que se evita favorecer. 25 12/04/11 17:36 Bumerangue 1994 (detalhe) Esmalte sintético e óxido de ferro sobre tela, 165x256cm (obra p.134–135) Boomerang 1994 (detail) Synthetic enamel and iron oxide on canvas 64.9x100.7in (work p.134–135) 30150006 miolo.indd 26 12/04/11 17:36 não como corpo, e seus vestígios fazem uma inti- negação cultural e a destruição de suas tradições nerância infinita, não apenas pelo movimento que e crenças, mediante uma intensa e urgente tare- propõem como desenho, mas pela atividade mesma fa de silenciamento e ideias impostas em todos os do rastro impresso, cuja oxidação não se detém. campos que permitem interpretar o mundo e o uni- Equivale a dizer que a memória é tratada verso. Entre as múltiplas negações estão não ape- neste trabalho como atualidade, como presente, nas as construções culturais, mas também a própria e não como testemunho de um tempo passado. Na paisagem e o entorno mais próximo. Isso explica obra de Daniel Senise, o tempo é concebido como o fato de que a criação crítica tivesse procurado uma questão em ação, e em ação múltipla. Daí que desentranhar, de várias maneiras, uma atmosfera as obras realizadas a partir de interconexões própria através de diversos mecanismos, apesar de impressões feitas em camadas sejam a negação de não existir uma programação para fazê–lo. de um êxtase do registro, como o é, também, a Não é acontextual então que entre os moti- conversão dos distintos suportes impressos em vos centrais da reflexão de Daniel Senise estejam estruturas ou em edificações totalmente estranhas a memória, a expansão do tempo e do espaço, que à sua natureza de origem. em seu trabalho obrigam a sentir o infinito. Da Por esse mesmo motivo, a inquietude de mesma forma, é compreensível que o artista pen- Daniel Senise desde que realizou o primeiro mono- se nestes temas em um sentido pessoal no qual tipo no piso de seu ateliê foi alterar a situação não contam avaliações de ordem social, histórica monolítica distinta, referida a outro lugar. ou política. Não existe formato algum capaz de Esta é outra forma de circulação infinita que a precisar suficientemente quais são os domínios da obra de Daniel Senise adota. Nela, o passado é memória, pois esta é, afinal, a matéria que compõe sempre presente. cada sensação, percepção, reflexão e concepção vi- De fato, a primeira impressão não foi con- tal. São incontáveis as maneiras de se aproximar sequência de uma indagação de registro, mas um dela e de expressá–la. acidente que apresentou novas possibilidades de No caso da obra de Daniel Senise, o ar- representar o material, quando a obra do artista tista pensou na matéria como uma voz autônoma e ainda podia ser definida mais estritamente como como expressão per se desde os primeiros trabalhos pintura. Uma tela que preparava para usar em um nos quais investigou imagens e processos que lhe trabalho aderiu com mais força ao solo do ateliê permitiram revelar sua forma de perceber o mundo e por um excesso de aplicação de tinta acrílica. suas questões. A tinta traspassou a tela fina, provocando assim O exemplo mais claro desse modo de operar a aderência. A separação da tela trouxe então é constituído pelos traços de movimentos infinitos consigo camadas da história do espaço em que feitos com a oxidação de pregos, um exercício mais estava, e as mais visíveis foram os rastros do direto desse pensamento. O desenho que o artis- trabalho que Daniel Senise estava então desenvol- ta dispôs em determinado percurso sobre a tela vendo. Naquele momento, sua experimentação con- fez dele o elemento mesmo com sua própria oxida- sistia em sobrepor superfícies de material, nas ção. Depois de ocorrido esse fenômeno de tempo e quais depois fazia extrações para deixar desta de vida, a realidade como matéria foi retirada da maneira traços de uma atividade distinta sobre a obra para que ela fizesse de si mesma sua evocação. pintura. No entanto, essa primeira tela impressa, Ausência, então, é um conceito chave na que recolheu os resíduos que haviam caído no chão obra do artista, com o qual edifica um jogo de durante a elaboração de vários exercícios, pare- acesso às diferentes camadas da memória. Nesta cia também uma obra sua, como o próprio artista obra, os pregos se fazem presentes como rastros, esclareceu em várias entrevistas. 30150006 miolo.indd 27 Territórios de infinitude perda e o descontrole da memória a que levaram a 27 12/04/11 17:36 28 Só encontra quem está procurando, e nesse mantêm ausentes a coisificação e a realidade viva sentido foi que aquele acaso desembocou em refle- e mutável do material. xões e concepções sobre a memória, a imagem e o Com essa lógica, em obras como as aqui men- espaço de crescente complexidade. cionadas, o projeto de Daniel Senise já entrara em Enquanto experimentava a oxidação dos pre- um tempo e um espaço metafísico, percepção que em gos e de outros sólidos metálicos, Daniel Senise seguida ele incrementa bastante por meio da auste- também estudava, com suas pinturas, imagens icô- ra construção de espaços e estruturas a partir das nicas da história da arte e da ilustração como impressões tiradas dos pisos e pelo desaparecimen- representação e ausência, como formas de habitar to total em suas imagens de qualquer esquema do o espaço e de se expressar nele em distintas or- corpo humano. dens. A essas séries pertencem obras como Retrato Embora no começo tenham representado cons- da mãe do artista (1992, p.215), Despacho (1993, truções reais, esses espaços levaram o trabalho p.220) e Casamento (1994, p.224), inspiradas do artista a passar radicalmente ao terreno da na conhecida pintura do artista norte–americano reflexão abstrata, e isto em uma solução de todo James Whistler; Mountain e Cliff (1994, p.132– pessoal. O que não está neles são muitas coisas: 133), inspiradas na obra do pintor alemão Caspar o lugar e a realidade de onde provêm, os seres David Friedrich, assim como Ela que não está que os habitam e o interminável entorno em que (1994, p.126–131), inspirada no esquema de restau- se projetam, e o chamado ao infinito em que se ração por perda de material de um dos afrescos do sustentam. Com esses mecanismos, Daniel Senise pintor italiano Giotto, na capela Barci da Igreja leva a sonoridade e a importância do imenso mundo, da Santa Cruz, de Florença. O artista conheceu a que por força se distancia de qualquer proposta imagem nos livros em que estudava história da arte de representação, a uma instância de maior poder e depois diretamente em uma viagem àquela cida- metafórico e poético. de italiana, em 1994. O fato de tê–la estudado Interpretei com insistência em outros es- primeiro em um impresso no qual se manifestava a tudos e textos que esse chamado ao infinito e a um deterioração e o processo de restauração da obra tempo–espaço circular, instável e complexo na arte gerou a ênfase na observação e reflexão que Daniel e no pensamento que amadureceu sob os esquemas do Senise fez do ausente nela. moderno e do contemporâneo na América Latina — ou no campo de ação latino–americano — tem uma Em especial neste último trabalho, a observação do artista se concentra naquilo que relação direta com a libertação do tempo–espaço desapareceu, uma questão vital que encerra uma único, plano e quieto da fotografia. E também com explicação do mundo e sem a qual é impossível o das importações discursivas de diferentes or- decifrar um conteúdo ou uma mensagem. É uma dens: políticas, econômicas, sociais, artísticas reflexão muito semelhante a que faz o artista e intelectuais em geral, que submeteram os Estados francês Marcel Duchamp na obra Tu manque qui latino–americanos, em sua nascente história, a uma (1918), a marca final de seu trabalho em pintura ordem rígida, central, monocular, na qual pareciam e o começo do desenvolvimento de sua reflexão ter resolvido de muitas maneiras o problema de sobre o mundo objetal. Em Tu manque qui, Duchamp interpretação do real, a partir da compreensão do representou apenas a sombra do cabide e com o tempo, do espaço e da história, comparáveis às do título apontou sua ausência, para se referir, plano fotográfico. com esse ato, a uma falha da representação Em primeiro lugar, concebi–o desta maneira pictórica e inclusive fotográfica, que consiste porque lembrei que no continente, na maioria dos em fornecer uma expressão acerca do real ao casos, as academias de arte foram fundadas depois retrato de um fragmento aplanado, enquanto se de a fotografia ter sido amplamente experimentada. 30150006 miolo.indd 28 12/04/11 17:36 para se integrar com a mesma velocidade ao estudo com seu apoio para o treinamento em padrões rígi- da imagem nos ateliês de pintura e escultura. dos da correta representação do real, alimentados Como complemento a essa situação de descon- por um neoclassicismo e romantismo que se preten- certo acerca do que implica a apreensão do real, dia aclimatar. se soma o fato de que mais tarde aparece o cine- Isso implicou o achatamento e a simplifica- ma, integrando–se ao mesmo entendimento plano e ção da dificílima apreensão do real que havia sido fragmentado, mas agora em movimento, poucos anos trabalhada por séculos nas academias históricas, depois de seus primeiros passos na Europa. e também, em consequência, a destruição do exercí- Como consequência desse processo, não é de cio filosófico e de observação em que a realidade se estranhar que quando teve início a assimilação se compreende inabarcável e inapreensível e, por dos trabalhos vanguardistas na América Latina — essa razão, sujeita a uma interpretação, através quando, na Europa, através das imagens do cubismo de códigos e símbolos como os do horizonte, da e do surrealismo estava sendo entendida a ruptura fuga, ou da estrutura geométrica, etc. do tempo único e se desenvolvendo uma filosofia da Pelo contrário, a fotografia chega com simultaneidade — esse produto tenha sido acolhido essa abstração resoluta no interior de um aparato no novo mundo de maneira plana e frontal e dentro construído a partir da lógica cartesiana, na qual da lógica estrutural do tempo linear e inerte da o mundo se ordena em um eixo matemático simétrico. fotografia. Não era possível conceber no continente A realidade que se observou então foi a da câmera, a transcendência do tempo único refutada desde o que faz um registro exclusivamente frontal e, Impressionismo sem que se tivesse especulado sobre além disso, fragmentado e compactado em um único a instabilidade do real e quando, pelo contrário, plano, no qual o horizonte se transforma em linha os avanços da fotografia, que era trabalhada como reta e finita, apagando desta maneira a noção da o principal apoio do entendimento da imagem na circularidade do mesmo, e da mesma forma a do academia, afirmava a possibilidade de congelar o tempo–espaço. instante e, com ele, a imagem. México, Brasil e Cuba tiveram a sorte No século XX, a fotografia se transformou em de ter fundado as primeiras academias da Améri- texto que documenta e testemunha o real de maneira ca Latina, em 1783 (México), 1818 (Cuba) e 1826 irrefutável, e por isso países como os latino–ame- (Brasil). Este fato, apesar de ter propiciado uma ricanos não podiam tampouco renegar os discursos vantagem no exercício da observação direta da que lhes eram impostos a partir de fora sem fazer realidade no que se refere ao que aconteceu em a revisão filosófica que a arte fez sobre o verídico outros países, ocorreu, de qualquer maneira, por e documentável da realidade no fotográfico. A eman- meio dos padrões neoclássicos estudados no novo cipação filosófica em todos os campos deve ter sido mundo, fundamentalmente a partir de gravuras de por isso mesmo um trabalho simultâneo, em que cada escolas europeias. Isso quer dizer que além de um se alimentava dos avanços e progressos do outro não priorizar no estudo da imagem o livre exercí- para tecer algo realmente próprio. cio da observação e compreensão do próprio entor- Dessa forma, não se podia entender desde o no, os primeiros desenvolvimentos das escolas de começo qual era esse Tu manque qui de que fala- arte (exceto no México) aconteceram em paralelo va Marcel Duchamp, nem qual a simultaneidade do às primeiras experimentações que deram lugar aos tempo que os cubistas embutiam em uma única cena testes de fixação da imagem fotográfica na França. pictórica, como, tampouco, quais as vias de expan- E também poucos anos depois do anúncio oficial do são bidimensional que levaram a pintura a sair da surgimento da fotografia (1839), meio que chegou de moldura até abordar o tempo–espaço da instalação, maneira surpreendentemente rápida ao continente, da ambientação e da performance. As primeiras ado- 30150006 miolo.indd 29 Territórios de infinitude Este fato pressupõe que desde o começo se contara 29 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 30 12/04/11 17:36 a partir de fronteiras de percepção muito mais temporização da imagem a partir de um formalismo amplas e diversificadas do que as da literalidade e superficial. Esse exercício foi desempenhado, além da leitura política e social a que foram forçadas do mais, na maioria dos casos, a partir de repro- nos primeiros passos. duções de obras da história da arte, o que, além Na poética de Daniel Senise se compreende de desvirtuar questões de formato, qualidade, cor, que o ausente na representação da realidade é o técnica e profundidade, reforçou a relação com a mundo que está fora do horizonte finito, a vida moldura e o ordenamento fotográfico. que não se pode formatar nele, que é inefável, e da qual, no entanto, o artista consegue dar um Foi durante a manipulação prática dos dis- cursos mais inovadores que se entendeu, pouco a aviso espantoso. O interessante e inovador em seu pouco — enquanto se destituía a integridade dos caso foi ter assumido o desafio de incluir esse padrões europeus —, que o tempo e o espaço, como entendimento no formato da pintura, demonstrando aquilo que os habita, são assuntos infinitos que desta maneira a vitalidade de um meio que se a finitude de nenhum suporte ou concepção pode con- considerou superado em incontáveis debates ao ter de nenhuma outra maneira a não ser por meio da longo do século XX. poética. Isso aconteceu, como é lógico entender, A pintura já se enriquecera de grande em relação à preocupação de compreender e contri- quantidade de experimentações ao longo da buir aos temas do contexto. primeira metade do século XX com a colagem e a Dessa compreensão expansiva da forma e dos ensamblagem, com o desenho e a administração de suportes nasceram obras e processos que não são um espaço metafísico, de maneira que não foi com mais aclimatados, mas gerados em estruturas de esta comunicação de meios que Daniel Senise gerou pensamento diferentes, como as de Armando Reverón, outras possibilidades. Foi com o que fez com a Lygia Clark e Hélio Oiticica, por exemplo. Armando imagem e com o tempo nesses meios e através da Reverón dissolveu a imagem em luz e transparência forma como os fez expressar uma simultaneidade e depois erigiu um mundo objetal particular, em distinta, que é a atual. que a simultaneidade e a velocidade são entendidas No presente, a representação do mundo che- a partir de suas próprias leis. Por sua vez, Lygia gou a distâncias que teriam sido inimagináveis de Clark e Hélio Oiticica insistiram na importância alcançar no espaço cósmico; atingiu, também, di- da linguagem estrutural até dissolver a matéria mensões subatômicas, que afirmam, cada vez com mais em comportamento ou na atmosfera do ambiente. elementos, um infinito que se estende para fora e Não são poucos os exemplos que podem ser para dentro de cada partícula da existência e que mencionados a respeito de projetos que rompem os em seu movimento constante gera uma quantidade limites do suporte angular e da estrutura cen- incalculável de conexões de toda ordem. A palavra tralista do eixo simétrico. Os mencionados podem para definir esse acontecimento múltiplo é ‘víncu- ser simplesmente alguns dos mais notáveis entre lo’, e vínculo entre uma quantidade inimaginável os pioneiros. O certo é que o trabalho fortaleci- de dimensões, das quais não havia notícia quando do pelos artistas latino–americanos neste sentido as vanguardas abordaram a simultaneidade no espaço está conformado no presente por um corpo bastante e no tempo, paralelamente à formulação da teoria destacado de obras que, como as de Daniel Senise, da relatividade. não são mais concebidas por contradição e em opo- sição às concepções de outros, mas na integração que se refere o trabalho de Daniel Senise é ou- das culturas e das propostas mais plurais, sem que tra. E o é também porque a elaboração geométrica esse procedimento as descontextualize. Em con- com a qual pôde se aproximar dela nasce de con- sequência, essas posturas também devem ser lidas clusões distintas. 30150006 miolo.indd 31 Territórios de infinitude ções são por isso mesmo mais um exercício de con- 31 É por estas razões que a simultaneidade a 12/04/11 17:36 Skira I 2009 (detalhe detail) Papel colado em alumínio, 154,5x333cm (obra p.40–41) Paper glued on aluminum, 60.8x131.1in (work p.40–41) 30150006 miolo.indd 32 12/04/11 17:36 A construção geométrica que a modernidade a que têm as obras realizadas com papéis oxidados é resultado de um continuum investigativo ao qual cendente que o artista fez do suporte e da matéria foram se somando achados e respostas sobre as di- como memória, mas é, também, constância de uma fina mensões do homem e seu universo. Dessas dimensões sensibilidade e cultura em relação às possibili- nasceram, progressivamente, abstrações das quais dades da pintura e do desenho. Dessa maneira se resultaram muitos dos aparatos físicos e conceitu- entende que, na insistência de um mesmo argumen- ais que a América Latina teve que descontruir para to observado a partir de ângulos muito diversos, entendê–los e reconstruí–los de outras maneiras, Daniel Senise tenha conquistado uma clareza dia- de acordo com suas circunstâncias e necessidades. mantina acerca do significado do tempo. E daí, ter Pelo mesmo, e também em muitos casos, com outras podido usar sua voz para a expressão artística, funções. Isso porque a desconstrução foi feita de entendendo a carga que deixa nos distintos corpos, modo empírico, sem conhecimento da lógica inter- sem ser literal nem simplista em relação a ela. na dos sistemas que analisa, fato que desviou os Os papéis oxidados saíram dos próprios li- estudos por rotas distintas, que sempre aportam vros em que o artista estudou imagens da história outros olhares e objetos de investigação. da arte. Os textos que em certas ocasiões deixa Na obra de Daniel Senise, por exemplo, na visíveis são identificações de obras cujas estampas indagação autodidata que o artista fez sobre a estavam aderidas e retirou a fim de usar o papel. imagem e sua geometria, houve uma redescoberta Isso permite entender o olhar múltiplo com que o da perspectiva, em um momento da história em que artista lê uma mesma informação. Enquanto estuda não é possível organizar uma composição em nenhum a história da arte (essencialmente da pintura), o campo de acordo com as perspectivas centrais ou faz também com a do suporte em que ela se imprime simples, e em que, por muito tempo, esteve proble- e com as possibilidades que tem esse suporte de matizada a representação figurativa na pintura. ser superfície de outra argumentação sobre arte, Daí que em seu trabalho abstrato as projeções di- através da pintura. É outra maneira de conectar rijam o espectador a todos os ângulos, incluindo o o princípio e o fim, de fazer circulações infinitas que ele próprio ocupa e inserindo–o desta maneira, com o tempo e a matéria. de repente, em um grande e acelerado vazio. A versatilidade com que o artista ofereceu a pintura aplicada com pincel, depois desses pro- concepções distintas a um mesmo repertório de cessos, não faz uma pintura íntegra em um plano. recursos prova não apenas que nenhuma maneira Ou seja, não faz uma pintura de tempo linear, mas ou técnica se esgota quando é redescoberta sim o contrário — traz até a tradicional maneira constantemente em outro território, mas que o de aplicar a cor, o ensinamento da fragmentação e mesmo pode ser feito com a base de conhecimentos a comunicação de tempos e espaços que lhe deixaram herdados dos clássicos. Essas bases alimentam o os trabalhos de impressão em pisos e de composição drama dos espaços de Daniel Senise, que não tem pictórica segundo gradações de oxidação dos papéis. ressonância com os conflitos da América Latina, e Com essa lógica, o artista submete a recor- por consequência não é sensível a eles, mas sim à tes — agora reticulares — a pintura hiperrealista profundidade ilimitada da poesia. que faz a partir das cores do piso de sua habita- Em seu incessante diálogo com a história da ção, que depois recompõe em jogos cromáticos, para arte, Senise conseguiu oferecer leituras contem- traçar, em escala natural, o corredor que percorre porâneas a estruturas que deixaram de sê–lo e, no diariamente conectando as distintas estâncias de entanto, transportaram no tempo seus dados essen- seu próprio espaço. Neste caso, o tempo da pintu- ciais. Uma qualidade pictórica e de desenho como ra se mescla para falar do mais íntimo da memória, 30150006 miolo.indd 33 Territórios de infinitude trouxe para a América Latina, em diferentes campos, pela passagem dos anos é resultado do olhar trans- 33 Quando, em 2006, Daniel Senise volta para 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 34 12/04/11 17:36 que também é impreciso e inapreensível, embora tendimento redutor de América Latina, com a conse- as medidas e escalas materiais sejam transcritas. quente perda interpretativa e filosófica que pres- irremediavelmente, muitos outros, desde os mais resultados tão originais como aqueles a que leva a próximos até aqueles a respeito dos quais se pode- obra de Daniel Senise. Apesar de seu diálogo cria- ria chegar a dizer que já se apagaram da memória. tivo se ter fortalecido com a pintura alemã, em Os nomes que os aportes que se estruturaram especial com a de Markus Lüpertz e Sigmar Polke, nestes processos poderiam receber são distintos assim como com a produção artística norte–ameri- daqueles com os quais naturalmente foram batizadas cana durante os anos em que viveu em Nova York, é as diferentes tendências criativas no século simplificador deixar de entender o decisivo diálogo XX, mas sobre estes novos nomes ainda não há que seu olhar estabelece com a luz, com a paisagem nada proposto. A arte latino–americana enfrenta, e com os processos intelectuais e criativos de seu portanto, um problema de nominalidade, o que, lugar de origem. como consequência, repercute em um nome único Obras como as de Daniel Senise, que não que acolhe o enorme repertório de processos que traçam os limitem das considerações de que se ela inclui. nutrem, não apenas porque são múltiplas, mas Tanto a paisagem como a performance e as porque se submetem ao ritmo das observações interpretações e acomodações do low tech na Améri- de seu tempo em um sentido muito amplo, alcançam ca Latina são chamadas de ‘arte latino–americana’. uma universalidade que torna o lugar de onde Dessa maneira, nesse oceano vastíssimo de olhares provêm distinto, questão que, em geral, marca e interpretações, favoreceu–se tradicionalmente o o início de novas narrativas e de outras formas que se pode vincular com maior facilidade a um en- de reconhecimento. 30150006 miolo.indd 35 Territórios de infinitude O lugar absolutamente próprio inexiste; nele estão, supõe deixar de entender, entre esses processos, 35 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 36 12/04/11 17:36 obras works 30150006 miolo.indd 37 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 38 12/04/11 17:36 30150006 miolo.indd 39 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 40 12/04/11 17:37 2009 41 30150006 miolo.indd 41 Skira I 2009 Papel colado em alumínio, 154,5x333cm (detalhe p.42–43) Paper glued on aluminum, 60.8x131.1in (detail p.42–43) 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 42 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 43 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 44 12/04/11 17:37 Ealumeoila 2009 Acrílica em colagem sobre alumínio, 150x955cm (detalhe p.46–47) Acrylic paint on collage on aluminum, 59x375.9in (detail p.46–47) 30150006 miolo.indd 45 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 46 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 47 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 48 12/04/11 17:37 2008 Sem título 2008 Acrílica sobre colagem em madeira e estrutura de alumínio, 150x500cm (detalhe p.50–51) 49 30150006 miolo.indd 49 Untitled 2008 Acrylic paint on collage on wood and aluminum structure, 59x196.8in (detail p.50–51) 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 50 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 51 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 52 12/04/11 17:37 Vai que nós levamos as partes que te faltam 2008 Aquarela em papel montado em alumínio, 120x1000cm (detalhes p.54–57) Watercolor on papel mounted on aluminum, 47.2x393.7in (details p.54–57) 30150006 miolo.indd 53 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 54 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 55 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 56 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 57 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 58 12/04/11 17:37 2008 59 30150006 miolo.indd 59 Legenda 2008 Cretone com impressão de cimento e objeto de plástico, 311x201cm (detalhe p.58) Cretonne with cement impression and plastic object, 122x79.1in (detail p.58) 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 60 12/04/11 17:37 2008 Reino II 2008 Acrílica em colagem sobre alumínio, 215x215cm 61 30150006 miolo.indd 61 Kingdom II 2008 Acrylic paint on collage on aluminum, 84.6x84.6in 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 62 12/04/11 17:37 2007 63 30150006 miolo.indd 63 Ici et ailleurs 2007 Acrílica em colagem sobre alumínio, 215x215cm (detalhe p.62) Acrylic paint on collage on aluminum, 84.6x84.6in (detail p.62) 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 64 12/04/11 17:37 2008 65 30150006 miolo.indd 65 Closed 2008 Acrílica em colagem sobre alumínio, 150x500cm Acrylic on collage on aluminum, 59x196.8in 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 66 12/04/11 17:37 2007 Reino III 2007 Acrílica sobre colagem em alumínio, 200x300cm (detalhes p.68–71) 67 30150006 miolo.indd 67 Kingdom III 2007 Acrylic paint on collage on aluminum, 78.7x118.1in (details p.68–71) 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 68 12/04/11 17:37 30150006 miolo.indd 69 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 70 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 71 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 72 12/04/11 17:38 2006 Reino 2006 Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm 73 30150006 miolo.indd 73 Kingdom 2006 Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 74 12/04/11 17:38 2006 Reino I 2006 Acrílica sobre colagem em alumínio, 200x300cm (detalhes p.76–79) 75 30150006 miolo.indd 75 Kingdom I 2006 Acrylic paint on collage on aluminum, 78.7x118.1in (details p.76–79) 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 76 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 77 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 78 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 79 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 80 12/04/11 17:38 2006 81 30150006 miolo.indd 81 Ararat 2006 Acrílica sobre colagem em madeira, 320x250cm (detalhe p.80) Acrylic paint on collage on wood, 125.9x98.4in (detail p.80) 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 82 12/04/11 17:38 2006 Invasor I 2006 Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm 83 30150006 miolo.indd 83 Invader I 2006 Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 84 12/04/11 17:38 2006 85 30150006 miolo.indd 85 Encore 2006 Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 86 12/04/11 17:38 2005–9 Sem título 2005–2009 Acrílica sobre colagem em madeira, 215x430cm (díptico, detalhes p.88–91) 87 30150006 miolo.indd 87 Untitled 2005–2009 Acrylic paint on collage on wood, 84.6x169.2in (diptych, details p.88–91) 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 88 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 89 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 90 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 91 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 92 12/04/11 17:38 2006 Aurora Boreal 2006 Acrílica sobre colagem em madeira, 210x420cm (díptico, detalhe p.94–95) 93 30150006 miolo.indd 93 Aurora Borealis 2006 Acrylic paint on collage on wood, 82.6x165.3in (diptych, detail p.94–95) 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 94 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 95 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 96 12/04/11 17:38 2006 Poça II 2006 Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm 97 30150006 miolo.indd 97 Puddle II 2006 Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 98 12/04/11 17:38 2006 Poça III 2006 Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm 99 30150006 miolo.indd 99 Puddle III 2006 Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 100 12/04/11 17:38 2005 Obra 2005 Acrílica sobre colagem em madeira, 300x400cm (díptico) 101 30150006 miolo.indd 101 Work 2005 Acrylic paint on collage on wood,118.1x157.4in (diptych) 12/04/11 17:38 30150006 miolo.indd 102 12/04/11 17:39 2005 103 30150006 miolo.indd 103 Casa 2005 Acrílica sobre colagem em madeira, 215x430cm (díptico) Acrylic paint on collage on wood, 84.6x169.2in (diptych) 12/04/11 17:39 30150006 miolo.indd 104 12/04/11 17:39 2004 105 30150006 miolo.indd 105 Misty Peach Vision Petal 2004 Acrílica sobre colagem em madeira, 215x215cm (cada, detalhe p.106–107) Acrylic paint on collage on wood, 84.6x84.6in (each, detail p.106–107) 12/04/11 17:39 30150006 miolo.indd 106 12/04/11 17:39 30150006 miolo.indd 107 12/04/11 17:39 30150006 miolo.indd 108 12/04/11 17:39 2004 Galeria 2004 Acrílica sobre colagem em madeira, 200x300cm 109 30150006 miolo.indd 109 Gallery 2004 Acrylic paint on collage on wood, 78.7x118.1in 12/04/11 17:39 30150006 miolo.indd 110 12/04/11 17:39 2003 Piscina 2 2003 Acrílica sobre colagem em madeira, 185x290cm 111 30150006 miolo.indd 111 Pool 2 2003 Acrylic paint on collage on wood, 72.8x114.1in 12/04/11 17:39 30150006 miolo.indd 112 12/04/11 17:39 2003 Piscina 3 2003 Acrílica sobre colagem em madeira, 185x290cm 113 30150006 miolo.indd 113 Pool 3 2003 Acrylic paint on collage on wood, 72.8x114.1in 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 114 12/04/11 17:40 2001 115 30150006 miolo.indd 115 Huntington Hartford Museum 2001 Acrílica sobre colagem em madeira, 200x300cm Acrylic paint on collage on wood, 78.7x118.1in 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 116 12/04/11 17:40 2001 117 30150006 miolo.indd 117 Haus Lange, Krefeld 2001 Acrílica sobre colagem em madeira, 200x300cm Acrylic paint on collage on wood, 78.7x118.1in 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 118 12/04/11 17:40 2001 Sem título 2001 Acrílica sobre colagem em madeira, 215x510cm 119 30150006 miolo.indd 119 Untitled 2001 Acrylic paint on collage on wood, 84.6x200.7in 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 120 12/04/11 17:40 2000 121 30150006 miolo.indd 121 Witchal 2000 Acrílica sobre colagem em madeira, 213x426cm (díptico, detalhe p.122–123) Acrylic paint on collage on wood, 83.8x167.7in (diptych, detail p.122–123) 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 122 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 123 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 124 12/04/11 17:40 1995 Paisagem com levitação 1995 Acrílica, pó de ferro e laca sobre cretone, 130x190cm (detalhe p.124) 125 30150006 miolo.indd 125 Landscape with levitation 1995 Acrylic paint, iron dust and lacquer on cretonne, 51.1x74.8in (detail p.124) 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 126 12/04/11 17:40 1994 127 30150006 miolo.indd 127 Ela que não está III 1994 Acrílica, pó de ferro e laca sobre cretone, 193x305cm Acrylic paint, iron dust and lacquer on cretonne, 75.9x120in 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 128 12/04/11 17:40 1994 129 30150006 miolo.indd 129 Ela que não está I 1994 Acrílica, pó de ferro e laca sobre cretone, 193x305cm Acrylic paint, iron dust and lacquer on cretonne, 75.9x120in 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 130 12/04/11 17:40 1994 131 30150006 miolo.indd 131 Ela que não está II 1994 Acrílica, pó de ferro e laca sobre cretone, 193x305cm Acrylic paint, iron dust and lacquer on cretonne, 75.9x120in 12/04/11 17:40 1994 132 30150006 miolo.indd 132 Mountain 1994 Laca e pó de madeira sobre lona, 260x178cm Lacquer and sawdust on canvas, 102.3x70in 12/04/11 17:40 1994 Penhasco 1994 Laca e pó de madeira sobre lona, 260x178cm 133 30150006 miolo.indd 133 Cliff 1994 Lacquer and sawdust on canvas, 102.3x70in 12/04/11 17:40 30150006 miolo.indd 134 12/04/11 17:41 1994 Bumerangue 1994 Esmalte sintético e óxido de ferro sobre tela, 165x256cm 135 30150006 miolo.indd 135 Boomerang 1994 Synthetic enamel and iron oxide on canvas, 64.9x100.7in 12/04/11 17:41 30150006 miolo.indd 136 12/04/11 17:41 1994 Bumerangue 1994 Esmalte sintético e óxido de ferro sobre tela, 165x256cm 137 30150006 miolo.indd 137 Boomerang 1994 Synthetic enamel and iron oxide on canvas, 64.9x100.7in 12/04/11 17:41 30150006 miolo.indd 138 12/04/11 17:41 30150006 miolo.indd 139 12/04/11 17:41 30150006 miolo.indd 140 12/04/11 17:41 1994 Bumerangue 1994 Esmalte sintético e óxido de ferro sobre tela, 165x256cm 141 30150006 miolo.indd 141 Boomerang 1994 Synthetic enamel and iron oxide on canvas, 64.9x100.7in 12/04/11 17:42 30150006 miolo.indd 142 12/04/11 17:42 1992 Quase infinito 1992 Óxido de ferro e esmalte sintético sobre cretone, 72x183cm 143 30150006 miolo.indd 143 Almost infinite 1992 Iron oxide and synthetic enamel on cretonne, 28.3x72in 12/04/11 17:42 30150006 miolo.indd 144 12/04/11 17:42 exposições exhibitions 30150006 miolo.indd 145 12/04/11 17:42 30150006 miolo.indd 146 12/04/11 17:42 30150006 miolo.indd 147 12/04/11 17:42 MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA 30150006 miolo.indd 148 12/04/11 17:42 Museu de Arte Moderna da Bahia 149 30150006 miolo.indd 149 12/04/11 17:42 MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO 30150006 miolo.indd 150 12/04/11 17:42 Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro 151 30150006 miolo.indd 151 12/04/11 17:42 MUSEU DE ARTE D0 RIO GRANDE DO SUL 30150006 miolo.indd 152 12/04/11 17:42 Museu de Arte do Rio Grande do Sul 153 30150006 miolo.indd 153 12/04/11 17:42 ESTAÇÃO PINACOTECA SÃO PAULO 30150006 miolo.indd 154 12/04/11 17:42 Estação Pinacoteca de São Paulo 155 30150006 miolo.indd 155 12/04/11 17:42 Glória Ferreira é Doutora em História da Arte, crítica de arte e curadora independente. Vive e trabalha no Rio de Janeiro e em Paris. has a PhD. in Art History, art critic and independent curator. She lives and works in Rio de Janeiro and in Paris. 30150006 miolo.indd 156 12/04/11 17:42 daniel senise: cronologia crítica Glória ferreira colaboração fernanda lopes ivair reinaldim 30150006 miolo.indd 157 12/04/11 17:42 1977 W. W.L. L.140 140— abril estacionamento 2008 I – estacionamento (2/9) 2008 (06/07) 2008 Colagem sobre impressão em jato de tinta, 94x91 101x 92cm cm 158 30150006 miolo.indd 158 W. W.L. L.140 140— April parking 2008 lot I – parking (2/9) 2008 lot (06/07) 2008 Collage on ink jet printing, 37x35.8 39.7x36.2in in 12/04/11 17:42 A partir de fragmentos de críticas e de entrevistas, esta cronologia da trajetória de Daniel Senise buscou apresentar suas reflexões e tomadas de posição sobre as questões artísticas e estéticas em contexto de intensa polêmica envolvendo o chamado retorno da pintura desde os anos 1980. Buscou, igualmente, apresentar o desenEm paralelo, uma Cronologia Geral coloca em relação os acontecimentos e as reflexões teóricas e críticas de diversas ordens e de diferentes latitudes, por vezes em oposição, que se desenvolveram ao longo dos últimos 30 anos. Como cronologia crítica, visa permitir apreender a história ou, melhor, oferecer elementos para a constituição da história de um período, em plena expansão do circuito de arte, marcado tanto pelo “retorno” da pintura quanto, por exemplo, pela ascendência das imagens de Cronologia crítica: introdução volvimento de sua produção e as críticas que a têm acompanhado. reprodução técnica. Em um primeiro momento, a pluralidade de referências, mesmo que no sentido apenas pragmático, permite, esperamos, 159 acesso às fontes, em um contexto como o brasileiro — com sua conhecida precariedade de bibliotecas e centros de documentação especializados —, em que a maior parte desses textos ainda hoje não se encontra disponível para consultas. No entrecruzamento das referências e, assim, menos do que na pretensão de estabelecer uma linha do tempo inexorável, com supostos encadeamentos de causas e consequências constituindo uma história da arte linear, a pesquisa convocou amplo universo de acontecimentos artísticos, socioculturais e políticos, e o mais largo campo possível de reflexões que pontuaram essas décadas — em particular no que se refere à pintura. Essa pesquisa tem sua origem no interesse suscitado pelas estratégias poéticas e reflexões sobre a arte com as quais Daniel Senise tem enfrentado as problemáticas do universo da pintura contemporânea. Deriva, igualmente, da inquietação diante de um debate que continua a ser pautado entre nós, salvo raras e honrosas exceções, ora pela adesão acrítica ao chamado “hedonismo” da geração de artistas dos anos 80, ora por sua intransigente negação, grosso modo, sob a alegação de compromissos com o mercado de arte. Só possível, contudo, pelo entusiasmo e confiança do artista e por ser trabalho em conjunto com Fernanda Lopes e Ivair Reinaldim ao longo de mais de dois anos. Nossos agradecimentos se estendem a todos que colaboraram com indicação de textos, sugestões e documentos, e, em particular, aos autores citados. Glória Ferreira 30150006 miolo.indd 159 12/04/11 17:42 1977 > Fundação do Centre Georges Pompidou (Beaubourg), Paris. > Documenta VI, com curadoria de Manfred Schneckenburger, Kassel, com a participação inédita de artistas da República Federal da Alemanha. > Primeira edição da Skulptur Projekte in Münster, com curadoria de Klaus Bussmann e Kasper König, Westfälisches Landesmuseum, em Munique, Alemanha. > P.S.1: The Institute of Arts and Urban Resources, Nova York, apresenta as exposições Pattern Paintings e A Painting Show. > Exposição Probing the Earth: Contemporary Land Projects, com curadoria de John Beardsley, Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington. > Exposição Pictures, com curadoria de Douglas Crimp, no Artists Space, Nova York. > Primeira individual de Anselm Kiefer em uma instituição germânica, com pinturas explorando temas da história da Alemanha. > Exposição Projeto Construtivo Brasileiro, com curadoria de Aracy Amaral e Lygia Pape, MAM–RJ e Pinacoteca do Estado, São Paulo. > Exposição Poéticas Visuais, com curadoria de Walter Zanini e Julio Plaza, MAC–USP, São Paulo. > Coletivo Nervo Óptico, em Porto Alegre, publica o cartazete N.O., n.1. 30150006 miolo.indd 160 O final dos anos 1970 caracteriza–se pela forte expansão do circuito e do mercado de arte, com profundas mudanças dos espaços expositivos, das políticas dos museus e con cepção das exposições, criação de numerosos centros culturais pluridisciplinares, instala ção de obras em espaços públicos e multipli cação das feiras internacionais de arte. Em Paris, uma retrospectiva de Marcel Duchamp inaugura o Centre Georges Pompi dou. Apelidado pela imprensa de ‘Pompidosau re’, ‘Supermarché cultural’, suscitou, na época, intensas polêmicas como a acusação, por Jean Baudrillard, de criar um “vazio cultural”. Inicialmente idealizado como The Institute of Art and Urban Resources Inc. para recuperar construções abandonadas ou subutilizadas em espaços de exposição e ateliês de artistas, o P.S.1 transforma–se em um dos mais importantes centros de arte contemporânea de Nova York, filiando–se mais tarde ao MoMA. No Brasil, em meio ao início da abertu ra política e de movimentos populares contra a ditadura, o contexto é de intenso debate sobre política cultural, com vistas à constitui ção de um circuito para a arte contemporânea em diversas capitais, como, por exemplo, a criação do Espaço N.O., em Porto Alegre, e o NAC, em João Pessoa. No Rio, o MAM catalisa a atenção dos artistas com suas exposi ções, cursos e a Sala Experimental — criada para possibilitar e estimular a realização de pesquisas marginalizadas pelas instituições e galerias comerciais. Contudo, a Sala Experi mental é objeto de discussão entre os artistas, com a publicação de manifestos coletivos contra os compromissos mercadológicos e políticas institucionais amadorísticas. Em São Paulo, o MAC–USP, cuja atuação, sob a dire ção de Walter Zanini e colaboração de Julio Plaza, foi um polo decisivo para o experimen talismo desenvolvido pela vanguarda artística brasileira e para o contato com o meio inter nacional ao longo da década de 1970, com programas como as exposições Jovem Arte Contemporânea (JAC) e a criação do Núcleo de Vídeo Tape, disponibilizando um equipa mento portapack para a produção de artistas convidados e promovendo debates e mostras de trabalhos com as novas mídias. Em 1977, o MAC–USP apresenta diversas exposições, en tre elas Poéticas Visuais, ficando, no entanto, praticamente fechado no ano seguinte. No plano da formação de artistas começam a ocorrer profundas transforma ções movidas pela exigência de uma didática experimental, comprometida com a arte contemporânea, postulada, por exemplo, pela Escola Brasil, criada em São Paulo, em 1970, pelos artistas José Resende, Carlos Fajardo, Luiz Paulo Baravelli e Frederico Nasser. A Escola de Artes Visuais do Parque Lage, criada em 1975, começa a se afirmar como um novo espaço de formação de artis tas, permitindo, segundo Rubens Gerchman, seu primeiro diretor, “o surgimento de toda uma produção marginalizada pelo sistema acadêmico cultural vigente”. Tomando por modelo a feira de Bâle, na Suíça, iniciada em 1974, diversas outras manifestações do gênero são criadas — por exemplo, a Fiac, em Paris, a Arco, em Madri. As galerias de arte, surgidas em profusão nos mais diversos países, incluindo o Brasil, reu nidas nessas feiras, têm como estratégia re lacionar a comercialização da arte a aconteci mentos de ordem mais cultural, contribuindo para a crescente circulação internacional de obras e de artistas, o que se ampliará com o surgimento de novas bienais de arte, como a de Sydney, de Havana, de Istambul, etc. Paralelo ao investimento na paisagem pelos artistas da Land art, generalizam–se as ações de artistas em lugares externos ao meio de arte, bem como se incrementa a encomenda por parte de instituições públi cas e privadas de projetos artísticos, não mais restritos ao universo escultórico, para o espaço público. Com financiamento da The Dia Art Foundation, são realizados trabalhos de grande porte como o Lightning Field, no Novo México, The Vertical Earth Kilometer, em Kassel, e o The New York Earth Room, em Nova York, todos de Walter De Maria. Entre diversos projetos patrocinados por munici palidades, Skulptur Projekte in Münster, na Alemanha, realizado a cada dez anos (hoje na sua quarta edição), afirma–se desde então pela regularidade e pioneirismo de envolvi mento de toda a cidade. Sob a curadoria de Klaus Bussmann e Kasper König, reuniu, em 1977, 64 artistas. A década de 1970 é também considerada o início da chamada ‘Era da Informática’, com o lançamento do primeiro computador pessoal, pela Apple, em 1977, e posterior popularização do PC, da IBM. Importantes eventos internacionais apresentam as experiências da utilização do computador como linguagem poética, sendo Waldemar Cordeiro um dos pioneiros nessas novas possibilidades. É nesse contexto de experiências com vários campos de linguagens, sem a qualificação anterior de categorias artísticas e sem estarem restritas aos espaços convencionais da arte que, em termos 12/04/11 17:42 1978 O incêndio no MAM–RJ consumiu 90% das obras do acervo e cerca de 200 peças que fa ziam parte da exposição Geometria Sensível, organizada por Roberto Pontual — incluindo 80 obras da fase construtiva do uruguaio Joaquin Torres–García. Representa um ponto de inflexão no circuito carioca, entre outras coisas, pela perda do espaço da Sala Experimental e a drástica interrupção de um período de reavaliação das tendências construtivas na arte brasileira e na América Latina (cujos marcos são o ensaio Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro, de Ronaldo Brito, e a exposição Projeto Construtivo Brasileiro na Arte, realizada no ano anterior no Rio e em São Paulo). Ivair Reinaldim Criado a partir da fusão do Salão Nacional de Belas Artes e do Salão Nacional de Arte Moderna, apesar das reservas e críticas ao modelo de seleção e julgamento e reco nhecida falência histórica desse tipo de instituição cultural, o Snap congrega, com a intermediação da Funarte, críticos e artistas de diversas regiões do país em acirrados debates para a definição de suas linhas, representando um aporte significativo para o meio de arte brasileiro ao longo da década de 1980. Glória Ferreira Cronologia crítica: 1977–1978 internacionais, assiste–se ao fenômeno de revitalização da pintura e reavaliação de pintores como Lucien Freud, Francis Bacon e Philip Guston, entre outros. Com diferentes matizes e designações, proliferam análises críticas e exposições: nos Estados Unidos, às exposições do P.S.1 (Pattern Paintings e A Painting Show), sucede, no ano seguinte, a mostra Bad Painting; na Itália, sob coordenação do crítico Achille Bonito Oliva, desenvolve–se a Transvanguarda; na Alemanha, pintores que iniciaram sua produção na década de 1960, como Anselm Kiefer, Jo Immendorf, R. A. Penck e Markus Lüpertz, são caracterizados como tendência neoexpressionista. Um pouco mais tarde começam, no Brasil, as exposições e o debate sobre o retor no da pintura. Retorno polêmico e ainda hoje carente de análises aprofundadas capazes de incorporar o legado das intensas e acirradas reflexões sobre a morte da pintura e sua per manência, que perpassou o século XX. 161 Glória Ferreira > Emenda Constitucional Brasileira n.11 revoga o AI–5, decretado em 13 de dezembro de 1968. > Exposição URSS 1968–1978, de Droese, Immendorff e Kunc, em solidariedade à Carta 77, na galeria Arno Kohnen, Dusseldorf. > Exposição Bad Painting, com curadoria de Marcia Tucker, The New Museum, Nova York. > Criação do Collaborative Projects, Inc. (Colab), coletivo de artistas contemporâneos voltado para questões políticas e sociais, Nova York. > A Funarte, criada em 1975, inicia a publicação da Coleção Arte Brasileira Contemporânea. > Exposição Mitos e Vadios, organizada por Ivald Granato, São Paulo. Hélio Oiticica, de volta ao Brasil, escreve o texto Delirium ambulatorium e faz performance com o mesmo nome. > F undação do Núcleo de Arte Contemporânea (NAC), na Paraíba, subordinado à UFPB, com financiamento da Funarte. > Exposição Arte Agora III: América Latina: Geometria Sensível, com curadoria de Roberto Pontual, MAM–RJ, encerrada tragicamente com o incêndio do museu. > Criação do Salão Nacional de Artes Plásticas, com a fusão do Salão Nacional de Belas Artes e o Salão Nacional de Arte Moderna. > Alex Vallauri realiza os primeiros graffitis em São Paulo. 30150006 miolo.indd 161 “Esta, então, é a natureza irônica do título bad painting (pintura ruim), que como o próprio Albertson disse em seu texto no catálogo, na verdade é uma pintura ‘boa’. É um trabalho figurativo que desafia, seja deliberadamente ou em função do desinte resse, os cânones clássicos do bom gosto, do desenho, do material–fonte aceitável, da execução ou da representação ilusionista. Em outras palavras, esse é um trabalho que evita as convenções da arte elevada, seja em termos da história da arte tradicional ou o gosto ou moda mais recentes. Mesmo assim, a ‘bad’ painting emerge de uma tradição de iconoclastia, e sua sensibilidade romântica e expressionista a liga a diversos períodos passados da cultura e da história da arte. (…) Portanto, a ‘bad’ painting ou ‘ugly’ painting (pintura feia) é definida de acordo com e em oposição aos cânones do gosto clássico ou do ‘bom’ gosto, uma categoria extrema mente limitada que, como assinala Poggioli, tende a ser absoluta. Ainda mais porque os artistas nessa exposição usaram a figura por muito tempo, de maneiras excêntricas, o trabalho parece radicalmente oposto às for 12/04/11 17:42 mas e objetos visualmente diretos e simples que constituíram a vanguarda pelos últimos dez anos, e que hoje parece constituir uma estética classicizada.” 1979 Tucker, Marcia. Bad Painting. Nova York: The New Museum, 1978. > Eleição de Margaret Thatcher como primeira– ministra da Grã–Bretanha. > Lei da Anistia é sancionada no Brasil. > Jean–François Lyotard publica o livro La condition postmoderne. > Rosalind Krauss publica “Sculpture in the Expanded Field”, na revista October. > Achille Bonito Oliva publica o artigo “La transavanguardia italiana” nas edições italiana e internacional da revista Flash Art. > Exposição Europa 79, Kunstaustellungen Gutenbergstrasse, Stuttgart, Alemanha, reúne novos pintores alemães, ingleses e italianos. > Exposição Paris–Moscou, Centre Georges Pompidou, Paris. > Exposição Gerry Schum, organizada por D. Mignot, Stedelijk Museum, Amsterdã, com filmes produzidos para a Fernsehgalerie Gerry Schum (1968–1970). > Lançamento do periódico Arte em Revista. > Frederico Morais publica no jornal O Globo os primeiros textos sobre a revitalização da pintura no Brasil: “Abertura também na cor?” e “O Informalismo está de volta”. > Exposições Figuração Selvagem, Palácio das Artes, e Figuração Referencial, MABH, ambas em Belo Horizonte. > O coletivo 3NÓS3, formado por Hudnilson Jr., Mario Ramiro e Rafael França, realiza suas primeiras Intervenções Urbanas, São Paulo. > Inauguração do Espaço N.O. — Centro Alternativo de Cultura, Porto Alegre, com uma exposição dos trabalhos do artista pernambucano Paulo Bruscky. 30150006 miolo.indd 162 “Entre outros fatos que marcaram o setor de artes plásticas nesta década, no Brasil, podem ser destacados o boom do mercado de arte, seguido, pouco depois, do estouro da Collectio, a criação do Instituto Nacional de Artes Plásticas (Funarte), como parte da decisão do governo de manter sob controle o setor, mediante o maciço financiamento de atividades várias, inclusive no campo da vanguarda, o esforço dos artistas por se organizarem em entidades de classe em nível internacional (Associação Brasileira de Artistas Plásticos Profissionais, com sede no Rio) e regional (Cooperativa dos Artistas Plásticos de São Paulo), a condenação do pintor Lincoln Volpini a um ano de prisão por um Tribunal Militar, em Juiz de Fora, acusado de realizar obra atentatória à segurança nacional, o incêndio do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o declínio dos salões de arte e, ao mesmo tempo, a fusão dos dois salões oficiais no Salão Nacional de Artes Plásticas, os sucessivos fracassos da Bienal de São Paulo, a ativação de alguns núcleos regionais como produtores e consumidores de arte, como os eixos Recife/Olinda/João Pessoa, Brasília/ Goiânia/Cuiabá ou capitais como Belo Horizonte e Porto Alegre. (…) No que tange aos meios expressivos, cabe destacar um novo surto do desenho a partir de 1974, funcionando ao mesmo tempo como reação ao caráter autoritário do regime e à vanguarda como forma de impacto. Se o audiovisual, entre as novas mídias, teve um certo sucesso na primeira metade da década, sobretudo em Minas Gerais, a videoarte não chegou, efetivamente, a construir tendência, interessando a poucos artistas, mas sem eco junto à crítica e ao público. Em contraposição, cresceu o interesse em torno da fotografia, que ascendeu como um dos meios expressivos mais aptos a captar e revelar a realidade social brasileira, produzindo trabalhos de alta voltagem crítica e de um realismo perfeitamente adequado ao momento. A gravura sem propriamente renovar–se voltou a enfatizar o aspecto técnico, e a escultura, de caráterpúblico, encontrou apoio governamental, especialmente em São Paulo. Quanto à pintura, neste final de década começa a viver um momento de euforia, como iremos ver mais tarde.” Morais, Frederico. Arte brasileira, anos 70: o fim da vanguarda? Módulo, n.55, setembro de 1979. 12/04/11 17:42 Bonito Oliva, Achille. La transavanguardia italiana. Flash Art, ed. Italiana, Flash Art International, n.92–93, outubro/novembro 1979. 30150006 miolo.indd 163 1980 “A década de 60 havia proclamado a morte da pintura, como culminância de uma atua ção radicalmente experimental, organizada e coesa, fora da qual não haveria salvação. A morte da pintura seria o símbolo de uma desejada exaustão, que deveria marcar a década seguinte com o carisma do con ceitualismo e da integração arte/vida em termos lúcidos, violentos e autofágicos. Tal não aconteceu. (…) Ao mesmo tempo, surgiam perspec tivas para um experimentalismo moderado e construtivo, ligado a um procedimento de raiz, e reabriam–se as velhas questões da pintura de cavalete, do desenho e da gravura, e era dado o primeiro sinal de sistematização e levantamento histórico, com o lançamento do Dicionário de Artes Plásticas de Roberto Pontual.” Cronologia crítica: 1978–1980 “Finalmente a arte retorna aos seus motivos internos, às razões constitutivas de sua fatura, ao seu lugar por excelência que é o labirinto, entendido como ‘trabalho interior’, como uma perpétua escavação no interior da substância da pintura. A ideia de arte nos anos 70 é aquela de reencontrar em si o prazer e o perigo, de literalmente botar a mão na massa na matéria do imaginário feita de derivações e de explorações difíceis, de aproximações, e nunca de abordagens definitivas. A obra torna–se um mapa do nomadismo, do deslocamento progressivo praticado fora de qualquer direcionamento preestabelecido pelos artistas que são cegos que veem, palpitantes e excitados por uma arte que não se detém diante de nada, nem mesmo diante da História (…) Os artistas dos anos 70, aqueles que chamo de transvanguardistas, redescobrem a possibilidade de tornar a obra impactante por meio da apresentação de uma imagem que é simultaneamente enigma e solução. Assim, a arte perde seu aspecto noturno e problemático, de pura interrogação, em nome de uma luminosidade visual que significa a possibilidade de realizar obras feitas para a arte nas quais a obra funciona realmente como domadora dos olhares, no sentido de que ela doma o olhar inquieto do espectador, habituado pela vanguarda, à obra aberta de caráter incompleto, projetado, de uma arte que exige a intervenção aperfeiçoadora do espectador. (…) Hoje, fazer arte significa ter tudo em cima da mesa numa simultaneidade rotatória e sincrônica que consegue fundir no cadinho da obra imagens pessoais e imagens místicas, signos ligados à história individual e signos públicos ligados à História da arte e da cultura.” Ayala, Walmir. A década de 70: revisão e madureza. Jornal do Commercio, Caderno de Leilão, Rio de Janeiro, 13 e 14 de janeiro 163 de 1980. > Ronald Reagan é eleito o 40º presidente dos EUA. > Aprovação da emenda que restabelece eleições diretas para governadores a partir de 1982. > São publicados os livros La Chambre Claire: Note sur la Photographie, de Roland Barthes; Mille Plateaux, de Gilles Deleuze e Félix Guattari; e La Transavanguardia Italiana, de Achille Bonito Oliva. > Realização da 40ª Bienal de Veneza, com a exposição especial Aperto 80. O pavilhão internacional incluiu trabalhos de pintores norte–americanos e europeus, com curadoria de Achille Bonito Oliva e Harald Szeemann. > Exposição Les Nouveaux Fauves. Die Neuen Wilden, Neue Galerie, Sammlug Ludwig, Aix–la–Chapelle. > Exposição Issue: Social Strategies by Women Artists, com curadoria de Lucy Lippard, ICA, Londres. > Exposição Art of Conscience, the Last Decade, Wright State University de Dayton. > Exposição Documents on Minorities, Institute for Art & Urban Resources, Nova York. > Exposição Events: Fashion Moda: Taller Boruica. Artists invite Artists, The New Museum, Nova York. > Exposição Expressionism: a German Intuition, com curadoria de Tom Messer, Solomon R. Guggenheim Museum, Nova York. > Keith Haring inicia seus desenhos nas estações de metrô, Nova York. > A. R. Penck deixa a RDA, instalando–se em Colônia, Alemanha. > Joseph Beuys concorre às eleições alemãs como candidato do partido ecologista. > Krzysztof Wodiczko realiza sua primeira projeção de imagens sobre um monumento público, Universidade de Toronto, Canadá. > John Lennon é assassinado por Mark Chapman. > A galeria brasileira ABC no Rio, gerida por artistas, é aberta em Nova York. > Encontro Nacional de Críticos de Arte da ABCA, Curitiba, produzindo–se um documento contra a censura. > Exposição Hologramas, organizada por Ivan Isola, então diretor do MIS–SP, pavilhão da Bienal. > Inauguração do Espaço ABC da Funarte e da Galeria Banerj, Rio de Janeiro. > Criação do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, na PUC–Rio. > Morte de Hélio Oiticica. > Lançamentos da revista Arte em São Paulo e do jornal A Parte do Fogo. > Lançamento de A idade da terra, de Glauber Rocha, e de Pixote, a lei do mais fraco, de Héctor Babenco. O graffiti, fenômeno que apareceu origi nalmente no metrô de Nova York, a partir dos anos 1970, teve grande ímpeto na década seguinte. Inicialmente caracteri zou–se como uma espécie de guerrilha visual, sendo produzido por artistas prove nientes das classes minoritárias (negros e imigrantes). A passagem do metrô para os muros da cidade e para as paredes das galerias de arte, tendo o percurso de Jean–Michel Basquiat como exemplo paradigmático, impõe problemas de outra ordem para a prática, tais como o forma to, tipo e proveniência do suporte, bem como a eliminação da rapidez do gesto na execução do trabalho. No Brasil, o ‘picho’, com mensagens de protesto contra a ditadura militar, cede lugar à lata de spray industrializada e ao uso do estêncil — per mitindo a reprodução e comercialização das imagens — no início dos anos 1980, destacando–se artistas como Alex Vallauri, Carlos Matuck e Waldemar Zaidler. Ivair Reinaldim “Os berlinenses Lüpertz e Baselitz e também o pintor A.R. Penck, natural de Dresden, e que lhes é próximo, se opõem no início dos anos 60 à arte americana — arte pop — que dominava o meio artístico oficial europeu. Esta oposição os remete a uma escola com a qual têm afinidades: a do grupo Cobra, que é marcado tanto pela América do Norte quanto pelo expressio nismo alemão da primeira fase. Contraria 12/04/11 17:42 mente à cínica rejeição urbana do conteúdo formal da arte pop, eles cultivam um pathos trágico e tentam pintar ‘antipinturas’ ‘sem estilo’ (Baselitz) e lentamente desenvolvem o vocabulário que lhes é próprio. (…)” 1981 Becker, Wolfgang. “Proposition d’analyse”. In: Les Nouveaux Fauves — Die Neuen Wilden. Aix–la–Chapelle: Neue Galerie, Sammlug Ludwig, 1980. > F rançois Mitterrand é eleito presidente da França. > A Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) faz suas primeiras vítimas. > Benjamin Buchloh publica “Figures of authority, ciphers of regression”, na revista October e Thomas Lawson publica “Last exit: painting”, na Artforum. > Exposições Paris, Paris, Centre Georges Pompidou, Paris, e Moscou–Paris 1900–1930, Museu Pouchkine, Moscou. > Exposição Art Allemagne aujourd’hui, com curadoria de René Block, ARC/Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris. > Exposição Baroques 81: les débordements d’une avant–garde internationale, com curadoria de Catherine Millet, ARC/Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris. > Início da Figuração Livre, com uma exposição de jovens pintores franceses realizada no apartamento do crítico Bernard Lamarche–Vadel, Paris. > Exposição A New Spirit in Painting, com curadoria de Nicholas Serota, Norman Rosenthal e Christos Joachimides, na Royal Academy of Art, Londres. > Exposição Normal, Neue Galerie/Sammlug Ludwig, Aachen, Alemanha. Fundação do grupo Mülheimer Freiheit, nome da rua > onde estava instalado o ateliê coletivo em torno de Walter Dahn e Georg Jiri Dokoupil, Colônia, Alemanha. > Exposição Downtown Invitational Drawing Show, com curadoria de Keith Haring, Mudd Club, Nova York. > Exposição Pictures and Promises, com curadoria de Barbara Kruger, The Kitchen, Nova York. > Exposição Figures, Forms and Expressions, no Albright–Knox, Art Gallery, Buffalo, EUA. Julian Schnabel inaugura duas exposições simultâneas > nas galerias Mary Boone e Leo Castelli, em Nova York, tendo todas as obras vendidas. Jorge Guinle publica "O conceito da imagem na nova > pintura do século XX", Módulo n.67. > Morre o crítico de arte Mario Pedrosa (1901–1981). Fundação da Cooperativa dos Artistas Plásticos de > São Paulo. 16ª Bienal de São Paulo, conhecida como “Bienal > Conceitual”, com curadoria de Walter Zanini, marca a abolição da premiação e da divisão por delegações de países, privilegiando a seleção das obras por analogia de linguagem. Julio Plaza organiza a mostra Arte Correio. > Exposição Do Moderno ao Contemporâneo — coleção Gilberto Chateaubriand, MAM–RJ. > Exposição itinerante Brasil–Cuiabá: Pintura Cabocla, com curadoria de Aline Figueiredo, MAM–RJ. > Exposição Internacional de Arte em Outdoor/Artdoors, organizada por Paulo Bruscky e Daniel Santiago, Recife. > Inauguração da Galeria de Arte do IAB–RJ, com exposição–síntese de Franz Weissmann. > Primeiras atuações da Dupla especializada, formada por Ricardo Basbaum e Alexandre Dacosta, Rio de Janeiro. ormação do coletivo Tupinãodá, com Carlos Delfino, > F Ciro Cozzolino e José Carratu, São Paulo. > Lançamento da revista Novos Estudos do Cebrap — Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. > Inauguração do Circo Voador, Rio de Janeiro. 30150006 miolo.indd 164 “Aí entra o lado negativo e ‘decadente’, pessimista, da nova pintura, que não quer mais criar um perímetro transcendental ou transformador. É uma atitude ‘decadente’ e fechada. Isso é fundamental na nova pintura. O lado trágico dessa pintura seria a sua não– combatividade, a sua renúncia ontológica. Isso seria seu lado problematicamente expressionista. O não–querer expressar. E isso seria a proximidade possível. A pro ximidade é o pessimismo, não existe outra proximidade possível. Nessa nova pintura, o impulso de pintar, essa proximidade, já é negativa porque é decadente. Agora no plano abstrato, sendo pessimismo pictórico, ela é uma não–pintura. Sendo uma não–pintura, nem mesmo se pronuncia pela negação da pintura, ela não se afirma, não se positiva. São termos abstratos de raciocínio. Você, sendo um pintor cético, não é exatamente um pintor, você ‘transa’ uma pintura que é não–pintura; aí surge o paradoxo. (…) A nova pintura é um movimento ‘decadente’ e ‘con servador’, se aceitarmos os termos colocados pelos antepassados da tradição moderna. Os antepassados da pintura moderna que riam recriar o mundo, pintavam para recriar o mundo, como falamos antes. Os novos pintores já partem do princípio de que não vão poder recriar o mundo, e não querem isso. Os seus trabalhos explicitam a apropriação de todo um banco de ideias e tradições já usadas; fazem a mixagem disso e lançam as obras no espaço cultural.” Guinle Filho, Jorge. “A pintura contra a parede”. Entrevista–debate com Ronaldo Brito, Tunga e Carlos Vergara. Rio de Janeiro: Espaço ABC/Funarte, MAM–RJ, 1981. “Assim, os barrocos dos anos 80 veem seu território bordejado por dois abismos: aquele causado pelo desaparecimento da pintura em sua função de liame social e de bálsamo espiritual e aquele deixado pelo desmorona mento das utopias de substituição propostas pelas vanguardas. Eles poderão encontrar ali talvez o seu mérito. Operando uma espécie de síntese formal entre uma herança depositária da história da pintura e as propostas vanguar distas a que nos conduziram a leitura crítica, elas nos fazem tomar consciência dos limites dos movimentos que nestas últimas décadas dogmaticamente faziam opor tradição pictó rica e tradição da vanguarda exigindo que se escolhesse entre uma ou outra. Eles des cobrem o que a pintura formalista rejeitava: a ancoragem no mundo das imagens e dos corpos e o que o vanguardismo dispensava: um saber de formas acumuladas ao longo do 12/04/11 17:42 séculos de história da arte. Figures, formes and expressions apresentam o trabalho de 15 artistas contemporâneos que usam a figu ra com veículo de expressão. Esses artistas trabalham em uma variedade de mídias e exploram uma variedade também ampla de preocupações, indo desde a manipulação da massa, equilíbrio e outros elementos formais, até a exploração do potencial expressivo da figura.” Millet, Catherine. Les débordements Kenrich, B.; Currie, W.; Denson, Kotik, C.; Krane, S.; Collignon, R.; d’une avant–garde internationale. Baroques 81. G. R. “Introduction/Acknowledgments”. Paris: ARC, Musée d’Art Moderne de la Ville In: Figures, formes and expressions. Buffalo/ de Paris, 1981. New York: Albrigt–Knox Art Gallery: Cepa “Voltamos a nos deparar com numerosos potes de pintura nos ateliês dos artistas e é raro vermos um cavalete abandonado em uma escola de arte. Em qualquer local, seja na Europa ou nos Estados Unidos, encon tramos artistas que redescobriram a alegria pura e simples de pintar. Nos ateliês, nos cafés, nos bares, em qualquer lugar onde se reúnem os artistas ou os estudantes, ou vimos os debates e as discussões animadas sobre a pintura. Em resumo, os artistas se sentem novamente interessados pela pintu ra; tornou–se crucial para eles; essa nova consciência da significação contemporânea da mais antiga forma de sua arte está cla ramente no ar, onde quer que se faça arte.” A New Spirit in Painting. Londres: Royal Academy of Art, 1981. “Em anos recentes, muitos artistas mais jovens se afastaram dos dogmas estéticos predominantes no final da década de 1960 e 1970, tal como a estrita formalidade da arte minimalista e o austero intelectualis mo da arte conceitual. Eles rejeitaram o visual de refinamento frio, apregoado pela geração de professores e críticos antes deles, em favor de estilos pessoais diversos e extremamente pessoais que deram freio às emoções e uma paixão para a técnica. O expressionismo e a representação emer giram em um vasto conjunto na vanguarda da arte contemporânea. Com frequência cada vez maior, os artistas estão empre gando imagens reconhecíveis, muitas vezes carregadas de conotações e imbuídas de referências à história, cultura contemporâ nea, autobiografia e as tradições acadêmi cas da arte há muito rejeitadas. Uma imagem especialmente prepon derante atualmente é a figura humana — e o assunto eterno da fascinação, mas um que também suporta o peso formidável de 30150006 miolo.indd 165 1982 Cronologia crítica: 1980–1981 curso da história como aluviões na borda de cada um dos nossos gestos, tão ‘natural’ como se queira ser. ‘A pintura morreu’, pro clamavam as vanguardas. ‘Pois que seja,’ respondem estes artistas, ‘vamos fazer pin turas com o seu cadáver’. Faustosa múmia revestida por todas as estéticas inventadas ao longo do tempo, fonte inesgotável onde os artistas vêm agora beber com a mesma liberdade como se fosse uma mala cheia de velhas roupas que perderam o uso.” Gallery: HallWalls, 1981. 165 > Realização de eleições legislativas e eleições diretas para governadores dos estados brasileiros. > D ocumenta VII, com curadoria de Rudi Fuchs, Kassel, com predomínio da recente pintura figurativa. > Exposição Zeitgeist International, com curadoria de Norman Rosenthal e Christos Joachimides, Kunstausstellung, Berlim. > Exposições Transvanguardia: Italia/América, Galleria Cívica, Modène, e Avanguardia– Transavanguardia, Mura Aureliane, Roma, ambas com curadoria de Achille Bonito Oliva. > Exposição L’Air du Temps: Figuration Libre en France, Galerie d’Art Contemporain des Musées de Nice. > Exposição Italian Art Now: an American Perspective — 1982 Exxon International Exhibition, com curadoria de Diane Waldman, Solomon R. Guggenheim Museum, Nova York. > Exposição Extended Sensibilities: Homosexual Presence in Contemporary Art, com curadoria de Dan Cameron, New Museum of Contemporary Art, Nova York. > Exposições Image Scavengers: Painting e Image Scavengers: Photography, ICA, Filadélfia. > Exposição Art and the Media: a Fatal Attraction, com curadoria de Thomas Lawson, Renaissance Society, Chicago. > Exposição New Figuration in America, Milwaukee Art Museum. > Primeira exposição individual de Sigmar Polke, Holly Solomon Gallery, Nova York. > Congresso americano aprova a restituição da “arte nazista de guerra”, sequestrada no final da Segunda Guerra Mundial, englobando produção de 80 artistas alemães, participantes da divisão de propaganda nazista, entre 1941 e 1944. > Exposição Contemporaneidade — Homenagem a Mario Pedrosa, MAM–RJ, contando com edição especial da revista Módulo. > Exposição Entre a Mancha e a Figura, com curadoria de Frederico Morais, MAM–RJ. > Exposição Brasil/Desenho, Palácio das Artes, Belo Horizonte. > Exposição Bicicleta, Sala de Exposições do Teatro Guaíra, Curitiba. > Inauguração da Gibiteca, Centro Cultural Solar do Barão, Curitiba, e da Gibiteca do Sesc Pompeia, São Paulo. > Inauguração do Centro Cultural São Paulo. > O MAC–MT instala oficina de experimentação artística. > Lançamento da revista Artis, Porto Alegre. 12/04/11 17:42 “Esta nova pintura, que parece indicar, fi Leirner, Sheila. Guinle, a pintura como ato nalmente, o tão esperado estilo dos anos heroico. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29 de 80 deverá predominar nas duas exposições junho de 1982. internacionais mais importantes, a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, que serão “Porque o fato mais geral e significativo é inauguradas respectivamente nos dias 9 e 19 este: trata–se de um momento de plenitude deste mês. Além do rótulo energético, outros da pintura. Porque a pintura aí está, reve têm sido aplicados a essa nova produção: lando prazer e também angústia, alegria e novos fauves/novos selvagens, na Alemanha; também tensão, anunciando novos tempos transvanguarda, na Itália; neobrutalistas, e também o apocalipse, colocando–se como entre nós. cor ou gesto gráfico, como mancha ou figura O termo ‘transvanguarda’ é o que pare ou as duas coisas, simultaneamente, mas, em ce fadado a maior fortuna crítica. Foi cunhado qualquer dessas situações, caracterizando–se pelo crítico italiano Achille Bonito Oliva, cura como uma entrega total ao ato de pintar. dor de importantes exposições de vanguarda O caráter mais evidente da arte atual, dentro e fora de seu país e autor de vários a que está presente em Kassel e em Veneza, livros polêmicos. Bonito Oliva está sempre é o nomadismo. Como cavalheiros errantes presente nos diversos circuitos internacionais buscando o santo graal, os artistas atuais, de arte. Esteve no Brasil em 1976, convidado especialmente aqueles rotulados de trans a organizar uma exposição de vanguarda in vanguardistas, viajam através da história da ternacional na qual os brasileiros teriam boa arte, dos países, dos estilos, sem qualquer presença. Percorreu vários estados brasilei compromisso, sem qualquer preocupação ros, deu cursos e conferências, visitou ateliês com genealogias, isto é, sem praticar o que mas, afinal, a exposição tão esperada não Bonito Oliva chamava darwinismo linguístico, saiu, para tristeza de nossa vanguarda. Suas ou seja, contra uma ideia evolucionista em opiniões sobre arte brasileira, sumaríssimas, arte, que implica a absorção e a superação estão no seu livro Auto–critico/Automóbile: metódica dos ismos do passado recente.” Attraverso le Avanguardie, de 1977.” Morais, Frederico. Entre a mancha e a figura. Morais, Frederico. A transvanguarda, último grito vital, vive entre a comédia e o Rio de Janeiro: MAM, 1982. formal está cada vez mais dominado. Uma sintaxe e um léxico que se colocam fora das molduras constrangedoras, facilmente reco nhecíveis (e exploráveis) que se movem na direção do formalismo. Quando, ao contrário, ele domina com bastante rapidez seu terri tório, acontece de dar marcha a ré e, através de uma regressão das aparências, colocar em jogo os mecanismos de uma outra distribui ção da imagem. Neste caso, as circunstâncias materiais intervêm não mais como figuras de estilo, mas como a operação da passagem das imagens, o índice de sua mobilidade. Ao se insinuar no interior de um caos, estas não são simplesmente projetadas (o que faz de muitas pinturas uma maneira de aplicação sumária de efígies coloridas sobre um fundo branco), elas emergem de sua algazarra à maneira dos rostos de Chaissac ou de um meio edênico como imagens muito pictóricas de Vênus. É da parte deste nascimento que acontece hoje um dos meios mais ativos de não parar diante do emblema do imaginário. (…) Figuração perversa então, como já tínha mos sublinhado? Que ela tome a liberdade de suas figuras, que ela as pictorialize a sua má xima intensidade, talvez esta seja a balística com a qual eu tenha sonhado.” Girard, Xavier. “Figuration perverse?”. In: L’Air du Temps: Figuration Libre en France. Nice: Galerie d’Art Contemporain des Musées de “Nos salões, nas bienais e nas mostras Nice, 1982. internacionais dos últimos dois anos estão aparecendo obras, especialmente de pintura, nas quais é visível o gestualismo do autor. “‘Revival Expressionista’, ‘pintura violenta’, “Pode–se dizer sem exagero que no momento O número dessas obras é tão grande que já ‘de volta à estética do choque’, ‘o retorno em que o novo movimento apareceu na cena configuram uma nova tendência estética, que dos Fauves’ ou simplesmente ‘os artistas artística nos anos 70, o expressionismo — e poderíamos, sem muito erro, designar de estão pintando de novo!’ — estas são em particular a forma de expressionismo gestualismo pictórico. algumas reações provocadas pelas mais ligada aos motivos figurativos e/ou simbólicos O gestualismo implicaria o ato de pintar — já era há bastante tempo um estilo despre novas gerações de artistas, sobretudo solto e livre, ele facilita que a mão do artista na Alemanha, Itália e Estados Unidos. zado e considerado como deteriorado.” siga os seus impulsos sensoriais numa rela Espontaneidade, improvisação, extroversão, Kramek, Hilton. Signes de la passion. ção lúdica com a tinta colorindo uma superfí energia, gesto, obsessões individuais, Zeitgeist International. Berlim: Kunstausstellung, cie plana. Isto porque o gesto de pintar mais primitivismo são os elementos principais 1982. dessa linguagem metastática que atribui seu sensitivo é correspondente à personalidade do autor; e quanto maior for a sua descontra “Giulio Carlo Argan: Ouvi com muito estilo à moderna escola alemã, mas não se ção e a sua prontidão artística, mais autêntica interesse e, devo dizer, também com sincera funda em nenhum programa estético. Depois da arte conceitual, das reduções será a sua marca, o seu traço esboçado sobre admiração, o discurso leal feito por Bonito a tela.” Oliva, mas me parece — e não digo isso para minimalistas (e da correspondente Arte fechar o debate — que a divergência, enfim, Povera, na Itália), do didatismo de Beuys, Abramo, Radha. “Uma pintura gestual”. se limite a isto: diante de um fenômeno In: Claudio Kuperman. São Paulo: Galeria São das experimentações com os meios Paulo, 1982. do qual se nega a relevância, do qual não tecnológicos, body art, performance etc., se pode tomar parte, do qual, talvez, não esta corrente pode soar como um nostálgico consigamos formular um juízo satisfatório (e até reacionário) retorno às tradições até “A questão, como foi o caso em todas as ou persuasivo, ou totalmente persuasivo, há agora longamente negligenciadas. Uma propostas da contracultura — incluindo a art uma diferença de prognóstico. Sem dúvida visão mais apurada, porém, pode constatar brut — , é saber qual articulação pictórica que estas são posições estéticas realmente este golpe irá adotar por tempo prolongado. O esta arte é um sinal, e sou o primeiro a reconhecê–lo e declarei isso. novas (a despeito e justamente por causa interesse de uma mediação precipitada é de da ausência de programa estético) e que esta transformação já esteja se passando Achille Bonito Oliva: Se há um sentimen to presente na transvanguarda é a indiferença, conscientemente historicistas.” diante de nossos olhos. Quando o critério drama. O Globo, Rio de Janeiro, 2 de junho de 1982. 30150006 miolo.indd 166 12/04/11 17:42 as seleções de cinco pessoas diferentes de tantas direções diferentes em uma única estrutura. Portanto, o princípio orientador, derivado do Ohne Leitbild, Anstelle einer Vorrede (Em vez de um prefácio) de Adorno, se torna: a ausência de ideias preconcebidas. Este princípio pode oferecer uma situação aberta para examinar e possivelmente rever velhos hábitos e regras estéticas, e de modo imprevisível iluminar os trabalhos em exposição. Mas não se afirma ser deliberado evitar–se o Leitbilder e as normas; a falta de um conceito pode contribuir também para a completa perplexidade. O resultado pode ser um acompanhamento dócil do mais recente modo do ecletismo, que se presta de forma tão conveniente a um mosaico facilmente apelativo de reiterações estilísticas.” 1977 1982 Cronologia crítica: 1982 aquela indiferença que leva mesmo o homem médio a pular de um canal para o outro da televisão com a máquina digital, a deslocar– se velozmente entre um símbolo de imagem ao outro até tornar essas imagens inter cambiáveis. A tragédia da guerra do Vietnã se consumiu, no início, sob a indiferença dos olhos do homem americano como pura imagem, como imagem espetacular, imagem que perdeu algo da profundidade dramática e que se achatou no vídeo como um simples aparecer e desaparecer. Eu diria que a transvanguarda assimila esta antropologia da indiferença e a realiza deslocando–a da velocidade da imagem televisiva à lentidão viscosa do tempo da produção da pintura; uma desaceleração que significa também captura, e que poderia também significar um achatamento pelo seu aprofundamento, captura para superar este achatamento bidimensional, captura que poderia também significar introspecção, restituir a esta imagem a profundidade semântica que parece apagada da civilização de massa. Como é possível, porém, requalificar estas imagens? Através, exatamente, daquele valor que julgo encontrar na transvanguarda, o do ecletismo, quando o artista contamina, reúne os níveis baixos da imaginação reproduzida na mídia e os níveis altos, profundos, derivados da tradição histórica das vanguardas. Não foi por acaso que denominei esta atitude, este movimento de ‘transvanguarda’, porque — e Argan muito lealmente me fez tomar conhecimento disso — a transvanguar da não é uma antivanguarda. Paradoxalmente, eu diria que a transvanguarda hoje é a única vanguarda possível.” Bruggen, Coosje van. “In the Mist Things Appear Larger”. In: Documenta VII. Kassel: Nach Folgen der Druck: Verlag Gmbh, 1982. 167 Argan, Giulio Carlo e Oliva, Achille Bonito. “Art and the crisis of models”. In: Oliva, Achille Bonito. Transavantgarde international. Milano: Giancarlo Politi, 1982, Daniel Senise, Rio de Janeiro, 1955. p.147–149. 1980 > Conclui curso de Engenharia Civil, UFRJ > Trabalha como fotográfo, arte–finalista e programador visual > Editor de arte das revistas para hotéis publicadas pela Latin American Marketing Systems “Além do mais, acontecimentos recentes na pintura indicam que uma mudança está ocorrendo de uma atitude conceitual apolínea para uma atitude dionisíaca. Consequentemente, Picabia se tornou o novo campeão do antiestilo eclético. Declarações como ‘estilo é como uma folha morta’ e ‘gosto de pintar para não ter de pensar’. Mas pensar para poder pintar é só um truque de imitação da maré de primavera do humor que combina perfeitamente com a época. A Documenta VII nunca foi visualizada como um todo. Seria impossível encaixar 30150006 miolo.indd 167 1981 > Frequenta a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro (e tem aula com John Nicholson e Luiz Aquila) > Começa a trabalhar no Banco Nacional 1982 > Ganha o Prêmio Videotexto com uma história em quadrinho para crianças > Aluga ateliê em uma casa de vila na rua São Clemente, em Botafogo, com Luiz Pizarro, Angelo Venosa e João Magalhães Exposições Coletivas 1978 > Desenhos, Galeria Aberta de Ipanema, Rio de Janeiro 12/04/11 17:42 1983 Estudos para Sem título 1983 Lápis sobre papel página ao lado Studies for Untitled 1983 Pencil on paper next page > A Aids é relatada em 33 países. > Início da campanha Diretas Já! > Exposição Depois do Modernismo — Uma Polêmica dos Anos 80, Galeria Cômicos, Lisboa. > Exposição International Mail Art, com curadoria de Michael Gross Chopp, Berlim. > Exposição Recent European Painting, The Solomon Guggenheim Museum, Nova York. > Exposição Post–Graffiti, Sidney Janis Gallery, Nova York. > Exposição Expressions: New Art from Germany, Saint Louis Art Museum. > I Bienal Internacional de Vídeo C.D. 83, com curadoria de S. Dolenc, em Ljubljana. > Markus Lüpertz concebe os cenários da ópera Vincent, do compositor Rainer Kunaud, sobre Van Gogh. > A pintura Notre Dame, de Julian Schnabel, é vendida na Sotheby’s por U$ 93.500. > 17ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Walter Zanini. No mesmo ano, sob sua organização, é publicado o livro História geral da arte no Brasil, em dois volumes, com textos escritos por especialistas de diversas áreas. > Exposição Pintura como Meio, com curadoria de Aracy Amaral, MAC–USP, São Paulo. > Exposição Arte na Rua, por iniciativa do MAC–USP, São Paulo. > Exposição O Tempo do Olhar — Panorama da Fotografia Brasileira Atual, MNBA–RJ, e MASP–SP. > Mostra Vídeo Brasil, com curadoria de Arlindo Machado, São Paulo. > Exposição Pintura/Brasil, com curadoria de Frederico Morais, Palácio das Artes, Belo Horizonte. > Exposição Pintura Pintura, Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro. > Exposição Pintando a Festa, EAV Parque Lage, Rio de Janeiro. > Centro Empresarial Rio apresenta as exposições: À Flor da Pele. Pintura & Prazer, com curadoria de Marcus Lontra, e 3.4 — Grandes Formatos, com curadoria de Frederico Morais. > Evento Moto Contínuo, com mostra na Galeria de Arte da Fundação Cultural de Curitiba e intervenções nas ruas da cidade. > Evento Seis Mãos, coletivo formado por Alexandre Dacosta, Jorge Barrão e Ricardo Basbaum, Circo Voador, Rio de Janeiro. > Inauguração da Galeria Thomas Cohn, Rio de Janeiro. > Inauguração da Galeria de Arte da UFF, Niterói. > Criação do Espaço Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro. 30150006 miolo.indd 168 “Entre os meios tradicionais de arte retomados com vigor, a pintura ocupa lugar privilegiado e na mostra está representada com uma quantidade de peças bastante superior à de outras categorias vizinhas ou distantes. Ela que parecia uma espécie viva a caminho da extinção reassumiu o estudo e a reflexão pelo trâmite da busca de novas investigações plásticas e de ideias. Uma imaginária emblemática adquiriu considerável importância nos últimos anos restaurando atribuições do mundo das formas e das cores, com padrões iconográficos e de estilo que recorrem tanto à informação da história da arte recente ou antiga como às novas mitologias da comunicação de massa.” Zanini, Walter. “Introdução”. In: Catálogo Geral da 17ª Bienal de São Paulo, 1983. “A chamada pintura energética parece recusar justamente essa dúvida e assumir a casua lidade, a inutilidade até, da arte. Operando sobre os dados modernos, aproveitando–se de suas manobras emancipatórias, ela desconfia, porém, de qualquer sentido de progresso e transformação. É cética quanto à lógica da História da Arte, talvez o dogma principal da modernidade. O seu único sentido positivo seria o de atravessá–la, confundir as suas determinações. Fazê–la lidar, por exemplo, com um produto híbrido como o seu expres sionismo pop — o drama subjetivo no quadro de uma sociologia desencantada da arte, a ‘energia’ misturada ao sarcasmo indiferente, a ênfase no sujeito junto à descrença na sua originalidade. Afinal, teríamos a esquisita cena de uma subjetividade que se exalta e delicia, sadomasoquista, com os próprios estereótipos. 12/04/11 17:42 Sem título 1983 Acrílica sobre tela, 160x130cm Cronologia crítica: 1983 Untitled 1983 Acrylic paint on canvas, 62.9x51.1in 169 > Visita a Bienal de São Paulo Exposições Coletivas > Pintura no Parque Lage, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro > Em Torno do Parque Lage, Piccola Galeria, Instituto Italiano de Cultura, Rio de Janeiro > Pintura no Metrô, Mezanino do metrô da Carioca, Rio de Janeiro > Pintura! Pintura!, Fundação Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro > Trinta Anos de Artes Plásticas, Edifício Petrobras, Rio de Janeiro > Propostas Artísticas, Galeria Aberta, Rio de Janeiro “Vaso chinês. Entrevista com Agnaldo Farias”. In: Daniel Senise 2000–2006. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2006. “Daniel Senise: Ainda que minha mãe desenhasse e meu pai fosse muito criativo, não existia a possibilidade de eu pensar em ser artista. Eles não frequentavam essas coisas, museus, exposições. Não falavam de arte em casa. Tinha muito livro, que meu avô havia deixado. Meu pai gostava de comprar enciclopédias, o que era interessante. Quando era muito pequeno, eu quis fazer uma enciclopédia. Comecei, inclusive. Meu irmão era o meu sócio, mas ele não gostou da trabalheira e abandonou o projeto. Na época em que nasci, a gente estava naquela maré política difícil. (…) A gente morou dois anos em São Paulo, porque a Panair do Brasil fechou: meu pai era piloto da Panair, e foi voar na Vasp. Eu morei só dois anos em São Paulo e a minha vida lá foi jogar bola na 30150006 miolo.indd 169 12/04/11 17:42 Convém não esquecer: chegamos a um outro fim–de–século, e com ele, inexorável, surge, sempre, um esteticismo decadente.” 170 “Diante de nós, uma ação íntima. Em algu ‘nova’ pintura. Há dois ou três anos que as mas, transparece mais visível o rigor; em páginas dos jornais e revistas especializados outras, a emoção. É nesse território difuso estão cobertos de retóricas, prospecções, que ela opera, ‘entre a ordem e o caos’. ressentimentos e apologias em forma de Brito, Ronaldo. “Voltas de pintura”. In: Jorge história, documento ou poesia sobre o assunto. O importante é controlar o gesto e arriscar Guinle. 17ª Bienal de São Paulo, 1983. (cartaz) Os artistas (e também os não–artistas) têm o rigor. Não existem opções exclusivas, não existem imposições. finalmente a permissão. Experimentam o sa “Sejam os neoexpressionistas alemães que, bor de uma ‘liberdade’ feita de leis: expansão, Inspirar e expirar são movimentos armados dos preceitos expressionistas do do corpo, movimentos de um mesmo ato. imagem, mau gosto, subjetividade, primitivis início do século, os colocam à luz da nova mo, arcaísmo, exteriorização, etc., etc., etc… E é entre eles, neste exato momento do sensibilidade; sejam os transvanguardistas jogo, que aparece o prazer; questão de Nadam no ‘pluralismo’, o último achado italianos que se nutrem da arte mural essência. Foi dito acima que a festa acabara. de um modernismo exausto, escolhendo Pompeiana ou das miniaturas indianas Engano. A festa continua. É a festa do olhar.” entre um enorme sortimento de atraentes (Francesco Clemente), ou da arte rótulos — Arte Narrativa, Estampa e Decora neorromântica do início do século XX Costa, Marcus Lontra. “A essência ção, Nova Imagem, Nova Onda, Naive Nouveau, (Sandro Chia); seja a arte dos grafitti do prazer”. In: À flor da pele: pintura e prazer. Energismo — o estilo mais adaptável aos pró artists americanos (Keith Harring), ou Rio de Janeiro: Centro Empresarial Rio, 1983. prios, e sempre autorreferenciais, propósitos. enfim, na incorporação de toda uma gama Muitos, sem a consciência de que estão diante de justaposições da história da arte, como “Na liberdade de agir há agora qualquer coi de novas normas que são contra as normas, nos trabalhos de Julian Schnabel; o uso do sa de Picabia, artista dadaísta e pintor que, de novos valores antivalores, entregam–se à decorativismo em Robert Kushner, todos os como o francês Marcel Duchamp na década euforia ilusória da subversão. Outros constro artistas parecem sugerir uma sensibilidade de 70, começa a ser lembrado como um dos em, de fato, um ‘novo mundo’ dentro do caos. pós–modernista e, acima de tudo, negam a artistas–modelo dos anos 80. A pintura com Todos tomam telas e tintas: pintam, pintam, historicidade “racional” da arte moderna com alegria e irreverência.” pintam. O que ficará, veremos a seguir.” seus avanços e recuos.” Coutinho, Wilson. Na flor do prazer. Jornal Guinle Filho, Jorge. Leonilson: A implosão da imagem. Módulo, n.75, Rio de Janeiro, 1983, p.47–48. “Surge então a pintura integrada ao am biente, espaço bidimensional que recebe a pintura e no qual a ausência de moldura confere uma intermediação insinuante como em todos os artistas que se utilizam deste ‘artifício’ desmistificador, entre o espaço real e o virtual de seu trabalho pictórico. Transparece assim uma pintura desnuda em seu naturismo, independente do fato de ser figurativa ou não, porém como comunicação visual plástica válida em si, sem a pose da ‘grande pintura’, embora substancialmente pintura.” do Brasil, Rio de Janeiro, 6 de maio de 1983. “E não por acaso, a nova pintura dos anos 80, frequentemente suja e caótica, tem sido definida como ‘antiautoritária’. As novas tendências informais/figurativas, com toda sua carga de violência e emoção, de humor e sujeira, de temas obscenos e desbragada fantasia, surgem, assim, como uma reação à tautologia da arte conceitual, com seu intelectualismo hermético, e à assepsia da arte construtiva, em suas vertentes mais radicais, com seus sistemas, sua lógica e seu rigor purista.” Morais, Frederico. “Gosto deste cheiro de pintura…”. In: 3.4 — Grandes Formatos. Rio de Janeiro: Centro Empresarial Rio, 1983. Amaral, Aracy. “Uma Jovem Pintura em “Uma das prováveis questões que se fará sobre esta mostra será, sem dúvida, por que grandes formatos? A meu ver, em uma época em que nosso olhar está condicio “A pintura está aí, entrando pelos poros, pelo nado às poucas polegadas dos vídeos da nariz, pelos ouvidos, indo direto ao coração televisão, consumindo imagens limitadas ou às entranhas, antes mesmo de passar pelo por esse reduzido campo visual, pinturas cérebro. A componente conceitual da nova pintura é esta espécie de prática arqueológica em grandes formatos, grandes dimensões, significam violenta ruptura e reformulação que leva o artista a buscar na história da arte de nossa maneira de ver. Romper hoje, é o que antes buscava na natureza. (…) Dizem essencial. Vital.” que é bad painting, eu a vejo linda. Dizem que é feia, ultrajante — eu a sinto sensualíssima. Von Schmidt, Carlos. “Grandes Formatos”. Tem seis dedos, um olho só e manca de uma In: 3.4 — Grandes Formatos. Rio de Janeiro: perna. I love her.” Centro Empresarial Rio, 1983. São Paulo”. In: Pintura como meio. São Paulo: MAC–USP, 1983. Morais, Frederico. “A pintura vive viva a pintura”. In: Pintura/Brasil. Belo Horizonte: Palácio das Artes, 1983. 30150006 miolo.indd 170 “Todos conhecemos o roteiro da gênese, as causas e os efeitos, os prós e os contras da Leirner, Sheila. “Grandes Formatos: euforia e paixão”. In: 3.4 — Grandes Formatos. Rio de Janeiro: Centro Empresarial Rio, 1983. “O tom de polêmica da exposição já está indicado no título 3x4 — Grandes Formatos. Os números indicam a dimensão da foto padrão da carteira de identidade, o docu mento frio, sem emoção, que a rigor não identifica o indivíduo, mas seu nome, um rosto. Grande formato, ao contrário, pretende ser uma proposta de liberação, de erotização do ato de pintar, este encarado como uma espécie de corpo–a–corpo entre o pintor e a tela. A polêmica prossegue na forma de apresentação dos trabalhos (boa parte deles sem chassis ou molduras, fora da parede ou muro) e se completa no catálogo–livro da mostra: é a primeira reflexão expressiva da crítica brasileira sobre o momento artístico nacional e internacional.” Morais, Frederico. Exposição da nova arte tem retrato polêmico: 3x4 ou grande formato?. O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 1983. “De fato, é uma importante e alegre exposição. Traços, gestos, figuras, campos de cor, cada artista tentando exemplificar, em obras de grandes dimensões, a grande salada cultural que as artes plásticas, sem inibição, estão preparando nesses anos 80.” Coutinho, Wilson. No Centro Empresarial Rio, 100 metros quadrados de pintura. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 1983. 12/04/11 17:42 rua, essas coisas. Depois, vim para o Rio, entrei na faculdade, passei a ter uma sensação maior de liberdade. Entre os momentos importantes consta a descoberta do Robert Crumb. (…) Eu não tenho nada a ver com o que ele faz, a não ser, talvez, um pouco da angústia, coisa que me interessava. (…) Durante a faculdade, o desenho era um instrumento de expressão para mim. Eu fazia e guardava na gaveta. Coisa, assim, meio intuitiva. Como minha mãe fazia.(…) Eu desenhei para o Cruzeiro umas coisas. Fiz algumas charges para o Pasquim. (…) Depois, fiz umas ilustrações panorama–econômicas para O Globo. Na faculdade, fazia charges para o Casseta Popular, que começou lá no Fundão. (…) Hoje, são os caras do Casseta e Planeta; três deles são engenheiros. ta. Também ia, de vez em quando, com meus amigos do Posto 6 ao MAM; até me lembro de uma exposição com trabalhos do Hélio Oiticica, com instalações, ninhos etc.” (…) DS: O primeiro quadro de verdade que vi foi aos vinte e poucos anos, quando consegui viajar. (…) Comecei pelos contemporâneos. Depois, fui para o Louvre, mas o Louvre é um museu difícil. Até chegar no assunto, você já viu muita múmia, muita coisa que não era o que estava procurando. Mas o curioso é que eu tive a impressão de estar me surpreendendo poucas vezes. É claro que o original é outra história, mas, muitas vezes, tem certa decepção. Eu convivi a vida toda com a representação. Nesse sentido, o original que mais me impactou foi o David de Michelangelo que está em Florença. (…) Mas a escala que me decepcionou, obviamente, foi a Monalisa, e Cronologia crítica: 1983 E a gente fazia o jornal na faculdade. Era divertido. Mas eu não me sentia um legítimo humoris- a que eu achei interessante foi Les Demoiselles d'Avignon, que era uma tela muito maior do que imaginava. (…) DS: Na época, eu trabalhava no Banco Nacional e ia para São Paulo toda semana. Fazia o projeto do videotexto do Banco Nacional. E como tinha a formação de engenheiro e gostava de imagens, 171 porque já desenhava — inclusive fazia cartuns em jornais — arrumei um trabalho que consistia em coordenar a parte gráfica do videotexto, que é uma coisa que já nem existe mais. Era um trabalho de seis horas por dia e o resto do tempo eu ficava no ateliê. (…) Sempre gostei de coisas que não eram classificadas como arte. E quando comecei a pintar — quando comecei a lidar de uma maneira mais consciente com problemas relacionados ao processo pictórico — a pintura passou a mediar esse meu contato com as imagens. Então, a minha pergunta era: por que eu tinha que fazer aquilo como pintura? Onde é que estava a relevância de pensar as imagens através de pinturas? Isso, muito no início, quando a minha pintura era tinta e pincel. (…) Já naquela altura, eu começava a ver a pintura como algo mutável. Hoje eu a vejo ainda mais ampla, quer dizer, a linguagem da pintura não está presa ao pincel e à tinta. Acho que o único dado irredutível de uma pintura é que ela é uma superfície, que pode ser plana embora não necessariamente. É claro que isso depende de você, de como você compreende os limites dela, enfim, tudo pode variar enormemente. Eu comecei a usar uma forma de pintar meio expressionista como estratégia para pensar as imagens — para começar a ver o que me interessava. Mas digamos que eu não tenha feito isso de forma completamente consciente. (…) Agnaldo Farias: E por que você começou por aí, pela via expressionista? DS: Talvez porque era o que muitos estavam fazendo. AF: Quem? Professores, artistas e colegas da Escola de Artes Visuais [Parque Lage], os artistas plásticos pelos quais você se interessava? DS: Principalmente os da Escola de Artes Visuais. Eu olhava muito para fora, para o meio inter- nacional e havia uma onda de pintura muito grande. Era uma época em que as publicações chegavam rapidamente e, aí, um artista fazia uma exposição no exterior e, no mês seguinte, essas imagens já estavam disponíveis para a gente. Acho isso natural. Você é contemporâneo porque é sensível à produção que você está assistindo.” Entrevista com Cláudia O’Reeley, em 21 de junho de 1999, no estúdio do artista. Lapa, Rio de Janeiro. [Inédita] “Daniel Senise: Entrei na Escola de Artes Visuais do Parque Lage em 81/82. Fiz um curso de três meses e depois um curso prático, no ano seguinte com Luiz Aquila. A partir daí, comecei a experi- mentar diferentes maneiras de pintar, num período entre seis meses e um ano, até que na Bienal de 83 vi o trabalho do Markus Lüpertz — um pintor alemão contemporâneo, que foi como um guia para mim (tem fundamentos expressionistas). Comecei então a organizar meu trabalho em torno de imagens, objetos comuns, objetos meus, de uma maneira expressiva — o objeto quase sumia. Por causa desse trabalho, fui à Bienal de São Paulo, ganhei alguns prêmios… (…) foi tudo muito rápido. O meu processo de trabalho não veio assim: ‘eu vou fazer um statement a partir da atual situação da arte aqui e por isso tenho que discutir tais e tais questões’. Foi um processo mais interno do que uma resposta a uma situação da produção de arte local. Era estanque, come- çava naquele momento. Os anos 70 não repercutiam nesse momento. Eu tinha aulas à noite, era escuro, não havia antecedentes, ou os antecedentes não foram necessariamente a arte brasileira. 30150006 miolo.indd 171 12/04/11 17:42 “O que caracteriza esses 11 artistas — diz Marcio Doctors — , assim como a pintura que se procura fazer hoje é o seu aspecto sen sorial. Mas, diferentemente dos artistas já consagrados ou estabelecidos, esta questão do prazer do fazer artístico se coloca no nível da produção, ou seja, da viabilidade de sua realização. Surpreendemos, então, um fato novo: pessoas recém–saídas ou ainda ligadas a escolas de arte organizam–se entre si, dividem ateliês, e investem seu desejo para romper com os estreitos limites do cenário e do mercado artístico nacional, sem gerar com isso nenhum tipo de atitude de vanguar da. Procuram afirmar seu lugar a partir do seu próprio ofício: pintura.” Morais, Frederico. O Globo, Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1983. 172 “Há, por exemplo, nos dois polos culturais do País — Rio e São Paulo — uma aposta no ar (galeria Luísa Strina, São Paulo; Thomas Cohn A.C., Rio). Uma aposta independen te, apoiada numa espécie de movimento estilístico que se propaga nos últimos anos nos Estados Unidos e na Europa, das mais variadas formas (pintura de imagem, ener gética, idiota, folclórica, urbana, vernacular, neoexpressionista etc.) Trata–se, portanto, de fazer valer comercialmente, também aqui, a jovem linguagem do momento (…).” Machado, Arlindo. “A arte do vídeo no Luiz Pizarro, Angelo Venosa, João Magalhães e Daniel Senise, Ateliê da Lapa, Rio de Janeiro Brasil”. In: XVI Salão Nacional de Artes Plásticas. Rio de Janeiro: Funarte, 1998. Em 1983 é publicado o n.7 do periódico investimento na subjetividade. Mas, como Arte em Revista, sob coordenação de Otília a passagem da angst moderna para a Arantes, Celso Favaretto, Iná Costa e Walter cultura contemporânea ‘esquizofrênica’ Addeo. Uma seção especial dedicada ao sugere, a subjetividade não está mais debate crítico em torno da relação entre isenta de reificação e fragmentação do que Modernismo e Pós–Modernismo reuniu a realidade objetiva. O neoexpressionismo, textos de Jürgen Habermas, Peter Bürger, portanto, aparece como mais uma tentativa Andreas Huyssen, Jean–François Lyotard e retardatária de negar essa condição, de Leirner, Sheila. Além da mera aposta Paolo Portoghese. O termo ‘pós–modernis centrar de novo o eu na arte.” comercial?. O Estado de S. Paulo, São Paulo, mo’ apareceu no início da década de 1970, 7 de junho de 1983. Foster, Hal. A falácia expressiva. Art in primeiro na arquitetura, em oposição ao America, n.1, Janeiro de 1983; Foster, Hal. a–historicismo das vanguardas, e depois se Recodificação: arte, espetáculo, política cultural. “No começo dos anos 80, uma nova vaga de tornou uma expressão corrente no campo São Paulo: Casa Editorial Paulista, 1996, p.110. realizadores viria reorientar a trajetória das artes e da sociologia americana. No iní do vídeo brasileiro. Trata–se da geração do cio dos anos 1980 era recorrente o emprego “Ao final dos anos 70, uma nova pintura vídeo independente, constituída em geral do termo para designar toda a atividade de jovens recém–saídos das universidades, alemã faz sua entrada na cena americana. artística contemporânea. Uma das contri que buscavam explorar as possibilidades É talvez em 1981 que esta primeira onda buições fundamentais para essa discussão da televisão enquanto sistema expressivo e atinge seu apogeu quando cinco pintores foi a publicação do livro The Anti–Aesthetic transformar a imagem eletrônica num fato alemães — Georg Baselitz, Markus Lüpertz, da cultura do nosso tempo. O horizonte dessa — Essays on Postmodern Culture, Washing A. R. Penck, Rainer Fetting e Salomé — ton: Bay Press, 1983, organizado pelo crítico expuseram em sete galerias de arte de geração é agora a televisão e não mais o norte–americano Hal Foster. circuito sofisticado dos museus e galerias Nova York. Desde o início, a nova pintura de arte. Muito sintomaticamente, essa outra suscitou uma oposição violenta. (…) Para Fernanda Lopes e Ivair Reinaldim vaga se opõe à videoarte dos pioneiros pela os críticos, o índice maior da decadência tendência ao documentário e à temática da nova pintura alemã é o seu retorno ‘às “Desse modo, o retorno do expressionismo social. Com sua entrada barulhenta em cena, convenções perceptuais da representação é menos do que uma volta no Zeitgeist o vídeo começa a sair do gueto especializado mimética’ — certamente o traço mais mal e mais do que uma reação local. É uma e conquista seu primeiro público. Surgem os interpretado desta nova pintura. A afinidade resposta tardia ao mesmo processo festivais de vídeo, aparecem timidamente as não é a de reafirmar a ligação e a hierarquia que anteriormente já fizera surgir o primeiras salas de exibição e se começam das relações figura–fundo. Trata–se isto sim expressionismo alemão — a alienação ou a esboçar estratégias para romper o feudo de criar uma referência fictícia, na qual a desintegração progressiva do indivíduo (que das redes comerciais de televisão. Um marco figura é o instrumento para dar a ilusão de o expressionismo quer testemunhar em nesse movimento é a realização em 1983 da ser natural.” sua proclamação do eu). O expressionismo mostra Vídeo Brasil, sob curadoria de Arlindo alemão podia ter esperanças em reclamar Kuspit, Donald B. Expressions: New Art from Machado, em São Paulo.” uma realidade perdida mediante um novo Germany. Saint–Louis: Art Museum, 1983. 30150006 miolo.indd 172 12/04/11 17:42 E de repente eu era um pintor na Bienal… (…) quando terminei a Engenharia, fui trabalhar em coisas que não me atrapalhassem a pintura. (…) Não era completamente consciente, mas o dia em que comecei a estudar pintura, quando tinha entre 24 e 25 anos, vi que havia arrumado um problema para mim. Pensei: como é que vou resolver isso agora? (…) As aulas no Parque Lage funcionaram como um momento de passagem, um pretexto para encontrar um pessoal e arrumar um ateliê imediatamente.” “Daniel Senise: A minha formação inicial foi por livros, maciçamente. Gosto muito da imagem impressa. Às vezes, até me decepciono com um quadro de que gosto quando o vejo ao vivo, ou tem quadros meus de que eu gosto mais quando aparecem reproduzidos com a cor errada… Enfim, o livro é super importante, mas quando viajo vou ver quase tudo. Man Ray, por exemplo, gosto muito. Tem Max Ernst, Picabia — um dos paradigmas do artista contemporâneo, a meu ver. Existem muitos. O Yves Klein, por exemplo. Acho lindo pensar que Klein, Rauschenberg, e Lygia Clark e Hélio Oiticica, todos contemporâneos, estavam fazendo coisas tão diferentes. Essa coisa estanque que não existe mais no mundo às vezes nos priva de experiências profundas. Hoje se tem uma salada, um atropelo. O poeta Leonard Cohen chama essa situação de ‘pânico da perda’: o medo de ficar fora da tendência cria um estouro da boiada mundial, todos correndo para o mesmo lado. (…) Cronologia crítica: 1983 “O voo do boomerang. Entrevista de Daniel Senise a Glória Ferreira”. In: Daniel Senise. São Paulo: Galeria Thomas Cohn, 1999; Bueno, Guilherme (Org.). Mapa do agora: arte brasileira recente na coleção João Sattamini do MAC de Niterói. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2002, p.194–197. Glória Ferreira: Embora o ‘retorno à pintura’ tenha sido considerado como algo contra a desmaterialização da arte, até que ponto a pintura atual, como a sua, não é também tributária do conceitualismo? DS: O problema é que, um dia, existiu a arte conceitual, e criou–se a ideia de que a arte, antes ou depois, não tinha conceito. A arte que vem depois, no entanto, já não era conceitual; tem um 173 conteúdo, uma formulação que é específica de cada linguagem e que defino como conceitual. Ampliaria o que você disse para o modernismo em geral. Assim, qualquer pintor que está em atividade hoje não pode ser cego a todas as ‘conquistas’ do modernismo, de modo que não existe um pintor interessante cujo trabalho não esteja lidando com a própria condição crítica da pintura. No início, não sabia muito o porquê da minha opção pela pintura, agora talvez saiba um poquinho mais. Gosto de pensar nisso. Não se trata de defender esta forma de arte, mas o fato de o território sobre o qual estou especulando poder chamar–se pintura. E a pintura, no meu caso, tem que ser necessária para falar do que estou fazendo, senão não o faria em pintura. O meu desejo é que se tenha uma relação instantânea com o objeto que faço — sempre vejo um objeto — , uma comunicação sem conhecimento do que vem antes ou depois. Por esse motivo, sempre acho que tangencia a ideia de uma fenomenologia da imagem ou do olhar, de como o olho funciona em relação às coisas. É claro que tudo isso é mediado pela própria pintura. Busco algo de amplo espectro.” Entrevista com Carlos Eduardo Vianna A. Soares, em 5 de agosto de 1997. In: _____. O rastro da modernidade: o discurso da modernidade e a pintura brasileira até o evento “Como vai você, Geração 80?”. Dissertação de Mestrado em História e Crítica de Arte. Rio de Janeiro: PPGAV — EBA/UFRJ, 1998, p.161. “Carlos Eduardo Soares: Então eu te pergunto, como era a tua relação com a Escola de Artes Visuais, lá pra 84, antes do evento acontecer, como você participou da montagem? Daniel Senise: Eu me formei em 80, em Engenharia. Eu sempre desenhei. Desenhava na faculda- de. Não tinha envolvimento com artes plásticas. De certa maneira, mais com artes gráficas. Aí fui trabalhar com artes gráficas e eu comecei a fazer aula no Parque Lage. Eu estava totalmente dessintonizado com o que se estava fazendo em arte ou qualquer coisa parecida. Nessa hora, eu encontrei a Bia Milhazes, o Luiz Pizarro, o Angelo Venosa, na Escola, em 82, 81. A gente se reunia para estudar modernismo. Fora da Escola. A Escola sempre foi muito precária em termos assim, de te oferecer um curriculum. Ainda é muito precária. CES: A estrutura de curso livre, você acha que por ser muito aberta não funciona? DS: Com o tempo você pode dar sorte se a coisa tem uma direção. São poucas pessoas que dão a sorte de encontrar os cursos que estão precisando… Hoje em dia, não dá para você aprender artes só a partir dos fundamentos formais: como é que o quadro funciona, o que que é ritmo, equilí- brio, etc. O livro da Fayga Ostrower, Universos da arte, que é muito interessante, por exemplo, não é suficiente. Tem que se contextualizar. Se sinalizam com o pós–moderno, você tem que saber o que é moderno. Você teria que pensar antes no moderno. A Escola não te dá isso… nunca deu. Então na verdade a gente se encontrava… ia estudar Cézanne, cubismo, impressionismo etc. Eu aluguei um ateliê, na mesma época, com o Luiz, o Angelo e o João Magalhães. A Bia tinha o ateliê dela. CES: Quem eram os seus professores lá na época? DS: Eu fiz uma aula com John Nicholson, acho que em 81, e aí saí e no ano seguinte fiz dois ou três meses com Aquila. Foi tudo o que eu fiz no Parque. Depois eu passei a ir ao Parque como ‘frequentador’. Ia lá, ficava conversando, e tal… E trabalhava no ateliê.” 30150006 miolo.indd 173 12/04/11 17:42 Entrevista. Pergunta de Katie van Scherpenberg. Papel das Artes, Rio de Janeiro, n.7, 6 de julho de 2008. “Katie van Scherpenberg: Sendo um dos nomes mais conhecidos da Geração 80, qual a importância da Escola de Artes Visuais do Parque Lage na sua formação como artista? Daniel Senise: Fui aluno da Escola de Artes Visuais do Parque Lage por apenas seis meses, em 82 e 83. Desde então passei a ser sócio do lugar. Devo a esse convívio a minha iniciação nas artes. O Parque Lage foi concebido como uma escola livre. Foi também por isso que consegui participar dela. Porém os contextos dos quais a escola fazia parte nos anos 70 e depois nos 80 já não existem mais.” Exposição de pintura em estação do metrô. O Globo, Rio de Janeiro, 14 de maio de 1983. “De segunda–feira até o dia 31, a Estação Carioca do metrô estará apresentando a exposição Pintura no Metrô, que reúne trabalhos de 16 artistas. Estarão expondo seus trabalhos Charles Watson, Luiz Aquila, John Nicholson, André Costa, Angelo Venosa, Beatriz Milhazes, Clara Cavendish, Cristina Bahiense, Daniel Senise, Eva Cavalcante, João Magalhães, Lúcia Sá, Luiz Pizarro, Nelson Cople, Raphael Werneck, Rosie Wates e Sidney Roland. A vernissage da mostra será na segunda–feira, às 18h30m.” Morais, Frederico. O Globo, Rio de Janeiro, 15 de maio de 1983. “Na Piccola Galeria estão expondo vários professores e alunos da Escola do Parque Lage. Finalmente, ama- nhã, no mezzanino da estação do metrô do Largo da Carioca, estarão se apresentando, em mostra coletiva, novos artistas que receberam orientação de três professores da EAV, Luiz Aquila, Charles Watson e John Nicholson. Além dos três expõem mais 14 novos pintores.” 174 “Vaso chinês. Entrevista com Agnaldo Farias”. In: Daniel Senise 2000–2006. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2006. “Daniel Senise: Bem, numa dessas idas a São Paulo, em 1983, visitei a Bienal e fiquei muito impressionado com a obra do [Markus] Lüpertz. Tudo veio muito rápido. Antes, a coisa era mais fugaz: três semanas com Francis Bacon, um mês com David Hockney… um monte de gente, mas com o Lüpertz consegui organizar algo melhor: uma maneira mais consistente de trabalhar com a pintura, com os meios que eu podia dominar rapidamente para, daí, começar a desenvolver meu trabalho, pensar nas imagens através desses elementos. Criei uma pintura simples para mim, com características expressionistas ou neoexpressionistas, porque o Lüpertz não é realmente neoexpressionista. Os neoexpressionistas eram caras mais jovens como Salomé e Rainer Fetting. O Lüpertz era mais complexo. Organizei um vocabulário simples para mim, em termos de cores e de tratamento: usava a tinta acrílica que seca mais rápido e não se mistura tanto quanto o óleo. Agnaldo Farias: E quando você percebeu o trabalho do Lüpertz, mais gente percebeu? Quando você voltou para o Rio, o impacto dessa descoberta entrou logo no seu trabalho? DS: De fato, eu fiquei muito impressionado quando olhei o Lüpertz. Mais do que qualquer coisa ele parecia ideal para mim. Não era mais incensado na época do que Francesco Clemente ou Anselm Kiefer, mas me parecia mais próximo daquilo que eu desejava. Naquele momento, não sabia muito de pintura, mas tinha uma vontade muito grande de levá–la adiante, de modo que quando olhei o Lüpertz, tentei traduzi–lo na minha pintura. Eu fazia o seguinte: pegava um tema, por exemplo, o pinguim que estava na minha geladeira, e ia pintando com essa imagem na cabeça ‘à maneira’ do Lüpertz que, no fundo, era mais à minha maneira. Isto porque está claro que não saía um Lüpertz, saía uma coisa mais minha. E obviamente, que era uma pintura muito imediata, sem a sofisticação que tem a pintura do Lüpertz — uma tinta acrílica que secava muito rápido. A tinta que eu usava era uma mistura de pigmentos com uma base acrílica industrial, mais simples que a tinta a óleo. Depois, quando incluí tinta a óleo, tudo complicou um pouco mais. Eu estava lidando com proble- mas pictóricos, próprios do processo de pintura, da composição, do equilíbrio da cor. Enfim, estava fazendo uma pintura. AF: Você tinha clareza dessas noções? DS: Era quase tudo meio intuitivo. Gostava, como gosto, de olhar para imagens; gosto de pensar nelas. (…) Em seis meses, passei da confusão para alguém que tinha algo a dizer. A coisa foi meio assim: um dia, estávamos no ateliê quando soubemos que um amigo havia entrado no Salão Nacional e ganho um prêmio. Eu e o Angelo fomos para o cinema chateados. AF: Quem era o amigo premiado? DS: Pizarro. Mas não, foi um pouco diferente, o Pizarro havia entrado no Salão e nós não. No meio da sessão do cinema, eu virei para o Angelo e disse: esse cara vai ganhar o prêmio. AF: E ganhou? DS: Ganhou. E aí veio Lüpertz para me organizar. AF: O Lüpertz veio depois disso? DS: Foi. Mas foi tudo muito rápido. Como eu disse, vi o Lüpertz na Bienal de São Paulo em 83 e, em 85, era eu quem estava na Bienal.” 30150006 miolo.indd 174 12/04/11 17:42 1984 175 30150006 miolo.indd 175 A solidão de My Friend 1984 Acrílica sobre tela, 191x135cm Acrylic paint on canvas, 75.1x53.1in 12/04/11 17:43 1984 Exposição Como Vai Você, Geração 80?, Escola de Artes Visuais do Parque Lage Exhibition Como Vai Você, Geração 80?, Escola de Artes Visuais do Parque Lage > São publicados os livros The Originality of the Avant–Garde and Other Modernist Myths, de Rosalind Krauss; Art after Modernism: Rethinking Representation, de Brian Wallis; e o ensaio Postmodernism or The Cultural Logic of Late Capitalism, de Fredric Jameson, na New Left Review. > 41ª Bienal de Veneza, com curadoria de M. Calvesi. > Exposição When Attitudes Became Form, Le Nouveau Musée, Villeurbanne. > Exposição Aspects de la Peinture Contemporaine 1954–1983, com curadoria de Gérard Xuriguera, Musée d’Art Moderne de Troyes, França, e Andorra. > Exposição Le Temps: regard sur la 4ª dimension, com curadoria de M. Baudson, no Palais des Beaux–Arts, Bruxellas. > Retrospectiva de Anselm Kiefer, em Dusseldorf, itinerando para Paris, ARC/Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris, e Jerusalém, The Israel Museum. > Exposição An International Survey of Recent Painting and Sculpture, com curadoria de Kynaston McShine, marca a reabertura do MoMA, Nova York. > Exposição Primitivism in the 20th Century Art: Affinity of the Tribal and the Modern, com curadoria de William Rubin e Kirk Varnedoe, MoMA, Nova York. > Exposição Difference: On Representation and Sexuality, com curadoria de Kate Linker e Jan Weinstock, New Museum of Contemporary Art, Nova York, Renaissance Society, Chicago, e ICA, Londres. > Exposição Art and Ideology, com curadoria de Benjamin Buchloh, Donald Kuspit, Lucy Lippard, Nilda Peraza e Lowery Sims, New Museum of Contemporary Art, Nova York. > Exposição Art After Modernism, The New Museum, Nova York. > Exposição Development of Sculpture in the Twentieth Century: from Rodin to Christo, The Museum of Modern Art, Shiga, Japão. > 1ª Bienal de Havana, Centro Wilfredo Lam. > Exposição Generación 80: Nueva Gráfica Brasileña, México. > Martin Kippenberger pinta o quadro Ich kann beim besten Willen kein Hackenkreuz entdecken [Com a melhor vontade, eu não posso descobrir a cruz gamada]. > Exposição Como Vai Você, Geração 80?, EAV Parque Lage, Rio de Janeiro. Na mesma ocasião, o crítico Roberto Pontual publica Explode Geração! > Exposição Geração 80 em Alagoas: Pintura, evento paralelo ao 7º Salão Nacional de Artes Plásticas, Associação Comercial de Maceió. > Exposição Viva Pintura!, Petite Galerie, Rio de Janeiro. > Exposição Geração 80, Núcleo Jovem, Galeria MP–2, Rio de Janeiro. > Exposição Arte no Espaço, Galeria Espaço Planetário da Cidade do Rio de Janeiro. > Evento As Artes da Arte, Noites Cariocas, Morro da Urca, Rio de Janeiro. > Artistas pintam o muro do Parque Lage, e a fachada da Loja Fiorucci–Ipanema, Rio de Janeiro. > Projeto Arte nos Muros, organizado pela Funarte, Rio de Janeiro. > Exposição Arte na Rua II, realizada em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, por iniciativa do MAC–USP, com apoio da Central de Outdoor e patrocínio da Fundação Bonfiglioli. > Evento Sensibilizar — Arte na Rua, Curitiba, marcando os 20 anos do golpe militar de 64. > Intervenção do coletivo Rádio Novela, PUC–Rio. > I Seminário sobre Artes Visuais na Amazônia, organizado pela Funarte, Manaus. 30150006 miolo.indd 176 Estudo para Sansão 1984 página ao lado Study for Samson 1984 next page “‘Como vai você, Geração 80?’ Respondem Essa geração tem suas próprias táticas. 123 artistas de todo o Brasil, que ocuparão Se não se fascina pelos prêmios dos salões, paredes, portas, janelas, piscina, banheiros, no entanto não abre mão de participar deles. O Salão Nacional contou com o absoluto espaços construídos e espaços vazios do im ponente prédio da Escola de Artes Visuais do desprezo dos artistas emergentes na década Rio de Janeiro, além das aleias, árvores, gru de 70. Será surpreendente a verificação de tas e cantinhos malocados do Parque Lage. quantos artistas que estão nesta mostra par Muito mais, portanto, que uma ‘exposição’, ticiparam dos últimos Salões, entre aceitos ‘Geração 80’ caracteriza–se como um evento, e recusados. Quase a totalidade. E por que oportunidade primeira em que 123 jovens o Salão Nacional não tem a vitalidade desta batalhadores resolvem se reunir e permitir mostra? Porque ela é desburocratizada.” que as pessoas conheçam, e se possível com Herkenhoff, Paulo. Módulo, edição preendam, a sua produção. É evidente que, especial, Rio de Janeiro, julho/agosto 1984. num evento como esse, estipular critérios de seleção é algo de perigoso e delicado.” “O contato com esses jovens me ensinou algu ma coisa: é uma geração que não teve facili Leal, Paulo Roberto; Mager, Sandra; Costa, Marcus de Lontra. A bela dade alguma, que viveu sempre sob o regime enfurecida. Módulo, edição especial, da força. Hoje, se a situação política é menos Rio de Janeiro, julho/agosto 1984. opressora, a situação econômica impõe uma outra barreira. Eles não podem conhecer nada, nenhum jovem hoje pode pensar em “Na obra desta geração há menos racionali ir à Europa, diferentemente de minha época, dade e mais prazer (como a década gosta e quando, com algum sacrifício, dava para desgasta o termo)? Há menos guerra entre se ir ver o que acontecia nos museus e nas arte e mercado (suas ideologias coincidem, galerias. Apesar disso, eles são muito politi se aproximam, concedem?): a obra não tem zados, e isso me surpreende, principalmente a intenção de enfrentar heroicamente o mer a coragem: enquanto nós, nos comícios, cado. Não há mais artista–Kamikaze: quem sobressaltamo–nos com qualquer coisa, eles quer viver profissionalmente do seu trabalho são muito mais abertos, desfraldam as faixas que procure se entender com as forças do mercado. Amadurecimento. Feras e mamutes amarelas e sem medo pedem ‘Diretas, já’.” (setores da crítica e da imprensa, instituições Quadros, Anna Letycia. Módulo, edição públicas, Museus, etc.) já não são cutucados especial, Rio de Janeiro, julho/agosto 1984. e nem mobilizam tanto os artistas. Falta uma indignação coletiva, publicamente manifesta “Não existe um movimento, o que existe são da. Ou sobra a descrença ou a falta de saco? coisas, atitudes em comum. É inegável que, 12/04/11 17:43 Exposições Individuais > Galeria do Centro Empresarial Rio, Rio de Janeiro Exposições Coletivas > Como Vai Você, Geração 80?, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro > IV Salão Brasileiro de Arte, Fundação Mokiti Okada, Exposição itinerante, Brasil e Japão > VII Salão Nacional de Artes Plásticas, Funarte, Rio de Janeiro > I Salão de Arte Brasileira Atual, Museu do Ingá, Niterói > Intervenções no Espaço Urbano, Galeria da Funarte, Rio de Janeiro > Treze Artistas: Nova Arte Brasileira, Rio de Janeiro > Galeria 80, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro Entrevista com Carlos Eduardo Vianna A. Soares, em 5 de agosto de 1997. In: _____. O rastro da modernidade: o discurso da modernidade e a pintura brasileira até o evento “Como vai você, Geração 80?.” Dissertação de Mestrado em História e Crítica de Arte. Rio de Janeiro: PPGAV — EBA/UFRJ, 1998, p.161–163. Cronologia crítica: 1984 > Prêmio Aquisição Souza Cruz — I Salão Arte Brasileira Atual, Museu do Ingá, Niterói. > Prêmio Viagem ao País — VII Salão Nacional de Artes Plásticas, Rio de Janeiro. > Prêmio M.O.A. Viagem ao Japão — IV Salão Brasileiro de Arte, São Paulo. 177 “Daniel Senise: O que aconteceu foi que entrou o Marcus Lontra como diretor da Escola, e ele era basicamente um promotor. Ele é muito articulado para esse tipo de coisa. É um animador cultural. Acho que tem termos melhores, que seriam mais adequados. Fez aquela exposição que não tinha nenhuma base profissional, assim, quer dizer, técnica, teórica. Não tinha um método. Carlos Eduardo Soares: Como foi esse processo de divulgação de que iria haver o evento ou como é que foi a seleção, como é que você chegou lá? DS: Eu estava na Escola e daí eu soube dessa exposição. Obviamente existia uma coisa externa da qual essa exposição era o reflexo e que eu nem estava sabendo. Reflexo de uma coisa que estava acontecendo fora do Brasil, a Transvanguarda italiana, a volta da pintura, o mercado se fortalecendo, os Estados Unidos muito fortes, com muito dinheiro, o Brasil saindo do período da ditadura, eu sei que tinha uma moeda nova dessas na época, quer dizer, tudo criava a impressão de uma certa solidez democrática e econômica. Eu estava no bolo. Eu soube dessa exposição e essa exposição acho que inicialmente ia ser no MAM, curada pelo Frederico Morais, não tenho certeza mas acabou indo pro Parque. Eu não sei se o Leonilson, naquela época, já tinha feito a exposição na galeria do Thomas Cohn. CES: Pelo que eu levantei, ela ocorreu um pouco antes. Estava o pessoal de São Paulo, o Leonilson e mais outros. DS: É, mas uma coletiva. Mas o Léo já tinha feito uma individual com o Thomas Cohn e foi uma grande celeuma por lá, porque o Thomas brigou com os artistas fundadores, foi mais ou menos assim: Thomas era um colecionador, e quando fez a galeria, ele foi meio que acompanhado por um grupo de artistas que colecionava. Ele inaugurou a galeria com uma exposição do Vergara, eu não sei quem foi a segunda, mas depois veio o Léo. O Léo foi a segunda ou terceira. O pessoal não gostou e o Thomas falou para um crítico ou pra alguém, do grupo: ‘Olha, a galeria é minha, eu exponho quem eu quero.’ E o Léo foi uma coisa assim…, cara de pouca idade, os trabalhos com preço lá no alto, matéria na Veja, Isto É, no JB, na Folha, no Globo, sabe, tipo assim, todos os sintomas de ‘geração 80’, sabe? O sucesso nacional, consagração… (…) Eu pensei assim estrategicamente: ‘eu vou botar um trabalho no umbigo, ou seja, no centro da Escola’. Botei o Sansão (p.176–177). Naquela época, eu não tinha propriamente um trabalho… eu ficava patinando. Era muito pouco tempo para formular uma obra, menos de três anos. Eu fiquei patinando, assim uns dois anos, sei lá. Pintando de todas as maneiras possíveis, experimentando. Eu comecei a me fixar em David Hockney e passei para Francis Bacon. Na Bienal de 83, fiquei muito envolvido com o trabalho de um artista chamado Marcus Lüpertz, um pintor neoexpressionista alemão. Daí comecei a pintar à ‘la Lüpertz’. E saiu um trabalho meu. O Sansão (p.176–177) é mais ou menos isso. Me lembro que o Angelo Venosa não participou da exposição Geração 80, porque teve escrúpulos, achava que não tinha um trabalho.(…) DS: É que, de repente, pelo menos pra mim, as coisas começaram a fazer um certo sentido. Por exemplo, eu estava me debatendo, assim: o que eu ia fazer na vida? De uma hora pra outra eu estou em uma exposição e as coisas começam a acontecer. Obviamente eu estava muito empenhado. Mas era 30150006 miolo.indd 177 12/04/11 17:43 hoje, abrem–se novas possibilidades de relação com a arte. O conceito, funda mental durante a década passada, perde im portância, trata–se de afastar o Prof. Beuys. A pintura hoje está aí, com força total, como linguagem específica na qual o indivíduo deixa de buscar padrões fora dele e busca seus próprios referenciais.” aquila, Luiz. Módulo, edição especial, Rio de Janeiro, julho/agosto 1984. 178 “A volta às ruas foi além do fato político, foi uma vontade que as pessoas manifestaram de se juntar, gritar, cantar, de se tocar, de criar, juntas, uma nova cultura — popular, espontânea, baseada na improvisação, na alegria — uma cultura não hierarquiza da, sem distinção de classes, cor, fora dos guetos. Uma vontade de trocar a solidão pela solidariedade. Este o fato novo gerado pelas Diretas Já, a carnavalização da política e da própria cultura, uma reação a toda forma de autoritarismo, seja ele político ou cultural. Duchamp dizia que ‘o sério é uma coisa muito perigosa’.” Morais, Frederico. Gute Nacht Herr Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você?. Módulo, edição especial, Rio de Janeiro, julho/ agosto 1984. “Em relação aos jovens artistas que compõem este certame da arte brasileira dos anos 80, uma inversão de valores que se opera. A efemeridade da Nova Arte não se de monstra através, por exemplo, do chassis eliminado da tela. Esta nova precariedade da tela não reverteria portanto a um questio namento filosófico do plano como na escola francesa Support–Surface. A efemeridade da nova arte surge justamente no plano ide ológico; é aí que está situada a sua reversão de valores frente à década anterior. Sem arcabouço teórico que a prolongue, com a negação imediata de qualquer ‘ismo’, ela proporia uma quebra na História da Arte de Vanguarda Brasileira.” Guinle Filho, Jorge. Papai era surfista profissional, mamãe fazia mapa astral legal. ‘Geração 80’ ou como matei uma aula de arte num shopping center. Módulo, edição especial, Rio de Janeiro, julho/agosto 1984. tempos, como uma realidade imediata e precisa. Parecerá mais ainda se, para além desses sinais de superfície, descermos até a análise de certos elementos profundos de prova: a reiteração de modelos de pensa mento e de conduta, a incidência de idiossin crasias, o paralelismo de gestos e de gostos — enfim, o exercício de preferências. Nesse sentido, uma nova geração está seguramente em campo. (…) Geração 80 corre o risco de ser uma figura de retórica como outra qual quer se, para defini–la, não encontrarmos a base concreta de evidência no plano estrito da linguagem.” Pontual, Roberto. Explode, Geração!. Rio de Janeiro: Avenir, 1984. “Dizem ainda Marcos e Sandra que a nova geração detesta ler, não é afeita a teoriza ção excessiva. Prefere viver. Entre eles, ‘A parte do fogo’ não tem nenhum prestígio. Nada a ver com a racionalidade da arte dos anos 70 — conceitual. Gostam mesmo é de rock, de dançar (por isso, depois da inauguração haverá um grande baile, às 20 horas, com muito som e muita dança) ou, como diz a mineira Ana Horta, gestualista: ‘Emoção para fluir, cor–ação, algo assim como dançar’.” Morais, Frederico. Como vai você, Geração 80? (‘Sinto–me como uma star, no palco, investindo no prazer’). O Globo, Rio de Janeiro, 14 de junho de 1984. “Gerações, em arte, pouco interessam. Picasso foi jovem até 1972. Um ano depois morria. Mas a ideologia da juventude num país que tem mais de 20 milhões de jovens, dos 14 aos 29 anos, e um milhão e meio de universitários, é seduzida pela ideologia do Peter Pan. Com ressalva: é um Peter Pan desempregado. Daí este alegre movimento de massa transformada em arte. Mas não é negativa uma exposição deste tipo, e até o número imenso de artistas recolocará o nosso meio de arte numa efervescência. Ele se apoiava no tédio, em muita caipirinha e em discussões que mais favoreciam uma política do poder do que, realmente de ideias. É onde vejo, neste movimento, algo próximo à abertura política, as massas estão nas ruas, ou melhor, no Parque Lage.” “Trata–se então, daqui para frente, de tentar Coutinho, Wilson. Festa e democracia na arte do Parque Lage. Jornal do Brasil, defini–la. A primeira certeza a estabelecer é se existe mesmo algo a que possa se chamar, Rio de Janeiro, 23 de julho de 1984. com alguma correção, de Geração 80. Parece que sim, se levarmos em conta o número “Mesmo que muitos destes efeitos sejam qua crescente de manifestações (mostras, textos, se brincadeiras, é indiscutível que esta nova debates) que a ela se referem, nos últimos geração de artistas já travou com o público 30150006 miolo.indd 178 uma aliança mais eficaz do que os artistas da década anterior. Isto é explicável. A geração 80 se inspira em imagens do cinema ou de revistas em quadrinhos, volta à figuração e não tem preconceitos de usar o material que perpassa a vida cotidiana. Com isto, atrai o público menos especializado, o que, por sua vez, se reflete numa indiscutível vitalidade do mercado de arte.” A invasão do parque: com 123 artistas, a mostra ‘Como vai você, Geração 80?’ confirma a força das novas tendências. Veja, 25 de julho de 1984, p.132–134. “Dá até vontade de gritar: ei, Bienal, morra de inveja. De quê? Da Geração 80. Mais jovial e estimulante que a maior parte do elenco vanguardista da última Bienal ela é. E mais sortuda também. Desde a inauguração, numa data cabalística (14 de julho), seu début coletivo vem colecionando loas de quase toda a grande imprensa. Como Vai Você, Geração 80?, seu título, mais que uma pergunta, é um repto ao ceticismo.” Augusto, Sérgio. Com vocês, o Neo– Qualquer Coisa. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, 27 de julho de 1984. “O País vive um momento da pintura. No Rio, à geração dos pintores–resistentes (Áqui la, Kuperman, Ronaldo Macedo, Nelson Augusto), juntam–se estes novos artistas e aqueles recentemente atraídos para a pin tura. Muitos são os artistas que na década de 70 estiveram vinculados aos suportes não tradicionais e às experimentações se permitiam apenas o desenho, talvez pelo seu caráter de anotação e como jeito de ganhar a sobrevivência. Hoje pintam. Alguns críticos insistem em transfor mar a mostra em momento de consagração da transvanguarda, do neoexpressionismo e da pintura energética do Brasil. Isto seria ignorar, para alcançar efeitos de retórica ou resultados de mercado, a maior parte dos artistas partici pantes. A mostra pretende sempre consagrar a diversidade, que evidentemente não está no elenco dessas tendências.” Herkenhoff, Paulo. Também para a ‘Geração 80’, alegria é a prova dos nove. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, 11 de setembro de 1984. “Esses jovens artistas na faixa dos vinte a trinta anos, redimensionam e revitalizam o expressionismo abstrato gestual (americano) o abstracionismo lírico (à la École de Paris), a geometria sensível [de um Milton Dacosta), da década dos 50 a própria POP da década 12/04/11 17:43 como se eu tivesse virado artista instantaneamente, quer dizer, é uma certa arrogância, de repente ser artista. Os artistas anteriores ficavam um pouco chateados com os artistas que estavam aparecendo nesse momento. De repente tem uma época em que as artes plásticas estão super retraídas, ninguém vende. Aí o mercado cata um monte de jovens e eles começam a botar banca. E alguns preços estavam altos. Tinha muita coisa ruim ou sem qualidade, que tinha que desaparecer mesmo. Abrem–se várias galerias, tem exposição quase toda semana. Abrir uma galeria era mais ou menos como uma opção equivalente a abrir um restaurante. Quer dizer, um ambiente assim não é para permanecer. Eu considero essa ideia de ‘geração 80’ como um tipo de catalisador para algumas obras que, uma hora, iam se não participou, o Angelo Venosa também não. CES: Essa não–permanência… a que se poderia atribuir essa precocidade? A sedução pelo brilho na mídia e de repente não terem desenvolvido legal o trabalho?… A que você atribui isso? Muitas propostas ali não se efetivaram. DS: É que nem pescaria, que nem corrida de espermatozoide. Não é porque você tem 123 artistas, ou pessoas que estão sendo chamadas de artistas, que você vai ter 123 obras. É muito difícil constituir um trabalho, principalmente em pintura. Você tinha esse mote de volta, a alegria de pintar, que artista da ‘geração 80’ não gosta de ler, gosta de ouvir rock… É uma tolice. Eu acho que qualquer pessoa que for pintar hoje tem que se contextualizar, a gente estava falando que o Parque Lage não dá. Quando Cronologia crítica: 1984 estabelecer. Tem artistas importantes que começaram nos anos 80, que não participaram. Jac Leirner eu comecei, quando a Bia começou, estava todo mundo rateando ainda. O Léo talvez menos, porque o Léo tinha passado já um período no exterior, tinha viajado, tinha visto coisas… ele tinha mais carga, ele tinha estudado um tempo na Faap, que é uma escola mais estruturada.” 179 Coutinho, Wilson. A Geração 80. “Para as artes plásticas começam os anos 80. Com o título Como vai Você, Geração 80?, os 625 mil metros quadraJornal do Brasil, Rio de Janeiro, dos da Escola de Artes Visuais do Parque Lage mostrarão, sábado, obras de 120 artistas de todo o Brasil. É uma 9 de julho de 1984. boa oportunidade para se conhecer o que anda fazendo esta nova geração de artistas, essencialmente pintores. ‘Geração 80 integra–se nesse quadro como uma proposta de analisar influências externas (a nova figuração, a transvanguarda italiana, os neoexpressionistas alemães) e sua transposição para o Brasil’, explica o catálogo. A revista mensal de arte, Módulo, organizará uma edição especial com esses artistas. As obras — como ocorre na Documenta de Kassel, na Alemanha — ficarão espalhadas interna e externamente. Um passeio sobre os iniciantes anos 80, bom para avaliar o significado da presença dessas obras no território alucinado de crise, desemprego e falta de perspectivas que se chama Brasil.” A invasão do parque. Com 123 artistas, a mostra ‘Como vai você, Geração 80?’ confirma a força das novas tendências. Veja, 25 de julho 1984, p.132–134. “Inicialmente, Lontra tentou montar a exposição no Museu de Arte Moderna do Rio, mas logo se chocou com as dificuldades pelas quais vem passando aquela instituição. Decidiu, então, aproveitar a época de férias da Escola de Artes Visuais e abriu os espaços do Parque Lage. O resultado não poderia ser melhor. Evitando os burocráticos painéis de uma exposição em museu, o diretor ofereceu a cada artista convidado um espaço específico da casa — os salões, o pátio, os porões, os jardins ou o parque — e cada um definiu seu trabalho a partir do espaço escolhido. Assim, no nicho formado por duas grandes colunas ao fundo do pátio principal, em frente à piscina, o carioca Daniel Senise, 29 anos, instalou uma tela gigantesca, Sansão (p.176–177), na qual uma atlética figura em traços expressionistas também anuncia o tom geral do conjunto — muita pintura, telas de grandes proporções e imagens explosivas.” “Vaso chinês. Entrevista com Agnaldo Farias.” In: Daniel Senise 2000–2006. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2006. “Agnaldo Farias: A Como vai você, Geração 80? [exposição organizada no Parque Lage] aconteceu em 84, não foi? Daniel Senise: Foi, e, para ela, eu pensei: vou colocar um trabalho no centro do prédio. E fiz um Sansão monumental derrubando as colunas do Parque — que era uma maneira de interagir com o espaço, uma escola de arte. Uma pintura plana, feita em um plástico laranja com tinta preta e branca. Acho que, talvez, tivesse um pouco de vermelho. O interessante, também, é que, naquela época, já tinha um grupo de artistas que estava no (…) O Frederico Morais foi, talvez, quem tenha feito a maior resenha sobre os anos 80. Ele mercado, que estava expondo. virou uma referência para todos, até porque escrevia regularmente através da coluna semanal que tinha no jornal. Embora já tendo dito que a vocação da arte brasileira era a construção, tinha interesse no que estava acontecendo. AF: Ah, estava muito atento. Ele saúda vocês, chega a declarar que achava um saco aquilo que vinha antes. Embora sempre tenha mantido uma forte relação com o Cildo Meireles, chega a dar um basta ao cerebralismo. Ficou meio evidente que o alvo dele era o Waltércio Caldas e os artistas ‘herméticos e excessivamente intelec- tuais dos anos 70’ [‘Gute nacht herr Baselitz ou Hélio Oiticica onde está você’, catálogo da mostra Como Vai Você, Geração 80?]. O efeito colateral dessa posição, por outro lado, foi enfiar todos vocês na chave do binômio pintura/ prazer, o que é uma visada simplificadora. Bem, quem sabe, se nos meados dos anos 80, fosse só isso mesmo? 30150006 miolo.indd 179 12/04/11 17:43 dos 60, através de um distanciamento irônico e mordaz, obrigatório nos anos 80. As obras desses jovens artistas refletem e ao mesmo tempo procuram quebrar rotinas e tabus inseridos na apreciação teórica dos movi mentos acima referidos. Nesse sentido, diante do trabalho desses jovens artistas, oposições anteriores (por exemplo entre o neoplasticismo e o abs tracionismo lírico) perdem sentido, se diluem, permitindo por sua vez novas justaposições outrora impossíveis.” Guinle Filho, Jorge. “Duas tendências possíveis na jovem arte brasileira e tradição 180 Balanço, ‘me avisa quando for a hora, me avisa que eu vou embora’. O momento pre sente, portanto, pede expansão, crescimento. É hora de se romper os limites. Nada pior que o controle, o enfado, a preguiça, a vida vista pela janela, os espaços traçados. A arte se faz também nos muros, nas ruas, nas festas: a Fiorucci Ipanema entra no jogo e libera suas fachadas, sua marquise. Marcus André, Hilton [Berredo], Beatriz [Milhazes], Lucia [Beatriz] e André [Costa] conquistam novos cenários de ação e essa nova geração de artistas reafirma, com suas obras, a sua importância e valor.” independente das pessoas — pode ser. É que novas relações têm surgido na estru tura do nosso meio de arte, o que elimina em muito a presença organizadora do Estado, seja a Funarte ou a Funarj. Empre sas privadas têm colocado seu dinheiro em inúmeras mostras como foi o caso recen te do Banco Nacional, que está inclusive colorindo os muros da cidade. A maioria dos catálogos e livros de arte é produzida pelo dinheiro da empresa privada. Elas têm também posto seu dinheiro em obras do pa trimônio. O mercado de arte nesses últimos dez anos cresceu bastante.” modernista frente ao inconsciente dos anos Costa, Marcus de Lontra. “Fachadas”. Coutinho, Wilson. Os premiados do Salão 80”. In: Geração 80. Rio de Janeiro: Galeria Fiorucci–Ipanema, Rio de Janeiro, agosto Nacional e algumas questões. Jornal do Brasil, MP2, 1984. de 1984. “Foi um lindo e comovente presente de natal “Mesmo diante das evidências, ainda há os que os artistas cariocas deram à sua cidade. que criticam ceticamente a high–tech art No último domingo, um belo dia de sol e e que pensam que a holografia é apenas calor, em pleno rush natalino, 70 artistas de um modismo. Mas ela é uma realidade e diferentes gerações, representando quase não veio para trazer messianicamente todas as tendências da arte brasileira atual respostas. O poeta do século XXI trabalha — figurativos uns, abstratos e concretos a linguagem holográfica e busca perguntas. outros, líricos ou irônicos, construtivos e O que ele quer ninguém sabe. A poesia é gestuais — realizaram, juntos, o maior mu um enigma tridimensional.” ral já pintado no Brasil em todos os tempos. Kac, Eduardo. “Poesia holográfica: as três Com seu talento e criatividade, cobriram dimensões do signo verbal”. In: VII Salão os 350 metros do muro do Parque Lage, Nacional de Artes Plásticas, 1984, p.43–44. na Rua Jardim Botânico. A iniciativa foi da Escola de Artes Visuais, com o apoio das “A seleção final reafirmou, mais uma vez, a tintas Suvinil.” principal novidade desta década de 80, o domínio absoluto da pintura sobre a impor Morais, Frederico. O rito da cor no maior mural do País. O Globo, Segundo Caderno, tância da mostra Como Vai Você, Geração Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 1984. 80?. A pintura cobre 45 por cento das obras aceitas e, em sua quase totalidade, seus autores estiveram presentes na mostra rea “Cada artista recebeu cinco metros do muro lizada este ano na Escola de Artes Visuais do pintados de branco e quatro cores oferecidas Parque Lage. Vêm a seguir o desenho (que pela Suvinil, de onde teriam que arrancar vai crescendo em importância em termos nuanças coloridas. (…) A escolha foi ampla e de renovação no âmbito da arte brasileira) irrestrita. Estavam desde artistas da Geração e a escultura. Pouquíssimos gravadores, 80, como Jorge Duarte, que fez uns pés um certo crescimento na área da fotografia subindo o muro; Luiz Pizarro, que pintou um (…) bem como na área experimental (novas nu feminino, e Hilton Berredo, procurando mídias, instalações).” recriar as suas estruturas orgânicas, de sugestão aquática, até Lygia Pape, que come Morais, Frederico. VII Salão Nacional. çou seu muro com o famoso retrato do poeta O Globo, Segundo Caderno, Rio de Janeiro, russo Maiakovski feito por Rodchenko e no 7 de dezembro de 1984. final já pigmentava o canto do seu muro com os típicos arabescos da transvanguarda.” “O que eu peço é simples: transformar as grandes montagens burocráticas, criadas Coutinho, Wilson. Parque Lage: Uma arte alegre e esperançosa. Jornal do Brasil, Caderno B, a épocas de governos autoritários, em algo Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1984. mais transparente e descentralizado, em que a participação de muitos evite o contro le de poucos. É um processo democrático, “Arte na cabeça, nos olhos e no coração, ge apenas. Não que o Inap [Instituto Nacional ração oitenta mil braços, oitenta mil planos e de Artes Plásticas] seja antidemocrático em desejos, oitenta mil cruzeiros por dia de tinta si. A sua diretoria não é. A sua estrutura — e papel, oitenta milhões de vozes de Beth 30150006 miolo.indd 180 Caderno B, Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1984. “O estilo do 7º Salão está na cara: reflete o pensamento e a temática (ou não temática) inspirada na Documenta de Kassel. Predo minam alguns bons artistas da chamada transvanguarda, de que a nova figuração e o abstracionismo expressionista, a action pain ting, tomaram conta. E foi dessa fornada que saíram os principais prêmios e o de aquisi ção — todos obras de grande formato, como convém à moda de hoje. Que apartamento os abrigará? Ao que parece, os artistas de hoje pintam para vender aos falidos museus. Com exceção do esquecimento de Manfredo de Souzaneto, os prêmios foram merecidos. Nuno Ramos, um mato–grossense, tirou, com sua obra abstrato–expressionista, o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro. A carioca Beatriz Milhazes, com suas colunas pairando no céu, obteve um Prêmio de Aquisição. Os demais couberam a Lúcia Menezes, Maty Vitat, Luiz Zerbini (Referência Especial), Emmanuel Nassar (Viagem ao País), Maria Lídia Magliani. A gravura premiou Rubem Grilo (Viagem ao Estrangeiro). O 7º Salão homenageou a pintora recém–falecida Maria Leontina e Iberê Camargo. Apesar de nossas restrições iniciais, o julgamento foi bom.” Aquino, Flávio de. Mais um salão. Manchete, Leitura Dinâmica, 1984, p.94. “‘Quem disser que o mercado de arte aqui não existe, ficou louco’, diz João Sattamini. Outro exemplo apontado pelo marchand: o êxito e a valorização de novos artistas cariocas atra vés da recente promoção Quem É Você, Geração 80?, que divulgou um grupo de jovens que haviam passado pela escola do Parque Lage, dirigida há alguns anos justamente por Rubens Breitman, o sócio de João Sattamini.” Arte no poder. Vogue Homem, 1984, p.158 e 174. 12/04/11 17:43 Sem título 1984 Acrílica sobre tela, 200x135cm Cronologia crítica: 1984 Untitled 1984 Acrylic paint on canvas, 78.7x53.1in 181 DS: Na verdade, é possível você classificar a maioria desse jeito. Como em qualquer grupo geracional que tem mais baixos do que altos. Seja como for, a posição do Frederico e da mídia mais próxima a ele, forjou essa impressão simplificadora sobre os anos 80 no Brasil. Mas, a meu ver, o maior problema é que, ao contrário do que aconteceu em outras épocas, essa geração não produziu um autor que tenha escrito sobre ela.” Costa, Marcus Lontra. “Sangue e areia. Portões abertos”. In: Daniel Senise. Rio de Janeiro: Centro Empresarial Rio, 1984. “A atmosfera é caótica, sugere várias histórias, o olhar percorre, perplexo, o campo defrontado, sem direito a repouso. A palheta é propositalmente restrita: negros, brancos, cinzas, vermelhos, pra [sic] que mais? O que importa, aqui, é o volume, a massa, a fatura de uma pintura que se faz presente como matéria, corpo. Neste momento em que se pretende uma arte leve, cotidiana, descartável, Daniel muda a sua rota: incorpora o objeto, quadro, aceita o inevitável autoritarismo da coisa pintada e a expectativa de que ela um dia venha a desabar da parede, como ‘um fruto pesado e podre’. O artista evidencia os momentos de identificação com a história da arte deste século (os expres- sionistas alemães, Braque, Picasso, Guston, etc.). Esses momentos, entretanto, não se apresentam de maneira ordenada, eles desprezam o didatismo. Ao contrário, é a confusão que perpassa a obra, o pêndulo da história, passado, presente e futuro, rasga a obra como um pincel enfurecido. A tragédia e a luta são as regras do jogo, caminhos nesta arena. Importa destacar o aspecto primeiro da obra através dos croquis, projetos que o artista preelabora. Neles, destaca–se a presença do construído, base quase escondida da obra. O gráfico esclarece o processo, desnuda a ideologia. Depois, na tela, o artista vomita a informação, cola e tinta, a matéria despreza essa evidência da ordem e a pintura surge no momento do ato, no gesto, no movimento, no respirar do artista e nos seus braços condutores da perplexidade do gladiador diante de seu amante e de seu algoz. (…) Pelos cantos da boca de Sansão, otário e cego personagem magistralmente encarnado por Victor Mature, um sorriso se insinua enquanto se diverte a clamar por Deus e a derrubar Templos poderosos. Esse incansável e insaciável Sansão descobriu que, diante de tanta força e sofrimento, o prazer também pode encontrar a sua vez. A trágica mensagem que os trabalhos de Daniel esforçam–se em 30150006 miolo.indd 181 12/04/11 17:43 sugerir carrega, em seu ventre, como Sansão (no ventre de Dalila…), a incômoda presença de um forte contentamento. É essa ambiguidade, essa inserção da ironia, elemento a transcender os vagos limites da tragédia e da comédia, que transforma o poderoso Sansão no simpático ursinho da fábula a indagar, assustado: ‘Quem comeu o meu mingau?’. E é exatamente nesta hora que a sempre trágica e combatente produção de Daniel Senise deixa transparecer o esboço de sorriso que ameaça escorrer pelos quatro cantos da sua história.” Morais, Frederico. Fúria “Pintor vigoroso, de um expressionismo selvagem, Daniel Senise foi um dos destaques da mostra Como Vai expressionista nas cores de Senise. Você, Geração 80? até mesmo pelo tema e localização de seu trabalho: o enorme Sansão situado entre as coluO Globo, Rio de Janeiro, 26 de nas do pátio central da Escola de Artes Visuais. Bancário de meio expediente, ex–aluno de John Nicholson agosto de 1984. e Luiz Aquila na EAV, Senise dedica–se à pintura desde 1980, mantendo com Luiz Pizarro, Angelo Venosa e João Magalhães um ateliê em Botafogo. Desenhando muito antes de pintar e revelando ainda algumas in- fluências — de Guston aos neoexpressionistas alemães, especialmente Lüpertz e Penck, mas já com bastante personalidade — , Senise, como diz Marcus Lontra na apresentação de sua mostra no Centro Empresarial Rio, não deixa lugar para sutilezas e pequenas elegâncias, incorporando a tragédia como instrumento de luta’ [sem as aspas iniciais] em sua pintura prevalece o negro e o cinza, havendo pouco espaço para nuan- ças colorísticas. Às vezes pinta um vermelho que é, no entanto, dor e sangue, transformando–se o desenho em volume, a matéria em massas inquietas e brutas. A atmosfera como diz ainda Lontra, é caótica e o olhar do espectador, ao querer recompor a figura, não consegue descansar.” 182 Daniel Senise, da ‘geração 80’ mostra pintura de vanguarda. Pouca cor, mas muita energia. O Globo, Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1984. “Representante do que ele mesmo chama de ‘geração 80’ das artes plásticas, Daniel Senise, de 28 anos, está fazendo a sua primeira exposição individual, na galeria do Centro Empresarial Rio (Praia de Botafogo 228), mostrando ‘uma pintura de vanguarda, não convencional, que embora seja uma coisa um pouco rude, passa uma certa energia’. (…) — Meu trabalho tem pouca cor — define o artista. — Gosto do contraste, uma coisa entre o figurativo e o não–figurativo. Faço um trabalho pessoal, de força, que não costuma entrar fácil no mercado porque, às vezes, pode ser considerado pouco decorativo. Trabalhando em quadros de até dois metros por 1,80 metro, Daniel diz que a pintura, para ele, é uma forma de autoconhecimento. A descoberta foi feita há três anos, época em que concluiu o curso de Engenharia. — Nem sei por que fiz Engenharia — prossegue. — Assim que me formei, já fui trabalhar com publicidade e programação visual. Como estava meio perdido profissionalmente, comecei a fazer aulas de pintura com John Nicholson e Luiz Aquila, no Parque Lage. Em seguida ‘pintou’ o atelier, que eu divido até hoje com mais três artistas plásticos: Luiz Pizarro, João Magalhães e Angelo Venosa. Hoje, na procura de um trabalho legal, estou sabendo bem mais o que é minha pintura. No atelier — uma casa antiga de uma vila em Botafogo, que tem o chão rebocado de tinta e as paredes dos quatro cômodos ocupadas por quadros dos mais variados estilos — , muitas vezes a criação se dá ao som de um bom rock ‘pauleira’, conforme a sintonia do rádio permanentemente instalado ali. Mas Daniel explica que também existe espaço para a música clássica e questiona a imagem de ‘roqueira e alienada’ com que tentaram marcar sua geração. — É bom trabalhar ouvindo música e esse negócio de dizer que a geração 80 é alienada, é roqueira, não tem nada a ver. O importante é que estou fazendo o que gosto, estou batalhando um trabalho legal. Moro num ‘apezinho’, tenho um fusca ‘ferrado’ e faço uns ‘frilas’ (free–lancer) para uma revista inglesa, além do meu trabalho como programador visual num Banco, para me manter, para poder pintar. Espero um dia viver só da pintura. A exposição no Centro Empresarial surgiu através do convite dos diretores da galeria, Ronaldo do Rego Macedo e Ascânio MMM, que já conheciam o trabalho de Daniel, como ele conta. — Eles me convidaram em março e eu terminei os quadros há dois meses. Antes, havia participado de várias coletivas, inclusive da mais recente no Parque Lage, Como Vai Você, Geração 80?. Esta exposi- ção foi uma boa maneira de dar uma mexida nas pessoas e de mostrar que tem uma nova geração de artistas plásticos que de repente leva uma mostra de artes para um espaço diferente de uma galeria. A pintura pode ser curtida num espaço que não seja uma galeria.” MORAIS, Frederico (Org.). “7 de Dezembro de 1984. Nuno Ramos, pintura, e Rubem Grilo, gravura, recebem o prêmio de viagem ao Cronologia das artes plásticas no exterior no VII Salão Nacional de Artes Plásticas, enquanto Daniel Senise e Emmanuel Nassar, pintores, Rio de Janeiro: da Missão Artística são contemplados com viagem ao país. O júri, composto por Abelardo Zaluar, Aline Figueiredo, Antônio Francesa à Geração 90: 1816–1994. Henrique Amaral, Glauco Pinto de Morais, Alberto Nemer e Osmar Pinheiro, seleciona os artistas a partir Rio de Janeiro: Topbooks, 1995, de dossiês. No catálogo, textos de Paulo Herkenhoff analisando as modificações introduzidas e de várias p.401–402. críticos, abordando diferentes aspectos da arte contemporânea representados no salão. A sala especial, organizada por Lúcia Gouveia é dedicada ao ‘Salão Revolucionário’ de 1931.” 30150006 miolo.indd 182 12/04/11 17:43 1985 Sem título 1985 Acrílica sobre tela, 230x190cm 183 30150006 miolo.indd 183 Untitled 1985 Acrylic paint on canvas, 90.5x74.8in 12/04/11 17:43 1985 Sem título 1985 Acrílica sobre tela, 230x190cm Untitled 1985 Acrylic paint on canvas, 90.55x74.8in > Lançado teste sorológico para diagnóstico da infecção pelo HIV. A doença é relatada em 51 países. > O Colégio Eleitoral elege Tancredo Neves como presidente do Brasil e José Sarney como vice–presidente. Sarney assume a presidência em caráter definitivo, após morte de Tancredo. > Charles Saatchi inaugura sua coleção para o público, Londres. > Exposição Les Immatériaux, com curadoria de Jean–François Lyotard e Thierry Chaput, Centre Georges Pompidou, Paris. > Exposição Figuration Libre: France/USA, com curadoria de Otto Hahn e Hervé Perdriolle, ARC/ Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris. > Exposição Art Minimal I, com curadoria de Jean– Louis Froment, CAPC, Musée d’Art Contemporain de Bordeaux. > Exposição Warhol, Basquiat Paintings, Tony Shafrazi Gallery, Nova York. > Exposição The European Iceberg: Creativity in Germany and Italy Today, com curadoria de Germano Celant, Art Gallery of Ontario, Toronto. > Exposição Today’s Art of Brazil, Hara Museum of Contemporary Art, Tóquio. > Exposição Nueva Pintura Brasileña, Buenos Aires. > Fundação do coletivo norte–americano Guerilla Girls. > 18ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Sheila Leirner, ganhando destaque as mostras especiais Grande Tela, Grupo Cobra e Expressionismo no Brasil: Heranças e Afinidades. > Exposição O Visual do Rock, MAM–RJ. > Exposição do coletivo Casa 7, MAC–USP e MAM–RJ. > Exposição Holopoesia, de Eduardo Kac e Fernando Catta–Preta, MIS–SP e EAV Parque Lage, Rio de Janeiro. > Exposições Arte nos Muros, Velha Mania e Rio Narciso, EAV Parque Lage, Rio de Janeiro. > Exposições Arte Construção: 21 Artistas Contemporâneos, com curadoria de Marcio Doctors, Centro Empresarial Rio, Rio de Janeiro. > Exposição Dupla Especializada, com Alexandre Dacosta e Ricardo Basbaum, Galeria do Ibeu, Rio de Janeiro. > Exposição do Grupo Seis Mãos, com Alexandre Dacosta, André Costa, Jorge Barrão e Ricardo Basbaum, Centro Cultural São Paulo, São Paulo. > Exposição Pinacoteca Anos 80, Pinacoteca do Estado, São Paulo. > Inauguração do Paço Imperial, Rio de Janeiro. > Inauguração da Galeria Espaço Capital Arte Contemporânea, Brasília. > Inauguração do Espaço Cultural Cemig, Belo Horizonte. > Inauguração da Galeria Subdistrito, São Paulo. > Realização do primeiro Rock in Rio, reunindo cerca de um milhão de pessoas. 30150006 miolo.indd 184 “A década de 70 — década de autoritarismos de toda espécie, inclusive estéticos — pro clamou, com insistência mórbida, o fim dos salões e da pintura. Curiosa coincidência, aliás. Nesta primeira metade dos anos 80, ei–los de volta. A pintura vive um momento bastante criativo no Brasil e o slogan desta década, ‘prazer & pintura’, pode ser aplicado, também, aos salões de arte, que, entre nós, especialmente no tocante às capitais regio nais, continuam sendo o principal acesso democrático dos jovens artistas ao circuito artístico nacional.” Morais, Frederico. Salões de arte, sempre um estimulante foro de debates. O Globo, Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1985. “Na Grande Tela, os trabalhos são articula dos entre si, num desenrolar ininterrupto, narrativo e ruidoso. Porém, que não se espere dali um discurso coletivo fluente e linear. Ao contrário, a Grande Tela revela, sobretudo o atrito, choque e antagonismo característicos, aliás, de toda relação profunda e amorosa. Os seus significados podem ser lidos à luz da his tória da arte, sociologia ou filosofia. O que se pretende mesmo é criar um espaço perturba dor, uma zona de turbulência, análoga àquela que encontramos na arte contemporânea. Contudo, a visão de tal conjunto tem como fundamento a utopia. E não parece pre sunçoso afirmar que ele é também antididá tico, anti–historicista, anárquico; e tão teatral quanto os próprios trabalhos que ‘encenam’ o seu referencial histórico e repertório auto biográfico. Adquire o seu significado total por meio da noção de uma ocorrência cotidiana, ininterrupta e sincrônica dos atos estrutu 12/04/11 17:43 Sem título 1985 Acrílica sobre tela, 135x160cm Cronologia crítica: 1985 Untitled 1985 Acrylic paint on canvas, 53.1x62.9in Exposições Individuais > Subdistrito Comercial de Arte, São Paulo > Galeria do Centro Cultural Cândido Mendes, Rio de Janeiro 185 Exposições Coletivas > O Atelier da Lapa, Galeria de Arte UFF, Niterói > Rio Narciso, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro > A Figura Hoje, Galeria do Ibeu, Rio de Janeiro > 18ª Bienal Internacional de São Paulo, São Paulo > 7 Artistas do Rio, Museu de Arte e Cultura Popular, Cuiabá > Expressionismo no Brasil: Heranças e Afinidades, Fundação Bienal de São Paulo, São Paulo “Vaso chinês. Entrevista com Agnaldo Farias”. In: Daniel Senise 2000–2006. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2006. “Daniel Senise: E tinha, também, os meus amigos. Conversava um pouco com Angelo, falávamos sobre arte, mas nunca se falava muito. A gente teve uma convivência baseada em um olhar o trabalho do outro. Um dos meus trabalhos que acho mais importante é aquele em que pego uma sobra de madeira do Angelo, uma sobra dos objetos e das esculturas que ele fazia. Ora, uma sobra é um regis- tro de uma coisa que saiu de lá do trabalho dele; uma presença, o contorno externo, um negativo de uma coisa que ele usou, e aquilo foi meu tema no quadro. Isso veio do nosso convívio. Agnaldo Farias: Isso aconteceu na época que vocês dividiam o ateliê? DS: Sim. AF: Até quando vocês dividiram o ateliê? DS: Bom… nós fomos despejados pelo Breitman. Ele era o proprietário da casa onde trabalhávamos. Eu tive uma discussão com o João Manuel, que era sócio do Breitman, e eles despejaram a gente. Acho que foi em 90. Aí, meio que, cada um foi pra um lado: o Luiz e o Angelo foram para um ateliê aqui perto, na Lapa — para onde eu acabei indo depois. Fiquei uns meses lá, enquanto estava fazen- do este aqui, em que nós estamos agora. AF: Você tem esse ateliê desde o começo? DS: Desde 93… 92. AF: Precisa crescer, né? DS: Estou vendo uma casa aqui do lado. É, está apertado. AF: Está apertado. DS: Em 92 a gente separou. Também eu já estava cansado de trabalhar em grupo.” Coutinho, Wilson. O grupo da Lapa. Os filhos de Freud com a pintura. Artistas revivem num ateliê o clima artístico do velho bairro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10 de março de 1985. 30150006 miolo.indd 185 “O ateliê do grupo fica numa íngreme ladeira, na Lapa e os quatro artistas que o compõem tem como cená- rio os arcos construídos no século XVIII, os bondinhos amarelos e as imagens de suas próprias obras insta- ladas num imenso casarão de dois andares, com amplos espaços onde pintam peças em grandes dimensões. 12/04/11 17:43 rados que se dão entre o artista e o fruidor. Atos que — como um todo — agem como ‘cola’ psíquica, existencial e intelectual que mantém toda cultura interligada. A Grande Tela é quase um símbolo da Grande Obra contemporânea, a qual se teve em mente ao conceber e organizar a 18ª Bienal Internacio nal de São Paulo.” 186 Gonçalves, Marcos Augusto. Os jovens pintores chegam à Bienal. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, 5 de setembro de 1985. “‘Houve muita pressão, especialmente dos alemães’, diz Sheila Leirner. Ela explica a insatisfação de uma maneira original: ‘Os alemães não querem o confronto’. E contra– ataca: ‘Eles não querem um espaço não Leirner, Sheila. “A Grande Tela e as exposições acadêmico como o da Grande Tela, preferem especiais”. In: 18ª Bienal de São Paulo, 1985. [Cat.] uma disposição tradicional’. Na verdade, a questão em jogo na Grande Tela é menor do “A presença principal brasileira é a dos que a que Sheila propõe. Ou mais simples. artistas que adotaram como linguagem O grande corredor cria, de fato, dificulda a chamada transvanguarda (seja lá o que des para a observação dos trabalhos. Não pode significar um termo destes). Ou seja, a há como fugir dos ‘ruídos’ causados pelo vaga atual do expressionismo abstrato, com excesso de informação visual concentrada telas sem chassis, largos gestos, desprezo nas paredes.” pelo cromatismo e pela composição, acento principal numa suposta emoção que deixa Gonçalves, Marcos Augusto. A música sempre dúvidas, já que a emoção é a mesma deu o tom no Ibirapuera. Folha de S. Paulo, para todos. No Brasil, este grupo de artistas Ilustrada, São Paulo, 7 de outubro de 1985. recebeu o nome de batismo de Geração 80 e foi apoiado por um grande e carioca esforço “A Grande Tela representa o percurso do promocional. O que resultou bem, como se expressionismo que se vê hoje por toda parte pode observar. A evidência de que a cultura — das galerias do Soho de Nova York aos não se divide por décadas e que as manifes museus e galerias da Alemanha e também tações artísticas não se estruturam em gera nos quilômetros de páginas de revistas de ções, mas em posições diante da história dos arte do mundo inteiro. ‘Não se trata mais de homens, não foi capaz de impedir o triunfo celebrar o expressionismo’, adverte Sheila. promocional da Geração 80.” No entender dos idealizadores do projeto, a Grande Tela funciona como um antimuseu, Klintowitz, Jacob. Bienal: Quilômetros de uma antigaleria com uma função crítica que arte. Para caber tudo. A Tarde, 23 de agosto de mostra o presente na história da arte. É claro 1985. que muitos reagiram a essa condenação ao pelourinho. Um dos papas da corrente “‘Sem Malfatti não seria possível existir este neoexpressionismo dos jovens pintores brasi expressionista, o checo naturalizado alemão Jiri Georg Dokoupil, 30 anos, por várias vezes leiros’, comenta Ivo Mesquita. Mas esta fatia pensou em retirar suas telas da Bienal. das novas gerações que preferiu o pincel às É provável que esta 18ª Bienal de guitarras elétricas não está tão segura assim São Paulo seja a última grande festa desse de sua filiação a uma suposta tradição ex expressionismo surgido no final dos anos 70, pressionista brasileira. ‘Eu não sei se existe início dos anos 80.” essa tradição’, duvida Senise, 29, que prefere pintar o conceito de expressionismo com as No túnel da pintura — com 2.400 obras, já tintas múltiplas do jazz. ‘Hoje a noção de está aberta a 18ª Bienal de São Paulo. Veja, expressionismo é tão ampla quanto a do jazz: 9 de outubro de 1985, p.90–93. cabe muita coisa diferente dentro’, diz. Da mesma forma, o paulistano Carlito Carvalho “A pintura, frequentemente declarada morta, sa, 23, um dos integrantes do grupo Casa 7 sobrevive. Para maior espanto, nas obras de — que participará da Bienal — é cético: ‘Acho um grupo de jovens paulistanos, todos na que não existe uma tradição expressionista faixa dos 23 anos, que receberam a denomi no Brasil’. Carlito e seus colegas de ateliê nação comum de geração 80 e pela primeira não se sentem confortavelmente instalados vez, farão parte da 18ª Bienal a ser inau numa árvore genealógica que teria pendu gurada em outubro próximo em São Paulo. rada em seus galhos os frutos, por exemplo, Suas obras são, na maioria, expressionistas, da pintura de Di Cavalcanti e Portinari. ‘Eles mas eles recusam esse rótulo assim como são subcubistas’, classificam. Ao menos em o de transvanguardistas, expressão criada relação a Portinari, Senise concorda com o pelo crítico italiano Bonito Oliva para definir grupo paulista: ‘Prefiro ir direto ao cubismo artistas alemães, americanos e italianos da de Picasso’.” mesma tendência. Suas obras já foram deno 30150006 miolo.indd 186 minadas também de bad painting, por parte da crítica brasileira, à qual eles retrucam que, ao contrário, fazem good painting, the best.” Soller, Neide Martins. Vai, filho, ser transvanguarda na vida. Folha da Tarde, São Paulo, 5 de abril de 1985. “O gosto pela arte transformou–se nos últi mos anos num padrão de status e a nova e jovem burguesia brasileira já identificou a obra de arte como um excelente produto de consumo que é simultaneamente um investi mento promissor.” Sattamini, João. Geração 80. HV, n.1, julho de 1985, p.58–61. “A coletiva Velha Mania, na Escola de Artes Visuais, foi uma evidência da diversidade, em que se misturavam obras com pouco em co mum entre si (inclusive Carlos Zéfiro, a quem se dedicou uma ‘sala especial’, o banheiro de mármore de Gabriela Besansone). Beatriz Milhazes (com pinturas na César Ache), Beth Jobim (também pinturas, na GB), Angelo Venosa (esculturas, no Centro Empresarial Rio) e Isaura Pena (desenhos, na Macunaíma) apresentaram trabalhos que mereceram a atenção. A voga do neoexpressionismo teve um reforço com a exposição de dois alemães presentes à Bienal de São Paulo, Middendorf e Koberling (pinturas, na Thomas Cohn). Fora dos limites da Geração 80, Rubem Grilo foi um dos poucos a apresentar um trabalho no tável, especialmente por explorar o expres sionismo de forma alternativa ao ‘neo’.” Roels Jr., Reynaldo. Predominaram as cores da pintura. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 1985. “No momento, a arte é alimentada por uma energia mental secreta, que calibra suas aparições por meio de formas e modos de representações que não têm nada de impro visação, mas na verdade são mediadas. Isso não significa a perda da espon taneidade e vitalidade na expressão; pelo contrário, ela permite a recuperação de planos culturais sedimentares da memória e, ao mesmo tempo, é capaz de reter a energia gestual que acompanha a criação do trabalho. Números abstratos, potencialidade figurati va, ornamentação e pulsação narrativa são moldados em uma imagem no calor da cria ção, capaz de aceleração futurista e calma metafísica juntas.” Oliva Bonito, Achille. “Introduction”. In: 1985 Nouve trame dell’arte. Roma: Castello Colonna di Genazzaro, 1985. 12/04/11 17:43 Luiz Pizarro, Angelo Venosa, Daniel Senise e João Magalhães estão lá desde o ano passado quando a editora Guanabara Koogan esvaziou o seu depósito de livros. Koogan é parente do artista e marchand Rubem Breitman que vem apostando atualmente em dois deles: Senise e Pizarro. (…) Todos esses quatro artistas estão no ritmo de sua geração de pintores. São figurativos no que se entende agora por isto que não são formas totalmente explícitas e objetivas. É um figurativismo oblíquo e estranho. Pizarro é mais claro com as suas fortes pinceladas coloridas que constroem, quase com golpes, nus masculinos e femininos com gestalt da distância. Perto, seus nus dissolvem–se em manchas pratica- mente abstratas. Senise é um artista que começa a ter uma pintura admirável, extremamente forte, com reconhecíveis, mas não são. Na tela, suas figuras em massa parecem construir um rodopio e muitas dessas formas que ele considera autobiográficas podem vir de inúmeras sugestões esdrúxulas como um pinguim de porcelana ou a imensa Atlântida sonhada por Platão. Muitos acusam sua obra de sair do atual expressionis- mo alemão. ‘Pode parecer pintura alemã, mas não sou alemão. Pode haver uma referência, mas a pin