A PRÁTICA DO MONITORAMENTO E A BUSCA PELA
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A PRÁTICA DO MONITORAMENTO E A BUSCA PELA
Performances Interacionais e Mediações Sociotécnicas Salvador - 10 e 11 de outubro de 2013 A PRÁTICA DO MONITORAMENTO E A BUSCA PELA “QUALIDADE DE VIDA”: reflexões sobre vigilância, biopoder e tecnologias digitais1 Erika Oikawa2 Resumo: Este trabalho busca refletir como as tecnologias móveis digitais são apropriadas no cotidiano das pessoas na busca pelo bem-estar individual e coletivo, analisando-se a possibilidade desses dispositivos em promover um regime de vigilância permanente. Para isso, primeiramente, recupera-se a noção de biopoder, fundamental para compreender a produção de subjetividades e as novas formas de controle e vigilância na sociedade contemporânea. Depois, reflete-se sobre como esses dispositivos móveis podem ajudar a alcançar as metas de uma vida mais “saudável”, por possibilitarem a prática de monitoramento constante. Palavras-chave: tecnologias digitais; vigilância; biopoder; qualidade de vida. Abstract: This paper seeks to reflect how mobile digital technologies are appropriate in daily life in the pursuit of individual and collective welfare, considering the ability of these devices to promote a permanent surveillance. To do this, the paper recovers the notion of bio-power to understand the production of subjectivities and new forms of control and surveillance in contemporary society. Then, it reflects on how these mobile devices can help to achieve the goals of a healthier life, because of the possibility of constant monitoring. Keywords: digital technologies, surveillance, bio-power; quality of life. 1 BIOPODER: DOS AMBIENTES CONFINADOS ÀS REDES DISTRIBUÍDAS DE COMUNICAÇÃO Nesta primeira parte do trabalho, é importante relembrar que a noção de biopoder, assim como as práticas da sociedade disciplinar, é proposta por Foucault para explicar o funcionamento da grande maquinaria das instituições modernas (escola, prisão, hospital, fábrica, etc.) para a produção de “copos dóceis e úteis” que atendessem a necessidade da fase industrial do capitalismo. Tanto as disciplinas como o biopoder são formas de exercer o poder sobre a vida, mas, enquanto primeiras voltam-se para o “o corpo como máquina – no seu 1 Artigo submetido ao NT – Sociabilidade, novas tecnologias e práticas interacionais do SIMSOCIAL 2013. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PPGCOM/PUCRS). Bolsista CAPES/FAPERGS. E-mail: [email protected] 2 adestramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade [...]”, o segundo centra-se no “corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos” (FOUCAULT, 1993, p. 131). O biopoder é a gestão da vida como um todo, técnicas de poder sobre o biológico, que vira central nas discussões políticas. Modificá-lo, transformá-lo, aperfeiçoá-lo eram objetivos do biopoder, e, é claro, produzir conhecimento, saber sobre ele, para melhor manejá-lo. Assim como a disciplina foi necessária na docilização do corpo produtivo fabril, o biopoder foi também muito importante para o desenvolvimento do capitalismo, ao controlar a população e adequá-la aos processos econômicos (TRINDADE, 2008, p.2). Entretanto, a partir da segunda metade do século XX, o modo de exercer o poder em nossa sociedade foi se transformando e vários autores se dedicaram à tarefa de repensar e atualizar essas noções foucaultianas à luz das novas configurações sociais e econômicas (TRINDADE, 2008; SIBILIA, 2010b). Dentre esses autores, destaca-se Gilles Deleuze, que identifica a transição das sociedades disciplinares para a sociedade de controle. “Se as disciplinas agiam em espaços de confinamento (escolas, fábricas, hospitais, prisões), o controle se espalha por todo o tecido social” (TRINDADE, 2008, p.3). Nesse sentido, “o poder não age mais como molde, como acontecia nas sociedades disciplinares, mas por modulações, flexíveis e constantemente aperfeiçoáveis” (TRINDADE, 2008, p.3). Assim, o tempo do trabalho deixa de ser apenas aquele na fábrica e passa a se estender por toda a vida do trabalhador, na medida em que a produção de mercadoria vai perdendo sua importância diante da produção de serviços, de conhecimento e de trabalho intelectual (produção imaterial), marcando a passagem do capitalismo industrial para o capitalismo cognitivo. Devemos entender a sociedade de controle, em contraste, como aquela [...] na qual mecanismos de comando se tornam cada vez mais “democráticos”, cada vez mais imanente ao campo social, distribuídos por corpos e cérebros dos cidadãos. [...] O poder agora é exercido mediante máquina que organizam diretamente o cérebro (em sistemas de comunicação, redes de informação etc.) e os corpos (em sistemas de bem-estar, atividade monitoradas etc.) no objetivo de um estado de alienação independente do sentido da vida e do desejo de criatividade. (HARDT E NEGRI, 2001, p. 42). É nesse sentido que podemos compreender a internet e as redes distribuídas de comunicação como um campo privilegiado para o exercício de um biopoder condizente à lógica desse capitalismo cognitivo, que agora busca transformar em “objeto de governo” não apenas os corpos da população, “mas todo o meio ambiente, a comunicação, os conhecimentos e os afetos das populações.” (ANTOUN; MALINI, 2010, p. 288). Dessa maneira, na medida em que as redes informáticas, cada vez mais pervasivas e invisíveis no nosso cotidiano, “articulam tanto os modos de subjetivação como as formas de sociabilidade, a conexão se instaura como o dispositivo de poder mais eficaz do momento” (SIBILIA, 2010b, p.7) Cada vez mais, todos conhecemos tanto o prazer como a asfixia de estarmos sempre conectados e disponíveis, reportando-nos e nos mantendo atualizados quanto a tudo o que ocorre na virtualidade das redes, respondendo e alimentando os suaves mandatos da interação permanente com uma infinidade de contatos, o tempo todo e em todo lugar (SIBILIA, 2010b, p.7). Esse estado de conexão permanente – “always on” – do qual se refere Sibilia é possibilitado principalmente pelas tecnologias móveis digitais de comunicação, como tablets e smartphones. Dessa maneira, torna-se central para a compreensão das formas contemporâneas de controle refletir como essas tecnologias digitais, ao estarem conectadas em rede, passam a instaura um regime de vigilância e visibilidade que afeta o modo de constituição das subjetividades. Neste trabalho, essa reflexão é feita a partir da busca por uma vida mais saudável e equilibrada, já que se parte do pressuposto que, “[...] os tentáculos mais atuais do biopoder nutrem um profícuo cardápio que visa a aumentar, também, a ‘qualidade de vida’” (SIBILIA, 2010b, p.6). 2 VIGILÂNCIA E CONTROLE NA BUSCA PELA QUALIDADE DE VIDA Em novembro de 2011, o programa Mod MTV3 trouxe como pauta a questão da “saúde e privacidade”, abordando a prática crescente do monitoramento de informações sobre hábitos e dados fisiológicos na internet. Entre os entrevistados do programa estava Ari Meisel, um portador da doença de Crohn4 que deu seu depoimento sobre como os aplicativos 3 Disponível em <http://mtv.uol.com.br/programas/mod/>. Acesso em 23 jun. 2012. De acordo com a Wikipédia, a doença de Crohn é “uma doença crônica inflamatória intestinal, que atinge geralmente o íleo e o cólon (mas pode afectar qualquer parte do tracto gastrointestinal). Muitos danos são causados por células imunológicas que atacam uma ou mais partes dos tecidos do tubo digestivo, mas não há certeza de etiologia autoimune. Os sintomas e tratamentos dependem do doente, mas é comum haver dor abdominal, diarreia, perda de peso e febre. Actualmente não há cura para esta doença, no entanto os tratamentos permitem alívio dos sintomas e melhoria de qualidade de vida.”. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Doen%C3%A7a_de_Crohn>. Acesso em 23 jun. 2012. 4 para celular e programas de computador ajudaram-no a controlar os sintomas da doença incurável a ponto de ele anular seus efeitos e conseguir participar do Ironman France 20115. Já a Revista Época (2012, online) estampou como reportagem de capa, em janeiro de 2012, a matéria “Emagrecendo usando a Internet”, exaltando os benefícios que a integração entre sites de dietas, aplicativos para smartphones e as redes sociais na internet poderiam oferecer na busca por mais saúde e bem-estar. Não faltaram depoimentos de pessoas que mudaram o estilo de vida graças à prática de reeducação alimentar e de exercícios físicos, monitoradas 24 horas pelas tecnologias móveis digitais. Um exemplo dessas tecnologias são os aplicativos para corrida da Nike, que monitoram as corridas, armazenam dados do treino, oferecem feedbacks auditivos sobre o desempenho do corredor, além de possibilitar o compartilhamento de todos esses dados nas redes sociais digitais. Afinal, nada mais conveniente do que “manter, também, uma alta performance em estado de visibilidade permanente” (SIBILIA, 2010a, p. 206). O Nike +, por exemplo, conecta o corredor ao Facebook e, cada vez que alguém “curte” o seu desempenho na corrida, ele ouve palmas de incentivo. Além de sites e aplicativos voltados para exercícios físicos e dietas, há aqueles direcionados exclusivamente para a medição e o controle dos níveis de estresse. O Stress Check, por exemplo, é capaz de medir os batimentos cardíacos da pessoa quando ela coloca o dedo na lente da câmera e, cruzando-se esses dados com informações sobre sexo e idade, oferece algumas sugestões imediatas para diminuir a tensão, desde respirar profundamente até uma pausa no trabalho para dar uma caminhada. Em comum em todos esses exemplos, o feedback quase instantâneo das atitudes e das escolhas do indivíduo, possibilitado pelos dispositivos móveis de comunicação com acesso a internet. Nesse contexto, iniciativas como o Quantified Selves (QSs) – grupo dedicado ao automonitoramento de hábitos diários, que, por meio de variados tipo de hardwares e softwares específicos, tentam descobrir e “tendências e correlações sobre seu comportamento e sua saúde a partir do armazenamento, a longo prazo, de diversos conjuntos de indicadores que permitem monitorar uma infinidade de condições”, de doenças crônicas à qualidade do humor (NASCIMENTO; BRUNO, 2013, p.2). Em trabalho sobre os QSs, Nascimento e Bruno (2013) analisam as especificidades dos processos subjetivos que as práticas de objetivação de si, presentes nas técnicas de auto-monitoramento contemporâneas, podem promover. Para as 5 Considerado um dos maiores eventos de triathlon do mundo, realizado anualmente na Riviera Francesa. autoras, essas técnicas se configuram como uma nova forma das “práticas de si”, presentes desde a antiguidade, mas com uma diferença fundamental: Diferentemente da escrita de si dos estoicos, em que a prática mesma de escrever retornava sobre a reflexão e a ação, implicando num só movimento a atenção ao outro e o trabalho sobre si, a modalidade de registro e monitoramento dos QS’s faz da delegação ao dispositivo técnico a via régia do contato consigo. Um outro diálogo entre interioridade e exterioridade se produz, bem como uma forma específica de relação com o conhecimento especializado (NASCIMENTO; BRUNO, 2013, p. 18). Assim, essa forma de auto-conhecimento atual vem impregnado com os discursos da biomedicina contemporânea, nos quais o “eu” passa a ser traduzido em indicadores e reverberando a ideia de que “o que se pode medir – numérica e tecnologicamente – se pode aperfeiçoar” (NASCIMENTO; BRUNO, 2013, p.2). Entretanto, é interessante perceber que há diferenças importantes acerca dos dados monitorados, uma vez que informações sobre doenças crônicas ou qualidades do sono implicam em um tipo monitoramento diferente daqueles voltados para as atividades físicas e a reeducação alimentar, por exemplo, na medida em que, nas duas últimas, o processo de interação e de exposição dos dados nas redes sociais pode influenciar diretamente os resultados apresentados. No caso do aplicativo de corrida citado anteriormente, por exemplo, os incentivos recebidos pelos amigos e seguidores dos sites de redes sociais podem ser um diferencial importante no desempenho do corredor. De acordo com a reportagem da revista Época (2012, online), o número de amigos nas redes sociais parece ser um dos grandes estimulante para uma melhor performance nos programas de emagrecimento na internet: “Uma pesquisa feita pelos criadores do programa MyFitness-Pal (uma espécie de contador de calorias de bolso, que pode ser carregado no celular) mostrou que os usuários emagrecem na mesma proporção em que cresce o número de seus amigos. Quanto mais gente olhando, melhor o resultado” (ÉPOCA, 2012, online) É nesse sentido que Bruno (2010) afirma que não há redes sociais na internet isentas de qualquer forma de vigilância e monitoramento, o que ocorre é justamente o oposto: [...] os sistemas de vigilância e monitoramento são imanentes a tais redes e são parte integrante tanto da eficiência do sistema, que monitora, arquiva e analisa os dados disponibilizados pelos usuários de modo a otimizar seus serviços, quanto das relações sociais que aí se travam, as quais encontram um de seus motores na vigilância mútua e consentida, com pitadas de voyerismo e exibicionismo (BRUNO, 2010, p. 158). É possível percebera que o fato de o indivíduo monitorar e disponibilizar informações sobre suas práticas, hábito e comportamentos implica um regime de visibilidade que transforma sua própria experiência. Esta seria outra caso ficasse restrita apenas à sua vida privada, já que o simples fato de expor regularmente esses dados perante “amigos e seguidores” dos sites de redes sociais faz esses indivíduos se manterem em um estado de “autocontrole” permanente (OIKAWA, 2012). Afinal, “Hoje estamos dispostos a impedir qualquer transformação desinteressante para o nosso futuro através da intervenção tecnológica e sobre-cuidamos de nossa reputação através do saber como somos falados e visto na diferentes mídias e interfaces” (ANTOUN, 2010, p. 149). Nesse sentido, podemos afirmar que as tecnologias digitais, por meio de diversos programa e aplicativos, funcionam como uma “autoconsciência exteriorizada” (OIKAWA, 2012) permitindo que os indivíduos tomem decisões a partir do monitoramento permanente de hábitos diários e do controle e cruzamento de dados físicos, alimentares e fisiológicos. Assim, “As míticas potências da ciência e da técnica prometem manter tudo sob controle, deixando nas mãos de cada indivíduo as decisões relativas a seu próprio destino.” (SIBILIA, 2010b, p.6). Dessa maneira, Sibilia (2010) afirma que, assim como ocorre em outros âmbitos da ação pública e privada, as biopolíticas contemporâneas foram absorvidas pelo “espírito empresarial” e pelas doutrinas mercadológicas que o regem. Assim, todo “corpo é considerado, também e de modo crescente, um ‘capital’. O valor desse ativo financeiro de cada um se estabelece em função de diversas variáveis, todas elas sujeitas às flutuantes cotações dos mercados nos quais o sujeito em questão se movimenta” (SIBILIA, 2010, p.6). É interessante perceber que essas novas atitudes do indivíduo com a saúde demonstram não apenas a aspiração do indivíduo em ter um corpo perfeito e saudável hoje, mas também uma “desforra do futuro”, como bem observou Gilles Lipovestky (2005). Para este autor, estamos em uma época em que as preocupações com a saúde se tornam onipresentes entre os indivíduos de todas as idades, que reorientam seus comportamentos cotidianos hoje, visando também uma maior qualidade de vida amanhã. “Cada vez mais vigilância, monitoramento e prevenção: alimentação saudável, perda de peso, controle do colesterol, repulsão ao fumo, atividade física – a obsessão narcísica com a saúde e a longevidade segue de mãos dadas com a prioridade dada ao depois sobre o aqui-agora” (LIPOVETSKY, 2005, p.73). Em outras palavras, o receio e a angustia de um amanhã incerto – seja pelo terrorismo internacional, crescimento da violência urbana, instabilidade no emprego gerada pela política neoliberal, etc. – superaram a possibilidade de exacerbação do gozo e da liberdade do presente. Isso não significa, atenta Lipovetsky (2005, p. 71), que “a febre consumista das satisfações imediatas e as aspirações lúdico-hedonista” tenham desaparecido, mas que essas manifestações também encontram-se envoltas por sentimentos de temores e inquietações. Podemos compreender, portanto, que o presenteísmo dos dias atuais é marcado mais por uma “inquietação diante de um futuro incerto que num carpe diem propriamente” (LIPOVETSKY, 2005, p.71). Nesse sentido, a vigilância e o controle em torno da busca de uma qualidade de vida não ocorrem somente em nível individual, mas também no âmbito coletivo e social, como pode ser percebido com o surgimento e a proliferação de aplicativos como o MyFunCity6, eleito um dos melhores aplicativos do mundo na categoria “m-government & participation” e fevereiro de 2013, durante o World Summit Award Mobile, idealizado pela Organização das Nações Unidas (ONU)7. Lançado em outubro de 2011, o MyFunCity, que se apresenta como “a primeira rede social privada de interesse público do Brasil”8, é um aplicativo voltado para medir a satisfação e a felicidade nas cidades, baseando-se, para isso, em critérios que compõem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Funciona assim: ao fazer o login no aplicativo, o usuário informa o local onde se encontra e responde a 12 perguntas sobre o nível de bem-estar local, tais como “Você está satisfeito com o serviço de limpeza urbana no seu bairro?” (ver FIG.1). Com base nas opiniões dos usuários, é gerado um mapa e gráficos mostrando o nível de satisfação coletiva em determinada região. MyFunCity possibilita gestão pública por meio da tecnologia digital das redes sociais, permitindo que os cidadãos avaliem a qualidade de vida das cidades a partir de 11 indicadores relacionados a trânsito, segurança, meio ambiente, saúde, educação e bem-estar. De maneira orgânica, um banco de dados abrigará todas as opiniões em um mapa preciso sobre o índice de satisfação da população quanto aos 6 Segundo informações do próprio site: “Lançada no dia 5 de outubro de 2011, MyFunCity nasce do Movimento Mais Feliz, um movimento apartidário, não governamental e não-assistencialista focado em comunicação e articulação de projetos sociais”. Disponível em <http://www.myfuncity.org/quem-somos/>. Acesso em 23 jun. 2012. 7 Disponível em <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/02/aplicativo-brasileiro-my-fun-city-e-premiado-em-eventoda-onu.html>. Acesso em 18 jul. 2013. 8 Informação do próprio site do aplicativo. Disponível em <http://www.myfuncity.org/quem-somos/>. Acesso em 23 jun. 2012. serviços públicos oferecidos pelos municípios, assim abrindo caminho para organizações público-privadas transformarem muitas realidades9. O aplicativo pode ser usado em smartphones, tablets e no Facebook, e está disponível gratuitamente na App Store e no Google Play. No Facebook, “permite interação entre os usuários, possibilitando convidar amigos, enviar mensagens e comentários, curtir e enviar fotos. Também é possível fazer check-in, opinando sobre as regiões da cidade e, simultaneamente, ter acesso aos dados postados na rede social” 10 . A ideia é que as administrações públicas possam comprar os dados monitorados pelo aplicativo, definindo assim medidas sociais com base nas percepções da comunidade11. Figura 2 – Interface das estatísticas de satisfação do MyFunCity no iPad A partir da proliferação de aplicativos voltados para esse tipo de monitoramento, Bruno (2010, p. 159) problematiza como os indivíduos são levados a adotar, “como parte de seu espírito e prática cidadãos, um olhar e uma atenção vigilantes sobre os outros, a cidade e o 9 Informação do próprio site do aplicativo. Disponível em <http://www.myfuncity.org/quem-somos/>. Acesso em 23 jun. 2012. 10 Informação do próprio site do aplicativo. Disponível em <http://www.myfuncity.org/quem-somos/>. Acesso em 23 jun. 2012. 11 Dados da matéria “Rio+20: Felicidade como plano de governo”, disponível em <http://infosurhoy.com/cocoon/saii/xhtml/pt/features/saii/features/society/2012/06/15/feature-01>. Acesso em 23 jun. 2012. mundo”. É dessa forma que, segundo a autora (2010), a vigilância também passa a mobilizar o campo da diversão e do entretenimento na medida em que proporciona prazer e socialização, como no caso dos reality shows e os diversos sites de compartilhamento de conteúdos e de sites de redes sociais que fazem parte do nosso cotidiano. Assim, vigilância distribuída apoia-se no tríplice regime: “o da segurança, o da visibilidade midiática (marcado pela presença dos dispositivos de vigilância nos circuitos de entretenimento, sociabilidade e espetáculo) e o da eficiência, sobretudo no campo dos serviços das redes e tecnologias de comunicação” (Bruno, 2010, p. 157), ampliando e atualizando as formas de biopoder nas sociedades contemporâneas. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a breve reflexão acerca da busca por uma vida mais saudável – seja na esfera individual ou coletiva – por meio da apropriação das tecnologias móveis digitais, foi possível perceber que a lógica vigilância está no cerne da vida social contemporânea, transformando as formas de habitar os espaços urbanos; os modos de subjetivação; a sociabilidade; os processos comunicacionais atuais. Dessa maneira, as tecnologias móveis digitais, por meio de diversos programa e aplicativos, funcionam como uma “autoconsciência exteriorizada” permitindo que os indivíduos tomem decisões sobre sua vida cotidiana, a partir do auto-monitoramento de seus hábitos diários, mas também por meio da vigilância constante sobre o local em que se habita, avaliando-se e monitorando-se coletivamente os níveis de segurança, limpeza e bemestar de determinada rua, bairro ou cidade, configurando o que Bruno (2010) chama de “vigilância participativa e distribuída”. Paradoxalmente, “quanto mais se redobram os cuidados com a imagem desse eu publicizado, maior o descuido consigo mesmo e a exploração da sua própria verdade através de dados posto a serviço do capital financeiro” (BRUNO apud ANTOUN, 2010, p. 150). Nesse sentido, Antoun aponta a necessidade de uma “certa indiferença ao eu e às obrigações culturais,” para que o sujeito voltasse a ter uma relação franca e verdadeira consigo mesmo, livre do “sobre-cuidado” com a imagem e a reputação (ANTOUN, 2010, p. 150). Em outras palavras, seria necessário, então, o abandono dessa busca incessante pelo “bem-estar” e maior “qualidade de vida”, extremamente voltada para o olhar exterior, para que realmente nos dedicássemos ao “cuidado de si”, “[...] que implica uma certa maneira de estar atento ao que se pena e ao que passa no pensamento”, mas que também designa “ações que são exercidas de si para consigo, ações pelas quais nos assumimos, nos modificamos, nos purificamos, nos transformamos, nos transfiguramos” (FOUCAULT, 2010, p. 12). Em todo caso, o que se evidencia a partir da reflexão realizada neste trabalho é o imbricamento cada vez maior entre o vínculo das biopolíticas com a comunicação, conforme atenta Sibilia (2010, p.7). Por este motivo, reafirmamos a importância de estudos voltados para as apropriações das tecnologias móveis de comunicação, que, cada vez mais integrada à arquitetura urbana, tornam-se mais pervasivas e ubíquas em nossas vidas, ampliando o regime de vigilância e controle na sociedade contemporânea. Referências ANTOUN, Henrique. Vigilância, comunicação e subjetividade na cibercultura. In: BRUNO, Fernanda; KANASHIRO, Marta; FIRMINO, Rodrigo (Orgs.). Vigilância e Visibilidade - Espaço, tecnologia e identificação, Porto Alegre, Editora Sulina, 2010. ANTOUN, Henrique; MALINI, Fábio. Ontologia da liberdade na rede: a guerra das narrativas na internet e a luta social na democracia. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 17, n. 3, pp. 286-294, dez. 2010. Disponível em <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/8196>. Acesso em 10 nov. 2012 BRUNO, Fernanda. Mapas de Crime: vigilância distribuída e participação na cultura contemporânea. 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