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Departamento de Educação DO ORAL AO ESCRITO: O erro fonológico no 1º CEB Nome: Ana Cristina Guerra Coimbra 2011 ESEC ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE COIMBRA Instituto Politécnico de Coimbra Departamento de Educação Área da Língua Portuguesa DO ORAL AO ESCRITO: O erro fonológico no 1º CEB Dissertação de Mestrado em Ensino do Português Elaborado por: Ana Cristina Santos Pereira Guerra Orientadora: Professora Doutora Isabel Sofia Calvário Correia COIMBRA, JUNHO DE 2011 Agradecimentos À Professora Doutora Isabel Sofia Calvário Correia, pela competência demonstrada e o tempo que generosamente me dedicou, transmitindo-me o otimismo e o incentivo, cruciais para a conclusão deste trabalho. À Gladys pela sua amizade e presença À minha mãe Ao meu pai Aos meus filhos, Inês e Miguel RESUMO No quotidiano das nossas salas de aula promove-se o ensino e a apropriação dos códigos da leitura e escrita e enfatiza-se o treino explícito da oralidade. Corrobora para o efeito a legislação vigente e o enfoque das políticas educativas. Os estudos que apresentamos surgiram da inquietação que tem acompanhado a nossa prática pedagógica enquanto docentes em relação aos erros ortográficos dos nossos alunos. Procurámos perceber a importância da Consciência Fonológica e por que é que esta possui relevância nas fases iniciais de aprendizagem. Estudámos apenas os erros fonológicos, e tipificámos a sua ocorrência. Os erros foram recolhidos dos trabalhos de produção textual dos alunos pelos diferentes anos de escolaridade e classificámo-los de acordo com a tipologia criada para os erros fonológicos. Após a análise das ocorrências apresentadas auscultámos, através de um questionário, os docentes por forma a perceber qual a importância do erro ortográfico na sua atividade, o que sabem acerca dos erros ortográficos e quais as estratégias que utilizam para a mitigação dos mesmos. Por fim e conforme bibliografia existente apresentámos sugestões de atividades. Palavras – Chave: Consciência Fonológica; Ortografia; Sílaba, Erro fonológico, Fonema, Grafema, Fronteira de Palavra ABSTRACT In everyday life our classrooms promote the teaching and the ownership of the codes of reading and writing with emphasis placed on the training explicit in oral work. The present case study arose from the unrest which accompanied our teaching practice, as teachers, in relation to the spelling errors of our students. We tried to understand the importance of phonological awareness and why this is so important in the early stages of the learning process. We only studied the phonological errors and logged the regularity of the errors. The errors were collected form the works of writing by students of different grades and classified according to the typology created for those phonological errors. Teachers were given a questionnaire to complete about their knowledge of phonetic spelling errors. Their answers were collated and analysed. This analysis led to the awareness of the importance of each teacher‟s understanding of errors which could occur within lessons and the strategies teachers could use during lessons to help students avoid future spelling errors. In conjunction with the strategies, and in accordance with the literature studied, we have also included suggested teaching activities to be used in the classroom. Key-Words: Phonological Awareness, Spelling, Syllable, Phonological Error, Phoneme, Grapheme, Word Boundary ÍNDICE INTRODUÇÃO............................................................................................................................................... 9 CAPÍTULO I ................................................................................................................................................. 12 1. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO ....................................................................................................... 12 2. A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA ....................................................................................................... 16 3. O CONCEITO DE CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA ........................................................................... 19 3.1 A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NO ENSINO FORMAL ........................................................................... 20 4. ORTOGRAFIA E COMPETÊNCIA ORTOGRÁFICA ........................................................................ 21 4.1 UNIDADES DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA .......................................................................................... 24 4.1.1 A SÍLABA...................................................................................................................................................... 24 4.1.2 O FONEMA .................................................................................................................................................. 26 CAPÍTULO II – ESTUDO EMPÍRICO ..................................................................................................... 27 1. PERTINÊNCIA DO ESTUDO EMPÍRICO .......................................................................................... 27 2. OS ERROS FONOLÓGICOS ............................................................................................................... 29 2.1 FRONTEIRA DE PALAVRA ........................................................................................................................... 29 3. CONSTITUINTES SILÁBICOS .......................................................................................................... 31 3.1 ATAQUE RAMIFICADO ................................................................................................................................. 31 3.2 ATAQUE SIMPLES .......................................................................................................................................... 32 3.3 RIMA................................................................................................................................................................. 33 3.3.1 NÚCLEO....................................................................................................................................................... 33 3.3.2 CODA........................................................................................................................................................... 35 4.CORRESPONDÊNCIA FONEMA/GRAFEMA ................................................................................... 37 5.CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ERROS FONOLÓGICOS RECOLHIDOS ....................................... 37 CAPÍTULO IV - REPRESENTAÇÕES DOS PROFESSORES ACERCA DOS ERROS ORTOGRÀFICOS ....................................................................................................................................... 44 1.REFLEXÃO SOBRE OS QUESTIONÁRIOS....................................................................................... 44 CAPÍTULO V - ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA CORREÇÃO DO ERRO ORTOGRÁFICO FONOLÓGICO ............................................................................................................................................ 46 1. MITIGAÇÃO DO ERRO ...................................................................................................................... 46 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................... 52 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................... 55 ANEXO I - Metas Implicadas No Nosso Estudo ............................................................................................ 61 ANEXO II - Questionários ............................................................................................................................. 63 VII ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Ataque Vazio.......................................................................................................................... 24 Figura 2 – Ataque Simples ...................................................................................................................... 24 Figura 3 – Ataque Ramificado ................................................................................................................. 24 Figura 4 – Rimas não ramificadas ........................................................................................................... 25 Figura 5 - Rimas ramificadas - Núcleo .................................................................................................... 25 Figura 6 – Rimas ramificadas - Coda ...................................................................................................... 25 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 – Erros de fronteira de palavra .................................................................................................. 29 Tabela 2 – Erros do constituinte silábico: ataque ramificado ................................................................... 31 Tabela 3 – Erros do constituinte silábico: ataque simples ........................................................................ 33 Tabela 4 – Erros do constituinte silábico ao nível do núcleo ................................................................... 34 Tabela 5 – Erros do constituinte silábico ao nível da Coda ..................................................................... 36 Tabela 6 – Erros ao nível da correspondência fonema/grafema ............................................................... 38 VIII O ERRO FONOLÓGICO NO 1º CEB INTRODUÇÃO Enquanto professores, temos o comprometimento de um desejado sucesso nas competências de literacia1, e somos confrontados com os baixos níveis dos alunos em observações e estudos como o PISA somos confrontados com os baixos níveis literácitos dos alunos apurados em observações e estudos como o PISA. Essas análises espoletaram estudos e reflexões que têm procurado as causas desta iliteracia por forma a alterar tal facto. Consequentemente, para melhorar os níveis de compreensão de leitura e de expressão oral e escrita em todas as escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico (1ºCEB), o Ministério da Educação lançou, em 2006, o Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP), visando «melhorar os níveis de compreensão de leitura e de expressão oral e escrita em todas as escolas do 1.º ciclo, num período entre quatro a oito anos, através da modificação das práticas docentes do ensino da língua» (Despacho nº 546/07, de 11 de janeiro ponto 3). Estas práticas centravam-se nas escolas ou agrupamentos, utilizavam metodologias sistemáticas e estratégias explícitas de ensino da Língua na sala de aula, não descurando o desenvolvimento da capacidade comunicativa dos professores, considerada hoje também uma competência profissional do docente, qualificado como “sujeito que observa, pensa, fala e age” (Alarcão, 1998, p. 22). Aprender a escrever corretamente, respeitando as convenções ortográficas é uma das competências primordiais do primeiro ciclo. Algumas crianças aprendem com facilidade, todavia outras há que travam uma batalha incessante, sendo que muitas delas acabam a escolaridade apresentando graves deficiências na ortografia e por consequência terão o futuro dificultado. Neste contexto e tendo em conta a preocupação que os professores do 1º CEB manifestam sobre os erros ortográficos e da importância que lhes atribuem nas suas práticas curriculares, iremos procurar erros ortográficos de caráter fonológi- 1 De acordo com o conceito utilizado no PISA “remete para a capacidade dos alunos aplicarem os seus conhecimentos e analisarem, raciocinarem e comunicarem com eficiência, à medida que colocam, resolvem e interpretam problemas numa variedade de situações concretas” (OECD, 1999 e 2003; GAVE, 2001). 9 O ERRO FONOLÓGICO NO 1º CEB co, ou seja os que se identificam pela interferência da linguagem oral e pelo pouco conhecimento explícito relativamente à fonologia da língua materna. A abordagem que nos propomos fazer ancorou nas aprendizagens efetivadas na Formação do PNEP e da preeminência atribuída à Consciência Fonológica, pois do seu correto desenvolvimento depende um melhor desempenho dos alunos, quer na escrita, quer na leitura sendo considerada “como uma metodologia essencial para a formação de uma proficiente expressão oral, para a promoção da decifração e compreensão leitora e competência ortográfica” (Correia, 2010, p. 119). Os vários estudos nacionais e internacionais sobre a temática reforçam a importância da precocidade do seu treino com exercícios específicos e preparados para o efeito antes e durante a aprendizagem do sistema alfabético. O sistema alfabético faz apelo a uma competência cognitiva que na generalidade as crianças não possuem à entrada na escola, nomeadamente a capacidade de identificar e de isolar conscientemente os sons da fala (Freitas et al., 2007, Paulino, 2009), principalmente nas fases iniciais da aquisição do sistema ortográfico. O treino e desenvolvimento desta competência, a Consciência Fonológica (CF) permite identificar e manipular as unidades do oral (Freitas, 2007), e promove a capacidade de perceber que as palavras são constituídas por sons, os fonemas e que a esses fonemas correspondem letras, ou grafemas, promove uma melhor aquisição da ortografia, na medida em que a aprendizagem da correspondência fonema/grafema está fortemente dependente da consciência fonológica da criança (Nunes et al., 1997). Dentro desta temática, no nosso trabalho procurar-se-á perceber três coisas: 1- A tipologia do erro em estreita relação com a Consciência Fonológica; 2- Estratégias de consciência Fonológica usadas por docentes dos níveis de escolaridade em que se detetaram os erros; 3- Sugerir exercícios de Consciência Fonológica com vista a diminuir a incidência desses erros. Elaborámos um questionário de resposta aberta para os professores dos quatro anos de escolaridade cujo o intuito era verificar quais as representações dos professores de Língua Portuguesa do ensino básico acerca do erro ortográfico e se 10 O ERRO FONOLÓGICO NO 1º CEB existem diferenças no modo como o perspetivam concebem. É também nosso objetivo constatar algumas das práticas curriculares privilegiadas pelos referidos professores como forma de prevenir e corrigir os erros ortográficos dos seus alunos. Os exercícios que apresentamos foram recolhidos de obras de diferentes autores. 11 CONTEXTUALIZAÇÃO CAPÍTULO I 1. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO O reconhecimento da importância da língua materna enquanto aspeto fundamental para a estruturação do raciocínio, comunicação e socialização funciona como um trampolim para novos conhecimentos e aprendizagens. Estamos conscientes da sua pertinência como alicerce de todas as aprendizagens que realizamos ao longo da vida e da sua transversalidade. Esta ideia-chave perdurou ao longo dos sucessivos governos, quer em termos nacionais, quer a nível mundial. Nesta linha de pensamento podemos referir, a Lei de Bases do Sistema Educativo Português (LBSE), publicada em 1986, que determina a necessidade de assegurar, no ensino básico, uma formação geral para todos os portugueses (artigo 7.º, alínea a), referindo-se a harmonia entre o saber fazer e o saber estar, a teoria e a prática, a cultura escolar e a do quotidiano (alínea b), como fazê-lo sem recorrer ao “ desenvolvimento da linguagem oral e a iniciação e progressivo domínio da leitura e da escrita? “(artigo 8.º, ponto 3, alínea a)”. Na verdade este é um dos objetivos do 1º ciclo do ensino básico, atendendo que a Lei n.º 46/86 de 14 de outubro (LBSE) também refere que a articulação entre os diferentes ciclos obedece a uma sequencialidade progressiva, entendendo-se que os conhecimentos devem ser completados e aprofundados (artigo 8.º, ponto 2) e que o ensino-aprendizagem da língua materna “deve ser estruturado de forma que todas as outras componentes curriculares dos ensinos básico e secundário contribuam de forma sistemática para o desenvolvimento das capacidades do aluno ao nível da compreensão e produção de enunciados orais e escritos em português” (artigo 48.º, ponto 7). Acresce que o que está preconizado na Lei n.º 46/86 de 14 de outubro é, mencionado num contexto mais alargado, ao nível das políticas mundiais, nomeadamente pela UNESCO na Declaração Mundial sobre Educação para todos em 1990, (artigo 5.º): as necessidades básicas de aprendizagem de jovens e adultos são diversas, e devem ser atendidas mediante uma variedade de sistemas. Os programas de 12 CONTEXTUALIZAÇÃO alfabetização são indispensáveis, dado que saber ler e escrever constitui uma capacidade necessária em si mesma, sendo ainda o fundamento de outras habilidades vitais. A alfabetização na língua materna fortalece a identidade e a herança cultural. Mais recentemente, na mensagem da Diretora-Geral da UNESCO por ocasião do Dia Internacional da Língua Materna, é mencionado que as línguas maternas e a diversidade linguística são elementos fundamentais para a identidade das pessoas. Como fontes de criatividade e meios para a expressão cultural, elas também são importantes para a saúde das sociedades, além de serem fatores de desenvolvimento e crescimento. Hoje conhecemos a importância do ensino na língua materna para obtermos bons resultados de aprendizagem (UNESCO, 2010). Em Portugal a LBSE foi um documento que veio definir aspetos fulcrais sobre o sistema educativo português abrindo espaço para discussões em torno da organização curricular, não se dissociando em tempo algum das questões ligadas à aprendizagem da língua materna. Os documentos preparatórios elaborados em 1987 foram cruciais na estrutura e organização dos planos curriculares do ensino básico e secundário, onde se patenteou que, a LBSE cabia a harmonização das aprendizagens. Em 1997, o relatório Reflexão Participada sobre os Currículos do Ensino Básico aludia à importância da aprendizagem e do domínio das habilidades linguísticas, quando ao mencionar que a língua materna é, enquanto vetor de comunicação “um instrumento fundamental da identidade nacional, passa a ser função de todos os docentes e contributo dos restantes componentes curriculares e a produção de enunciados orais e escritos corretos e fluentes” (ME, 1997, p.190). Posteriormente, Sim Sim, Maria José Ferraz realizaram um estudo onde foram apresentados os objetivos e necessidades da educação básica no que concerne à língua materna, suportado num axioma de extrema relevância, “a proficiência linguística, nas suas diversas componentes, é o grande fator de sucesso escolar e social, do indivíduo (…) é função da escola promover esse mesmo sucesso” (1997, p. 12). As mesmas investigadoras fazem referência às competências nucleares e níveis de desempenho, o que traduz a fundamentação teórica e didática da aprendizagem da língua materna no ensino básico. Na sua opinião, “os níveis atingidos 13 CONTEXTUALIZAÇÃO por cada sujeito na compreensão do oral, na leitura, na expressão oral, na expressão escrita e no conhecimento explícito determinam o seu nível de mestria linguística, pelo que elas constituem as competências nucleares a ter em conta no ensino da língua materna” (Sim Sim et al., 1997, 26). Da mesma forma a Organização Curricular e Programas do Ensino Básico refere que um dos objetivos do ensino básico é promover: “o domínio progressivo dos meios de expressão e de comunicação verbais e não verbais (…) a compreensão da estrutura e do funcionamento básico da língua portuguesa em situações de comunicação oral e escrita”, “o conhecimento dos valores característicos da língua, história e cultura portuguesas; o reconhecimento de que a língua portuguesa é um instrumento vivo de transmissão e criação da cultura nacional, de abertura a outras culturas e de realização pessoal” (ME, 1998, p. 14). Daqui ressaltam os vocábulos, «domínio progressivo», «conhecimento», «reconhecimento», «compreensão», «transmissão e criação», que numa primeira abordagem nos levaria a perceciona o aluno mais como um recetáculo do que como um produtor, um criador, o seu papel seria mais estático do que dinâmico. Todavia recordando a articulação e a transversalidade entre os diferentes ciclos, não podemos deixar de referir que à medida que o aluno vai progredindo nos estudos, também as suas habilidades e competências linguísticas vão aumentando, traduzindo-se numa melhor apropriação/correção e desempenho. Desta forma, trata-se de aproveitar o conhecimento que a criança possui, estimulando-o para que progrida. O enfoque das políticas educativas na gestão flexível, na reorganização curricular resultou na publicação de documentos e de legislação que têm vindo a constituir um espólio riquíssimo, sobre o qual se fundamenta a ação dos professores portugueses, designadamente o decreto de lei nº 6/2001 de 18 de janeiro que veio reforçar o “núcleo central do currículo nos domínios da língua materna e da matemática” e na sua sequência, o surgimento do Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais, onde estão definidas as competências gerais que devem ser desenvolvidas e que traduzem o perfil do aluno à saída do ensino básico, entre as quais se destaca: “usar corretamente a língua portuguesa para comu14 CONTEXTUALIZAÇÃO nicar de forma adequada e para estruturar o pensamento” (ME, 2001, p. 15). Neste referencial são, também, determinadas competências específicas por área curricular, apontando-se para a disciplina da língua portuguesa o desenvolvimento de competências específicas no domínio de modo oral, escrito e do conhecimento explícito da língua. No modo oral incluímos a compreensão e a expressão, sendo que a primeira designa a capacidade de dar sentido aos discursos orais, compreendendo a receção e a decifração da mensagem com recurso aos conhecimentos adquiridos, a segunda reporta-se à capacidade para “produzir cadeias fónicas dotadas de significado e conformes à gramática da língua” (ME, 2001, p. 32). Já no modo escrito consideramos a leitura enquanto capacidade interativa que favorece a descodificação de “cadeias grafemáticas” e em simultâneo permite a triagem de informação e a estruturação do próprio conhecimento. A expressão escrita é um produto final provido de significado, onde está contida a aprendizagem das correspondências som/letra, obedecendo, porém a convenções linguísticas, próprias da língua (ME, 2009). De acordo com os novos Programas do Ensino Básico (2009) a aprendizagem da escrita recorre ao desenvolvimento de três competências indispensáveis, “gráfica, alusiva ao desenho das letras, ortográfica que é relativa ao domínio das convenções da escrita e compositiva que refere-se aos modos de organização das expressões linguísticas para formar um texto” (ME, 2009, p. 16). Assim, ao refletirmos sobre a língua estamos necessariamente a considerar o modo oral e o modo escrito, desenvolvendo deste modo a consciência linguística, convergindo para a passagem do conhecimento implícito para o explícito. Por conseguinte, o conhecimento explícito da língua (CEL), domínio sobre o qual incidirá o nosso estudo, assenta na instrução formal influenciando o desenvolvimento de processos metacognitivos traduzindo a capacidade de “sistematizar unidades, regras e processos gramaticais do idioma, levando à identificação e à correção do erro” (ME, 2009, p. 16). Desta forma, o professor tem que promover junto dos alunos o desenvolvimento da consciência linguística através da obser15 A ESCRITA vação, comparação e manipulação de dados conduzindo à sistematização e explicitação de regularidades do funcionamento da língua para chegar à “mobilização dos conhecimentos adquiridos na compreensão e na produção de textos orais e escritos” (ME, 2009, p. 70). Ao nível do 1º ciclo do ensino básico apurámos que o conhecimento explícito da língua (CEL) contempla o plano fonológico, morfológico, sintático, lexical, semântico, discursivo e textual, representação gráfica e ortográfica. Os níveis de desempenho e os conteúdos são apresentados no 1º ciclo para os primeiros dois anos de escolaridade e para os últimos dois anos, facultando ao docente a oportunidade de projetar de modo pessoal, a planificação das atividades de ensino e os ritmos de aprendizagem mais ajustados às necessidades (ME, 2009, 70). Com a publicação dos novos programas do ensino básico, a consciência fonológica é, atualmente, uma área do CEL a trabalhar, o que comparativamente aos programas dos anos anteriores não acontecia, sendo-lhe finalmente reconhecida a pertinência e dando-lhe a sistematicidade e a consistência, enquanto metodologia para a estimulação da oralidade (Freitas, 2000). Pelo exposto, acreditamos que as competências linguísticas estão intrinsecamente associadas à aprendizagem formal, explícita e intencional. Segundo Barbeiro (2007, p. 40), para facultar ao aluno um bom domínio da ortografia, é forçoso que o professor “esteja consciente das características ortográficas da língua, das dificuldades de aprendizagem que poderão ser seguidas para alcançar esse domínio e para possibilitar a descoberta e conquista das possibilidades de escrita”. Desta forma, oralidade, fonologia, ortografia e escrita andam de mãos dadas e contribuem para o sucesso pleno da aprendizagem. 2. A IMPORTÂNCIA DA ESCRITA A língua escrita está intrinsecamente associada aos «processos de dominação/poder, participação/exclusão» subjacente às relações sociais. Na verdade ela é designada, de acordo com Vigotski (1998) citado por Brito (2007, p.2), como um 16 A ESCRITA “sistema de signos socialmente construídos”, inventados pelo homem, no seu percurso evolutivo, em resposta às suas necessidades socioculturais Assim a apropriação da escrita pode ser entendida como um processo cultural, histórico, social, com implicações no desenvolvimento cognitivo dos povos, traduzidas nas mudanças operacionalizadas nas práticas comunitárias (Tfouni, 1997). Nesta perspetiva, a existência da ortografia surge como algo que ajudou a orientar e a padronizar a escrita pelo que também ela se reveste de um valor social, remetendo-se para a sociedade o papel de «carta de recomendação», que nos permite, por um lado atestar a existência de instrução e por outro lado, realizar a diferenciação social entre indivíduos (Barbeiro, 2007). De facto o valor social e cultural da ortografia reporta-nos para três aspetos distintos, associados ao “domínio das regras ortográficas e às consequências que o seu desconhecimento pode originar na vida futura dos indivíduos (…), a saber: a capacidade de a pessoa interiorizar as normas associadas à produção escrita, o grau de instrução e de literacia que poderá corresponder a uma maior ou menor nível de instrução e de contacto com a leitura e por fim, o nível de sucesso conseguido na aprendizagem escolar” (Barbeiro, 2007, p. 9). A literacia do indivíduo surge como algo que decorre de práticas e usos da escrita, quer em contexto social, quer em contexto familiar, a sua participação em atos do quotidiano triviais como o ler uma revista, livro, jornal ou escrever um recado, uma carta, usar produções escritas permite percecionar as diferentes formas de apresentação do texto escrito, bem como identificar os seus diferentes sentidos e funções. Estas, de acordo com Kleiman (1998), (citado por Brito, 2007, p.3), transcendem a socialização primária, alicerçando-se, nas aprendizagens escolares, já que é na instituição escolar ao longo do seu processo de alfabetização que a criança amplia os seus saberes linguísticos a partir do uso reflexivo da língua nas variadas situações de seu funcionamento. Acresce ainda que a aprendizagem da escrita e da leitura são processos dinâmicos e pessoais, cada um de nós tem um ritmo diferente de realizar a sua apropriação, assim como cada um de nós tem todo um passado que reflete vivências e 17 A ESCRITA experiências que facilitam ou dificultam as aprendizagens subsequentes, pelo que é natural que, no contexto escolar, as crianças se situem em níveis de alfabetização diferentes. Na mesma ótica há que refletir sobre a subjetividade existente na representação gráfica de palavras, na sua segmentação e a organização espacial da grafia. Também a relação fala/escrita assume pertinência, atendendo que quando as crianças iniciam a aprendizagem relativa à representação gráfica tendem a escrever como fala, assumindo, muitas vezes, características sociais e culturais dos meios de onde são oriundas, o que se traduz na sua transcrição fonética. Segundo Cagliari: nos primeiros contatos com a escrita, o aluno ouve o professor dizer que o nosso sistema é alfabético e que isso significa que escrevemos uma letra para cada som falado nas palavras. O nosso sistema usa letras, às quais são atribuídos valores fonéticos. Mas o uso prático desse sistema não se reduz a uma transcrição fonética. Portanto, o professor não pode dizer simplesmente para o aluno observar os sons da fala, as vogais, as consoantes, e representá-las na escrita por letras. Esse é o primeiro passo, mas não é tudo. Feito isso, o aluno precisa aprender que, se cada um escrevesse do jeito que fala, seria um caos (Cagliari, 1998, p.4). A escola, enquanto instituição responsável pelo espoletar de competências de aprendizagem nas crianças, assume um papel preponderante no que diz respeito à orientação e padronização do ato de escrever, a ortografia. A compreensão da natureza das relações entre a fala e a escrita são fundamentais para o sucesso educativo dos nossos alunos, «o primeiro passo para conhecer o que significa escrever é comparar essa habilidade com outra habilidade: a de falar» (Araújo A, et al, 2007) Desta forma as orientações ministradas pelo professor aquando o inicio da aprendizagem é de especial importância, já que poderão auxiliá-los a compreender e aplicar as regras subjacentes à grafia das palavras, bem como aplicar os usos funcionais de escrita. Nos nossos alunos tende a refletir-se um nível deficiente no domínio da ortografia, na sua relação com a escrita. Quando na sua produção textual os erros ortográficos são numeroso, podem marcar o texto e a própria escrita do aluno, pelo que devemos ter em conta estes aspetos e procurar as vias que permitam aos alunos superar as dificuldades que encontram nestes processos (Barbeiro, 2007, p. 18 A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA 9). Este reconhecimento permite ao professor delinear estratégias ou vias de aprendizagem para atingir o domínio da forma das palavras. 3. O CONCEITO DE CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA Ao longo das últimas décadas, as dificuldades apresentadas pelas crianças na aprendizagem da leitura e da escrita têm merecido a atenção de diferentes profissionais. As investigações mais recentes nesta área realçam o papel determinante das habilidades do processamento fonológico, especialmente a consciência fonológica. A Consciência Fonológica é, habitualmente, definida como a capacidade de explicitamente identificar e manipular as unidades do oral (Freitas et al., 2007). Sim-Sim (1998). Considera-se a Consciência Fonológica dividida em três níveis: A consciência silábica, quando há capacidade de isolar sílabas dentro da palavra, a consciência intrassilábica, quando se isolam unidades dentro da sílaba e a consciência fonémica, quando discrimina sons da fala (Herrera e Defior, 2005; Sim-Sim, 2006, 2009). Os níveis apresentados implicam operações cognitivas diferenciadas. O modo mais simples de proceder a tal análise é o das unidades silábicas que compõem as palavras. Considera-se que a sílaba é a primeira unidade linguística a emergir (Duarte, 2000, p. 249). Vários estudos têm salientado que a criança consegue fazer a divisão silábica das palavras antes do seu ensino formal (Adrian et al., Morais, et al., 1979; Carillo, 1994; Carillo e Marin, 1996; Defior e Herrera, 2003). A consciência silábica “precede o da consciência das outras unidades fonológicas inferiores (constituintes silábicos e sons da fala)” (Freitas M., 2007, p. 12) . A consciência intrassilábica, pressupõe a capacidade de manipular grupos de sons dentro da sílaba e de acordo com Freitas (2007) existe um número reduzido 19 A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA de crianças com sensibilidade às unidades segmentais à entrada da escola. A consciência fonémica implica identificar as unidades mínimas num enunciado oral. Sim-Sim (1998) patenteia que as crianças revelam um fraco ou inexistente desenvolvimento de consciência fonémica à entrada na escola. Esta apropriação de consciência de que as palavras são constituídas por diversos sons é fundamental no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez que aprender a ler e a escrever exige necessariamente que o aluno compreenda o sistema da escrita alfabético, o qual pressupõe a capacidade de decompor e compor os sons da fala (Soares e Martins, 1989). Além disso, a sílaba é como dissemos, conclusões o facto da sílaba ser um dos primeiros constituintes a ser adquirido e é mais fácil a sua manipulação em detrimento dos fonemas. Portanto, consideramos que “an understanding of the syllable structure is essential for an understanding of the phonological organization of the language” (Spencer, 1996, p. 74). 3.1 A CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NO ENSINO FORMAL No sistema de ensino português não existia um “espaço” oficial para o treino efetivo da Consciência Fonológica. Atualmente com a aprovação dos novos programas a serem ministrados a partir do próximo ano letivo para os primeiro, segundo e terceiro ciclos, a Consciência Fonológica é, como já dissemos, considerada como um domínio e insere-se no Conhecimento Explícito da Língua (CEL). A consciência fonológica é importante e influi direta e substancialmente nas capacidades linguísticas mais especificas como é o caso da ortografia. O Currículo Nacional do Ensino Básico organiza-se em torno de cinco competências específicas: compreensão do oral, a expressão oral, a leitura, a expressão escrita e o conhecimento explícito da língua. No PPEB, para cada competência são elencados descritores de desempenho que se centram em cada uma das competências aludi- 20 ORTOGRAFIA das. As metas de aprendizagem2 funcionam como estrutura organizativa que considera simultaneamente a confluência de diversas competências e operacionalização das aprendizagens em causa, permitindo a especificidade e perspicuidade aos referenciais de aprendizagem esperados. Os referenciais de aprendizagem para a Língua Portuguesa (Metas) organizam-se em Domínios de Referência que correspondem às áreas das competências essenciais do Currículo Nacional, por sua vez estão arquitetadas em subdomínios, Organizadores de Aprendizagem, que permitem uma leitura mais abrangente por domínio de referência (Ministério da Educação, 2010). (Anexo1) 4. ORTOGRAFIA E COMPETÊNCIA ORTOGRÁFICA A ortografia é a maneira correta de escrever as palavras. Também para Alves (1994, p. 1), a ortografia “é o estudo da figuração exatados sons, ou da escrita correta das palavras [e cuja] diferença entre a pronúncia e a grafia, entre a língua falada (…) e a língua escrita (…) provoca dificuldades graves aos que escrevem”. Desta constatação surgem-nos duas evidências: a ortografia está sujeita a um conjunto de normas formalmente oficializadas e reconhecidas pela sociedade e a sua aplicabilidade prática implica a produção escrita, resultante da utilização de mecanismos de caráter mental e também de caráter motor por forma a obter um bom desempenho na escrita. Sendo a ortografia uma forma convencional de transposição do oral para o escrito, a sua corporalização dá-se fundamentalmente pela correspondência grafemas-fonemas e vice versa. Contudo, esta representação nem sempre se apresenta na sua forma mais pura, uma vez que, no dizer de Barbeiro (2006, p. 4), o sistema ortográfico de cada língua apresenta especificidades quanto aos símbolos – grafemas ou letras – com que representa os sons”. Desta forma, consoante o grau de complexidade das relações entre fonemas e grafemas, 2 Recentemente publicadas, as metas de aprendizagem de Português, que se inserem na Estratégia Global de Desenvolvimento do Currículo Nacional, construídas com os referenciais de aprendizagem de cada ciclo escolar e que pretendem atingir na língua de escolarização os conhecimentos definidos enquanto atividades formais de ensino. 21 ORTOGRAFIA os sistemas ortográficos podem ser designados de sistemas “transparentes ou superficiais” ou de “opacos ou profundos”. No primeiro caso, a língua tende a ser representada na escrita a um nível estritamente fonológico. No caso dos sistemas “opacos ou profundos”, estes refletem bastante a morfologia da língua (Perfetti, 1997). Consequentemente, nestes sistemas, pejados de irregularidades, o recurso exclusivo à fonologia não assegura a exatidão da transcrição (Fayol e Jaffré, 1999). No âmbito do nosso trabalho salientamos a fase alfabética, que é descrita especialmente pela exploração sistemática das reciprocidades entre fonia e grafia. A correspondência som/letra diz respeito aos fonemas e aos grafemas e evidenciam o funcionamento do princípio alfabético. Esta fase é iniciada aquando da descoberta pelas crianças que a escrita transcreve a linguagem oral. Muitos fatores concorrem para essa descoberta, por exemplo, “a experiência, a maturidade e a regularidade do sistema ortográfico, bem como as práticas de instrução explícita” (Fernandes, 2008). A correspondência sistemática entre sons e letras conduz a uma escrita e / ou a uma leitura de base fonológica. A fase ortográfica não aparece à posteriori da fase alfabética, ambas interpenetram-se (Fayol e Jaffré, 1999). Nesta conjuntura, a ortografia cessa de uma representação fonética e passa também à inclusão regular de marcas ortográficas e de elementos morfofonémicos. A criança atua sobre a linguagem escrita com a finalidade de apropriar-se dela, todavia, como lembra Delgado-Martins (1992, p. 12), «a escrita, na transposição de fonema para grafema, exige o estabelecimento de uma relação quase sempre não unívoca entre o oral e o escrito. Assim, um fonema pode corresponder a vários grafemas e um mesmo grafema pode corresponder a vários fonemas da língua». Sabemos que o conhecimento fonológico tem um caráter primário, inato e natural e o conhecimento ortográfico tem um caráter secundário, é aprendido e obedece a regras convencionais. Servimo-nos do conhecimento fonológico para pôr em prática o conhecimento ortográfico, ainda que estes se possam influenciar mutuamente. 22 ORTOGRAFIA A consciência fonológica é preponderante no desenvolvimento das capacidades linguísticas mais abrangentes, nomeadamente a leitura e a escrita, assim como nas capacidades linguísticas mais específicas, como é o caso da ortografia. Porém, também têm surgido algumas evidências de que a ortografia poderá, ao invés, concorrer para facilitar e evidenciar a consciência fonológica. Zorzi (2003) faz uma análise da psicogénese da escrita relacionando-a com o desenvolvimento das habilidades de consciência fonológica. Segundo o autor, a criança só avança para a fase silábica de escrita, quando se torna atenta às características sonoras da palavra, especialmente quando ela chega ao nível do conhecimento da sílaba. Em estudos desenvolvidos por Sousa (1999) foram organizadas duas investigações: uma pretendia observar o comportamento ortográfico dos alunos, com o intuito de realizar uma radiografia da situação ortográfica em Portugal. Para tal, observou alunos nos anos terminais dos1.º, 2.º, 3.ºciclos e do 11º ano de escolas da zona Norte, Centro e Sul do país; a outra contemplou duas turmas de alunos do 9º ano, tendo em vista a observação das relações entre o erro ortográfico e algumas variáveis do perfil cognitivo dos sujeitos e o domínio de outras competências linguísticas. Neste mesmo estudo também foram tipificados os tipos de erros cometidos pelos alunos, tendo o autor verificado que o tipo de erro mais frequente em todos os ciclos é o das grafias homófonas. Entre outras conclusões verificou que a maior parte dos erros são foneticamente corretos, mas graficamente incorretos. Na análise efetuada pelo autor, verificou que o saber fonético/fonológico é aquele que mais se associa à redução do erro ortográfico, o que o levou a afirmar que “a melhoria da competência ortográfica na Língua Portuguesa pode passar pela melhoria da consciência fonológica. 23 A SÍLABA 4.1 UNIDADES DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA 4.1.1 A SÍLABA A cadeia da fala poder-se-á segmentar em várias unidades: as sílabas, os constituintes silábicos e os sons da fala (Freitas, 2007, p. 15). A sílaba (representada por σ) agrupa os sons dentro da palavra e facilmente se deteta a fronteira da mesma, quer por letrados quer por iletrados. Qualquer falante do português divide intuitivamente a palavra «bola» em duas sílabas e a palavra «cavalo» em três sílabas. As sílabas expostas correspondem à estrutura silábica mais corrente nas línguas: uma consoante seguida de vogal (estrutura CV), comummente designada de padrão silábico universal. Os seus constituintes silábicos apresentam-se hierarquicamente organizados (Duarte, 2000). O Núcleo (Nu) é o único constituinte em português forçosamente preenchido, normalmente por uma vogal ou por um ditongo. O Ataque (A) é o elemento silábico que domina uma ou duas consoantes à esquerda do núcleo. A Coda (Cd) é o componente silábico posterior ao núcleo formado por uma consoante ( l, r ou s). O Núcleo e a Coda fazem parte do constituinte hierarquicamente superior, a Rima (Freitas, 2007, p. 16, 17 e 18). Os constituintes silábicos (estrutura/organização) no português obedecem a alguns princípios e regras que orientam o seu funcionamento. O ataque pode ser de três tipos, simples (preenchidos apenas por um segmento), vazio (não é preenchido a nível fonético por nenhum segmento) ou ramificado (preenchidos por dois segmentos), que estão representados em 1, 2 e 3. Diagrama em árvore (até, rato, frito) σ σ A R A R Ø a Figura 1 – Ataque Vazio R A Nu N Ø σ (té) r a Figura 2 – Ataque Simples R Nu (to) f r i (to) Figura 3 – Ataque Ramificado 24 A SÍLABA Relativamente à Rima, apresenta uma estrutura binária: o núcleo e a coda, que é opcional. Todas as vogais orais podem ser núcleo de sílaba em português, constituindo os chamados núcleos simples (4). Os ditongos decrescentes (vogal+glide) constituem os chamados núcleos ramificados (5) (Mateus e Andrade 2000, Mateus, 2003). A coda pode ser de dois tipos, a coda não ramificada, preenchida por uma consoante, e a coda ramificada ( pouco frequente em português), preenchida por mais do que uma consoante, por exemplo, o que ocorre na palavra perspetiva. Diagrama em árvore (dá, cauda, pasta) σ σ A R σ A R Nu Nu d á A c a u (da) Figura 4 – Rimas não ramificadasFigura 5- Rimas ramificadas - Núcleo p R N Cd a s (ta) Figura 6 – Rimas ramificadas - Coda A importância da sílaba remete para a compreensão de muitos processos fonológicos, de facto, a maioria deles ocorrem ao nível da sílaba (Spencer, 1996). As palavras organizam-se conforme princípios determinados, através dos constituintes da sílaba e a forma como se organizam. A análise de dados de escrita inicial evidencia que a representação gráfica de certos segmentos e estruturas silábicas são passíveis de serem grafados erradamente devido à sua complexidade. É neste contexto que os erros ortográficos, e especificamente os erros fonológicos, revelam as dificuldades das criança em relação ao reconhecimento de tais estruturas, pelo que o desenvolvimento da consciência fonológica poderá ser um fator preditivo para a aquisição dos processos de escrita. Corrobora para este efeito, o fato da sílaba ser um dos primeiros constituintes a ser adquirido e ser mais fácil a sua manipulação em detrimento dos fonemas. 25 O FONEMA 4.1.2 O FONEMA Os fonemas que constituem a sílaba formam a menor unidade sonora de uma língua que “estabelece contraste de significado para diferenciar palavras (Correia, 2010). A segmentação dos sons da sílaba reporta-nos para a consciência fonémica que implica a identificação consciente do fonema através do isolamento dos componentes da sílaba (Sim-Sim, 1998, p. 232). Esta tarefa comparativamente à consciência silábica é tardia e complexa e de acordo com ( Sim-Sim, 1998) “o domínio da leitura e da escrita melhora os níveis de desempenho da consciência fonémica”. Considerando que a escrita alfabética assenta na correspondência som/letra, apesar da sua opacidade, torna-se clara a relação entre consciência fonémica e a aprendizagem da leitura/escrita. 26 ESTUDO EMPÍRICO CAPÍTULO II – ESTUDO EMPÍRICO 1. PERTINÊNCIA DO ESTUDO EMPÍRICO O estudo empírico realizado envolveu alunos dos quatro anos de escolaridade, do Agrupamento Brás Garcia de Mascarenhas, de Oliveira do Hospital, já mencionado anteriormente, e foram recolhidos em três escolas da periferia e na escola sede, a da cidade. Considerámos o estudo pertinente atendendo a que os erros recolhidos surgiram das produções escritas dos alunos, de forma aleatória e sem quaisquer tipo de fatores que pudessem induzir o seu produto e que apenas seriam ilustrativos das dificuldades ortográficas, com que nos deparamos no dia a dia em situação de trabalho nas salas de aula. Todas as turmas envolvidas foram sujeitas no início da sua escolarização, aos métodos sintético/analítico ou sintético-analítico3. Foram recolhidos 20 textos por ano de escolaridade, nas escolas da periferia e da cidade. Os alunos envolvidos não estavam referenciados como alunos com dificuldades de aprendizagem. Os professores titulares de turma, a quem foi solicitada ajuda, prontamente nos fizeram chegar diferentes tipos de textos, privilegiando a escrita criativa em detrimento da escrita reprodutiva dos alunos. O número de alunos envolvidos estava distribuído pelos quatro anos de escolaridade equitativamente. Após a recolha, procurámos distribuir os erros tendo em conta a sistematização apresentada por Barbeiro (2007), resultante da análise de várias tipologias ou categorizações de erros ortográficos referidos em numerosos estudos, entre eles Mateus (1962), Pinto (1998), Pereira 1995), Silva (2001), Ferreira (2002) e Zorzi 3 O método sintético ou método silábico consiste no trabalho com as letras (ou sons) para formar sílabas e formar palavras que, normalmente, tem como função memorizar as letras. A palavra é apresentada de forma isolada, repetindo-se até conseguir a memorização. O Método analítico parte do todo (palavra), passando depois para a decomposição. Método analítico-sintético, reúne as vantagens dos métodos analíticos e dos sintéticos. Parte de palavras-chave que são destacadas de uma frase para, em seguida, realizar uma decomposição em sílaba, compondo-se com estas sílabas novas palavras. (http://www.eses.pt/usr/ramiro/docs/etica_pedagogia/Alfabetizacao_Letramento%20paulo%20freire%20metodo.pdf) 27 ESTUDO EMPÍRICO (2003). Todavia apenas os erros de cariz fonológico, aqueles que «mudam o aspeto fonético (fonetismo) das palavras» (Pinto, 1998, p. 114) é que seriam alvo do nosso interesse. Barbeiro (2007) categoriza estes erros como “incorreções por falha de transcrição”4 e “incorreções por transcrição da oralidade”5. Assim, optámos por criar uma tipologia para o efeito, que passamos a enunciar e junto das tabelas posteriormente representadas será alvo de uma breve asserção. A análise que iremos fazer, será com base nas sílabas e nos seus diferentes constituintes. As grelhas apresentadas foram organizadas com os erros encontrados nos quatros anos de escolaridade, permitindo uma visão global da distribuição do número de erros, bem como as alterações ortográficas mais frequentes dos alunos no nosso quotidiano académico. Estas alterações foram dispostas pelas designações: Omissão, Inversão, Adjunção e Substituição. As tabelas foram numeradas de 1 a 7. Na tabela 1 podem ler-se os erros de Fronteira de Palavra, ponderando a junção ou separação das palavras. Os erros que se encontram ao nível das sílabas estão reunidos nas tabelas 2, 3, 4 e 5. Assim, definimos erros de Ataque Ramificado, na tabela 2, do Ataque Simples, na tabela 3, e na Rima subdivididos no Núcleo, tabela 4 e na Coda, tabela 5. A tabela 6 corresponde aos erros ortográficos em que não se verifica a correspondência Fonema/Grafema. Não sendo possível explicitar todos os erros apresentados, observamos aqueles que se afiguram mais pertinentes, comuns ou mesmo incomuns tendo em vista as dificuldades ortográficas e a abrangência conforme a tipologia apresentada. A classificação dos erros ortográficos é baseada nas categorias apresentadas por Cagliari (1998) e Zorzi (1997). 4 devidas ao processamento(segmentação, identificação e ordenação) dos fonemas ou à utilização de grafemas que não representam o som em causa (ex.: voram por foram). 5 Incorreções correspondentes à transcrição de formas ligadas a variedades e registos que diferem de formas ligadas a variedades e registos que diferem da forma representada na norma ortográfica (ex.: pescina por piscina). 28 OS ERROS FONOLÓGICOS 2. OS ERROS FONOLÓGICOS 2.1 FRONTEIRA DE PALAVRA Os erros de fronteira de palavra são caracterizados por terem repercussões não só a nível da estrutura fónica como também a nível morfológico e sintático. Caracterizam-se pela união das palavras ou segmentação das mesmas, de forma não convencional. A união ou separação incorreta de palavras é fortemente influenciada pelo enunciado oral. De acordo com Barbeiro (2007) as incorreções por inobservância da unidade gráfica da palavra, podem ser por junção das palavras, por separação de elementos de uma palavra, conforme os erros apresentados na grelha seguinte e que distribuímos por erros de Junção ou Disjunção. Tabela 1 – Erros de fronteira de palavra JUNÇÃO DISJUNÇÃO 1º ANO Aumemo (ao mesmo) Amêmas (as mesmas) em coto (encontro) a inda (ainda) a panhar (apanhar) taa memi (também) vi mus (vimos) foio (foi o) 2º ANO asseguir (a seguir) axegar ( a chegar) derepente (de repente) derrepente (de repente) ela (e lá) enbaso (em baixo) ósol (o sol) enbaiso ( em baixo) com tigo (contigo) ques tava (que estava) 3º ANO paraoto (para todos) aseguir derrepente (de repente) 4º ANO alevantar (a levantar) amandar (a mandar) encada (em cada) áprocura (à procura) de pozi (depois) envenena do (envenenado) Nufim (no fim) Na escrita alfabética, a separação das palavras com intervalos entre elas implica o conhecimento sobre a sua grafia ou tão-somente sobre o que é uma pala29 OS ERROS FONOLÓGICOS vra. Não é fácil saber onde começa ou termina uma palavra, principalmente numa primeira fase de aprendizagem. Este tipo de erro com apoio na oralidade, segundo (Zorzi, 2003) evidencia o papel da linguagem oral nos modos de escrita iniciais, levando à hipo-segmentação, aquando se verifica a junção de duas palavras ou à hipersegmentação por se fazer segmentações no interior das palavras. Outro dos argumentos apresentados por Cagliari (1998) remete-nos para a segmentação das palavras apresentadas poder ser o resultado da modulação do falante, como se regista, por exemplo em «derepente/derrepente (de repente)». Da análise feita aos erros apresentados destacamos os seguintes: «ques tava (que estava)» regista-se a omissão do fonema [e] porque foi substituído pelo [e] da segunda sílaba, ou seja houve a supressão da última vogal da palavra porque a palavra seguinte se inicia com o grafema/fonema com mesmo valor. Houve hipo-segmentação porque se juntaram duas palavras mas também se verificou a hipersegmentação ao fazer segmentações dentro da própria palavra. Temos que considerar que a palavra “tava” se utiliza na oralidade com muita frequência, em qualquer faixa etária, e com diferentes níveis de instrução. O aluno escreveu conforme diz “ques (es)tava” possivelmente porque não conhece a palavra correta “estava”. «Taa memi (também)» pode ser um erro determinado pela variedade dialetal, como também a troca de uma consoante surda por uma sonora. Por vezes estas crianças podem ou não saber como se pronuncia de forma correta. As palavras apresentadas na coluna da junção, têm uma caraterística comum, ou seja todas elas sofreram a sua ligação com palavras vazias de conceito, nomeadamente, pronomes, preposições e artigos. Também nas palavras apresentadas na coluna da Disjunção e relativa aos quatro anos de escolaridade, podemos pensar que esta separação ocorre porque as palavras de acordo com as normas ortográficas do português, são respetivamente, uma preposição ( em conto, com tigo, de pozi) e um artigo ( a inda, a panhar). Podemos também observar as ocorrências de Junção em maior número (total de 21) face às do que as ocorrências de disjunção (total de 9). 30 OS ERROS FONOLÓGICOS Paralelamente, observa-se que no decorrer dos quatro anos de escolaridade que estes erros vão reduzindo o seu número à medida que há progressão anual. 3. CONSTITUINTES SILÁBICOS 3.1 ATAQUE RAMIFICADO Nas gramáticas tradicionais, a sílaba é entendida como um grupo de sons pronunciado numa só expiração (Duarte, 2000, p. 244). É composta por constituintes silábicos hierarquicamente organizados, nomeadamente o Ataque e a Rima. 1º ANO GRAFIA CORRETA GRAFIA INCORRETA OMISSÃO INCOR- compadre compreende encontro Primavera compede compedeem Em coto Pimavera Primavera Pimavera INVERSÃO GRAFIA RETA Compadre compreende trabalhar transparente Copader compedeem tarbaliar tarparete Protegida Preto Cravo Portegida Perto Carvo ADJUNÇÃO GRAFIA CORRETA 2º ANO Compadre Flores trabalhar Compadere Feloris tarbaliar SUBSTITUIÇÃO ATAQUE RAMIF. Tabela 2 – Erros do constituinte silábico: ataque ramificado Flores Trabalhar 3º ANO GRAFIA CORRETA primavera 4º ANO GRAFIA RETA Pimavera INCOR- GRAFIA CORRETA GRAFIA INCORRETA Cérebro Brinco Cerbo Binco Admirada Fruta ademirada feruta Feloris tarbaliar «Compede (compreende)», «compedeem (compreende)», «em coto (encon tro)», «pimavera (primavera)», «cerbo (cérebro)» e «binco (brinco)»Nestas palavras verifica-se a Omissão de <r> em grupo consonântico. Regista-se um erro 31 OS ERROS FONOLÓGICOS numa sílaba de estrutura mais complexa, CCV. O treino da CF de forma sistemática é muito importante e está diretamente relacionado com o sucesso da leitura e escrita. A letra <r> faz parte do grupo consonântico e verifica-se nas palavras apresentadas, a inversão da posição da letra dentro da sílaba. Possivelmente as sílabas compostas de consoante-vogal-consoante, CVC (a segunda consoante sendo o <r>), apresentam uma forma de composição mais dificil de dizer, acrescenta-se ainda o facto da letra <r> ter muita mobilidade, porquanto pode aparecer em muitos pontos dentro de uma palavra. As crianças que manifestam este tipo de erro mostram que são capazes de identificar a presença dos sons que compõem a sílaba, mas não têm segurança acerca da posição correta dentro da sequência. Estes erros podem ser motivados pela influência da oralidade, ou descohecimento de estrutura da sílaba, generalizando e considerando apenas o padrão silábico com o formato CV. «Compedeem (compreende)» ausência da terceira sílaba. Nesta palavra anula-se o ataque ramificado pela omissão do <r>. Regista-se a simplificação da sílaba tipo CCV para CV. Verifica-se também uma inversão da terceira sílaba, nasal, passando esta para final de palavra. «Tarbaliar (trabalhar)» verifica-se uma anulação do ataque ramificado pela inversão de ra em ar. «Feloris (flores)» adição de e (shwa). Aqui houve a destruição do ataque ramificado, numa sílaba CCV e houve a transformação numa sílaba de padrão regular, CV. É possível que a criança dividisse a palavra fe-lo-re, ou seja não reconhecendo as sílabas complexas. 3.1.1 ATAQUE SIMPLES O Ataque Simples pode corresponder à parte inicial da sílaba, e é constituído por uma consoante, à esquerda da vogal. Todos os sons consonânticos podem ocorrer num ataque simples (Maria João Freitas, 2007), mas pode não existir, 32 OS ERROS FONOLÓGICOS porque não é constituinte obrigatório, como se depreende das palavras que apresentamos. Tabela 3 – Erros do constituinte silábico: ataque simples ATAQUE SIMPLES 1º ANO GRAFIA CORRETA GRAFIA INCORRETA OMISSÃO caíam pequena aiào pequea INVERSÃO menina nemina ADJUNÇÃO repara reparara 2º ANO GRAFIA CORRETA GRAFIA INCORRETA 3º ANO GRAFIA CORRETA GRAFIA INCORRETA 4º ANO GRAFIA CORRETA aiào pequea taa mem vestir festir se calhar Descalhar se calhar Descalhar GRAFIA INCORRETA caíam pequena também «Aiào (caiam)» omissão de consoante em sílaba consoante/vogal/vogal – CVV «reparara (repara)» há duplicação da sílaba final possivelmente por distração. Na tabela 5 é notório a forma como as crianças gradativamente vão eliminando as suas dificuldades ortográficas. Os erros fazem parte do processo de apropriação da escrita e advêm de diferentes graus de conhecimento. Conforme a criança está sujeita a este processo gradual, ela vai interagindo com a escrita, refletindo e formulando as suas hipóteses sobre a mesma e constrói o seu saber. Corroborando o exposto, constatou-se que não existiu omissão nos níveis do 2º e 3º Anos. Na coluna do 4º Ano não se observam erros por inversão, adjunção e substituição. 3.2 RIMA 3.2.1 NÚCLEO Em todas as sílabas existe um núcleo, porque todas as sílabas têm uma vogal. 33 OS ERROS FONOLÓGICOS NÚCLEO Tabela 4 – Erros do constituinte silábico ao nível do núcleo 1º ANO GRAFIA CORRETA GRAFIA RETA 2º ANO INCOR- GRAFIA CORRETA OMISSÃO SUBSTITUIÇÃO ADJUNÇÃO INVERSÃO arvor fmea mnina chuvosa trabalhar fim GRAFIA CORRETA caiem chouriço muito ao quando queria telefonou veio está buscar viu seta boscra vui monstro chuvousa pergunto tarbaliar finhe (dialetal) montanha restaurante Restorante auto caravaAltacaravana na GRAFIA INCORRETA alevanto-se aparceu / aparseo caim choriço Roupa mito Preferida ó qundo quria tolfonou vei levantou-se apareceu Árvore fêmea menina 3º ANO começouse apareceu telefonou buscar pergunto moustro porguonto monteinha Tem menino 4º ANO GRAFIA INCORRETA ropa prefrida teir munenino GRAFIA CORRETA GRAFIA INCORRETA Avião magoume inda cerbo ofercer viam Futebol Má fotebol mua Depois de pozi Começonce aparceu / aparseo tolfonou boscra porguonto «arvor (árvore)» nesta palavra há a omissão de uma vogal na última sílaba cujo padrão é CV. Este erro pode ocorrer caso a criança tenha sido sujeita a um ensino em que coincida o nome da letra com o som da sílaba. Nesta situação a criança considera a sílaba completa. «finhe (fim)» já referenciado anteriormente no erro ao nível do fonema, apresenta adjunção de sílaba completa e apagamento nasal. Também pode ser uma variante dialetal. «Começonce (começou-se)» há uma nasalização da vogal da terceira sílaba, que pode ter sido influenciada pela nasalização da consoante m da segunda sílaba. «aparceu (apareceu)/ aparseo (apareceu)» erro de convenção, a forma gráfica não altera a forma auditiva. 34 OS ERROS FONOLÓGICOS «ó(ao)» é transposto para a escrita, mas resulta da pronuncia rápida dos sujeitos. «moustro (monstro)» ao nível oral verifica-se uma desnasalização, na escrita pode-se verificar o mesmo ou pode apenas ser uma substituição do ditongo nasal on pelo ditongo ou, alterando o núcleo simples para um núcleo ramificado.. «porguonto (pergunto)» há uma substituição do <e> pelo <o> e uma adjunção do grafema <o>, esta última parece-nos ter ocorrido por distração ou então como que por contaminação, verificando-se a harmonia de vogal. A substituição do (e) pelo (o) poderá advir da variedade dialetal. «Restorante (restaurante)» simplificação do ditongo numa vogal. A criança pode desconhecer a palavra ou então ser resultado de pronuncia rápida e descuidada que ouve no meio que a envolve.. «Monteinha (montanha)» pode considerar-se uma variante dialetal que é transposto para a escrita. «Altacaravana (autocaravana)» este erro não é habitual pois o que é frequente é haver substituição do fonema l por u. Neste caso ocorre o oposto, fazendo crer que desconhece a palavra em questão, por não ser frequente. Troca da vogal u, em posição de nucleo ramificado pela liquida vibrante l, tornando-o numa coda. A criança poderá também não conhecer a palavra e não ter o modelo acústico correto, por forma a fazer a sua transcrição fonémica. «tarbaliar (trabalhar)» Uso inadequado do dígrafo e inserção de letra. A substituição do dígrafo <lh> por <li> pode também ser uma simplificação. É frequente as crianças pronunciarem assim o dígrafo. Por fim regista-se a adjunção do grafema <i>. Este último erro tem, provavelmente, como origem uma distração, visto que torna a palavra mais complicada, todavia não podemos excluir a hipótese de ter origem na oralidade e de acordo com uma faixa etária baixa. 3.2.2 CODA A coda é o constituinte silábico formado por consoante(s) à direita da vogal. 35 OS ERROS FONOLÓGICOS No Português verificam-se apenas codas não ramificadas6 (Maria João Freitas A. L., 2001, p. 47). Tabela 5 – Erros do constituinte silábico ao nível da Coda 2º ANO 4º ANO GRAFIA CORRETA GRAFIA INCORRETA GRAFIA CORRETA ávore amêmas aumemo depoi d ivetioce domere itá mêmas poque tarparete buscar depois estávamos gostava bucar depoi etavamos Gotava tristeza colmeia soltar qualquer triteza comeia solta qouquer Divita trite amoçar aumocei aumoço brobuleta plumão trade Almocei Aumocei azule domere ervar panhari chegar chegar xegare Chegari Árvore as mesmas depois divertiu-se dormir está mesmas mesmo porque transparente INVERSÃO GRAFIA INCORRETA GRAFIA RETA Almocei almoço borboleta pulmão tarde Azul dormir erva apanhar OMISSÃO 3º ANO GRAFIA CORRETA GRAFIA CORRETA ADJUNÇÃO CODA 1º ANO INCOR- de pozi GRAFIA INCORRETA Divirta triste almoçar Depois «tarparete (transparente)» omissão da coda, que poderá surgir da dificuldade que este constituinte silábico acresce, pois a sua aquisição pertence ao grupo das mais tardias. «Aumocei (almocei)» verifica-se a semivocalização da liquida . «Brobuleta (borboleta)», «plumão (pulmão)», «trade (tarde)»erro por generalização de regras, em que a criança demonstra que conhece os grupos consonânticos br, cr…, bl, cl…e aplica-os indevidamente nestas palavras, generalizando de forma não convencional. Os erros apresentados mostram-nos, como já referimos, uma estrutura mais complicada e mais tardiamente adquirida, CVC. Poder-se-á dizer que é uma das razões possíveis para este tipo de erros, o desconhecimento interno das sílabas. A 6 As exceções são palavras como pers.petiva e sols.ticio 36 OS ERROS FONOLÓGICOS inversão também pode ser resultante da influência da oralidade. Esta influência também é evidente nos erros de omissão. Os erros por adjunção poderão ocorrer igualmente pela influência da oralidade, nas palavras «azule (azul)», «xegare (chegar)», «panhari (apanhar)» ou na conversão da sílaba CVC no padrão regular CV. Ao fazer uma análise destes erros podemos atestar a linguagem dos nossos alunos e rever a sua “imaturidade”. Esta mais visível no primeiro e segundo anos de escolaridade. 4. CORRESPONDÊNCIA FONEMA/GRAFEMA Os erros que apresentamos na tabela 6 evidenciam alterações decorrentes da articulação oral e consequente correspondência errónea entre os sons e as letras. Erros em que a correspondência fonema/grafema é inadequada, levando a uma alteração da forma gráfica da palavra seja por omissão, substituição, inversão ou inversão de grafemas. Isto tem a ver com a maior familiarização com a própria leitura, aprendizagem da escrita, domínio do CEL e relação de arbitrariedade. Na Língua Portuguesa não há uma correspondência precisa/direta entre fonema e grafema. O princípio básico que define um sistema de escrita alfabético é o da correspondência biunívoca entre o fonema e o grafema, o que nem sempre se verifica. A ambiguidade grafémica ou fonémica aparece quando este princípio não é cumprido (…) a ambiguidade fonética verifica-se quando um grafema representa vários fonemas e a ambiguidade grafémica quando vários grafemas representam um mesmo fonema. (Sebastião, 2009) Os erros em que a correspondência fonema/ grafema é incorreta, levam a uma alteração da forma sonora da palavra. Verifica-se um grande apoio na oralidade pelo que o professor deverá estar atento aos modelos de transmissão oral bem como à dicção das palavras de maneira que os alunos as enunciem com a máxima percetibilidade. 37 OS ERROS FONOLÓGICOS Tabela 6 – Erros ao nível da correspondência fonema/grafema 1º ANO CORRESPONDÊNCIA FONEMA/GRAFEMA finhe (fim) fmea (fêmea) Fmia (fêmea) fou (flores) Hlena (Helena) imbora (embora) itá (está) jatei (jantei) le (lhe) mnina (menina) monteinha (montanha) oce (hoje) oliou (olhou) oliou (olhou) paixe (peixe) paixe (peixe) pasça (passa) perguonto (pergunto) pnedo (penedo) puchina (piscina) afogo-se (afogou-se) aião (caíam) alevanto-se (levantou-se) aparseo (apareceu) aumocei (almocei) boscra (buscar) bricaram (brincaram) bricava (brincava) brircar (brincar) bucar (buscar) cai (quem) caim (caiem) calha (quem) canha (calha) choriço (chouriço) começonce(começou-se) daio (dei-o deule (deu-lhe) enbaiso (baixo) escorego (escorrego) fonhas (folhas) inbora (embora) laito (leite) le (lhe) monteinha (montanha) mostro (monstro) mote (monte) moutanha (montanha) oche (hoje) outobro (outubro) pegarei (pegarem) pescoço (pescoço) pinssava (pensava) pocadito (bocadito) abiente (ambiente) aboloras (abóboras) adava (andava) atão (então) avelans bricar (brincar) cai (quem) caim (quem) canbra (cabra) aenda (ainda) atão (então) belhete bilhete boscar (buscar) bricadeira brincadeira choriço (chouriço) empordante (importante) foi (fui) caussas (causas) chairava colécio (colégio) comaçam (começam) desinhar (desenhar) detro (dentro) festir (vestir) fondo (fundo) fondo (fundo) algos (alguns) altacaravana (auto caravana) asentada (sentada) capu (campo) ceregeira (cerejeira) ceregeira (cerejeira) chairo (cheiro) compadre (comprede) copader (compadre) 4º ANO 3º ANO 2º ANO domere (dormir) em coto (encontro) feloris (flores) Istou (estou) maravilhozos (maravilhosos) mocânico (mecânico) moito (muito) pasça (passa) vaia (veia) viam (avião) puchinana (piscina) restorante (restaurante) rionimos (reunimos) serajeira (cerejeira) sopermecato (supermercado) sopermecato (supermercado) taa memi (também) tai (tem) tam (tão) tarbaliar (trabalhar) tarparete (transparente) tepo (tempo) tumei (tomei) varão (verão) vo (vou) setava (sentava) ponte (pote) porguonto (pergunto) pote (ponte) rechuchodo (rechonchudo) sinhora (senhora) tai (tem) tamem (também) telefisão (televisão) telefonou (tolfonou) telefisão (televisão) televissão (televisão) toas (todas) tolfonou (telefonou) vaio (veio) venha (velha) vui (viu) xamavase (chamava-se) frasisco (Francisco) grosas (grossas) loge (longe) magosto (magusto) qouquer (qualquer) sinte (sente) valçar (calçar) pescinas (piscinas) reinha (rainha) sinti (sente) sonora(cenoura) tanho (tenho) visti-o (viste-o) Nas palavras «capo (campo)», «copader (compadre)», « em coto (encontro)», « tepo (tempo)», «algos (alguns)», «jatei (jantei)», «mote (monte)», «moutanha (montanha)», «mostro (monstro)», «pote (monte)», «setava (estava)», «tai (tem)», «tepo (tempo)» em que há a omissão do m/n gráfico, poderá revelar dúvidas ou 38 OS ERROS FONOLÓGICOS desconhecimento das letras que representam os sons, pois não há correspondência exata entre o número de fonemas e o número de letras necessário para aplicar (cinco grafemas e quatro fonemas), o aluno pode converter o som nasal num som oral, anulando a nasalidade. Porém esta hipótese é mais rebuscada pois os alunos dizem o som como nasal quando falam. A palavra «domere (dormir)» regista omissão da letra r em final de sílaba e substitui o grafema <i> pelo grafema <e>, possivelmente porque o <e> também se diz/lê <i>. «Avelans (avelãs)» registou-se a troca do til na vogal a pela utilização do <n>, que também faz a nasalidade pretendida. Pode ser um erro por generalização ou desconhecimento da regra pelo que generaliza o uso do n/m para nasalidade. «adava (andava)», «atão (então)», «abiente (ambiente)», «cai (quem), «fondo (fundo)», «frasisco (Francisco)», «loge (longe)» Estes erros ocorrem ao nível da representação das vogais nasais, havendo a omissão das letras m ou n em final de sílaba. Poderão ocorrer por desconhecimento da representação da nasalidade ou até mesmo pelo tipo de estrutura silábica, CCV ou VC. «Caim (caiem)» possivelmente devido ao apoio na oralidade aquando feita a análise fonémica. Vê-se que houve a troca do <q> pelo <c>, visto ambos terem a possibilidade de representarem o mesmo fonema. O m final garante a nasalidade, tendo-se verificado a utilização do ditongo ai em vez do e. Também porque se pode dizer assim. «viam (avião)» Há a omissão da primeira sílaba, parecendo haver distração. Também nos parece que se verifica uma generalização de regras, havendo a substituição das letras finais <ão> pela terminação <am>. «Aenda (ainda)», «boscar (buscar)», «Istou (estou)», «vaia (veia)» Verificase a troca de um grafema por outro, podendo as letras, <e> e <o>, serem usadas para grafar outros fonemas. A inexistência da correspondência biúnivoca entre sons e letras permite por vezes estas “confusões” levando a alterações da forma sonora. Verifica-se a dificuldade que implica uma análise das correspondências grafo-fonéticas, especialmente nos primeiros anos de escolaridade. Esta análise 39 OS ERROS FONOLÓGICOS também poderá levantar hipóteses de explicação sobre as competências dos alunos. Talvez a pronúncia deficitária das unidades lexicais ou mesmo o desconhecimento das palavras grafadas, leve os nossos alunos a cometerem estes erros (Silva, 2010). «sonora (cenoura)» Troca do fonema <e>pelo fonema <o> na primeira sílaba. Eventualmente poder-se-á verificar harmonia de traço na vogal fechada arredondada. «sinte (sente)» Confere apoio na oralidade e às vezes esta palavra é empregue por pessoas que utilizam uma linguagem menos cuidada. «valçar (calçar)» Troca de um fonema surdo (c) por um sonoro (v). Podemos ainda dizer que nesta situação verifica-se uma plosivização, visto ter-se passado de uma oclusiva, para uma fricativa. «festir (vestir)» troca do fonema sonoro pelo fonema surdo. O <f> e o v constituem um par mínimo, ou seja fonemas que se diferenciam pelo traço de sonoridade (Zorzi, 1998, p. 66). Cagliari (1990, p.75) explica que tal troca poderá advir do facto de que as crianças são em geral ensinadas a escrever em silêncio. Elas não pronunciam as palavras que irão escrever em voz alta, o que dificulta ou impede de terem consciência dos sons que compôem tais palavras. Assim as crianças não têm pistas acústicas que as ajudem a perceber e a identificar o tipo de fonema, surdo ou sonoro. Quando murmurados, os fonemas sonoros poderão passar ao ensurdecimento. «puchinana (piscina)» Na primeira sílaba substitui o <e> pelo <u> e a segunda sílaba deve-se ao apoio na oralidade, não diferenciando a escrita do oral. Consideramos uma variante dialetal (zona da beira alta). «fmia (fêmea)» Ausência da vogal <e>, o que nos sugere um erro por distração ou na aprendizagem do alfabeto, o aluno pode ter aprendido que o nome da letra <f> é <fê>, logo bastava escrever «fmia» para se ler fêmea. «Hlena (Helena)» Pode desconhecer o valor do <h>, ou seja o aluno vê que o <H> se lê <I>”, por ser a maiúscula do nome, a primeira letra. «pnedo (penedo)» É comum os falantes fazerem esta supressão, ou seja haver 40 OS ERROS FONOLÓGICOS o apagamento de um segmento que está representado na forma fonológica da palavra (Duarte, 2000 p. 233). «aião (caiam)» «toas (tuas)» Ausência de consoante em inicio de sílaba. Possivelmente este erros poderão ser por distração. «tamem (também)» Verifica-se o apagamento de um segmento o <b>, mas substituiu-se o ditongo nasal <an> pelo <a> e manteve-se de seguida a sílaba de padrão regular (CV). Na palavra «comprede (compadre)», ocorre uma metátese, ou seja a transposição das posições do segmento <r> da terceira sílaba para a segunda. Pode também não conhecer a palavra. «finhe (fim)» Gaficamente a palavra correta termina em <m>, o que leva o aluno a converter em sílaba de CV, acrescentando o fonema <e>. Depois ao escrever e sem sussurrar a palavra, não identifica o som. Pode também fazer parte de um dialeto do português. «asentada (sentada)» Esta forma apresenta a inserção de um segmento em posição inicial (prótese). «fou (vou) telefisão (televisão)» Troca entre uma consoante surda e uma consoante sonora. Este tipo de erro caracteriza-se pela substituição deste grupo de letras f/v, que representam pares de fonemas que se diferenciam pelo traço de sonoridade (Zorzi, 1998) ou comutação de pares minimos (Duarte, 2000). «colécio (colégio)» em relação ao modo e ponto de articulação o <j> é uma fricativa palatal, enquanto o <s> é uma fricativa dental. Ainda que ocorra num 4º ano, o aluno pode ter dificuldades no ponto de articulação, na descriminação auditiva e daí passar para a escrita o que ouve. Grande parte dos erros de fonema por substituição registados, encontram-se na troca das vogais <a>, <e>,<i> e <o>, devido à relação biunívoca entre fonema e grafema. Os diferentes valores que podem ser atribuídos a estes grafemas, podem levar a confusões e haver substituições dos mesmos. Verifica-se também um número significativo de apagamento nasal e substituição por vogal, por desconhecimento da sua formação. 41 OS ERROS FONOLÓGICOS Observámos que nos 1º e 2º anos há mais erros por omissão e por inversão, enquanto que nos 3º e 4º anos já não se verificam com a mesma frequência. Acontecem por adjunção e de forma substancial nos diferentes anos de escolaridade, erros por substituição. Percentualmente há menos erros por substituição no 1º ano, o que se justifica pelas suas produções escritas serem mais reduzidas logo com um menor número de palavras. 5. CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ERROS FONOLÓGICOS RECOLHIDOS Constatámos que a escrita alfabética contém diversas irregularidades do ponto de vista das correspondências entre grafema e fonema, referido no sub capítulo 4.1 Ortografia. Uma criança numa fase inicial de aprendizagem de escrita, faz apenas as correspondências básicas entre as letras e os sons. Ao observarmos a listagem dos erros conforme a sua tipificação, concluímos que estes erros, não são na sua grande maioria aleatórios e por consequência espelham o nível de compreensão atingido pelas crianças, acerca do sistema ortográfico. Comparando o número de erros do primeiro e segundo ano, ao nível das sílabas, ou seja, no Ataque Ramificado, no Ataque Simples, no Núcleo e na Coda são superiores aos do terceiro e quarto anos. Nos casos em que não acontece, deve-se ao facto das produções de escrita dos anos iniciais terem um menor número de palavras. O mesmo se verifica para os erros de correspondência fonema/grafema, de fonema e de fronteira de palavra. Sumariamente, elencamos os erros mais frequentes e que não dependem de habilidades de reflexão ou manipulação intencional. Os erros de correspondência fonema/grafema ocorrem quando a criança escreve a palavra tal como a diz (cai, istou, qouquer). Há erros nas sílabas complexas, cuja estrutura não é a de CV. As estruturas complexas, como já foi referido, são as últimas a serem adquiridas, pelo que passíveis de erro. 42 OS ERROS FONOLÓGICOS Os erros que ocorrem por segmentações indevidas, também é característico dos primeiros anos de escolaridade, porque a nossa linguagem oral ocorre como um fluxo contínuo de fala (Zorzy, 2003) onde não há separação como na escrita. São frequentes os erros por desconhecimento. Há crianças que nunca tiveram acesso a modelos acústicos corretos. Erros por troca de letras especialmente com a substituição dos pares mínimos, surda por vogal ou vice versa. Erros porque as crianças não conseguem diferenciar entre as vogais nasais e as vogais orais. O sustentáculo do nosso trabalho foi os diferentes tipos de erros fonológicos apresentados. Assim subscrevemos os estudos e reflexões de áreas como a psicolinguística, o ensino da pedagogia, as didáticas, bem como áreas de saúde com estudos feitos e que defendem que a Consciência Fonológica pode ajudar a aprendizagem da escrita por crianças e deve ser estimulada antes do ensino formal da escrita. De acordo com a definição de CF em 3. O conceito de Consciência fonológica, a criança sujeita a um treino sistemático percebe gradativamente que a palavra é formada por sons individuais. “O sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita está correlacionado com os desempenhos do sujeito na oralidade deve, assim, ser promovido em contexto escolar, como medida preventiva de insucesso no desempenho de tarefas de leitura e escrita”. (Freitas, 2007, p.8) A CF exerce domínio sobre o princípio alfabético, facilitando a análise minuciosa do grafema/fonema. 43 REFLEXÕES CAPÍTULO IV - REPRESENTAÇÕES DOS PROFESSORES ACERCA DOS ERROS ORTOGRÀFICOS Foram elaborados Questionários de perguntas abertas que pretendiam saber basicamente qual a opinião dos professores relativamente à importância dos erros ortográficos, como é que os classificam, quais as estratégias de remediação utilizadas, identificação dos erros mais comuns. Achámos também importante saber se os docentes frequentaram ou não a ação de formação do PNEP, atendendo que foi precursora na difusão do conceito de consciência fonológica para a generalidade dos professores. Consideramos que com essa formação muitos dos professores envolvidos tiveram a oportunidade de reformular práticas e metas e foram inevitáveis as mudanças no seu léxico para reportarem as novas abordagens do currículo. Este questionário não foi o objeto central do nosso estudo, apenas foi considerado como um questionário de opinião dirigido aos professores dos alunos envolvidos. 1. REFLEXÃO SOBRE OS QUESTIONÁRIOS As respostas à primeira questão “Valoriza o erro ortográfico na sua prática docente?”, foram consentâneas ao afirmarem que sim, reforçando inclusivamente com as expressões “bastante relevante”. À segunda questão, “Classifica-os de acordo com alguma tipologia específica (criada por si ou adotada)”, as docentes respondem afirmativamente e duas das colegas afirmam que os classificam de acordo com uma tipologia criada pelas mesmas. Os professores classificam todas as palavras escritas incorretamente de erro ortográfico, mas parece-nos que não distinguem os níveis morfológico, sintático, fonológico. Relativamente à terceira questão, “Que procedimentos pedagógicos coloca ao seu dispor para tratar os diferentes tipos de erros ortográficos?”, os docentes 44 REFLEXÕES responderam que tratam os erros ortográficos e fazem a sua correção. As estratégias usadas são comuns, assinalam-nos, trabalham as convenções ortográficas da língua, e fazem-no em contexto de escrita, utilizam como recurso o dicionário e uma das docentes, implicitamente, promove a reflexão sobre o escrito. Assume-o como uma das suas estratégias referindo “que o domínio da ortografia requer um trabalho em que o aluno constrói o seu saber por meio de estratégias, dedução e interpretações, levando-o à compreensão do processo da escrita das palavras” e esclarece que o processo é muito moroso. Outra das colegas utiliza um caderno para registar as regras ortográficas e assinalar “curiosidades” das palavras homófonas e homónimas. Na resposta à questão “Qual/Quais o(s) tipo(s) de erro(s) que é/são mais comum(s)?”, os professores evidenciaram as trocas, as omissões, os erros de convenção, nomeadamente um som para vários grafemas, as variantes dialetais ao afirmarem que os erros estão “relacionadas com a forma como falam nas diferentes zonas”. Das quatro docentes três frequentaram o PNEP. Como se pode inferir pelo exposto, torna-se importante que as práticas pedagógicas levadas a cabo na sala de aula promovam trocas que favoreçam a tomada de consciência e a reflexão dos alunos sobre os seus conhecimentos efetivos, a sua perceção sobre os mesmos e aquilo que o aluno deverá fazer para os melhorar. Após a leitura dos questionários e auferindo-lhe apenas o valor relativo, pois não nos servem, como se disse anteriormente, de objeto de estudo, apenas de exemplos elucidativos do trabalho efetivo do nosso quotidiano, nas nossas escolas, concluímos que para os docentes; i. O erro ortográfico é valorizado pela grande maioria dos professores no 1CEB; ii. Assinalam-nos nas produções gerativas de escrita dos alunos, iii. Corrigem-nos. 45 A MITIGAÇÃO DO ERRO As correções são feitas na sua maioria através da repetição de palavras, da insistência com as regras ortográficas, utilizam o dicionário, procurando a palavra e registando-a de novo corretamente. Por vezes formam famílias de palavras e aplicam-nas em frases simples e isoladas ou em textos. Outra forma de melhorar as capacidades ortográficas é através do incentivo que se procura criar nas crianças para adquirirem hábitos de leitura, pois considera-se que há uma relação entre nível de leitura e nível ortográfico, de modo que, quanto mais alto for o nível de leitura, supostamente melhor será o desempenho em termos de domínio ortográfico. Hoje em dia os alunos têm o acesso facilitado bibliotecas e promovem-se atividades para que os alunos tenham ao seu dispor os recursos existentes, nomeadamente as bibliotecas escolares. Salientamos que os erros apresentados pelos docentes nas respostas aos questionários, são também eles fonológicos (anexo II), todavia não os tipificam como tal nem abordam a CF. Os erros fonológicos identificados, reportam-se à variante dialetal, a omissões ou trocas de fonemas, assim como a correspondência fonema/grafema, estando em conformidade com os erros inventariados no nosso estudo. CAPÍTULO V - ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA CORREÇÃO DO ERRO ORTOGRÁFICO FONOLÓGICO 1. MITIGAÇÃO DO ERRO Parece-nos oportuno neste momento tecer algumas considerações sobre os erros fonológicos. A proficiência dos alunos depende da utilização das regras e da sua perceção das normas padrão da sua língua. Os alunos no seu processo de aprendizagem deverão escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da sua vida. Dever-se-á promover um clima favorável e procurar situações de escrita em contexto. 46 A MITIGAÇÃO DO ERRO Em relação à aprendizagem da ortografia e ao seu domínio constatam-se progressos nos alunos, reduzindo os erros ao longo da escolaridade. É importante que se promovam exercícios por forma a desenvolver nos alunos a consciência de que os sons da fala são uma realidade do seu quotidiano. Dever-se-á trabalhar bastante a oralidade para obter melhores desempenhos na escrita. Constata-se uma primazia do oral sobre o escrito, justificado pela quantidade de enunciados orais em detrimento de enunciados escritos nas várias situações de uso da língua, todavia a escrita é a representação do oral. A oralidade tem um funcionamento autónomo relativamente à escrita. A criança, ao ouvir os enunciados de fala na sua língua, tem contato constante com o facto de cada palavra poder assumir mais do que um formato fonético. No entanto, há formatos fonéticos que correspondem a um só formato na escrita (esta diversidade fonética conduz à produção de erros de ortografia que se justificam pela transposição de propriedades do oral para a escrita). Oralidade e escrita têm princípios de funcionamento distintos e a criança deve aprender a encaixar a diversidade do oral na uniformidade própria da escrita. Considerando a grande importância da consciência fonológica na aprendizagem da leitura e da escrita deverá realizar-se diariamente exercícios com estruturas similares mas com conteúdos distintos, consistentes e impulsionadores de determinados resultados, no funcionamento explícito da consciência fonológica. As propostas de actividades que apresentamos a seguir procuram ser graduais, partir do que se ouve até chegar à fase mais analítica deste treino, obtida pela capacidade de manipular explicitamente as unidades linguísticas relacionadas com a consciência fonológica. O objetivo primordial deve ser o de levar as crianças a analisar e refletir sobre a língua escrita uma vez que ela não depende somente de habilidades de memória, mas sim da compreensão dos enunciados orais ou escritos. Devem-se trabalhar os erros ortográficos na sala de aula utilizando como metodologia de trabalho a Abordagem Activa de Descoberta (AAD) onde é permitido que os alunos construam as suas aprendizagens na qualidade de “cientistas da 47 A MITIGAÇÃO DO ERRO língua”. Esta estratégia promove a reflexão sobre a língua, partindo da observação das regularidades ou irregularidades da mesma, colocando as suas hipóteses, testando-as e criando regras como conclusão do trabalho.7 De acordo com o nosso conhecimento, enquanto docentes e da análise dos questionários que realizámos, já descritos no ponto anterior, percebemos que é necessário incrementarmos estratégias pedagógicas que ajudem, no contexto de sala de aula, a prevenir e/ou a corrigir o erro fonológico em conformidade com a tipologia apresentada anteriormente. Os professores que responderam aos questionários, não identificam os diferentes tipos de erros. Os erros são denominados pelos docentes, como erros ortográficos, todavia para que se avalie com rigor, a dificuldade ortográfica é necessário “adotar uma perspetiva que tenha em conta as vias de processamento possíveis e que não se limite a comparar a forma escrita pelo aluno com a forma correta” (Baptista, 2008, pag.39). É importante que saibamos mobilizar os nossos conhecimentos sobre os alunos e perceber qual o processo que o teria levado a optar por escrever daquela forma. Para Girolami-Boulinier (1988) a aprendizagem da leitura, da escrita e do cálculo pode ser realizada de uma forma conjunta, mas para que o seu sucesso seja visível é essencial percecionar, reter e em seguida transcrever sequencialmente sons, sílabas e palavras; identificar ou elaborar uma frase simples composta por sujeito, verbo e complemento; admitir a presença de um agora antes depois nos atos do quotidiano. Opinião corroborada por Pinto (1998, p. 184) relativamente ao erro fonético, que considera que é importante facilitar formas de correção do erro, designadamente através da produção de exercícios que permitam que 7 Alguns autores apontam algumas soluções de entre as quais se poderá destacar as oficinas da escrita que, segundo (Boas, 2003, p. 36)“visam trazer algo de novo que propicia a participação dos alunos (...) e possibilita a interacção e interajuda, que promove um efectivo empenhamento dos alunos na aprendizagem” o que poderá ser, de facto, uma eficaz estratégia no combate à desmotivação e desinteresse dos alunos pela escrita, sendo este um tipo de ensino completamente diferente do ensino tradicional, havendo assim espaço para que o aluno possa escrever com o seu tempo não estando limitado às estratégias de outros (Cassany, 2000, p. 17). Segundo alguns autores, uma boa estratégia também poderia ser a correcção em grupos, visto que, segundo Monerea (2001) a escrita em grupo, leva à colaboração e interacção verbal entre colegas, fazendo com que os membros do grupo assumam diferentes papéis de controle e gestão do processo. Além disso, há ainda a particularidade de que, sendo mais do que uma pessoa a elaborar e reler os textos, o grupo identificará com maior facilidade os possíveis erros dos mesmos e o professor assumirá aqui, um o papel de moderador (Contente, 1995, p. 76). 48 A MITIGAÇÃO DO ERRO o aluno “aprenda a ouvir, a reter e a emitir corretamente e em que aprenda a ver, a reter e a reproduzir/transcrever em diferido de modo exato”. Neste âmbito, a investigadora sugere como estratégia a leitura indireta8, entendendo-se que a sua utilização deverá ser feita, nos primeiros anos de vida da criança, uma vez que ela é essencial para o treino da audição, da retenção e da articulação. Para além disso, permite que a criança se familiarize com vocabulário novo, com as estruturas frásicas e com a própria narrativa. Segundo Barbeiro (2007) o trabalho no domínio da consciência fonológica pode mobilizar atividades que dizem respeito à manipulação de unidades linguísticas como palavras e sílabas e fonemas, não esquecendo porém que esta está também ligada ao conhecimento do sistema alfabético e às competências ortográficas adquiridas. Os exercícios que apresentamos seguidamente, são exemplos elucidativos do que poderá ser feito nas nossas salas de aula. Foram retirados da Brochura “O Ensino da Escrita: Dimensão gráfica e ortográfica” (Baptista et al, s/d) e podem aplicar-se aos erros recolhidos e apresentados anteriormente. EXERCÍCIOS E SUAS APLICABILIDADES Objectivos: Fixar a grafia de expressões que os alunos tendem a juntar (de repente, a seguir, …) ou a separar (depois). Integrar essas palavras em conjuntos a que os alunos possam recorrer na construção textual. Materiais: Textos produzidos pelos alunos. 1. Integrado no objectivo de variação dos conectores temporais, utilizados num texto, os alunos deverão ir construindo uma lista desses conectores, que poderá ficar disponível durante a textualização e a revisão. 2. Entre esses conectores, deverão encontrar-se os que e frequente apresentarem dificuldades ortográficas: de repente, a seguir, de seguida,… que os alunos poderão juntar incorrectamente ou depois, que os alunos poderão tender a separar. 3. Ao efectuar-se o registo destas palavras e expressões na lista, devera fazer-se incidir a atenção para a sua forma ortográfica. ERROS REGISTADOS vi mus (vimos) a inda (ainda) de pozi (depois) nufim (no fim) enbaso (em baixo) 8 A «leitura indirecta» em contexto de sala de aula pode ser desenvolvida quando o professor escolhe um texto apropriado à faixa etária das crianças e o lê em voz alta, transmitindo ao aluno “a percepção auditiva correcta das palavras, exigindo dela a sua retenção e ao mesmo tempo a sua reprodução oral tão próxima quanto possível do modelo” (Pinto, 1998, p. 185). 49 A MITIGAÇÃO DO ERRO EXERCÍCIOS E SUAS APLICABILIDADES ERROS REGISTADOS Cartões com imagens de objectos, cujos nomes formem pares mínimos; cartões com nomes dos objectos. Identificada uma dificuldade de discriminação entre dois sons da fala semelhantes (por exemplo, [v] e [f]), podem efetuar-se jogos de discriminação entre esses sons com base em pares mínimos, ou seja, na oposição de palavras que só se diferenciam pelos sons em causa: por exemplo, vaca e faca, para [v] e [f]. 1. O professor poderá dizer a palavra e o aluno tem de identificar o cartão com a imagem correspondente. 2. O professor poderá dizer um dos sons ([v] ou [f]) em causa e o aluno devera identificar o cartão com a imagem cujo nome apresenta esse som. Integrando a forma escrita: 3. O aluno devera fazer a correspondência entre a imagem e a palavra escrita em cartões. 4. O aluno devera colocar a letra móvel no espaço da palavra que lhe corresponde, V em ____aca, para o cartão da vaca e F para o cartão da faca. 5. O aluno devera identificar outras imagens, cujos nomes começam com o mesmo som de vaca ou de faca. festir (vestir) fou (vou) telefisão (televisão) Cartões com imagens de objetos; cartões com nomes dos objetos. Os alunos poderão construir conjuntos de palavras que apresentem sons ou sequências de sons, em relação aos quais manifestem dificuldades na sua transcrição. Exemplificamos com o caso do grupo consonântico [fr] <fr>. 1. Após o contacto com algumas palavras em que surge o som ou sequência de sons, o aluno poderá ser chamado a decidir se numa determinada palavra se esse som está ou não presente; a posição do som poderá começar por ser inicial para depois passar ao interior da palavra. 2. Observando imagens, sem que seja o professor a dizer as palavras, o aluno deverá dizer se nos nomes correspondentes às imagens o som em causa aparece. 3. De seguida, poderá ser solicitado que o aluno agrupe os cartões com as imagens dos objetos e os cartões com os nomes correspondentes. 4. O aluno poderá procurar outras palavras em que apareça o som em causa; no caso da posição inicial, essa procura poderá ser feita no dicionário; no caso de outras posições poderá ser feita em textos fornecidos pelo professor. A pesquisa poderá permanecer em aberto, a fim de ser completada, à medida que forem sendo encontrados novos casos. felores (flores) ferio (frio) compadere (compadre) tarbaliar (trabalhar) pimavera (primavera) Até agora, colocamos em foco o domínio do sistema fonológico. As falhas de transcrição podem resultar também do facto de o aluno não dominar a complexidade dos grafemas. Por exemplo, pode apresentar um domínio insuficiente de grafemas complexos, como os dígrafos ou digramas, pr exemplo, lh ou nh, associando o som em causa a apenas uma das letras que compõem o grafema (ex: *camino em vez de caminho). As actividades que promovam a associação entre a consciência do som (actividades de treino da consciência fonológica) e a sua representação pelo grafema complexo (conjuntos de palavras) contribuirão para o reforço da aprendizagem destes casos. 50 A MITIGAÇÃO DO ERRO EXERCÍCIOS E SUAS APLICABILIDADES ERROS REGISTADOS Objetivos: Desenvolver a consciência da variação linguística ligada a fatores discursivos. Estabelecer relações entre formas de diferentes registos. Relacionar a forma ortográfica com registos mais formais. 1. O professor começa por chamar a atenção dos alunos para a forma como pronunciamos determinadas palavras: „tá ou „stá por está; pa ou p‟ra por para; etc. 2. Os alunos tentarão encontrar outras palavras que também sofram alterações num registo menos cuidado. Se os alunos tiverem dificuldades em apresentar novos exemplos, o professor poderá indicar palavras, ditas com uma pronúncia cuidada, pedindo-lhes que indiquem como as dizem habitualmente: experiência → exp‟riência televisão ão → tel‟visão telefone → t‟lefone Filipe → F‟lipe ministro → menistro, etc. O confronto entre as duas pronúncias deverá ser explorado. A segmentação silábica da forma cuidada reforçará a consciência dos sons aí presentes. 3. O passo seguinte consistira em introduzir a forma ortográfica das palavras em causa, observando como nela estão representados os sons que não dizemos habitualmente. 4. A elaboração de um registo no caderno para estas palavras, enquanto palavras como deverá ser tido cuidado, pois poderemos dar erros se as escrevermos como normalmente as dizemos, reforçará a consciência em relação as variantes fonéticas que apresentam e em relação à sua forma ortográfica. Objectivos: Desenvolver a consciência da variação linguística ligada a fatores geográficos. Estabelecer relações entre formas de diferentes variedades dialectais. Tomar consciência da maior ou menor distância da variedade falada, em relação à forma ortográfica. Algumas pronúncias de variedades dialetais de determinadas regiões afastam-se do Português padrão e frequentemente também da forma que se encontra consagrada na ortografia da palavra. Uma vez que a forma ortográfica e única e não reflete cada uma das pronuncias das variedades regionais, a consequência e que, enquanto em algumas regiões a ortografia da palavra pode ser obtida por transposição direta da forma fonológica pronunciada pelo aluno, noutros casos, esse afastamento dita que deva ser privilegiada a via lexical. Tal como em relação as formas populares, o professor deverá efetuar o levantamento das formas divergentes em relação a ortografia e trabalhá-las com os alunos na perspetiva da conquista ortográfica e da consciencialização da diversidade dentro da própria língua. Pnedo (penedo) Sinte (sente) Choriço (chouriço) Restorante (Restaurante) Monteinha (montanha) Imbora (embora) Atão (então) Sinte (sente) 51 OS ERROS FONOLÓGICOS NO 1º CEB CONCLUSÃO Neste trabalho procurámos apresentar um problema que considerámos pertinente no contexto sócio-educativo atual , a ortografia e a sua relação com a Consciência Fonológica. Na primeira parte do nosso trabalho, respeitante à fundamentação teórica, fizemos sucintamente o enquadramento legal, apresentámos uma sinopse sobre a importância da escrita e o valor social da mesma. O enfoque do trabalho está na importância da consciência fonológica na escrita, especificamente no domínio da ortografia. Sabemos pelos diferentes estudos existentes que a aprendizagem da ortografia da Língua Portuguesa, se desenvolve através de um processo lento e evolutivo cuja proficiência é obtida pelo aluno, por via da aprendizagem formal, ao longo da sua escolaridade. Estas incorreções são resultantes da influência da linguagem oral sobre a escrita e revelam que quando os aprendentes não possuem o léxico ortográfico necessário, recorrem à estratégia fonológica, principalmente na fase inicial da aquisição ortográfica. Também no estudo realizado por Óscar de Sousa (1999. p.270) “a melhoria da competência ortográfica na Língua Portuguesa pode passar pela melhoria da consciência fonológica”. Além do treino desta capacidade, para um desempenho ideal dever-se-á passar pela ativação da estratégia fonológica em simultâneo com a estratégia lexical. Na segunda parte do nosso trabalho apresentamos os erros ortográficos que resultaram da categorização e seriação da recolha efetuada no Agrupamento Brás Garcia de Mascarenhas e obtivemos resposta ao que nos propusemos, nomeadamente: 1- A tipologia do erro em estreita relação com a Consciência Fonológica; 2- Estratégias de consciência Fonológica usadas por docentes dos níveis de escolaridade em que se detetaram os erros; 3- Sugerir exercícios de Consciência Fonológica com vista a diminuir a incidência desses erros. 52 OS ERROS FONOLÓGICOS NO 1º CEB Apresentámos os erros fonológicos, tipificados por nós, cujas tipologias se basearam em perspetivas de vários autores. Analisámos alguns erros com critérios definidos e demonstrámos possíveis interpretações desses mesmos erros. Os referentes apresentadas permitem-nos obter uma panorâmica geral das dificuldades de aprendizagem que a ortografia da língua portuguesa coloca nos seus aprendentes, no domínio que refletimos, a consciência fonológica. Consultámos professores titulares de turma dos diferentes anos de escolaridade e percebemos que há concordância entre os docentes, em relação à importância dos erros ortográficos nas práticas pedagógicas, contudo a tipificação do erro não veio de encontro ao nosso trabalho, pois não revelaram a sua tipologia nem apresentaram estratégias específicas para os diferentes tipos de erros, os morfológicos, os de sintaxe e os fonológicos. Todavia, os erros que referenciaram convergem com os erros fonológicos. Por isso, concluímos que perfilam o erro ortográfico generalizando esta categorização, mas não a pormenorizam através de uma tipologia mais específica. Quanto às estratégias de Consciência Fonológica usadas por docentes dos níveis de escolaridade em que se detetaram os erros, constatámos a “quase”ausência de estratégias diferenciadas, de acordo com a tipologia do erro. Referente à tipologia do erro em estreita relação com a Consciência Fonológica, atendendo à quantidade de erros registados nos diferentes anos letivos consideramos a sua relevância e a necessidade de serem definidas estratégias, nas nossas práticas pedagógicas, programadas e sistemáticas. Apesar de, nos últimos tempos, terem surgido iniciativas no âmbito do ensino da Língua Portuguesa, muitos professores ainda desconhecem a noção de consciência fonológica e a sua importância na aprendizagem da leitura. É essencial que se continue a apostar nesta área de formação, dotando estes profissionais de conhecimentos, estratégias e recursos didácticos para desenvolver nos seus discentes esta competência. Este foi um dos principais objectivos do PNEP, o qual pela sua abrupta interrupção não possibilitou que mais docentes a ele tivessem acesso. 53 OS ERROS FONOLÓGICOS NO 1º CEB Esperamos que a abordagem do nosso estudo e das conclusões que retirámos possam contribuir para futuras investigações, com vista a uma melhor clarificação da importância da consciência fonológica na ortografia e que esta possa servir de prevenção de dificuldades na aprendizagem da escrita. 54 BIBLIOGRAFIA Adrian, J. A., Alegría, J. e Morais, J. (1995). Metaphonological abilities of Spanish illiterate adults. International Journal of Psychology , 30, 329-353. Alarcão, I. (1998). O outro lado da competência comunicativa: a do professor. Em: Fazenda, I. (org.) Didática e Interdisciplinaridade. São Paulo: Papirus Editora. Alves, M. d. (1994). O novo acordo ortográfico (2ª Edição ed.). Universitária Editora. Lisboa. Araújo, A. Mieiro, A. e Martins S. (2007). Erros de Escrita a Influência da oralidade na escrita. 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Suprime, acrescenta ou troca sons (fonemas) numa das sílabas da palavra. Produz palavras e pseudopalavras através da manipulação de sons da fala (fonemas). Identifica grupos consonânticos no interior da palavra. Altera o acento da palavra gerando nova palavra ou pseudo-palavra. Identifica as sílabas que estão antes e depois da sílaba tónica. Ordena alfabeticamente palavras. Reconhecimento e escrita de palavras e letras Identifica e escreve todas as letras maiúsculas e minúsculas do alfabeto. Faz a correspondência som/grafema para todas as letras do alfabeto e todos os dígrafos. Soletra (as letras de) palavras dissilábicas. Reconhece globalmente palavras frequentes. Reconhece os grupos consonânticos mais frequentes do português. Usa a correspondência letra/som para ler palavras desconhecidas. Usa o conhecimento das sílabas para decifrar palavras desconhecidas. Escreve palavras e frases. Produz uma caligrafia legível com diferentes instrumentos de escrita (e.g.: lápis, caneta). Copia palavras e frases em letra manuscrita. Transcreve de letra impressa para letra manuscrita Usa as funções básicas de um teclado Consciência Decifrar e escrever palavras Metas intermédias (Final do 1º ano) Conhecimento de convenções gráficas Conhecimento de convenções ortográficas Escreve corretamente palavras frequentes. Escreve espontaneamente palavras polissilábicas. Distingue palavras com grafia próxima, através da identificação dos sons das respetivas letras (e.g.: sal/mal; gola/cola). Reconhece globalmente palavras frequentes e menos frequentes. Usa o conhecimento de sequências gráficas frequentes para ler palavras desconhecidas (e.g.: casa/casamento; lê/relê). Usa corretamente as letras maiúsculas e minúsculas. Identifica e usa os sinais de pontuação mais frequentes (e.g.: ponto final; vírgula; ponto de interrogação). Reconhece e usa os grafemas que representam sons consonânticos em posição de coda (<l>, <r>, <s>, <z> (e.g.: cal; mar; lápis; voz). Conhece e usa as regras ortográficas de representação dos sons [k],[r], [R], [s], [z] (e.g.: caça; queque; caro; carro; sossegado; casa; cozinha). Reconhece e usa todas formas de representação gráfica das vogais nasais (e.g.: irmã; sempre; tinta). .Reconhece e usa as formas gráficas de representação dos ditongos orais e nasais. .Reconhece e usa o grafema <o> como representação do som [u] em sílaba átona final. ANEXO II Questionários ESCOLA SUPERIOR DA EDUCAÇÃO DE COIMBRA MESTRADO: ENSINO DO PORTUGUÊS QUESTIONÁRIO Tempo de serviço: 13 anos Escola: EB1 da Lajeosa Ano de Escolaridade: 3.º ano 1 - Valoriza o erro ortográfico na sua prática docente? Sim. 2 - Classifica-os de acordo com alguma tipologia específica (criada por si ou adotada)? Tento agrupá-los de acordo com uma tipologia criada por mim 3 - Que procedimentos pedagógicos coloca ao seu dispor para tratar os diferentes tipos de erros ortográficos? Quando os erros estão relacionados com a forma como as pessoas falam, tento dar mais ênfase à expressão oral, usando várias vezes durante o discurso na sala de aula das palavras que os alunos empregam de forma incorreta. Estas palavras também são usadas de forma insistente na expressão escrita para que elas a vejam escrita de forma correta. Costumo também criar um caderno de apontamentos para os alunos escreverem as regras de ortografia que os alunos vão descobrindo ao longo do tempo e também as “curiosidades” das palavras homónimas e homófonas (os alunos acabam por “caçar” estas palavras nos textos). 4 – Qual/Quais os tipos de erros que são mais comuns? Erros relacionados com a forma como falam nas diferentes zonas, omissões de partes das palavras (também relacionadas com a linguagem corrente), troca do g pelo j, do o pelo u, do ch pelo x e a aplicação dos diferentes valores do x, emprego incorreto de palavras homófonas 5 – Participou no Programa Nacional do Ensino de Português (PNEP). Sim. Obrigada ESCOLA SUPERIOR DA EDUCAÇÃO DE COIMBRA MESTRADO: ENSINO DO PORTUGUÊS Questionário Tempo de serviço: 15 anos Escola: Básica 1 de Oliveira do Hospital Ano de Escolaridade : 2.ºano 1 - Valoriza o erro ortográfico na sua prática docente? Valorizo bastante e muitas vezes parto deles para trabalhar casos especiais de leitura e produção textual. 2 - Classifica-os de acordo com alguma tipologia específica (criada por si ou adotada)? Não. 3 - Que procedimentos pedagógicos coloca ao seu dispor para tratar os diferentes tipos de erros ortográficos? Sopa de letras- Palavras cruzadas- escrita de frases e textos- jogos de palavras no quadro 4 – Qual/Quais os tipos de erros que são mais comuns? Proca para peruca Proco para porco Disfarsado para disfarçado Cosinha Enfremeira para enfermeira Tambai para também Caem para quem Tai para tem 5 – Participou no Programa Nacional do Ensino de Português (PNEP). Sim. Obrigada ESCOLA SUPERIOR DA EDUCAÇÃO DE COIMBRA MESTRADO: ENSINO DO PORTUGUÊS Questionário Tempo de serviço: 23 anos Escola: E.B.1 de Oliveira do Hospital Ano de Escolaridade : 1º ano 1 - Valoriza o erro ortográfico na sua prática docente? Sim, uma vez que considero o saber ortográfico bastante relevante. 2 - Classifica-os de acordo com alguma tipologia específica (criada por si ou adotada) Sim, analiso a tipologia desses erros de acordo com critérios próprios e tento arranjar estratégias específicas para os corrigir. Infelizmente, as estratégias de correção nem sempre funcionam. 3 - Que procedimentos pedagógicos coloca ao seu dispor para tratar os diferentes tipos de erros ortográficos? Tento na medida do possível, apresentar as regras da escrita, de forma clara e sistemática. Promovo práticas pedagógicas voltadas para o processo de geração da escrita, ensinando os alunos a procurarem recursos, como a consulta do dicionário, sempre que têm dúvidas. Acredito que o domínio da ortografia requer um trabalho em que o aluno constrói o seu saber por meio de estratégias, dedução e interpretações, levando-o à compreensão do processo da escrita das palavras (este é um processo muito moroso). 4 – Qual/Quais os tipos de erros que são mais comuns? Trocas envolvendo substituições entre letras que representam os fonemas surdos e sonoros, substituições de letras devido à possibilidade de representações múltiplas, omissões ou aumento do número de letras. 5 – Participou no Programa Nacional do Ensino de Português (PNEP). Não. Obrigada ESCOLA SUPERIOR DA EDUCAÇÃO DE COIMBRA MESTRADO: ENSINO DO PORTUGUÊS Questionário Tempo de serviço: 14 anos Escola: E.B.1 de Lagos da Beira 4º Ano de Escolaridade 1 - Valoriza o erro ortográfico na sua prática docente? Valorizo muito. 2 - Classifica-os de acordo com alguma tipologia específica (criada por si ou adotada) Não utilizo nenhuma tipologia. 3 - Que procedimentos pedagógicos coloca ao seu dispor para tratar os diferentes tipos de erros ortográficos? De acordo com o tipo de erros assim faço a sua correção. Os alunos corrigem os seus erros ou os dos colegas, no quadro ou no seu caderno. Repetem as palavras, escrevem família de palavras, fazem a sua divisão silábica e aplicam essa palavra em frases. 4 – Qual/Quais os tipos de erros que são mais comuns? Desconhecimento das regras ortográficas e por vezes ao escreverem a palavra como falam, não reproduzem corretamente os fonemas. 5 – Participou no Programa Nacional do Ensino de Português (PNEP). Sim. Obrigada