NÃO HÁ LIDERANÇA, SÓ HÁ GESTÃO
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NÃO HÁ LIDERANÇA, SÓ HÁ GESTÃO
NÃO HÁ LIDERANÇA, SÓ HÁ GESTÃO COMPETENTE (Sumário Executivo) Chancellorsville: the perfect battle from the american civil war Com uma escrita eficaz, num tema complexo e perplexo, a mente clara e resolutiva do Prof. Vasconcellos e Sá encontra um caminho de obrigada leitura. Raul Diniz (Presidente da AESE – Associação do IESE em Lisboa) Um livro maravilhoso sobre o que constitui liderança eficaz (e ineficaz): através de inúmeros exemplos, figures apelativas, baseados em investigação académica séria e análise histórica rigorosa. Este livro é tremendo. Donald Hambrick (Professor Catedrático, Universidade da Pennsylvania, EUA) Jorge A. Vasconcellos e Sá Com a colaboração de Magda Pereira e Fátima Olão 1 I. A irrelevância do carisma A velhice e a (injustificada) fama de ser um bom orador, trouxeram-me todo o tipo de convites: pode dar-nos um workshop sobre como adquirir carisma?, perguntou-me uma vez um gestor com a cara mais séria do mundo, sentado do outro lado da mesa, no meu escritório1. De facto, carisma é uma “palavra quente” nos nossos dias. Se fizermos um google da palavra, teremos centenas de milhares de resultados. Algo que, sem dúvida, teria surpreendido Max Weber, o primeiro a fornecer uma definição de carisma: “Qualidade de uma personalidade individual, em virtude da qual se diferencia do homem comum por qualidades ou poderes sobrenaturais, sobre-humanos ou pelo menos excepcionais.” Max Weber (1864-1920) De acordo, com Weber, as pessoas olhavam para as carismáticas com “espanto”, porque elas emanavam um brilho especial. E de facto, contemporâneos de Hitler lembram que eram forçados a baixar os seus olhos quando Hitler olhava directamente para eles. Assim, - e apesar de Weber ter insistido que o carisma é uma característica inata, e algo que não pode ser adquirido, - não faltam livros com títulos “como ser/fazer…” que pretendem ensinar a qualquer pessoa, os segredos de como desenvolver carisma. 1 Já que estou em maré de confissões, em boa verdade isto não foi o topo da lista: certo dia o telefone tocou: gostaríamos que viesse à nossa empresa e mudasse completamente a sua cultura; precisamos disto feito no máximo dentro de uma semana. 2 O que é um total absurdo total, é claro. Em primeiro lugar, o carisma não pode ser adquirido. Em segundo lugar, nem é necessário (para a liderança). Terceiro, muito menos é suficiente. E finalmente, o carisma pode ser realmente muito perigoso. B. Montgomery foi um líder eficaz. No entanto, se há algo em que todos os seus contemporâneos concordam, é que se jantassem com ele, arriscavam-se a deixar cair o nariz na sopa ao adormecerem, já que ele era enfadonho até mais não. George Marshall? Era - de acordo com todos os contemporâneos - um homem singularmente desinteressante. Aqueles que eram íntimos de D. Eisenhower lembramno como um homem absolutamente comum. Harry Truman era tão carismático como uma cavala morta. Sloan também não era carismático, nem Adenauer, o chanceler que reconstruiu a nação alemã após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, os três primeiros, Montgomery, Marshall e Eisenhower venceram as duas personalidades mais carismáticas do século XX: Hitler e Mussolini (figura um). Figura Um C A R I S M A C O M P E T Ê N C I A Mussolini B. Montgomery Hitler George Marshall Dwight Eisenhower 3 Mas se o carisma não é condição necessária para a liderança, será ele então condição suficiente? Também não. O carisma só por si, não garante a eficácia de um líder. John F. Kennedy foi um dos presidentes mais carismáticos a ocupar a Casa Branca. No entanto, ele concretizou poucas coisas e falhou em muitas. Para começar, a Baía dos Porcos. Em seguida, tentou “agradar” a Krustschev quando se conheceram, criando uma impressão de fraqueza e assim levando ao quase-holocausto da crise dos mísseis de Cuba, quando a União Soviética testou a determinação americana. Kennedy era um político centroesquerda, e no entanto deixou para o seu sucessor, Johnson, o encargo de passar a maior parte da legislação dos direitos civis. Finalmente, o carisma pode ser perigoso, tal como Drucker comentou: pode ser a ruína dos líderes, uma vez que o carisma torna-os inflexíveis e convencidos da sua própria infalibilidade. Mao Tse Tung – após ter vencido a guerra – conduziu a nação chinesa, de desastre em desastre: primeiro foi o grande salto em frente e depois a revolução cultural. Tudo resultando numa economia em ruína e na morte de centenas de milhares, senão de milhões de pessoas. Estaline? Semeou a miséria e a desgraça à sua volta, não sendo capaz de alterar nenhuma das suas políticas: económica, social ou política. Assim, o carisma não garante liderança efectiva. E muitas pessoas carismáticas foram falsos líderes. Não realizaram nada ou realizaram menos do que poderiam (Kennedy). Ou inclusive destruíram tudo à sua volta (Hitler, Mussolini, Estaline, Mao-Tse Tung). O que distingue um líder, de um “misleader”- deslíder - (parte do problema), ou de um “underleader” – sublíder - (parte da paisagem), e ambos a ilustração viva do custo de oportunidade, é que o líder produz resultados. Mostra trabalho feito. É eficaz. E eficiente. Através de organizações, cujo objectivo é justamente permitir que homens e mulheres comuns façam coisas extraordinárias. Não através de “bravado”. Bruaá. E tal requer práticas, não algum tipo de “mana” especial. 4 II. Não há liderança, só gestão competente Roosevelt, Churchill, Marshall, Eisenhower, Montgomery, McArthur, Sloan, Welch, Grove, Gates, Jobs, foram todos líderes altamente competentes. Mas não há dois deles que partilhem qualquer lista de características pessoais, ou qualidades. Alguns eram extrovertidos (Welch, p.e.), outros distantes (Sloan, por exemplo). Alguns agressivos (Jobs), outros tímidos (Montgomery). Alguns excêntricos (MacArthur), outros conformistas (Marshall). Alguns eram preocupados (Grove), outros mais relaxados (Eisenhower). Alguns eram homens com grande charme (Churchill), outros tinham o charme de um bloco de gelo (Montgomery). Alguns eram gordos (Churchill), outros magros (Gates). Na História (e na história da gestão), houve todos os tipos de líderes: estudiosos e quase analfabetos; homens com uma vasta cultura geral e ignorantes (de tudo excepto o seu trabalho); alguns tinham os seus interesses fora do trabalho, outros não ligavam a nada, excepto ao que faziam. Em outras palavras, os líderes diferem tão amplamente entre si como os médicos, professores universitários, arquitectos, pianistas, ou engenheiros. O que todos eles têm em comum, são as suas práticas. O que fazem para produzir resultados. Para “entregar a carta a Garcia”. Para tal, começam por pensar na missão e objectivos da organização, definindo-os claramente. Algo que aproxime as pessoas e lhes dê uma missão e realização. O que está a fazer?, pergunta o visitante ao primeiro de três pedreiros. Estou a ganhar a vida, responde o primeiro. E você? Estou a cortar pedras, replica o segundo. E você? Estou a construir uma catedral, responde o terceiro. 5 Sem metas visíveis, pode-se correr muito, mas não se sabe para onde (como o presidente francês Mitterrand, uma vez acusou o seu sucessor Chirac, de fazer); ou pode-se querer muito algo, mas sem se saber bem o quê (como César disse de Brutus). Sem direcção, não há boas notícias: Num voo nocturno sobre o oceano, o piloto anuncia boas notícias e más notícias. A má notícia é que perdemos o contacto de rádio, o nosso radar não funciona, e as nuvens estão a bloquear a nossa visão das estrelas. A boa notícia é que há um vento de trás forte e estamos a fazer um óptimo tempo de voo. É por isso que a GPO - gestão por objectivos – falha com tanta frequência: é uma ideia óptima, apenas se soubéssemos quais são os… objectivos... Mas os objectivos, são sempre (figura dois) externos, nunca internos. Dentro da empresa só há custos. Assim, falar-se de centros de lucro é na melhor das hipóteses um eufemismo, já que o único centro de lucro numa empresa é um cheque de um cliente e desde que este não bata na trave… Figura Dois 1 Líder 2 Produz resultados (entrega a carta a Garcia) 3 A Resultados = no exterior (não no interior) Pessoa B Empresa Gestor = profissional que tem um cliente: a empresa Dentro da empresa só há custos Líder que foca em si deslidera Único centro de lucro = cheque de cliente que não bate na trave Resultados Empresa Pessoa 6 Dito isto, o plano deve ser firmemente executado (liderança é ter um plano e executá-lo com firmeza, Warren Bennis). O que exige organização, implementação, decidir sobre organizar, seleccionar as pessoas, colocá-las onde possam produzir mais, dar formação, coordenar, ouvir bem, comunicar melhor, motivar, descentralizar (não transformar os subordinados em simples mangas de alpaca), e controlar. E durante todo o processo, o líder faz a si próprio algumas perguntas fundamentais (figura três). Em primeiro lugar, o que precisa ser feito (e não o que eu quero fazer). De facto, não há nada tão estúpido como fazer bem, o que não tem de ser feito de modo algum. Figura Três SIM Harvard Business Review 2004 NÃO I O que precisa ser feito? O que eu quero fazer? II O que é melhor para a empresa Palavra-chave: Nós III Resultados (o que é sucesso?) Processo IV Uma/única pessoa responsável Comissões/task forces V Pontos de controlo Nenhum follow-up VI Insistência no rigor Permissividade VII Responsabilidade Poder VIII Trust (confiança) Não necessariamente gostar ou concordar Aplausos (não vendas) Palavra-chave: Eu Depois, o que é melhor para a empresa (e não para mim). O líder é um profissional cujo cliente é a empresa. Um líder que se concentra em si mesmo, não lidera, deslidera. O objectivo são vendas, não aplausos. 7 Segue-se focar em resultados, isto é, o que define o sucesso, não em micro-gerir. No trabalho feito, e não nas minúcias dos meios. Em toda a organização, deve haver uma e apenas uma pessoa responsável. Tal como um escravo com dois donos é um homem livre, também nenhuma tarefa é executada, se houver duas pessoas responsáveis por ela (figura 3). O que não é controlado, não existe, por isso o controlo deve acompanhar o (progresso durante a vida útil da) tarefa. Pobre Ike, era a voz corrente entre os militares, quando Eisenhower foi eleito presidente dos EUA: ele está habituado à disciplina militar e ao controlo. Agora no governo ele vai dar uma ordem e não irá acontecer absolutamente… Nada ... Todos os líderes (de Iacocca a Grove a Gates) abominam a permissividade, já que esta é tão compatível com o desempenho, como o óleo com a água. São contradições em termos. (Tal como dinamismo burocrático ou pragmatismo universitário). Assim, as práticas dos processos devem ser internalizadas, repetindo-as insistentemente. Tal como um músico pratica as escalas no piano diariamente. Se não, "após alguns dias, eu começarei a ouvir os erros, dentro de uma semana, os críticos e após duas semanas, até mesmo o maldito público”, assim diz o ditado entre os músicos.2 De seguida, e tal como a figura 3 mostra, com autoridade, mais do que poder, vem a responsabilidade. Por duas razões. É a coisa certa a fazer. E é a melhor maneira de alcançar desempenho. 2 Pedroto, o famoso treinador de futebol, começou como jogador, nos anos cinquenta no F.C.Porto, na altura um clube de terceira categoria, à escala europeia. Um dia o Porto foi jogar a Milão com o AC Milan, na época um dos principais clubes europeus. No balneário, o treinador disse à sua equipa: Eu quero que todos joguem como se fossem campeões do mundo; façam de conta que são eles: tu, como o Vavá, tu aí como o Didi, tu como o Garrincha (todos na altura campeões mundiais pelo Brasil). Vamos jogar ao ataque. Sem tácticas defensivas. Fazendo de conta, iremos fazer acontecer. Bem, o resultado foi quatro a zero, ... a favor do AC Milan, é claro. Após o jogo, o treinador estava inconsolável e sentado sozinho, num canto do balneário. Pedroto, ao vê-lo tão triste, levantou-se, aproximou-se dele, tocou-lhe no ombro e disse: mister, não fique assim, não esteja triste, sabe que mais?:olhe, faça de conta que ... ganhámos. 8 Abuso de poder, diz Brutus na peça Júlio César, de Shakespeare, é quando a consciência se separa do poder. Ubi commodo, ibi incommodo, diz a máxima latina: quem tem o poder, também deve ter a responsabilidade. É uma simples questão de justiça. Liderança como responsabilidade e não como posição e privilégio. Os líderes competentes não são permissivos, são exigentes, mas quando as coisas dão para o torto, eles não culpam os outros. Com eles "the buck stops here"(como dizia o dístico em cima da secretária do Presidente Truman). E precisamente porque os bons líderes sabem que eles e mais ninguém, são em última análise os responsáveis, não têm medo da qualidade entre os seus subordinados. Os misleaders (deslíderes) têm medo, e por isso fazem purgas. Mas um líder eficaz quer associados fortes: encoraja-os, eleva-os, coloca os louros neles. Assim como um líder é responsável pelos erros dos seus subordinados, também ele reconhece as suas vitórias, como seus triunfos e nunca como ameaças. Uma vez que as equipas com os melhores jogadores tendem a ganhar (J. Welch), líderes competentes querem pessoas à sua volta, capazes, independentes, autoconfiantes e, para tal incentivam, louvam e promovem os seus subordinados.3 Finalmente, tudo o referido acima é impossível de acontecer sem o líder ganhar a confiança dos seus subordinados. E criar confiança na empresa. Algo sobre o que Welch e Drucker eram inflexíveis. Sem isso não haverá seguidores e, por definição, um líder é alguém que tem seguidores... Estes não têm que gostar do líder. Nem concordar com ele. Apenas de reconhecer que ele quer efectivamente o que diz e que faz o que quer: palavras, acções, exemplo. Os líderes podem passar sem os oito factores na tabela três? Certamente, como também é certo que uma de duas coisas acontecerá: ou direccionam mal a organização, ou 3 Que é, naturalmente, um risco, pois as pessoas mais capazes tendem a ser ambiciosas. Mas os bons líderes percebem que é um risco menor do que ser servido por mediocridade. E que assim é um risco que vale a pena correr. 9 fazem-na ter um desempenho inferior, subóptimo. E então, em vez de um líder, tem-se um misleader (deslíder) ou um underleader (sublíder). Sendo a diferença entre eles, simplesmente uma questão de grau. Bem, mas então, qual é a diferença entre um líder (que estabelece metas, organiza, eleva, motiva as pessoas e controla o seu desempenho) e um gestor? Nenhuma. Um líder deve gerir e um gestor deve liderar. Eles são uma e a mesma coisa.4 De facto, qual é a definição mais comum de líder na literatura?: “alguém que faz as coisas através dos outros.” E liderança é “usar os outros para atingir certos objectivos.” E qual é a definição de gestão? As enciclopédias mais simples (como a Wikipedia) definem-na como “o acto de levar pessoas a alcançar objectivos (usando os recursos disponíveis de forma eficiente e eficaz)”. Na verdade, gestão é uma palavra dinamarquesa trazida para a língua inglesa, no século nono pelos Vikings: gestor (manager) é aquele que é responsável pelo trabalho de homens (man)5. 4 Alguns pretendem que a diferença entre um líder e um gestor é que o líder faz as coisas certas, enquanto os gestores faz as coisas bem (to do the right things and to do things right). Ou seja, os líderes são eficazes, enquanto os gestores são eficientes. Palavras bonitas, mas consegue alguém alcançar o mais básico de todos os objectivos, a sobrevivência de uma organização, se não for também competitiva através da eficiência? E qual é a vantagem de se fazer bem o que é irrelevante? Ser eficiente na ineficácia? Resultados exigem tanto a eficácia (para acertar no alvo), como a eficiência (fazer isso com o mínimo custo). Caso contrário, não se é competitivo. E assim não pode haver eficácia sem eficiência, nem eficiência sem eficácia, em qualquer posição na empresa. 5 Fonte da minha primeira "humilhação" às mãos de Drucker. Primeira aula, seminário de doutoramento. Drucker começa a falar sobre gestão. De repente, pára, olha para os alunos e pergunta: por falar nisso, o que é gestão?. Como todos ficaram em silêncio eu pensei para comigo mesmo: Isso eu sei, (tinha sido repetidamente ensinado pelos meus professores de licenciatura em Portugal); grande Jorge, a sorte protege-te. Primeira aula, primeira pergunta e aqui vou eu… Professor Drucker, sabemos a gestão vem de "manus", que em latim significa mão; assim gestão significa ter as coisas na mão, sob controlo. Isso é o que todas pessoas pensam, mas é mortalmente errado (uma expressão muito Druckeriana). Se fosse assim, teríamos uma palavra para management em todas as línguas latinas europeias: português, espanhol, francês, italiano e assim por diante. E não é esse o caso. Na verdade management vem de palavra dinamarquesa “manager” do século nono e significa a pessoa responsável pelo trabalho dos homens (man). 10 Jack Welch, num artigo recente6, define liderança como 1) energia positiva, 2) visão, 3) boas equipas, 4) cuidado e recompensa, 5) ensino, 6) decisão, 7) inovação e 8) execução. Bem… e Henry Fayol, um dos fundadores da gestão, há cem anos atrás? Definiu gestão como 1) planeamento, 2) organização, 3) comando, 4) coordenação e 5) controlo… Assim, não há qualquer diferença entre o que constitui uma boa liderança e os requisitos que conhecemos há décadas daquilo que é um gestor competente. E o facto de eu (ter procurado) demonstrar bem o que é óbvio, diz mais sobre mim, do que sobre (a importância do) tema. Ilustrando o que disse Drucker: Não há nada tão estúpido como fazer bem o irrelevante. Peter Drucker (1909-2005) 6 Business Week, 25/Abril/2009. 11