O imaginário e as músicas interpretadas por Elis Regina

Transcrição

O imaginário e as músicas interpretadas por Elis Regina
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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
EMANUELA DA SILVA
O IMAGINÁRIO E AS MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NA
DÉCADA DE 70
Tubarão
2008
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EMANUELA DA SILVA
O IMAGINÁRIO E AS MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NA
DÉCADA DE 70
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso
de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito à
elaboração do trabalho monográfico.
Universidade do Sul de Santa Catarina
Orientador: Prof. Mário Abel Bressan Júnior
Tubarão
2008
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EMANUELA DA SILVA
O IMAGINÁRIO E AS MÚSICAS INTERPRETADAS POR ELIS REGINA NA
DÉCADA DE 70
Esta monografia foi julgada adequada à obtenção do título
de Bacharel em Jornalismo e aprovada em sua forma final
pelo Curso de Comunicação Social, da Universidade do
Sul de Santa Catarina, e pela Banca Examinadora formada
pelos seguintes Professores:
Tubarão, 30 de junho de 2008.
______________________________________________________
Professor e orientador Esp. Mário Abel Bressan Júnior
Universidade do Sul de Santa Catarina
__________________________________________
Professor Ildo Silva da Silva
Universidade do Sul de Santa Catarina
______________________________________
Professora Darlete Cardoso
Universidade do Sul de Santa Catarina
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Dedico este trabalho monográfico às pessoas presentes e
ausentes da minha vida. Em memória de Juarez Souza da
Silva, meu pai. Onde quer que você esteja, saiba que tem
um pedaço seu aqui. Dedico este trabalho, também,
àqueles que me amam e me odeiam, porque sou como o
vento que refresca, mas também devasta; como a água que
sacia, no entanto afoga; como o fogo que aquece e
queima; como a terra segura que, às vezes, estremece; ou
seja, sou parte dos elementos criados pelo Arquiteto do
Mundo.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e às entidades de luz, que nos assistem através de sua
inteligência e sensibilidade, concedendo- nos sabedoria em todas as horas.
Agradeço, também, ao meu orientador, Professor Mário Abel Bressan Júnior,
pela paciência e dedicação.
À coordenadora do Curso de Comunicação Social, Professora Darlete Cardoso
pelo apoio e confiança.
Da mesma forma, agradeço a todos os professores e funcionários que estiveram
presentes nestes meus quatro anos de luta.
À minha família, em especial, à minha mãe e aos amigos do Coral Universitário,
principalmente, a Realdo Bez Fontana e Fabrício de Andrade pela contribuição e doação dos
seus conhecimentos.
Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, auxiliaram na construção deste
trabalho.
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“Vou partir a geleira azul da solidão e buscar mão do mar, me arrastar até o mar,
procurar o mar, mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo mar, meu coração
tropical partirá esse gelo” (JOÃO BOSCO E ALDIR BLANC).
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RESUMO
A música sempre ocupou um espaço como forma de expressão. Em alguns momentos da
história, ela foi mais do que a simples arte em sua totalidade. A música brasileira, em
especial, mostra-se bastante variável, devido aos acontecimentos socioculturais. Essa
característica flexível é conseqüência do modo de vida que a sociedade impõe. Logicamente,
para que a música obtenha este papel social é necessário que ela esteja inserida no contexto
social. O intérprete ou o cantor é responsável pela difusão e comoção em massa. Desta forma,
a canção atinge seu papel de comunicador. Portanto, faz-se necessário estudar o campo das
idéias, ou seja, o imaginário. O imaginário é definido como um reservatório motor. A
significação deste varia de acordo com os hábitos da época. Contudo, o imaginário é abordado
e aliado aos fatos históricos no período da década de 70. Na parte destinada à análise do
objeto as músicas de Elis Regina, cantora gaúcha, com fama internacional, destaca-se no meio
artístico, pois ela é o sinônimo da Música Popular Brasileira. Esta análise é feita de forma
paralela às explicações sobre o tema, bem como, os dados históricos, políticos e culturais,
justificando os fatos e as ações deste período.
Palavras-chave: Música. Imaginário. Elis Regina. Década de 70.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................8
2 O IMAGINÁRIO.................................................................................................................11
2.1 O CONCEITO DA PALAVRA..........................................................................................11
2.2 IMAGINÁRIO, MITO E IDEOLOGIA...............................................................................
3 O BRASIL E OS ANOS DE CHUMBO ............................................................................20
3.1 HISTÓRIA, CULTURA E POLÍTICA NOS ANOS 60 E 70 ...........................................20
3.1.1 A herança do AI-5 e os argumentos dos militares .................................................... 23
3.1.2 Violência, sangue e morte no Brasil Militar ...............................................................23
3.1.3 Tortura, carrasco e anistia ...........................................................................................26
3.1.4 Censura repressão e arte...............................................................................................28
3.1.5 A repressão e os movimentos estudantis ....................................................................31
3.1.6 Da tela do cinema aos festivais na televisão...............................................................34
3.1.6.1 A contracultura e os dissonantes sons do Brasil ........................................................35
4. METODOLOGIA...............................................................................................................40
4.1 PIMENTINHA, HÉLICE REGINA OU SIMPLESMENTE ELIS....................................41
4.1.1 A música ganha forma na voz de Elis Regina.............................................................41
4.1.2 Os vários papéis de Elis Regina ...................................................................................43
5 A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO NAS MÚSICAS DE ELIS REGINA...............47
6 CONCLUSÃO .....................................................................................................................72
REFERÊNCIAS......................................................................................................................75
ANEXO....................................................................................................................................80
ANEXO A – CD de Músicas e Imagens de Elis Regina
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1 INTRODUÇÃO
As tradições e contribuições dos diferentes povos, que colonizaram o Brasil,
fizeram deste país uma nação rica nos quesitos rítmicos e harmônicos. As manifestações
artísticas, aqui representadas pela música, assumem um papel que transcende a arte. A música
será sempre algo a ser estudado pela sociedade no contexto em que está inserida. Falar de
música é discorrer sobre o comportamento, a atitude e o pensamento do homem. A Música
Popular Brasileira é uma projeção cultural da sociedade brasileira como forma de expressão.
Napolitano (2005) diz que é necessário compreendermos as várias manifestações
e estilos musicais dentro de cada época, sem consagrar e reproduzir hierarquias de valores
herdadas ou transformar o gosto pessoal em medida para a crítica histórica.
Os sentimentos despertados pela Música Popular Brasileira é uma forma de
decifrar e analisar os vícios da sociedade. Veloso (1997) diz que a MPB, isto é, a Música
Popular Brasileira, tem sido, tanto para nós como para os estrangeiros, o som do Brasil do
descobrimento sonhado. Ela é a mais eficiente arma de afirmação da língua portuguesa no
mundo. Tantos insuspeitados amantes têm conquistado, por meio da magia sonora, da palavra
cantada, à moda brasileira, ou seja, é música representando o país.
Vimos, então, que a música é uma arte e cumpre uma função importante dentro da
comunicação. Segundo Adorno (1969), a música moderna não se rende ao culinário, sofre
acusação de intelectualismo. A música moderna seria “cerebral”, sem coração, feita para ler e
não para ouvir.
O presente trabalho busca observar a contribuição que a música popular brasileira
proporcionou à formação do imaginário, aqui delimitada nos anos 1970. O problema sobre a
questão do imaginário é saber se as músicas cantadas por Elis contribuíram para a formação
do imaginário social no contexto da Ditadura? Têm-se como objeto analisado as músicas as
quais tem como intérprete Elis Regina. Os motivos pelos quais selecionamos Elis e algumas
canções para analisar, de acordo com a teoria do imaginário, podem ser descobertos no
decorrer deste estudo.
O objetivo desta pesquisa é mostrar o papel social que a música pode exercer
quando usamos as ferramentas do imaginário, bem como, a capacidade de se perpetuar e
marcar determinadas épocas.
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A escolha do tema e a música na formação do imaginário social foram
intencionais por se consideramos que estas questões são fundamentais para os meios de
comunicação de massa. A mídia serve de “ponte” entre a sociedade e o indivíduo e a música.
O propósito é mostrar que os conjuntos de notas musicais, característicos das
canções, muitas vezes são mais do que sistemas e compassos harmônicos. E, mesmo tendo o
atributo de passatempo e entretenimento, a música tem, por natureza e finalidade, a função de
despertar sentimentos, emoções e recordações no homem.
A linguagem musical é única, no entanto envolve um grande número de ouvintes.
Ela também provoca interpretações diferentes para cada um deles, interagindo com o
imaginário, através de signos e códigos, neste caso as linhas melódicas das canções. A
sonoridade dessas músicas proporciona aos ouvintes um retorno ao passado no momento em
questão.
Explicar esta arte nos remete a um resgate histórico e, por este motivo,
escolhemos a década de 70. O período a que nos referimos é um marco na transição da
história do país. Este passa por modificações sociais, econômicas, culturais, políticas e,
logicamente, comportamental. Mudanças ultrapassam campos sociais e familiares, tanto que
nos incentivam a estudarmos o imaginário social. É necessário que se faça uma leitura dos
fatos e acontecimentos sociais dos anos 70, através das cinco composições interpretadas por
Elis Regina.
Neste período, há vários registros de conflitos políticos, vitórias, derrotas,
encontros e despedidas. A música destacava-se como arte, pois estava em evidência. Além
disso, havia uma ligação direta com a situação nacional. Uma vez que muitas pessoas
voltaram do exílio, outros desapareceram sem explicações. Estes fatos foram reflexos da
repressão que perdurou por anos no Brasil. A maioria das composições tinha algo a cumprir,
ou seja, expressar uma mensagem ora de lamento, revolta, indignação ou até mesmo
extravasar a emoção.
Elis Regina, a “pimentinha”, emprestou seu talento à canção brasileira e foi portavoz de muitos autores, cujas obras ficaram eternizadas pela sua interpretação. Elis, no auge de
sua carreira artística, tornou-se militante ativa e participante nos movimentos da época. O seu
canto, com a maneira particular de interpretar, fez de algumas canções hinos de algumas
situações, assim como, o famoso hino da anistia “O bêbado e a equilibrista”. Ela queria
mostrar a realidade brasileira através de sua forma de fazer arte, mas sua voz calou em 1982.
O Brasil perdeu Elis Regina, porém ela deixou como herança uma bela trajetória aliada à
história do país a qual está presente na memória daquela geração. Mesmo depois de quase
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trinta anos do seu falecimento Elis continua “viva” na história do país e da música popular
brasileira reconhecida internacionalmente.
Estudar a música como instrumento de comunicação através das tecnologias e do
imaginário é primordial para os acadêmicos do Curso de Comunicação Social. É uma forma
diferenciada de olhar os fatos históricos e, por meio deles, fazer uma leitura baseada na
comunicação.
A relação e definição de imaginário estão no segundo capítulo. Este trabalha com
autores os quais dão suas posições acerca do tema, além das mudanças sobre a questão do
imaginário com o passar do tempo. O imaginário pode visto através das tecnologias que
formam o próprio imaginário. Para melhor explicar essa relação do tema com objeto
analisado, agregamos o conceito de cultura, mito, ideologia e, para encerrar, o imaginário
político.
O terceiro capítulo segue um resgate histórico sobre as décadas de 60 e 70. Nele
vamos identificar fatos sobre a ditadura militar e a sua intervenção na vida da sociedade. O
capítulo está subdivido em tópicos. No primeiro, há um relato sobre o cenário político e a
situação da época, bem como, o papel de algumas instituições como igreja. Logo depois,
segue a descrição do regime militar e o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), sua atuação e
as intervenções na vida da sociedade brasileira e as mudanças que este impunha ao povo
brasileiro. A violência e as mortes decorrentes do regime militar vêm discriminadas no
próximo item. A tortura e a anistia também são relatadas no capítulo a seguir. A repressão, os
movimentos estudantis e o perfil da juventude, daquela época, estão relacionados em um
outro tópico. Os anos de chumbo, como fora apelidado este período, sofreu intervenções,
também, nas artes e nos festivais, o que está incluso no terceiro capítulo. E para encerrar este
contexto histórico o que foi o movimento da contracultura.
O quarto capítulo está destinado à metodologia com a descrição dos métodos usados na
pesquisa, a importância do conhecimento científico e o tipo de pesquisa. Neste há dois itens
relacionados à vida, trajetória, carreira e morte de Elis Regina. O outro item traz o aspecto
participativo da cantora engajada nas questões sociopolíticas do país. O quinto capítulo está
reservado para a análise e a construção do imaginário.
Após a contextualização histórica e a fundamentação teórica estrutura-se a parte
de observação do objeto, ou seja, a análise das cinco composições interpretadas; Como nossos
pais, O bêbado e a equilibrista, O mestre Sala das Marés, Construção, Corsário por Elis
Regina na década de 70. Este trabalho adota como linha de pesquisa a qualitativa descritiva
cujo objetivo é comprovar a importância da música para a formação do imaginário da época.
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2 O IMAGINÁRIO
2.1 O CONCEITO DA PALAVRA
O imaginário é um rio cujas águas passam muitas vezes no mesmo lugar, sempre
iguais e sempre diferentes (SILVA, 2003). É o que vem da imaginação. Não é considerado
real, é fictício e, muitas vezes, utópico, exatamente por não ser material ou visível. O grande
desafio não está em conceituar o imaginário e, sim, fazê-lo sem levar em conta que é parte
desta amplitude. Talvez, seja por isso que vários estudiosos tentaram fundamentar suas teorias
baseadas nos comportamentos socioculturais, tendo em vista que toda época tem paradigmas
sociais, entretanto cada pensador seguiu uma doutrina e, com ela, a linha de raciocínio.
Portanto, para Maffesoli (2001), o imaginário faz parte das civilizações, sendo
essencial para entender o povo. No entanto, Bachelard discorda afirmando que o processo do
imaginário se constitui da relação entre o sujeito e o objeto, que percorre desde o real o qual
aparece ao sujeito figurado em imagens, até a representação possível do real (Bachelard apud
TRINDADE, 2003). Sartre (1996, p. 165) considera a imaginação um ato mágico, um
encantamento através do objeto que, por sua vez, torna-se algo particular, isto porque, o meio
é o lugar comum onde estão os fatos e as ações. O imaginário que, também, fora designado
como falsificação do real ou reservatório motor, observado pela importância social, é a marca
digital simbólica do indivíduo ou do grupo na matéria do vivido.
Abaixo, temos mais uma concepção de imaginação, sob a visão de Silva:
Agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que
realizam o imaginário, leituras da vida e, através de um mecanismo individual/
grupal, sedimenta uma modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de aspirar ao estar
no mundo. O imaginário é uma distorção involuntária do vivido que se cristaliza
como marca individual ou grupal. Diferente do imaginado – projeção irreal que
poderá se tornar real -, o imaginário emana do real, estrutura-se como ideal e
retorna ao real como elemento propulsor (SILVA, 2003, p. 12).
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Ainda sobre o imaginário, Durand (2004, p. 14) acrescenta outras significações. O
autor conceitua o imaginário como um campo de idéias intangíveis o qual pode ser
considerado como um “museu”, ou seja, um lugar em que todas as imagens passadas,
possíveis, as produzidas e as que serão produzidas se encontram. Ele, também, afirma que as
civilizações são divididas em ocidentais e não-ocidentais.
Abaixo, o autor descreve como é o imaginário da civilização não-ocidental:
As civilizações não-ocidentais nunca separam as informações (digamos “as verdades”)
fornecidas pelos sistemas da escrita. Os ideogramas (o signo escrito copia algo num
desempenho quase estilizado sem limitar-se a reproduzir os signos convencionais,
alfabéticos e os sons da língua falada) dos hieróglifos egípcios ou os caracteres
chineses, por exemplo, misturam com eficácia os signos das imagens e as sintaxes
abstratas (DURAND, 2004, p. 6).
A diferença cultural entre ocidentais e orientais dá-se, segundo Durand (2004), na
questão politeísta, a qual faz com que as civilizações ocidentais utilizem o raciocínio de
Sócrates e sigam os ideais cristãos, abandonando os ídolos por uma verdade única. A nãoocidental, ao contrário, manteve seus símbolos, objetos e a significação da imagem, enquanto
que a civilização ocidental abriu caminhos para descobertas de novas técnicas. Fica claro que
o tema religiosidade está vinculado ao mundo abstrato, aquele cuja verdade pode ser
pragmática, dogmática ou, até mesmo, céptica, onde se abre espaço para várias interpretações.
(DURAND, 2004).
Weber observa que a religiosidade se vê obrigada a tolerar as relações significativas
(subjetivas) guiadas pelo misticismo ou pelos dogmas aceitos sem reticências. Ele
considera que a magia tinha do ponto de vista formal, uma estrutura racional
bastante comparável à de numerosas técnicas terapêuticas, principalmente porque
ela ambicionava eliminar as causas originárias (invisíveis ou demoníacas) dos
males mais do que tratar os sintomas aparentes (WEBER apud LEGROS et al ,
2007 , p. 64)
Ainda, na antiguidade, Lacan, que, por sua vez, localizou o imaginário entre a
filosofia e a psicanálise anterior ao simbólico, afirma que este passou a ser o teatro das ilusões
do eu (SILVA, 2003). Para Werneck (1977, p. 56), seria “a faculdade humana de interpretar a
realidade segundo um ângulo de visão, segundo um modo de ver”. A problemática a respeito
do imaginário e suas interpretações motivam pensadores de todas as épocas.
À medida que a sociedade evolui, pensamentos e teorias vão sendo modificados
ou aprofundados, de acordo com o meio, baseados nas pesquisas que envolvem o tema.
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Segundo Silva (2003), o imaginário possui significações ou tecnologias
particulares, técnicas ou disciplinas que compreendem o meio.
Segundo a perspectiva neoplatônica, as imagens e o imaginário são sinônimos do
simbólico, pois as imagens são formas que contêm sentidos afetivos universais ou
arquetípicos, cujas explicações remetem a estruturas do inconsciente (Jung, Campbell),
ou mesmo às estruturas biopsíquicas e sociais da espécie humana (DURAND, apud
TRINDADE, 2003, p. 16)
As tecnologias do imaginário e todos seus atributos, no conceito de Adorno, Foucaut e
Heidegger, é um relativo estágio primitivo das sociedades. As sociedades modernas
funcionam com base na vigilância e na punição; as pós-modernas, na sedução e na
recompensa a baixo investimento. Silva (2003) explica as tecnologias exemplificando os
fenômenos naturais por meio de associação.
As tecnologias do imaginário são, portanto, dispositivos (elementos de interferência
na consciência e nos territórios afetivos aquém e além dela) de produção de mitos,
de visões de mundo e de estilos de vida. Mas não são imposições. Na “sociedade do
espetáculo”, em que tudo é mediado por tecnologia de contato, por instrumentos de
aproximação massiva, as tecnologias do imaginário buscam mais do que a
informação (mitologia do jornalismo): trabalham pela povoação do universo mental
como sendo um território de sensações fundamentais (SILVA, 2003 p. 22).
A ideologia, também, é um instrumento presente no cenário sociológico, no
entanto, o que diferencia do imaginário é o fato de ela estar voltada para um grupo ou classes
sociais (TRINDADE, 2003).
Maffesoli (1991 apud SILVA 2003) define que a ideologia obedece ao princípio
da racionalização; o imaginário, ao da empatia. Contudo, para que isso seja possível, é
necessário relacionar as tecnologias, as quais elucidam dispositivos do imaginário.
O imaginário possui uma estrutura dissipativa, enquanto a crença, se insere nas
estruturas repetitivas. Pode-se explicar a crença, radiografar a mente, compreender o
espírito, mas somente descrever as manifestações do imaginário. A mente, o espírito e a
crença remetem ao demonstrativo; o imaginário expressões concretas. O imaginário só
existe como irrupção. Vulcânico,expele lava, detritos, fumaça, gases...A crença
restringe; o imaginário dilata (SILVA , 2003, p. 49 ).
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A discussão acerca do funcionamento das tecnologias levanta outras definições. É
o que diz Maffesoli, quando define o imaginário como “laço social”, que serve de cimento à
vida em sociedade (SILVA, 2003).
O imaginário afeta, fundamentalmente, nossa experiência histórica e nossa relação
com o tempo. As seqüências do fluxo temporal não se ordenam mais em uma série
linear de momentos revolutos; o presente é modelado por imagens sincrônicas a ele
e que permitem sua legibilidade. A imagem se impõe como uma constelação
formada por um clarão em que o Agora; ela não é redutível a qualquer suporte
narrativo, mas de natureza figurativa (Bildich) (LEGROS et al 2007 p. 87).
Tudo o que envolve o mundo das idéias, por conseqüência, gera mudanças no
meio cultural. E, falar em imaginário significa traduzir o coletivo e o social, de acordo com
cada época. Sendo assim, podemos abordar o imaginário social, ou seja, a sociologia deste.
Para Legros et al (2007), o imaginário social possui três significados
fundamentais:
a) a dimensão mítica da existência social;
b) a imaginação de uma outra sociedade;
c) o imaginário mais moderno;
d) e o imaginário do cotidiano.
O autor complementa a descrição sobre ao assunto dizendo que a fenomenologia
social é uma sociologia na qual os fatos não são jamais apartados das regiões da consciência,
ou seja, um olhar sobre as coisas que coloca, entre parênteses, em sua essência.
Se desenharmos um círculo para representar o conjunto imaginário, cobrindo uma
determinada época de uma sociedade, podemos dividi-lo em duas “fatias” na
horizontal, as quais correspondem, de baixo para cima, às três instâncias freudianas
e que aqui serão aplicadas metaforicamente a uma sociedade (DURAND, 2004 p.
93).
Entretanto, Durand (2004), na citação acima, tenta elucidar as instituições sociais,
dividindo a sociedade em três circunstâncias. Legros et al (2007) fundamenta seus argumentos
sobre a instituição formadora de padrões conceituais. Entre elas, o autor cita: a classe do
clero, a política e a artística da modernidade, as quais adotaram novas formas de pensamento.
A construção do imaginário individual, de acordo com Silva (2003), se dá,
essencialmente, por identificação, ou seja, reconhecimento de si no outro; pela apropriação,
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isto é, o desejo de ter o outro em si; e através da distorção, isto significa a reelaboração do
outro para si. Já o imaginário social, estrutura por contágio, isto é, há a aceitação do modelo
do outro (lógica tribal), a disseminação (igualdade na diferença) e a imitação (a distinção do
todo por difusão de uma parte).
Silva (2003) diz que o homem é interpelado, provocado e construído pelas idéias
que produz. Logo, o campo das idéias, ou irreal social, não pode ser desvinculado da história,
dos indivíduos e de tudo que o cerca.
Karl Marx atribui o imaginário à noção de alienação e à autonomia das
instituições econômicas ou religiosas, como produtos independentes das ações humanas,
expressando as contradições reais entre o produtor e o produto, que passam a ser reificados.
(TRINDADE, 2003).
Marx, também, fundamenta o imaginário como alegoria das negativas reais, ou
seja, o fantástico pelo real. Embora os pensadores discordem em muitos pontos em relação ao
fantasioso, ou seja, o que chamamos de imaginário, eles ainda concordam em atribuir uma
simbologia às imagens (LIMA, 1984). O que pode estar na vida cotidiana do indivíduo é a
solução do cotidiano o que estaria nas formas lúdicas ou nas instituições sociais, princípio do
pensamento capitalista.
Luckács (1972 apud Trindade, 2003, p. 24) diz que a consciência dos capitalistas,
ao mitificarem as relações reais dos homens com o produto ou instituição por eles produzidos,
é a condição do funcionamento adequado da economia capitalista.
2.2 IMAGINÁRIO, MITO E IDEOLOGIA
O mito é como uma fala roubada e restituída. Simplesmente, a fala que se restitui
não é a mesma que foi roubada, ou seja, o discurso, trazido de volta, não foi colocado no lugar
exato. É esse breve roubo, esse momento furtivo de falsificação, que constitui o aspecto
transpassado de fala mítica (BARTHES, 1977 apud BUCCI e KEHL, 2004).
Barthes (1977 citado por Bucci e Kehl) estrutura seus estudos na linguagem,
tendo a palavra um imenso poder dominante que sustenta o mito através da linguagem. Já,
Durkheim (1985 citado por LEGROS et al 2007) atribui as representações ao “mundo –
anterior” das idéias.
Bataille (1988 apud LEGROS et al, 2007) diz que o mito não é
dissociável do “estar-junto”, do qual ele é a “coisa” e que a possui através das práticas rituais
16
como as festas e as imposições simbólicas. Barthes (1977), ainda, alega que o mito é um
sistema de valores adulterados, e a língua do mito não se constitui, necessariamente, de
palavras. Ela pode ser: uma imagem, gestos, fotografias e outros. Barthes (1977) afirma,
ainda, que “o mito, hoje, é uma palavra, uma língua, uma comunicação, que constitui uma
mensagem”. Legros et al (2007) fala que a linguagem, o mito, os significados e as
significações são tudo o que cerca o meio social.
O imaginário faz parte da representação mental de uma realidade exterior
percebida, mas apenas ocupa uma fração do campo da representação, à medida
ultrapassa um processo mental que vai além da representação intelectual ou
cognitiva. A representação imaginária está carregada de emoções criadoras e
poéticas (TRINDADE, 2003 p. 25).
Flaubert (1969 apud Kehl, 2004) explica que o mito é o conjunto de conceitos
indiscutíveis, de pouca ou nenhuma ambigüidade, compartilhado por todos os membros de
um grupo, de modo a produzir, se não uma verdade, ao menos aquilo que ele chamava de
“effect du réel”.
Silva (2003) relaciona a mitologia individual com o imaginário, refere-se a ela
como forjada nas vivências culturais. Já Barthes (1977 apud Kehl, 2004) diz que a mitologia
contemporânea é o seu caráter individual e inteiramente impessoal. Na modernidade, o
engajamento subjetivo, o qual sustenta o poder, é cada vez mais consistente e inconsciente.
O imaginário é um recorte enquanto a crença resta uma totalidade. O estudo, que
até então se restringia ao terreno do fantástico e do idealizado, tornou-se mais próximo dos
indivíduos direcionado ao imaginário social.
Para Silva (2003), há uma diferença entre a sociedade política e suas
características, bem como, a sociedade civil cujas experiências fazem parte da rotina diária.
Essa separação entre a coletividade política e social abre discussões sobre outros ângulos
desta questão.
O papel do imaginário na vida cotidiana sublinha como a experiência vivida, o
labirinto das relações afetivas e o movimento tumultuoso das paixões se
concretizam em um cenário coletivo, simultaneamente banal e trágico, no qual a
mitologia (os heróis, os mártires, as vítimas sacrificiais, os ídolos de esporte ou da
canção , os faits divers extraordinários ou as superstições domésticas) habita as
formas sociais (LEGROS et al, 2007 p. 87 ).
A carência social é determinada através da forma como o cidadão avalia a
sociedade em todos os contextos: o social, o político, o econômico e o cultural. E, por meio
dessa avaliação, surge a necessidade de adotar ídolos, independentes das áreas de atuação
17
(DURAND, 2004). Durand afirma, também, que esses ídolos são caracterizados por símbolos,
ou seja, são representações que envolvem imagens e significações. Essas representações
surgem através de experiências vividas, das instituições sociais e dos costumes das épocas os
quais variam de acordo com a tradição de cada povo.
As homenagens, os fatos históricos, os míticos, os aniversários, os velórios, os
cortejos fúnebres, os casamentos e os batizados religiosos são rituais de
reatualização dos acontecimentos passados e de passagem de uma etapa de
existência humana para outra. Esses rituais diferem das simples cerimônias à
medida que marcam em suas performances, em atitudes, sentimentos e mudanças
significativas na vida social dos homens (TRINDADE, 2003 p. 23).
Segundo Trindade (2003), a história é a grande responsável pela criação de mitos
e heróis, pois, através dela, os povos criam ou recriam hábitos. A criação de ídolos, heróis e
tudo que envolve o mundo fantástico fazem parte do imaginário social de algumas
civilizações.
O imaginário faz parte da representação mental de uma realidade exterior
percebida, mas apenas ocupa uma fração do campo da representação, à medida que
ultrapassa um processo mental que vai além da representação intelectual ou
cognitiva. A representação imaginária está carregada de emoções criadoras e
poéticas (TRINDADE, 2003 p. 25).
O conjunto de idéias coletivas, atribuídas ao imaginário, sempre fora analisado de
maneira particular, agregando valores de outros estudos. A mitificação varia de acordo com a
necessidade da sociedade. Naquele momento, as representações e as significações são
constantes; como exemplo citamos o mito de Ícaro, cujo significado era “empurrar” o homem
a fim de libertar-se do peso das “asas”; ou o mito de Babel, o qual motiva a procura de uma
língua universal, de máquinas de tradução (LEGROS et al 2007). Há uma relação entre mito e
o imaginário social identificada pela carência de ídolos em cada época, ou seja, é preciso
acreditar em algo e preencher o vazio social através de mitos e ídolos.
É inegável falar em imaginário sem abordarmos o aspecto político da época,
sendo que, o instrumento de controle do Estado deve-se ao imaginário coletivo. As ações
coletivas estão repletas de valores que derivam das representações dos indivíduos (LEGROS
et al, 2007). Silva (2003) concorda com este aspecto do imaginário e completa o pensamento
através do viés do fenômeno tecnológico, para melhor explicar a fundamentação.
18
O homem sempre se entrega a algo: mitos, política, tecnologia, paixão, loucura, etc.
O imaginário é uma educação existencial dos sentidos e da percepção. O
iluminismo cumpriu exatamente esse papel de tecnologia do imaginário, gestando
uma visão de mundo fantasiosa, pseudocientífica, de um extremismo
emancipacionista alheio à realidade das vivências e das maneiras de assimilar o
vivido (SILVA, 2003 p. 30).
Silva (2001) afirma que o imaginário, além da argumentação e da persuasão,
contamina tudo pela sedução ou pela emoção. Conforme o autor, no campo político, a técnica
mais usada é o da persuasão. No entanto, a emoção é usada para convencer.
O imaginário político trabalha a argumentação através de um arsenal de
mecanismos emocionais, com os símbolos de um partido, as datas que devem ser
comemoradas, os heróis e mitos, que devem ser lembrados, os ritos que precisam
ser atualizados. O marketing, em política, resume o cruzamento da razão - o
planejamento publicitário racional - com a valorização do emocional (FAMECOS,
2001 p. 74).
De acordo com Silva (2003), tudo é um controle em relação à linha de
pensamento da escola de Frankfurt. Logo, a tecnologia é um instrumento a serviço da “coesão
social”, ou seja, um dispositivo capaz de produzir o controle pela manipulação das mentes,
emissor forte para um receptor passivo.
As relações de troca e a formação de um mercado universal resultam em duas
conseqüências, a nível imaginário, as relações sociais, ao mesmo tempo em que
tornam abstratas, assumem feições de objetividade, isto é, não temos homens
concretos em relações sociais concretas, mas relações objetivas e materiais como
simples troca de mercadoria em si e por si, já a nível sociológico, a sociedade
fragmenta-se em faixas de consumo ou subsistemas, cada uma dotada de valores de
um ritual de consumo específicos (MARCONDES FILHO, 1985, p. 71).
As manipulações ou seduções, lançadas ao receptor, devem-se ao avanço da
mídia, pois é através dela que a mensagem é transmitida. Durand (2002) afirma que, com o
desenvolvimento das mídias imagéticas, tais como: o cinema e a TV, cria-se uma civilização
da imagem, onde o imaginário é utilizado para vender e manipular, o que resulta na perda dos
significados.
Marcondes Filho (1985) concorda com Durand e acrescenta outros aspectos sobre
a TV. Para ele, a televisão, assim como os outros meios de comunicação de massa, tem por
base a escala industrial, a produção sem série aberta às regras mercadológicas. Essa mediação
torna-se fundamental para a sociedade atual e indispensável ao indivíduo de todas as classes.
19
As relações de troca e a formação de um mercado universal resultam em duas
conseqüências, a nível imaginário, as relações sociais, ao mesmo tempo em que
tornam abstratas, assumem feições de objetividade, isto é, não temos homens
concretos em relações sociais concretas, mas relações objetivas e materiais como
simples troca de mercadoria em si e por si, já a nível sociológico, a sociedade
fragmenta-se em faixas de consumo ou subsistemas, cada uma dotada de valores de
um ritual de consumo específicos (MARCONDES FILHO, 1985, p. 71).
Todas essas problemáticas podemos atribuir ao imaginário social e à vida
cotidiana, pela experiência vivida, através do labirinto das relações afetivas e do movimento
tumultuoso das paixões, as quais se concretizam em um cenário coletivo (LEGROS et al,
2007). É correto afirmar que “o imaginário não é uma forma social escondida, secreta,
inconsciente que vive sob as fibras do tecido social” (LEGROS et al , 2007 p. 110).
A diversidade do meio exige uma multiplicidade de caminhos para a entrada nos
labirintos da teia social. O irracional, o não- racional, o afetivo, o passional, o
estético e o emotivo não podem ser eliminados da análise sociológica pelo simples
fato de que não são quantificáveis ou passíveis de observação numa cadeia
repetitiva de indivíduo para indivíduo ou de grupo para grupo (SILVA, 2003, p.
76).
Silva (2003), ainda, enfatiza a importância do imaginário como ciência. “A
ciência é um empreendimento essencialmente anárquico, o anarquismo teorético é mais
humanitário e o mais suscetível de estimular o progresso do que suas alternativas
representadas por ordem e lei”.
20
3 O BRASIL E OS ANOS DE CHUMBO
3.1 HISTÓRIA, CULTURA E POLÍTICA NOS ANOS 60 E 70
Estudar o campo das idéias é aproximar-se das ciências sociais e da sociologia
que aborda o comportamento, a cultura e a história de cada nação. O conjunto de
transformações e apropriações e interpretações que o homem realiza junto à natureza, que
resulta num patrimônio comum de um grupo, de uma coletividade ou de uma sociedade,
alguns chamam de cultura (LOPES, 1995). A cultura também pode ser definida como um
conjunto de comportamentos, de crenças, de instituições e de outros valores morais e
materiais, característicos de uma sociedade e de uma civilização (CHAUI, 2000).
A discussão sobre cultura popular é enriquecida pela ordem do dia. A fusão das
preocupações políticos - ideológicas, com um maior rigor na pesquisa e na análise das
manifestações culturais e populares é o que leva ao aprofundamento nas questões conceituais.
Dessa forma, a cultura popular é entendida como produção historicamente determinada,
elaborada e consumida pelos grupos subalternos de uma sociedade capitalista, que se
caracteriza pela exploração econômica e pela “distribuição desigual do trabalho, da riqueza e
do poder” (AYALA et al, 1987, p.68 ).
As ações dos indivíduos integram um contexto histórico e sociocultural. O cenário
nacional brasileiro, na beira da década de 70, passava por mudanças em todas as áreas que
fazem parte da história do Brasil.
A questão da cultura nacional está ligada à necessidade de respondermos, para nós
mesmos e para o mundo, “quem somos” e “ o que queremos” para o nosso país.
Obviamente, as respostas a contrastante e conflituosa como a brasileira. Assim, tais
respostas tem variado muito desde então, expressando, principalmente , o variado
leque de discurso e ações dos vários atores sociais e políticos envolvidos na
construção desse mosaico chamado cultura brasileira: intelectuais,artistas, políticos,
cidadãos comuns das mais variadas origens (NAPOLITANO, 2001, p.7).
O final dos anos 60 e o começo dos anos 70, também, são conhecidos como o
período do “milagre brasileiro”, promovido pela ditadura (CHAUI, 2000). Nesta fase, o país
estava sob efeito do regime militar e de uma onda de acontecimentos os quais movimentaram
21
a sociedade brasileira. Muitos foram causados pelas disputas políticas e partidárias, também,
por movimentos estudantis e, por fim, pela inquietação vinda de toda parte.
Segundo Sodré (1984), o Brasil sentia a influência do cenário internacional
através da abertura do setor econômico ao capital estrangeiro; multinacionais, alta do dólar e o
modelo brasileiro de desenvolvimento. Mas, a situação mudaria com a instalação do governo
militar em 1964. A transformação na vida do povo brasileiro, a partir do golpe militar, foi em
1968, no qual se consolidou o autoritarismo e a ditadura (SODRÉ, 1984).
Em meio as inúmeras formas de controle militar, o mais cruel foi o Ato
Institucional Número Cinco (AI-5), instrumento adotado pelo regime militar em 13 de
Dezembro de 1968.
O ato consistia numa série de normas de condutas e deliberações as quais
deveriam ser cumpridas sem questionamentos. A partir deste ato, o poder nacional ficaria
exclusivamente nas mãos dos militares. O “AI-5 foi uma espécie de corte abrupto de uma
grande festa revolucionária, que estava em pleno auge”. Por isso, o ano de 1968 foi batizado
de “o ano que não acabou” pelo jornalista Zuenir Ventura (NAPOLITANO, 2001 p. 76).
O presidente, na ocasião, era o general Artur da Costa e Silva que propôs algumas
medidas. Uma delas foi o fechamento do Congresso Nacional. Entre outras estavam: a
censura; a determinação de censura prévia à imprensa , estendida à música, ao teatro, ao
cinema, aos assuntos de caráter político, a liberdade vigiada, a proibição de freqüentar
determinados lugares e a suspenção do “habeas corpus” para os chamados crimes políticos,
etc (SODRÉ,1984). Com AI-5, a sociedade brasileira passou a obedecer às regras de condutas
do ato institucional.
Suspender todas as garantias individuais;suspender todas as liberações publicas;
intervir em sindicatos; suspender imunidades parlamentares e, portanto,prender
parlamentares nesse caso,desde que obtenha aprovação do legislativo;atribuir às
Forças Armadas todos os poderes de polícia e entregar ao julgamento de tribunais
militares todos os que forem presos durante o “Estado de Emergência”
(KUCINSKI, 1982, p. 92).
Qualquer tipo de manifestação seria repreendida sob pena de prisão, exílio e
acusação de perturbação da ordem. Nem a igreja escapou da mão de ferro dos militares. “O
Padre Henrique Ferreira, ajudante de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e Olinda foi
assassinado. Padres são presos, torturados e assassinados” (KUCINSKI,1982, p. 101). O clero
tornava-se um alto comando da luta contra a repressão nos anos da ditadura. Um exemplo do
envolvimento religioso com a situação da política nacional, de acordo com Cirano (1983), foi
22
a perseguição a Dom Hélder que fez denúncias contra ações do governo militar, sobre as
torturas aos presos políticos.
A Igreja Católica foi a instituição que mais apoiou a resistência contra o regime
militar e, com isso, passou a ser o inimigo potencial do Estado. “O Estado adota políticas
contrárias aos interesses da população; a Igreja descobriu na aproximação com esses
interesses a fórmula da sobrevivência numa sociedade em violenta transformação”
(KUCINSKI, 1982, p. 101). Não só padres, mas um grande número de religiosos integrou ou
fez parte dos movimentos abaixo à ditadura.
O conflito entre Igreja e Estado atinge intensidade máxima exatamente em 1978.
Dois anos antes, grupos paramilitares matam dois sacerdotes, o padre Rodolfo
Lukenhein e o padre Penido Burnier, ambos em Mato Grosso. Na baixada
fluminense é seqüestrado e submetido a torturas e espancamento o bispo D.Adriano
Hypólito. Em 1977 a CNBB divulga o manifesto “Exigências Cristãs para uma
“Nova Ordem”, com a posição da Igreja sobre a crise institucional. O documento
encampa as posições, mas avançadas da posição liberal, exigindo um regime de
justiça social e democracia (KUCINSKI, 1982, p. 102).
O clima, entre representantes da Igreja e o governo, piorou com o passar do
tempo, e a manifestação de pessoas como D.Hélder foram vetadas da imprensa brasileira.
Cirano (1983), durante o período de 1970 a 1977, afirma que o que restou a Dom Hélder, em
termos de comunicação de massa, foi a imprensa internacional e o boletim oficial da
Arquidiocese de Olinda e Recife – um informativo mimeografado e de circulação restrita. “A
censura total a Dom Hélder, na imprensa brasileira, só começou a cair a partir de 24 de Abril
de 1977, quando o Jornal do Brasil, do Rio de janeiro, embora a imprensa continuasse sob
regime de censura prévia, publicou uma longa entrevista com o arcebispo” (CIRANO, 1983
p.147).
Gaspari (2003) pontua outros aspectos sobre o período de 1970 a 1974, dentre eles
podemos citar alguns acontecimentos que marcaram, tais como: o caso do historiador, Caio
Prado Júnior, condenado a quatro anos e meio de prisão; o discurso do Papa Paulo VI, que
condena a tortura brasileira; o seqüestro do embaixador alemão, Von Holleben, trocado por 40
presos. Neste período, houve 500 presos políticos, dentre eles 56% estudantes cuja idade
média era de 23 anos, e o embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher, foi trocado por 70
presos. Em 1971, Ulysses Guimarães assume a presidência do Movimento Democrático
Brasileiro (MDB). Médici vai à televisão e anuncia que trará os ossos de Dom Pedro I de
volta ao Brasil. A morte de Carlos Lamarca integrante do movimento Vanguarda
Revolucionária peça chave contra o governo militar. Em 1972, houve a proposta de abertura
23
da prospecção de petróleo para empresas estrangeiras. Neste mesmo período, é censurada a
sucessão presidencial. Médici manda impedir que O Estado de S. Paulo publique uma grande
reportagem sobre Geisel. A Anistia Internacional divulga os nomes de 400 torturadores. A
censura proíbe a declaração do presidente da Aliança Renovadora Nacional (Arena), Filinto
Müller, de que não há censura no Brasil. O semanário Opinião começa a circular, mas foi
censurado antes de ser lançado. No ano seguinte, 1973, a TV Globo estréia a primeira novela
em cores, O Bem Amado; a Fiat anuncia sua vinda para o Brasil; o ministro da Agricultura,
Cirne Lima, é demitido. A iniciativa privada entrega à Petrobrás o controle da Petroquímica
União, e, também, entra no ar o Fantástico, programa dominical da Rede Globo, aborda os
acontecimentos nacionais e internacionais em diversas áreas; artes, política, esportes, ciência
entre outros. Brasil e Paraguai assinaram o tratado que permitiu a construção da hidrelétrica
de Itaipu.
Fatos de 1974: Glauber Rocha, cineasta, surpreende a esquerda
com a declaração “acho que o general Geisel tem tudo na mão para fazer o Brasil um país
forte, justo e livre” (GASPARI, 2003 p. 502). A censura proíbe que se publique a declaração
de um deputado, contando que o general Golbery do Couto e Silva lhe disse que vai acabar
com a censura. Além disso, o exército mata o último guerrilheiro do Araguaia, foi o conjunto
de operações guerrilheiras ocorridas na década de 70. Houve, também tumulto e quebraquebra nos ônibus, em Brasília, e em trens, no Rio de Janeiro e São Paulo (GASPARI, 2003).
3.1.1 A
herança do AI-5 e os argumentos dos militares
O Ato Institucional Número Cinco (AI-5) vigorou durante 10 anos, terminou em
dezembro de 1978 (UNIFICADO 2008). Sodré (1984, p 107) analisa o período afirmando que
“ao longo desse processo, é fácil verificar a sucessividade de ações, de forças destinadas a
destruir as franquias democráticas e a deter o avanço das forças populares em nosso país”.
Toda a sociedade fora atingida diretamente pelo instrumento governamental da época, dos
meios de comunicação, como também, o imaginário social.
Através das fontes coletadas junto as coleções do DOPS, é possível ter uma idéia
do imaginário e das representações simbólicas que regiam o olhar e a produção
escrita dos agentes da repressão, dentro da estratégia da produção da suspeita.
24
Grosso modo, eles eram norteados por uma mistura de valores ultra-moralistas,antidemocráticos e anti-comunistas (NAPOLITANO, 2008).
O setor econômico, na época da ditadura, sofreu interferências significativas para
o país. Sodré (1984) afirma que a ditadura entregou o controle da economia do Brasil às
multinacionais e às instituições externas que geriam e ajudavam. Todo o plano da política de
transportes sofreu com o absurdo abandono da ferrovia e da navegação em benefício da
expansão rodoviária.
Com o início da decadência do AI-5, em 1974, os sintomas da crise financeira
começaram a aparecer, como por exemplo, “a enumeração dos altos índices alcançados –
PNB com destaque” (SODRÉ, 1984 p.105). O combate à inflação a custa do salário,
empreendido com rigor e através de máxima violência e de arbítrio, alcançou a redução de sua
taxa a um nível menos alarmante do que o apresentado no primeiro trimestre de 1964 e que
tanto serviu à propaganda golpista (SODRÉ, 1984). Kucinski (1982) ressalta um outro ponto
no ano de 1974, os preços sobem em quase 40 por cento. É apenas uma amostra de que eles
subiram. O assalariado, que recebia o salário mínimo oficial, precisava trabalhar 157 horas
para adquirir a “ração essencial mínima” para uma única pessoa, em um mês.
O êxodo rural é uma característica da época de 70. As regiões metropolitanas
ficaram inchadas de migrantes vindos de várias partes do país, como: a Grande São Paulo, a
Grande Porto Alegre, a Grande Belo Horizonte. O número de brasileiros que viviam em
cidades, em 1974, atingiu 60 por cento da população (KUCINSKI,1982). A grande
concentração de pessoas, no espaço urbano, levou os serviços públicos ao colapso
desencadeando crises sociais e políticas no Brasil.
De acordo com Kucinski (1982), por volta de 1971 houve uma epidemia de
poliomielite que matou entre 16 e 31 mil crianças. Isso aconteceu devido às péssimas
condições sanitárias e pela queda na qualidade da água concentrada nas periferias. Uma
epidemia de meningite surgiu, em 1974, às vésperas das eleições, provocando milhares de
mortes.
3.1.2 Violência, sangue e morte no Brasil Militar
25
Algumas normas foram criadas para atender o regime e outras já existiam, no
entanto tornam-se indispensáveis quando o assunto é repressão. Isso significa que e a ditadura
militar jamais será esquecida na história do Brasil. As práticas de violência foram aplicadas
com requintes de crueldade dentro das instalações.
O Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa
Interna (DOI-CODI) surgiu em 1970, comandado pelo Exército, que detinha o controle sobre
todos os organismos relacionados à segurança nacional, sejam elas: Forças Armadas, policiais
estaduais ou federais, bem como, o Departamento de Ordem e Política Social ( Dops), em São
Paulo.
O duelo contra a repressão fora representado de forma pacífica por uns, no entanto
algumas facções optaram pelo combate com armas de fogo. E, a resistência armada é
representada por ações como: Ação Libertadora Nacional (ALN), Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário (PCBR), Movimento Revolucionário Número Oito (MR-8), nome
adotado após o seqüestro do embaixador norte americano, Charles Burke Elbrick, em 1969.
Nomes como: Carlos Lamarca, Fernando Gabeira, Franklin Martins, César Benjamin, Cid
Benjamin, Cláudio Torres da Silva e outros são militantes conhecidos do MR-8 (ARNS,
1985).
Jornalistas, intelectuais, artistas, operários, padres, políticos, donas de casas,
estudantes, homens, mulheres, jovens, velhos ou crianças, ninguém fora poupado das
crueldades, das torturas ou até mesmo da morte. Kucinski (1982) explica sobre a prisão dos
cinco jornalistas presos e torturados no DOI-CODI: “Vladmir Herzog, muito profissional,
morre em virtude das torturas. O DOI-CODI alega que Vladmir Herzog havia se suicidado. A
notícia da morte de Herzog corre como um rastilho de pólvora e forma-se imediatamente um
poderoso movimento de protesto.” (SODRÈ, 1982 p.48). O caso Herzog rendeu críticas e
represálias ao governo. Além disso, o II Exército divulgou a foto do jornalista morto,
segurado por uma corda no pescoço, atada à janela. A versão oficial era a de que o jornalista
havia se enforcado, e o fato de a janela ser baixa, juntamente, com as pernas do jornalista
estarem dobradas, só aumentava o ridículo da “causa mortis” oficial (NAPOLITANO, 2004).
Havia uma lista de desaparecidos, entre eles estava o nome do ex-deputado Paulo
Wright, bem como, toda a direção do Partido Comunista Brasileiro. Durante o período de
setembro de 1973 a setembro de 1975, trinta e duas pessoas desapareceram (KUCINSKI,
1982). D. Paulo Evaristo, no final de 1973, começa a colecionar nomes e vestígios que
documentassem uma lista de “desaparecidos”. Ele englobava todos os cidadãos capturados
cujos cadáveres sumiam sem deixar vestígios (GASPARI, 2003).
26
Os desaparecidos do PCB realimentavam a estratégia do embaraço. Eram pessoas
com passado de militância política, não estavam metidos na luta armada e
dispunham da rede de solidariedade do partido. Uma coisa era sumir com os
integrantes do Grupo Primavera, da ALN, vindos clandestinamente de Cuba na
esperança de reorganizar as bases brasileiras. Outra, fazer desaparecer um exparlamentar como Luís Maranhão. Esse caso levou o deputado Thales Ramalho,
secretário-geral do MDB e chefe da corrente moderada do partido, à tribuna da
Câmara [..] Ramalho entrincheirou-se, no embaraço, cobrando explicações ao
governo . Leu uma carta da viúva e concluiu; “É com sentimento de vergonha que
transmito a esta Casa esse impressionante documento para o conhecimento de todos.
Vergonha de que,em meu país,uma carta dessas possa ser escrita. Daqui , quero
fazer uma pelo ao presidente Geisel : mande apurar este caso.” (GASPARI, 2003 p.
399).
Esse era apenas mais um caso dentre muitos que desapareceram, e, ainda assim, o
governo não cedia às pressões. De acordo com Kucinski (1982), o governo não estava
disposto a abrir mão de seus poderes excepcionais de que dispunha, nem admitir, sob
qualquer tipo de pressão de facções, ou grupos que visavam, segundo eles, queimar o
processo de desenvolvimento. Os militares justificam sua posição num pronunciamento feito
na TV e criticam o modelo de governo democrático, “fórmula ultrapassada e
comprovadamente inadequada à realidade brasileira” (KUCINSKI,1982, p.47).
A revista Isto É, de 24 de março de 2004, trouxe uma reportagem trazendo
documentos confidenciais que revelavam dados sobre a ditadura. Surgiram dois grupos ultra –
secretos: um no CIE, de Brasília, e o outro no DOI-CODI, de São Paulo, formados por menos
de dez pessoas. Estes grupos estavam autorizados a assassinar e sumir com os corpos, mesmo
assim, ainda foram responsáveis pelo desaparecimento de cerca de 80 presos políticos entre
1973 e 1975. “Em 1973, concluímos que: ou a gente matava todo mundo ou essas guerrilhas
nunca teriam fim” (JUNIOR, 2004).
3.1.3 Tortura, carrasco e anistia
O general, João Batista Figueiredo, presidente da república, assinou, em 1979, a
Lei da Anistia, mas a bandeira, ampla e total da anistia, não chegou ao Brasil. Kucisnki
(1982) afirma que a anistia beneficiou mais aos torturadores.
27
Ficam anistiados os que praticaram crimes políticos, mas não os condenados por
crimes de seqüestro, assalto e atentado pessoal, mesmo quando essas ações tinham
finalidade estritamente política; ficam anistiados os servidores públicos e militares
punidos com Atos Institucionais e Complementares, mas sem retorno aos cargos
que possuíam depende de aprovação das autoridades de cada setor da existência de
vagas; os cassados por Atos Institucionais, demitidos de sindicatos e processados
pela Lei de Segurança Nacional- mesmo ainda não julgados – continuavam
inelegíveis, porque o governo não revogava a lei das inelegibilidades (KUCINSKI,
1982 p. 134).
O perdão concedido pelo Estado passaria uma borracha nos crimes praticados por
militantes de esquerda e militares, ou seja, todos que torturaram e executaram presos políticos
durante a ditadura (ISTO É, 2004). Mesmo anistiados, alguns coronéis do Exército viveram
na clandestinidade, como por exemplo: Paulo Malhães, José Brant Teixeira, Aldir Santos
Maciel e os ex-cabos Félix Freire Dias e José Bonifácio Carvalho. Estes homens não
possuíam telefones registrados em seus nomes, não forneciam o endereço, nem sequer aos
amigos, e continuavam utilizando os mesmos codinomes de “doutores”, criados nos centros
de informação do regime (ISTO É, 2004).
Os métodos, nos interrogatórios, nos porões do DOI-CODI e DOPS,
simplesmente, ignoravam os direitos humanos. É o que descreve Arns (1985, p. 39).
O interrogado sofreu espancamento com um cassetete de alumínio nas nádegas, até
deixá-lo, naquele local, em carne viva, o colocaram sobre latas abertas, que se
recorda bem, eram de massa de tomates, para que ali se equilibrasse, descalço, e,
toda vez em que ia perdendo o equilíbrio acionavam uma máquina que produzia
choque elétricos, o que obrigava ao interrogado à recuperação do equilíbrio [..] a
interrogada quer ainda declarar que durante a primeira fase do interrogatório foram
colocadas baratas sobre o seu corpo, e introduzida uma no seu ânus.
A lei da anistia, sancionada pelo presidente Figueiredo, concedeu a liberdade a 17
dos 52 presos políticos, os outros 35 permaneceram à espera de uma análise mais demorada
dos seus processos. Entre presos, cassados, banidos, exilados ou simplesmente destituídos dos
seus empregos, a Lei de Anistia beneficiou 4.650 pessoas, entre as quais estavam os exgovernadores Leonel Brizola e Miguel Arraes, e os ex-líderes estudantis Vladimir Palmeira e
José Dirceu (UNIFICADO, 2008). Ainda, sobre o processo de anistia, Kucinski (1982, p.135)
comenta que “o compromisso de que o aparelho de repressão não será investigado e julgado,
de que o passado não será exumado.”
De acordo com Napolitano (2001, p.65), o regime militar possuía estratégias
implícitas em todas as áreas, também, nas organizações populares, além disso, perseguia
28
parlamentares, ativistas políticos e sindicalistas. Inicialmente, estas estratégias não se
preocuparam com a classe artística e intelectual. O regime pode ser definido como simples e
controlador, pois “isolado, cantando para a classe média da cultura, o artista não era um
perigo”, explica a visão sobre a classe artística. Mas a estratégia do governo mudou depois da
radicalização que atingiu a classe média. (NAPOLITANO, 2001).
O governo pretendia trazer as 22 personalidades políticas, relacionadas nos
levantamentos do Serviço Nacional de Informações, isso incluiria: Luis Carlos Prestes, Mário
Covas, que foi cassado e preso depois do AI-5, o qual voltou a vida ativa no MDB, mas não
podia votar nem ser votado, assim como eles muitos outros também sofreram, como Fernando
Gabeira, José Dirceu e outras pessoas que ficaram exilados (ÉPOCA, 2008).
3.1.4 Censura , repressão e arte
Com o recesso do Congresso, desde dezembro de 1968, articulava-se a
implantação de uma nova Constituição e a reabertura do Legislativo, no entanto essas
propostas foram adiadas, porque o presidente Artur Costa e Silva adoeceu e acabou se
afastando do Poder Executivo (SODRÉ, 1984). As intervenções aconteceram em todas as
escalas sociais, bem como, os veículos de comunicação de massa rádios, TVs, jornais e até as
artes.
Em dezembro de 1968, com a edição do AI-5, não houve condições para manter a
linha de independência e combate à situação instalada no Brasil. Correio da Manhã
teve a redação invadida; prisão de sua proprietária, Niomar Moniz Sodré, que ficou
semanas na mesma cela das prostitutas apanhadas pela ronda policial; prisão de
seus principais redatores; boicote total da publicidade pressionada pelo governo o
"Correio" tornou-se que nem a família do poeta: "Uma fotografia na parede"
(CONY,2008).
Os jornais da época sofreram com a censura imposta pela ditadura do regime
militar, por conta disso, muitos mudaram a linha editorial. Enquanto alguns veículos sofriam
as conseqüências pela desobediência, outros veículos, como a TV, ganharam espaço já que
29
era recém chegada ao Brasil, pois sua instalação deu-se em 1950. Já o rádio era o veículo das
grandes massas, reinando desde 1930 (NAPOLITANO, 2001).
Para Ramos (2004), a televisão no Brasil passou por oscilações desde sua
instalação: caminhos interrompidos, como a TV Excelsior (1960-1969), emissora com traços
nacionalista e modernizadores, e o da TV Tupi (1950-1980). No governo de Médici inúmeras
pressões foram exercidas sobre as emissoras de televisão mediante às punições com multas e
até a suspensão de alguns programas, como medida corretiva (MATTOS, 2005).
O regime, que fora devidamente articulado e o poder Executivo tinham plenos
poderes para censurar e estimular a autocensura, evitando, assim, a publicação ou transmissão
que levar processos que se enquadram pela Lei de Segurança Nacional (MATTOS, 2005).
Alguns jornais nem circularam e, quando voltaram às atividades, não publicaram nada sobre o
ato.
[..] as autoridades aprenderam as edições de O Paiz, do Rio, e O Estado de S. Paulo
e Jornal da Tarde, de São Paulo, como também jornais de Goiás e do estado do
Rio.O Correio Braziliense, de Brasília, foi publicado com colunas em branco. A
apreensão da edição do dia 13 do Estadão foi motivada pelo editorial „Instituições
em frangalhos‟, que atribuía a crescente agitação aos „erros do presidente‟. O Paiz
foi acusado de subversão. Em seguida ao Ato, foi imposta severa censura à
imprensa, ao rádio e à televisão. Contrastando com os diários do Rio, os de São
Paulo divulgaram, no dia 14, notícias sobre detenções [...] A coluna editorial do
Jornal do Brasil foi preenchida por uma fotografia, e grandes partes das páginas,a
partir da primeira, continham anúncios classificados em lugar de noticiário.Uma
previsão do tempo dizia: „ Tempo Negro.Temperatura sufocante. O ar está
irrespirável. O país está sendo varrido pelos fortes ventos‟. [...] O Jornal do Brasil,
assim como vários jornais cariocas não apareceu no domingo e quando retornou a
publicação não era fonte de informações políticas. A „Coluna do Castelo Branco‟
foi proibida. Carlos Castelo Branco, autor da coluna, foi preso em Brasília, acusado
de participação dos acontecimentos que levou à derrota do governo no Congresso
(MATTOS, 2005, p. 115).
A imprensa e seus veículos fiscalizados pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), criado no governo de Getúlio Vargas em 1939, bem como, a Lei de
Imprensa, criada em 09 de Fevereiro de 1967, continuaram, durante todo o período da
ditadura, vigiada “no que diz respeito à legislação, a censória brasileira, pode-se afirmar que,
além de vasta, ela é dispersa e desatualizada” (MATTOS, 2005, p. 17).
A justificativa para os atos cometidos, na época, foram o que deveriam manter a
ordem e o controle, bem como, o respeito ao regime.
É verdade que a repressão aos jornais, rádios e TVs de todo o país começou a ser
praticada de fato (ainda que de forma não assumida abertamente) desde 1964
30
,quando os militares derrubaram o governo constitucional e se estabeleceram no
poder. O que se alegava para o veto à divulgação de notícias e até para atentados a
bomba contra sedes de jornais ou prisões e torturas contra jornalista era uma coisa
só: os órgãos de imprensa estavam infiltrados de comunistas que distorciam a
“verdade” q eu, através de uma “guerra psicológica”,pretendiam levar o Brasil ao
“aos sangrento do comunismo” (CIRANO, 1983, p.145).
Conforme Mattos (2005), era tarefa do DIP, fiscalizar e controlar o registro dos
jornais, das emissoras de rádios e dos serviços de alto falantes. O exemplo seguido era o do
nazista. Essa repartição preparava e encaminhava listas de assuntos proibidos para os jornais e
para as emissoras de rádio. Durante o AI-5, independente de serem grandes ou pequenos,
todos os jornais foram atingidos.
A Emenda Constitucional n º 1 , de 17 de Outubro de 1969, permitiu ao governo
baixar, em 26 de Janeiro de 1970, o Decreto-lei 1.077, pelo qual a censura à imprensa foi
estabelecida, e o “Executivo aparelhou-se para, eventualmente, vedar as circulações de
publicações contrárias à moral e aos bons costumes, veículos utilizados por agentes da
subversão para minar e solapar os valores morais da família brasileira” (MATTOS, 2005, p.
116).
Um outro aspecto do período é o “verdeamarelismo” citado por Chauí (2000),
instituído pelo governo, referindo-se à Copa do Mundo de 1970 e ao patriotismo brasileiro.
Foi um pano de fundo difuso e ambíguo, significando nacionalismo espontâneo e alienação,
em contra partida, foi revitalizado e reforçado nos anos da ditadura (1964-1985) ou do “Brasil
Grande”. Conseqüência de uma época mais dura da ditadura que foi o governo de Emílio
Garrastazu Médici, que priorizava ganhar o apoio da classe média, por meio da política,
estimulando o consumo e o crescimento econômico, aliado a repressão e a censura.
(NAPOLITANO, 2004).
A conquista do tricampeonato de futebol, na Copa do Mundo, realizada no México
em 1970, foi perfeita para a propaganda do governo. “Para frente Brasil”, “Eu te
amo Brasil”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, eram slogans oficiais. Paralelamente os
meios de comunicação de massa e a indústria da cultura como um todo conheciam
uma época de expansão sem precedentes (NAPOLITANO, 2004, p. 82).
O espírito patriota divide opiniões a respeito da Copa de 70, e os jornais atacam as
opiniões contrárias ao regime da época. Cirano (1983) enfatiza algumas posições de alguns
veículos de imprensa sobre a crítica a D. Hélder:“Aquela nação, um bispo vermelho, à serviço
do diabo, vem mostrando às platéias da Europa e da América, como se fosse um vasto campo
31
de concentração, onde os presos são torturados, as crianças fossam nas latas de lixo como
porcos, e os padres são mortos nas ruas como índios nas selvas” (CIRANO, 1983 p. 135).
Para Napolitano (2004), o governo de Geisel (1974/1979) apoiou uma política de
abertura com a censura mais branda depois do resultado das eleições de 1974. Consideravam
a aproximação da classe artística e a imprensa um bom canal de comunicação entre o Estado e
a sociedade.
No período de 1968 a 1978, vários artistas e escritores foram enquadrados na Lei
de Segurança Nacional. Durante este período, mais de 500 livros de autores brasileiros e
estrangeiros, como Rubem Fonseca, João Louzeiro, Ignácio de Loyola de Brandão, Régis
Debray, Henry Miler e Louis Althusser foram censurados e tirados de circulação (MATTOS,
2005).
Napolitano (2004) defende que a repressão contribuiu para que uma rede de
cultura alternativa, ligada à lógica artesanal, crescesse e dominasse o mercado. “A imprensa
alternativa, o teatro e o cinema “marginais” conheceram uma grande expansão, apesar da
vigilância política, policial e das limitações financeiras.”(NAPOLITANO, 2004, p.83).
Assim como os jornais, rádios e tvs, o cinema também foi alvo do regime, já que
os militantes consideravam a cultura popular apropriada como uma forma didático pedagógica
para os intelectuais (MATTOS, 2005).
3.1.5 A repressão e os movimentos estudantis
A classe estudantil participou ativamente deste período e tiveram uma
participação importante para a história nacional. Os protestos, assim como, todas as
articulações dos movimentos estudantis ganharam forças e acabaram sendo perseguidos pela
polícia por serem considerados agitadores (ARNS,1985). A onda tomava conta de todo país.
“Em Brasília, o presidente da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília, Honestino
Guimarães, era caçado por policiais do DOPS até no forro da Igreja de Santo Antônio, onde
os estudantes estavam reunidos”(VENTURA, 1988, p.113).
A União Nacional dos Estudantes (UNE), fundada em 1937, tornou-se um
símbolo como entidade unificadora das lutas estudantis, em escala nacional, tanto nas
questões específicas do ensino quanto nas motivações políticas explícitas, em defesa da
32
democracia e dos direitos humanos (ARNS, 1985). Outras siglas foram criadas e incorporadas
no meio estudantil, como por exemplo, a União Estadual dos Estudantes (UEEs), que
coordenavam os estudantes de cada Estado, sob liderança da UNE , bem como, Diretórios,
Grêmios e Centros Acadêmicos (ARNS, 1985).
Arns (1985) ressalta vários fatos marcantes na história dos confrontos entre os
movimentos estudantis e as forças armadas. Um deles foi a passeata de 22 de Setembro de
1966, batizada como “setembrada”, cujo slogan era “Abaixo a Ditadura”. Após 1968, o ano
do AI-5, a situação piorou. A morte do estudante, Edson Luís Lima Souto, morto a tiros pela
polícia, numa manifestação pacífica, em defesa de um restaurante universitário, Calabouço. A
repercussão de alguns acontecimentos políticos resultou em protestos que ficariam conhecidos
na história do país (VENTURA, 1988).
Como um rastilho de pólvora, seguiram-se manifestações vigorosas de protesto, em
todo país, com choques e a repressão policial se repetindo em todos os Estados. No
Rio de Janeiro, no dia 25 de junho, realizou-se uma passeata com 100 mil pessoas,
que partiram do repúdio àquele brutal assassinato do jovem Edson para repudiar
também toda a polícia economia imposta desde 1964 e as inúmeras medidas
restritivas da liberdade de manifestação (ARNS, 1985, p.134).
Para Starling (1986), a UNE procurava estabelecer uma ponte de ligação entre a
reforma universitária e o problema colocado pela necessidade de uma reforma geral da
sociedade brasileira. O fortalecimento da instituição estudantil expandiria para as principais
cidades do país, e com isso a criação do Centro Popular de Cultura (CPC). O CPC, em
atividade em todo país, disseminou músicas, peças de teatro, poesias e outras modalidades
artísticas, com mensagens em defesa do nacionalismo e da justiça social (ARNS, 1985).
No entanto, havia outras instituições como: o Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap) que era uma organização formada por professores expulsos da
Universidade de São Paulo. O grupo discutia e estudava problemas políticos e econômicos do
país, era parte de uma nova frente de propaganda adversa, com implicações na área estudantil.
A instituição juntava autores de pelo menos 37 livros e 168 artigos acadêmicos (GASPARI,
2003). O grupo recebia apoio da classe empresarial paulista e reunia entorno de vinte
acadêmicos.
33
Frederico Mazzucchelli, que 1968 freqüentara um grupo de estudantes radicais do
qual saíram pelo menos três quadros da luta armada, for preso na rua. Apanhou
durante seis horas e ficou 25 dias na cadeia. Estava no pau-de-arara, e os policiais
se divertiam aconselhando-o: “Vai reclamar com o Geisel”.[..] mais três professores
do Cebrap foram presos, um deles Vinicius Caldeira Brant, ex-presidente da UNE,
foi demoradamente torturado. A partir desse momento o porão começou a perder a
parada. Fernando Henrique Cardoso bateu na casa do cardeal Arns às onze horas da
noite e pediu-lhe socorro. Às sete da manhã seguinte, D.Paulo encontrou-se com o
comandante do II Exército. A tortura cessou (GASPARI, 2003, p.408).
Napolitano (2004) fala sobre a juventude da época, no final dos anos 60, e a classe
universitária crescia, e a sua maioria era constituída por jovens egressos de família de classe
média com poder aquisitivo significativo. Para o jovem com mentalidade crítica, que vivia no
início dos anos 1970, restavam três opções: a resistência democrática, em pequenas ações no
seu cotidiano; a clandestinidade da guerrilha ou o chamado desbunde e a busca de uma vida
“fora” da sociedade estabelecida. Paiva (1982) concorda com Napolitano e diz que a geração
daquela época era ativa nos movimentos estudantis os quais eram conhecidos como “bichos
grilos” ou “malucos” politizados a qual ele fazia parte. Marcelo Rubens Paiva é filho de
Rubens Paiva, deputado federal, que foi seqüestrado dentro da própria casa e desapareceu
destaque que:
No dia 21 de Janeiro de 1971, era feriado no Rio, por isso dormi até mais tarde. De
manhã, quando todos se preparavam pra ir à praia (e eu dormindo), a casa foi
invadida por sei militares à paisana, armados com metralhadoras. Enquanto as
minhas irmãs e as empregadas estavam sob a mira ,um deles, que parecia ser o
chefe, deu uma ordem de prisão: meu pai deveria comparecer na Aeronáutica para
prestar depoimento. Ordem escrita? Nenhuma. Motivo? Só Deus sabe. Quando
acordei e vi aqueles homens perguntei pra minha mãe o que era. Ela não respondeu
disse que o papai tinha saído. Desci, tomei café e vi as armas na sala. Não entendi
nada e fui jogar bola na praia. Quando voltei estavam todos assustados (PAIVA,
1982, p. 72).
A maioria dos jovens idealistas eram considerados da classe burguesa. “Eu,
apenas burguês. Eles calçavam All Star, um tênis todo fresco, americano, que encantava as
menininhas, dando um porte de jogador de basquete da Havard University” (PAIVA, 1982,
p.15).
A década de setenta foi simbolizada pela liberação feminina. O período foi de
revolução e marcou um salto no comportamento dos jovens, na música e na liberação sexual
da mulher. Foi a época do Festival de Woodstock, do movimento hippie, da onda disco, e
etc...
34
Rebeldia, protesto, misturada a sensação de liberdade eram símbolos que
representaram a negação da cultura dessa época uma das características da contracultura. A
valorização da natureza, da luta pela paz e a vida comunitária, contra as guerras, conflitos e
qualquer tipo de repressão, respeito às minorias raciais e culturais. O amor livre, drogas e a
aproximação das práticas religiosas orientais. (SUA PESQUISA, 2008).
De acordo com Pereira (1982), o movimento da contracultura invadia vários
aspectos da arte e da música e ganhou destaque com nomes como: Beatles, Rolling Stones,
Janis Joplin, Jimmy Hendrix, The Mama‟s and Papa‟s, Gênesis,Yes, Deep Purple, Led
Zepplin, Queen, Animals, The Who, Pink Floyd,Mothers of Invention, Jethro Tull. Os
festivais de Woodstock e Altamont, ambos marcaram época na história da juventude
internacional. O movimento de contestação de caráter social e cultural era um fenômeno que
se espalharia mundialmente, assim como define Pereira:
A contracultura se refere ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude. O
termo pode ser usado pode ser também se referir a alguma coisa mais geral, mais
abstrata, um certo espírito, certo modo de contestação, de enfretamento diante da
ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às formas mais
tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante (PEREIRA,1982, p.20).
A moda, também, fora atingida e recebeu outras tendências. Para os homens,
deixou de ser formal e ganhou um toque colorido e psicodélico; para as mulheres, romântica e
despojada: cabelos desalinhados, saias longas ou curtíssimas, com inspiração indiana, batas e
estampas florais ou multicoloridas. Além disso, o unissex entra na moda com suas “boca-desino” e sapatos plataforma (TERRA, 2008).
3.1.6 Da tela do cinema aos festivais na televisão
A juventude brasileira queria ir além: discutir o comportamento, a sexualidade, a
revolução. Os festivais acabaram se tornando palco dos debates estéticos, políticos e culturais
(NAPOLITANO, 2004).
O aspecto sociocultural da sociedade brasileira, na área da comunicação, passou
por várias transformações devido às proibições impostas pelo regime. Contudo, a década de
35
70 foi ao auge de um complexo processo de modernização capitalista do espaço audiovisual
brasileiro (RAMOS, 2004).
Essa década teve inúmeras personalidades como a atriz Leila Diniz e o fascínio
que ela exerceu sobre a sociedade conservadora, numa época em que as mulheres nem sequer
iam sozinhas aos bares e restaurantes, e não eram bem-vistas se falassem palavrões. Linda,
despojada e sedutora, Leila, ex-professora primária que saíra de casa aos 17 anos para viver
com o cineasta Domingos de Oliveira, ganhou notoriedade em 1966 com o filme Todas as
Mulheres do Mundo, em que aparecia nua (REVISTA ÉPOCA, 2008).
O cinema passava por um movimento chamado Cinema Novo, liderado pelo
diretor baiano Glauber Rocha, um verdadeiro líder cultural. São, desta época, os seguintes
filmes: Deus e o Diabo na Terra do Sol, Os fuzis de Ruy Guerra ou mesmo Vidas secas , de
Nelson Pereira dos Santos, O Cangaceiro e Terra em transe de Glauber Rocha.
(VELOSO,1999).
A expansão do mercado cinematográfico nos anos 70 forçou os setores culturais
que carregavam as heranças do período anterior a buscar uma nova sintonia com a
situação de modernização do país. Muito já se falou dos caminhos do Cinema
Novo, e de setores do Cinema Marginal, na nova realidade marcada por
características mercadológicas (RAMOS, 2004, p.26).
Os jovens idealistas estavam sedentos por liberdade em todos os sentidos, mas a
repressão tomara conta da juventude, e a intolerância estava em toda parte: no radicalismo do
movimento estudantil, na política, nas artes e no show-biz. Não havia mais espaço para o
diálogo como forma de apelo ou esperança.
3.1.6.1 A contracultura e os dissonantes sons do Brasil
Não há como separar a contracultura dos festivais promovidos na época. O III
Festival Internacional da Canção transformou a intolerância em espetáculo e a exibiu para
todo o país ao vivo e ao som de vaias, mais do que de música, como se refere Ventura (1988).
Na noite de 28, no teatro do TUCA, em São Paulo, algumas dúzias de ovos,
tomates e bolas de papel- acompanhadas por uma interminável vaia- iam proibir
que Caetano Veloso cantasse É proibido proibir,mas em compensação iam
36
provocá-lo a fazer o mais brilhante discurso de sua vida. Era a última fase nacional,
que classificaria seis músicas para representar o Brasil nas semifinais e finais do
Maracanãzinho (VENTURA, 1988, p. 202).
O movimento que chegara ao Brasil, ou seja, as correntes nacionalistas e
contraculturais, agora pareciam distantes. O exílio de Gilberto Gil e Caetano Veloso, assim
como, Geraldo Vandré e Chico Buarque de Holanda, como inimigos em comum à censura e à
repressão imposta pelo regime (NAPOLITANO, 2005).
A estética do tropicalismo ressaltava os contrastes da cultura brasileira, como o
arcaico convivendo com o moderno, o nacional com o estrangeiro juntamente com a cultura
de elite e com a cultura de massa. Assim, absorveu vários gêneros musicais como: samba,
bolero, frevo, música de vanguarda erudita e o pop rock nacional e internacional, mas também
as inovações da Jovem Guarda e a introdução da guitarra elétrica (ALBIN, 2003).
O Tropicalismo nos deixou um repertório de algumas pepitas de ouro como
“Superbacana” (Caetano Veloso), “Soy loco por ti América” (Gilberto Gil e
Capinam), “Marginalia 2” (Gilberto Gil e Torquato Neto), “ Panis et circenses”
(Gilberto Gil e Caetano Veloso), “ Lindonéia” (Gilberto Gil e Caetano Veloso), “
Geléia geral” (Gilberto Gil e Torquato Neto), “ Baby” (Caetano Veloso), “ Não
identificado” (Caetano Veloso), “ divino, maravilhoso” (Gilberto Gil e Caetano
Veloso), “ São São Paulo” (Tom Zé), entre outras (ALBIN, 2003, p. 296).
A música brasileira, assim como a história do país, passou por inúmeras
intervenções seja na parte melódica, bem como, as letras e composições. Vários nomes são
sinônimos para uma definição de cada período assim como: Adoniram Barbosa, 1959, o
samba, o desenvolvimento urbano industrial era a combinação entre arquitetura e natureza. É
o que Krausche explica:
A voz emerge como um dos elementos dessa nova canção: a “bossa-nova”. A sua
“muita calma pra pensar”, a ausência de grandes arroubos melodramáticos
expressavam um novo comportamento do músico e do intérprete frente às
possibilidades “oferecidas” pelas gravações e pelo poder da radiodifusão e o da
televisão . a voz espremida no “cantinho” poderia chegar a alguns milhões de
ouvidos nos centros urbanos do país. Para o artista abria-se o campo para integrar
as influências jazzísticas de um modo mais consistente e nacional à música
brasileira, chamado a atenção para uma relação mais íntima e mais rica entre voz
(música) e ouvido (KRAUSCHE, 1983, p. 71).
As combinações de sons vindas das regiões de todo o país fizeram com que os
jovens da zona sul do Rio de Janeiro, dos apartamentos de Copacabana, cansados da
37
importação de música norte-americana, resolvessem montar um estilo novo, isto é, a “Bossa
Nova”. Os grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo sempre foram formadores e
reprodutores da música popular (KRAUSCHE, 1983).
O envolvimento da juventude universitária, no movimento de resistência ao
modelo de economia dependente, consolidado pelas elites durante o governo Kubitschek
1964, e a música mais típica da alta classe média, prefigurada desde 1958 na Bossa Nova,
passara da sofisticação às camadas mais amplas, que acabou levando-a ao “retrocesso” da
grandiloqüência dos arranjos de festival, da aproximação artificial com temas folclóricos e a
preocupação ideológica nas letras (TINHORÃO, 1998).
Napolitano (2005) concorda e aborda o novo estilo de música brasileira e diz que
a eclosão da Bossa Nova, em 1959, iria marcar o surgimento não só de uma historicidade para
a esfera da música popular, mas também o surgimento de um outro pensamento musical,
voltado para a valorização da mistura dos gêneros musicais brasileiros com as tendências
modernas da música internacional de mercado, como o jazz e o pop.
[..] a “bossa nova” tornou-se a expressão mais ricamente trabalhada da música
popular brasileira,exigindo a “muita calma pra pensar”, a pesquisa para compor e
cantar; um produto sofisticado e urbano que atendia às expectativas de um público
interessado e jovem, principalmente da chamada classe média [..] a “bossa nova”
era comercialmente possível porque atingia grupos significativos da cidade
(KRAUSCHE, 1983, p.77) .
O novo ritmo contagiou a sociedade brasileira. Foi a época da febre da bossa,
provocada pelo movimento formado por intelectuais, estudantes e outros que integravam a
classe média. “A febre bossa-novista: havia automóvel bossa nova, moda bossa-nova e até o
presidente que se retirava do poder passou a ser chamado de presidente bossa-nova.”
(NAPOLITANO, 2004, p. 30). Falar em bossa nova é ter que lembrar de nomes importantes
do cenário musical como: Tom Jobim, João Gilberto, Nara Leão, Ronaldo Bôscoli, Edu Lobo,
Sylvia Telles, Vinicius de Moraes, Miúcha, e muitos outros representantes deste movimento
da música popular brasileira (BOSSANOVA, 2008). Para Tinhorão (1998), é notório a
mistura rítmica da cultura brasileira com influências de diversas manifestações socioculturais:
portuguesa, espanhola, africana e outras, assim como: o samba, o bolero, o tango, lado a lado
com o jazz e o rock roll.
De acordo com Fróes (2000), no Brasil, o rock n‟ roll chega com a influência
mundial dos Beatles. Os jovens brasileiros se distanciam da “Bossa Nova” e vê-se o sinônimo
de movimentação eletrificada, temos, então, a “Jovem Guarda”. A expressão “Jovem Guarda”
38
foi utilizada, pela primeira vez, num artigo da imprensa especializada, numa matéria sobre o
restaurante San Quentin, local escolhido pela juventude para ouvir música, a qual foi chamada
de jovem guarda. A jovem Guarda foi um movimento intimamente ligado ao mercado
fonográfico (FRÓES, 2000).
Concebido como produção global,envolvendo interesses artísticos(da figura de
Roberto Carlos e seus parceiros de programa, o compositor Erasmo Carlos, e a
cantora Vanderléia, de seus shows em clubes sociais, etc.), editoriais, fonográficos
e de comércio paralelo [venda de roupas – camisetas, calças, saias, blusas, sapatos,
botas e artigos escolares- sob a marca registrada Calhambeque, que aproveitava o
sucesso da música de 1963 a criação do programa Jovem Guarda incluía a
realização de pesquisas especializadas de mercado, inclusive para indicar com que
palavra e gestos o ídolo devia dirigir-se a seu público (TINHORÃO, 1998, p. 338).
Segundo Ramos (2004), a jovem guarda mostra uma outra face da juventude e do
processo cultural pop. A jovem guarda tem uma relação íntima com o mercado e um
afastamento do meio intelectualizado. Os elementos de revolta da Jovem Guarda eram bem
claros, em todos os aspectos, até nos comportamentais. A legião do rock pertence a nomes
como: Raul Seixas, Rita Lee, Secos e Molhados e outros, que foram representantes da linha
mais forte não universitária, marcada pela ousadia e irreverência (NAPOLITANO, 2005).
A contracultura chega com o nome de Tropicalismo. Entre os embates ideológicos
de 1968, apontavam para uma cisão definitiva da música popular moderna no país. Gil se
reúne com Caetano, Gal, Tom Zé, ao maestro Rogério Duprat, aos poetas Torquato Neto e
Capinam, e juntos iniciam o movimento tropicalista. Assumem o subdesenvolvimento
brasileiro, aproveitam elementos estrangeiros e reinterpretam-os segundo uma ótica
antropofágica. Adotam atitudes, questionamentos de costumes e comportamento que
ultrapassam a própria música (GÓES et al , 1982).
O Fino da Bossa, programa exibido pela TV Record, apresentado por Elis Regina,
após dois anos de audiência começara a cair devido à concorrência global Jovem Guarda. O
programa da rede Globo era apresentado pelo rei Roberto Carlos. De um lado Elis Regina,
Jair Rodrigues, Geraldo Vandré, Wilson Simonal, Chico Buarque, Nara Leão e Gilberto Gil.
O Fino da Bossa seguia a ebulição política do país e os programas declaram guerra pela TV,
outro lado Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia e outros. Nesta guerra estão também a
tvs Excelsor, Tupi e Rio (CALADO,1997).
[..] as transformações na área da cultura vieram no embalo da contracultura. A
principal delas foi o tropicalismo, que ainda hoje reverbera especialmente na
música popular brasileira. O movimento, liberado por Caetano Veloso, Nara Leão e
Gilberto Gil, entre outros artistas, propunha mudanças tão radicais que se revelaram
39
inspiradoras para todas as gerações seguintes. O tropicalismo de Caetano
incorporou o uso da guitarra elétrica e de gêneros como o bolero e as músicas de
raiz. De Tão ousada, a mistura provocou reações iradas dos setores mas
conservadores, que consideram aquilo uma agressão,. O tropicalismo só foi
possível porque vivia-se uma época em que se experimentava de tudo ( REVISTA
ÉPOCA, 2008).
A Televisão, na década de 70, já era um referencial do povo brasileiro. A rede
Globo chegara a implantar seu padrão de qualidade, a classificação por gêneros uma vez
caracterizados os emissores, bem como, delineada a natureza daquilo que é por eles
transmitido ou veiculado (PEREIRA, 1983). O autor salienta a importância dos ciclos
culturais, ou seja, “do conjunto de bens culturais televisivos, resta agora refletir um pouco
sobre o público que consome estes produtos, sua relação com ele, através destes, com próprios
agentes emissões.” (PEREIRA, 1983, p.48). A geração rebelde ouvia Roberto Carlos e seus
amigos e, na TV, assistiam telenovelas como Beto Rockefeller, além de programas como:
Hebe Camargo, Chico City, A Família Trapo (RIBEIRO JUNIOR, 2002).
Contudo, o campo musical apresentava sinais de mudanças em vários sentidos. A
música popular da “Jovem Guarda” estava envelhecendo, junto com ela também estavam os
ideais, a rebeldia e a agressividade original as quais iam desaparecendo aos poucos. Nos anos
70, o rei Roberto Carlos alternava o timbre de voz, ora agressiva, ora descontraída, pelo
melodramático (KRAUSCHE, 1983). Roberto Carlos se despede da Jovem Guarda e adota
uma outra linha musical como intérprete e romântico no Brasil e no exterior. Ele vira sucesso
nos Estados Unidos, Europa e América Latina, iniciando uma tradição na programação global
com os especiais de natal, cumprida até hoje.
40
4. METODOLOGIA
O conhecimento é adquirido por inúmeras vezes através das experiências ou de
forma sistematizada através de pesquisas. Segundo Rauen (2006), o conhecimento surge com
uma nova maneira de pensar a realidade, nascida da desconfiança das explicações da tradição
e da filosofia. O conhecimento científico é sistematizado e organizado em sistemas e idéias
por critérios lógicos.
Para Barros e Lehfeld (apud Rauen, 2002), a pesquisa é o esforço dirigido para a
aquisição de um determinado conhecimento, que propicia a solução de problemas teóricos,
práticos ou operativos quando situados no contexto do dia-a-dia do homem. Uma pesquisa se
caracteriza pela presença de atos sistemáticos e intensivos que visam a descoberta e a
interpretação de fenômenos da realidade.
É de fundamental importância a escolha de um método para alcançar os objetivos
pretendidos. Rauen (2006) destaca que há dois métodos de abordagem essenciais: o indutivo e
o dedutivo, logo o indutivo é a essência de um raciocínio indutivo, é chegar-se a uma lei a
partir da observação de vários fatos para os quais se descobre uma nota comum, e o dedutivo
é um processo metal, por meio do qual, parte-se de um argumento geral ou universal, que
funciona como premissa, menos para chegar à conclusão, cujo conteúdo já está incluso ou
implícito nas premissas.
Neste trabalho monográfico, o método adotado é a pesquisa qualitativa descritiva.
De acordo com Rauen (2006), o pesquisador pode ser um agente, viés ou até de criação dos
dados, com ele pode perceber-se diferenciando desses dados. Logo, devemos reconhecer que
os resultados decorrem da forma de sua coleta, análise e interpretação dos mesmos.
Para Rubio (1978), em uma pesquisa descritiva, é necessário trabalhar com
variáveis, mas de maneiras diferentes, conforme o tipo de pesquisa que está sendo efetivada.
Logo, adotamos a forma descritiva dos fatos da época em questão 1970, mas para analisar a
seguinte década é necessário que haja um levantamento histórico por meios de referências
bibliográficas de diversos tipos como periódicos, livros, revistas, discos e tudo que cerca este
período.
Segundo Rauen (2002), a pesquisa bibliográfica consiste na busca de informações
bibliográficas relevantes para a tomada de decisão em todas as fases da pesquisa.
41
Desta forma, concordamos com Rubio (1978) sobre a definição de pesquisa
descritiva, descrever é narrar o que acontece. Neste sentido, a pesquisa tenta descobrir e
observar fenômenos, procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los. Para que este
possa acontecer é necessário adotar procedimentos metodológicos que organizem e
sistematizem a pesquisa.
Utilizamos, como forma de análise, a interpretativa textual. De acordo com
Severino (2002), este tipo de análise tem por base contextualizar e explicar a cultura e o ponto
de vista histórico. Nesse caso, analisamos, além das letras das músicas, as composições
melódicas. Para uma análise interpretativa é necessário seguir alguns passos como exercer
uma atitude crítica diante das posições do autor, ter originalidade no tratamento dado ao
problema e profundidade de análise ao tema.
Não descartamos os fatos históricos e os costumes da época através do objeto: a
música e a intérprete. Baseado na premissa de Rubio (1978), partimos do pressuposto da
teoria do imaginário, defendida por muitos autores, a qual exemplifica e elucida os fatos da
década para uma melhor compreensão.
Rubio (1978) explica sobre a avaliação dos dados. “Os dados coletados devem
ser analisados e interpretados e podem ser qualitativos, utilizando palavras para descrever o
fenômeno”.
Desta forma, delimitaram-se cinco canções deste período a ser estudado. Sendo
três do mesmo autor apenas com alternância de parcerias. Além de analisar as letras das
canções e fazer um breve relato dos autores, pegamos por objeto, a intérprete, e procuramos
mostrar todas as fases da sua vida, a descrição e o momento. As músicas escolhidas, para
análise deste estudo, estão num contexto político e sociocultural muito importante para o país.
São elas: O bêbado e a Equilibrista, Corsário, Como nossos pais, O mestre sala das marés e
Construção, todas interpretadas pela cantora Elis Regina. É por meio destas composições que
vamos analisar o campo das idéias ou imaginário da época.
4.1 PIMENTINHA, HÉLICE REGINA OU SIMPLESMENTE ELIS
4.1.1 A música ganha forma na voz de Elis Regina
42
A música popular brasileira passou por inúmeras mudanças e interferências. A
censura foi drástica do ponto de vista artístico e, economicamente, a indústria do disco
pareceu não ter sentido os seus efeitos. Um exemplo expressivo foi o que ocorreu com a
canção Cálice, de Chico Buarque de Holanda (DIAS, 2000). Entre protestos e manifestações,
exílio , uma cantora gaúcha se destacara, Elis Regina.
Aos dezessete dias do mês de março de 1945, nasce Elis Regina Carvalho Costa.
Com nove anos de idade recebeu lições de piano. Aprendeu tão rápido a ponto de ter que
optar se comprava um piano ou parava de estudar. Como a família não tinha condições de
comprar o instrumento, dedicou-se ao cantar. Com doze anos, Elis começou a freqüentar o
Clube do Guri todos os domingos, programa de auditório (ECHEVERRIA, 2007).
[..] Porto Alegre não tinha mais nada a oferecer a Elis, que já cantava na noite como
crooner do conjunto Flamboyant, à beira de botar a perna no mundo, embora Elis
ainda fosse uma normalista que cantava como hobbie. Sobre namorados, jamais
conversava com dona Ercy. O primeiro deles foi um rapaz do cenário musical,como
seriam praticamente todos os escolheria depois: Marcos Amaral, um locutor de
rádio. O mano Rogério tinha uma vaga recordação do disc-jóquei. Lembra-se
acompanhá-los até a pensão onde ele morava (ECHEVERRIA, 2007, p. 29).
Elis Regina, a “Pimentinha” como era chamada, tinha personalidade forte. Certa
vez ela deixara um recado aos seus adversários durante um show especial mensal da Record.
Irritada, ela interrompeu a música que cantava, enfatizou os versos “quero ver quem vai sair/
quero ver quem vai ficar”, com dedo em riste, disse aos seus adversários: “Quem está
conosco, muito bem. Quem não está que se cuide!” (CALADO, 1997, p. 107). O apelido de
“Pimentinha” foi dado por Vinícius de Moraes pela maneira como esbanjava saúde e
vibração, mas o amigo a chamava de Hélice, pela maneira como rodava os braços feito um
helicóptero (ECHEVERRIA, 2007).
A herança dos tropicalistas transformava não apenas os intérpretes, mas os gostos
musicais. Depois de liderar os emepebistas, mas os ortodoxos, sem seus confrontos com a
Jovem Guarda, começou a mudar na época dos programas O Fino e Frente Única, ela passou
a incluir em seu repertório canções da dupla Roberto e Erasmo Carlos, junto com outras
canções de Gilberto Gil e Caetano Veloso que mandavam enquanto estavam no exílio
(CALADO,1997).
A aparição de Elis Regina, nos palcos para o grande público, ocasionou um
estranhamento “com sua voz expressiva e potente, por volta de 1965, causou um certo horror
43
nos círculos bossanovistas mais radicais , pois ela não só revelava um outro leque de escutas
pessoais” (NAPOLITANO, 2001, p. 82).
A voz e retomava, de certo modo, a grandiloqüência, os apelos melodramático,
combinado-se com a “teatralização” do canto. No cume deste processo, Elis Regina
abre os braços sobre a canção, e o gesto começa a ocupar o lugar do instrumento.
Assim vai se misturando à voz e mudando-lhe as características, uma imagem, uma
dramatização da música (KRAUSCHE, 1983, p. 80).
Para Krausche (1983), eram os braços coreográficos de Elis Regina que
acentuavam com vigor a interpretação. O gênio forte da Pimentinha acirrou a disputa entre a
Jovem Guarda e a MPB. Elis viu seu programa sair do ar e disfarçava seu nervosismo diante
da estréia de seu programa Música Popular Brasileira, dirigido pelo seu noivo Ronaldo
Bôscoli (FRÓES, 2000).
Elis fez parte do processo cultural que se ampliaria pelo Brasil, cujo público da
MPB estava cada vez mais engajado nas causas políticas, e a televisão fazia parte deste
conjunto. “Como exemplo máximo desse processo, temos o programa O Fino da Bossa, que
tornou conhecida uma das maiores cantoras brasileira, um dos símbolos de moderna MPB:
Elis Regina” (NAPOLITANO, 2004, p.54).
A maneira de interpretar, a habilidade crítica e a polêmica, diante dos
acontecimentos, eram marcas de Elis Regina.
[..] com Elis o drama e os grandes gestos voltavam à MPB via televisão e não via
teatro. Ela possuía uma voz limpa e brilhante, e sua segurança em termos musicais
impressionava. A canção “Arrastão”, revisitando a temática caymmiana crônica da
vida de pesadores podres, dava continuidade ao trabalho de estilização da música
nordestina que vinha sendo desenvolvido por Edu lobo, o jovem carioca filho de
nordestino, que era o autor-cantor do momento (VELOSO, 1997, p.122).
Ela foi responsável pela projeção musical de alguns compositores como a dupla
João Bosco e Aldir Blanc (BAHIANA, 1980). Vários músicos tiveram o apoio dela. Outro
que teve um impulso na carreira, depois de uma interpretação feita por Elis Regina, foi
Gilberto Gil com a canção Louvação. “O sucesso alcançado pela música leva a gravadora
Philips a se interessar por Gil e a contratá-lo para gravar o seu primeiro LP- Louvação”
(GÓES et al , 1982, p.5).
44
4.1.2 Os vários papéis de Elis Regina
Fróes (2000) destaca não apenas a importância nacional de Elis, mas também a
carreira internacional e as parcerias. Ela participou junto com Roberto Carlos do festival de
Antibes. Além disso, estreou um programa especial com seu nome “Elis Especial”. No
entanto, preparou-se para uma turnê internacional, ao lado de Roberto Carlos.
Em parceira com Jair Rodrigues, comandava o Fino da Bossa em 1970. Elis
Regina realizou o sonho de gravar ao lado do maestro Antônio Carlos Jobim, incluindo o
sucesso Águas de Março. O LP foi gravado em Los Angeles, Estados Unidos, nos estúdios da
gravadora MGM. Elis era mais que uma intérprete que se revelara uma verdadeira atriz no
palco. As “técnicas aliada às interpretações faziam dela a cantora emoção, como no caso de
Atrás da Porta, que veio pelas mãos de Chico Buarque de Holanda” (ARASHIRO, 1995).
De acordo com Arashiro (1995), Elis era generosa e acolhedora quando o cantor e
compositor, Raimundo Fagner, chegou ao Rio de Janeiro. Não tinha se quer um lugar para
ficar, talvez nada para comer. Ela o conheceu nos corredores da gravadora Polygram e o levou
para sua mansão na Avenida Niemeyer. Gravou suas músicas também, e, assim, foi com
Renato Teixeira, Fátima Guedes e muitos outros (KIECHALOSKI, 1984).
Era militante ativa, participou de passeatas em defesa da preservação das raízes da
MPB contra a invasão estrangeira. “Elis tinha uma conversa sempre nova e gostava de discutir
política comigo. Adora meter o pau no governo, vociferar contra injustiças” (ECHEVERRIA,
2007, p. 118).
Ela criticou duramente o tropicalismo no Brasil no início, mas depois canta ao
lado dos representantes do movimento. Seus comentários não foram aceitos como crítica para
Caetano, nem ficou magoado com as declarações. E, numa determinada situação,
demonstraria isso em público, quando ela foi recebida friamente pela platéia, ele levantou-se e
gritou “respeitem a maior cantora desta terra” (ALBIN, 2003, p. 326).
Arashiro (1995) enfatiza alguns acontecimentos e, em especial, o Hino Nacional
de 1972. Elis fora convocada na Semana da Pátria, 1972, para cantar nas Olimpíadas do
Exército. Ela cantou o Hino Nacional, porém o motivo desta convocação foi devido algumas
declarações que ela teria feito em 1969 na Holanda. Na ocasião teria dito que o Brasil era
governado por gorilas. A declaração foi publicada em holandês, mas a embaixada pegou o
jornal e mandou ao Serviço de Nacional de Informações (ECHEVERRIA, 2007).
45
Essa apresentação lhe renderia críticas principalmente da esquerda, mas apenas
uma pessoa se manifestou publicamente: o jornalista e cartunista, Pasquim Henfil, enterrou-a
no cemitério dos mortos-vivos do Caboclo Mamado. Mais tarde o desentendimento se
desfizera, e Elis faz uma homenagem a Henfil, que se encontra na letra de O bêbado, e a
equilibrista composição de João Bosco e Aldir Blanc.
O lado combativa da Pimentinha fora destacado em uma situação relacionada a
luta pelos direitos dos músicos. Elis entra na batalha com a Associação de Intérpretes e
Músicos (ASSIM), segundo ela a classe artística não se deu conta do problema que envolve as
gravadoras (ARASHIRO, 1995).
Então faz gravação de qualquer jeito e assina aquele recibo canalha que faz com
que ele ceda seus direitos perpetuamente para gravadora. Então o direito de mão de
obra é entregue à gravadora de mão beijada, ela arrecada e não sei o que se faz com
o dinheiro. Arrecadação não existe. A Socimpro arrecada e passa para a Ordem dos
Músicos que não tem o poder de distribuição. Então o dinheiro fica ali no fundo
previdenciário pra comprar cadeira de rodas, pagar enterro. A gente quer que o
músico viva, não decentemente e sim viva decentemente (ARASHIRO, 1995
p.121).
Numa mistura de paixão e rebeldia, Elis era uma mulher completamente
apaixonada por tudo o que fazia, tanto na vida profissional como em seus relacionamentos.
É impossível falar-se de Elis e não dizer de sua maneira de encarar o amor. Era uma
mulher extremamente apaixonada por tudo, fazia tudo com uma paixão
descomunal. Se dizia, ela própria, uma pessoa de lucidez tal que beirava as raias da
loucura. Por isso, suas paixões foram sempre levadas até as últimas conseqüências,
o que não tem nada a ver com a duração destas paixões. Assumidamente públicos,
Elis teve apenas três relacionamentos: Ronaldo Bôscoli, César Camargo Mariano e
Samuel MacDowel de Figueiredo (KIECHALOSKI, 1984, p.23).
Todos os autores concordam que Elis Regina foi uma das maiores cantoras da
música popular brasileira e, ainda, de um talento inigualável. Mesmo nos anos de chumbo,
alguns nomes se destacavam nos circuito de shows em campi universitários. Elis era uma
delas (NAPOLITANO, 2004). O autor ressalta ainda a contribuição de Elis Regina ao
processo de estruturação da MPB, com leituras mais modernas onde compositores e autores
tinham um ampla recepção do público (NAPOLITANO, 2005).
Hélice Regina ou apenas Elis experimenta a sensação da maternidade, em 1970, a
Pimentinha fica grávida, mas não pára seu trabalho. Nasce então João Marcelo. O bebê tinha
46
intolerância alérgica a leite de vaca. “A jovem mamãe fez campanha na tevê para conseguir
amas-de-leite para o filho” (ECHEVERRIA, 2007, p. 88).
Echeverria (2007) mostra a dualidade do comportamento de Elis, brilhante,
talentosa e imprevisível era difícil de definir a cantora: “Ela era assim mesmo. Impossível
fazer projeções de comportamento. Até Rita Lee se espantou quando saiu do tribunal em
agosto de 1976 e, condenada à prisão por porte de maconha. Lá recebeu um bilhete de Elis”
(2007).
Choque seria pouco para descrever o impacto da notícia em todo o país. Morria, aos
36 anos de idade, sem sombra de dúvida, a melhor cantora brasileira, com 27 LPS,
gravados, 14 compactos simples e seis duplos, num total de quatro milhões de
cópias vendidas. Deixava três filhos: João Marcelo, fruto do primeiro casamento,
em 1967, com o compositor Ronaldo Bôscoli; e Pedro e Maria Rita, de sua união
com o tecladista e compositor César Camargo Mariano, com quem vivera por nove
anos (ARASHIRO, 1995, p. 151).
Mas o ano de 1982 ficaria marcado na história da música popular brasileira. A
interprete de O bêbado e a equilibrista, o hino da anistia e outros sucessos morre. A causa
morte de Elis Regina segundo o Instituto Médico Legal (IML) se deu devido a ingestão de
álcool etílico e cocaína confirmado pelo exame toxicológico (ARASHIRO, 1995).
Às 11:30 do dia dezenove de janeiro de 1982,dois homens acenavam
desesperadamente por um táxi em uma das ruas do bairro dos Jardins, em São
Paulo. Seria uma coisa comum se esses dois homens não tivessem em suas mãos
um corpo embrulhado numa manta. E este fato tornou-se histórico porque este
corpo era o de Elis Regina Carvalho Costa. Quinze minutos depois, Elis dava
entrada no Hospital das Clínicas acompanhada de Samuel MacDowell e Marco
Antônio Barbosa, colega de escritório de Samuel. Choques massagens cardíacas
foram tentadas. Inútil: Elis Regina estava morta (KIECHALOSKI,1984,85).
O corpo de Elis Regina chega ao cemitério do Morumbi por volta das 12:20,
seguido por um cortejo de automóveis. Um grande número de pessoas esperava o caixão.
Formou-se uma grande confusão próxima ao túmulo. A polícia permitia que apenas os
jornalistas, familiares e artistas se aproximassem da quadra sete, mas o local foi invadido.
Todos queriam dar um último adeus a Elis (ARASHIRO,1995). A morte não apagou a fama
de Elis um ano após a morte da cantora gaúcha foi instituída em São Paulo a Semana Elis
Regina e criado o Elis Em Movimento. “O fato é que as inscrições até hoje nos muros da
cidade e,certamente, jamais faltará alguém disposto a pegar um spray e, de madrugada, riscar
parede com apenas uma frase: ELIS VIVE” (KIECHALOSKI, 1984 p.85)
47
Ela que nunca repetia exatamente uma mesma interpretação, deixando sua voz
privilegiada solta para improvisações. Assim era Elis Regina “a maior cantora brasileira de
todos os tempos” (KIECHALOSKI, 1984, p.26).
5 A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO NAS MÚSICAS DE ELIS REGINA
Não se sabe ao certo como surgiu a música. Trabalha-se com hipóteses não
concretas, porque há muitos estudos sobre a origem musical. Pesquisas que vão desde a préhistória e passa por civilizações antigas como a Grécia, especialmente, Atenas, que foi o palco
das manifestações culturais (RIBEIRO, 1965).
No Brasil, a música sofre influências de seus colonizadores, desde os primeiros
habitantes desta terra que inclusive fabricavam alguns instrumentos musicais. Mais atuante
nas celebrações, a experiência musical dos indígenas brasileiros foi apenas modestamente
transmitida a esta bendita mestiçagem que chamamos, hoje, de cultura popular brasileira
(ALBIN, 2003). A tradição musical deste país pode-se atribuir a uma grande diversidade de
ritmos, uma pluralidade de gêneros musicais, rica expressão popular, instrumental e de canto
(DIAS, 2000).
A mistura de ritmos, arranjos e estilo, absorvida pela cultural popular brasileira
no cenário musical, sofrera uma grande transformação com a indústria cultural. A música
popular brasileira, MPB, se tornara manipulada pela indústria. A década de 70 sofrera
imposições de uma legislação que censurava e perseguia autores e intérpretes (KRAUSCHE,
1983).
A sociedade, na década 70, passara por um período de transição na história
nacional em todos os setores: político, cultural e socioeconômico, numa época que cujas
canções eram uma forma de resistência, lembranças do exílio e da censura e do tropicalismo
(NAPOLITANO, 2001).
A primeira delas é uma composição de João Bosco e Aldir Blanc, do ano de
1979. Esta canção se tornou o hino da Anistia. A Execução desta música tornou-se
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obrigatória em várias manifestações. A canção é uma homenagem à resistência da sociedade
civil durante os anos de chumbo. Ela transmite a esperança para a pátria brasileira.
O bêbado e a equilibrista
Composição: João Bosco e Aldir Blanc/1979
Interpretação: Elis Regina
Caía a tarde feito um viaduto
E um bêbado trajando luto
Me lembrou Carlitos...
A lua
Tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens!
Lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!
O bêbado com chapéu-coco
Fazia irreverências mil
Prá noite do Brasil.
Meu Brasil!...
Que sonha com a volta
Do irmão do Henfil.
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete
Chora!
A nossa Pátria
Mãe gentil
Choram Marias
E Clarisses
No solo do Brasil...
Mas sei, que uma dor
Assim pungente
Não há de ser inutilmente
A esperança...
Dança na corda bamba
De sombrinha
E em cada passo
Dessa linha
Pode se machucar...
Azar
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A esperança equilibrista
Sabe que o show
De todo artista
Tem que continuar...
Caía a tarde feito um viaduto observando essa expressão utilizada na letra Martins
(2008), destaca que há uma referência à súbita queda do viaduto Paulo de Frontin, no Rio de
Janeiro, em 1971, no auge da ditadura militar até hoje com causa desconhecida. A queda
matou 29 pessoas e feriu outras 30. Desde que o Brasil ficou nas mãos dos militares crescia
paralela ao poderio bélico a revolta em todas as classes sociais. Podemos observar na
afirmação de Lopes (1995), quando o autor atribui o comportamento social ao conjunto de
transformações que o homem realiza na sociedade em vários aspectos.
E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos. Segundo Martins (2008), o luto
a qual a letra se refere trata-se da forma de protestar contra tudo que fora proibido pela
censura. Luto também pelas mortes dos revolucionários e civis, Carlitos era o personagem do
cinema mudo, Charles Chaplin era também símbolo do marginalizado capitalismo mundial
transmitia o sentimento do povo brasileiro. Diante disso, não há como analisar a canção sem
relembrarmos o conceito de imaginário social de Legros et al (2007), o qual remete a três
significados fundamentais, a dimensão mítica da existência social e a imaginação de uma
outra sociedade. O brasileiro transferia seu sonho pelos meios artísticos.
A lua tal qual a dona do bordel. Talvez uma relação com a política de abertura a
“prostituição do mercado nacional” para os estrangeiros. Os porões da ditadura escondem
manchas de sangue, torturas e morte. Mata-borrão era uma almofada usada para apagar
borrões de tinta deixados pelas canetas antigas (MARTINS, 2008). No entanto, neste contexto
a expressão foi empregada no sentido de alerta porque estão escondendo ou tentando apagar
todos os vestígios.
Chupavam manchas torturadas que sufoco é a relação com as manchas e
cicatrizes que ficaram para a geração desta época. Muitos foram exilados ou desapareceram
dentro das instituições de poder da época como DOI-CODI e DOPS os demais é o que explica
Arns (1985) e as torturas as quais as pessoas perseguidas pelo regime foram submetidas.
A palavra louco deve-se fazer associação com as pessoas que foram internadas em
sanatórios, submetidas a tratamento de choques e outros sem que suas famílias soubessem de
seu paradeiro (TAVOLARO, 2002). Aqueles considerados sem juízo ou desacreditados como
os bêbados que faziam ou praticavam atos irreverentes naqueles tempos difíceis.
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Vale apropriar-se do conceito de Lacan, citado por Silva (2003), que localiza o
imaginário entre a filosofia e a psicanálise anterior ao simbólico. Afirma que este passou a ser
o teatro das ilusões do eu. O mundo irreal onde apenas os loucos podem transitar é um local
seguro.
Henfil , jornalista e cartunista do Pasquim da época, o mesmo que enterra Elis no
cemitério dos mortos vivos, coluna do jornal. Agora seu nome era citado na música para
expressar a saudade das famílias que tiveram parentes arrancados de seus lares. O sonho dele
representava o de milhares de pessoas, Betinho (Herbet de Souza) era o irmão esperado
exilado no Canadá fora do país desde 1971. Voltara ao Brasil com o hino da revolução no dia
de sua chegada no aeroporto de Congonhas pairava a dúvida se ele iria preso ou não. A
música tocava por toda parte do aeroporto a TV Globo colocou a música no ar. Neste mesmo
dia Henfil e Betinho foram ao show de Elis, que interrompeu o espetáculo para dizer ao
público que o motivo daquela música estava presente. Neste momento ela diz “ e já tinha
voltou o irmão do Henfil” foi a forma que ela achou de se desculpar pelas críticas que fizera
(ECHEVERRIA, 2007).
A anistia alguns comemoraram outros nem tanto. O general João Batista
Figueiredo presidente assina a lei em 1979 com suas ressalvas. É o que Kucinski (1982) fala
sobre a situação dos anistiados, a liberdade viera, mas quem teve seu mandato cassado ou foi
demitido de sindicatos ou até mesmo processado pela Lei de Segurança Nacional continuou a
lei da inelegibilidade.
Pessoas que foram arrancadas de suas famílias, dos locais de trabalhos e
simplesmente sumiram sem deixar rastro. Alguns corpos foram localizados outros foram
tragados pela terra.
Chora a nossa pátria mãe gentil é alusão ao Hino Nacional como pode a pátria
majestosa cometer atrocidades com os compatriotas? Bem como a lembrança das mães que
ficaram sem os filhos. É interessante relacionar esse aspecto à construção do imaginário, visto
que, segundo Juremir Machado da Silva (2003), acontece por identificação, retrata situações
vividas e experiências. Neste caso, o que acontece é a forte relação da expressão interpretada
por Elis Regina, onde mães que choraram podem também sofrer influências na construção de
seu imaginário.
Marias e Clarisses, viúvas da música simbolizam as mulheres dos presos políticos
mortos sob tortura. Clarisse é o nome da mulher do jornalista Vladimir Herzog; Maria, o da
esposa do operário Manuel Fiel Filho. Os dois tinham sido assassinados sob tortura nas
dependências do Exército, em São Paulo, nos anos de chumbo. O mesmo Brasil que
51
comemora a Copa do Mundo chora a morte de tanta gente neste período de ditadura
(MARTINS, 2008). Napolitano (2004) concorda e adverte sobre a estratégia do governo para
encobrir os acontecimentos políticos com as campanhas da Copa de 70. Lembra ainda dos
slogans “para frente Brasil”, “eu te amo Brasil”, “Brasil ame-o ou deixe-o” juntamente com a
mídia.
Em contra partida a dor intensa que espera e confia e a esperança não será inútil,
porém é uma incógnita a incerteza como numa corda banda igual aos trapezistas. E o
equilíbrio é o que pode de segurar dentro desta incerteza ou machucar. Mas é preciso dançar
conforme a música, ou melhor, seguir as imposições ou sofrerá represálias pela
desobediência. A sorte ou azar depende da cada um, mas o show não pode parar seja qual for
o resultado.
A esperança é a mesma que a juventude da época busca nas lutas por seus ideais e
assim surgiram instituições como a União Nacional dos Estudantes (UNE), fundada em 1937
e atuante em 1970 (ARNS, 1985).
Podemos dizer que a expressão dança na corda bamba de sombrinha compete
afirmar as idéias de Sartre (1996), onde o imaginário é um ato mágico um encantamento
através do objeto que por sua vez, torna-se algo particular. Na frase a palavra dança pode ser
interpretada como uma atitude individual e opcional, mas com suas conseqüências.
Pode se machucar azar da esperança equilibrista sabe que o show de todo artista
tem que continuar... Se machucar neste período não era uma questão de escolha, mas de
sobrevivência nos anos de chumbo. Cicatrizes e mortes cercaram o período que o regime
imperou no país. Gaspari (2003) traz o relato do exército sobre a morte do último guerrilheiro
do Araguaia e os tumultos causados pelo confronto entre manifestantes e policiais em São
Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Cabe salientar as idéias de Jung, citado por Durand (2004),
sobre a imagem a cerca da construção, ou seja, assim como os doentes sonham com a
perspectiva de cura, a sociedade brasileira deste período sonhava em libertar-se do regime
militar e seus decretos. A despeito de todas as dores e males! A vida, e a luta, continuam.
Essa canção foi gravada por vários intérpretes nos anos seguintes, mas a voz e a
interpretação de Elis Regina fizeram dela a canção da anistia. A tão esperada anistia que
concedeu o perdão aos torturadores passou uma borracha no passado. A maioria dos
“doutores” foi absolvida e outros nem foram a julgamento. (ISTO É, 2004).
O imaginário aparece na composição ora de forma mítica ou ideológica de acordo
com o Durand (2004). Tudo é uma relação entre pensamento e sentimento da época os anos
52
da ditadura militar estão cercados de padrões, conceitos e expressões. É importante assegurar
que tudo faz parte do contexto histórico, como afirma Trindade (2003).
Contudo, Marias e Clarisses lutaram até serem ouvidas travaram batalhas e
superaram limites impostos na época. Hélice Regina não apenas colocou o vocal na letra
sobre o arranjo melódico, mas jogou a emoção de uma forma única tanto que mesmo depois
quase trinta anos ninguém conseguiu cantar melhor que ela “O bêbado e a equilibrista”. Elis
Regina encenou a dor, revolta, esperança e com seu canto utilizou o talento nas suas
interpretações e coreografias, ela sabia o preço das coisas. “Enfrentava qualquer parada
munida sempre de trunfos: um repertório perfeito procurava os melhores músicos, tinha
trabalhando consigo os mais brilhantes arranjadores” (KIECHALOSKI, 1984).
A juventude, nesta época, lutava pela liberdade pela conquista dos direitos em
vários setores sociais. A repressão fez com que a sociedade estivesse mais atenta a tudo a sua
volta o movimento feminista começa ganhar força no Brasil. O teatro brasileiro também foi
um marco da contracultura um dos nomes em destaque era José Celso Martinez Corrêa, com a
peça Roda Vida embalados pela canção também deste período Pra não dizer que não falei das
flores, Geraldo Vandré (ÉPOCA,2008). Vamos à segunda música uma composição de
Belchior com interpretação de Elis.
Como nossos pais
Composição : Belchior / 1976
Não quero lhe falar,
Meu grande amor,
Das coisas que aprendi
Nos discos...
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa...
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens...
Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço,
O seu lábio e a sua voz...
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Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Com uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro da nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva
Do meu coração...
Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais...
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais...
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando...
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem...
Hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando vil metal...
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
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Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais...
Elis interpreta a música alternando frases de efeito para que sejam observados
determinados fatos trazidos na canção. A canção começa num andamento lento apropriandose da linha melódica. A certa altura a expressividade vai fazendo parte da mistura rítmica
cadenciada e cênica. Ela une imagem e a técnica de interpretação a canção de Belchior o
então respeitado pela crítica e consequentemente teve seu trabalho eternizado pela intérprete
(KIECHALOSKI , 1984).
Discorrer sobre a juventude neste período tão crítico para os brasileiros é valer-se
das idéias de Silva (2003), acerca das tecnologias do imaginário que são dadas também por
meios das produções de mitos, associações e visões de mundo.
A primeira estrofe da canção é uma alusão às coisas aprendidas nas músicas
daquele período. É o que diz Krausche (1983) sobre esta questão. Segundo o autor, o Brasil
canta e ouve a sua fantasia, reproduzida pela indústria e mercado fonográfico, pelos meios de
comunicação de massa podemos afirma que é um processo da indústria cultural. Mas estes
mesmo veículos foram perseguidos pela censura, conforme Napolitano (2001). Traz as
conseqüências sofridas por alguns que tentaram burlar a censura como os jornais que tiveram
suas redações invadidas e funcionários presos. Não poderia ser diferente se considerarmos o
ponto de vista de Chaui (2000), o qual atribui define a cultura como um conjunto de
comportamentos crenças e instituições agregadas de valores morais e materiais.
O trecho “quero lhe contar como eu vivi de tudo que aconteceu comigo” o que
esta juventude pretendia contar, se a tarefa do Departamento de Imprensa e Propaganda fora
criado em 1939 bem como a Lei de Imprensa em 1967. As mesmas foram aplicadas em 1970
de acordo com Mattos (2005). A justificativa para as atrocidades praticadas pelos órgãos do
governo era de manter a ordem e afastar o Brasil perigo dos comunistas como afirma Cirano
(1983).
Viver é melhor que sonhar, a falta de liberdade e insegurança não deixa
alternativa do que viver atrelado ao mundo das idéias do irreal . O trecho nos remete a
afirmação de Silva (2003), no qual a projeção irreal poderá se tornar real seria o imaginário
emanando o real, ou seja, o ideal retornando ao real como elemento propulsor. O que nada
55
mais é do que desejo de liberdade da sociedade como um todo. A mesma que viveu sob as
condutas ditadas pelo regime militar e seus atos institucionais. Exemplificado nas afirmações
de Sodré (1984) atribui que a ditadura entregou o controle da economia do país aos
estrangeiros.
Mas o trecho dessa canção diz que o amor é uma coisa boa. Só amor para superar
a vida cercada de repressão da época. Este sentimento pode ser descrito como algo mítico
algo como uma fala roubada como disse Barthes citado por Kehl (2004), já que a certeza não
havia. Tempos difíceis até para as instituições como a igreja católica. A Igreja viu não apenas
os fiéis sendo perseguidos presos e mortos como seus dirigentes. Kucinski (1982) define o
momento que a igreja passa a ser o inimigo número um do regime militar e por conta desta
postura o clima entre Estado e Igreja é tenso. A atitude do governo brasileiro é condenada
pelo Papa VI, de acordo com Gaspari (2003). Mas também sei que qualquer canto é menor do
que a vida de qualquer pessoa, este trecho constitui o lado mítico assume várias significações
e a palavra canto pode assumir, contudo, a forma designada por Legros et al (2007)
significados e significações tudo o que cerca o meio social. Ou seja, a vida tinha pouco
significado neste caso qualquer lugar era melhor do que o Brasil militar cercado por
torturadores. E seus métodos desumanos como acontecia nos porões do DOI-CODI e DOPS
como descreve Arns (1985). A violência ultrapassa os limites de crueldade. A ênfase que
intérprete dá em determinado momento como um sinal de alerta há perigo por toda parte. O
mesmo risco que Napolitano (2004) define para a juventude crítica dos anos 70, o sinal está
fechado para nós que somos jovens. Este sinal fechado é uma constatação para a população
jovem segundo Napolitano (2001),pois restam três opções: a resistência democrática, a
clandestinidade da guerrilha ou a busca de uma vida em outra sociedade. No entanto,
Maffesoli, citado por Silva (2003), diz que este comportamento é princípio da racionalização
é o “laço social” uma espécie de patrimônio de grupo ou tribal nesta época um desejo
coletivo.
O desejo de abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua. É que se fez o seu
braço, o seu lábio e a sua voz.
Nesta parte da letra abraçar e beijar palavras que deixaram
saudades para as famílias perderam seus entes para nos conflitos ou desapareceram
subitamente. No Brasil repressão não havia perspectiva mas conflitos armados e fiscalização
em todos os setores tudo em nome da ordem, é o que diz Kucinski (1982).
No entanto, Napolitano (2004) observa que mesmo com a repressão abre-se um
caminho para uma cultura alternativa. Ou seja, o regime contribui para a expansão de outras
formas de expressão. Destaca-se a imprensa, teatro e cenário musical. Contudo, Silva (2003)
56
fundamenta seus argumentos afirmando que tudo é uma questão de educação existencial dos
sentidos e da percepção.
Mas a letra da canção traz um questionamento em forma de narrativa você me
pergunta pela minha paixão digo que estou encantada com uma nova invenção. A mesma
juventude idealista, segundo Pereira (1982), cria seus movimentos como o da contracultura e
outros que surgiram a partir dele. Outro aspecto interessante a ser analisado dessa invenção
pode ser o aspecto sociocultural da sociedade brasileira na área da comunicação. Essa paixão
pode ser atribuída às organizações estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE)
um símbolo das lutas estudantis em escala nacional era a resistência, como salienta Arns
(1985).
É um período desconexo ao mesmo tempo em que imperam os aparelhos
censores. É o período de ascensão do espaço audiovisual brasileiro, de acordo com Ramos
(2004). A nova invenção pode ser atribuída à forma de abertura social influências na moda,
música e outras áreas, como afirma Pereira (1982).
Se pegarmos o conceito de Silva (2003) quando fala sobre a relação tribal, desejo
e sonho como uma forma de estruturação pelo contágio como princípio do imaginário,
localizamos na letra da música o desejo coletivo de quem deixou o interior e veio para a
cidade. Eu vou ficar nesta cidade não vou voltar para o sertão, pois vejo vir vindo no vento o
cheiro da nova estação. Essa época foi a que mais se registrou índices de êxodo rural das
regiões do interior do país para as grandes metrópoles. Kucinski (1982) descreve um
verdadeiro inchaço nas grandes cidades metropolitanas com migrantes de todo Brasil, com o
sonho de uma vida melhor. Mas o homem é interpelado, de acordo com Silva (2003), pelas
idéias que produz.
Deste modo cabe a afirmação eu sei de tudo na ferida viva do meu coração, é a
certeza que restou para quem sofreu com as represálias do então regime instaurado. A luta e a
insatisfação não é um sentimento apenas deste momento. É o que observamos nos versos
sobre a relação de tempo. Já faz tempo eu vi você na rua cabelo ao vento gente jovem
reunida. É a constatação da época vivida cabelo ao vento pronto para o conflito armado se
preciso for com o vigor da juventude. A chegada da contracultura o envolvimento da
juventude com a situação política mudanças na MPB conforme esclarece Tinhorão (1998).
Podemos afirmar também que o trecho é uma referência ao passado de maneira
que o conjunto, o imaginário dos jovens cobre uma determinada época de uma sociedade. É o
que Durand (2004) contextualiza ao observarmos a frase sobre na parede da memória esta
lembrança é o quadro que dói mais. É o campo da idéias intangíveis, é o museu onde todas
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as imagens possíveis são produzidas. Desta forma, não como separar ou esquecer a história e
os acontecimentos que cercam a sociedade neste momento. Lembranças do AI-5 e com ela
toda falta de consideração com o ser humano de acordo com Ventura (1988).
As representações do passado paralelas ao contexto da vida cotidiana e a
experiência vivida expressa a intensa dor. Cabe nos apropriarmos da definição de imaginário
social o qual Legros et al (2007) fala sobre as relações afetivas, movimento e tumultuoso.
Logo não há como esquecer das pessoas que desapareceram a preocupação por toda parte.
Tanto que D. Paulo Evaristo coleciona nomes de vestígios para compor provas documentais
compondo uma lista de desaparecidos (GASPARI, 2003).
A uma constatação de um sentimento de lamento e fracasso com as palavras
minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos. Ainda somos os mesmos
e vivemos. Como nossos pais. A cantora interpreta a letra atribuindo o sentimento ou desvio
de nossas responsabilidades para a outra geração. Silva (2003) afirma que a sempre um desvio
do “eu” no “outro”. Neste caso estaria atribuindo uma transferência de sonhos do “eu” para os
pais. Desta forma a música, ou melhor, a letra é uma reprodução ou repetição dos fatos de
forma cíclica, concordando com Maffesoli e o conceito de tribos. A transferência da solidão
para a oferta da partilha, como enfatiza Silva (2003). Mas é necessário cultivar ídolos de uma
forma que a sociedade possa suprir suas carências, conforme as idéias de Trindade (2003).
O que restaria naquela situação a não ser sonhar e cultivar ídolos já que as casas
eram invadidas pelos militares e a situação econômica era difícil estava em crise. Como
explica Sodré (1984), a época é repleta de confrontos históricos entre manifestantes e
representantes do governo. Mas os ídolos são os mesmos de nossos pais quem sabe, a
afirmação que depois deles não apareceu mais ninguém. Muitos ícones tentaram preencher o
vazio deixado pela falta de liberdade de expressão. Era importante ter símbolos de liderança
assim como Che Guevara ou a rebeldia dos integrantes da Jovem Guarda e os tropicalistas, de
acordo com Fróes (2000). Ídolos na política através da música Caetano, Gil, Bethânia, Nara
Leão, Gal Costa e muitos outros e a cantora Elis Regina.
As aparências não enganam não, mesmo com a lei da anistia assinada as coisas
não melhoram para a sociedade como o esperado. A justiça concedeu o perdão político e
algumas regalias aos torturadores. Conforme Kucinski (1982), explicaria no processo da
anistia. Portanto de nada adiantaria eleger novos ídolos se os antigos não obtiveram o êxito
nas funções. Pode-se atribuir a mídia como instrumento de controle principalmente a TV onde
a imagem dá-se o processo do imaginário usado como forma de manipulação de mentes
fundamentado na teoria de Durand (2002). O trecho você pode até dizer que eu tô por fora ou
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então que eu que to inventando. Mas é você que ama o passado e que não vê , é você que ama
o passado e que não vê que o novo sempre vem.
Estar por fora, manter-se alienado fora dos acontecimentos sociais estaria num
terreno fantástico e idealizado, de acordo com Durand (2004). Quanto à interpretação desta
parte da música Elis faz pausas ritmadas para salientar uma incerteza e uma afirmação
“culpa” quem olha o passado e não vê o progresso de aproximar. O novo sempre vem ele é
inevitável principalmente nos anos que a composição foi escrita e devidamente interpretada
por Elis. Também no sentido que a propaganda do governo era do Brasil em
desenvolvimento. Anos 70, década de mudanças e transições em todos os sentidos que
abrangeram desde as artes bem como a política. A expansão do mercado cinematográfico deuse neste ano bem como a reforma mercadológica, como define Ramos (2004).
Hoje eu sei quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude. Está em
casa guardado por Deus contando vil metal. Os ideais e os sonhos da juventude reprimida, é
o mesmo das gerações anteriores.
É o que Lopes (1995) define de conjunto de
transformações e interpretações realizados pelo homem definida como cultura. A
representação imaginária carregada de emoções de Trindade (2003).
Essa relação mercadológica aparece numa das últimas estrofes da música de uma
maneira figurada, ta em casa guardado por Deus contanto vil metal. A relação capitalista e a
transformação na vida do brasileiro com o capital estrangeiro. Podemos citar também as
proposta de abertura da prospecção de petróleo. Vale ter como base o conceito de Karl Marx
relacionando as instituições econômicas ao imaginário como produtos das ações humanas.
Bem como o argumento de Luckács citado por Trindade (2003) sobre a consciência dos
capitalistas ao mitificarem as relações reais dos homens com o produto ou instituição por eles
produzidos é a condição do funcionamento da economia capitalista.
O trecho que a intérprete diz enfática que minha dor é perceber que apesar de
termos feito tudo o que fizemos. Nós ainda somos os mesmos e vivemos. Como nossos pais. É
o que Kehl (2004) caracteriza por mito a reprodução que um determinado grupo produz como
verdade. Voltamos a ser como nossos pais que um dia foram jovens e lutaram agora descansar
nos seus lares acomodados reproduzimos então a geração anterior a nossa. Elis Regina tornase porta voz das famílias brasileiras e das relações pais e filhos com essa interpretação ora
com lacrimas ora indignação. Ela que também é parte deste ciclo canta como filha que deixou
a terra natal e como mãe.
A outra música chama-se O mestre-sala das marés, o que a diferencia das demais
análises é o fato relacioná-la diretamente com nosso objeto. Porque da composição fazer parte
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do repertório de Elis na sua melhor fase como cantora. Desta forma, nos apegamos ao
contexto histórico de posse dos argumentos do imaginário.
Segundo Kiechaloski (1984), Elis e o Falso Brilhante este era o nome do show
que a cantora ficara para sempre eternizada na cultura brasileira. Um espetáculo montado com
roteiro, cenário, figurinos, repertório, arranjos contando a história de uma cantora brasileira.
Este show permaneceu um ano e quatro meses em cartaz no Teatro Bandeirantes, em São
Paulo. Ela finaliza o show de porta-bandeira cantando O Mestre-sala das marés. Música de
João Bosco e Aldir Blanc de 1974, esta música que iremos analisar a seguir. Antes de
iniciarmos a análise é necessário ressaltar que as intervenções dos órgãos fiscalizadores do
governo até nas composições essa música foi uma entre muitas que foram vetadas ou
alteradas (MATTOS, 2005).
O Mestre Sala dos Mares
(João Bosco / Aldir Blanc)
(letra original sem censura)
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos negros pelas pontas das chibatas
Inundando o coração de toda tripulação
Que a exemplo do marinheiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo
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O Mestre Sala dos Mares
(João Bosco / Aldir Blanc)
(letra após censura durante ditadura militar)
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo
Essa música era uma homenagem a João Cândido Felisberto e participação na
revolta da chibata. Interessante esta canção, segundo a ótica de Krausche (1983) sobre a MPB.
O autor destaca que mesmo ao longo da história da construção da MPB o processo de
constituição do som e uma imagem não impede que a música tenha seus traços regionais.
Logo pensamos que o imaginário estaria agregado a imagens, lembranças e sentimentos
através de um mecanismo grupal de acordo com Silva (2003). Para Trindade (2003), a
história é a grande responsável pela criação de mitos e heróis. Diz que através destes
exemplos os povos criam e recriam hábitos.
Ou seja, esta canção não é apenas uma homenagem ao almirante ou navegante
negro. E ao mesmo tempo uma forma de contar a história de outro ângulo. Algumas palavras
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foram trocadas pela censura, a música, além disso, possui um papel social e a intérprete Elis
Regina soube representar bem esta fase da MPB.
O mestre-sala das marés fazia parte do espetáculo chamado O Falso Brilhante
este show foi diferente dos demais pelo profissionalismo e caráter político através das canções
que nele estavam inseridas (ECHEVERRIA, 2007).
A música relembra o período em que os navios que aportavam nas águas do Rio
de Janeiro e os marinheiros eram tratados como escravos e submetidos a castigos físicos,
humilhações e discriminação mesmo depois da abolição (SUA PESQUISA, 2008).
A revolta da chibata liderada por João Cândido, ficou conhecido como almirante
negro por volta 1910 e foi a partir deste motim os trabalhadores dos portos lutaram por
igualdades salariais e a extinção dos castigos cruéis. A revolta foi deflagrada após o
marinheiro Marcelino Rodrigues ser castigado diante de toda tripulação com 250 chibatas.
João Cândido era o porta-voz dos marinheiros, redigiu uma carta com as condições da
tripulação pressionando a Marinha e o governo.
Os revoltosos ameaçaram atacar a capital. Preso viu seus companheiros morrem
foi expulso da marinha após ter sobrevivido na ilha das Cobras, local onde os rebeldes eram
levados e torturados e depois executados por fuzilamento.
João Cândido foi internado num hospício recebeu alta e terminou seus dias como
vendedor de peixe. Morreu aos 89 anos, mas foi através de suas palavras que o governo
concedeu o fim dos maus tratos que a marinha aplicava para manter a disciplina e a ordem
(MOREL, 1979).
Pode parecer que não há sentido esta análise, mas devemos concentrar nos
detalhes como a música foi escrita e as intervenções pelas quais passou assim chegamos ao
ponto de análise.
Tendo por base as palavras de Legros et al (2007), em relação ao imaginário
social e a vida cotidiana pela experiência vivida, a letra da música narra à história e a rotina
não apenas dos marinheiros, mas de todos os trabalhadores.
Segundo Sodré (1984), com a decadência do AI-5, a crise financeira invade a
economia brasileira, e os preços sobem descontroladamente. Os trabalhadores assalariados
precisavam trabalhar mais de 150 horas mensais para adquirir o sustento para uma pessoa.
Essa afirmação pode ser traduzida nos trechos da letra, rubras cascatas jorravam das costas
dos (negros) santos (pelas pontas da chibata) entre cantos e chibatas . Inundando o coração
(de toda tripulação) do pessoal do porão. Leva o imaginário aos porões sangrentos da
ditadura.
62
Voltamos para a história que motivou a canção, João Cândido reivindica os
direitos da classe. João Bosco e Aldir Blanc escreveram sobre a história do Brasil nos anos de
chumbo com a letra desta música.
Era o pranto da classe trabalhadora desta época. Os compositores foram obrigados
pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) a mudar a letra da música (MATTOS,
2005). Mas nem todos acham que a ditadura foi a pior fase. Dias (2000) discorda que a
censura seria um entrave no mercado fonográfico. Pelo contrário, afirma que a ditadura e
censura contribuíram para que a classe artística principalmente os que tiveram obras
censuradas alcançasse uma imagem de mártir assim venderiam mais.
Elis gravou a composição da dupla Bosco/Blanc e a música foi escolhida para
fechar o espetáculo O Falso Brilhante . Kiechaloski (1984) ressalta o objetivo da cantora,
falar sobre a situação brasileira, mas com uma diferença falar com esperança. “O Brasil é feito
de pessoas feias, mal-vestidas e mal-alimentadas. Se o cara vai ao show e se assusta é porque
está se vendo no espelho”, disse Elis.
A exploração e o preconceito que aparecem na letra da música podem ser
associados aos conflitos e ao movimento sindicalista na década de 70. O pessoal do porão
citado na letra deve ser associado às constatações históricas de Gaspari (2003) o seqüestro do
embaixador alemão Von Holleben, que foi trocado por 40 presos políticos. Este período ficou
marcado por uma série de seqüestros era a única forma de chamar a atenção do governo
diante da situação.
É fundamental nesta análise disseminar os conceitos de imaginários, podemos
dizer que no relato dos fatos acima o governo e a Marinha valiam-se dos conceitos de Adorno,
Foucaut e Heidegger citados por Silva (2003). O autor explica que as sociedades modernas
funcionam com base na vigilância e na punição, as pós modernas, na sedução e na
recompensa a baixo investimento.
Elis Regina deixara sua fase Pimentinha, decidiu encarar o desafio de montar um
show diferente com a cara do Brasil. Com esta música sua é a interpretação mudaria a cena,
ela entra no palco de porta-bandeira (KIECHALOSKI, 1984). Sobre o empenho da intérprete
nos baseamos no conceito de imaginário de Silva (2003) por aceitação do modelo do outro a
lógica tribal, a identificação da situação do próximo.
Não importa qual o objetivo de incluir a música neste show e sim a relevância
histórica por parte dos autores e da cantora. Não deixar que ídolos ou mártires da resistência
ficassem esquecidos fora da memória nacional.
63
A outra canção a ser estudada é de autoria de Chico Buarque de Holanda, cantor e
compositor, um dos nomes mais censurados na pela ditadura militar. Conheceu Elis Regina
em 1965 no Festival de Musica Popular Brasileira transmitido pela TV Excelsor. Ficou
exilado na Itália teve as músicas Cálice e Apesar de você censuradas, adotou o pseudônimo,
Julinho da Adelaide, de volta ao Brasil compôs Construção a qual Elis foi escolhida para
interpretar a letra que traz denuncia aspectos sociais, econômicos e culturais (BAHIANA,
1980).
Construção
Composição: Chico Buarque
Amou daquela vez
Como se fosse a última
Beijou sua mulher
Como se fosse a última
E cada filho seu
Como se fosse o único
E atravessou a rua
Com seu passo tímido
Subiu a construção
Como se fosse máquina
Ergueu no patamar
Quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo
Num desenho mágico
Seus olhos embotados
De cimento e lágrima
Sentou prá descansar
Como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz
Como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou
Como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou
Como se ouvisse música
E tropeçou no céu
Como se fosse um bêbado
E flutuou no ar
Como se fosse um pássaro
E se acabou no chão
Feito um pacote flácido
Agonizou no meio
Do passeio público
Morreu na contramão
Atrapalhando o tráfego...
Amou daquela vez
Como se fosse o último
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Beijou sua mulher
Como se fosse a única
E cada filho seu
Como se fosse o pródigo
E atravessou a rua
Com seu passo bêbado
Subiu a construção
Como se fosse sólido
Ergueu no patamar
Quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo
Num desenho lógico
Seus olhos embotados
De cimento e tráfego
Sentou prá descansar
Como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz
Como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou
Como se fosse máquina
Dançou e gargalhou
Como se fosse o próximo
E tropeçou no céu
Como se ouvisse música
E flutuou no ar
Como se fosse sábado
E se acabou no chão
Feito um pacote tímido
Agonizou no meio
Do passeio náufrago
Morreu na contramão
Atrapalhando o público...
Amou daquela vez
Como se fosse máquina
Beijou sua mulher
Como se fosse lógico
Ergueu no patamar
Quatro paredes flácidas
Sentou prá descansar
Como se fosse um pássaro
E flutuou no ar
Como se fosse um príncipe
E se acabou no chão
Feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão
Atrapalhando o sábado...
Por esse pão prá comer
Por esse chão prá dormir
A certidão prá nascer
E a concessão prá sorrir
Por me deixar respirar
Por me deixar existir
Deus lhe pague!
Pela cachaça de graça
Que a gente tem que engolir
Pela fumaça desgraça
Que a gente tem que tossir
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Pelo andaimes pingentes
Que a gente tem que cair
Deus lhe pague!
Pela mulher carpideira
Prá nos louvar e cuspir
E pelas moscas bixeiras
A nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira
Que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague!
A música Construção interpretada por Elis Regina estava no roteiro que ela fez
para o show destinado a cantar a realidade do Brasil e de seu tempo. Escolheu a canção que
fala do país como se fosse a classe operária. O autor expressa através das estrofes corridas a
situação do país em “construção”. O imaginário estaria impregnado como uma distorção
involuntária do vivido que se cristaliza como marca individual ou grupal na concepção de
Silva (2003).
A descrição da rotina dos operários que saem de suas cidades ou estado para a
grande metrópole deixando famílias na esperança de vencer em busca do progresso. Nos anos
70 foi registrado um grande índice de ocupação nas cidades metrópoles o que ocasionou uma
série de problemas urbanos. (KUCINSKI,1982).
O autor buscou expressar pelas representações e tenta seduzir pela emoção em
determinados trechos da música, concordando com Legros et al (2007), sobre as derivações e
representações através das ações.
Sendo assim podemos observar na letra de Construção expressões que nos fazem
imaginar a rotina dos trabalhadores e o sentimento que eles carregam durante o trabalho
diário. Amou daquela vez a última retrata a incerteza a falta de opção sobre o amanhã.
Sentimentos oriundos da época pela situação que a sociedade enfrentava.
O Brasil da ditadura era também o país dos operários e do nascimento de partidos
políticos das dívidas deixadas pelo AI-5 aos movimentos que protestavam contra a violência e
a linha dura. Enquanto o país abria sua economia para o capital estrangeiro o governo usava
sua arma de persuasão conforme o imaginário político, como define Silva (2001).
O carisma de Elis era necessário para que música obtivesse êxito nas classes, a
interpretação era emocionada ela conseguia cantar e chorar ao mesmo tempo sem,
interrupções, sem desafinar (ECHEVERRIA, 2007). No entanto, a canção ganha aspecto de
algo fantástico apresentando soluções momentâneas lúdicas ou subjetivas, descritas por
Durand (2004) como a verdade pragmática que encontramos em alguns trechos. E tropeçou
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no céu como se fosse bêbado, e flutuou no ar como se fosse um pássaro. Talvez fosse a
maneira que os homens encontravam para suportar a vida fria da cidade grande.
Hélice Regina era mais do que uma cantora. Estava engajada nas causas políticas.
Com Chico Buarque conseguiram se manter longe das lutas políticas artísticas o que os
diferenciava dos tropicalistas. Esse respeito que ela conseguiu da sociedade fez com que ela
conquistasse fãs dentro e fora do país.
E por falar classe operária, ela em um determinado momento esteve com Lula,
metalúrgico e líder sindical que mais tarde estaria na formação do Partido dos Trabalhadores
(PT) que a cantora se filiaria (ARASHIRO, 1995).
A música Construção é muito rica. Nela podemos encontrar os diferentes
conceitos de imaginário definidos pelos vários autores citados neste trabalho. A composição,
enquanto música sofre certa alternância no arranjo aliada a interpretação de Elis. A cantora
optou por um tom grave com andamento um pouco lento caracterizando um protesto.
De acordo com a definição de Silva (2003), no imaginário social e a estruturação,
por contágio, observamos a disseminação cujo princípio é a igualdade na diferença.
Encontramos na letra em vários trechos um deles comeu feijão com arroz como se fosse
príncipe a distorção o indivíduo neste caso o brasileiro está reelaborando o outro para si. Não
há como ignorar este comportamento se observarmos que este período é considerado um dos
mais difíceis da história do país.
Gaspari (2003) relaciona alguns fatos decorrentes na década de 70, no campo
político a sucessão presidencial foi censurada, a censura proíbe Felinto Müller, presidente da
Aliança Renovadora Nacional (arena) de falar sobre a censura. O semanário, Opinião, foi
censurado antes de ser lançado. Chico Buarque o autor de Construção declara que estava
distante e alheio aos fatos quando compôs a música neste clima de insatisfação (BAHIANA,
1980).
Mas, Elis estava idealizando a contribuição que daria para o Brasil nos anos de
chumbo através do canto e as ações por ele motivadas. A revolta e angústia estão identificadas
lado a lado às frases: E a concessão pra sorrir, por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague!
A liberdade caçada pelo regime a perca dos direitos básicos as invasões em todos
os sentidos. Apropriamos-nos dos argumentos de Weber sobre a religiosidade que se vê
obrigado a tolerar as relações significativas (WEBER citado por LEGROS et al, 2007) por
isso Deus lhe pague!
67
Depositar a esperança nas mãos de Deus resta quase ou nada para acreditar. A
distribuição desigual das rendas a falta de segurança e estrutura familiar, tais quais as
péssimas condições de trabalho. E a obrigação dos funcionários que tinham ajudar a de erguer
o país, sobre andaimes e patamares flácidos.
Nos trechos finais a canção sugere a morte do funcionário na contramão que
atrapalha o tráfego depois de ter trabalhando horas exaustiva sem recompensa. Ele se refugia
nas imagens intangíveis ou irreais se entorpecendo de álcool e música para fugir da realidade
urbana. É a visão capitalista e fria do progresso nela, operário e tijolos fazem parte do mesmo
conjunto.
Segundo Napolitano (2005), a MPB está ligada diretamente ao processo de
modernização. Ela concentra as expectativas e objetivação histórica de superação de um
determinado passado cujo sentido é fruto dos projetos culturais e ideológicos. Consideramos
morte citada e descrita na música é segundo os argumentos de Foucault citado por Silva
(2003) faz parte do processo das tecnologias do controle.
Desta forma, a morte no cotidiano da classe operária é encarada naturalmente é
apenas mais um e a construção não pode parar nem mesmo o trânsito por um fato corriqueiro.
Elis transforma o lamento e a indignação da letra num sentimento coletivo e para eternizar
este sentimento juntou duas canções que trazem o mesmo pranto. O Rancho da Goiabada,
autoria de João Bosco e Aldir Blanc, com Construção de Chico Buarque. Elis juntara as duas
músicas para reformar seu desejo social de contribuir com o país através da arte.
A última canção a ser analisada é de autoria da dupla João Bosco e Aldir Blanc se
encontraram em 1970 e formaram a parceria. No ano de 1972, conhecem Elis Regina, e, em
1976, a Pimentinha canta Corsário na Rede Bandeirantes.
Assim como o sucesso consagrado O bêbado e a Equilibrista que ficou eternizado
como o Hino da Anistia na voz de Elis, o Corsário repetiria o sucesso. A dupla não deixa de
lado o caráter sociocultural em suas letras.
Napolitano (2002) conceitua a MPB dos anos 70 como uma “instituição” que está
fundamentada nas imagens de liberdade, modernidade e justiça social, ou seja, é o imaginário
social, de acordo com Durkheim (1985) citado por Legros et al (2007). A representação
coletiva que comanda as representações individuais. Neste caso, a música se despe do papel
artístico adota postura política e cultural.
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Corsário
Composição: João Bosco e Aldir Blanc 1976
Meu coração tropical
Está coberto de neve, mas
Ferve em seu cofre gelado
E a voz vibra e a mão escreve: Mar
Bendita a lâmina grave
Que fere a parede e traz
As febres loucas e breves
Que mancham o silêncio e o cais
Roseirais! Nova Granada de Espanha!
Por você, eu, teu corsário preso,
Vou partir a geleira azul da solidão
E buscar a mão do mar,
Me arrastar até o mar,
Procurar o mar
Mesmo que eu mande em garrafas
Mensagens por todo o mar
Meu coração tropical
Partirá esse gelo e irá
Com as garrafas de náufragos e as rosas
Partindo o ar
Nova Granada de Espanha
E as rosas partindo o ar!
A letra e a melodia de Corsário têm uma característica singular e pode ser
percebida na interpretação dada por Elis. O imaginário não aparece de forma explícita ou
subtendida nesta canção. O conceito de imaginário de Sartre (1996) permite fazermos tais
afirmações acerca do tema, pois atribui a imaginação a um ato mágico e por vezes torna-se
particular.
É interessante observar o imaginário como mito por meio da linguagem de acordo
com Barthes (1977) aqui representado em forma de arte, a música. Meu coração tropical está
coberto de neve mas, a frase pode estar relacionada aos acontecimentos dos anos 70 no Brasil,
um país tropical dominado pelo militares que mantém contatos internacionais baseado no
modelo ditatorial da Alemanha nazista.
É uma fase difícil de Elis, já que ela enfrenta problemas familiares: a separação e
as especulações em torno de sua vida particular. Logo, a cantora adota uma imagem mais
comedida, principalmente, nas declarações à imprensa, porém a preocupação com a política
brasileira e a música não são esquecidos por ela (ECHEVERRIA, 2007).
De Pimentinha a mulher politizada, a letra de Corsário permite que ela expresse os
seus sentimentos de forma menos teatral e mais sentimental. O trecho no qual aparece a frase
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ferve seu cofre gelado a voz vibra e a mão escreve: Mar. Pode estar ligada a época em que
vários cantores, atores, jornalistas e pessoas de diversas áreas foram considerados pelo
governo ameaça a segurança nacional. Por conta disso ficaram exilados.
Conforme explica Napolitano (2001), o governo militar é definido como simples e
controlador por este motivo se o artista ficasse cantando ou atuando para um determinado
grupo como a classe média não oferecia perigo ao regime. Mas o governo logo mudaria de
estratégia e a censura atingia todos os patamares da sociedade.
O peito frio ou cofre gelado abriga um coração quente este deixou o país por
imposição das autoridades a voz vibra e gritar além do mar. O que lhe resta é escrever ou
talvez compor.
Assim como explica Bosco, citado por Bahiana (1980), o esforço o suor da
batalha retorna á música sob forma de força, vigor, simplicidade, sangue. Nomes como
Gilberto Gil, Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré e Caetano Veloso deixaram o
Brasil, mantiveram viva a esperança compuseram enquanto estiveram fora e enviaram suas
obras ao Brasil (CALADO, 1997). Vê-se as mensagens de náufragos partindo a distância.
O governo e a situação do país roubaram e se apropriaram da liberdade
encontramos então acepção de Barthes citado por Bucci e Kehl (2004) sobre o mito como
uma fala roubada e restituída. Mas o que fora roubado não está mais da mesma forma logo
ainda que colocada no mesmo lugar já não é a mesma. Deste modo como Elis já não é mais a
mesma nem os autores tão pouco a sociedade do Brasil após a ditadura.
Nem aqueles que possuíam o título de bendito ou abençoado pelo sacerdócio
foram poupados da violência e tortura. Cirano (2003) descreve as críticas que D. Hélder
recebeu dos veículos de comunicação fiscalizados pelo governo. Essa pode ser a relação com
a frase Bendita lâmina grave que fere a parede e traz as febres loucas e breves que mancham
o silêncio e o cais. O imaginário é está acentuado de forma trágica e mitológica habitando na
canção e nas formas sociais de acordo com Legros et al (2007). O delírio que viria em forma
de loucura e revolta caracterizada como febres ou desejos de quem nada pode fazer, pois está
além dos limites separado pela fronteira ou pelo oceano e ancorado no cais.
Elis Regina enfrenta problemas de saúde, no casamento, com a gravadora, com o
empresário e revela-se a Elis preocupada e técnica, chamada pela crítica de antipática
(CLARET, 1995).
O refúgio ou exílio identificamos nos trechos Roseirais Nova Granada de
Espanha, por você eu teu corsário preso, vou partir a geleira azul da solidão. Nova Granada
foi o local onde Simão Bolívar, também conhecido como “O libertador” no início do século
70
XX se refugiou e convocou um pequeno exército a lutar pela liberdade dos países da América
do Sul (PORTAL SÃO FRANCISCO, 2007).
Como havíamos comentado Corsário permite várias interpretações. Nova
Granada, ao mesmo tempo, nos remete a um lugar que é nome de flor. Então, diríamos que as
flores ou as pessoas que partiram para o exílio sofrem a distância da pátria o Brasil eu teu
corsário preso, como um pirata preso. Eu que amei a pátria contribui para que crescesse.
Agora estou acorrentado num país estranho. Essa poderia ser a visão dos autores.
Contextualizamos esta frase com o movimento da contracultura e as correntes
nacionalistas cujos integrantes foram perseguidos, mortos, exilados ou desaparecem, como
descreve Napolitano (2005).
Sendo assim, podemos expor, com base nas afirmações de Silva (2003), que a arte
na sociedade de massa opera como mecanismo industrial, oscilando entre o espetáculo e a
ruptura com valores da identificação, ou seja, a música. Elis canta a música Corsário como
um lamento como se estivesse cobrando explicações ou justificando com a voz tênue sua
melancolia.
A seguir a canção ganha uma outra característica, desejo e vontade de sair daquela
situação, vou partir a geleira azul da solidão . Quebrar a barreira fria e gélida, azul da cor do
oceano e voltar ainda que só para a pátria.
Corsário tem muito haver com imaginário ela é um conjunto de metáforas repleta
de símbolos e representações. E buscar mão do mar, me arrastar até o mar, procurar o mar
as frases com sentido figurado exprimem anseio este é o teatro das ilusões concordando com
Lacan citado por Silva (2003). Vale ressaltar as palavras buscar e procurar nestas estrofes a
juventude nos anos 70 estava motivada pela busca de algo seja a contracultura conforme
Calado (1997) ou ser ativo na vida política assim como foi Elis (KRAUSCHE, 1983).
A estrofe final diz que Mesmo que eu mande em garrafas mensagens por todo
mar , meu coração tropical partirá este gelo irá, como as garrafas de náufragos e as rosas
partindo ar. Nova Granada de Espanha e as rosas partindo o ar!!!
A tentativa de mandar mensagens por todo mar, aliás, por toda parte assim como
os jornalistas da época escreviam por códigos para driblar a censura. Os compositores
mascaravam as letras ou dotavam pseudônimos. Mas o coração tropical que antes estava
coberto de neve agora revida e tenta quebrar o gelo. As mensagens vão com aqueles que
sobreviveram e resistiram mesmo depois de mortos não deixaram de cumprir seu papel.
Diríamos então que a morte de Herzog seria uma dessas mensagens. Segundo
Napolitano (2004), a morte do jornalista rendeu represálias ao governo bem como o
71
desaparecimento do ex-deputado Paulo Wrigth (KUCINSKI, 1982). O imaginário surge
contexto que dizendo que o emissor é forte e o receptor é passivo um alvo fácil de acordo com
Silva (2003).
E as rosa partindo o ar... a música termina mas Elis cresce no final da
interpretação, os braços que abraçam a canção dão a entonação perfeita para Corsário o
pirata dos mares estrangeiros que clama pela pátria , no peito o coração com o calor dos
trópicos.
Todas as músicas analisadas no decorrer deste trabalho desempenharam o papel
social. Afirmamos que elas expressam o imaginário nos seus vários conceitos. É conveniente
dizer que as músicas interpretadas por Elis Regina, o objeto desta pesquisa foram escolhidas
como a representação das causas sociais. Outro fator que fundamentou a escolha foi a maneira
de interpretar as canções e forma intensa como ela viveu. Elis deixou um legado musical
extenso são poucas as cantoras brasileiras que tiveram as oportunidades que ela teve e soube
aproveitar brilhantemente. Os anos de chumbo nem a ditadura conseguiram impedir o sucesso
meteórico da Pimentinha.
A década escolhida, 1970, justamente por ser um período que ainda hoje, depois
de mais trinta anos, há muito que descobrir estudar e analisar. E sabemos que o show de todo
artista tem que continuar ainda que o corpo físico não esteja mais com vida, assim como, o de
Elis Regina, ela continua fazendo sucesso.Essa é uma das características do tema o imaginário
ou seja, ficou o mito no imaginário popular.
72
6
CONCLUSÃO
Vale ressaltar alguns pontos sobre este capítulo dedicado à conclusão, que é um
momento
de síntese, de considerações
referentes aos
objetivos, conclusões do
desenvolvimento, limitações e, por fim, o encerramento (RAUEN, 2002).
Desde já, é importante dizer que concluir não é a palavra adequada, pois esta é
uma pesquisa fundamentada na história que é infinita. O presente trabalho teve por objetivo
mostrar a música e a formação do imaginário. Para que isso fosse possível foi necessário
traçar diretrizes para o cumprimento desta pesquisa, ou seja, a delimitação do período a
década de 70 e pegar, como objeto de análise, a intérprete Elis Regina, além das composições
por ela interpretadas.
Vimos, no decorrer deste trabalho, a possibilidade de abordar diversas vertentes
sobre o tema. Além disso, atestamos que o resgate da história, deste período, foi muito
importante não apenas para os futuros jornalistas, mas para os cidadãos.
Tentamos validar a hipótese através da história sobre os anos de chumbo e afirmar
que as composições musicais escritas, naquela época, expressam o sentimento do autor. Essa
expressividade gerava comoção nacional, de acordo com o momento, e a interpretação sujeito
a variantes contribuindo, assim, para a formação do imaginário social.
A sociedade e seus hábitos, muitas vezes dirigidos pelos meios de comunicação
de massa: o veículo, a mídia, era o modo mais eficaz à obtenção do controle do imaginário
social. O indivíduo social adotava a postura de identificação, ou melhor, reconhecia a situação
individual no que estava sendo cantado. Uma época muito difícil para os comunicólogos da
época este período foi crucial para a imprensa brasileira. Deixou muitas lacunas e mistérios
até hoje não desvendados devido ao véu do medo e silêncio que envolve o período.
O objetivo deste não era de forma alguma difundir a música ou a intérprete Elis,
mas tentar obter respostas sobre a música enquanto instrumento de comunicação, além das
descobertas baseadas no mundo, por vezes irreal, o qual chamamos de imaginário. A história,
como foi citada acima, é infinita e contínua. Logo, dizemos que o Brasil da ditadura militar é
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o mesmo que vivemos hoje ler tais acontecimentos desta pátria nos faz pensar em um outro
país.
O momento histórico pode esclarecer “o hoje” como diz a letra de O mestre-sala
das marés “ gloria a todas as lutas em inglórias que através da nossa história não
esquecemos jamais” . Esquecer ou ignorar, neste caso, seria apagar situações, costumes e
pessoas. A ditadura, a anistia, as lutas e as mortes fazem parte da memória nacional.
Pelo Brasil, Elis chorou, cantou e interpretou. E, o Brasil chorou por Elis. Vemos,
então, o imaginário presente na vida cotidiana como na experiência vivida. O país capitalista
estava em Construção, como define Chico Buarque na voz de Elis. O Brasil do operário que
morre na contramão e atrapalha o tráfego, mas é ele quem construiu os arranha-céus.
A pesquisa permite dizer que a esperança alimenta a alma do brasileiro, este povo
que não se deixou intimidar pelas torturas e ameaças. Vive baseado nas representações e
mitos que criou. A música se fez arte quando foi absolvida pelo coletivo e social. A sociedade
canta a música e a música fala para o meio. Desta forma, o sentimento da dupla Bosco e
Blanc, citado neste trabalho, através de suas obras é representado como arte na voz da
Pimentinha. Elis traduziu o sofrimento das Marias e Clarisses, mães e esposas de todo país e
a esperança está depositada com a volta do irmão do Henfil. Há uma sensação de perda por
aqueles sumiram como num passe de mágica trágica e cruel foram num rabo de foguete .
E o Brasil declama a própria história, em certos momentos de forma abstrata, se
misturando ao objeto: Elis ou Hélice Regina e seu desejo. As interpretações das canções estão
diretamente ligadas à cultura da época por vezes recria velhos hábitos.
A juventude politizada, moderna anseia quebrar os parâmetros sociais e
econômicos de sua época. Desta vontade ela parte para luta e é recriminada com repressão e
punição nem mesmo as instituições Igreja e Universidade estão isentas da mão de ferro do
regime. A repressão desperta o campo das idéias o coletivo o imaginário torna-se ciência.
A desobediência ou a falta de ordem era punida com mãos de firmes, alguns
foram arrancados de suas casas outros foram obrigados a saírem no país. A emoção de quem
partiu pode ser está relacionado à letra de Corsário, cujo aspecto do imaginário esta na forma
figurativa por associação da imagem. Assim como a vida de Elis em determinado momento
ela canta não só as mensagens políticas, mas também a sua vida. A interpretação de Elis na
música Corsário demonstra por meio da letra e melodia seu conflito interior. Porém não era
só o coração tropical de Elis que estava coberto de neve aqui nos trópicos, mas o sentimento
da nação brasileira.
74
Trabalhar o imaginário paralelo ao uma arte é um desafio principalmente para os
futuros profissionais de comunicação. A importância da memória nacional que é composta
não apenas por ícones ou ídolos como Elis, mas também pelo operário, o bêbado, o
comunicador, a dona de casa. Pelo frescor da juventude ou pela experiência da maturidade. A
mesma que reproduz o que já foi feito por seus pais e assim será conosco, pois levamos a
bagagem dos valores que recebemos como diz a letra de Como nossos pais.
A satisfação de realizar este trabalho é imensa, entretanto passamos por algumas
limitações que merecem ser relatadas. Como a falta de sensibilidade dos colegas da área de
comunicação, bem como a falta de profissionalismo da equipe do cantor e compositor João
Bosco. É Interessante refletir sobre o assunto, pois essas pessoas fizeram parte da história,
hoje reproduzem o descaso de outrora.
Para pesquisar é preciso olhar os fatos de outra forma. É tentar ousar. Este
trabalho foi uma tentativa de ver a arte como instrumento a serviço da comunicação isso
independe ser jornalista ou publicitário. Abordamos o imaginário algo que parece inatingível
com exemplos do cotidiano. Mas como todo estudo ele é apenas o começo porque o show de
todo artista tem que continuar. O significado da palavra artista para área de comunicação
deve ser: o de criar, inovar, ir além, sem preconceitos cumprir o papel de comunicador.
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ANEXO

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