a função histórica das internacionais

Transcrição

a função histórica das internacionais
J. POSADAS
A FUNÇÃO HISTÓRICA
DAS INTERNACIONAIS
Edições Ciência Cultura e Política
ECCP
Autor: J. Posadas
Título: A função histórica das Internacionais
Edição em língua portuguesa
Ano: 2013
Edições Ciência Cultura e Política
Caixa postal 6275, Brasília (DF), Brasil
www.revolucaosocialista.com
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Ediciones Ciencia Cultura y Política
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Tradução: Samantha Iono Sassi
Capa: Gustavo Leite
Impresso por: Kaco Gráfica
Brasília - Brasil
Dedicamos esta edição
em língua portuguesa a todos os
revolucionários tombados na luta pelo
socialismo, e em particular, à memória
dos brasileiros, que deram a vida
pelas ideias contidas nesta obra:
Paulo Roberto Pinto (Jeremias)
Olavo Hansen (Alfredo)
Rui Oswaldo Aguiar Futzenreuter
(Marcos Vinicius)
Sidney Fix Marques dos Santos (Lalo)
Nota Dos Editores
Os artigos deste livro – como em geral os que estamos publicando – são
uma seleção dos mais importantes trabalhos teóricos e políticos de J. Posadas
sobre o tema. A grande maioria dos textos do autor está formada, na realidade,
por transcrições de intervenções gravadas em fitas magnéticas. Alguns trabalhos
são o resultado de várias intervenções sobre o mesmo tema, feitas durante conferências ou reuniões, que depois foram reunidas em um texto único.
Com o objetivo de elaborar e desenvolver suas ideias, J. Posadas utilizava este método porque era a única forma de intervir simultaneamente e de
maneira dialética sobre diferentes problemas, considerando a sua função de dirigente político e organizador da Quarta Internacional Posadista. Dessa forma,
ele encontrava as condições que lhe permitiam trabalhar inclusive durante as
viagens que a função exigia. Com frequência, ele se reunia com militantes de
países diferentes. Nessas reuniões, Posadas fazia análises e dava orientações que
depois eram organizadas por temas e davam origem às publicações.
Essa informação sobre o método de trabalho de J. Posadas permite ao
leitor compreender a forma peculiar de seus textos, que representam uma original contribuição do autor à formação do pensamento revolucionário baseado
no marxismo. Assim trabalhava e vivia J. Posadas.
Este livro foi extraído das seguintes conferências oferecidas por J. Posadas:
História do movimento operário e da Quarta Internacional.
28 de setembro de 1972
Escola Mundial de Quadros
Os 26 anos de Voz Proletária, sua aparição na imprensa e a história da
Quarta Internacional
8 de julho de 1973
O Partido, a luta de classe e a Quarta Internacional
7 de julho de 1977
XI Congresso Mundial Extraordinário
A função histórica das Internacionais
APRESENTAÇÃO 1
AS BASES DA PRIMEIRA INTERNACIONAL O Manifesto Comunista de Marx e Engels A Primeira Internacional foi a materialização prática do Manifesto A polêmica de Marx e Engels com o movimento anarquista A Comuna de Paris A experiência histórica da Primeira Internacional 7
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O PENSAMENTO E A AÇÃO
DE MARX E ENGELS Marx não teria existido sem as grandes lutas proletárias Engels e a continuidade do marxismo A Revolução Russa materializou o pensamento marxista Marx e Engels criaram o conceito do salto dialético 25
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SEGUNDA INTERNACIONAL E A SOCIALDEMOCRACIA NA RÚSSIA O surgimento das correntes reformistas A organização do Partido Socialdemocrata na Rússia 37
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LÊNIN E O PARTIDO BOLCHEVIQUE – DE 1905 À GUERRA MUNDIAL O Partido é um instrumento fundamental para o proletariado
tomar o poder e dirigir a sociedade O papel dos sovietes A revolução de 1905 47
A REVOLUÇÃO RUSSA DE 1917 E A TERCEIRA INTERNACIONAL O “derrotismo revolucionário” na guerra de 1914-1918 A revolução russa e a função de Lênin e de Trotsky Trotsky e a revolução permanente A Terceira Internacional fundada em 1919 Os quatro primeiros Congressos da Internacional Comunista 57
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O STALINISMO E A DISSOLUÇÃO DA TERCEIRA INTERNACIONAL As condições históricas da criação da burocracia de Stalin e do
conceito do “socialismo em um só país” O programa da Oposição de Esquerda A dissolução da Terceira Internacional em plena guerra mundial 81
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J. Posadas
DA QUARTA INTERNACIONAL À MORTE DE TROTSKY E A PROVA DA
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL A criação da Quarta Internacional em 1938 com “O Programa de Transição” Trotsky e a defesa da legitimidade da Revolução Russa e
do Estado Operário Soviético
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A QUARTA INTERNACIONAL APÓS A GUERRA Depois do assassinato de Trotsky pela burocracia em 1940 O peronismo, os movimentos militares e o nacionalismo revolucionário A revolução cubana – A função da guerrilha
O “entrismo interior” e a regeneração parcial do movimento comunista A guerra atômica e o ajuste final de contas 101
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CONSTITUIÇÃO DA QUARTA
INTERNACIONAL POSADISTA O enfrentamento final dos Estado operários contra o sistema capitalista mundial A função da Quarta Internacional e a Regeneração Parcial A função da crítica hoje Os Posadistas fazem parte do movimento comunista mundial 121
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ANEXOS 139
LEMBRANÇAS E REFLEXÕES DO
GCI E DO JORNAL VOZ PROLETÁRIA O GCI e o jornal VOZ PROLETÁRIA 141
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HUGO CHÁVEZ PROPÕE CRIAR A QUINTA INTERNACIONAL SOCIALISTA Encontro dos Partidos de Esquerda 161
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O CHAMADO DE HUGO CHÁVEZ PELA QUINTA INTERNACIONAL
REABRE A LUTA PELO SOCIALISMO NO SÉCULO XXI O imprescindível debate teórico e balance histórico do desaparecimento da URSS
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Apresentação
Este livro, que apresentamos com o título de A Função Histórica das
Internacionais, é uma coletânea de vários textos que J. Posadas elaborou entre
1969 e 1977. Na Nota Preliminar aparecem os respectivos títulos e datas de
cada texto utilizado nesta publicação; alguns deles a serem publicados na íntegra em futuras edições. 
Com esta publicação, Edições Ciência, Cultura e Política pretende colocar esta obra ao alcance de todos aqueles que estiverem interessados em
aprofundar a compreensão sobre a evolução do pensamento revolucionário e
da organização consciente para transformar a sociedade e construir o socialismo. O autor defende a tese de que, além da elaboração do programa anticapitalista, existe a necessidade permanente de desenvolver um instrumento que
seja capaz de incorporar e organizar todas as forças para esse objetivo.
Neste século XXI, não é casual que surge um Hugo Chávez que coloca
a necessidade de uma Internacional Socialista em pleno I Congresso Extraordinário do PSUV (Partido Socialista Unificado Venezuelano) e no Encontro
Internacional de Partidos de Esquerda (Caracas, novembro de 2009). Essa
proposta assume importância histórica, sobretudo, porque provêm de um
militar que teve a audácia de dirigir a transformação da Venezuela em um
Estado Revolucionário e demonstra que, para continuar avançando, é preciso
aplicar um programa de transformações sociais e organizar um instrumento
para enfrentar o sistema capitalista em escala internacional, com metas rumo
ao socialismo.
O eixo das análises de J. Posadas que apresentamos neste livro parte da
sua profunda convicção, sustentada pela análise da História humana do ponto
de vista do marxismo, de que a “humanidade está madura para o socialismo”,
mesmo reconhecendo em outro princípio basilar, este formulado por Leon
Trotsky à sua época, de que “a crise da humanidade é a crise de sua direção”.
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J. Posadas
Para isso, é fundamental a compreensão da função histórica que cumpriu cada
uma das Internacionais.
Conhecer a história das Internacionais é de grande utilidade para
compreender “de onde viemos, para onde vamos e, enquanto isso, o que fazemos”. A função de cada uma das Internacionais, as condições objetivas de
sua criação, desenvolvimento e desaparecimento não foram um fracasso; ao
contrário, deixaram uma experiência útil para enriquecer as lutas e os processos atuais.
A Primeira Internacional fundada por Marx e Engels cumpriu um
papel histórico. O Manifesto Comunista expressava a tomada de consciência
do proletariado, do seu papel central para acabar com o capitalismo e assentar
as bases para uma sociedade socialista. Foi a primeira organização dos revolucionários que rompeu as barreiras das fronteiras dos Estados e onde Marx faz
o chamado: “Proletários de todos os países, uni-vos!”.
A Segunda Internacional, da qual participaram Marx e sobretudo Engels, teve o mérito de unir o proletariado – principalmente o europeu e, em
parte, o latino-americano – em organizações de massa e serviu para medir a
força social que possuía. O abandono do marxismo por parte das direções
socialistas da época, a submissão à defesa nacional na guerra intercapitalista
e a ilusão na perspectiva parlamentar e na possibilidade de reformar progressivamente o capitalismo fez com que capitulasse frente à prova da Primeira
Guerra Mundial.
A Terceira Internacional comunicou, ao mundo inteiro, o triunfo histórico da Revolução Russa sob a direção do Partido Bolchevique, de Lênin e
Trotsky, e incorporou setores que divergiam da capitulação da Segunda Internacional. Os quatro primeiros congressos, entre 1918 e 1922, criaram uma riqueza imensa de ideias, programas e organizações, para expandir a revolução
socialista.
Entretanto, o fracasso da revolução em outros países da Europa, a pobreza e o posterior isolamento da União Soviética levaram a burocracia ao
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A função histórica das Internacionais
poder, conduziram ao triunfo do estalinismo e à concepção do “socialismo em
um só país”. Stalin ordenou a perseguição dos comunistas revolucionários da
Oposição de Esquerda, incluindo Trotsky.
A Segunda Guerra Mundial mostrou os déficits da direção da União
Soviética e dos Partidos Comunistas e levou à paralisia e dissolução da Terceira Internacional por parte de Stalin em 1943. No entanto, serviu para por
à prova a força histórica da URSS e o heroísmo imenso das massas que resistiram ao assédio de Stalingrado e derrotaram o fascismo.
A Quarta Internacional foi criada por Trotsky em 1938, dois anos antes
de seu assassinato. Os trotskistas participaram da Resistência durante a guerra
e defenderam a União Soviética, mesmo encerrados em prisões stalinistas. A
Quarta Internacional não tinha força. Enraizou-se mais profundamente na
América Latina, com a criação do Grupo Quarta Internacional (GCI)1 por J.
Posadas na Argentina e depois em outros países da América Latina.
O desenvolvimento impetuoso da revolução colonial depois da Segunda Guerra se expressou na Argentina com o triunfo do primeiro governo
de Perón. A contribuição decisiva de J. Posadas foi a compreensão do peronismo e a participação da Quarta Internacional no processo nacionalista revolucionário na Argentina. Esta foi uma das suas mais importantes contribuições ao marxismo contemporâneo, por ele sintonizado na expressão: “do
nacionalismo revolucionário ao socialismo”, no conceito de Estado Revolucionário, que ilustravam as novas formas que, na ausência de direções revolucionárias marxistas, os processos de luta de massas adquiriram.
Posteriormente, J. Posadas dá uma nova contribuição ao marxismo ao
propor o conceito da regeneração parcial, fundamentalmente na União Soviética. Analisou e apoiou a intervenção necessária da União Soviética no Afeganistão, em toda a África, em Angola e Moçambique nos anos 70, que ele
considerou como a forma parcial em que se manifestava a revolução política
1 Grupo Quarta Internacional, mais conhecido como GCI (Grupo Cuarta Internacional, em espanhol). Ver a
história da sua criação e atividade contada por um dos seus fundadores, Daniel Malach (1924-2009), no Anexo
I deste livro
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J. Posadas
prevista por Trotsky. Até a sua morte, em 1981, Posadas organizou os quadros
da Quarta Internacional para que se preparassem para ser a ala trotskista-posadista do movimento comunista mundial.
O desaparecimento de J. Posadas e as contradições internas do Estado
operário, na ausência de uma Internacional comunista de massas, frente à
fragmentação dos movimentos revolucionários a nível mundial, e à tenacidade como as castas burocráticas defendiam o seu poder, impedindo o progresso ao comunismo na URSS e outros Estados operários, conduziram à contrarrevolução, e ao desmembramento do sistema socialista, com gravíssimas
consequências para o movimento operário e revolucionário mundial, sentidas
até os nossos dias.
Tanto a direção da União Soviética como a dos outros Estados Operários e Partidos Comunistas não compreenderam as contradições e crises
do capitalismo e perderam a confiança nos instrumentos e nos objetivos da
revolução mundial. Os Partidos Socialistas e as direções reformistas se ofereceram como alternativa perante esta crise, mas sua submissão e aplicação de
políticas neoliberais apenas conduziram a derrotas e perdas de conquistas do
movimento operário.
Este terrível golpe ao processo revolucionário teve consequências
enormes de retrocessos nas conquistas trabalhistas em todo o mundo, aumento da exploração das massas, retrocesso brutal das condições de vida nos
ex-países socialistas, manifestações de neocolonialismo e guerras abertas por
parte do imperialismo.
Entretanto, o capitalismo, que proclamou precocemente “o fim da História”, gerou uma catástrofe ainda maior, o novo ciclo de crise econômica e
financeira, que o conduz diretamente ao declínio irreversível. Isso, em grande
parte às lutas das massas que nunca cessaram, e terminaram por expressar-se
em mudanças e progressos, especialmente nos países árabes e América Latina,
e ao surgimento de novas direções, recuperando a tradição e a experiência
histórica da luta pelo socialismo. Daí surge este novo polo articulador, entre
Cuba, Venezuela e os países da ALBA, a nova unificação da América Latina,
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A função histórica das Internacionais
os acordos China-Rússia, o papel antimperialista do Irão, todos fatores que
procuram enfrentar, conjuntamente, esta etapa de desagregação do sistema
capitalista e de preparação da sua resposta militar.
O capitalismo, em situação de esgotamento total, arrasta o mundo
para catástrofes de todas as classes, rumo à guerra generalizada. No entanto,
não tem nenhuma capacidade de se estabilizar e ganhar base de apoio social.
Isso explica porque tenta manter desesperadamente o monopólio de todos os
poderes e não tolera nenhuma oposição. Enfrenta os povos da Oriente Médio,
África, Ásia, Europa e Estados Unidos com uma violência desproporcional.
Hoje, toda a humanidade vive um momento histórico decisivo. A reunificação
de todas as forças revolucionárias e progressistas do mundo é imprescindível.
Esta é a principal conclusão que se pode extrair da leitura dos textos que
apresentamos.
Através deste libro, A função histórica das Internacionais, transmitimos à vanguarda mundial o pensamento vivo de J. Posadas. Um de seus
objetivos centrais era tirar conclusões da história do movimento operário, da
sua função como eixo da luta anticapitalista e das Internacionais para levar
à compreensão da necessidade de uma nova Internacional de massas. Esperamos, com esta publicação, contribuir para o debate sobre as tarefas que correspondem à necessidade desta etapa da história.
Na parte final desta edição em língua portuguesa, acrescentamos
uma seção de Anexos ligados ao tema deste livro, no qual está inserido
o debate sobre a conjuntura atual de guerra, de crise mundial do capitalismo, e a necessidade histórica e imprescindível de instrumentos de Frente
Única internacional e anti-imperialista, reforçada pelo apelo de Hugo
Chávez a uma V Internacional para o socialismo neste século XXI: Escritos de Daniel Malach, que foi membro do Grupo Quarta Internacional,
na Argentina, junto a J. Posadas (Anexo I); Extratos de Discursos de Hugo
Chávez chamando à Quinta Internacional no I Congresso Extraordinário
do PSUV e no Encontro Internacional dos Partidos de Esquerda, em Ca-
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J. Posadas
racas (2010) (Anexo II); O Chamado de Hugo Chávez à Quinta Internacional
(Anexo III).
A dedicatória introdutória deste livro é dirigida a bravos militantes
trotskistas-posadistas brasileiros que foram assassinados lutando contra a
ditadura militar e contra as oligarquias no Brasil. Paulo Roberto Pinto (Jeremias), dirigente e organizador dos trabalhadores rurais da Zona da Mata,
assassinado em També (PE - 1963). Olavo Hansen, dirigente sindical químico
de São Paulo, dirigente do Partido Operário Revolucionário Trotskista, preso
no 1o. de maio de 1970 e assassinado pelo DOPS. Rui Oswaldo Aguiar Pfutzenreuter (Marcos Vinicius), jornalista de Nova Orleans (SC) e dirigente do
PORT-Posadista, assassinado pela ditadura em 1972. Sidney Fix Marques dos
Santos (Lalo), ex-editor responsável do jornal “Frente Operária”, desaparecido
desde 1976 na Argentina.
Os Editores
“Bem unidos façamos
Nesta luta final
Uma terra sem amos
A Internacional” (*)
(*) Refrão do Hino da Internacional
Letra e Música: Eugène Pottier (1870) e Pierre Degeyter (1888)
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  As bases da Primeira Internacional
As Internacionais são instrumentos para a construção do socialismo. Embora não haja uma relação direta ou aparente entre elas, existe uma
continuidade e uma estrutura comum indestrutível, porque a construção do
socialismo está ligada à concepção de observação do processo da sociedade e
também da natureza e do cosmos. Depende da compreensão, da capacidade
de previsão do curso da história, de para onde vai a economia, para onde ela se
dirige e como determina o comportamento da sociedade e dos seres humanos.
A economia determina as relações sociais, a forma de pensar, sentir e
se relacionar. A capacidade de previsão depende da capacidade de análise e de
compreensão da economia: prever o surgimento de fenômenos, reações e bases
para poder intervir e direcionar o processo, organizando a atividade social e
as forças que surgem do curso da economia; para poder determinar, dessa
forma, como utilizar esse processo a fim de construir de forma consciente as
forças possíveis de serem organizadas, que surgem das relações econômicas.
As Internacionais não surgem apenas porque é necessário um organismo de classe único. Essa é a razão histórica. Um organismo de classe, com
uma função superior de partido, serve para organizar em escala mundial a
luta contra o sistema capitalista, para tomar o poder, coordenar, organizar,
homogeneizar e planejar a atividade a fim de derrubar o sistema capitalista e
construir o socialismo.
À diferença do sistema capitalista, o socialismo é uma sociedade baseada na análise científica. o capitalismo é, pelo contrário, um produto do
empirismo que não precisou da ciência para se organizar. Usou a ciência para
a exploração, para o comércio e porque era uma necessidade para o desenvolvimento da humanidade, tanto para a medicina como para a física, a química,
etc. Era necessário o conhecimento do funcionamento da natureza, para se
relacionar com ela e extrair as matérias-primas para transformá-las em função
da necessidade do capitalismo. Essa foi a base do desenvolvimento da grande
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J. Posadas
ciência dirigida pelo capitalismo. A humanidade, ao se desenvolver, foi elevando a consciência e utilizou a ciência para outros fins. Já não apenas para
o uso comercial ou capitalista, mas para elevar a consciência, a compreensão,
as relações humanas e compreender o curso da economia. A humanidade
aprendeu a extrair os meios para organizar as forças políticas, as forças sociais
revolucionárias, para dirigir conscientemente o curso da história.
Em cada etapa da história, houve correntes socialistas, não apoiadas
na sociedade, na economia, mas no desejo. As correntes antes de Marx se
baseavam – tanto o socialismo utópico como o humanismo de Thomas More2
ou de Campanella3 – na vontade e no desejo de suprimir a desigualdade, a
pobreza, o desemprego, a miséria, a fome e as guerras. Partiam dessa aspiração. Tentavam convencer as pessoas sobre a necessidade de se opor à guerra,
à fome e à desigualdade. A atitude era humana, mas não científica. O povo
estava contra a guerra, mas não podia decidir. O domínio da sociedade estava em mãos dos que a dirigiam, os que ainda representavam um fator de
progresso na economia e, portanto, na sociedade. Essa foi a estrutura desde
o nascimento da vida humana e, desde então, eles têm as alavancas da sociedade. Tendo as alavancas da economia, eles têm as alavancas da sociedade:
ciência, arte e política se desenvolveram de acordo com essa necessidade. A
passagem de um regime a outro trouxe como resultado a mudança do regime
de propriedade e do sistema de produção, mas não da relação social entre o
poder e a propriedade. A propriedade privada subsistiu desde a escravidão até
o feudalismo e o capitalismo e continuou determinando a mentalidade e o
pensamento. As forças originadas pela economia dependiam do interesse individual. Tanto a escravidão como o feudalismo e o capitalismo eram produto
do interesse individual e originaram, em consequência, os fatores determinantes da sociedade, conduzidos pelo interesse privado. Eles se associaram e
depois construíram o Estado para defender o interesse privado.
A economia determinava o curso da história. O interesse privado era
quem definia o curso, os interesses, as iniciativas, o impulso à ciência, à arte, à
2 Thomas More, 1478-1535. Escreveu Utopia (1516); jurista e pensador inglês, conselheiro de Henrique VIII.
3 Campanella, 1568-1639. Padre dominicano, filósofo italiano. Contemporâneo de Galileu. Escreveu A Cidade do Sol em 1602.
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A função histórica das Internacionais
cultura. O desenvolvimento da sociedade, da economia e da ciência, promoveram a inteligência humana, a capacidade de pensar, de compreender, e aos
poucos foi originando tendências, correntes, setores opostos à submissão, ao
regime de produção, ao patrão, à injustiça humana, à desigualdade, à guerra,
à miséria, à fome. Desse processo surgiram todos os movimentos utópicos,
todas as correntes comunistas e socialistas que tentavam suprimir a desigualdade, a injustiça, através da vontade e do desejo, convencendo as pessoas. Elas
só podiam ser convencidas em pequena escala, porque não havia ainda um
instrumento social capaz de concentrar e de representar essa compreensão e
de ser um fator determinante na economia. Este instrumento nasceu com o
proletariado.
O nascimento do proletariado na sociedade capitalista cria as condições para desenvolver a luta da humanidade contra a injustiça, a miséria,
a exploração e ter um instrumento para poder organizar conscientemente o
progresso. O que faltava era verificar, compreender e provar na prática o comportamento da classe, do proletariado. As outras classes se desenvolviam com
o interesse privado. Associavam-se para poder explorar o resto da sociedade.
O proletariado nasce da sociedade. o capitalismo significa produção coletiva
e apropriação individual.
Mas, para se desenvolver, o grande capital devia concentrar e centralizar a produção. Daí surge o proletariado moderno, diferente do proletariado
que existia desde a época romana, que era proletariado por causa da relação
de dependência da produção, mas não pela função social. Já na sociedade capitalista surge um proletariado que é, ao mesmo tempo, o eixo da economia:
estrutura-se obrigatoriamente pela função que exerce dentro da economia em
forma coletiva. Surge então a classe antagônica ao capitalismo que, para se desenvolver como classe, precisa desenvolver ao mesmo tempo toda a sociedade.
As outras classes surgiam da classe anterior – o feudalismo da escravidão, o
capitalismo do feudalismo –, para se impor de forma individual uns contra os
outros; competiam entre si para formar o novo regime de propriedade. Por
outro lado, o proletariado originado no processo da grande indústria, para se
desenvolver, se libertar como classe e gerar progresso, devia suprimir o capitalismo e, ao mesmo tempo, se suprimir a si mesmo porque não podia gerar
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J. Posadas
um novo poder, uma nova forma de propriedade privada. Por isso, chama-se
“Estado proletário” e não “propriedade proletária”. O proletariado não assume
a função de dono da propriedade como uma nova classe; ao contrário, tende à
abolição de toda forma de propriedade.
Daí surge o pensamento científico do marxismo. Surge a capacidade
de pensar, de prever, pela primeira vez na história, para onde vai a sociedade.
O marxismo é o instrumento que permite ver como a economia se relaciona
com a sociedade, como a sociedade se relaciona em suas diferentes camadas e
que perspectivas surgem dessas relações. Daí surge, pela primeira vez na história, a capacidade de ser um instrumento que pode prever o futuro. Um instrumento que organiza o pensamento, as ideias, o programa, a política, para
organizar a atividade política, sindical e revolucionária.
No Manifesto Comunista está expressa a análise concreta e objetiva
desse momento da história e de qual é a sua perspectiva. Em pleno auge do
sistema capitalista, Marx e Engels analisam a sociedade capitalista e chegam
à conclusão de que é um regime transitório que vai ser substituído, por meio
da luta revolucionária, pelo proletariado; o desenvolvimento do capitalismo
produz o nascimento do proletariado e este, para avançar e promover o progresso, deve se anular a si mesmo como classe. Sua função na sociedade e na
economia lhe impede de tomar o poder individualmente. Ele precisa tomar o
poder de forma coletiva porque o desenvolvimento da grande indústria determina esse comportamento: a concentração, onde milhares e milhares de
operários exercem a produção. Milhões e milhões exercem a produção e o
vínculo que eles têm com a produção não é de propriedade individual, mas de
funcionamento coletivo.
O Manifesto Comunista de Marx e Engels
O Manifesto Comunista é a primeira base da Internacional para organizar a ação das massas contra o sistema capitalista em desenvolvimento.
Antes de Marx existiam os sindicatos. Havia grandes movimentos sindicais,
na Inglaterra, na França, na Alemanha; movimentos revolucionários, movi-
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A função histórica das Internacionais
mentos sindicais muito potentes, porém parciais em seus objetivos. Havia tentativas do proletariado de se unificar e de se relacionar mundialmente, mas a
ausência da capacidade científica de prever e organizar a observação, a análise,
a conclusão científica e política em forma de palavra de ordem, de tática, de
programa, impedia o proletariado de se unificar ou combinar suas experiências e lutas. Era necessário um movimento que unificasse as perspectivas que
surgiriam da luta mundial entre o capitalismo e o proletariado. o capitalismo,
representando os interesses da sociedade exploradora; o proletariado, representando a si mesmo e a todas as massas exploradas e oprimidas. Daí surge a
Primeira Internacional.
Naquele momento, a titânica ação de Marx teve pouco efeito, mas deu
o resultado mais importante: mostrar ao melhor da humanidade, à vanguarda
revolucionária intelectual e proletária, tanto naquela etapa como hoje, que era
necessário um instrumento mundial em que o objetivo e as perspectivas eram
comuns. Ainda não surgia nitidamente do desenvolvimento do capitalismo,
mas era a previsão baseada na análise de o que era o capital, para onde levava
o desenvolvimento do capitalismo, e era a capacidade de previsão de Marx que
já antecipava essas conclusões.
Por isso, organizou a Internacional como instrumento de coordenação
da ação das massas, de transmissão das experiências, qualidades e capacidades,
de centralização da força do proletariado. Ela lhes permitia atuar como classe,
já que, apesar de serem igualmente exploradas, tanto em um como em outro
país, a capacidade de discernimento, de análise e de organização da capacidade comunista era desigual. Era preciso concentrar tudo em um instrumento
que homogeneizasse a capacidade mais elevada de pensar, de raciocinar e de
organizar.
Organizou-se a Primeira Internacional. Mas, a Primeira Internacional
não encontrou as condições históricas para triunfar. O peso do proletariado, o
número, as experiências ainda não lhe permitiam assimilar. Ainda não tinha
suficiente influência sobre os intelectuais e os cientistas para ganhá-los a um
movimento comunista mundial. Era necessário um processo mais desenvol-
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J. Posadas
vido do capitalismo e da luta de classe. Marx previu esse processo e se dedicou
à preparação científica de todos os textos. Neles se resume um conhecimento
de todo o passado, de como foi a luta de classe, como se preparou a ascensão
do capitalismo e como prever o futuro através da ação consciente e organizada
do proletariado. Ele se dedicou a elaborar esses documentos. A polemizar,
discutir e organizar os textos necessários com todas as correntes científicas,
literárias, políticas que existiam naquela época. Tanto dentro do movimento
do pensamento científico geral como do pensamento político concreto. A
qualidade de Marx era a de um gigante do pensamento que havia alcançado
um domínio da compreensão do desenvolvimento da sociedade e da natureza.
Era preciso elaborar o instrumento que lhe permitisse fazer isso. Havia
todo um processo histórico de polêmicas, de discussões, de elevação – ainda
insuficiente – do pensamento científico, sobre a forma em que se desenvolvia
o processo da história. Por isso, existia todo tipo de correntes filosóficas, do
idealismo até o materialismo.
Faltava um instrumento para compreender o porquê do comportamento da classe operária, o porquê do comportamento da sociedade, a causa
desse processo. O mistério da produção, da economia, da relação entre os
seres humanos e a economia; parecia um mistério, um processo escondido,
inacessível ao conhecimento humano, no qual aparecia a economia como
dona de tudo e o capitalismo como patrão. o capitalismo tinha a natureza,
deus e o céu em suas mãos e impunha a economia, enquanto o homem devia
se submeter a ele. Marx tirou o céu, deus, a mentira, a mística e demonstrou
que a economia era um produto da organização e do trabalho humanos. Produto de um processo que tinha uma origem, um antecedente: um processo
que determinava outros processos. Ele encara a aplicação do método, do instrumento, para compreender a história. Marx integra a análise da economia
política e do desenvolvimento da luta de classe, o método da interpretação,
que é o materialismo dialético.
A base essencial do marxismo é: toda a história é uma luta de classe. É
a base essencial, o pedestal onde se apoia a concepção que vai permitir a cons-
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A função histórica das Internacionais
trução do socialismo. Essa é a base, que tem uma estrutura científica, assim
como o conhecimento sobre o átomo. A concepção de que toda a história é
uma luta de classe, de onde surgem todos os fenômenos da sociedade, é a
base para interpretar e compreender o desenvolvimento da história, que antes
parecia cego, empírico e inacessível. Marx se dedicou ao estudo e elaboração
de documentos, onde incluía toda a análise da economia, as lutas econômicas,
a luta de classe, o sindicato, o proletariado, os partidos, as ideias socialistas, o
desenvolvimento socialista. Mostrava que a luta de classe, como a natureza e a
sociedade, se desenvolvia em um processo dialético, que surgia de um ponto
de partida, por sua vez originado em um processo anterior.
O proletariado foi gerado pelo capitalismo. Para se desenvolver como
classe, o capitalismo precisava desenvolver a grande indústria e responder à
necessidade de produção e de concorrência. o capitalismo soube organizar o
comércio que estava relacionado em todas as fronteiras do mundo. Para desenvolver a concorrência, precisava desenvolver a grande indústria. A grande
indústria desenvolve a grande concentração proletária. A grande concentração proletária dá ao proletariado a noção da força que possui, do seu peso
na sociedade. Não é o pequeno artesanato, a pequena fábrica, e sim a grande
concentração industrial o que dá ao proletariado a noção da sua força na história e o que seria a origem do pensamento comunista da classe.
Toda a história é uma luta de classe, onde as classes disputam o poder.
Mas, à diferença das outras classes, o proletariado, nascido na grande concentração industrial, devia eliminar o sistema que o havia gerado, para se desenvolver e eliminar a opressão. Portanto, ele devia se organizar como classe.
Mas, ao mesmo tempo, para dirigir a sociedade, progredir e superar o sistema
capitalista, não podia criar um novo regime de propriedade privada. Sua relação com a economia não era a de proprietário em disputa. Daí surge a base
para a compreensão da aplicação do materialismo dialético.
Marx transfere a luta de classe ao conceito de materialismo dialético.
O processo que dá origem à luta, chamado “tese”, em seu desenvolvimento
produz o antagonismo. o capitalismo produz o proletariado, que é a “antítese”.
13
J. Posadas
E o proletariado, para superar o sistema capitalista que lhe deu origem, não
pode produzir uma nova forma de poder individual; ao contrário, deve anular
os dois: o capitalismo e o proletariado. Anular o capitalismo, porque a forma
de produção é antiquada, não serve ao desenvolvimento nem à necessidade
humana. Anular o proletariado, porque o papel na economia não é de proprietário e sim de elaborador da produção, especialmente gerado na grande
indústria. Então ele nega o capitalismo, nega-se a si mesmo e dá por resultado
a luta pelo socialismo e o socialismo.
A elaboração do pensamento científico feita por Marx parte do Manifesto Comunista, no qual ele dá as premissas da história. O Manifesto Comunista é tão útil hoje, como o foi em sua época. O programa muda: era o
programa para 1848, mais de 100 anos atrás, mas a premissa histórica é igual.
A afirmação de Marx: “Os proletários nada têm a perder, a não ser seus grilhões, e têm um mundo a ganhar”, significava que ele já previa e organizava o
pensamento científico, o programa, a tática, contando com o comportamento
histórico revolucionário do proletariado. Não contava com que o texto ganharia e convenceria outras pessoas, como os Utópicos.
Marx queria desenvolver a consciência de que o proletariado, pela própria função que exerce na economia e na sociedade, deve “ser revolucionário
ou não será nada”. E como a sua função na sociedade o mantém nesta função
revolucionária, o proletariado tem que transformar a sociedade: ele é o eixo, a
base das mudanças da sociedade.
O Manifesto Comunista dá a segurança histórica de qual vai ser o curso
da história. Em 1848, o texto dá uma visão e um panorama prévio do que vai
ser o mundo. Nele, Marx desenvolve também a tática de apoio a movimentos
radicais liberais. Ele formula princípios de tática aos quais, hoje, tratamos de
dar continuidade. Por exemplo: apoiar todo movimento que, em cada etapa,
independentemente de nós, tem o poder de mobilização da opinião pública,
das massas ou dos instrumentos que possam significar progresso. Apoiar todo
movimento sem se identificar com ele, nem se submeter a ele. Apoiá-lo como
tática para impulsionar um progresso que desenvolve a compreensão e unifica
14
A função histórica das Internacionais
a vontade das massas para derrubar o sistema capitalista, estimulando-as a
operar como direção. Já Marx impunha uma base essencial histórica da tática.
O Manifesto Comunista continua vigente, embora tenha perdido a
aplicação programática pela qual foi elaborado em 1848. Hoje existem muitos
Estados Operários. Mas a concepção histórica do Manifesto Comunista era
tão boa antes como agora. Do ponto de vista programático, já não é necessário. Mas aquela era a primeira vez na história em que alguém dava a visão
da estrutura do mundo. Enquanto as ciências naturais se desenvolviam e uma
série de cientistas se dedicava a cultivar o conhecimento individual, para a indústria e para o capitalismo, surgia a necessidade desse conhecimento essencial: para onde vai a humanidade? Para onde vamos? O Manifesto Comunista
diz para onde vamos. Já a tática e a política de Marx era: enquanto isso, o que
fazemos?
Ao escrever O Capital, Marx assentou as bases: de onde viemos? A
origem é o sistema capitalista, produto da história anterior. Para onde vamos?
Rumo ao comunismo. Enquanto isso, o que fazemos? O Manifesto Comunista
é a organização científica da atividade baseada na compreensão dialética do
processo. Teve uma aceitação tão grande que hoje continua sendo um dos
instrumentos essenciais do pensamento.
A Primeira Internacional foi a materialização prática do Manifesto
O marxismo era um método de interpretação, um método para organizar o pensamento e a capacidade de compreensão. Faltava uma comprovação
material histórica que significasse que as massas o acolhiam, o aceitavam, baseavam-se nele para desenvolver a história. A Primeira Internacional, antes,
e mais tarde, os Estados Operários soviéticos e os outros Estados Operários
que se formaram são a comprovação material da verdade histórica, do instrumento histórico necessário, porque é sobre a base do marxismo que esses
Estados foram construídos.
15
J. Posadas
Eis aí uma conclusão prática da tática que surge do Manifesto Comunista: apoiar-se na luta que o capitalismo, na sua concorrência mundial, está
obrigado a fazer, para tomar pontos de apoio para o progresso da humanidade.
Partir de circunstâncias históricas, de conjunturas que o inimigo está obrigado
a fazer, para ter a base e os pontos de apoio para o processo revolucionário.
O Manifesto Comunista prepara essa compreensão. Não dá normas teóricas, nem políticas concretas. Não dá a orientação programática nem a tática – porque não poderia –, mas o instrumento para compreender as classes,
a sua função histórica e a conclusão que deve tirar o Partido na etapa concreta.
Entre o surgimento do Manifesto Comunista e a criação da Primeira Internacional, acontece uma série de revoluções, movimentos, greves e mobilizações
das massas na Europa que deram ao Marx a segurança do comportamento
incontível do proletariado. Faltava uma verificação histórica. A compreensão
de Marx chegou à conclusão histórica ao escrever o Manifesto Comunista e
propor a Primeira Internacional, depois da comprovação prática dos fatos materiais, do comportamento da classe operária, das grandes greves da França,
da Alemanha, da Inglaterra e da ação revolucionária do proletariado. O proletariado apoiou a greve, a revolução de 1848 na Alemanha e isso era uma justificação, uma demonstração da previsão histórica do Manifesto Comunista, que
depois daria origem à Primeira Internacional.
A Primeira Internacional foi a primeira tentativa de criar um instrumento que homogeneizasse a capacidade de previsão do processo da história
para organizar a atividade da classe operária, para atrair o resto da população
que não era de origem proletária. A Internacional não se dispunha apenas a
apoiar as greves e as lutas do proletariado, mas todas as lutas pelo progresso
científico revolucionário. Propunha-se ser o instrumento que harmonizasse
o progresso da humanidade, para ser dirigido e assumido pelo movimento
revolucionário através da Primeira Internacional como organismo mundial
da classe operária. Era a primeira vez que existia um partido revolucionário
consciente.
16
A função histórica das Internacionais
Os partidos como o Partido Trabalhista ou o Partido Fabiano4, surgidos na Inglaterra, eram uma combinação de movimento sindical e movimento político. Não tinham uma origem nem uma perspectiva de classe. Lutavam contra o patrão, faziam greves, para melhorar o nível de vida. Um setor
melhora o seu nível de vida, o resto não. o capitalismo, com a concorrência,
renova constantemente os meios, os métodos e as condições de exploração.
Portanto, é preciso derrubar o sistema capitalista.
Era preciso analisar se o capitalismo era um regime que tinha uma
perspectiva inesgotável de progresso ou se inevitavelmente enfrentaria crises
provocadas por seu próprio funcionamento. Ainda em plena expansão, o capitalismo tinha um progresso limitado. Quem determinaria essa limitação?
A incapacidade econômica ou o enfrentamento de classe provocaria a luta
do proletariado que limitaria essa perspectiva. Inevitavelmente, o capitalismo
levaria à cegueira histórica. O desenvolvimento da economia e da produção
conduziria a uma etapa na qual as forças produtivas seriam contidas, sujeitas,
desorganizadas pelo próprio sistema capitalista.
O capitalismo seria impotente para utilizar o desenvolvimento da técnica e da ciência, porque a estrutura do sistema capitalista, a origem de classe,
impedia criar um desenvolvimento ilimitado, de acordo com o impulso e a
força que surgia da produtividade. Não poderia dar resposta a isso. A concorrência interna do sistema capitalista conduziria a guerras, ao retrocesso da
humanidade e à insegurança social. Enquanto que o proletariado daria a segurança do progresso. O desenvolvimento da economia obrigaria a formas de
produção e de propriedade, que o capitalismo já não poderia suportar, porque
passava da propriedade privada, do monopólio, dos cartéis a formas de planejamento, porque já a técnica e as forças de produção superariam a capacidade
e o interesse individual do capitalismo. Seria necessário o planejamento geral,
que faz parte da previsão que Marx depois desenvolve em O Capital.
4 Partido Fabiano, ou Fabian Society, centro político de centro-esquerda no Reino Unido, criado em 1884,
interveio na formação do Partido Trabalhista em 1900.
17
J. Posadas
A polêmica de Marx e Engels com o movimento anarquista
É sobre essa base que se apoia a Primeira Internacional, não no desejo
revolucionário como no caso de Bakunin, que era de origem nobre e manifestava a própria reação contra a classe de onde havia nascido. O impulso, o
sentimento de justiça, não com base científica, mas apoiada no empirismo
individual, não favorecia a organização. A injustiça, a fome, a guerra e a miséria provocavam sempre reações humanas, também no campo religioso e na
nobreza. E não é casual. É o resultado direto da brutalidade da opressão do
povo russo. Era uma reação que chegava até eles, uma reação contra a exploração humana porque era a servidão próxima da escravidão. Essa opressão
das massas russas fez surgir Chekhov5, Bakunin, Tolstoi6, que eram críticos
à sociedade russa, mas não organizadores políticos das massas. Expressavam
tanto uma crítica individual, como um desejo e um sentimento cristãos. Mas
faltava o pensamento científico.
Bakunin chega à Primeira Internacional com ideias empíricas baseadas na impaciência que expressava a sua origem, a superficialidade, o empirismo, a resistência e a oposição ao método científico: organizar um partido de
classe que vivesse e se baseasse no proletariado. Enquanto Bakunin se baseava
nas ações empíricas das massas, Marx se apoiava na ação, na organização, na
influência histórica do proletariado.
Bakunin levava à Primeira Internacional o empirismo anarquista: estimular a luta de hoje e... “amanhã veremos”. Marx tinha a previsão de organizar
as forças da revolução para incorporar o resto da sociedade. Bakunin estava
interessado em promover escândalos e desordens, com intenções revolucionárias. Marx utilizava as greves e a agitação das massas para construir uma
direção, unificá-las com o resto da população e organizar o partido. A greve
por si só não podia atrair a população; sim a solidariedade e a simpatia, mas
não a organização política para poder derrubar o sistema capitalista. Bakunin
não se dedicava a essa atividade.
5 Antón Pavlovitch Chekhov, 1860-1904, médico, dramaturgo e escritor russo.
6 Liev Nikolaievich Tolstoi, 1828-1910, novelista e escritor russo.
18
A função histórica das Internacionais
Proudhon7 baseava a crítica ao sistema dizendo: “o capitalismo é um
roubo”. E orientava a própria ação a partir deste pensamento. Marx disse a
ele: “Não, o capitalismo não é um roubo, é um regime de produção”. Proudhon partia dessa concepção teórica, embora com uma intenção muito boa,
já que era um idealista. Ele se fechava na ideia de que o capitalismo era um
roubo porque o operário trabalhava, dedicava-se à produção e o capitalista a
expropriava. Então Marx demonstrou: “Bom, devemos impedir que roubem,
mas a relação da produção está determinada pela capacidade de produzir a
menor custo. O sistema capitalista comete o roubo, não em forma individual,
e sim como sistema. É um sistema de produção que permite a acumulação, a
reprodução e o reinvestimento do capital. Não é um roubo qualquer: o sistema
capitalista é o roubo histórico. Mas é a forma de produzir e essa forma deve
ser transformada”.
Era preciso esperar o desenvolvimento das forças produtivas que se
rebelariam contra o capitalismo, porque o impulso da técnica, da ciência e
do proletariado geraria condições às que o capitalista não poderia responder.
Não poderia, porque chegaria uma etapa em que a concentração da produção
e a reorganização do investimento do Capital levariam a um grau de centralização da produção que o capitalismo não poderia dominar porque a ciência
seria superior à limitação da capacidade e ao interesse de aplicação do sistema.
O capitalismo usou a técnica de acordo com a própria necessidade
e não em função do interesse humano. Mas o desenvolvimento da técnica
levaria à convicção de que existem as condições e as possibilidades do desenvolvimento ilimitado. Ao mesmo tempo, a produção exigiria, como agora, um
nível de organização da função da propriedade, da produção e da distribuição
que supere a propriedade privada, o interesse privado de produzir, acumular e
reinvestir. Então a economia, a técnica e a ciência exigiriam uma coordenação
superior, que o capitalismo não poderia ter. Isso criava as condições que opunham o sistema capitalista ao desenvolvimento necessário da história.
7 Pierre-Joseph Proudhon, 1809-1865, filósofo político e revolucionário anarquista francês.
19
J. Posadas
A polêmica de Marx e Engels com o movimento anarquista na construção da Primeira Internacional era uma diferença histórica sobre a capacidade científica. Não eram divergências de tática. Mas se traduzia em divergências de tática entre Marx e Engels, por um lado, e Bakunin, os anarquistas
e um setor de intelectuais, por outro; entre a Liga dos Comunistas e outros
setores apenas atraídos pelo comunismo. Marx via a Internacional como um
instrumento de organização do pensamento científico, da organização prática
para a ação histórica do proletariado a fim de derrocar o sistema capitalista e
construir o comunismo. Para Bakunin era um instrumento de ação, que servia
para organizar as massas, mobilizá-las e depois “vejamos o que acontece”8.
Por isso houve a polêmica histórica com os anarquistas na Primeira
Internacional. Bakunin lutava concretamente contra a injustiça, sem ter uma
perspectiva do objetivo futuro. Essa era a divergência histórica entre o movimento anarquista e o movimento comunista. Marx e Engels criaram o Manifesto Comunista e a Primeira Internacional baseados nessa conclusão.
A Comuna de Paris
A Comuna de Paris põe à prova a existência da Internacional. Ficou
demonstrado que a Primeira Internacional não tinha força, organização, nem
peso histórico. Não pôde intervir para ajudar a Comuna de Paris, não pôde
mobilizar as massas da Europa. Mas serviu como instrumento para a experiência e a organização científica do pensamento comunista. Serviu para que os
revolucionários posteriores a Marx e Engels tivessem como base a Comuna
de Paris e elevassem a capacidade de organização, dominassem mais os fatores que intervêm na revolução e soubessem medir a vontade e a organização
das massas, compreendessem a crise do sistema capitalista, a combinação de
todos esses fatores e a atração do resto da sociedade, ganha pelo proletariado,
para derrubar o sistema capitalista. A Primeira Internacional contribuiu para
caracterizar estas etapas, das quais deriva o conceito de tática.
8 Liga dos Comunistas, fundada por Marx e Engels em 1848 em Bruxelas, a partir da Liga dos Justos fundada
com operários alemães em Paris em 1836.
20
A função histórica das Internacionais
A Primeira Internacional não pôde dar um apoio importante à Comuna de Paris. Porém, mobilizou nos Estados Unidos e na América Latina
um apoio que não podia ser expresso em forma de movimento de massas, de
solidariedade concreta. A Comuna de Paris atraiu uma quantidade imensa de
pessoas do mundo todo e foi motivo de discussão e disputa no seio do capitalismo mundial, que a viu como um antecedente do crescimento das forças do
proletariado para construir a sociedade socialista.
O capitalismo mundial ficou abalado. Entrou em estado de pânico
em todo o mundo, inclusive na América Latina, onde os teóricos liberais do
capitalismo, em particular da Argentina, condenaram a Comuna de Paris.
Também na Europa, enquanto Garibaldi9 apoiava a Primeira Internacional e,
em parte, a Comuna, Mazzini10 estava contra.
A conclusão mais importante, que serviu para a experiência e para a
capacidade do movimento comunista mundial de pensar, de raciocinar e de
organizar foram os textos de Marx, como depois os de Lênin, sobre a Comuna
de Paris. Naquela etapa, a Primeira Internacional mandou uma saudação à
Comuna de Paris. Mas, ao mesmo tempo, criticou-a. Mesmo sendo uma mensagem de apoio e um texto comovido e comovedor de Marx e Engels, o texto
expressa a crítica às falhas da direção e a necessidade de aprender, corrigir e
se basear nas limitações da direção. Havia duas conclusões fundamentais: a
ausência de um partido e de condições objetivas para que triunfasse um movimento revolucionário e socialista. Mas, por outro lado, existia a possibilidade
de ter se desenvolvido um movimento de unificação da população através de
reinvindicações democráticas, à espera de uma etapa posterior de desenvolvimento. Era um antecedente da revolução permanente. Não era a formulação
teórica plena da revolução permanente; era um antecedente que conduzia à
conclusão e à prática da revolução permanente11. Marx mostra a segurança
histórica que transmitiu a todo mundo.
9 Garibaldi, 1807-1882, militar e político italiano. Quando se formou a Primeira Internacional em 1864, Garibaldi se declarou internacionalista.
10 Mazzini, 1805-1872, filósofo, político e nacionalista italiano.
11 O autor faz referencia a que Marx já identificava elementos de Revolução Permanente, cujo desenvolvimento
teórico viria posteriormente, em 1905, com Trotsky.
21
J. Posadas
A Comuna de Paris foi um fator essencial na construção do Partido
Bolchevique. A Comuna de Paris demonstrou que não era possível fazer um
partido esporádico, espontâneo, com bases carentes de firmeza e resolução,
um partido que se dedicasse apenas à atividade parlamentar ou sindical. Era
necessário um partido profissional, dedicado a elaborar a teoria, a assimilá-la,
a expandir a sua aplicação, a se comunicar com a população por meio do programa e da política, intervindo em todos os problemas das massas. Um partido dedicado a viver as experiências, aplicar o programa, avaliar, comparar as
experiências e criar a equipe com a resolução de tomar o poder, vivendo com
essa consciência, esse sentimento e essa resolução. Lênin criou esse partido: o
Partido Bolchevique.
A Comuna de Paris foi uma experiência histórica completa: dela
emerge a necessidade do partido revolucionário, do funcionamento do partido, da comunicação com o resto da população através do partido, de unir a
luta sindical de fábrica, de bairros, camponeses, intelectuais através do partido. O partido é o eixo que deixa a experiência intergiversável. Marx e Engels,
e depois Lênin e Trotsky, se apoiaram nisso. A Comuna de Paris é uma experiência histórica que permitiu que de uma derrota surgisse uma experiência
vantajosa, assim como a derrota de 1905 serviu para organizar o triunfo de
1917.
A experiência histórica da Primeira Internacional
A Primeira Internacional foi dissolvida, mas deixou a experiência histórica de que era necessária e era possível uma organização mundial. Naquela
época o proletariado não tinha o peso decisivo que tem hoje. Mas, em toda a
Europa – na Itália, na Inglaterra, principalmente na França e na Alemanha –,
o movimento operário tinha um grande peso de classe, mas não tinha ainda
uma suficiente atividade independente. Desenvolvia-se na política liberal ou
sindical-liberal e sem o partido, sem a concepção direta de classe.
No entanto, as grandes greves gerais de 1848 demonstraram que o proletariado estava disposto a assumir a direção, mas tinha que envolver o resto
22
A função histórica das Internacionais
da sociedade. Como ganhá-la? Essa era a função do partido. Como educar e
preparar a sociedade para transformá-la. Ganhar uma greve não era difícil.
Motivado pela necessidade da vida, o proletariado era capaz de ganhar greves,
como demonstrou na Alemanha, na França, na Inglaterra. Mas dirigir a sociedade para transformá-la requeria o conhecimento científico, o instrumento, o
partido, que vinculasse os sindicatos com o resto da população. Era preciso
educar e elevar a população para essa função, para que adquirisse a experiência, a capacidade de pensar, de raciocinar, de aplicar e compreender todos
os problemas e que a solução diante do sistema capitalista só podia ser encontrada derrubando esse sistema e inaugurando uma nova forma de sociedade.
A concepção marxista era destruir o sistema capitalista e transformá-lo em uma nova forma de sociedade, permitir a passagem para uma nova
sociedade. Marx não via a caída do capitalismo como o resultado de uma ação
de desespero das massas, motivada pela fome, a miséria e a necessidade, mas
como o produto da ação consciente que surge da fome, da miséria e da necessidade contra a guerra capitalista para transformar a sociedade. Mas para isso
é preciso o instrumento. Era necessário extrair, de todas as ações de classe baseadas no antagonismo entre proletariado e sistema capitalista, a experiência
para educar a vanguarda e as massas. Ao mesmo tempo, ir desenvolvendo a
capacidade programática e teórica da classe, para se preparar como classe dirigente para construir a nova sociedade. Para construir, não para se apropriar
da nova sociedade.
Toda a intervenção importante da classe estava e está determinada
por essa necessidade histórica: a classe como dirigente da nova sociedade.
Dirigente, e não dona. Dirigente significa que, pela sua função na economia
e na sociedade, tem a objetividade, a capacidade, o desinteresse individual,
a formação da consciência, os sentimentos, os objetivos de lutar pelo bem
-estar humano, porque é a função que surge do seu papel na economia e na
sociedade.
O partido ensina as bases das qualidades humanas. O capitalista é egoísta, assassino e criminoso, porque é a qualidade que nasce da sua função na
propriedade, na economia e na sociedade. No proletariado é ao contrário: a
23
J. Posadas
sua função na economia e na sociedade o obriga, o educa, o organiza para
ter a fraternidade humana, o sentimento objetivo da solidariedade, a objetividade em todos os problemas e a inclinação e a orientação para tentar se
unir, resolver os problemas de acordo com a população. Mas não tem nem a
consciência de como fazer isso, nem os meios, nem a compreensão científica.
Era preciso entender como fazer, onde fazer e quando fazer.
Isso acontece em cada país. Mas o que ocorre no resto do mundo? Enquanto o proletariado realiza uma ação em um país, o que acontece no resto?
Como dar a segurança histórica ao proletariado de que é um problema geral
de todo o sistema capitalista? Era preciso organizar, portanto, a compreensão
do proletariado. Se não era possível fazer isso com toda a classe, podia ser feito
com a sua vanguarda: a transformação da sociedade era uma consequência
inevitável e, partindo daí, deviam ser construídas medidas, meios, formas,
para construir uma sociedade socialista. E assentar as bases da compreensão
científica, criando o instrumento que desse ao proletariado a capacidade de
organizar a sociedade. Ver o curso que conduzia às crises e às guerras.
O progresso da sociedade capitalista estava determinado por dois
centros fundamentais: o desenvolvimento da produção e o desenvolvimento
da concorrência capitalista, que se resolvia na forma de guerras capitalistas.
Era necessário organizar no proletariado a segurança de que, para suprimir a
crise e as guerras capitalistas, era preciso derrubar quem as produzia. Não era
uma questão de colocar melhores dirigentes, mas de derrubar o regime que os
havia gerado, desenvolver a sociedade e a economia na forma de previsão. E a
classe, o proletariado, podia fazer isso.
Tinha as forças para cumprir essa tarefa devido ao seu papel na economia e na sociedade, mas não tinha o pensamento científico nem a preparação teórica. O seu lugar na sociedade dava-lhe as condições sociais de
compreender e assimilar; influía pela sua ação, pela sua objetividade, pela sua
abnegação histórica e desenvolvia qualidades. O proletariado demonstrava as
qualidades humanas mais completas: a objetividade, o desinteresse, o sentimento humano mais desenvolvido. Faltava o intérprete que se preocupasse
de dar formas científicas a essas qualidades do proletariado, que se expressavam socialmente, mas que não podiam ser determinadas nem programadas
de forma científica.
24
O pensamento e a ação
de Marx e Engels
Marx, originário da burguesia, representa o pensamento político e
científico mais completo da classe à qual não pertence. Lênin também. A preocupação científica os identificou com o proletariado, porque este era o instrumento do progresso da humanidade. O progresso da humanidade encontrou em Marx o intérprete mais completo, que desenvolveu o método baseado
no materialismo dialético, na análise da história, da natureza, para poder intervir, unir, transformar: para poder prever o curso do processo e preparar as
forças. O proletariado encontra em Marx o próprio representante. No texto
As três fontes e as três partes integrantes do marxismo, Lênin afirma: “Marx foi
o representante científico completo das necessidades históricas representadas
pela função histórica do proletariado”. Essa é a demonstração de que o pensamento mais progressista da época e as formas mais elevadas do conhecimento
foram colocados a serviço do progresso da humanidade, expressado na classe
operária, que naquela etapa ainda não podia triunfar.
O domínio da análise científica da história levou Marx à determinação, em 1848, setenta anos antes do triunfo da Revolução Russa, de que O
capitalismo estava condenado à morte: o próprio regime conduzia a um processo que criaria as forças que o esmagariam. As massas não podiam adquirir
o conhecimento científico por si mesmas como classe, mas podiam elaborar
as forças históricas de atração, de impulso, de organização, que encontrariam
os meios científicos, as forças, a fraternidade, a solidariedade e os elementos
para constituir esse pensamento científico.
O marxismo une Marx ao proletariado mundial porque – com o marxismo, com o Manifesto Comunista, com a estruturação do método marxista e
a organização do Partido Comunista que materializa o comunismo – a função
histórica do proletariado produz o progresso de “classe em si para si”. O proletariado lutava objetivamente para se defender do sistema capitalista. A incorporação do marxismo criou a necessidade de construir um partido de classe
25
J. Posadas
para lutar para si. Como não podia lutar para si em nome da substituição
de um dono – o capitalista – por outro dono – o proletariado –, ao mesmo
tempo em que lutava como classe em si, por reivindicações econômicas, lutava como classe para si, para enfrentar o poder e suprimir a estrutura de
propriedade e o sistema de produção que provocavam a exploração e todas as
suas consequências.
Marx representa conscientemente essa etapa da história. Ele foi
atraído, como demonstram seus textos, pela física, a química, as ciências naturais. Possuía uma grande compreensão e um grande domínio das matemáticas. Mas foi atraído também pelas lutas sociais, que respondiam aos sentimentos mais profundos e mais completos da consciência e do sentimento.
Era a forma mais elevada de desenvolver a inteligência humana sem limites,
sem enquadramentos pessoais. Era o pensamento aplicado sem limitações; o
sentimento humano servindo de base para desenvolver a inteligência e a fraternidade humana. Era a forma mais completa que as ideias podiam produzir
e a inteligência mais nobre e objetiva.
Marx não teria existido sem as grandes lutas proletárias
Sem a existência do proletariado e sem as grandes greves do proletariado, Marx não teria existido. Ele não é apenas um produto da inteligência,
mas também das grandes lutas da sua época e da preocupação científica que
o proletariado não podia ter. E ao se juntar com o proletariado, este adquire
o instrumento consciente e científico no qual Marx não é um agregado, e sim
um representante da sua função histórica.
Essa é uma prova da coordenação homogênea entre o desenvolvimento objetivo da economia e da sociedade e a representação consciente científica. Marx dedicou-se ao cultivo, à preocupação de desenvolver as ideias, as
análises, os textos que serviram de educação aos nossos mestres e a nós, para
compreender o desenvolvimento da história e a conclusão da necessidade histórica do socialismo. Não foi produto da bondade, do desejo, do sentimento
26
A função histórica das Internacionais
ou da solidariedade: foi produto da compreensão científica. Por isso chama-se
“socialismo científico”.
Marx e Engels se dedicaram a desenvolver o método dialético. Eles
polemizavam com Dühring12, porque ele transformava o mesmo método
com o método empirista e seguidista, que é a metafísica. Em nome da dialética, Dühring afirmava que o socialismo não era possível se não houvesse um
agente que o determinasse. E o que estava em discussão era que o socialismo
é resultado da necessidade que surge do crescimento da produção e que o
desenvolvimento da propriedade privada leva o capitalismo a um beco sem
saída. Como não pode desenvolver a produção para que a humanidade progrida, o capitalismo resolve a relação de concorrência por meio da guerra. Já
o proletariado pode levar a economia ao crescimento sem limites porque não
tem interesses próprios nem de competição; ao contrário, desenvolve a sociedade para responder ao interesse do progresso humano.
Mas o proletariado precisa ter a consciência científica da sociedade,
que é dada pelo partido. Por isso a necessidade da construção do partido e a
gigantesca preocupação de Marx em demonstrar a necessidade da transformação socialista, em questionar todas as mentiras da sociedade capitalista e
organizar o método dialético de pensar, principalmente, sobre a luta de classe
à escala mundial. Mostrar que toda a história da humanidade é o resultado da
luta de classe.
Todos os historiadores anteriores a Marx – políticos, científicos, sociólogos –, todos apresentavam o desenvolvimento da humanidade como o
resultado de qualidades como a bondade ou de mentiras. Segundo eles, em
certo momento, a sociedade estaria composta por boas pessoas e então haveria progresso. Eles construíam a concepção filosófica, teórica, programática,
com base nesse pensamento histórico.
Ao contrário, Marx analisava que a luta de classe é o trem do progresso
da história. Da sociedade primitiva à escravidão, do feudalismo ao capita12 Dühring, 1833-1921, filósofo e economista alemão, muito crítico ao marxismo.
27
J. Posadas
lismo: tudo é luta de classe. Todo o processo até a sociedade capitalista está
determinado pela luta de classe, pelos interesses e as determinações de classe.
Esse processo leva a uma concentração das forças produtivas e o capitalismo deve continuar competindo, mas à escala mundial, levando em consideração estes fatores: a grande concentração da produção e das finanças, o
processo de capital-mercadoria-capital em uma reprodução dinâmica e concentrada. A concorrência intercapitalista levava a um retrocesso constante do
nível do progresso social alcançado. Enquanto a humanidade descobria o fogo
e deixava de depender das forças cegas da natureza, o progresso gerado pelo
regime de propriedade privada era feito na forma de guerra. E a guerra era
um retrocesso tão grande como o progresso alcançado. Então, o progresso
material econômico que o sistema capitalista produzia e o retrocesso que significava a guerra, orientavam as pessoas no sentido de que era preciso mudar
o sistema, porque destruía as riquezas produzidas pelo ser humano.
O proletariado adquire não apenas a convicção de que é necessário o
progresso constante, mas também de que ele é capaz de produzi-lo. Era preciso estruturar os órgãos que respondessem à relação entre o proletariado e
a produção, organizar o sindicato e, ao mesmo tempo, chegar a uma organização que superasse a luta imediata pelo salário, pelas condições de trabalho,
pela distribuição da riqueza produzida. Era preciso levar uma luta superior
na defesa do nível de vida, uma luta pela participação na direção do país; demonstrar a capacidade de dirigir e atrair o resto da população como a classe
que resolve os problemas que o capitalismo é incapaz de resolver. E isto significa tomar posição, programa, objetivos que respondam aos interesses de toda
a população: sejam econômicos, produtivos, de bem-estar social, fazendo
hospitais, estradas, transportes, luz, água, etc. O proletariado devia mostrar
que ele representava os interesses de toda a população e sobre tudo que era
capaz de tomar a direção da produção para desenvolvê-la sem limitações.
Devia se apresentar como a classe que dirigiria a sociedade para eliminar a
concorrência, o interesse privado e, por conseguinte, os elementos da guerra
intercapitalista.
28
A função histórica das Internacionais
Isso exigia uma especificação científica: significava programa, política,
unidade entre a luta imediata sindical, a luta pelas conquistas das massas e
contra o sistema capitalista e a necessidade de ensinar, comunicar à classe
todos os ensinamentos, as experiências para dirigir a sociedade. Dirigir o
poder antes de tomá-lo, seja através dos sindicatos ou do partido. Dirigi-lo significava lutar por um programa, por objetivos que respondessem ao interesse
da vida imediata da população, junto à criação de bases que desenvolvessem a
produção, junto à direção da sociedade, a maior parte composta pelas massas
oprimidas: operários, camponeses, pequena burguesia. Ao mesmo tempo, era
preciso mostrar que o progresso não seria conquistado por meio da guerra,
da destruição, da competição, e sim eliminando a concorrência e a guerra
capitalista.
Era preciso educar o proletariado, convencê-lo da necessidade do partido revolucionário. Convencê-lo significava atrai-lo para a compreensão da
possibilidade prática da organização e do funcionamento do partido revolucionário. Não era dizer a ele como deveria agir. O proletariado sabia agir como
classe. Mas era necessário dar a ele os conhecimentos científicos que, pela sua
função na sociedade, na produção, na economia, ele não podia elaborar. Não
possuía os meios nem a preparação. Marx sim. E daí surge a sua união com o
proletariado.
Engels e a continuidade do marxismo
Depois da morte de Marx, Engels foi para os Estados Unidos. Os seus
biógrafos escrevem com muito carinho sobre ele, mas não compreendem
quem era. Não mostram a riqueza da sua vida, a influência das ideias de justiça humana que o trouxeram ao campo revolucionário. Não foi a especulação
científica, mas o sentimento de justiça humana que o atraiu para a revolução,
como no caso de Marx, e encontrou na elaboração do instrumento que fez
com Marx a resposta ao próprio sentimento de justiça humana. E para isso
devia se unir ao proletariado; caso contrário, não haveria justiça da classe nem
da história.
29
J. Posadas
Engels foi para os Estados Unidos de forma consciente e movido pela
necessidade de conhecer o regime capitalista que mais avançava e que seria o
mais desenvolvido da história do capitalismo. Antes que os Estados Unidos
crescessem, Engels foi conhecer o país que seria a maior potência imperialista
do sistema capitalista. Ele elaborou textos, memórias e escritos sobre o tema.
E predisse um desenvolvimento grande dos Estados Unidos. Quando Engels
voltou de lá, escreveu nas próprias memórias a necessidade de contar nas próximas etapas com este país como o carro-chefe do capitalismo mundial. Não
podia prever as formas que tomaria, mas enxergava a sua potência dinâmica,
inclusive, a constituição do imperialismo ianque pelas massas vindas da Inglaterra e principalmente da Irlanda.
Não é por casualidade que lembramos a preocupação com a qual
atuou Engels, pela sua minuciosa preocupação pela função investigativa do
marxismo, de análise, de comunicação, e de generalização da experiência. É
preciso levar em conta que Engels estava só. Era muito querido e apreciado.
Mas, como ele mesmo dizia, o tratavam como um livro de biblioteca: que não
se mexesse, não se agitasse, não escrevesse, e que fosse um bom marxista,
porque a aristocracia operária e a socialdemocracia não precisavam de todo
o marxismo. Utilizava o marxismo dosificado para compreender o curso do
capitalismo e vender seu conhecimento e sua função, mas quando Engels
dava o programa, diziam: “Não, velhinho, fica quieto”. E Engels continuou
escrevendo.
Com relação à sua função com Marx, Engels diz: “Éramos um dueto e
o primeiro violino era Marx”. Ele não minimizava a própria ação que, em determinadas esferas, era superior à de Marx e conta que, referindo-se à sua vida
com ele, “às vezes, nas discussões, eu tinha a iniciativa, mas bastava que abrisse
a boca para pronunciá-la, para que Marx a tomasse e, como uma asa poderosa
e invencível, desenvolvia imediatamente o seu pensamento”. Estavam até oito
horas discutindo e intercambiando as ideias mais importantes e mais construtivas da história, sem meios (Marx teve que vender a camisa para enterrar
o filho). Estavam preocupados em desenvolver a capacidade de análise, de
30
A função histórica das Internacionais
pesquisa, de conclusão do pensamento, com a certeza de que, mesmo que eles
não o pudessem presenciar, a humanidade o utilizaria através do proletariado.
A Revolução Russa materializou o pensamento marxista
A Revolução Russa, mais tarde, materializou esse pensamento. Por
isso, a Revolução Russa e o Estado Operário soviético são o marxismo materializado. São as ideias, o pensamento, a análise histórica e concreta de Marx,
expressados e materializados na forma de Estado Operário. É a confirmação
histórica na forma de Estado Operário.
A ação de Marx e Engels, que se preocupavam por elevar a capacidade
do pensamento humano, baseou-se na compreensão da função de classe histórica do proletariado. Não era qualquer pensamento. Marx e Engels tinham a
qualidade de dominar todo o desenvolvimento, todo o processo científico da
humanidade, mas se dedicaram principalmente a isso. Como o próprio Marx
diz, o marxismo é um instrumento invencível, mas se preocupou fundamentalmente, não exclusivamente, pela luta de classe, para mostrar que toda a história da humanidade é a história da luta de classe e que as revoluções, através
da luta de classe, são o motor da história.
Não é um processo já determinado: depende do curso da história,
onde o fator consciente é decisivo. A classe operária, organizada conscientemente, une à própria necessidade de subsistência a função histórica de ser o
construtor da nova sociedade. Não porque ela queira, e sim porque está obrigada a fazer isso para não perecer.
O marxismo iria se tornar um instrumento para o progresso humano,
que se apoiava na luta de classe, que é o motor da história. Agregava à luta de
classe a concepção, o programa, o objetivo revolucionário consciente baseado
na classe operária. Marx e Engels se dedicaram a mostrar essa necessidade.
Por isso, as polêmicas mais benéficas para a humanidade provocadas por eles
são as que estão orientadas à discussão das ideias do desenvolvimento so-
31
J. Posadas
cial, do programa, da experiência humana, de como construir o progresso da
sociedade.
O progresso científico, econômico e técnico atraía. A burguesia oferecia lugares honoríficos, toda classe de reais academias. Marx rejeitou tudo
isso. Uma vez, quando não tinha como manter a família, ofereceu-se como
funcionário em uma empresa ferroviária de Londres e foi despedido por “letra
ruim”. Engels diz: “Ainda bem que foi despedido, porque se não Marx estaria
obrigado a ficar aí”.
Marx aguentou a situação até que Engels pôde ajudá-lo. Muitos biógrafos cometem injustiças atrozes e apresentam Marx como alguém que vivia
à custa de Engels. Engels critica isso e os seus biógrafos ignoram ou anulam
essa parte. Engels opunha-se indignado a estas conclusões. Se Marx tivesse se
dedicado à função de ganhar dinheiro, teria acumulado uma riqueza superior
a tudo o que tinha Engels.
Marx e Engels se dedicaram à tarefa de preparar o pensamento revolucionário, as ideias, os escritos, a organização da mente, do Partido, para a luta
pelo futuro da humanidade, que devia ser feita através da luta de classe. Para
isso era necessário o Partido, a Frente Única, a compreensão de como era a
Frente Única e dar as ideias e a segurança de que o regime capitalista era transitório. Não era um regime que podia permanecer estável a vida toda e, pela
sua natureza, levaria a crises, guerras e revoluções. Era preciso se preparar
para derrubá-lo.
Toda a polêmica de Marx naquela época foi para mostrar essa necessidade e para tentar influenciar, ganhar, atrair todos os cientistas que, embora
tivessem origem no sistema capitalista e servissem ao sistema capitalista, eram
influenciados pela verdade científica. Alguns, mesmo sem consciência, se pronunciariam a favor do processo do método dialético e do progresso científico
da humanidade. Por isso Marx quis ganhar o naturalista Charles Darwin13.
13 Charles Robert Darwin, 1809-1882, naturalista inglês. Elaborou a teoria da evolução das espécies.
32
A função histórica das Internacionais
Quando Darwin tirou as próprias conclusões sobre a origem do ser
humano, Marx e Engels comemoraram com grande carinho e aplaudiram esse
grande progresso da ciência porque, assim como eles demonstraram que o
desenvolvimento da sociedade e da economia não era nenhum mistério e que
o motor era a luta de classe, também era necessário mostrar nas ciências naturais, entre elas a antropologia, que somos produto da terra, resultado de uma
organização empírica da natureza, e não produto da mão de Deus e de um
mistério indesvendável.
Marx e Engels comemoraram com tanto carinho a descoberta de Darwin que se propuseram ganhá-lo. Era a demonstração do método dialético,
do qual Darwin não tinha nenhuma noção, mas o aplicava. Entre o primata e
o ser humano de hoje, existe um espaço de tempo muito mais importante do
que dizem os antropólogos.
A descoberta de Darwin era uma incorporação muito grande para a
ciência, em uma etapa em que o sistema capitalista estava em plena expansão.
Uma expansão que dominava o curso do pensamento e que criava a ideia de
que a humanidade passava da indigência, da necessidade, da precariedade à
grande abundância do sistema capitalista.
Era necessário demonstrar que não era assim, que era o resultado de
relações que vinham de épocas anteriores e que o que determinava o curso
de toda atividade humana era a passagem de regimes sociais, de regimes de
propriedade e de sistemas de produção. Era preciso demonstrar que era um
processo dialético, que tinha origem na natureza e que criava novas formas
superando as anteriores e se apresentando em forma superior.
O Partido intervém no processo de organização, de desenvolvimento e
determina a conclusão; supera o empirismo do sindicalismo e do anarquismo,
que não sabiam para onde iam e não criavam as condições para organizar as
massas como representantes de toda a sociedade. Eles eram representantes do
desespero e da injustiça criada pela sociedade capitalista, enquanto o Partido
Comunista devia ser o representante consciente da necessidade de organizar
as massas para transformar a sociedade. Portanto, Marx e Engels comemo-
33
J. Posadas
ravam com uma alegria infinita tudo o que surgisse como comprovação em
outros campos da ciência.
Não era a alegria pessoal de ver que sua tese era confirmada, e sim a
de sentir que eles representavam a necessidade do progresso da humanidade.
Eles foram os primeiros que estabeleceram, de forma organizada, a função de
bem público da história. Houve antes outros cientistas em todas as áreas da
ciência, da política e da sociedade, mas Marx e Engels foram os que se dedicaram à compreensão desse processo e de uma fase específica desse processo,
que era decisiva para as mudanças na história: o chamado “salto dialético”.
Marx e Engels criaram o conceito do salto dialético
Eles comprovaram cientificamente esse princípio e se basearam nele
para a atividade revolucionária do proletariado. O processo dialético parte
de uma origem, qualquer que ela seja, na natureza ou na sociedade, e leva
dentro de si, em sua própria estrutura, todos os elementos que constituem essa
origem, que se desenvolvem, crescem e criam forças antagônicas interiores.
Nesse processo, o capitalismo cria o proletariado. O proletariado se
desenvolve antagonicamente ao sistema capitalista, ao mesmo tempo em que
surgem as contradições no seio da própria classe. São contradições entre os
interesses de uma ou outra camada. Mas o que determina o curso é o interesse comum. No caso da classe operária, o interesse comum deriva do fato
de serem todos explorados. Portanto, o problema é encontrar a representação
científica dessa unidade de interesses objetivos, mas não conscientes, para organizar a classe em defesa dos interesses comuns e dar a ela a consciência da
própria função histórica. Para conquistar a organização das forças e o instrumento social para triunfar é necessário o Partido, que é o centro histórico
desse processo e permite dar o salto dialético.
Isso significa que, para passar de uma etapa a outra, para que haja transformação, o processo não pode ser feito de forma gradual, mas repentina. As
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A função histórica das Internacionais
condições de centralização dos fatores determinam a passagem de uma etapa
à outra. A passagem não pode ser feita gradualmente, e sim violentamente.
A concepção da revolução é essa. Todos os teóricos antes de Marx e de
Engels aceitavam a necessidade de mudanças e de transformações sociais, mas
de forma gradual e reformista. Kautsky, como chefe parlamentar, demonstrava que as mudanças podiam ser feitas através do parlamento ou colocando
ministros. Marx e Engels mostraram que era impossível, porque o que deve
ser transformado não é a função do parlamento e sim a estrutura do país que
está baseada na propriedade privada. E a estrutura jurídica defende a propriedade privada. O parlamento é um ramo que não tem nenhuma importância,
porque o capitalismo dá golpes de Estado ou faz a guerra quando lhe interessa.
Não é o parlamento quem determina. Por isso, é preciso retirar as alavancas
do poder do capitalismo. E quem deve cumprir essa tarefa é o Partido.
Engels dizia: “O marxismo é a consciência do processo inconsciente da
história” e realizava essa formulação porque a economia, dirigida pelo sistema
de propriedade privada, havia alcançado, da escravidão até o capitalismo, um
processo ininterrompido, porém lento, de centenas de anos, de concentração
do sistema capitalista.
Essencialmente, o processo da história havia sido determinado, como
na natureza, por um processo de centenas de anos, que havia levado à concentração do sistema capitalista e criado as condições e a necessidade de centralização, de concentração industrial, de uma economia, de uma forma de
propriedade, de uma forma de planejamento que o capitalismo não podia dar.
Era preciso intervir conscientemente na sociedade capitalista por meio
do Partido e superar as contradições antagônicas do sistema por meio da revolução, tomando o poder rumo a formas conscientes. Era preciso unificar,
centralizar a produção, responder à necessidade dos seres humanos e, dessa
forma, eliminar qualquer fator de guerra, antagonismo, contradição, disputa,
opressão e, portanto, todos os outros fatores das relações antagônicas, agressivas, contraditórias e de disputa humana. Por isso, o marxismo é a consciência do processo inconsciente da história.
35
Segunda Internacional e a
Socialdemocracia na Rússia
Os sindicalistas e os anarquistas eram a primeira expressão orgânica
da classe e da rebelião contra a exploração capitalista e contra a injustiça. O
proletariado se desenvolveu e pesou como classe na sociedade e deu origem ao
movimento socialista. Portanto, era preciso partir dos socialistas, anarquistas
e sindicalistas para construir o partido revolucionário. Depois da Comuna
de Paris e da Primeira Internacional, essa tarefa começa a ser realizada. Uma
das razões que limitaram o desenvolvimento da Primeira Internacional, que a
desintegraram, foi a imaturidade de uma direção mundial, a falta de peso proletário suficiente e o fato de que o capitalismo estava em processo de ascensão.
A Segunda Internacional foi um retrocesso do marxismo, mas, ao
mesmo tempo, foi um progresso muito grande, porque uniu todos os partidos
socialistas e uniu a classe em um partido próprio. Foi um progresso social
histórico, não programático ou político.
O marxismo foi se deslocando dos centros industriais da Europa e
chegou à Rússia. Demonstrava a própria validez histórica, tanto para os países
industriais como para os países atrasados. Porque era um método de interpretação e permitia resolver os problemas do atraso da Rússia por meio do programa e da política dirigidos pelo proletariado. A burguesia não podia fazer
isso; o proletariado, sim.
Era preciso criar o Partido. O que existia era um partido socialdemocrata formado para o progresso parlamentar, para o progresso quantitativo.
Não era um partido para tomar o poder. Estava cheio de travas e falhas, com
um funcionamento que restringia e limitava a capacidade de ação e não permitia pensar e operar revolucionariamente. Dirigia a discussão e a atividade
apenas aos progressos, e não a criar a vontade de tomar o poder e cumprir as
tarefas necessárias para passar do czarismo à revolução democrático-burguesa
e dela à revolução proletária. Era necessário formar o partido apto para isso!
37
J. Posadas
Era uma época de grande desenvolvimento dos investimentos nas colônias: não só de invasões militares, como as do imperialismo inglês, francês,
belga, holandês, mas também de investimentos que faziam avançar a economia
dos países capitalistas; na política e no campo sindical ocorreu a mesma coisa.
Surgiram os elementos para a organização política do reformismo porque o
desenvolvimento do capitalismo permitiu investir e reproduzir o capital na
produção e na organização da aristocracia operária, para conseguir o apoio
da classe operária.
O surgimento das correntes reformistas
Desse contexto surgem as correntes reformistas do movimento socialista mundial. Daí surgiram Hilferding14, Bernstein15 e o aplicador no âmbito
parlamentar, Kautsky16. Hilferding foi o teórico da economia que afirmava que
o desenvolvimento do capitalismo criava as condições para o socialismo e que
o monopólio era um passo adiante em benefício do socialismo, porque concentrava a propriedade, a produção e facilitava a tarefa.
Hilferding e Bernstein foram os teóricos políticos do imperialismo.
Kautsky, que havia se formado como dirigente revolucionário com Engels,
desenvolveu a tática parlamentar, que era a de ganhar cadeiras no parlamento
e inclusive ministérios. “Quanto mais ministérios ganharmos, mais conseguiremos dominar o imperialismo por dentro”. Essa elaboração do reformismo,
da política do desenvolvimento gradual, tinha uma base histórica e estava determinada pelo fato de que o capitalismo estava em expansão. Criava mais
riqueza, mas criava também mais lutas, mais resistência nas classes e na população explorada e conduzia à adaptação ao sistema capitalista.
O reformismo, em qualquer lugar do mundo, levava à adaptação ao
sistema capitalista; não a se vender diretamente ao patrão ou a falar em nome
14 Hilferding, 1887-1941, economista e político alemão.
15 Bernstein, 1850-1932, pensador e ativista socialdemocrata alemão.
16 Kautsky, 1854-1938, pensador marxista alemão, que se tornou reformista na socialdemocracia
38
A função histórica das Internacionais
dele, mas a ficar à espera, no falso desenvolvimento. Essa análise dava a ideia
de que haveria um desenvolvimento gradual das riquezas criadas pelo sistema
capitalista que permitiria, em um determinado momento, que o proletariado
fosse maioria e a distribuição da economia se nivelasse.
Essa era a concepção reformista desenvolvida por Kautsky. o capitalismo inglês, francês e alemão cresceu investindo nas colônias, mas também
mandando tropas e exércitos. Desenvolveu as colônias, explorando-as e submetendo-as ao interesse da metrópole. Como o movimento do proletariado
se opunha a essa política, como a luta de classe em cada país avançava apesar
do desenvolvimento da economia, o capitalismo criou as bases da chamada
“aristocracia operária”. Dedicou uma parte dos lucros a pagar alto salários em
funções de chefia ou de capatazes incorporando dirigentes operários ao aparato capitalista, seja como técnicos, dirigentes, assessores de fábricas, exercendo uma função na economia que requeria certas condições superiores ou
especializadas destacando-os do conjunto, ou cooptando para o aparato do
Estado, de forma parlamentar ou ministerial, dirigentes do Partido Socialista.
A Segunda Internacional exerceu a função de corromper o movimento
operário. A corrupção não foi produto da capacidade intelectual de Bernstein,
de Hilferding e de Kautsky. Foi o desenvolvimento do sistema capitalista que
criou a ilusão da possibilidade, a crença de que a economia avançaria e facilitaria a substituição do capitalismo. A Segunda Internacional criou os grandes
partidos socialistas. Exerceu, de qualquer forma, uma função necessária: criar
grandes partidos socialistas na Europa.
O marxismo foi enterrado e desapareceu. Os dirigentes socialistas disseram: “Para que queremos o marxismo? Se a concentração da produção e
o monopólio demonstram que estão desenvolvendo a economia?”. Então os
partidos socialistas optaram pela colaboração, tomando alguns aspectos do
marxismo. Edificaram todo o processo de construção do socialismo com base
na força parlamentar, apoiando-se no processo de concentração da produção
e do desenvolvimento do sistema capitalista. Essa política durou pouco tempo.
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J. Posadas
A Segunda Internacional se formou em 1881. Deu origem a grandes
partidos socialistas na Europa e na América Latina. Os grandes partidos socialistas da América Latina foram fundados por europeus. Na Argentina, por
alemães, franceses e italianos. No Brasil, Chile e Uruguai também.
A Segunda Internacional exerceu uma influência de contenção do
pensamento revolucionário marxista. O marxismo foi abandonado porque o
desenvolvimento da economia criou a ilusão, desenvolveu o grande processo
de massa do proletariado, que era de origem camponesa e vinha de uma forma
de produção anterior alheia. E deu uma base para que o reformismo se desenvolvesse. Mas demonstrou que não tinha razão histórica.
O pagamento que o capitalismo faz em salários, diferenciação de salários, obedece a dois motivos: um, para estimular o conhecimento dos operários para se desenvolver na indústria e, em outros casos, para corrompê-los e
mantê-los no interesse do desenvolvimento capitalista, usando a classe como
ponto de apoio, desenvolvendo as condições para que os sindicatos e os partidos socialistas fiquem sob o controle da aristocracia operária. No sindicato
isso não era possível porque eram operários. No partido sim, porque eram
operários e intelectuais.
Era preciso desenvolver uma camada de intelectuais atraídos pelas
perspectivas do desenvolvimento capitalista para coordená-los com os dirigentes sindicais e estabelecer a política do reformismo, que significava a programação e a tática consequente de esperar o desenvolvimento capitalista que
produziria riqueza, riqueza e mais riqueza. Por isso, os socialistas não tiveram
nem programa, nem perspectiva.
A expansão do sistema capitalista, unida ao crescimento constante dos
salários em uma camada do proletariado, criou as condições para a aristocracia operária. Não foi um programa criado pelo capitalismo. Foi uma consequência das relações que determinavam o seu desenvolvimento. E todo o
movimento operário mundial desenvolveu-se nessa via. Existia uma tradição
nestes aspectos, como foi o movimento socialista da Inglaterra, cuja origem
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A função histórica das Internacionais
era uma combinação de partidos e sindicatos. É essa base a que estimulou e
criou as condições sociais para se espalhar pelo resto do mundo.
O reformismo surgiu dessa tradição, nessa situação que estruturou
o movimento socialista e com essa concepção parlamentar. O programa e a
luta dos partidos socialistas dentro do parlamento não tinham como objetivo
tomar o poder ou transformar a sociedade, e sim evoluir dentro da sociedade
capitalista.
Marx e Engels levaram adiante a luta contra o reformismo no movimento operário e interviram ativamente na França, Alemanha e Inglaterra,
para tentar orientar e passar do programa reformista ao programa revolucionário. Mas Engels não teve eco. O peso do desenvolvimento econômico do
capitalismo, da falta de preparação científica do proletariado, impediu que
tivesse resultado.
Engels dizia que o marxismo havia sido guardado na gaveta, jogado
pela janela. Foi jogado por uma janela, mas voltou a entrar por outra. O reformismo jogava fora o marxismo, mas não podia desalojá-lo da história. Era
uma impressão momentânea! Toda a concepção de Marx demonstrava que
era necessário o partido revolucionário, a programação revolucionária para
transformar o sistema capitalista na sociedade socialista e que para isso era
necessária a força. Não podia ser conquistado por maior número no parlamento. o capitalismo tinha força e as relações sociais impediam um progresso
parlamentar. Podiam ter maioria parlamentar, como foi demonstrado mais
tarde na Inglaterra, mas as instituições, a estrutura política e o aparato do
Estado deviam ser destruídos.
Não era possível adaptá-los, fazer com que passassem de estar ao serviço do capitalismo ao serviço do Partido Socialista. Não era possível porque
a estrutura e as relações econômicas do país haviam criado a superestrutura,
o modo de pensar, de dirigir; a estrutura capitalista havia criado uma superestrutura que dominava as alavancas da economia e da sociedade. E enquanto
não fosse destruída, era ela quem determinava a vida do país, mesmo que não
tivesse a maioria parlamentar, porque a economia dependia do capitalismo.
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J. Posadas
O curso reformista dos partidos socialistas superou os sindicalistas e
os anarquistas e, por um lado, foi um grande progresso, porque deu um centro
à vida política da classe. Mas era um centro que, ao mesmo tempo em que
concentrava a vida política da classe, a fazia retroceder nos avanços programáticos conquistados e apresentava o Partido Socialista perante as massas como
um instrumento reformador do sistema. Era um retrocesso imenso em relação à posição da Primeira Internacional e à experiência da Comuna de Paris.
A experiência histórica da vanguarda se interrompia e o Partido Socialista sufocava essa experiência histórica e anunciava que a transição da sociedade capitalista à socialista seria feita por meios gradativos, parlamentares,
ministeriais. Criou, portanto, um processo de educação e organização mundial
no movimento dirigido ao reformismo cuja base essencial era o parlamento.
A burguesia utilizou o parlamento como meio de atração, de sincronização
e de adaptação das direções dos partidos socialistas, para romper os meios
de pressão dos setores revolucionários desses movimentos, sufocando-os em
toda uma estrutura interior reformista. Por isso, a partir da Comuna de Paris,
no movimento socialista mundial, além de Marx, Engels e alguns outros escritores, não existem mais textos marxistas.
Todo o processo do proletariado mundial foi feito sob essa direção.
Eram direções que demonstraram que não tinham a possibilidade histórica
de triunfar, mas criavam uma tradição e uma falsa experiência, a única experiência de organização política da classe que existia.
Engels interveio no movimento operário francês, alemão e inglês, na
polêmica sobre o programa que era necessário para o campesinato e para a pequena burguesia. Com seus textos “Crítica ao Programa de Gotha”, “Crítica ao
Programa de Erfurt”, Engels intervém na Alemanha e na França, na discussão
do programa camponês e no programa geral da luta pelo poder.
Mas o reformismo, baseado no desenvolvimento do regime capitalista,
mostrava como os socialistas tinham a possibilidade e o meio para chegar ao
governo. o capitalismo, para cortar a ascensão das massas e impedir que estas
pudessem influenciar as direções dos partidos socialistas, permitiu a entrada
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A função histórica das Internacionais
dos socialistas nos parlamentos. E o Partido Socialista começou a corrida
parlamentar e ministerial, abastecendo de ministros o regime capitalista. Ao
mesmo tempo, o sistema corrompia esses dirigentes e, através deles, atraía a
classe operária, para justificar o domínio dos partidos socialistas.
A organização do Partido Socialdemocrata na Rússia
Essa era a condição em que se desenvolvia a luta de classe e revolucionária até a época da organização do Partido Socialdemocrata russo. No país
mais atrasado da Europa, surge um partido oposto a essas concepções. Não
porque os intelectuais tivessem estudado mais o marxismo, e sim pelas condições peculiares do país, onde havia problemas e situações que não podiam
ser resolvidas aplicando o programa reformista, porque o czar não queria ter
nenhum parlamentar socialdemocrata no governo. O czar e a czarina eram
enviados de Deus e havia um atraso imenso na Rússia czarista de então.
Desde seu nascimento, o proletariado russo se educou no marxismo.
Os principais marxistas depois de Marx e Engels, abandonaram a Rússia devido às condições objetivas dessa etapa e permitiram depois o surgimento de
Lênin. Não foi Lênin quem inaugurou o marxismo na Rússia. Foram outros.
Entre eles Plejanov17 e Bogdanov18, que desenvolveram essa preocupação, já
que para resolver os problemas da Rússia atrasada era necessário o marxismo.
Não havia problemas de reformismo, de conciliação econômica, política, intelectual ou cultural. O czarismo rejeitava tudo. Tinha um poder ilimitado.
É suficiente ver a cara de idiota do czar para perceber. Esse poder impedia
a organização, a relação ou a criação de uma aristocracia operária. o capitalismo europeu pôde gerar essa aristocracia devido ao excedente e à grande
acumulação de capital que conseguiu através das colônias. A Rússia czarista
não tinha nada para oferecer. Não podia fazer concessões. Por isso, surgiu o
centro marxista mais completo.
17 Plejanov, 1856-1918, teórico marxista e político russo.
18 Bogdanov, 1873-1928, filósofo hegeliano, russo
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J. Posadas
O nascimento do Partido Socialdemocrata russo esteve ligado a condições históricas determinadas e seu organizador principal, Plejanov, o fez
com base no marxismo. Mas embora Plejanov e Bolganov tenham difundido
o marxismo na Rússia, não promoveram a organização política da classe nem
a atividade política necessária. Não analisavam as perspectivas para lutar
contra o czarismo: para onde vamos? Qual é a saída? E para resolver os problemas da Rússia daquele então, era preciso transformar as relações camponesas, desenvolver a indústria, incentivar o progresso democrático. Existia um
poder onímodo, absoluto. Não se podia pensar, opinar, muito menos se opor.
O fechamento do país era rigoroso na época do czarismo. Mas para competir
com o mundo capitalista, precisava da ciência e da técnica, precisava criar
e desenvolver a capacidade de produção do proletariado e melhorar a produção agrária. A competência com o sistema capitalista mundial impunha
essa necessidade.
O poder onímodo da Rússia czarista se opunha a esse processo, por
isso surgiu Kerensky19, que representava uma ala da burguesia e que durou
muito pouco. Assim surgiu um processo com movimentos como o Partido
Social-revolucionário, socialdemocrata, que representava os camponeses e os
intelectuais, mas não o proletariado, nem o pensamento, nem a experiência,
nem a vontade do proletariado. Era necessário partir dessas condições para
criar o partido.
Essa foi a tarefa de Lênin. Ele surgiu desse movimento, mas se construiu, se dedicou a se formar como revolucionário, como dirigente, como teórico e como organizador comunista. Enquanto crescia a grande economia,
o grande desenvolvimento industrial e científico, a Torre Eiffel, os impressionistas, Lênin preparava o Partido Revolucionário.
Todo este processo de grande ascensão e desenvolvimento capitalista atraía as pessoas para realizar atividades sociais muito importantes. Não
apenas remunerativas, mas também que dessem satisfação à inteligência e
ao sentimento fraternal. Por exemplo, a arte, a cultura e a ciência. o capita19 Kerensky, 1881-1970, criou o Governo Provisório russo em fevereiro de 1917
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A função histórica das Internacionais
lismo em expansão precisava de cientistas, divulgadores da ciência, técnicos,
planejadores.
Enquanto isso, Lênin; se dedicou a preparar o Partido Revolucionário.
Em plena etapa da Rússia czarista e da socialdemocracia, dedicou-se, na luta
interna, a preparar o Partido necessário para a classe operária. Os que existiam não eram partidos para tomar o poder, estavam adaptados e submetidos
ao sistema capitalista. E Lênin conseguiu realizar uma tarefa que parecia gigantesca e impossível de atingir.
Todo o velho movimento social-democrático russo de origem marxista possuía uma autoridade imensa. Lênin era novo e um membro da sua
família havia sido assassinado por terrorismo. Ele mesmo diz que nas primeiras etapas havia simpatizado com o terrorismo, como conta Trotsky. Era a
manifestação natural de todo ser humano honrado que estivesse atraído pelo
ódio ao czarismo russo. Era lógico. Não encontrando resposta política, a saída
era se dedicar a colocar bombas. Os partidos socialdemocratas eram partidos
de aparatos. O Partido Socialdemocrata russo não refletia, nem expressava
a vontade revolucionária das massas. Eram intelectuais bem-intencionados,
vinculados à população, mas que não expressavam a possibilidade nem a necessidade científica do programa, da tática e dos objetivos. Era preciso organizar um Partido para essa tarefa, que unificasse a resposta aos problemas
imediatos com a luta pelo poder no país mais atrasado da Europa, no país com
menos possibilidades de desenvolvimento econômico e social.
A base dessa possibilidade era dada pelo desenvolvimento do marxismo na Rússia, que estava difundido entre os intelectuais, a existência de
um pequeno setor industrial muito concentrado e o desenvolvimento de uma
vanguarda proletária muito resolvida, capaz, abnegada e unida a essa camada
de intelectuais pelo desejo de avançar no caminho da revolução.
Lênin se dedicou a preparar o órgão, romper o Partido Socialdemocrata e superar as formas de adaptação parlamentar. A preparar um Partido,
que recebesse as influências tanto da luta das massas russas, operárias e camponesas, como do mundo. A mostrar que todo o processo revolucionário
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J. Posadas
nacional era expressão local de um processo mundial; que era preciso contar
com as forças, com as relações, com a luta de classe em escala mundial para
poder determinar o alcance, os objetivos e as perspectivas de toda a evolução
local. Era preciso assumir pela primeira vez essa conclusão, junto à construção
de um Partido: utilizar as forças nacionais e as condições nacionais, para o
triunfo de uma revolução que só pode se consolidar com o triunfo internacional. Era preciso educar a vanguarda para essa concepção. E não existia tal
preparação.
46
Lênin e o Partido Bolchevique –
de 1905 à Guerra Mundial
a Primeira Internacional foi uma tentativa de avançar nessa direção.
A crítica à Comuna de Paris estava orientada a afirmar essa conclusão. Lênin
partiu dessas duas conclusões anteriores para exercer a função de organizador
histórico do instrumento para tomar o poder e construir o socialismo: o Partido Bolchevique.
Os partidos que existiam até então eram partidos amorfos, muito
combativos, mas não tinham o programa para chegar ao poder e eram muito
fracos. Toda a sua potência e resolução de combate carecia de objetivos e de
base sólida para progredir, porque não se apoiavam na função histórica da
classe operária para transformar a sociedade, e sim na vontade de melhorar as
relações de desídia e de opressão que criava o regime czarista.
Era preciso dar uma base e um objetivo sólido. Era necessário construir um partido específico para essa tarefa. Lênin dedicou-se a construir o
Partido Bolchevique. Por isso escreveu o Que fazer? e Um passo adiante, dois
passos atrás. Ele aprendeu de Plejanov, mas depois dirigiu a luta contra ele.
Tentou convencê-lo, mas quando viu que era impossível dedicar mais tempo
a ganhá-lo, o abandonou.
Quando constituiu o Partido Bolchevique, Lênin formulou um modo
de vida, de discussão e funcionamento científicos, de estrutura e preparação
científica para realizar as tarefas contando com um pequeno núcleo bolchevique, mas com a adesão de toda a população. O objetivo era interpretar a
necessidade revolucionária para o progresso da Rússia e, ao mesmo tempo, ter
como centro essencial, embora não exclusivo, a classe operária e influenciar
camponeses e intelectuais.
Era preciso formar esse Partido em um país cujos intelectuais, muitos
de origem nobre, uniam-se à revolução atraídos pela rejeição e repulsão às
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J. Posadas
chacinas, à repressão e ao terror do czarismo. Surgiu Lênin, que expressou
esse efeito na forma de programa e de Partido Comunista. Mostrou a superioridade do método dialético, que se apoiava na necessidade objetiva do progresso com métodos científicos. Mussorsgky20 protestava mergulhando nas
trevas; Lênin organizava a luta para estimular as massas.
O cérebro de Lênin era um constante laboratório de ideias e decisões.
Quando formou o Partido Bolchevique e a ala bolchevique da Socialdemocracia russa, o objetivo era combater a velha estrutura do Partido Socialdemocrata, que não queria tomar o poder, mas apenas lutar contra a opressão czarista. Lênin se perguntou: para onde vamos? Sabendo para onde vamos, o que
fazemos? O Partido Socialdemocrata tinha uma grande autoridade porque já
sabia de onde vinha, mas não sabia para onde ia. Só defendia reivindicações
democráticas.
Lênin partiu da análise mundial do processo da história, da economia,
da natureza do sistema capitalista, da estrutura unida do mundo. Ele via que
o processo desigual e combinado podia permitir que no país mais atrasado
triunfasse a revolução mais avançada. As condições locais eram a crise do
sistema capitalista e a existência do instrumento: o Partido que se dedicasse à
tarefa de tomar o poder e construir o Estado Operário.
Assim como o capitalismo preparava técnicos e cientistas para explorá
-los, aumentar a produção e preparava militares para a guerra, era necessário
preparar o Partido para a função histórica de organizar, dirigir a revolução,
tomar o poder e criar o Estado Operário. Mas era preciso enfrentar uma nova
tarefa na história: prever o curso dos acontecimentos, organizar a classe operária para que intervenha prevendo e utilizando as conjunturas históricas para
avançar. Por isso, a polêmica de Lênin com o velho Partido Socialdemocrata
russo.
Que fazer? e Um passo adiante e dois passos atrás são textos essenciais. Não são os exclusivos, mas os essenciais da construção do Partido Bol20 Modest Petrovich Mussorgsky, (1839–1881), compositor e militar, conhecido por suas composições sobre a
história da Rússia medieval.
48
A função histórica das Internacionais
chevique. Era um Partido construído para a finalidade histórica de lutar pelo
poder, de unir todas as atividades da população, todas as lutas e todas as necessidades que impulsionam a sociedade a tomar o poder. Era um partido
para desenvolver no proletariado a capacidade de unificar essas lutas, um partido apto para organizar sua estrutura, seu funcionamento, sua vida interior
com essa finalidade e criar os órgãos necessários. Daí surge a vida do Partido
baseado em células, que o vinculam com a população nos locais de trabalho,
e apoiado no funcionamento de órgãos, jornais, atividade parlamentar, atividade sindical.
Lênin cria um Partido de profissionais para lutar pelo poder. Naquela
época, ser “profissional” não significava que não trabalhassem, mas que se dedicavam fundamentalmente a essas tarefas que aparecem no parágrafo acima.
O Partido estava orientado a organizar conscientemente a vanguarda para
dar a segurança nas ideias, nas posições, no programa, na política, aprender a
aplicar a tática, os objetivos, e a se desenvolver e mudar e dominar o processo
objetivo para determinar, no decorrer dos acontecimentos, as mudanças táticas que o curso impunha. O Partido ensinava a dirigir a sociedade.
O Partido é um instrumento fundamental para o proletariado
tomar o poder e dirigir a sociedade
O Partido é um instrumento no qual o proletariado aprende a dirigir
a sociedade através da célula. Entre a célula e a direção do Partido existe um
nexo direto determinado pelo funcionamento revolucionário, cuja base essencial é que a direção do Partido se preocupa por organizar, programar e
entender como e por que funcionam as classes. Entender quais são os motivos
que determinam os acontecimentos em determinada etapa da história. Quais
são as forças que ajudam, estimulam, ou restringem, limitam e intimidam a
burguesia. Quais são as lutas internas do sistema capitalista que promovem
dissidências e que permitem ao proletariado aproveitá-las. Quais são as forças
que movimentam as classes. Quais são as etapas em que a autoridade do sistema capitalista perde efeito e as massas fogem do controle dos órgãos do
49
J. Posadas
sistema capitalista: parlamento, partidos, justiça, política, exército. Qual é a
relação entre a vanguarda, as camadas médias e a classe.
O proletariado não é homogêneo. É heterogêneo e nessa época estava internamente muito mais dividido que o capitalismo. O sistema tinha
diversas frações, mas estava coordenado, concentrado no interesse comum
da própria defesa e em enfrentar as classes como inimigas. Ele adquiria essa
consciência devido a seu papel na economia e na sociedade. Já o proletariado
como conjunto não lutava pela finalidade objetiva de derrubar o sistema capitalista. Como classe, se unia para reivindicar melhores salários e condições de
trabalho, mas não todos estavam dispostos a lutar contra o sistema capitalista
nem a transformá-lo.
Era preciso criar um Partido de profissionais, no qual todo mundo
trabalhava, exceto uma equipe que se dedicava integramente às tarefas do Partido. O resto tinha que trabalhar para viver e se vincular à classe, mas toda
a sua preocupação em casa e no trabalho era o Partido. Estes profissionais
assumiam a função que antes assumiam os cientistas, mas se desempenhavam
melhor, porque era uma função histórica muito mais elevada. Era preciso organizar um Partido que vivesse a vida científica.
Lênin organizou o Partido para tomar o poder e construir o comunismo. Ele mesmo vivia o que estava construindo: as relações comunistas. A
moral do Partido antes de Lênin era corrupta; não porque houvesse imoralidades pessoais e individuais. Elas também existiam, mas a corrupção consistia em que os membros do partido, quando podiam, faziam carreira. Corrompiam-se e terminavam no capitalismo, serviam ao capitalismo, na ciência,
na técnica, na direção e na administração de empresas, no campo, no governo.
O Partido não retinha os militantes. O objetivo era criar um Partido convencido de que era necessário viver para o Partido.
Para isso, era preciso que o proletariado exercesse influência sobre o
Partido. Antes, a socialdemocracia se apoiava no proletariado, mas este não
tinha peso na direção. E, em plena fase de ascensão do capitalismo, parecia
50
A função histórica das Internacionais
que haveria um desenvolvimento de tamanha natureza que criaria as condições para o socialismo. Essa era a base da socialdemocracia.
Lênin dedicou toda a etapa de 1895 a 1902 à construção do Partido
Bolchevique. Dedicou-se a escrever sobre temas e problemas vinculados com
a economia, a política, as relações sociais, a situação do mundo, para educar a
vanguarda e levar a luta contra os ex-dirigentes da socialdemocracia russa. O
objetivo era criar uma nova vanguarda no plano da concepção da revolução
socialista, proletária e da organização do Partido: um partido de profissionais
revolucionários, moralmente dedicado, íntegra e exclusivamente a essa tarefa.
Uma tarefa que ia contra toda uma tradição e a existência de um partido que
se opunha a essa concepção.
Essa tarefa é muito importante, maravilhosamente atraente e uma das
mais dignas que já realizou o ser humano. É preciso estudar toda a etapa em
que Lênin se dedicou a preparar o Partido Bolchevique, enfrentando os que
pareciam ser os gigantes do pensamento, os organizadores do Partido Socialdemocrata russo. Lênin se dedicou a combatê-los e a preparar uma nova
equipe para tomar o poder e construir o Estado Operário. Ainda não existia
uma experiência prévia, de como se fazia a revolução proletária, como se tomava o poder. A classe não tinha nenhuma experiência sobre a tomada do
poder.
A Comuna de Paris foi um começo, não de revolução proletária, mas
de insurreição popular, no qual o proletariado cumpriu o papel decisivo de
envolver a população oprimida, mas exerceu a função de partido proletário.
Era preciso viver essa experiência. Era necessário organizar o Partido para
compreender e aprender a ser guiado pela estrutura, o funcionamento, o desenvolvimento mundial da crise dentro do sistema capitalista: a luta de concorrências intercapitalistas e a luta de massas no resto do mundo.
Era necessário ensinar a vanguarda proletária que estava no Partido
Bolchevique a dominar o processo mundial, para extrair dele a capacidade
de compreensão e previsão e saber organizar a política. Era uma tarefa científica que exigia dedicação completa e que estava sendo realizada pela primeira
51
vez na história. Era o país mais atrasado, com menos recursos econômicos,
de menor peso proletário e com uma grande equipe de intelectuais nobres,
burgueses e servidores da burguesia ganhos pela socialdemocracia, não pela
revolução. Era preciso restituir, em parte, ou introduzir, pela primeira vez, a
concepção marxista da luta pelo poder.
Essa foi a tarefa gigantesca que parecia impossível e foi realizada por
Lênin. O proletariado russo o apoiou porque ele defendia a concepção justa
de que a classe operária avançaria na compreensão da necessidade do Partido
e tomaria o poder, mesmo que ainda não houvesse uma experiência ou tradições concretas para isso. Existiam algumas experiências no campo das lutas,
revoltas, ações coletivas de camponeses, que indicavam a possibilidade de respostas importantes por parte do proletariado e do campesinato e de aceitação
dessa concepção do Partido.
O papel dos sovietes
Os sovietes nasceram na Rússia, em 1905, por iniciativa dos camponeses. Não foram uma criação dos Bolcheviques. Surgiram das tradições dos
camponeses russos de ajuda mútua, solidariedade e proteção, que os incentivavam a formar órgãos para se proteger. O Partido Bolchevique deu concepção proletária a essas formas de cooperativas e de ajuda recíproca. Daí
surgiram os sovietes e os bolcheviques incorporaram operários e camponeses.
Sobre essa base se desenvolveu o Partido Bolchevique. Lênin não
se dedicou à luta contra todas as correntes e tendências, mas apenas contra
aquelas que afetavam, entorpeciam e representavam um impedimento ou
uma oposição ao crescimento do Partido Bolchevique. Ele utilizou todos os
meios possíveis contra essas tendências e escreveu sobre todos os temas necessários: química, física, ciências naturais, lutas sociais, etc. Principalmente
sobre as lutas sociais: o resto não lhe interessava. Ele se preocupava e organizava o Partido para que pensasse em tudo o que era necessário para conduzir
a organização e a difusão das lutas revolucionárias. Preparava o Partido para
compreender que os fenômenos da Rússia eram parte da situação mundial,
52
A função histórica das Internacionais
que as contradições da sociedade russa detonariam em determinada etapa e
que era preciso se preparar para esse momento.
A revolução de 1905
A Revolução de 1904 fracassou, mas não conduziu à decepção nem à
desintegração ou ao desânimo do Partido Bolchevique. Foi um golpe muito
duro e uma chacina muito grande, mas os bolcheviques adquiriram experiência com essa derrota: foi uma revolução prematura, que estava mal organizada, porque o campesinato não estava preparado. Eles não se decepcionaram
nem se deixaram abater: ao contrário, encararam a derrota como uma experiência da qual era preciso aprender.
O Partido Bolchevique não abandonou a confiança e se preparou para
novas etapas, aprendendo da derrota, principalmente a coordenar a ação do
proletariado com os camponeses e com os soldados. Preparou-se para as
novas situações que seriam geradas pela crise do sistema capitalista: a guerra.
Depois de 1905, houve desconcerto sobre a tática e a ação revolucionária e preocupação pelo retrocesso das lutas das massas e a repressão do
czarismo. Mas o Partido se preparava para novas etapas. Ensinava a classe a
se mobilizar para envolver outros setores da população, camponeses e intelectuais, e unificava as lutas e as iniciativas de combate que camponeses e intelectuais levavam adiante de forma isolada. Ensinou a persuadi-los, a ganhá-los
para contê-los, para ordenar e coordenar a ação. Foi a primeira grande ação
histórica como Frente Única para tomar o poder.
O Partido realizava essa função por meio dos seus órgãos, partindo
da sua função na fábrica e do funcionamento das células. E cada célula nas
fábricas, no campo e no exército transmitia o pensamento, as análises e as
conclusões do Partido. A classe adquiria segurança ao ver o militante bolchevique, seguro e resolvido, explicando, prevendo e dando orientações sobre
como intervir em cada problema e cada acontecimento. A classe via o militante bolchevique preocupado em dirigir.
53
J. Posadas
Era o Partido necessário, tanto antes da tomada do poder da União
Soviética como agora. É possível tomar o poder sem Partido, mas é preciso o
Partido revolucionário, o marxismo, para construir o socialismo. É necessária
a célula, para que o Partido funcione, tenha um vínculo com a população, se
eduque e viva na segurança de dirigir a sociedade.
O Partido criado por Lênin tinha a necessidade de passar provas históricas. A mais importante era a de educar o Partido em compreender o processo mundial e observar as oportunidades que surgiriam da crise do sistema
capitalista. A guerra era uma das condições mais importantes. Os bolcheviques previram a guerra e a revolução. Prepararam-se para entrar na guerra
capitalista fazendo a revolução: eles criaram as palavras de ordem necessárias
para isso.
54
Primeira e Segunda Internacional
Manifestações da Comuna de Paris
Reunião da II Internacional Socialista
Rosa Luxemburgo
Engels e Marx
Comuna de Paris (1871)
Clara Zetkin
55
Terceira Internacional
Lenin e Trotsky, o organizador
\do Exército Vermelho
Lenin com Trotsky, ao lado,
discursando em Moscou
Lenin numa das
reuniões da III Internacional
Trotsky repassando tropas do
exército soviético na Praça Vermelha
de Moscou
Lenin, modesto elaborador e aplicador
de idéias revolucionárias
Trotsky, Lenin e Kamenev, por
ocasião dos debates congressuais
do Partido Bolchevique (1919)
56
A Revolução Russa de 1917
e a Terceira Internacional
a guerra havia provocado o cansaço, a deserção, o repúdio das massas.
Os camponeses queriam a terra, os soldados não queriam brigar. A situação
não era de guerra nem de luta na fábrica: era contra a guerra. Era preciso estar
preparados para intervir através da guerra na revolução.
Entre 1915 e 1917, o Partido Bolchevique havia realizado tarefas de
preparação da luta, de extensão do poder e das bases para a criação de uma
nova Internacional: a Terceira Internacional. Em pleno processo de preparação
do conflito, os Bolcheviques previram a guerra. Em 1912, os Bolcheviques
convocaram todos os partidos socialistas a discutir o que fazer no próximo
enfrentamento que estava sendo preparado. Com dois anos de antecedência,
eles se organizaram para a guerra e a tomada do poder.
Em 1915 organizaram as Conferências de Zimmerwald e Kienthal21,
onde inauguraram uma das táticas mais essenciais para o progresso da humanidade. Eles estavam cientes de que não podiam evitar a guerra do capitalismo,
porque este possuía o poder e as armas, mas acreditavam que podiam intervir
no processo da guerra para transformá-la: o derrotismo revolucionário. Os
Bolcheviques inauguraram uma nova tática. A socialdemocracia não sabia o
que fazer, não tinha uma resposta para a guerra e era arrastada por ela. Os
Bolcheviques, dirigidos por Lênin e Trotsky, que participaram da reunião,
propiciaram o derrotismo revolucionário. Isso significava: estourava a guerra
e o proletariado e os organismos operários de cada país deviam tomar como
mal menor a derrota da própria burguesia.
O “derrotismo revolucionário” na guerra de 1914-1918
O “derrotismo revolucionário” significa: a França está em guerra com
a Alemanha, o proletariado francês é chamado a se submeter aos ideais da
21 Zimmerwald y Kienthal, a conferência de Zimmerwald na Suíça em setembro de 1915 foi a primeira conferência dos socialistas contrários à guerra. A segunda conferência aconteceu em Kienthal, na Suíça, em abril de
1916.
57
J. Posadas
pátria. O proletariado francês faz greves, luta para elevar sua capacidade, sua
condição e suas conquistas de classe para derrubar o capitalismo. Entre este
mal e o mal de que avance o inimigo da burguesia, o mal menor é que avance o
inimigo da burguesia. Tomar o poder, enfrentar com o poder proletário o inimigo e ganhar as tropas inimigas para revolução: essa é a tática bolchevique. É
uma condição nova na história. Antes não existia essa concepção.
Apenas um pequeno número de pessoas participou da reunião no
Zimmerwald e Kienthal. Trotsky conta que os participantes cabiam em três
taxis: eram 14 no total. A reunião de Basileia, em 1912, já estava marcada pela
preparação da ala bolchevique e a incorporação dos partidos comunistas do
mundo. Lênin e Trotsky concordavam com essa perspectiva. O movimento
socialista mundial não tinha noção disso. Eram impotentes perante a guerra.
Os socialistas diziam: “eles têm as armas, têm o poder”. Lênin dizia: “sim, eles
têm as armas e o poder, mas nós temos a decisão”. Lênin se preparou para
desenvolver a luta pelo poder. Surgia uma nova condição histórica, demonstrando que a classe estava apta, segura, determinada a responder aos planos
do capitalismo com a tática proletária.
O “derrotismo revolucionário” significava que, uma vez que estourasse
a guerra, o proletariado devia participar em cada país para tomar o poder,
fazer as greves necessárias, promovendo a luta de classe, mesmo que isso levasse ao enfraquecimento do “seu país” e à perda da guerra. Mas deviam lutar
para tomar o poder. Por isso escolheram o caminho do “derrotismo revolucionário”. Mesmo que custasse a derrota do país, eles tomavam o poder.
A orientação do proletariado estava determinada pela compreensão
de classe, para agir como direção da sociedade e não de uma nova classe dirigente. Assim agiram os Bolcheviques. Mais adiante, os operários e os soldados
alemães e húngaros fizeram o mesmo. Mostraram que era uma tendência do
proletariado e se prepararam para a guerra. Lênin preparou o Partido para
essa tarefa. E assim foram criadas as bases para a Terceira Internacional.
Em 1912, eles tentaram reunir uma série de movimentos para formar
uma Internacional que não deu resultado; mais tarde, em 1916, tentaram or-
58
A função histórica das Internacionais
ganizar uma nova Internacional. Na véspera da guerra e durante a guerra. As
duas reuniões aconteceram na Rússia.
O Partido preparado por Lênin despertou a segurança na vanguarda
proletária, para transmitir ao resto da classe a luta pelo poder. Não era simples
nem fácil. Era a primeira vez na história que alguém se enfrentava aos partidos
socialistas, que agiam no plano do reformismo e que temiam a guerra. Todos
eles temiam a guerra. O partido mais próximo era o Partido Socialista francês.
Jean Jaurés22 denunciava que a guerra se aproximava, mas não preparava o
partido para enfrentá-la. Jean Jaurés foi assassinado porque era um perigo
para a burguesia. Ele denunciava a guerra, embora não preparasse as massas
contra ela. Lênin denunciava a guerra e preparou o Partido para intervir, para
se aproveitar das dificuldades dos capitalistas e tomar o poder.
A literatura mais abundante sobre a sociedade, a revolução e a crise do
capitalismo foi escrita nessa etapa pelo Partido Bolchevique. Nas piores condições de exílio, o Partido aprendeu a utilizar as dificuldades do capitalismo
para tomar o poder, não para ajudá-lo a se manter ou para conciliar com ele.
Ensinou o Partido a utilizar, a tirar vantagem das dificuldades do inimigo de
classe, mesmo à custa da derrota do próprio país, como podia significar a
invasão de outro exército, porque combatia contra a burguesia. O Partido ensinava a preferir a derrota, se esta era motivada pela luta de classe.
A política de Lênin de aproveitar as condições da guerra para fazer
a revolução mostrou-se correta. O Partido estava à espera de circunstâncias
históricas, da combinação de situações para tomar o poder. Tentou tomar o
poder em 1905, fracassou e preparou-se para tomá-lo novamente. A derrota
não o desorganizou, não o desintegrou nem intimidou. Dedicou-se a tirar
conclusões dessa experiência e elevou novamente a segurança do Partido.
A revolução russa e a função de Lênin e de Trotsky
A Rússia de 1917 era o resultado da atividade e preparação dialética
do Partido Bolchevique realizada por Lênin e, na última etapa, por Trotsky,
22 Jean Jaurès, 1859-1914, dirigente socialista francês, do setor mais de esquerda, contrário à guerra. Foi
assassinado pouco antes da declaração de guerra entre França e Alemanha em 1914.
59
J. Posadas
que não interveio na construção do partido, mas na organização da luta pelo
poder. Era prova, ao mesmo tempo, de que o avanço da revolução na Rússia
e o fracasso de 1905 haviam conduzido à centralização das massas no Partido
Bolchevique e à organização do núcleo de Trotsky.
Trotsky não era um “infiltrado” no partido comunista da URSS, como
afirmavam os stalinistas. Trotsky tinha um movimento, os Internacionalistas,
que não eram muito numerosos, mas tinham peso. Existia um centro decisivo: os Bolcheviques dirigidos por Lênin e, junto a eles, havia grupos parciais,
porém potentes, de grande importância para a revolução, como o grupo de
Trotsky, que avançava de forma paralela ao Partido Bolchevique e não competia com ele. Trotsky tinha um movimento independente do Partido Bolchevique que reunia uma camada grande de intelectuais, dirigentes e teóricos. Em
fevereiro de 1917, eles se incorporaram ao Partido Bolchevique e passaram
diretamente a fazer parte da direção.
O fracasso de 1905 havia deixado uma série de consequências não digeridas, porque a vida no exílio não lhes permitiu resolvê-las integramente.
Trotsky e Lênin estavam no exílio; a comunicação e as discussões aconteciam
com atraso; não existia a possibilidade de um debate para resolver todos os
problemas nem uma prática anterior dessa discussão. Era preciso aprender
a polemizar e resolver os problemas. Mas era evidente que Lênin e Trotsky
convergiam na busca de uma mesma solução e compreensão.
O objetivo central era organizar a capacidade do Partido Bolchevique
para tomar o poder. Lênin se preparou essencialmente para essa tarefa, transmitindo, principalmente, o programa e a tática, unindo a ação sindical e política para atrair o resto da população, incorporá-la, ganhá-la, educá-la e lhe
dar confiança, esperando as etapas seguintes para tomar o poder. Fazendo
manobras revolucionárias. Não “manobras” nem diplomacias, mas manobras
revolucionárias no sentido de movimentos de classe, políticos e sindicais, que
permitissem à classe avançar sem sofrer insegurança interna, nem temor, nem
retrocesso.
60
A função histórica das Internacionais
A derrota de 1905 foi um golpe imenso e transformou uma parte
considerável do Partido Bolchevique. Mas toda a sua estrutura permaneceu,
porque o Partido havia sido educado na compreensão da luta pelo poder e na
concepção de que o triunfo do comunismo era inevitável. Havia sido educado
e havia praticado a vida marxista. Assumiu a derrota como um simples erro,
provocado pela falta de meios suficientes, de coordenação e por ser uma ação
prematura. A classe não foi derrotada por incapacidade ou temor, mas por
falta de meios. Eles entenderam que foi uma revolução precipitada. Aprenderam, também, qual era o lema que deviam agitar.
Lênin tinha ainda o lema de “revolução democrático-burguesa”.
Trotsky o de “revolução permanente”. Trotsky não o utilizou nunca para fazer
oposição a Lênin. Ele simplesmente dizia: “Entre o lema de Lênin de 1905 e o
meu, eu tinha razão; o problema era fazer a revolução democrático-burguesa
e daí passar à revolução socialista sem interrupção. Não havia um período
de revolução democrático-burguesa, mas a minha compreensão teórica me
permitia ver mais longe. Lênin tinha o Partido e o dirigia. No decorrer dos
acontecimentos, Lênin compreenderia rapidamente. Ele tinha o Partido para
mudar no meio do caminho, eu não”.
Lênin se corrigiu sem afetar o Partido: apoiando-se nele, corrigiu as
insuficiências rapidamente e a tempo. Por isso tomaram o poder em 1917, em
circunstâncias piores que as de 1905, porque desde 1905 eles prepararam o
poder. Em 1917 a equipe que funcionava com Trotsky se incorporou ao Partido Bolchevique e foram os melhores bolcheviques. Como afirma Lênin em
seu testamento contra Stalin: “Não deve-se utilizar o passado menchevique de
Trotsky, porque desde que Trotsky aderiu ao Partido Bolchevique foi o melhor
bolchevique”. Passou diretamente ao Bureau Político, porque tinha a mesma
política e o mesmo programa, o mesmo objetivo e a mesma orientação que
Lênin. Não existia nenhuma diferença.
Eles tomaram o poder, e uma das bases essenciais que preparou essa
concepção científica foi a concepção do processo mundial da revolução. A
guerra traria à tona todas as contradições do sistema capitalista e suas debi-
61
J. Posadas
lidades, cuja base essencial seria a falta de controle, de domínio, de autoridade sobre a população. Esta tomaria a guerra como um meio de se livrar do
sistema capitalista. Para alcançar este objetivo, dependia de outra condição:
do Partido que aproveitasse essa circunstância. Por isso, a revolução estourou
somente na Rússia. Mais adiante, detonaria na Alemanha, fomentada pelos
Espartaquistas e pela esquerda socialista vinculada aos comunistas e pelo pequeno Partido Comunista. O mesmo aconteceria na Hungria.
Quando surgiu a Revolução Russa de 1917, em todo o mundo havia
partidos socialistas que haviam feito alianças, cada um com a própria burguesia, para entrar na guerra. Foi a atuação contra toda a tradição, todo o antecedente, todo o passado socialdemocrata daquela época que, mesmo tendo
programa e política anticapitalistas em alguns aspectos, se reduziam a competir com o sistema capitalista. Na França, Jean Jaurés propiciava a oposição à
guerra, mas não chamava a derrubar o sistema capitalista. Era uma tormenta
com raios que não feriam. Gritava contra o sistema capitalista, mas não organizava a queda do sistema capitalista. Mas só o fato de se opor à guerra imperialista e denunciá-la era um perigo fundamental para o sistema. Foi assassinado para impedir a mobilização das massas. Por isso, na União Soviética,
Jean Jaurés é lembrado como dirigente da classe operária francesa.
O triunfo da Revolução Russa foi o triunfo do Partido Bolchevique,
da concepção científica dialética do Partido como representante das massas
exploradas e de todo o país oprimido, tanto do proletariado e os camponeses
como da pequena burguesia. Massas oprimidas como os intelectuais, artistas,
cientistas e camadas médias da população no terreno da arte, da ciência e
da administração, constituem o conjunto de servidores e organizadores do
pensamento científico e técnico do capitalismo. São massas intelectualmente
oprimidas, porque devem estar submetidas ao interesse e à orientação da direção capitalista. Não podem se desenvolver segundo a própria vontade, capacidade e consciência.
O Partido Bolchevique se apoiava nas massas exploradas da população,
incluindo as camadas oprimidas de crianças, mulheres e idosos. O triunfo do
62
Partido Bolchevique mostrou, na prática, que essa era a base para o triunfo.
Demonstrou que o programa e a tática, as formas de organização, a estrutura
e o funcionamento do Partido Bolchevique eram as formas necessárias para
organizar e preparar as massas para tomar o poder. Após o triunfo da Revolução Russa, Lênin propôs imediatamente a organização da Internacional
Comunista.
A Terceira Internacional formou-se em 1919. Tinha um objetivo
muito mais amplo que o das anteriores. Um objetivo que não se opunha nem
se afastava da Primeira Internacional: era apenas mais amplo. Tinha alcances
mundiais infinitamente mais profundos.
A Primeira Internacional propunha mostrar à classe operária a necessidade de se organizar como classe e se relacionar, influenciar e organizar o
resto da população oprimida e explorada. Se organizar a escala mundial para
realizar sua atividade, lutar para centralizar, em todo o mundo, a classe operária em um partido e organizar a tomada do poder. Não pôde ampliar a sua
ação e morreu logo.
A Segunda Internacional tinha objetivos diferentes. Organizou-se para
aceitar, defender e representar o reformismo, política inaugurada e promovida
por Kautsky. Essa foi a Segunda Internacional. Deixou todas as experiências
no esquecimento, não reconheceu e ocultou todas as experiências da Primeira
Internacional e da Comuna de Paris e da luta do proletariado até então. Foi
um movimento mundial dirigido a organizar o progresso dos partidos socialistas para negociar com o sistema capitalista. Não tinha como função derrubar o sistema capitalista, mas progredir dentro do sistema capitalista com o
interessa da classe, coisa impossível de se realizar.
Ao tomar o poder, Lênin construiu a Terceira Internacional como base
e ponto de apoio para organizar partidos comunistas em todo o mundo. A
Revolução Russa era um ponto de apoio para o avanço das lutas revolucionárias mundiais. Era preciso formar partidos comunistas em todo o mundo
com o objetivo e o programa de lutar pelo poder, de se organizar para o poder,
de dar segurança, de transmitir a experiência da Revolução Russa no mundo
63
J. Posadas
todo. Promover a revolução quando o partido que dominava no seio do proletariado era a socialdemocracia, que saia da guerra após ter apoiado a burguesia do país. Não existia a possibilidade de que esses partidos aceitassem,
aprendessem e se deixassem guiar pelas experiências da Revolução Russa. Era
preciso organizar os partidos comunistas em todos os países para transmitir
as experiências, as conquistas da Revolução Russa, educá-los para a luta pelo
poder e criar uma direção centralizada mundial que expressasse e concentrasse as experiências mais ricas e mais capazes do proletariado para intervir
na revolução mundial.
Através da Internacional Comunista, eles propunham divulgar dinamicamente todas as experiências acumuladas, concentrar e coordenar, ao
mesmo tempo, a ação revolucionária. Determinar o curso do processo revolucionário, através da vida de uma direção coletiva e construir os partidos
comunistas com a consciência do processo mundial da revolução de saber
aproveitar a crise do sistema capitalista, as dissidências internas, a sua fraqueza mundial. Aprender a viver o processo da revolução. Até o momento
da constituição do Partido Bolchevique, não existia nenhuma experiência;
ao contrário, os partidos socialistas se opunham. Era preciso constituir esses
Partidos.
Era necessário comunicar ao proletariado mundial que a Revolução
Russa era a primeira das grandes revoluções sociais. Não era a última revolução nem haveria um prazo de espera até outras revoluções. Deveria ser um
processo dinâmico e a própria existência da URSS significava o fator essencial
dinamizador da luta de classe. Era importante não deixar que fosse determinado pelas relações internas do sistema capitalista, nem que a ação das massas
estivesse limitada pela luta de classe em cada país, pelo desenvolvimento sindical, mas que fosse estimulada, dirigida e organizada pela União Soviética
para dinamizar o processo mundial da revolução.
A instauração da URSS foi um fator de perturbação, de trava, de agravamento da crise do sistema capitalista porque a existência da União Soviética
64
A função histórica das Internacionais
seria um polo de atração de cientistas, técnicos, setores pequeno-burgueses,
funcionários, camponeses e operários.
Para isso, a União Soviética devia estar em condições de exercer essa
influência e educar o proletariado mundial, as direções locais e nacionais, as
direções de todos os partidos comunistas e as massas de todo o mundo, para
que aprendessem a viver cientificamente e compreendessem que o processo
da luta de classe em um país se alimenta do processo mundial. Não existe
revolução nacional, mas formas nacionais da revolução.
Era preciso contar com o processo de mobilização e envolvimento das
massas na concepção comunista e as posições revolucionárias. Contar com o
aumento das dissidências e das disputas internas do campo capitalista, contradições normais do sistema, que iriam se agravar com a existência da União Soviética. Intervir como fator mundial propiciador, estimulador e organizador
da revolução. Ser um centro organizador do pensamento científico, da segurança da organização revolucionária e um centro de propulsão e sustento, em
todas as formas políticas, sociais, econômicas e militantes, do impulso mundial da revolução. Os Bolcheviques consideraram a Revolução Russa como a
primeira das grandes revoluções, que só poderia triunfar com o desenvolvimento mundial da revolução. Não com o triunfo total em todo o mundo, mas
sim com o triunfo em uma série de países muito avançados.
A Revolução Russa demonstrou, pela primeira vez, que era possível
que um país muito atrasado, de escassa composição proletária, escasso desenvolvimento industrial, um grande peso camponês e, além disso, um grande
atraso, começasse a revolução como revolução democrática-burguesa para
passar do czarismo à república e, em um breve prazo, se transformar em revolução socialista.
Trotsky e a revolução permanente
Era a confirmação da tese de Trotsky sobre o processo permanente
da revolução (1905), segundo a qual nos países atrasados era possível passar
65
J. Posadas
diretamente do atraso feudal, semifeudal ou de formas pré-capitalistas à revolução socialista. A revolução pode começar como revolução democrático
-burguesa, com tarefas, objetivos, fins democrático-burgueses e, no caminho,
demonstrar que estes são insuficientes e limitados para responder à vontade e
à decisão da população.
É possível responder aos problemas propostos, tanto econômicos, industriais, financeiros, rurais, de desenvolvimento do campo, como às reivindicações democráticas. Ficou demonstrado que o proletariado exercia uma
influência, uma atração e uma direção superior ao capitalismo para ganhar as
camadas camponesas e pequeno-burguesas. Era preciso agitar os lemas e lutar
por um programa adequado em cada esfera, etapa ou condição do surgimento
da revolução, para passar à revolução socialista: lemas que iam da revolução
e transformação agrária, expropriação, à órgãos de poder proletário. O prazo
e o tempo para essa tarefa dependiam das condições concretas de cada país.
A Revolução Russa demonstrou isso. Confirmou a tese de Trotsky da
“revolução permanente”. E, como havia afirmado, educado e preparado Lênin,
o Partido era o instrumento essencial e insubstituível para construir o Estado
Operário e passar do Estado Operário ao socialismo. O Partido é o elemento
dirigente que se une à classe e que comunica ao resto da população as experiências, a capacidade científica, política, cultural e a faz intervir. Deve criar
órgãos de funcionamento da população.
A Revolução Russa demonstrou que era necessário o órgão – o soviete
–, para organizar e dirigir a sociedade, manter o Partido comunicado com
toda a sociedade, e fazer intervir a população de tal modo que esta veja que é a
sua sociedade e o seu país, que ela o dirige não para ela, mas o faz avançar e o
eleva com a finalidade de destruir todo o sistema de opressão. São órgãos que
vão do bairro e das fábricas ao campo e o quartel.
A Revolução Russa triunfou porque existia o Partido Bolchevique, que
soube aproveitar as condições de crise do sistema capitalista para lutar pelo
poder. O Partido estava preparado, havia discutido e Lênin, assim como outros membros da organização, havia escrito toda a literatura necessária para
66
A função histórica das Internacionais
essa função. Trotsky e Lênin eram os dois dirigentes da Revolução Russa que
escreviam os textos para preparar as massas. Escreviam sobre política, economia, problemas agrários; sobre a guerra, a debilidade, a impotência e incapacidade do czarismo de conservar o poder. Trotsky e Lênin prepararam esse
poder.
O Partido Bolchevique, através da vida celular, da vida regional, da
vida em assembleias, do funcionamento interno do Partido, se comunicava
e se representava nos sovietes; dessa forma mostrou aos partidos comunistas
e às massas de todo o mundo que os sovietes eram um novo órgão de construção da sociedade. Nos sovietes, o Partido Comunista se integrava por meio
de seus membros. Não era o dono dos sovietes.
Mas os comunistas não eram os únicos que estavam representados no
soviete. Todas as correntes das atividades econômicas, políticas, etc. intervinham nos sovietes. Todas estavam representadas. Os comunistas dominavam,
tinham mais autoridade perante a população porque haviam organizado a revolução que havia levado o poder às massas. E haviam sido capazes de manter
esse poder contra a invasão imperialista, contra o atraso e o desastre econômico porque tinham um Partido preparado para intervir como direção, cuja
preocupação não era tirar proveito eleitoral, parlamentar ou outro, e sim conduzir a população ao poder e à direção do país. O Partido persuadia por meio
dos órgãos da população e adquiria autoridade constituindo o maior poder
que jamais havia existido.
Nunca antes houve tal poder na história. No país mais atrasado do
mundo capitalista europeu, com menos composição proletária, surgido de um
desastre e da guerra; em um país onde não havia o que comer e milhares de
pessoas morriam diariamente, um pequeno Partido tem a autoridade de ganhar a aprovação da população, conduzir e dirigir o país, lhe dar a confiança e
a segurança de que vai triunfar e consegue ganhar o apoio da opinião pública
mundial mobilizando o proletariado para impedir que o capitalismo ataque a
União Soviética!
67
J. Posadas
Os primeiros sete anos que durou esse poder, de 1917 a 1924, quando
Lênin morreu e Stalin assumiu o poder, deixaram na União Soviética e no
resto do mundo uma tradição que ainda hoje é a base essencial da confiança
do triunfo do comunismo, porque permitiu constituir 14 Estados Operários.
Esses sete primeiros anos permitiram ao mundo, aos intelectuais, artistas,
cientistas, técnicos, à pequena burguesia, ao proletariado e ao campesinato,
ver o pequeno Partido Bolchevique dirigir, intervir nas contradições criadas
pela guerra, se arriscar e, sem nada, construir um novo poder! Havia conflitos,
dissidências, disputas e lutas por ausência de bens de consumo, bens materiais
de produção, mas esses conflitos não levavam à perda de confiança da população nos objetivos e no progresso da Revolução Russa.
Desenvolveram a economia de forma cem vezes superior ao sistema
capitalista e incorporaram toda a população sem conflitos antagônicos. Pelo
contrário, assentaram as bases para explicar, ensinar e educar. Essa tarefa fez
o Partido Bolchevique avançar dentro do proletariado e o campesinato e convencer a população de que era preciso esperar, porque as dificuldades não
eram motivadas pela incapacidade do Partido e sim pela falta de recursos,
pelas condições históricas atrasadas em que assumiram o poder. Mas, mesmo
assim, era preciso continuar.
A Terceira Internacional fundada em 1919
Os bolcheviques se dedicaram a educar toda uma vanguarda proletária mundial através da Terceira Internacional. Sua função era coordenar,
organizar, ensinar, dirigir os partidos comunistas e as massas exploradas do
mundo para lutar pelo poder e desenvolver o poder. Essa era a função da
Terceira Internacional. Baseava-se nas tradições, experiências e conclusões
organizativas da Primeira Internacional, não da Segunda. A Segunda não
tinha nada a ensinar. Não teve nenhum valor na história, nem organizativo
nem político. Politicamente não gerou nenhum documento, ação, direção ou
organização favorável à ação revolucionária das massas. Foi um organismo
centralizador dos interesses das direções dos movimentos socialistas. Mas
sem nenhuma ideia. Não ensinou nada ao movimento operário mundial no
68
A função histórica das Internacionais
campo das ideias nem da análise da história, da natureza, das relações sociais; absolutamente nada. Foi uma negação do marxismo. Serviu à aristocracia dos partidos socialistas e do movimento operário. Foi um movimento
de progresso em relação ao sindicalismo e o anarquismo, permitiu organizar
as massas mundiais: essa foi sua função progressista. Serviu como núcleo de
organização das massas em um Partido de classe próprio.
Nesse momento, os partidos de classe eram muito poucos e incipientes.
O desenvolvimento do processo industrial na Europa e a concentração do proletariado trouxeram à tona a necessidade da organização política das massas.
Esta atividade foi realizada pelos socialistas. Criaram um partido para si, de
reivindicações de classe, mas dirigido por direções conciliadoras, submetidas
ao sistema capitalista que anulava os benefícios da organização de classe dos
operários. Não foi o marxismo a base do programa desses partidos, mas o reformismo, que adotava do marxismo apenas os aspectos laterais e superficiais
que não colocavam em risco a existência da política de conciliação com o sistema capitalista. O marxismo foi enterrado. Ao passo que a Revolução Russa
mostrou que esse era o caminho, esse era o método.
As formas de organização dos bolcheviques e a Terceira Internacional
divulgaram e promoveram em todo o mundo as experiências, a segurança e os
objetivos que transformaram a Rússia e, mais tarde, a União Soviética. Entre
eles, dois aspectos essenciais: que os problemas de um país atrasado podem
ser resolvidos diretamente pelo poder e, no poder, realizar as etapas que correspondiam à revolução democrático-burguesa; que não era necessário passar
por um período de revolução burguesa, já que o proletário pode realizar as
tarefas que deveria ter cumprido a burguesia, tanto no aspecto das relações
sociais e da democracia, como no desenvolvimento da economia. Era preciso
demonstrar, através de uma experiência histórica, que isso era possível.
Na Rússia, um país atrasado, porém grande, com enormes contradições, um grande país de camponeses, com um grande atraso na produção industrial e camponesa, os bolcheviques mostraram que era possível que um pequeno núcleo do proletariado guiasse o campesinato em direção à revolução,
69
J. Posadas
realizasse a fusão de camponeses e operários dirigidos pelo proletariado. Era
necessário ter a política, o programa e o Partido preparado. Era a primeira
vez na história que se aplicava essa política, proposta por Lênin, de criar uma
aliança entre operários e camponeses.
Os partidos socialistas, quando souberam que os bolcheviques estavam dispostos a tomar o poder, diziam: “Estão loucos, os bolcheviques são
todos camponeses, pessoas atrasadas. Como vão tomar o poder e construir
o socialismo em um país de camponeses?”. Para eles era impossível. E esperavam um desastre e uma derrota. Nenhum dos grandes países capitalistas
acreditava no triunfo da Revolução Russa. Não tinham noção; era a primeira
experiência. Era uma audácia e eles esperavam que fracassasse.
Nenhum deles esperava o triunfo da Revolução Russa, muito menos
considerando que era um país atrasado, onde não existia democracia, um
atraso camponês imenso, uma divisão abismal entre campo e cidade, 130 milhões de camponeses, métodos de produção arcaicos. Como podia triunfar a
revolução naquele lugar? Os bolcheviques triunfaram e ganharam os camponeses com a bandeira que motivou o triunfo: unificar a luta das massas nessa
época. Previamente os bolcheviques haviam organizado a ação no campo e
haviam feito uma campanha mostrando que o camponês, com o proletariado
no poder, teria acesso à terra porque os operários a distribuiriam, expropriariam e coletivizariam as grandes propriedades, nacionalizariam as terras e
dariam uma parte para uso particular. O proletariado resolveria dessa forma
os problemas da fome e da precariedade da vida camponesa. Pediam ao camponês que apoiasse o poder proletário para poder aplicar essa política e realizar essa tarefa.
O Partido Bolchevique preparou durante anos essa atividade com agitações, campanhas, mobilizações sindicais, políticas, preparando a fusão com
o campesinato, que devia seguir o proletariado como eixo e direção da sociedade. Com o programa de desenvolvimento econômico, o proletariado devia
ser capaz de dirigir o país e resolver os problemas da produção e o consumo
do campo. E educar uma camada campesina a compreender, a ter a segurança
70
A função histórica das Internacionais
do triunfo da revolução, da construção do socialismo e compreender o curso
mundial, elemento inseparável da influência dentro da Rússia.
Pela primeira vez na história se concretizava a aliança operária e camponesa. Todos os teóricos e partidos socialistas estavam espantados, acreditavam que seria uma catástrofe. E, efetivamente, as condições para uma catástrofe existiam; eram 130 milhões de camponeses, dos quais 100 milhões
explorados. A tarefa parecia impossível. Os bolcheviques conseguiram realizá-la, não por idealização, nem por efeitos instantâneos de elevação da compreensão camponesa. Prepararam as condições nas camadas camponesas, de
vinculação com os operários do campo e mostrando a decisão do proletariado
de tomar o poder e cumprir a promessa e o programa. O camponês viu que o
proletariado cumpria o seu programa. Os bolcheviques inauguraram a aplicação da política sindical no campo, entre camadas de operários e camponeses de diferentes categorias: operários do campo, pequenos proprietários
e arrendatários; aprender a se mobilizar com as palavras de ordem, com os
organismos das massas e realizar, ao mesmo tempo, a frente única.
De cada setor da produção no campo, os bolcheviques propiciavam a
organização independente do pequeno camponês, do pequeno e médio arrendatário, do proletariado do campo, e depois organizava uma frente única entre
eles. Lênin foi o primeiro que incentivou essa tarefa e educou o proletariado
a ter acesso orgânico ao campesinato através desses organismos, que ainda
hoje são válidos para todos os países onde a composição social é fundamentalmente camponesa. Lênin ensinou a estrutura da frente única através desses
órgãos de proletários do campo, de operários rurais, de pequenos arrendatários, de pequenos e médios proprietários.
Essa separação dos órgãos era, é e será imprescindível em quase todos
os países da Ásia, África, América Latina e, em parte, na Europa, para impedir que na frente única do proletariado com os sindicatos de classe e com
os órgãos do campesinato predomine a política e a organização do pequeno
-burguês nos sindicatos, que é proprietário e tem ambições de proprietário.
Mas, ao mesmo tempo, o pequeno-burguês se sente perseguido e espoliado
71
J. Posadas
com impostos muito altos, explorado pelo grande capital ou pelo latifundiário. Portanto tem interesse comum em lutar contra eles. Pode-se aliar a ele
na concessão de créditos bancários, companhias de seguro, apoio do Estado; e
criar uma frente única mantendo as organizações de forma separada, onde o
proletariado possa realizar a atividade e discutir, resolver, determinar o órgão
de classe contra o capitalismo e a propriedade privada. Organizar uma frente
única circunstancial com todos esses organismos, contra o grande latifundiário, contra o grande e médio capital, representado pelos donos da terra. Era
uma tarefa nova na história e hoje é uma experiência que nos serve para organizar a atividade no mundo.
Surgiu a experiência fundamental de que o socialismo não podia ser
construído apenas na Rússia, porque não possuía os meios econômicos, as
qualidades econômicas, a estrutura econômica e social, nem podia competir
com o sistema capitalista. Precisava e dependia do comércio mundial para
se desenvolver. Podia tomar e chegar ao poder, mas seria difícil avançar em
direção ao socialismo.
As condições de atraso em que estava a Rússia permitiam fazer uma
frente única entre camponeses e pequena burguesia, dirigidos pelo proletariado, e assim tomar o poder. Mas a construção do socialismo precisava de
mais tempo, por causa do atraso econômico. Não existiam as condições econômicas, políticas e materiais que permitissem aplicar medidas para construir
o socialismo. Toda contenção local significava uma contenção da revolução e
a possibilidade de que se elevasse a camadas nacionalistas, chauvinistas, vinculadas de uma ou outra forma ao interesse da propriedade privada. Como na
URSS não existia propriedade privada, desenvolveu-se o usufruto privado da
propriedade coletiva, estimulando a burocracia.
Era preciso ensinar ao proletariado mundial que não se podia construir o socialismo na URSS sem avançar em medidas, políticas e órgãos que
propagassem a autoridade da revolução, desenvolvessem a economia, ajudassem a construir a revolução mundial, a fim de ganhar pontos de apoio
mundial para avançar dinamicamente rumo à construção do socialismo junto
72
A função histórica das Internacionais
com outros países. Não porque a revolução permitiria à URSS melhores situações internas, mas porque permitiria o enlace da Revolução Russa com
outros países. Unificando as economias, compensaria a debilidade de um ou
outro país, a escassez de matérias primas, de capacidade técnica, de organização técnico-científica, de elevação da engenharia técnico-mecânica, a fim
de desenvolver a grande indústria.
Era preciso educar o proletariado mundial e a vanguarda para que
compreendessem que tomar o poder era possível, mas que a condição indispensável para o avanço da Revolução Russa era apoiar mundialmente a luta
revolucionária das massas. Apoiar-se sobre o processo objetivo das lutas sindicais e políticas das massas, promovendo a ação, esperando as conjunturas
da crise do capitalismo para impulsionar a revolução mundial e utilizar a Internacional Comunista com essa finalidade. Para essa tarefa, o Partido Comunista da União Soviética devia receber todas as experiências, as conclusões e
os ensinamentos políticos da luta das massas e, além disso, viver e promover
no Partido a capacidade de direção e de organização dentro da URSS. O Partido devia intervir como organização e como executor direto e fazer com que
os sovietes funcionassem.
A relação Partido – Soviete. O soviete, à diferença de qualquer outro
órgão, discute, resolve e aplica. Elimina o intermediário que é o poder legislativo, executivo e judiciário. Nesse processo, o capitalismo tem meios para
poder determinar como são aplicadas as resoluções. O poder legislativo cria
as leis e o poder executivo decide se aplica ou não. É a forma de organização
do sistema capitalista, para manter o domínio da sociedade.
A política de massas do sistema capitalista e a política parlamentar
com a intervenção das massas é uma concessão feita pelo capitalismo para
poder conter a organização independente do proletariado. Ao aumentar a
mobilização, o capitalismo estava obrigado a fazer concessões porque aumentava a disputa intercapitalista, as contradições e a concorrência. O desenvolvimento do capitalismo fazia aumentar o peso das massas. Diminuía o peso do
setor rural e aumentava o das cidades. Portanto devia contar com elas. Devia
73
J. Posadas
reprimi-las, liquidá-las ou deixá-las intervir. Como não podia reprimi-las
nem liquidá-las porque precisava delas para a produção, as contradições intercapitalistas aumentavam, os setores em disputa se apoiavam na população
um contra outro, o capitalismo se viu obrigado a dar acesso às massas, através
dos partidos socialistas ou dos sindicatos. Não podia impedir a existência do
partido nem dos sindicatos. Por isso, corrompia a direção e permitia a política
parlamentar e sindical. Dessa forma, tentava sufocar o movimento.
O soviete é um organismo de debate, resolução e aplicação em escala
nacional e local. É um órgão dinâmico, vivo, no qual toda a população aprende
a dirigir o país, a intervir e debater todos os problemas. Se para ganhar a Revolução Russa o soviete foi decisivo, por que não existem sovietes agora? Qual
é a diferença? Não se trata agora de ganhar o poder, mas de desenvolver a
capacidade de ação, produção e direção do país. Por que então não existem
sovietes nos Estados Operários? Por que já passou a etapa da sua necessidade?
Essa experiência está viva na cabeça de todo mundo. Mesmo após a
supressão dos sovietes na União Soviética, as massas de qualquer lugar do
mundo, quando podem, organizam sovietes. A perduração dessa experiência
deve-se a que as massas do mundo transmitiram por gerações, através da literatura ou de forma verbal direta, a função histórica essencial do soviete. Este
representa a vontade democrática das massas que discutem, resolvem, polemizam e se concentram em resoluções comuns e aceitam, portanto, as mais
avançadas conclusões. Esta era a forma de educar e de unificar a capacidade
de ação da população. Não existe organismo superior a esse. O Partido, para
influir nos sovietes, precisa da sua intervenção. Como Partido, vive de forma
independente para poder elaborar um programa político para transmitir ao
soviete.
Em 1917 a tarefa mais importante para o funcionamento do soviete
era convencer a população de que a Revolução Russa era legítima e que triunfaria. Mas era preciso também demonstrar que a revolução seria capaz de se
sustentar, que os órgãos revolucionários deviam desenvolver a economia e se
defender do assalto mundial do capitalismo: em primeiro lugar, do assalto
74
A função histórica das Internacionais
militar que bloqueava as fronteiras da União Soviética por dois anos e, em segundo lugar, do bloqueio e da sabotagem econômica. Era preciso demonstrar
que os sovietes eram um organismo que debatia, discutia e resolvia sem se
deixar intimidar por nenhum bloqueio. E isso foi possível porque, intervindo,
as massas comprovaram e viram que não se tratava de incapacidade do proletariado, do Partido Comunista ou do governo soviético; não era impotência
ou usurpação; não era o camponês o responsável de todas as penúrias como
alegava o czar e não era porque o proletário tinha vantagem devido à sua posição na indústria: eram as condições da construção do país e estavam aprendendo a vivê-las. Por isso aceitaram os bolcheviques.
A União Soviética era um país com muito pouco desenvolvimento,
onde viviam os camponeses mais atrasados, com determinadas tradições, mas
não com uma base de vida comunitária. E os bolcheviques impuseram a aceitação e a unificação da população com o soviete, mas mesmo assim era insuficiente para resistir ao bloqueio do sistema capitalista. Nos portos soviéticos
não entrava mercadoria e havia começado a invasão das chamadas “tropas
aliadas”: Checoslováquia, Hungria, França, Inglaterra e Itália.
Os bolcheviques as enfrentaram e triunfaram. Demonstraram que era
possível ganhar a guerra, enfrentando a invasão dos exércitos da Checoslováquia, Romênia e Hungria com a propaganda. Comunicavam-se com os soldados através de panfletos, manifestos, jornais, para que eles soubessem que
os soviéticos lutavam para dar a terra aos camponeses, que o poder soviético
significava a eliminação da propriedade privada e o desenvolvimento da propriedade estatizada para produzir sem patrões, sem capitalistas e promover
uma nova economia ao serviço da população. A própria população dirigia o
país através dos sovietes.
Essa atividade teve um efeito imenso. Os panfletos, os manifestos e as
mensagens do exército soviético provocaram mais destruição do que as armas
utilizadas. Ou, pelo menos, o mesmo efeito. Porque obrigava os generais do
exército checoslovaco, romeno, etc. a mudar constantemente de soldados. Os
soldados checos e romenos, que eram camponeses e operários e haviam ou-
75
J. Posadas
vido falar da Revolução Russa, ao entrar em contato direto com essa experiência, abandonavam a própria preocupação militar e aumentavam o desejo
social de entrar na Rússia, não como inimigos, mas como participantes da
revolução. Os soviéticos ganharam dezenas de soldados que passaram diretamente às suas fileiras. Quando o chefe militar dizia: “Avançar! Em marcha!”,
os soldados diziam: “Às ordens!” E desertavam. Passavam para as fileiras do
exército soviético!
Esse foi o papel desempenhado naquela época pelos sovietes, que
criaram uma autoridade e capacidade em todo o mundo. As massas soviéticas
e comunistas aprenderam a vincular a necessidade de construir a economia
esperando novas etapas e organizando, enquanto isso, o apoio à revolução
mundial. O Partido Comunista nasceu para cumprir essa ação; cresceu e
triunfou com a Revolução Russa.
Os quatro primeiros Congressos da Internacional Comunista
Nas discussões dos quatro primeiros Congressos da Internacional
Comunista23 era evidente o crescimento mundial do movimento comunista.
Surgiram numerosos partidos comunistas. Houve rupturas e cisões internas
nos partidos socialistas, por causa do programa da Internacional Comunista;
partidos socialistas se transformaram em partidos comunistas. Muitos erros
foram cometidos, falhas muito grandes, porque era a primeira experiência
na história. Passavam de partidos socialistas, a maioria socialdemocratas, a
construir o Estado Operário. Sem preparação prévia, partindo de órgãos com
um histórico de atividade parlamentar e sindicalista. O impulso da revolução
russa os levou a constituir os partidos comunistas. Eram partidos fracos em
sua estrutura orgânica, teórica e política. Não tinham uma tradição e uma
vida anterior. Eram o resultado da influência da Revolução Russa.
23 Os quatro primeiros congressos da Internacional Comunista: se reuniram entre 1919 e 1922, concluindo
cada um com um Manifesto dirigido ao proletariado mundial, visando à construção de uma direção mundial
das lutas contra o sistema capitalista e para estabelecer um poder operário.
76
A função histórica das Internacionais
Antes da morte de Lênin, a Internacional Comunista realizou quatro
Congressos. Publicou os documentos mais importantes da história da humanidade desde a época de Marx, que analisavam o Estado Operário, a sua construção, a política, a tática e a experiência mundial concentrada na Internacional Comunista e aplicada em cada país. A Internacional Comunista atuava
como direção. Era a direção mundial. Aproveitava a experiência de um ou
outro país, para generalizá-la, complementá-la e elevá-la. Era a universidade
mais completa, mais pura e objetiva, porque essas eram as condições da sua
existência; caso contrário, ela morreria.
Tinha como objetivo fazer a revolução para destruir o sistema capitalista. A Internacional Comunista servia para esse fim. Acima de tudo: educar
o proletariado mundial para que este sentisse, compreendesse e avançasse no
internacionalismo proletário, que significava lutar pelo objetivo comum do
comunismo e funcionar de acordo com a necessidade do movimento revolucionário mundial. O objetivo era envolver o resto da população, aprender
a concentrar todas as forças onde era mais necessário e conveniente para o
avanço da revolução e superar progressivamente o sentimento de egoísmo, individualismo, regionalismo, imposto pela propriedade privada e dessa forma,
impulsionar o movimento socialista mundial.
A Internacional Comunista cumpria essa tarefa. Existe alguma universidade parecida a essa? Lênin dizia: “Temos um baluarte que é a União
Soviética; as massas do mundo compreendem isso e apoiam”. O proletariado
mundial impediu que o capitalismo mundial avançasse contra a União Soviética porque manteve a luta de classe indeclinável em cada país.
A União Soviética fomentou a revolução e a luta de classe revolucionária mundial. Teve efeitos imensos. Interveio nos países atrasados e nos países desenvolvidos. Provocou mudanças históricas internas, grandes mobilizações nos países atrasados por conquistas democráticas. Na Argentina, por
exemplo, a Reforma Universitária era uma revolução: a Igreja católica dirigia
a Faculdade de Medicina e era proibido estudar o corpo humano porque a
concepção religiosa o impedia. A Revolução Russa influiu para mudar as con-
77
J. Posadas
dições existentes, incentivou a revolução turca, a revolução no Japão, na China
e em toda a Europa. Teve uma influência imensa!
A influência conquistada até aquele momento e seus efeitos posteriores serviram de apoio para os bolcheviques, que se basearam na crise do
sistema capitalista e não na possibilidade de que o capitalismo superasse o
Estado Operário. Era preciso manter o avanço soviético, o desenvolvimento
da Terceira Internacional e a intervenção da propaganda em escala mundial,
para que o proletariado soubesse quais órgãos devia utilizar. Lênin preparou o
Partido com esse objetivo. Educou-o para que se apoiasse no avanço mundial
da revolução. Em outras palavras, que colocasse a União Soviética ao serviço
do processo mundial, de tal forma que as massas soviéticas vissem, sentissem
e comprovassem a sua responsabilidade perante a história. Mesmo que fossem
derrotadas, seria uma experiência decisiva; como a Comuna de Paris, mas em
um nível infinitamente mais elevado, a Revolução Russa serviria de guia e
orientação para o proletariado mundial nas próximas revoluções.
Era preciso construir o Partido para que operasse com essa política e
para que a União Soviética servisse a esses objetivos e fosse um instrumento
para o desenvolvimento da revolução mundial. Era necessário manter o Partido vivo nas tradições bolcheviques, na capacidade de pensar e analisar, no
funcionamento soviético, de tal modo que quando chegassem as etapas e
as possibilidades, estivesse pronto e decidido para tomar o poder, como na
Alemanha.
Os quatro primeiros Congressos da Terceira Internacional adotaram
as resoluções mais importantes depois de Marx e Lênin, nas quais discutiram
e resolveram os problemas da economia, da política, da ciência, da técnica e
da sociedade em geral. Ensinavam à vanguarda proletária como atuar em cada
país, como compreender o estado do capitalismo para derrubá-lo, como se
unir ao resto da população, como vincular as lutas sindicais com as lutas políticas revolucionárias e intervir nos países coloniais e semicoloniais. Embora as
resoluções feitas para as colônias sejam muito breves, em geral mantiveram a
continuidade da política da revolução permanente. Exemplo disso foi o apoio
78
A função histórica das Internacionais
a Abd el-Krim24 contra o imperialismo espanhol: o apoio a um senhor feudal
contra um rei democrático e liberal. O seu triunfo seria um golpe imenso
contra o imperialismo espanhol e debilitaria o sistema capitalista mundial. A
estratégia dos bolcheviques baseava-se nas condições mundiais para definir
sua aplicação nas condições nacionais.
24Muhammad Ibn ‘Abd al-Karim al-Khattabi (nome completo), 1882-1963, dirigente do movimento de
resistência contra o imperialismo espanhol e francês da África do Norte. Organizador da República do Rife
(1921–26).
79
O Stalinismo e a dissolução
da Terceira Internacional
Posteriormente, com a morte de Lênin e a condenação de Trotsky ao
exílio, Stalin expropriou e eliminou o funcionamento das células, dos sovietes
e as discussões no Partido. As assembleias dos sovietes foram abolidas e substituídas por decisões da direção do Partido. Os aparatos davam as próprias
instruções ao governo: governo e Partido formavam um único corpo, embora
com um funcionamento separado, mas o Partido que impunha a política do
governo era o Partido do aparato, não o das massas. Não se dava espaço ao
pensamento da fábrica e do campo, e sim ao do aparato do Partido, de tal
modo que as ideias que expressava o governo eram as do aparato e estavam
desligadas da vida das massas, que não podiam ter nenhuma influência.
As experiências adquiridas pela Revolução Russa com o triunfo e o
progresso soviético estavam presentes em apenas dois aspectos essenciais: que
não era possível construir o socialismo em um só país, que era necessário
esperar ativamente, promovendo a revolução mundial e que a vida do Partido devia se manter intacta como na época de Lênin. Era preciso desenvolver
e alcançar o mais alto nível econômico enquanto se desenvolvia a atividade
para promover a revolução mundial e desenvolver o Partido nessa condição.
Apesar das dificuldades que surgiam, essa política era viável.
A dificuldade mais importante era o desaparecimento de quadros bolcheviques essenciais da atividade pública do Partido. Uma grande parte abandonou a atividade pública do Partido e outra parte foi eliminada na guerra e
na guerra civil. Outro setor teve que se dedicar à administração do país, às
tarefas da economia ou de reconstrução. Eram os quadros de maior confiança,
de grande decisão revolucionária, de comprovada integração e consequência
revolucionária. A imensa maioria deles morreu durante a guerra, na guerra
civil, no posterior enfrentamento ao cerco imperialista e outra parte dedicouse à função de administradores, diretores e organizadores de fábricas.
81
J. Posadas
As condições históricas da criação da burocracia de Stalin e do
conceito do “socialismo em um só país”
A pobreza da Revolução Russa, a falta de equipamento técnico, a obrigava a depender desses quadros do Partido. Uma grande parte era de origem
capitalista. Isso debilitou o Partido. O vazio que deixavam os quadros bolcheviques que morriam na guerra e que realizavam outras tarefas era preenchido
por setores que, até então, estavam contra a revolução.
O proletariado soviético era pequeno em número; começou a chegar
então uma grande quantidade de militantes que Trotsky chamava de carreiristas porque estavam só esperando poder entrar. Todos eles defendiam o próprio interesse; outros tinham a concepção nacionalista da revolução. Stalin,
que representava o aparato burocrático, apoiou-se nesse setor tímido, vacilante, indeciso, que não tinha a preparação política, teórica nem organizativa
para aceitar o desenvolvimento mundial da revolução. Ao contrário, estava
afastado dos objetivos do Partido Bolchevique e da sua função revolucionária.
Eram militantes carreiristas e foram a base de apoio de Stalin; e transformaram o Partido.
A preocupação marxista e a discussão dos problemas mundiais foram
abandonadas; o debate das experiências, a discussão do processo mundial
da revolução e a preparação da União Soviética para dar um salto: Stalin
mandou ao diabo tudo isso; destruiu toda essa organização e criou um funcionamento frouxo, sem forças; abandonou o marxismo. Os textos de Lênin
foram ocultados. Aumentaram seus retratos, mas seus textos e pensamentos
desapareceram.
A burocracia construiu o Mausoléu do Lênin, mas aplicou a política
contrária à de Lênin. E independentemente de que o matasse ou não, Stalin
tinha interesse em liquidá-lo; precisava liquidá-lo. Lênin era um estorvo para
Stalin. Este representava as camadas burocráticas e tinha autoridade como
velho bolchevique, como um dos fundadores do Partido, e podia ser o centro
de autoridade para a burocracia.
82
A função histórica das Internacionais
Lênin e Trotsky foram eliminados porque a burocracia, surgida a partir
de 1920, de forma consciente em meio a dificuldades muito sérias, apoiou-se e
estruturou-se sobre uma equipe de carreiristas, muitos deles inimigos do Partido até o dia anterior. Todo o setor que apoiou Stalin esteve contra a tomada
do poder. Se depois a apoiou, foi porque havia triunfado, não por outra razão.
Esse setor se submeteu a Stalin, tentando contê-la.
O Partido de Lênin foi liquidado. Toda preocupação teórica e política foi eliminada. A vida de Partido e a preocupação revolucionária foram
reprimidas. Todos os que se preocuparam pelo avanço mundial da revolução
foram liquidados e promoveu-se o conceito de “socialismo em um só país”.
Para justificar essa política, o método marxista foi desvirtuado.
O pensamento de Marx e Lênin era apresentado de forma distorcida.
Destruíam-se atas e textos de reuniões e inventavam-se atas, textos e reuniões
de condenação a Trotsky e o trotskismo. Como Lênin não podia ser falsificado
integramente porque a lembrança dele ainda estava viva, o amputavam. Suprimiam a vida política do Partido e apresentavam fragmentos do pensamento
de Lênin em que ele aprovava a política de Stalin. Ocultou-se o “Testamento”25
que Lênin havia escrito pouco antes da sua morte em 1922, bem como as atas
de discussão do Comitê Central. Stalin arquivou toda a vida política e o debate revolucionário da época de Lênin e Trotsky, período em que, apesar dos
quatro anos de cerco capitalista e do grande risco e perigo militar, todos os
problemas eram discutidos publicamente.
Entre 1920 e 1922, os bolcheviques resolveram suprimir as tendências
e as frações, mas não as discussões. O motivo disso era o risco existente, a falta
de meios e o perigo de dos invasores, chamado exército branco, e da guerra.
Como afirma Trosky, embora fosse eliminada a vida das frações, não havia
impedimento para o debate nos sindicatos, na fábrica, no Partido, nas células.
A vida de frações e tendências era substituída por uma vida maior, vigorosa,
no seio do Partido.
25 O Testamento de Lênin. Nos últimos momentos da sua doença, Lênin dirige uma Carta ao XII Congresso do
PCUS onde propõe demitir o Stalin do cargo de Secretário-geral do Partido. O documento foi divulgado apenas
em 1924 no XIII Congresso.
83
J. Posadas
Os bolcheviques não anularam a vida interna do Partido. Tentaram
regulamentá-la, porque de 1919 a 1921 sofreram o cerco capitalista, a contrarrevolução interna e não possuíam nada. Era preciso conter a vida de frações,
mas não a vida do Partido, para aplicar conclusões militares e políticas. Era inquestionável e imprescindível concentrar toda a atenção e energia do Partido
na aplicação dessas conclusões. Essa situação seria temporária.
Trotsky conta em A Revolução Desfigurada que sua intenção e a de
Lênin não era suprimir tendências, mas organizar a atividade de tal forma que
não afetasse a concentração e a centralização do Partido contra o ataque do
exército branco, o cerco capitalista e as imensas dificuldades econômicas que
requeriam toda a preocupação, porque existia o perigo de um colapso. Aumentava a escassez e a penúria. Não havia alimentos nem produtos industriais.
Nessas condições, uma vez demonstrado que o programa dos bolcheviques era justo, era necessário dedicar toda a decisão a ganhar a revolução
e a guerra, e depois discutir. Mas, mesmo assim, Trotsky disse: “Nunca foi
eliminada a vida de tendências (de frações não havia necessidade), tudo se
centralizava na vida da direção do Partido. Isso fez com que Stalin se apoiasse
nessa proibição para desenvolver o seu aparato burocrático”.
Mas a burocracia soviética não surgiu daí. Já havia nascido no momento do triunfo da revolução devido à subordinação da economia, à ajuda
que recebia, à dependência de técnicos, engenheiros, especialistas que vinham
do capitalismo porque não havia outros. Tudo isso criou uma base de pressão
muito grande contra o Partido Bolchevique e foi o fundamento do “socialismo
em um só país.” Era todo um setor de carreiristas que antes estavam contra a
revolução e agora se beneficiavam dela.
Ao triunfar Stalin, triunfou a concepção do “socialismo em um só
país”, que propunha não depender do curso mundial da revolução, mas sim,
intervir apenas na Rússia. Respondia ao interesse nacionalista-chauvinista de
uma camada do Partido Comunista, que havia desenvolvido tal característica
antes e durante a revolução.
84
A função histórica das Internacionais
Como Trotsky tinha autoridade e força e era apoiado por um grupo
numeroso, de muito peso, a burocracia resolveu expulsá-lo. Ela acreditou que,
eliminando-o, ele despareceria. O enviaram para Alma Ata e pensaram que
esse era o fim de Trotsky. Eles acreditavam que, ao não ter lápis nem papel
para escrever, nem mensageiro nem correio, Trotsky ficaria desanimado e
deixaria de produzir. Ele mesmo afirma, referindo-se a esse processo: “A estupidez da burocracia consistia em que ela julgava os outros como a si mesma”.
Se um burocrata tivesse sido exilado nas condições em que foi desterrado
Trotsky, teria ficado sem fazer nada. Trotsky não recebeu lápis, mas inventou
um! Encontrou a forma de manter a atividade e se comunicar com a Oposição
de Esquerda dentro da União Soviética.
O programa da Oposição de Esquerda
O “Programa da Oposição de Esquerda”26, elaborado por Trotsky, tinha
o fim de pressionar e influenciar o Partido Comunista soviético e a Terceira
Internacional. Tentava combinar a produção agrária e industrial e desenvolver
a política revolucionária nacional e mundial. Era um programa mínimo. Com
isso, Trotsky esperava ser aceito pela burocracia, que ia além de Stalin, e dessa
forma poder voltar e retomar a possibilidade de discutir e viver com o Partido
Comunista da União Soviética e a Terceira Internacional, fazendo apelos para
intervir, para que o deixassem falar, escrever, participar.
Mostrou-se disposto a promover discussões, escrevendo textos e
orientações que destacavam a necessidade de se preparar para desenvolver a
economia na União Soviética, para conter os setores da direita, seja no campo,
na cidade ou no próprio Partido. Gerar um nível de produção orientado a
satisfazer a demanda dos camponeses, enquanto esperavam o avanço mundial da revolução. Não existia outra forma, nem dinheiro, nem matérias, nem
equipamento técnico. A URSS carecia dos meios necessários para o desenvolvimento industrial e Trotsky, concretamente, convocava a se apoiar no avanço
26 A Oposição de Esquerda, tendência informal dentro do Partido Comunista da União Soviética existente
entre 1923 e 1927, reuniu os assinantes da “Declaração dos 46” perante a troika formada por Zinóviev, presidente da Internacional Comunista, Stalin, secretário-geral do Partido Comunista e Kámenev, presidente do
Bureau Político.
85
J. Posadas
mundial da revolução e na Terceira Internacional para promover a revolução
mundial, que era o fator essencial para sustentar a União Soviética.
A política de Stalin derrubou tudo isso. Conduziu uma política nefasta, em 1926, contra a greve geral inglesa. Stalin apoiou as Trade Unions
(sindicatos ingleses) contra a greve geral, sustentou os aparatos, não acreditou
no proletariado.
Stalin obrigou a revolução chinesa a se submeter a Chang Kai-shek27,
que amputou o Partido Comunista. Chang Kai-shek assassinou milhares
de militantes e dirigentes comunistas. Serviu-se deles para triunfar na disputa burguesa interna e depois esmagou o Partido Comunista. A política de
Trotsky, seguindo o exemplo de Lênin, era de apoio e aliança com Chang Kai
-shek, mas não de subordinação a ele. Por outro lado, o Partido Comunista,
com a concepção de “socialismo em um só país”, de dependência dos aparatos
e mostrando uma forma burocrática de ver o mundo, de observar, analisar e
concluir, apoiou o governo chinês e se dissolveu. Chang Kai-shek teve, assim,
as condições para assassinar todos os comunistas. Aproveitou-se deles e da
falta de funcionamento como partido revolucionário e depois os assassinou.
Essa política da burocracia soviética já mostrava sinais e formas de decomposição irreparáveis. Trotsky persistiu na tentativa de intervir na Terceira Internacional: mandava constantemente textos, programas, analisando o avanço
mundial da revolução.
Nessa etapa, Trotsky escreveu um livro, O Terceiro Período e os erros do
Komintern, onde analisa as mudanças que ocorrem nos partidos comunistas,
quando uma camada de velhos revolucionários, sem abandonar a consciência
e os sentimentos revolucionários, deixam de se considerar capazes de acompanhar o Partido, se sentem passivos, perdem certa confiança no dinamismo
da ação revolucionário e se retiram. Trostky propõe ceder o espaço aos jovens
para que tenham peso dentro do Partido, dirijam os velhos militantes comunistas e não deixem que o Partido dependa deles, porque esses velhos revo27 Chang Kai Chek, 1887-1975, militar e político chinês. Dirigiu o movimento nacionalista (Kuomintang),
com o apoio dos comunistas chineses. Em 1926, lançou a primeira ofensiva contra o proletariado de Cantão.
Rompendo com os comunistas, mandou massacrar milhares de operários chineses.
86
A função histórica das Internacionais
lucionários, com a autoridade anterior, com o caráter de velhos comunistas
– alguns são apenas “comunistas de carteirinha” – impedem a audácia dos
jovens e dos militantes dispostos a avançar.
A dissolução da Terceira Internacional em plena guerra mundial
A amputação do Partido Bolchevique chegou à Terceira Internacional.
Os quatro primeiros Congressos da Internacional Comunista são os que
valem, os outros três não têm nenhum valor. Em 1943, quando se reuniu pela
última vez, a Internacional Comunista já estava dissolvida.
Trotsky, do exílio, tentou ter um peso e escreveu textos, mostrando a
situação na Europa. Escreveu folhetos sobre a Alemanha dirigidos a organizar
a política da frente única dos partidos comunistas com os socialistas para disputar o poder, o que permitiria à União Soviética sair do próprio isolamento
e atraso. Para isso, a Internacional Comunista tinha que convocar todos os
partidos comunistas a cumprir essa tarefa. Eram pequenos partidos, mas as
condições objetivas permitiam realizar essa função, principalmente na Alemanha, onde socialistas e comunistas tinham doze milhões de votos e representavam uma potência imensa.
Stalin se posicionou contra a política da frente única, se opôs a tomar
o poder na Alemanha e organizou, pelo contrário, a forma de decompor e
destruir o Partido Socialista. A Internacional Comunista foi passiva, não funcionou nem se reuniu.
Diante da crise da Alemanha, Trotsky convidou o Partido Comunista
da URSS a convocar a frente única na Alemanha para lutar pelo poder diretamente. Sem convocar a luta pelo poder, o fascismo triunfaria. Não existia
saída parlamentar nem democrática. o capitalismo alemão havia chegado a
um grau de crise de tal natureza que não podia suportar isso, como demonstrava o rápido desenvolvimento da consciência e da capacidade revolucionária
das massas alemãs.
87
Em 1919 foi derrotado e destruído o imperialismo alemão. Sofreu três
anos de destruições constantes. Em 1929, em uma nova situação de crise, doze
milhões de pessoas votam nos socialistas e comunistas. A guerra não havia
destruído nem diminuído a vontade revolucionária das massas alemãs. Elas
não consideravam a derrota do capitalismo alemão como a própria derrota. A
derrota da revolução alemã, que foi um começo de revolução, não produziu
um enfraquecimento do proletariado; ao contrário, ele se reconstruiu como
classe e se lançou novamente ao poder. Era evidente que o movimento operário queria o poder e podia conquistá-lo.
Trotsky chamou a Internacional Comunista para tomar o poder. Esta
se negou e realizou a política inversa; promoveu em todo o mundo uma política de adaptação ao capitalismo. E depois passou, sem transição, a um período em que a ordem era assaltar o poder a qualquer custo, sem partido, sem
organização, sem frente única, sem relação com as massas dos outros países.
Era uma atitude cega da burocracia, que tentava romper o isolamento provocado pelo “socialismo em um só país”; era uma política que não respondia à
possibilidade, à necessidade, nem às perspectivas.
Nessa etapa, mandaram à forca, assassinaram e fuzilaram milhares de
dirigentes e militantes comunistas que, em cada país, promoviam a tomada
do poder, mesmo sendo pequenos núcleos que não se apoiavam nem atuavam
na vida das massas. Stalin se recusou a organizar a frente única na Alemanha,
mesmo sendo evidente o triunfo de Hitler. Estava claro que a burguesia alemã
se preparava para a guerra e que precisava do fascismo para destruir os organismos de classe do proletariado e, dessa forma, não se preocupar com a
oposição à guerra. Precisava da guerra porque, de outra maneira, não poderia competir com o sistema capitalista mundial. Não se podia resolver a
crise interna da Alemanha oferecendo emprego. A burguesia não podia criar
empregos nem aumentar os salários porque não possuía os meios. Isso desencadeou a crise e aquela encontrou uma saída na guerra, tentando descarregar
sobre os rivais capitalistas a crise interna da Alemanha. Trotsky analisava o
processo. Stalin, com a Terceira Internacional, negava-se a compreender. Pelo
contrário, perseguia e tentava liquidar a Trotsky.
88
Da Quarta Internacional
à morte de Trotsky e a prova da
Segunda Guerra Mundial
trotsky sugeriu, pela primeira vez, não esperar nenhuma mudança favorável da Internacional Comunista. Pela primeira vez apontou para a necessidade de passar da Oposição de Esquerda a uma nova Internacional, explicando que a negação de Stalin e da Terceira Internacional de compreender as
experiências e condições favoráveis da história para intervir e tomar o poder
na Alemanha não ajudaria a URSS a sair do isolamento e encontrar pontos de
apoio econômico, político e social. Transformada em instrumento de Stalin, a
Terceira Internacional não podia ser transformada; estava corrompida.
Até então, Trotsky havia tentado mudar e regenerar a Internacional
Comunista por dentro. Ao ver a política de Stalin de permitir o triunfo de Hitler, Trotsky chegou à conclusão de que já não se podia esperar nenhuma regeneração da Internacional Comunista e que era preciso formar uma nova Internacional. As condições históricas afirmavam o poder de Stalin. Não crescia
sua capacidade política nem econômica, mas aumentava seu poder, porque
mantinha o isolamento do Estado Operário, o que lhe permitia justificar o
seu encerramento nos limites da União Soviética. Ele havia transformado a
Internacional Comunista e o Partido Bolchevique em instrumentos dirigidos
a sustentar a burocracia e havia desvirtuado o uso do marxismo, cuja base era
a expansão da revolução mundial.
Trotsky trouxe à tona pela primeira vez, em 1933, a necessidade de uma
nova Internacional e em 1934 começou a construí-la com decisão. Mesmo
assim, em 1934, quando chegou ao poder o nacional-socialismo, Trotsky advertiu a Terceira Internacional e Stalin: “Ainda há tempo. Hitler triunfou, mas
não consolidou seu poder, as massas resistem a ele. Ainda existe a possibilidade de derrotá-lo. Devemos criar uma frente única com os socialistas. Hitler
89
J. Posadas
prepara a guerra e precisa liquidar completamente todas as organizações de
classe: sindicatos e partidos. A massas estão dispostas a reagir”.
Trotsky propunha mobilizar as massas para se antecipar às ações do
capitalismo mundial e fazer a guerra preventiva, apoiada sobre a explosão da
revolução na Alemanha. A ideia era não invadir a Alemanha com as tropas soviéticas, mas articular a frente única comunista-socialista com a intervenção
soviética e enfrentar, posteriormente, a resposta que viria do imperialismo
inglês, francês e estadunidense. Stalin rejeitou a proposta e o acusou de ser
agente do imperialismo inglês e mundial. Nesse momento Trotsky decidiu
organizar a nova Internacional.
A criação da Quarta Internacional em 1938
com “O Programa de Transição”
A criação da Quarta Internacional em 1938 com “O Programa de
Transição” tinha o objetivo de manter a continuidade do pensamento marxista, o programa, a política, os objetivos, a organização das massas, a luta pelo
poder e a generalização do processo da revolução.
Trotsky dizia – e o reafirmaria depois ao formular os princípios da
Quarta Internacional: “A União Soviética tem o legítimo direito de se apoiar
nas contradições do sistema capitalista, de fazer acordos com o imperialismo,
aproveitando as dissidências internas, mas nunca à custa da revolução nem da
luta de classe de um país”. Os acordos devem ser feitos em base ao desenvolvimento mundial da revolução, à expansão, ao impulso, à organização da luta
revolucionária em cada país. A solução não é pactuar com o imperialismo, já
que este persegue exclusivamente o seu próprio interesse, que é impedir que
as massas tomem o poder. Utiliza a influência soviética para se apresentar perante as massas do país como a autoridade que vai resolver os problemas e, ao
mesmo tempo, contém a União Soviética.
Trotsky e Lênin redigiram os principais textos da Internacional Comunista. Todos os textos essenciais foram produzidos por eles. Não havia
90
A função histórica das Internacionais
outros com a mesma capacidade para escrever. Era necessário manter viva a
ideia de que o processo mundial da revolução permitiria o desenvolvimento
da União Soviética e, enquanto isso, apoiar e fazer avançar ao máximo a economia agrária-industrial e a capacidade cultural revolucionária do povo soviético. A entrega e o fracasso da China e da revolução inglesa e alemã eram
provas suficientes de que a burocracia soviética era insensível às mudanças e
o aparato burocrático dominava a União Soviética e rejeitava todo compromisso que fizesse diminuir seu poder.
Trotsky chegou à conclusão de que era impossível mudar o aparato,
tanto da Terceira Internacional como do Partido Comunista, ambos controlados por Stalin. Foi então quando mencionou o estado de degeneração do
Partido Bolchevique e a necessidade de criar um novo Partido e uma nova
Internacional, cuja finalidade essencial fosse manter o programa da revolução
socialista mundial, se preparar para a prova de fogo decisiva de enfrentamento
do Estado Operário com o sistema capitalista e esperar a próxima crise e explosão do capitalismo e o avanço mundial da revolução. Para isso, era necessário formular o programa e a política e se preparar para intervir no processo.
Na primeira fase, a Oposição de Esquerda28 mostrou a própria força e
conseguiu ter deputados no Chile e dois em Cuba. A Oposição demonstrou
que tinha força e raízes históricas. Cresceu na França, com Marty e Thorez,
simpatizantes trotskistas e na Itália, com Longo. Uma grande camada dos partidos comunistas foi atraída pelas posições de Trotksy.
Na Espanha também houve deputados do Partido Comunista trotskista: Andrés Nin, Juan Andrade e Gorkin. Dois deles eram parlamentares e
membros dirigentes do Partido Comunista.
Trotsky tentou, em vão, fazer da Oposição de Esquerda um movimento mundial. Mas ele não tinha os meios necessários e era perseguido em
qualquer lugar. A Oposição de Esquerda não conseguiu se coordenar em escala mundial. Quando Trotsky convocou a formação da Quarta Internacional,
esta nasceu enfraquecida, com poucas raízes no movimento operário e revo28 Ibidem, nota 26.
91
J. Posadas
lucionário. Era lógico, porque os partidos comunistas em todo o mundo eram
muito pequenos e os trotskistas ainda mais.
A tarefa dos trotskistas era a de convencer e educar as massas a manter
a confiança no comunismo enquanto o Estado Operário, o único que existia,
assassinava todos os bolcheviques. Stalin havia instalado a corrupção moral,
desintegrado o Partido Bolchevique e assassinado os principais dirigentes:
golpes dirigidos a diminuir a confiança e a segurança no movimento comunista. Era preciso manter essa convicção mostrando que essa degeneração
era uma consequência passageira da história: um acidente da história. Mas a
Oposição de Esquerda não foi capaz de se organizar, não teve os meios nem o
ponto de apoio histórico para persistir porque estava no meio de um processo
de recesso mundial da revolução.
A burocracia soviética havia abandonado qualquer preocupação marxista, qualquer programa, política e atividade. Isolava-se no “socialismo em
um só país” e procurava a própria estabilidade no mundo fazendo acordos
com um imperialismo contra outro, tentando manter o equilíbrio, evitando
confrontações e tentando aproveitar e utilizar as divergências, contradições,
concorrências interimperialistas para sobreviver. Enquanto isso, esperava
construir o socialismo em um só país.
Trotsky foi expulso em 1927. Mas, antes, dirigiu a luta dentro do Partido Comunista e da Terceira Internacional. Depois se dedicou a manter,
prolongar e sustentar a Revolução Russa, não a defender a si mesmo. Como
ele mesmo conta em Minha Vida, “o que me levou a pensar em mim foi a
constatação de que eu era um fator essencial para o impulso da revolução” e,
desta forma, se dedicou a manter a confiança e a segurança na revolução e no
Estado Operário.
Toda a obra de Trotsky tem o fim de defender a legitimidade da Revolução Russa e a possibilidade do desenvolvimento posterior: mostrar que a
degeneração do Estado Operário e do Partido Bolchevique eram acidentes e
não consequências do Estado Operário e do Partido. Não eram consequências
da ditadura do proletariado; pelo contrário, eram o produto da expropriação
92
A função histórica das Internacionais
do proletariado e da aplicação da ditadura contra o proletariado. Os sovietes e
a ditadura do proletariado eram órgãos legítimos da história, necessários para
construir esse poder.
O capitalismo se baseava no interesse individual, em seus órgãos jurídicos, legislativos e executivos. Centralizava-se em aparatos que coordenavam
seus interesses. No Estado Operário, a construção da sociedade em direção ao
socialismo depende da intervenção das massas que, ao mesmo tempo em que
desenvolvem a economia, aprendem a dirigir a sociedade por meio de órgãos;
não dependem, portanto, de aparatos nem de órgãos do Estado. Dessa forma,
adquirem a capacidade de analisar, dirigir e decidir. Os sovietes, os conselhos
de fábrica e de bairro exerciam essa função. A burguesia se apropriava dos
crimes de Stalin como formas de agitação antissoviética. Apresentava o retrocesso da União Soviética como consequência da ditadura do proletariado
e atribuía a culpa ao partido de Lênin que, segundo eles, era um partido centralizado onde o pensamento era reprimido: ninguém podia pensar, ninguém
podia falar.
A ação de Stalin visava afetar e anular a influência do Estado Operário soviético e a formação de partidos comunistas de massas. A vanguarda
proletária sentiu a falsa política de Stalin, os crimes, o isolamento e percebeu
que dessa maneira o Estado Operário não seria um polo de atração e organização das massas, mas de repulsão. A experiência histórica de construção do
primeiro Estado Operário podia ser recebida de forma negativa também pelo
setor dos intelectuais e cientistas que faziam parte da vanguarda revolucionária mundial.
Era preciso mostrar que tais defeitos, sentenças e crimes eram produto
da burocracia que havia nascido, crescido e chegado ao poder por determinadas condições históricas, surgidas independentemente das massas revolucionárias. Eram relações econômicas e políticas mundiais onde a participação
e o peso do proletariado eram ainda fracos.
Stalin se apoiou na derrota do movimento operário antes de inaugurar
o “socialismo em um só país”. Primeiro, liquidou a possibilidade de revolução
93
J. Posadas
na Inglaterra e na China, para demonstrar que não existiam as condições para
expandir a revolução mundial. Era preciso combater essa concepção e explicar
à vanguarda proletária mundial que a traição de Stalin na Alemanha contra a
frente única, que servia indiretamente aos nazistas, era provocada pela incapacidade da burocracia. Esta não podia manter o marxismo nem tomar decisões de acordo com o interesse revolucionário da URSS e do mundo.
Não era produto do marxismo nem da ditadura do proletariado, mas
da camada que estava no poder. Era necessário unir esse acidente histórico
com as perspectivas anunciadas de guerra e revolução. Mas, pelo contrário,
Stalin via um processo atroz de decomposição mundial e assalto que não sabia
como enfrentar. A burocracia não tinha perspectivas.
Por isso entrou na Segunda Guerra Mundial e se deparou com a invasão nazista, sem objetivos nem perspectiva revolucionária. Entrou na guerra
unicamente para defender o país, mas não como meio para desenvolver a revolução, preparando o Partido para aproveitar esse processo para tomar o
poder. O Partido Comunista da União Soviética e os partidos comunistas em
todo o mundo participaram da Segunda Guerra Mundial sem programa nem
objetivos, simplesmente como “patriotas” em cada país. Por isso nasceram divergências fundamentais, como a que surgiu quando o Partido Comunista
estadunidense apoiou o governo ianque contra a União Soviética. A política
chauvinista, socialdemocrata e burocrática de Stalin provocava essas consequências, porque não se apoiava na revolução e sim no interesse local da burocracia; criava, portanto, as condições de decomposição do Partido Comunista.
Era preciso preparar o proletariado mundial para as próximas etapas.
Por isso, todas as análises de Trotsky visavam manter a confiança e a segurança no método marxista. O marxismo ganhou a segurança histórica com
o Estado Operário soviético. Já não se discutia se o Estado Operário soviético e o marxismo podiam triunfar: O Estado Operário já estava comprovado.
Como afirmava Trotsky, a superioridade do Estado Operário está comprovada
nos números. Antes do triunfo da Revolução Russa, o aço e o petróleo eram
inexistentes e a produção industrial era muito baixa. O Estado Operário soviético transformou a produção de aço, petróleo e cimento. A produção industrial mostrou a capacidade econômica e social do Estado Operário.
94
A função histórica das Internacionais
O capitalismo já não podia se apresentar perante as massas, a pequena
burguesia, os técnicos, os engenheiros, os cientistas, como uma forma superior de vida. Com o Estado Operário soviético havia surgido um competidor
mundial imensamente superior. Mas a primazia do Estado Operário soviético
consistia na superioridade gerada pela estatização da propriedade, do planejamento da produção e do progresso social.
No capitalismo, as massas tinham direito a votar apenas uma vez a
cada quatro anos e no sindicato, muitas vezes, nem isso, porque os burocratas
impediam a votação. Enquanto os direitos do povo no sistema capitalista
eram mínimos e a população podia ter acesso unicamente através do voto que
emitia, na União Soviética os sovietes permitiam a intervenção das massas. A
partir da idade em que o ser humano, mulher ou homem, intervinha no sistema de produção, tinha o mesmo direito que um cidadão de 80 anos.
O que determinava a atribuição do direito social na União Soviética
era o papel exercido na produção. Se uma pessoa não podia produzir por necessidades especiais ou dificuldade física, tinha o mesmo direito dos outros
cidadãos. As massas enxergaram a superioridade social e o Estado Operário
ganhou autoridade em todo o mundo. Era preciso manter essa autoridade. O
crescimento da burocracia surgia como um golpe contra essa superioridade
conquistada e contra a influência que tinha sobre a vanguarda proletária, os
técnicos, os engenheiros, os cientistas atraídos pelo Estado Operário soviético
e que seriam um fator essencial para o futuro.
Era necessário dar continuidade à legitimidade do Estado Operário,
que havia demonstrado a própria superioridade histórica, mas ainda devia
passar pelo trauma da guerra imperialista. E embora Trotsky se perguntasse
se o Estado Operário soviético seria capaz de superar essa prova, ele considerava que o triunfo seria um grande impulso para o avanço da revolução e suas
conclusões estavam baseadas na segurança histórica de que a prova da guerra
imperialista seria superada.
Trotsky dedicou toda a atividade da Internacional à defesa da União
Soviética. Mais importante do que qualquer greve e qualquer ação revolu-
95
J. Posadas
cionária local ou mundial, a tarefa essencial desse período até a guerra mundial foi a defesa incondicional da União Soviética. Era preciso educar uma
vanguarda cujos dirigentes haviam sido assassinados e cujos órgãos representativos haviam sido destruídos, fato que comprovava o avanço do poder da
burocracia. Educar para recuperar a confiança e defender o Estado Operário,
que era utilizado para cometer esses crimes, e criar a compreensão de que
tais crimes eram acidentes da história. Trotsky demonstrava que a estrutura
conquistada pela União Soviética era permanente e, enquanto existisse tal estrutura, todos os danos provocados pela direção de Stalin gerariam dificuldades, atrasos, retrocessos da autoridade do Estado Operário soviético, mas
a segurança do triunfo irrefutável do comunismo se manteria incólume na
preocupação da vanguarda proletária mundial.
Trotsky prepara a Quarta Internacional para intervir no processo antes
da guerra e durante a guerra; a fim de dar continuidade ao marxismo, ele
elabora o programa para enfrentar esse período e, mais adiante, o processo
revolucionário, para manter o programa da Revolução Russa.
Os partidos comunistas não se preocupavam com a guerra nem a esperavam. A burocracia soviética tentava conter o ataque contra a URSS pactuando com Dalladier29, fazendo acordos com os dirigentes imperialistas da
Alemanha e França, apoiando-se nas disputas interimperialistas. Por outro
lado, o capitalismo utilizava as divergências entre a burocracia soviética e a
revolução mundial, para preparar a guerra. Se a burocracia tivesse se dedicado à revolução, teria dificultado a preparação da guerra e teria originado
um processo muito mais profundo, que atingiria os países onde, mais tarde,
se instaurariam Estados Operários, além da Alemanha, Inglaterra, França e
Itália. Existiam todas as condições para isso, como demonstra o surgimento
de movimentos revolucionários em países como França e Itália. Na Inglaterra
não houve revolução, mas triunfaram os Trabalhistas de forma esmagadora,
sinal de que as massas condenavam o sistema capitalista. Ao sair da guerra,
estavam as condições para o avanço da revolução.
29 Dalladier, 1887-1970. Primeiro-ministro francês em 1938-1940. Com Mussolini e Chamberlain, Dalladier
aprovou a incorporação dos Sudetos (Checoslováquia) à Alemanha no Acordo de Munique em 1938.
96
A função histórica das Internacionais
A Quarta Internacional, portanto, devia cumprir a tarefa de manter
a continuidade do método marxista, analisar o processo da história, o processo econômico, social, político e militar para educar uma nova vanguarda,
esperando outras etapas da história e gerar dessa forma a influência e a possibilidade de intervir no avanço do processo revolucionário e organizar a nova
direção em escala mundial.
Trotsky não podia prever os acontecimentos no grau, forma e data,
mas sim o percurso da história. Em nenhum dos seus documentos aparece
uma decepção, um sentimento de derrota ou de indiferença para com a
União Soviética. Todos os textos de Trotsky, que terminam com o “Manifesto
da Quarta Internacional sobre a guerra imperialista e a revolução proletária
mundial” – chamado “Manifesto de Emergência” estão direcionados o otimismo na vanguarda proletária mundial, incluindo as massas soviéticas, e a
confiança de que o Estado Operário vai sobreviver e superar a prova de fogo:
a prova da guerra imperialista.
O “Manifesto de Emergência” mantém a continuidade do Programa de
Fundação. Nele, Trotsky propõe que na etapa seguinte, o capitalismo vai demonstrar a própria impotência histórica, preparando-se para a guerra. Se ele
fosse capaz, não faria a guerra e demonstraria a superioridade social, política
e econômica sobre o Estado Operário. Quando faz a guerra, é por impotência
histórica. Enquanto a União Soviética é capaz de incorporar cerca de vinte
nacionalidades, o capitalismo resolve as próprias contradições e concorrência
por meio da guerra. E se prepara para destruir a União Soviética. Trotsky educava a vanguarda comunista da URSS e do mundo, mostrando que o imperialismo queria derrubar a União Soviética. Com essa tarefa histórica, surgiu a
Quarta Internacional.
Trotsky estava isolado, tinha poucos meios e possibilidades de ação
reduzidas. Era controlado e foi expulso de vários países, entre eles a França e
a Noruega, e teve que se refugiar no México, onde as possibilidades de ação
também estavam limitadas e ele era constantemente exposto a tentativas de
assassinato e ao controle do governo que lhe impedia ter uma ação pública.
97
J. Posadas
Trotsky construiu a Quarta Internacional e, através dela, tentava mostrar à vanguarda proletária mundial que a guerra desenvolveria as forças
da revolução e criaria condições favoráveis para a reanimação da revolução
mundial.
Trotsky e a defesa da legitimidade da Revolução Russa
e do Estado Operário Soviético
A Quarta Internacional nasceu com dois objetivos essenciais: defender
incondicionalmente a URSS e avançar para tomar o poder quando a guerra
chegasse. Como realizar essa tarefa? Trotsky não podia prever.
Em 1938, antes da Segunda Guerra Mundial, no seu Manifesto de Fundação da Quarta Internacional, ele declara: “Daqui a dez anos, milhões de
revolucionários adotarão o programa e os objetivos da Quarta Internacional”.
Ele não disse “a Quarta Internacional” e sim “o programa e os objetivos revolucionários da Quarta Internacional”. E foi assim. Trotsky não podia prever a
forma em que isso aconteceria, mas enxergava a conduta das massas.
Trotsky analisava que, apesar dos crimes de Stalin que prejudicavam a
confiança no Estado Operário e nas perspectivas, as massas soviéticas e mundiais usariam a guerra como meio para promover a revolução e demonstrariam que não estavam abatidas, nem desanimadas, nem corrompidas, nem
vacilantes. As perspectivas programáticas elaboradas por Trotksy se confirmaram integramente. Dez anos depois, existiam 13 Estados Operários. Depois veio Cuba. Confirmou-se a afirmação de que a burocracia era apenas
um acidente da história e que, eliminadas as causas que a haviam originado,
desapareceriam as possibilidades da sua reprodução histórica.
O programa da Quarta Internacional era manter a continuidade do
pensamento marxista aplicado e a defesa incondicional da URSS. A base indestrutível da Quarta Internacional, antes e agora, é a defesa incondicional da
União Soviética. Outro objetivo era a luta intransigente contra a burocracia
soviética. Mas o que determinava a conduta da Quarta Internacional era a de-
98
A função histórica das Internacionais
fesa incondicional da União Soviética, não a luta contra Stalin. Se fosse assim,
corria-se o risco de esmagar o Estado Operário.
O essencial era estimular o Estado Operário e criar as condições para
eliminar Stalin. Como o objetivo do trotskismo era manter e continuar o Estado Operário, a sua função na história era, é e será a defesa incondicional da
União Soviética e de todos os Estados Operários, incluindo a China.
É a defesa do instrumento de progresso mais completo da história,
que criou as bases e as condições para o progresso posterior. Não assumir isso
como uma luta de fração, de tendência, de grupo, contra Stalin, mas como um
luta contra um elemento que era regressivo na história, assassino, como foi
Stalin. Ao mesmo tempo, organizar o partido para intervir.
Trotsky produziu os textos necessários para manter a preocupação
científica, o estudo do programa, da política, da previsão, dirigidos a preparar
a compreensão da humanidade. O programa de 1938 da Quarta Internacional
não é um programa contra Stalin. É um programa que prevê a guerra e inclui
a luta contra Stalin, mas tem como centro a defesa incondicional da União
Soviética.
O objetivo era, é e será promover a revolução mundial, que cria as
condições de ascensão na história, para eliminar toda burocracia e o sistema
capitalista. Isso não anula a luta contra a burocracia: ela é parte do progresso
da revolução. A Quarta Internacional determina a própria conduta com base
nessa necessidade. Não queremos nos vingar de Stalin.
A guerra chegou. Enquanto os partidos comunistas conciliavam com
o capitalismo e não esperavam a sua chegada, Trosky previa a guerra e preparava o percurso ascendente da revolução. Mostrava a confiança no desenvolvimento da União Soviética.
Nenhum partido comunista se preparou para a guerra. Nenhum deles
a previu, todos foram pegos de surpresa. Nenhum deles previu a revolução.
Trotsky previu a revolução; não soube como ela iria se desenvolver, mas sim
99
J. Posadas
que ela aconteceria. Preparava a Quarta Internacional para entrar na guerra e
derrotar o capitalismo. Os partidos comunistas e Stalin faziam exatamente o
contrário.
Stalin dissolveu a Terceira Internacional em 1943. Foi uma dissolução
formal, porque na prática ela já não existia. Mas, ao dissolvê-la, demonstrou
que não queria a revolução. Era uma garantia para os aliados capitalistas. A
Quarta Internacional, pelo contrário, se formou e desenvolveu para estimular
a revolução. Nenhum partido comunista adotou o programa da revolução.
Todos conciliaram com o partido burguês do próprio país. O secretário do
Partido Comunista estadunidense, por exemplo, dizia: se começar a guerra
entre os Estados Unidos e a União Soviética, vou cumprir o dever patriótico de defender o meu país. Enquanto isso, os bolcheviques, ainda presos na
URSS, discutiam como defender a União Soviética. Não se preocupavam por
Stalin, mas por como defender o Estado Operário.
100
A Quarta Internacional após a guerra
A Quarta Internacional, após a morte de Trotsky, atuou com debilidade. A razão histórica existia, mas os trotskistas daquela época adotaram
a luta contra Stalin como objetivo e não como parte da atividade política,
quando o essencial era defender a União Soviética e prever o curso da revolução para se apoiar nela e fortalecê-la. Isso criaria as condições para eliminar
Stalin. A Quarta Internacional de Pablo, Mandel e Pierre Frank30 não avançou.
Essa direção foi incapaz de compreender o processo da história.
Esse velho movimento se ocupava do antistalinismo. Eram todos antistalinistas, não eram revolucionários que combatiam o Stalin. Justamente
por isso, terminaram se tornando antissoviéticos. Já não há necessidade de ser
antistalinista. Justificar a defesa dos dissidentes é ser antissoviéticos e facilitar
as forças inimigas do progresso da história.
Era fundamental reanimar o funcionamento do marxismo, que havia
sido abandonado pelo Partido Comunista. Trotsky cumpriu essa função, enquanto pôde viver. Depois o fez através de seus textos. O marxismo é um
instrumento que se enriquece. O método de interpretação dos novos acontecimentos une a história através da explicação marxista e eleva a capacidade de
compreender e generalizar os fatos que surgem.
Era preciso criar essa corrente. Dedicar-se à preocupação intelectual e
à organização da vida. Por isso fazemos o paralelismo entre a vida de Marx,
Engels, Lênin, Trotsky e a nossa. Não é uma comparação pretensiosa. Eles são
nossos mestres. Nós somos seus discípulos. E nos identificamos completamente na responsabilidade histórica de cumprir com o nosso dever: aplicar
e desenvolver o marxismo. Organizar o pensamento, a vida e a nossa equipe
para que viva para isso, se preocupe, estude, aprenda, adquira confiança na
luta pelo comunismo. Dessa forma, não existem problemas individuais. Os in30 Pablo, Mandel, Pierre Frank e, mais adiante, Lívio Maitan, foram membros do Secretariado Internacional
após a Segunda Guerra.
101
J. Posadas
divíduos têm problemas, mas no marxismo os problemas não são individuais.
Somos discípulos dos nossos mestres e, como eles, temos a responsabilidade
histórica de funcionar para construir o instrumento do comunismo.
Depois do assassinato de Trotsky pela burocracia em 1940
Após o assassinato de Trotsky, em agosto de 1940, a Quarta Internacional deambulou. J. Posadas é o único originário de 1935 que continua na Internacional. Os demais vieram muito tempo depois ou se retiraram. Eles não
têm política nem programa. O único que resta, daquela época, é J. Posadas.
Não é uma distinção: é um exemplo de continuidade do pensamento e da fertilidade do trotskismo porque, em condições tão desvantajosas, de isolamento,
de falta de meios, mantivemos o funcionamento da Quarta Internacional.
Em 1945, constituímos o Grupo Quarta Internacional31, mesmo sem
dinheiro, sem estar ainda consolidados organicamente, sem ser reconhecidos
pela Quarta Internacional, nos organizamos em toda a América Latina: Uruguai, Brasil, Chile, Bolívia, Peru. Antes que a Quarta Internacional, dirigida
por Pablo, sonhasse o que era a América Latina, já havíamos organizado o Bureau Latino-americano, que existe desde 1946. Tínhamos o Voz Proletária, um
jornal feito para organizar o pensamento marxista. Era editado na Argentina,
mas estava dirigido a todo o movimento comunista mundial. É uma criação
da história.
Eu não presenciei a fundação da Quarta Internacional, mas já era militante. Desde 1935 estava na Internacional e participei de todas estas lutas.
Levamos adiante a polêmica contra o velho trotskismo na América Latina,
começando pela Argentina, para impor as normas da moral comunista e impedir que a Quarta Internacional se tornasse um refúgio de diletantes e intelectuais pequeno-burgueses.
31 Ibidem, Nota 1.
102
A função histórica das Internacionais
Essa resolução para organizar os quadros e dedicar toda a atividade a
esse fim é a base da nossa moral. Não era uma atitude heroica: era a base da
nossa moral que exigia uma organização determinada da vida.
Isso nos fazia sentir que vivíamos a vida mais linda. Mesmo sem comer
o suficiente, tínhamos a alegria infinita de sentir que estávamos contribuindo
à formação do pensamento revolucionário. Eu estudava o dia todo. Li uma
quantidade imensa de livros, a maioria sem valor, porque não tinha ninguém
que me orientasse. Fui aprendendo e encontrei muitos camaradas que me ajudaram e me explicaram. Vários foram embora, mas nenhum deles é nosso inimigo. Não se trata de uma ação heroica nem dramática: é a forma de organizar
a vida para poder levar adiante essa tarefa. Não existia outro caminho.
Essa foi uma das bases para organizar a atual Quarta Internacional.
Muitos camaradas, embora tenham se afastado, transmitiram esse conceito
de moral, comportamento, conduta e dedicação marxista. Não pudemos ir
à universidade, mas estudamos na nossa própria casa. Eu estudava dez vezes
mais do que um estudante universitário e acompanhava a teoria com a aplicação prática.
Era uma etapa de refluxo e retrocesso da revolução mundial. Eu andava
com um grupo de intelectuais e grandes senhores que atacavam a Trotsky.
Criei-me com eles, mas sentia a necessidade de defendê-lo. Embora me ensinassem sobre trotskismo, o criticavam. Entre eles surgiu uma crise em 1938,
quando o atacaram a propósito do livro de André Malraux, “A Condição Humana”. Segundo eles, Trotsky havia escrito um artigo crítico a Malraux porque
estava com dor de estômago. Gerou-se uma enorme polêmica.
Eu me propus a entrar no Partido Socialista. Fui candidato a vereador
e senador e conduzia a luta interna. Escrevia versos, que foram publicados na
revista do Partido. Levei adiante a luta política publicamente contra a velha
direção em defesa do programa revolucionário da juventude. Eu era operário,
não tinha dinheiro para comer e me preparei para enfrentá-los estudando marxismo. Ganhei o congresso e fui eleito secretário-geral da juventude socialista.
103
J. Posadas
A luta que levamos adiante contra o antigo movimento socialista e
contra o velho movimento trotskista permitiu criar a base que depois transcendeu. Visitei toda a Argentina para organizar as massas. Sem comer, sem
dinheiro, viajando de ônibus durante dias, consciente de que devia aprender
muito. Tudo isso faz parte da estrutura, preocupação, dedicação científica e
conduta moral da Internacional.
Naquela época estávamos no Partido Operário da Revolução Socialista, que de operário, na realidade, não tinha nada, nem de revolucionário
e muito menos socialista. O único operário lá dentro era eu. Era um velho
movimento que não valia nada e decidi combatê-lo abertamente. Chegavam
inclusive delegados da Europa e dos Estados Unidos, muitos deles a passeio.
Um deles fez uma vez uma crítica brutal a Trotsky, afirmando que ele estava
enganado e que a revolução permanente não tinha valor. Outro escreveu um
folheto em 1942 onde apresentava como perspectiva a queda da União Soviética, o triunfo do capitalismo e, como consequência, o avanço da Quarta
Internacional. Esse era o objetivo dessas pessoas.
O nosso objetivo é construir o comunismo. Nesta etapa histórica é necessário construir o Partido. Não temos os meios nem os quadros suficientes,
mas temos a capacidade marxista de compreender. É preciso construir na medida do possível a compreensão marxista e a moral comunista. O movimento
comunista e socialista era corrupto, assim como o velho trotskismo.
Isso faz parte da nossa riqueza moral e da riqueza da revolução socialista. Parte da nossa autoridade atual está baseada nessa atividade que nós
organizamos de forma consciente, adotando o melhor do velho movimento
trotskista e nos apoiando em suas conquistas que, naquela época, foi essencialmente a luta contra o stalinismo.
Nessa fase começamos a mudar a relação com os comunistas. Fui o
primeiro trotskista que fez frente única com eles. Em 1940, quando começou
a guerra da Alemanha contra a União Soviética, eu estava na cidade de Córdoba com vários companheiros lendo o quadro de avisos onde fixavam as
manchetes na frente da sede do jornal La Voz del Interior. Alguém publicou
104
A função histórica das Internacionais
uma notícia sobre o ataque dos alemães à URSS. Eu gritei: “É a merda da burocracia que permite isso!”. E, de repente, senti alguém batendo em mim. A
polícia veio e todos fomos levados embora. Cheguei a ver um dos que haviam
me agredido e vi que era comunista. Fomos levados todos para uma mesma
cela. Eu disse: “Foi você que me bateu, não é?”. “Você estava atacando a União
Soviética!”, respondeu. “Não estava atacando ninguém. Só estava criticando a
burocracia!”. Então outro interveio e disse para o comunista: “Viu? Eu disse
que você não devia ter batido nele.”. Apareceu o delegado e nos interrogou.
“Ele bateu em você, não é?”, me perguntou. “Não, senhor”, respondi. Quando
nos soltaram, continuamos discutindo. O companheiro comunista me deu
um abraço e me convidou ao local do Partido do qual era porteiro.
Alguns meses depois, organizamos uma grande greve no sindicato do
calçado em Córdoba que eu dirigia e os comunistas nos atacaram, dizendo
que éramos pagos pela patronal de Buenos Aires e que fazíamos greve em
Córdoba para prejudicar a indústria dessa cidade e favorecer a patronal de
Buenos Aires. Um dos chefes do Partido Comunista compareceu e falou na
tribuna. Era um comício grande e disse: “Os ataques contra o secretário-geral
do sindicato do calçado são mentiras! Ele é um excelente militante. São manobras da patronal de Córdoba para desorganizar a greve.” E todos sabiam que
eu era membro da Quarta Internacional trotskista. Eu aparecia todos os dias
nas fotos dos jornais.
Em toda essa etapa, aprendi a escrever, trabalhando nove horas por
dia de pintor, sapateiro, metalúrgico, tipógrafo. Era preciso educar toda uma
equipe para estudar e interpretar o processo, já que não estava Trotsky para
nos guiar. E depois da guerra, o trotskismo se desintegrou e todos foram embora. Fui o único que continuou. Sem essa etapa anterior, eu não teria resistido, porque não teria adquirido a confiança e a segurança. Tudo isso demonstra que é preciso se preparar cientificamente. Não abandonar por falta de
meios. Tínhamos razão: os velhos trotskistas haviam capitulado.
Nós organizamos o novo movimento trotskista e tentamos compreender o que acontecia na região e no mundo. Começamos a luta na América
105
J. Posadas
Latina. Organizamos equipes no Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Uruguai e
Brasil, antes de ser reconhecidos pela direção da Quarta Internacional.
Não era suficiente gritar: “Abaixo o stalinismo”, sem compreender os
problemas que surgiam no pós-guerra. Era um problema particular da América Latina e, ao mesmo tempo, mundial. Era preciso reintroduzir o marxismo
que havia sido abandonado. A impetuosidade do processo revolucionário passava por cima de todos eles. Devido a essa compreensão pudemos entender o
peronismo e lutamos contra a Quarta Internacional de Pablo, Mandel e Pierre
Frank. Eles achavam que éramos influenciados pelo peronismo e atacaram
Posadas classificando-o de “agente do peronismo”. Nós comprovamos que isso
era mentira. Ser agente do peronismo se demonstra na política e no programa.
E a nossa política e o nosso programa se opunham a Perón, mas apoiavam as
medidas contra o imperialismo e compreendiam as massas peronistas. Por
isso, ainda temos autoridade entre elas.
Era necessário entender que havia um processo de educação das
massas dentro do nacionalismo burguês, combinado com uma combatividade
muito profunda dos sindicatos de classe. Era preciso elevar esse movimento
para que se independizasse da direção burguesa. Mas era difícil romper essa
adesão. Ainda hoje é assim! As massas funcionam em sindicatos contra essa
direção. Era um movimento novo, que Marx e Trotsky não haviam previsto.
O peronismo, os movimentos militares
e o nacionalismo revolucionário
Era preciso analisar a natureza dos movimentos nacionalistas, se valer
da experiência histórica, aprender e, acima de tudo, entender o sentimento e
a consciência da classe32. A velha equipe foi impotente frente a isso. Em 1951,
eles ainda afirmavam que o peronismo era fascismo. Um mês antes do Congresso Mundial, publicaram na revista Quatrième Internationale um artigo
sobre a “queda da ditadura de Perón”, no qual o tratavam de fascista e decla32América Latina: Do nacionalismo revolucionário ao socialismo, de J. Posadas. Publicado pela ECCP
(Brasil-2008), e em coedição com a “Fundación Editorial El Perro y la Rana”do Governo Bolivariano da Venezuela (2009)
106
A função histórica das Internacionais
ravam que a queda de Perón era “o crepúsculo do peronismo”. Afirmavam
que “a pequena burguesia que apoiava Perón se depararia com a oposição das
massas que o destituíam.” Foi exatamente o contrário! As massas apoiavam
Perón. A pequena burguesia, não.33
Considerávamos que o processo do nacionalismo na América Latina
não era um fenômeno particular, e sim a forma em que se expressava a revolução nesses países. No II Congresso Mundial, discutimos com Pablo e o resto
da direção sobre o problema do Ceilão e da Índia34. Sobre o tema tínhamos
a mesma posição que sobre a América Latina e, mais adiante, comprovou-se
que era assim.
A velha direção da Internacional classificava o peronismo como um
tipo de fascismo. Consideravam os movimentos nacionalistas da América
Latina como fascistas. Eu discuti com eles. Em 1948, escrevi “A Tese sobre
a América Latina” para o II Congresso da Quarta Internacional. Eles a ocultaram. No texto, analisávamos o peronismo como um movimento nacionalista
anti-imperialista, expressão do avanço da revolução e resultado do triunfo da
União Soviética na guerra. E concluíamos que era necessário apoiar e incentivar essas forças. Elas eram a forma em que se expressava o curso da revolução. Pablo e outros dirigentes insistiam em chamar o peronismo de fascista,
assim como o movimento de Villarroel35 na Bolívia e o de Arbenz36 na Guatemala: para eles, todos eram fascistas.
Nós organizamos a luta contra o velho trotskismo na América Latina.
Assim como escrevemos o primeiro texto analisando o peronismo, elaboramos também: “Plano quinquenal ou Revolução Permanente”, e outro sobre
“A nossa imprensa”, que é uma crítica ao velho trotskismo com o qual rom33 O peronismo, sua origem, desenvolvimento e atualidade, de J. Posadas, publicado pela ECCP em espanhol
(Bélgica-2009) .
34 A questão do Ceilão e da Índia faz referência à luta dos movimentos nacionalistas que levou à independência
da Índia em agosto de 1947 e do Ceilão em fevereiro de 1948 (Atualmente: Sri Lanka).
35 Villaroel, 1910-1946, militar e político boliviano. Dirigente nacionalista orientado a favor dos trabalhadores
e comunidades indígenas. Presidente da Junta de governo em 1944.
36 Jacobo Arbenz Guzman, 1913-1971. Militar e político guatemalteco. Ganhou as eleições presidenciais em
1950, apoiado por trabalhadores, camponeses e intelectuais.
107
J. Posadas
pemos. Considerávamos que estava atrofiado e não era útil, porque havia se
desenvolvido em uma concepção antistalinista, petulante, aristocrática, sem
compreensão da mobilização das massas.
No artigo “Plano Quinquenal ou Revolução Permanente” (1947)
apoiamos criticamente o programa do governo peronista que, apesar de
tudo, representava um grande progresso se consideramos que surgia de um
movimento nacionalista militar, que podíamos influenciar. Era o primeiro
movimento de origem militar que adotava medidas anti-imperialistas. Não
enxergar isso era consequência da velha mentalidade e a falta de aplicação
marxista.
Sentia-me à vontade e participei de muitas manifestações peronistas.
Eu era operário metalúrgico e do calçado. Trabalhei durante 30 anos como
operário. Participei de manifestações e me sentia integrado com a massa peronista. Não nos submetíamos a ela, mas o que elas fizeram, as greves, as ocupações de fábricas, as conquistas, não eram fascismo! Onde está o fascismo?
O programa de Perón era nacionalista e avançado. O Partido Comunista e
Pablo diziam: fascista! Até 1951 o classificaram de fascista e o mesmo fizeram
com todo movimento progressista, incluindo o da Índia. Eram incapazes de
compreender.
No II Congresso Mundial, eles prepararam um texto que dizia: “Contra
Wall Street e o Kremlin!”. Ou seja, contra os Estados Unidos e contra Moscou.
Nós rejeitávamos essa posição. Por isso entrávamos em conflito com eles, não
nos coordenávamos.
Nós queríamos trazer de volta a pureza da revolução e do trotskismo.
Eles eram o atrofiamento do trotskismo, a petulância, a aristocracia individual
e coletiva. Esperavam que os partidos comunistas se dissolvessem e que Stalin
caísse. Desejavam que desaparecesse a União Soviética para poder se justificar
a si mesmos. Nós desejávamos o triunfo da União Soviética, como as massas
do mundo. Porque seu triunfo significaria um impulso para a revolução. Em
1943, a derrota dos nazistas em Stalingrado foi um estímulo para a revolução
mundial.
108
A função histórica das Internacionais
O velho trotskismo abandonou o marxismo. Nós mantivemos o programa da Quarta Internacional. Interpretávamos o movimento nacionalista
e o Partido Comunista. Na Argentina, o Partido Comunista era reacionário.
Não estava enganado: era reacionário. Uniu-se ao imperialismo ianque contra
as massas peronistas e contra Perón. Chamavam Perón de fascista e as massas
peronistas de maltrapilhas. As mesmas massas peronistas que conquistaram
os conselhos de fábrica e obrigaram Perón a ceder. Sem dúvida ele era um
dirigente nacionalista burguês que tentava manter a relação com a classe trabalhadora para se defender do imperialismo e da oligarquia. Era preciso compreender esse processo: não se submeter a ele, mas incentivá-lo para poder
progredir.
Todo o movimento do velho trotskismo nos combateu. Eles me chamavam de “agente de Perón” e diziam que Perón me pagava, quando eu não
tinha dinheiro nem para comer! Trabalhava como pintor da construção civil
porque não tinha outro trabalho. Enquanto isso, interpretamos o movimento
peronista, os movimentos nacionalistas da Bolívia e da Guatemala.
E foi assim que construímos a Internacional na América Latina, contra
todos eles. Eles propuseram destruir os partidos comunistas; nós, incentivar
os partidos comunistas. Naquela época os comunistas eram reacionários. Reacionários, não errados! Nós os combatíamos, mas também os convidávamos
a que se corrigissem.
Tivemos a alegria histórica de ter dirigentes de conselhos de fábrica na
maior empresa da Argentina: Siam di Tella, com 5000 trabalhadores metalúrgicos. Nós incentivamos a formação do primeiro conselho de fábrica, que se
chamava “comissão interna”.
Conduzimos a luta na Internacional para que compreendesse o processo e discutisse os problemas. Não discutiu nada. Eles reproduziam tudo
aquilo que haviam criticado ao stalinismo. A Quarta Internacional foi construída por Trotsky para continuar o marxismo. Mas o marxismo não se faz
apenas publicando os artigos de Trotsky. Essa é só uma parte. O marxismo
se mantém interpretando e se posicionando perante a história. E a posição
109
J. Posadas
naquele momento era compreender que a tarefa essencial não era derrubar
os partidos comunistas nem Moscou. O problema era compreender os movimentos nacionalistas tal como surgiam, contribuindo para essa nova força
criando um trotskismo unido a eles e esperando o desenvolvimento dos partidos comunistas.
Em 1956, fizemos a Terceira Conferência Latino-americana. O nosso
relatório concluiu assim: “Este processo mundial da revolução pode permitir
que correntes pequeno burguesas da América Latina cheguem a tomar o
poder”. Levantamos a possibilidade de que Fidel Castro tomasse o poder. E
escrevemos sobre os processos nacionalistas revolucionários.
Previmos o avanço da revolução na América Latina, Europa, Ásia: o
avanço inevitável que levava o capitalismo a preparar a guerra. Ficou demonstrado que, embora não tenha feito a guerra total, a está fazendo por pedaços.
E também prepara a guerra geral. Mostramos o curso do processo para assegurar à vanguarda proletária mundial comunista e não comunista o contínuo
enfraquecimento do sistema capitalista e o avanço da revolução mundial. E
para ver como intervir. Tudo isso mantendo duas posições insubstituíveis: a
democracia soviética e a necessidade da frente única mundial e local.
Elaboramos uma imensa quantidade de textos, respondendo a essas
necessidades. Textos que definem etapas da história: entre eles, “A função das
guerrilhas”; “Cuba devia e podia ser um Estado Operário”, “É o capitalismo
o clandestino”. Este último afirmava que quem devia se esconder era o capitalismo, embora os Estados Operários e o movimento comunista mundial o
vissem como uma potência imensa. Nós produzimos esses textos para mostrar a debilidade do sistema capitalista.
A revolução cubana – A função da guerrilha
Quando triunfou a revolução cubana, nós intervimos e enviamos camaradas. Um ano antes que Fidel Castro se declarasse comunista, nós havíamos afirmado em uma reunião: “Fidel Castro vai para o comunismo”. Cuba
110
A função histórica das Internacionais
é uma “revolução política sui generis que vai para o comunismo e não pode
permanecer só no humanismo”.
Em 1956, na 3ª Conferência Latino-americana, publicamos uma resolução que qualificava a revolução de Fidel Castro: “nestas condições da história, de desenvolvimento da revolução e constantes levantamentos na China,
na Europa, surgem as premissas para que movimentos pequeno-burgueses
– não stalinianos, mas pequeno-burgueses – possam tomar o poder. Não por
condições próprias, mas por resultado do processo mundial”. Assim concluiu
o meu relatório, prognosticando o progresso revolucionário de Cuba. A nossa
preocupação era a forma em que se desenvolvia a revolução. E partindo das
premissas dos nossos mestres, principalmente Trotsky e Lênin, incorporamos,
com a nossa capacidade de previsão, as análises dessa etapa da história. E nenhum dos nossos mestres previu que a pequena burguesia tomaria o poder.
Em 1959, antes dos grandes progressos da revolução cubana, escrevemos um texto dirigido ao governo cubano, que foi publicado na Revista
Marxista Latino-americana, no qual propúnhamos estatizar tudo, democratizar e organizar os sovietes. Recomendávamos que criassem órgãos em cada
bairro para controlar a contrarrevolução.
A velha direção da Internacional permaneceu indiferente! Quando
Fidel se proclamou comunista, eles aceitaram. Mas um ano e meio antes, não!
Nós previmos esse acontecimento e preparamos a Internacional para cumprir
a tarefa. O mesmo fizemos com a Bolívia, Guatemala, Colômbia e Peru.
Em 1960 organizamos a visita a Cuba de uma delegação de camaradas
latino-americanos da Internacional, apesar da oposição da velha direção da
Internacional, para participar do Congresso da Juventude. A nossa iniciativa
não era para nos destacar como latino-americanos, mas para tentar influir
no processo revolucionário em curso. Podemos afirmar que influímos na resolução de Fidel Castro, que naquele momento nacionalizou as 36 empresas
ianques. A primeira vez que a Internacional foi a Cuba, ainda não haviam nacionalizado nada; a concebiam como uma revolução democrático-burguesa,
concepção influenciada pelo Partido Comunista Francês.
111
J. Posadas
Nós fomos com o nosso programa e objetivo: promover as nacionalizações e construir uma Cuba socialista. Um ano antes Fidel Castro dizia que ele
era apenas um democrata. Em um artigo escrito em 1959, eu afirmava que ele
estava enganado. Eu considerava que, no fundo, ele era comunista e que seus
sentimentos, declarações e projetos não podiam ser resolvidos ou assumidos
pelo sistema capitalista: só podiam ser realizados em um processo rumo ao
comunismo. Tempos depois, discutimos também com Guevara, que aceitou
muitas das nossas propostas, como demostram suas declarações e discursos.
A nossa Internacional interveio na guerrilha guatemalteca, o MR-13
de novembro, para demonstrar que a guerrilha sozinha não tinha sentido e
que era preciso criar o Partido. O mesmo propusemos no Congresso da Juventude de Cuba. São todas experiências históricas. Não narramos simplesmente
o que fizemos, mas mostramos como levar adiante a experiência e a educação
para construir um instrumento como o nosso. A Internacional interveio na
Guatemala e em Cuba. E ela repercutiu muito.
Sem a nossa intervenção, sem os textos de Posadas, da seção argentina
e do Bureau Latino-americano da Quarta Internacional, a experiência desta
guerrilha isolada e sem perspectivas teria continuado. Nós conduzimos a polêmica com a direção cubana, não contra Fidel Castro. A nossa opinião era
que essa experiência havia terminado e que não se repetiriam as condições
que haviam levado Fidel Castro ao poder.
O “entrismo interior” e a regeneração parcial
do movimento comunista
No início, a nossa luta foi defender a concepção do processo nacionalista da América Latina. A partir de 1954, propusemos o “entrismo interior”37
em vez do “entrismo”, com o qual demonstrávamos que esperávamos a regeneração dos partidos comunistas. Não das direções atuais. O processo os
obrigaria a se regenerar. Por isso decidimos, na primeira etapa, romper com o
velho trotskismo da América Latina.
37 Entrismo interior, formulação do autor que indica a vontade de impulsar os partidos comunistas, ao contrário da ática do entrismo, que visava rompê-los.
112
A função histórica das Internacionais
O propósito do “entrismo interior” não era se opor ao Partido Comunista, e sim acompanhar um processo de evolução favorável. Depois formulamos o conceito de regeneração parcial, do qual já havíamos interpretado
vários elementos.
Interpretamos o processo nacionalista da América Latina, que não era
apenas latino-americano: era a expressão de uma relação de forças mundial
desencadeado pelo triunfo da União Soviética, que geraria, por consequência,
condições favoráveis ao processo revolucionário.
Lutamos constantemente. Restou um pequeno núcleo de origem operária. Crescemos e desenvolvemos o que hoje é a Internacional na América
Latina. Mantivemos a aplicação do marxismo publicando os textos de Marx,
Engels, Lênin, Trotsky e da Terceira Internacional, interpretando a história e
criando a nova direção dessa etapa. A partir de 1954, esperando a regeneração
dos partidos comunistas e dialogando com eles, dirigimos a luta contra a direção da Quarta Internacional.
Enquanto isso, Pablo e os outros orientavam a lutar contra os partidos
comunistas e os Estados Operários, que eles classificavam de “glacis soviéticos”. Quando as tropas soviéticas entraram na Polônia, Bulgária e Romênia38,
eles propunham que fossem embora: “nem imperialismo nem tropas soviéticas: é o glacis. “Glacis”39 era um termo depreciativo. Nós, ao contrário,
afirmávamos: não, que as tropas soviéticas permaneçam e deem o poder às
massas, que saiam as tropas capitalistas.
Em 1958, a China atacou as ilhas Quemoy e Matsu40. Pablo publicou
um texto onde analisava o ataque como uma política de diversionismo dos
chineses para ocultar o fracasso econômico interno. Nós acreditávamos que
era a revolução permanente por meios militares. Era o avanço da revolução
38 As tropas soviéticas entram na Bulgária, Hungria e Romênia em agosto de 1944 e na Polônia em janeiro de
1945.
39 Glacis: literalmente, “talude”, como barreira de proteção.
40 A China bombardeou as ilhas de Quemoy e Matsu no estreito de Taiwan em 1958 para conter a pressão
contrarrevolucionária de Taiwan, estimulada pelos Estados Unidos.
113
J. Posadas
chinesa. O que eles classificavam como um retrocesso da revolução, era um
avanço.
A discussão sobre o ataque de Quemoy e Matsu foi o que nos diferenciou dos companheiros. Dois anos mais tarde, rompemos. Eles já haviam
perdido a confiança, a segurança e o interesse em construir a Internacional. E
haviam se adaptado a interesses de cúpula e acomodação burocrática.
Nós organizamos todas as nossas seções na América Latina integrando-as à vida da Internacional. Não é um sacrifício: é uma elevação da forma
de pensar e conceber a vida. Nas reuniões, jogamos futebol, cantamos. São
atividades para progredir nas relações culturais e revolucionárias e elevar as
relações humanas. Caso contrário, predominam as relações individuais. Aos
seis anos, eu trabalhava. Todos os membros da minha família também trabalharam desde pequenos. Era o mais comum na América Latina. Aos oito anos
eu estava na fábrica. Não sentia nenhum sentimento de opressão porque para
mim aquilo era normal. Os filhos dos companheiros participavam das festas
do Partido. Deixávamos que eles interviessem em atividades de responsabilidade. Nós educávamos as crianças e as fazíamos participar da nossa vida.
Realizávamos reuniões, escutando e explicando o significado da música de
Beethoven.
Se a humanidade, como afirma Trotsky, passou do macaco ao Estado
Operário, como não vai construir o socialismo? Se foi possível a vitória de
Stalingrado e o nazismo foi impotente para destruir a União Soviética, como
os partidos comunistas não iriam se regenerar? Não podemos conceber que a
burocracia soviética é congênita, nasceu assim e sempre será assim. Não, ela é
produto de condições históricas.
Existe um aparato que deve ser destruído, que já não pode procriar
e continuar crescendo, porque o processo da história lhe é adverso. Quando
surgem processos como o peronismo na Argentina, onde a tendência nacionalista prevaleceu entre as diferentes correntes que formaram o golpe militar,
como aconteceu em quase todos os movimentos da América Latina, estamos
diante de uma força da história que tem capacidade de influência: devemos,
114
A função histórica das Internacionais
portanto, compreendê-la e contar com ela. Entender que as massas não
apoiavam as correntes burguesas, nem faziam “seguidismo”. Viam um instrumento de progresso que não era comunista, nem socialista, nem nacionalista;
e tentavam impulsioná-lo. Isso indicava novas etapas da história que Trotsky
não havia previsto.
O dano provocado por Stalin foi muito grande e profundo, mas não
debilitou nem rompeu a segurança das massas soviéticas em construir o comunismo. Mostrava que o comunismo era infinitamente mais poderoso do
que todas as armas e os exércitos do sistema capitalista. Mais poderoso, inclusive, do que Stalin. Significava que as massas soviéticas, ao resistir ao assédio
de Stalingrado, defendiam um princípio que já haviam assimilado, entendiam
o progresso que significava o Estado operário para a humanidade.
Trotsky chamava a atenção para isso. Mas não podia saber de que forma
surgiriam novos processos. Quando lhe perguntavam: “se a guerra conduz à
revolução, como o senhor afirma, o que vai acontecer com a burocracia?”, ele
simplesmente respondia: “As condições que deram origem à burocracia soviética vão desaparecer”. Já estava implícito que surgiriam novas condições.
Era preciso compreender esse processo, não se submeter ao partido
comunista nem ao peronismo. Mas sim, entender sua natureza, que geraria
condições e meios para poder desenvolver correntes revolucionárias nos partidos comunistas. Mas devemos considerar que existe o aparato stalinista, sua
forma de pensar e raciocinar, sua estrutura de interesses econômicos, materiais, que é preciso destruir.
Trotsky não podia prever o que ia acontecer durante a guerra e depois
dela. Ele disse, em síntese: “daqui a dez anos, milhões de revolucionários vão
saber como comover céu e terra”. Era preciso interpretar esse desenvolvimento.
Nem a velha internacional nem os comunistas souberam compreendê-lo. Nenhum partido comunista se preparou para o poder. Todos se prepararam para
conciliar com o capitalismo.
115
J. Posadas
Esse é o curso da história que depois determina os processos particulares. Nenhum pensamento profundo pode ser criado sem a compreensão
teórica e sem o conhecimento do processo mundial. Todo processo nacional
que tenha transcendência histórica tem as próprias raízes no mundo, não no
país. É a correlação mundial de forças a que determina a magnitude e a forma
em que se apresenta um novo processo.
O marxismo não tem região: tem origem em Marx, que é o centro do
melhor pensamento da sua época. Ele resumia o pensamento mais completo
da humanidade.
Preparamos a Internacional para compreender esses aspectos da revolução que, vistos em conjunto, representam uma linha da história: a ascensão
dos Estados Operários, a derrota do capitalismo, o triunfo das massas em
Stalingrado em 1943, a revolução chinesa criavam as condições históricas de
enfraquecimento e desintegração do capitalismo, impulsionavam as massas,
elevavam a pequena burguesia, atraíam o campesinato, formavam um bloco,
não estruturado, na aspiração de avanço revolucionário. Isso influenciaria
também o exército e a Igreja.
O velho trotskismo não entendeu esse processo. Seus dirigentes não
tiveram a preocupação nem o rigor científico. Eles não eram completamente
responsáveis; era uma etapa muito difícil porque estávamos isolados, não
possuíamos meios e tínhamos que interpretar um processo novo. O movimento comunista se mostrava inseguro: os comunistas aderiam aos governos
burgueses e Stalin continuava à frente da União Soviética. A União Soviética
havia realizado terríveis depredações nos países onde havia entrado o Exército
Vermelho, como na Romênia e na Hungria.
Os velhos dirigentes trotskistas interpretaram isso como uma hecatombe, como se tudo viesse abaixo. Em 1951 afirmaram que a Iugoslávia voltava ao capitalismo. Eles proclamavam rigidamente: “Contra o stalinismo!
Romper os partidos comunistas! Praticar o “entrismo” para recolher da derrota dos partidos comunistas!”. Estivemos contra tudo isso. O nosso desejo
era que os partidos comunistas tomassem o poder. Isso era impensável entre
116
A função histórica das Internacionais
1940 e 1946, mas era possível em 1952, 1953, 1954. Era preciso ter paciência
para prever.
Antes, o capitalismo preparava a guerra pomposamente, com bandeiras e soldados desfilando. Hoje ele esconde os soldados dos olhos do
mundo. Porque se a população percebe que vai para a guerra, ela se rebela. E
a metade do exército também. o capitalismo deve preparar a guerra sigilosamente, clandestinamente. Ao contrário, os Estados Operários declaram publicamente: “Apoiamos qualquer movimento de libertação anti-imperialista”.
Não se trata de apoiar as burguesias, mas sim a Angola, Cuba, Moçambique.
Isso demonstra como os Estados Operários determinam o curso da história,
embora ainda não tenham voltado ao marxismo de forma harmônica e consequente, mas o deverão fazer.
Hoje se integram inclusive os movimentos militares que sentem “a solidão do uniforme” e, sem tirar o uniforme, deixam a solidão intervindo no
processo revolucionário. Esse processo não foi previsto nem considerado por
nenhuma direção revolucionária. E não se pode compreender a história sem
ter previsto, interpretado ou sequer levado em consideração esse movimento;
e sem ampliá-lo, prevendo que podem vir novos militares, não mais na solidão, mas na alegria do uniforme.
Exércitos que antes reprimiriam a revolução, agora querem ter uma
função dentro da revolução. Não se trata de uma decisão particular de um
ou outro exército, de um ou outro partido ou setor. Ao contrário, é a resposta
íntegra e global da influência do progresso da história que vem dos Estados
Operários.
A guerra atômica e o ajuste final de contas
Na Internacional debatemos que a guerra atômica é inevitável, que não
existe nenhum exemplo histórico que demonstre que a guerra possa ser evitada, seja a guerra de classe ou a guerra intercapitalista. E neste caso, a guerra
117
J. Posadas
do sistema capitalista contra os Estados Operários. Essa era a posição da Internacional na época de Pablo e os outros concordavam.
Mas em 1959 eles decidiram que a tarefa mais importante da Quarta
Internacional era impedir a guerra atômica e que nós éramos selvagens,
porque não só estávamos predizendo a guerra atômica, mas a desejávamos.
Respondemos: não é assim, não queremos a guerra atômica não queremos
nenhuma guerra. Mas tampouco queremos passar fome e, mesmo assim, passamos fome. Tampouco queremos nos molhar e, mesmo assim, chove. Tampouco queremos que morram seres humanos em nenhum lugar do mundo e,
mesmo assim, morrem. o capitalismo os mata. Então não podemos deduzir
se existe ou não a possibilidade de uma guerra. A análise nos leva a uma conclusão: a inevitabilidade da guerra atômica.
Os velhos trotskistas afirmavam que a Quarta Internacional tinha
como objetivo impedir a guerra. Eles diziam: “É absurdo acreditar, como J.
Posadas, que o socialismo pode ser construído com a guerra atômica”. Não
é absurdo. E não é o que queremos. É assim, e ponto final. Igualmente interpretamos que a guerra não vai impedir o socialismo. Veja-se o que está acontecendo na Ásia, África, América Latina: mortes, um retrocesso enorme na
alimentação da população. O que é isso?
O que significa a guerra atômica41? Aterrorizar a humanidade. Os
danos provocados podem ser reconstruídos facilmente. É absurdo deixar-se
convencer de que a guerra pode mais que a capacidade científica da humanidade de dominar a natureza. Se conseguimos passar do macaco ao que somos
hoje, se a humanidade é capaz de reconstruir inclusive células vivas, de reproduzi-las, transformá-las, substituí-las, como não acreditar que a guerra atômica vai ser um mau passageiro e limitado, que todas as riquezas materiais
destruídas serão reconstruídas rapidamente e que todas as mortes humanas já
estão sendo produzidas pelo próprio sistema capitalista? São eles que demonstram que vão fazer a guerra em cada país onde estão presentes. Vejam, por
41 A crise capitalista, a guerra e o socialismo. J. Posadas, publicado pela ECCP (Bélgica, 2007), e no site
www.revolucaosocialista.com
118
A função histórica das Internacionais
exemplo, a conduta de Israel agora no Líbano. Destruíram mil vezes a mais do
que estes três companheiros palestinos que fizeram um atentado.
A ameaça da guerra atômica é uma forma de ajuste final de contas.
Essa é uma concepção dialética do enfrentamento de um sistema contra outro
sistema. A guerra é inevitável, mas não vai destruir o desenvolvimento alcançado pela humanidade, nem impedir os Estados Operários, nem a revolução;
será o último ato desesperado do sistema capitalista, o ajuste final de contas.
No ajuste final de contas está incluído o processo elevado sem limites
da regeneração parcial. Como acreditar que vai chegar o ajuste final de contas
e que a burocracia vai vencer e dizer “Aqui mando eu.”? A guerra vai elevar
toda a capacidade do povo soviético, toda a capacidade de pensar, de operar,
toda a sua experiência e resolução. Toda guerra eleva ao primeiro plano a
intervenção das massas; elas se sentem as verdadeiras protagonistas que decidem na história, como aconteceu na guerra anterior.
Como não ver que o ajuste final de contas significa também essa conclusão? Não é o holocausto nuclear. Não queremos o holocausto nuclear. Nuclear é a guerra. E assim deve ser vista: tem efeitos trágicos para a humanidade, mas é uma tragédia limitada que não pode ser evitada.
119
Quarta Internacional
A tomada de Stalingrado pelas
tropas soviéticas na 2a. guerra
mundial
J. Posadas no XII Congresso Mundial
da Quarta Internacional Posadista
A participação das mulheres
na defesa de Stalingrado e da
URSS contra o nazismo
(Carta Maior)
Trotsky no exílio (México)
120
Constituição Da Quarta
Internacional Posadista
Em 1960 rompemos com o velho trotskismo. Em 1962, formamos a
nova Internacional42. Com relação aos problemas essenciais da história, eles
tinham uma posição de conciliação com as tendências reacionárias do movimento operário e revolucionário mundial, embora louvassem a democracia.
Que democracia? Para quem?
Rompemos com eles e formamos outra Internacional. A diferença estava na caracterização da história e a concepção do mundo atual. Para onde
vai? Como se define? Guerra ou interlúdio passivo, no qual eles advertem
o capitalismo: “Por esse caminho vai morrer muita gente. Se você lançar
a guerra, eu lanço a bomba atômica.” o capitalista tem medo e não lança a
guerra. Porque dizem que o capitalismo tem medo de morrer? Um capitalista
tem medo, dois também... talvez mil. Mas o sistema não. O sistema capitalista
não raciocina e não pode ser persuadido. É preciso se impor.
O enfrentamento final dos Estado operários contra o sistema
capitalista mundial
O nosso programa é: a necessidade da história se resolve com o enfrentamento final dos Estados Operários contra o sistema capitalista. o capitalismo não vai aceitar ser eliminado da história sem reagir. Ele vai intervir.
É preciso se preparar para o ajuste final de contas. Se preparar não é esperar
o ajuste final de contas. Significa impulsionar a revolução, preparar os partidos comunistas, ajudar a intervir e desenvolver a luta das massas em todo o
mundo.
42 A nova Internacional: ver o Manifesto da Conferência Extraordinária de abril de 1962, no site da Quarta
Internacional Posadista (http://www.quatrieme-internationale-posadiste.org/)
121
J. Posadas
Na etapa atual, a nossa função está determinada pela relação capitalismo-Estados Operários. A nossa atividade não é produto de uma escolha na
história, mas das relações de lutas de classe e revolucionárias que a história estabeleceu. A existência de quase 20 Estados Operários – com um processo que
vem de degeneração a regeneração e que conduz ao reencontro histórico43 –,
muda a função dos partidos. O objetivo histórico dos partidos revolucionários
é a transformação social: elevar a função da classe operária para que dirija a
sociedade, visando inexoravelmente a eliminação das classes.
Isso determina novas atividades na história, – como a incorporação
do conceito de Estado Revolucionário44 – tanto do ponto de vista teórico, político e programático, como do ponto de vista da atividade prática. Não são as
mesmas velhas polêmicas, nem discutimos a tática em um ou outro aspecto
da luta de classes de um ou outro país.
É a história quem decide a relação global entre o sistema capitalista e
os Estados Operários unidos ao movimento revolucionário, seja qual for o seu
nível. Não discutimos a tática como aspecto fundamental, mas parcial, porque
quem decide não é a luta de classe normal nem a instalação de um governo
comunista ou do socialismo em um ou outro país, mas a correlação mundial
de forças.
Isso gera novas atividades na história, como quando surgiram os novos
Estados Operários na Europa e no mundo após a guerra. Essas necessidades
foram se desenvolvendo e hoje são o aspecto essencial das relações sociais
desta etapa.
Não se trata de eludir ou não intervir em greves, movimentos, atividades políticas, eleições e movimentos sindicais. Quem decide são as relações
de forças globais entre o capitalismo e os Estados Operários. O curso da história vai ser determinado globalmente. E todos os movimentos, independen43 Reencontro histórico. É a definição dada pelo autor ao reencontro entre todas as forças políticas surgidas da
Revolução Russa e de uma nova coordenação entre todas as forças que se apoiam no marxismo e nas experiências
históricas da URSS e os Estados Operários surgidos depois da Segunda Guerra Mundial.
44 Estado revolucionário: ver o livro editado no Brasil pela ECCP, O Estado revolucionário e a transição ao
socialismo (J. Posadas)
122
A função histórica das Internacionais
temente da sua natureza – socialista, comunista, dissidente, esquerdista ou
sindicalista –, podem se desenvolver por determinado período ou fase, mas
devem terminar se situando na relação de forças mundiais. Passam ao campo
dos Estados Operários ou se desintegram. Não vão passar ao campo inimigo –
pelo menos não a maioria – mas vão desaparecer. Porque as decisões não vêm
de cada país, nem são o resultado de grandes greves, atividades políticas ou
triunfos eleitorais: são o produto das relações de forças mundiais estabelecidas
pela economia e pela direção política e social, que não são outra coisa que as
relações Estados Operários-Sistema capitalista.
Isso determina, portanto, a nossa função. Não determina a atividade
parcial de um ou outro país, mas o conjunto dessa atividade. Não existe campo
para o desenvolvimento de correntes, tendências, partidos, em disputa com
esta relação de forças histórica, em disputa com socialistas, comunistas, sindicatos e Estados Operários. De todos eles, são os Estados Operários os que
determinam e influenciam o resto. Os demais deambulam.
Quando criamos esta Internacional, o fizemos com essa consciência.
Apresentamos os pontos essenciais, que são e serão necessários: os Estados
Operários devem se preparar para enfrentar a guerra, porque a decisão se resolve através das armas; a resolução é política, mas os meios para aplicar essa
resolução são as armas e os Estados Operários devem se preparar para essa
conclusão.
São os Estados Operários os que determinam o curso da cultura, da
ciência, da política e da sociedade. Isso não significa que tenham razão ou que
não cometam erros; mas, sem dúvida, são os que pesam sobre a humanidade
e estimulam a avançar. Dentro desse processo, devemos definir por que existimos e que motivação tem a nossa atividade mundial.
Quase todos os grupos que nasceram se reivindicando como Quarta
Internacional se dissolveram. Eles não conservam nada da origem da Quarta
Internacional. Nem Pierre Frank, nem Mandel, nem Lívio Maitán e nenhum
dos que surgiram em tantos países. O objetivo original não tem nada em
comum com a política e os objetivos atuais e com a necessidade que a própria
123
J. Posadas
história determina: ajudar a transformar a sociedade. Continuam sendo correntes que disputam com os partidos comunistas e brigam entre si, mas não
contribuem com análises, nem com ideias ou experiências táticas. Embora
lancem acusações momentâneas, necessárias e justas, são acusações que respondem a um nível de atividade sindical, e quando são políticas, se referem a
aspectos parciais, não decisivos historicamente.
Todos esses aspectos se devem a que o sistema capitalista se desintegra
e, ao mesmo tempo, os Estados Operários progridem, mas sem a direção, o
programa, a política, a elaboração nem as relações sociais que respondam à
necessidade de liquidar o regime de propriedade privada.
Era necessário um instrumento mundial para intervir em um processo
totalmente novo na história. Um instrumento cuja função não fosse competir
nem disputar para tomar o poder, mas ajudar a corrigir os órgãos de poder
existentes. Era preciso criar um grau de consciência, sentimentos e capacidade relativamente novos na história. Não era necessário um movimento que
visasse criar um programa próprio, mas um movimento cujo programa fosse
impulsionar os centros que têm a direção das massas. Mas não apenas a direção das massas de cada país, e sim a dos Estados Operários que são o centro
que determina o curso da história.
Era necessário organizar o movimento que respondesse a essa necessidade. Já existem os partidos e as forças históricas para as transformações
sociais que não podem ser modificadas nem eliminadas. É preciso acompanhá-las nesse processo.
Era necessário organizar um movimento mundial, uma Internacional
com essa consciência e nos preparar para esta função na história. Era necessário, portanto, criar programa, política, método e educar no funcionamento
interno do partido para alcançar esse objetivo. Relações internas de partido
que fossem determinadas, não pelas grandes disputas da política sobre como
tomar o poder ou como combinar os métodos militares com os eleitorais, mas
pelo fato de que já existiam poderes nos Estados Operários; poderes degenerados que, eliminada a perspectiva de degeneração, deviam ascender em um
124
A função histórica das Internacionais
processo de regeneração. Como? Em que nível? Com quais prazos? Com que
ritmo?
Essa era a função necessária da Internacional. Não era necessário criar
um corpo, porque o corpo já existia; e não estava doente: apenas mal dirigido.
Era preciso intervir para organizar o funcionamento sensato desse corpo. E
pensar que no começo seríamos ignorados ou tentariam nos liquidar, mas
o processo da história, da economia, da ciência, da técnica e da inteligência
humana criaria as condições necessárias para esse processo.
A função da Quarta Internacional e a Regeneração Parcial45
Não significa esperar as próximas ações dos Soviéticos, mas contribuir
para criar uma nova direção. Eles não vão mudar, mas não vão poder perdurar
nem manter o domínio do partido como eles querem. As mudanças na União
Soviética não são a expressão de espasmos ou movimentos de um corpo que
se manifestam pelo rabo e a cabeça, mas são expressões inorgânicas da pressão
imensa das relações de forças favoráveis ao desenvolvimento da revolução. As
massas do mundo pressionam as direções para que mudem.
É preciso intervir em um movimento e um processo no qual não temos
força, nem número, nem suficiente autoridade, mas no qual os Estados Operários devem avançar ao marxismo. Não se constrói socialismo sem marxismo.
A discussão e a necessidade de mudanças vão continuar. Para avançar,
o Estado Operário deve suprimir o capitalismo. Para suprimir o capitalismo,
deve enfrentá-lo e se preparar para a possibilidade de um enfrentamento. Para
isso, mesmo sem chegar à guerra, deve desenvolver as próprias forças, desenvolver a consciência e a própria capacidade generalizando as experiências,
não as de aparato, mas as que expressam a combatividade e posições anticapitalistas. Os aparatos as limitam, mas a necessidade da história as expande.
45 Regeneração parcial: é a definição dada por J. Posadas sobre o processo de mudanças que aconteceu nos
Estados Operários do final da década de 60 até 1981, data da sua morte. Ver livro editado pela ECCP , A União
Soviética (J. Posadas).
125
J. Posadas
Nós confiamos na história, como Lênin confiou em 1917 e como Trotsky, que
afirmou que daqui a dez anos milhões de revolucionários saberão como comover céu e terra. Confirma-se, portanto, a necessidade deste programa, desta
atividade e deste instrumento que é a Quarta Internacional Posadista.
Não temos os mesmos problemas do pós-guerra. Naquela época, tanto
o Partido Comunista francês como o italiano entraram nos governos capitalistas e se dedicaram ao carreirismo. Eles tinham a ilusão de avançar no
governo, incorporando ministros comunistas; mas como o aparato era capitalista, o ministro comunista entrava em conflito e era rejeitado ou se adaptava.
Foi uma experiência histórica e não devemos pensar que morreu. Nem Berlinguer, nem Améndola ou Marchais a lembram, mas a história não esqueceu.
E as massas tampouco.
Essas são experiências que demonstram que para transformar a sociedade não é possível ser parte de um governo capitalista e se adaptar a ele,
exercer a função de ministro capitalista e esperar mudanças administrativas,
diplomáticas, monetárias ou relativamente programáticas, tentando transformar a sociedade dessa forma. O ano de 1946 demonstrou isso em dois
grandes países, Itália e França. Repetir essa experiência agora não será possível. Uma parte do aparato comunista já compreendeu e vai exigir certas garantias para poder avançar: as massas, o programa e os objetivos.
Em 1946, a política dos partidos comunistas criou uma ilusão nas
massas; a relação de forças era mais desfavorável do que agora, com reduzida
maturidade e, sobretudo, a direção da URSS, que acompanhava essa política,
pesava fortemente. Stalin e o aparato burocrático impunham essa política para
assegurar o seu poder.
Hoje é a situação inversa. Os partidos comunistas sentem a necessidade de responder à pressão que vem dos próprios militares e a União Soviética já não tem interesse em conciliar com o capitalismo à custa deles, como
fez Stalin.
126
A função histórica das Internacionais
Estamos presenciando novas condições da história. Portanto, a nossa
função deve mudar. Não é necessária uma transformação estrutural, mas uma
mudança nos objetivos. Já existem instrumentos construídos: os partidos comunistas, os partidos socialistas e as grandes centrais sindicais de esquerda,
órgãos que têm valor devido à existência dos Estados Operários. Se são relativamente sólidos, é porque existem os Estados Operários que influem na
confiança das massas, da pequena burguesia, dos intelectuais que são atraídos,
na sua grande maioria, pelo movimento comunista e socialista. Os Estados
Operários transmitem a inteligência e a confiança em que o socialismo está
ao alcance da mão, é uma realidade a curto prazo. Por isso, a discussão é em
função do socialismo e não de um capitalismo melhor, mais humano, menos
sanguinário, mas do socialismo.
Neste processo surge, portanto, uma série de problemas programáticos a serem debatidos. Entre eles, um problema que é um dos centros vitais do futuro da humanidade: a unificação China-URSS. Por que a China
e a União Soviética estão divididas? É um objetivo essencial da intervenção
de todo movimento revolucionário considerar esse problema vital na história
da humanidade. A história não pode avançar, sem resolver essa questão. Não
significa que devemos esperar, mas intervir para ajudar a que o movimento
comunista mundial amadureça e recupere a confiança nas ideias e no método.
Voltar ao marxismo não significa “estudem e voltem ao marxismo”.
Voltar ao marxismo significa aplicar conclusões, posições, programa e objetivos que só podem ser conquistados com o marxismo; analisar com o instrumento, a compreensão e o método marxista dialético. Para poder citar bem
ao Marx, é preciso vive-lo e senti-lo. Ele vive aqui conosco; seu pensamento é
didático e dialético. Porque através dos princípios compreendemos por que se
mobilizam as classes, qual é o motivo do comportamento das classes, qual é a
sua natureza e estrutura. Podemos interpretar qualquer movimento, em qualquer lugar do mundo, se compreendemos porque o ser humano e as classes se
mobilizam, por que se expressam as divergências e diferenças.
127
J. Posadas
A função da crítica hoje
Este processo de mudanças nos partidos comunistas não pode ser resolvido em forma de decálogo ou através da imposição de textos. É preciso
acompanhar a vida dos partidos comunistas tendo a compreensão – e certa
paciência histórica – de que estes são os instrumentos da história. Não somos
antagônicos, não disputamos com os partidos comunistas e com nenhuma
direção que trabalha pelo progresso da humanidade. Temos divergências e
dissidências, por isso a nossa atitude é de crítica persuasiva.
A função da crítica não é mais a da época de Marx, Lênin e Trotsky.
Naquele período, a polêmica dentro do movimento comunista mundial era
para impor o método, o programa, os objetivos e a tática. Hoje a luta continua sendo a mesma, mas o plano da história é diferente. Antes não existia o
desenvolvimento dos Estados Operários, nem a experiência das massas. Não
existia o Vietnã, nem Angola, onde até as crianças de oito anos participam do
processo revolucionário.
Esses acontecimentos implicam transformações na natureza do pensamento e da resolução humana. Essas crianças expressam a vontade de transformação e também a decisão e a capacidade para transformar. Os meios são
os Estados Operários. Isso acontece quando existe uma identificação com o
progresso. Não se trata de criar novos organismos, ideias ou programas. Já
existem os instrumentos que irradiam, desenvolvem e influenciam a capacidade de construir e organizar.
Devemos adaptar o programa desta etapa da história à existência dos
partidos comunistas. Já existe um instrumento na história que não pode ser
ignorado nem descartado: são quase vinte Estados Operários que passaram
todas as provas da história. Existem programas, organismos, estruturas históricas que organizam o pensamento das massas. Já existem os instrumentos
nos quais devemos intervir.
128
A função histórica das Internacionais
É preciso acompanhar a vida dos partidos comunistas, compartilhar
os erros dos Estados Operários. Não aceitá-los nem considerá-los como princípios, mas compartilhar e viver a vida dos Estados Operários. Compreender
que são estruturas que já têm autoridade na história. Por isso, a criança de
oito anos fala com a segurança que lhe dá a existência da União Soviética.
As massas de Moçambique e Cuba possuem essa segurança histórica porque
existem os Estados Operários. São imperfeitos e cheios de erros, mas existem.
Na decisão histórica, acompanham a necessidade fundamental que é o progresso contra o sistema capitalista. Apesar de todas as limitações, argúcias,
conciliações, eles avançam.
A crítica, nesta etapa da história, não é a mesma da época de Marx,
Lênin ou Trotsky. Não criticamos a União Soviética porque são os “déspotas
que mataram os bolcheviques”; essa é a direção que está enfrentando o sistema capitalista e que representa a humanidade. Não tem o programa nem
a política necessários em sua totalidade, mas é o instrumento que representa
de forma concentrada o enfrentamento ao sistema capitalista. Graças à União
Soviética, existem crianças como as de Angola e idosos como os de Portugal.
Sem os Estados Operários, sem a vontade das massas dos Estados Operários e
sem o Partido Comunista da União Soviética, dirigido burocraticamente, não
estaríamos hoje neste nível.
É necessário um instrumento para intervir, acompanhar, ajudar a
pensar, decidir e programar o pensamento político dos Estados Operários,
universalizando esse pensamento. A crítica é diferente. Já não se trata da crítica competitiva, e sim da crítica persuasiva. Porque os camaradas comunistas
têm coisas inconcebíveis de falta de decisão e audácia. Não apenas equivocação política, mas falta de audácia. O que caracteriza a função histórica do
proletariado perante as outras classes da história é a sua audácia. A criança
de oito anos não tem a audácia particular do lugar onde nasceu, mas reflete a
segurança histórica dos Estados Operários, que é a do proletariado.
O proletariado, os partidos operários e a revolução proletária mundial
não se expressam através do movimento operário italiano, francês, português
129
J. Posadas
ou espanhol. Não! Expressam-se através dos Estados Operários. Essa é a medida. Aí está a força mundial do proletariado, aí está a sua conduta. O proletariado italiano, francês, inglês ou alemão pode obter grandes triunfos, mas isso
atinge a estrutura da sociedade apenas de forma parcial, superficial. Induz as
conquistas de luta.
Os progressos dos Estados Operários, pelo contrário, elevam a consciência das massas do mundo, porque dão a noção das mudanças que devem
ser feitas. Aumentam a compreensão teórica e prática; não o estudo, mas a
conclusão prática da teoria. Têm a autoridade que permite generalizar as experiências porque as massas veem que esses progressos são resultado da estrutura do Estado Operário. Não veem uma conquista de greves por aumentos
de salários, por melhores condições de vida ou de trabalho: percebem que é
o Estado Operário quem se opõe ao capitalismo. O proletariado entende essa
realidade.
Trata-se de uma experiência universal concentrada que tem mais valor
que vinte greves vitoriosas no sistema capitalista, embora tenha importância
uma greve que triunfa porque contribui para o progresso da luta de classe.
Mas o Estado Operário realiza o progresso de forma concentrada, como sistema. É o sistema Estado Operário quem mostra a própria superioridade perante o sistema capitalista. A greve é um triunfo da classe, de um setor ou de
uma reivindicação que permite aprofundar as condições de luta. Mas, no caso
do Estado Operário, trata-se de um sistema: o Estado Operário é superior ao
sistema capitalista. Isso organiza a compreensão e a decisão política.
Tudo o que estamos discutindo agora deve ser acompanhado pela capacidade de persuasão sobre o movimento comunista. Nossa crítica persuasiva aos partidos comunistas tem o objetivo de organizar sua compreensão,
dar-lhe a segurança e a confiança. Não é uma disputa de métodos; tudo o
que antes afirmaram Marx, Lênin e Trotsky, nesta fase se realiza desta forma.
Porque antes era preciso criar o instrumento, mas agora ele já existe. É a União
Soviética, é a China.
130
A função histórica das Internacionais
A China não são os “quatro ladrões” que estão no governo: é o povo
chinês que realizou semelhante revolução e passou da época feudal diretamente ao Estado Operário. Isso é trotskismo. Isso é trotskismo, marxismo,
leninismo, o programa da história. A China passa do feudalismo e da escravidão – a mulher era escrava, não apenas submetida a uma estrutura feudal –,
diretamente ao Estado Operário.
Como acreditar que o povo chinês, que foi capaz de realizar tudo isso
seguindo a Mao Tse Tung, cuja obra histórica é muito grande, esteja agora
oprimido porque apareceram “os quatro ladrões” ou “os dezesseis policiais”?
Existe um processo transitório de retrocesso na direção, junto ao avanço constante do desenvolvimento da luta de classe e dos Estados Operários.
Por isso, somos persuasivos; na relação que se estabelece entre a
persuasão e a rejeição, a persuasão é determinante, o questionamento não.
Mesmo nos aspectos mais difíceis a crítica visa persuadir. Não significa se
adaptar nem usar métodos suaves ou delicados, mas proporcionar os argumentos para promover um movimento que demonstre vitalidade, capacidade
e transcendência.
A polêmica de antes estava orientada a substituir um instrumento por
outro, como foi a posição de Lênin e Trotsky com o velho movimento socialista mundial. No entanto, os órgãos atuais demonstraram ser os instrumentos
da história; embora falte mudar a organização do pensamento e o programa,
são válidos e legítimos. Portanto afirmamos: “Não vamos fazer nada que prejudique o partido comunista”. Não se trata simplesmente de uma atitude tática. É uma necessidade da história.
Nesta etapa, a função essencial não é criticar o Partido Comunista.
Declaramos com toda a paixão e o amor comunista pelo progresso da humanidade: estes são os instrumentos, não devemos prejudicá-los nem nos
adaptar a eles. São, basicamente, a União Soviética e os partidos comunistas.
Devemos, pelo contrário, intervir para elevá-los a uma função e uma consciência que eles podem alcançar.
131
J. Posadas
Essa é a nossa tarefa. Não são órgãos criados pelas atuais direções burocráticas; são instrumentos produzidos pela história na luta de classe. Não é
uma burocracia como a de Stalin. Esta burocracia deve derrotar o capitalismo,
mesmo que de forma burocrática e parlamentar. Deve derrotá-lo para poder
viver. E, além de viver, deve fazer com que a classe operária ascenda. Já não
pode existir uma burocracia à custa do proletariado: ela deve se aliar com ele.
Os graus de relação com a classe operária ascendem à custa da burocracia.
Não herdamos absolutamente nada do velho movimento trotskista;
era um vazio completo. Tivemos que organizar a atividade para criar, desenvolver e gerar a confiança na preparação consciente do método científico: o
marxismo, a defesa incondicional da União Soviética e a compreensão do processo revolucionário da América Latina, Ásia e África, que eles não entendiam.
Era preciso demonstrar à nossa organização que o movimento comunista não
ia ser destruído, porque era um instrumento. Não tínhamos a clareza de hoje
porque as condições não o permitiam. Os comunistas acabavam de entrar no
governo francês e italiano. Era uma situação complicada. O velho trotskismo
afirmava que o movimento comunista se desmoronava; nós, não.
Hoje se confirmam as nossas posições. A conclusão é que não temos
nada da velha Internacional. Organizamos um movimento mundial com o
método e as experiências sobre a base da defesa incondicional da União Soviética e os Estados Operários.
O nosso objetivo é criar um movimento para uma função histórica
que lhe impede crescer como um organismo de autoridade e peso nas massas,
mas que o faz avançar através e dentro de outros órgãos de massas, que sejam
decisivos. O nosso objetivo é organizar a inteligência do movimento comunista mundial para esta função na história.
A nossa Internacional é o resultado de todo esse processo; cumprimos
a tarefa de hoje com a segurança teórica e política adquirida no tempo. Haverá efeitos no processo atual, desencadeado abertamente e sem volta atrás, de
polêmica pública sobre o método, os princípios e os objetivos no movimento
comunista mundial.
132
A função histórica das Internacionais
Todo partido comunista que rompe com a União Soviética se autodestrói. Esta é uma discussão que começa agora. Vamos intervir, como parte do
movimento comunista mundial, escrevendo com o sentido da crítica persuasiva, que não anula, de forma alguma, a profundidade e o alcance da crítica.
Nem os princípios nem o objetivo mudam. Muda o método: a persuasão. É
um movimento comunista mundial que não tem outra saída histórica a não
ser o comunismo. Deambula, dá voltas, retrocede, tem medo, mas não tem
outro caminho a não ser progredir. A outra possibilidade seria criar um novo
movimento, uma nova direção mundial ou local: não existe lugar na história
para isso.
Esta Internacional não é a continuação da Quarta Internacional de
Pablo, mas a continuação da Quarta Internacional de Trotsky e do seu Primeiro Congresso. Da Internacional que Trotsky organizou em 1938, sou o
único que resta. Todos desapareceram. Não se trata apenas de persistência e
vontade: é a continuidade do método e pensamento de Trotsky. É necessário,
portanto, que tenhamos a consciência da nossa função na história, que exige
compreensão e preparação teórica e política. Os problemas não se resolvem
com o número, mas com as ideias.
O que está discutindo, atualmente, o movimento comunista mundial
é a abertura a uma discussão que não vai ter limites. O debate não é constante
nem diário, mas já estão sendo discutidos o programa, a política e a teoria.
O processo vai obrigar os soviéticos a discutir mais profundamente a teoria
e as experiências históricas e o tema principal será a eliminação do sistema
capitalista.
Poderíamos ter nos dedicado, como Internacional, a ganhar greves e
dirigir movimentos. Mas não devemos criar um movimento que enfrente os
soviéticos. É necessário manter esta vida de discussão, análise, vida política e
escrever os textos necessários para essa tarefa. Caso contrário, teríamos que
nos dedicar às greves e lutas reivindicativas parciais, que não permitem esta
educação e preparação cultural revolucionária. Isso não exclui que possamos
e devamos intervir em greves e ganhá-las, para aumentar o nosso peso.
133
J. Posadas
As direções atuais do movimento comunista são burocráticas e para
crescer precisam enfrentar o capitalismo, tomando cuidado para não promover a esquerdização ou desenvolvimento consciente do marxismo. Discutem, portanto, se limitando a fazer suposições. Mas estão progredindo na
necessidade de conduzir discussões claras e terminantes. A nossa Internacional se dedica a esses e muitos outros temas: os jovens, os esquerdistas, o
feminismo, as crianças, a música, a guerra atômica, as formas que adotam
os processos da África, Ásia e América Latina, o conceito de “autodeterminação”, etc. A Quarta Internacional intervém em todos os problemas teóricos,
políticos e práticos e o movimento comunista a considera como sua parte
integrante.
A evolução dos partidos comunistas e os Estados Operários – que não
havia sido prevista – faz com que a nossa tarefa política no movimento comunista não seja a mesma de antes e seja o resultado do processo de degeneração e regeneração parcial dos Estados Operários. Isso cria condições novas
na história para uma atividade encaminhada a esses movimentos, a ajudar a
desenvolvê-los e participar, posteriormente, da direção dos mesmos. Antes
não havia lugar para esta tarefa, porque a luta dos partidos era para assumir o
controle e a direção das massas para chegar ao poder, ao governo ou aumentar
as forças no parlamento. Agora tal atividade não é necessária porque já estão
constituídos os órgãos do progresso da história: os partidos comunistas e os
Estados Operários. Eles são o fator fundamental que anima toda a atividade
do movimento operário mundial.
A tarefa voltada a influenciar os Estados Operários para ajudá-los a
mudar e evoluir é a mais importante de todas. Assim como a atividade dirigida aos partidos comunistas, que são, de qualquer forma, um reflexo dos
Estados Operários. Os partidos comunistas vivem porque existem os Estados
Operários; caso contrário, eles teria se decomposto. A nossa tarefa apresenta
dificuldades de número, mas não de ideias, política ou programa. Não temos
a suficiente quantidade de quadros, nem de meios, mas temos programa, política e ideias.
134
A função histórica das Internacionais
Este processo avança porque se desenvolveram os fatores que determinam o progresso: fatores sociais, econômicos, científicos e militares. O
progresso econômico da humanidade não comporta o capitalismo nem a direção burocrática. No corpo do progresso não cabe o terno do capitalismo
e da burocracia. Não cabe porque o progresso precisa da coordenação entre
a capacidade da inteligência humana e os meios que ela pôde criar, que são
infinitamente inferiores. De qualquer forma, a inteligência é quem determina
este processo atual. E a inteligência diz: “Para que queremos a propriedade
privada?”. O ser humano tende a avançar nas relações humanas, não nas relações de interesse, de propriedade ou de submissão que impõe o poder. O ser
humano avança na abertura total, no desenvolvimento dos sentimentos, na
capacidade de não ter que viver submetido à economia e à disputa.
É por isso que surge este processo, e não por determinação dos partidos comunistas. Ao contrário, o processo exige mudanças nos partidos
comunistas e com base nessa conclusão nós determinamos a nossa política.
Os partidos comunistas fazem manobras e vão continuar por muito tempo,
mas apesar de todos os seus aparatos e os dos Estados Operários, não podem
conter o avanço, a necessidade da história e da economia que representa o
progresso da humanidade. O avanço da humanidade se apoia no progresso
da economia e o transmite em forma de ideias e relações harmoniosas. Todo
aparato de submissão impede o progresso, o estrangula e o mantém preso.
Por esse motivo, quando produzimos a nossa primeira Revista Marxista Latino-americana afirmamos que o movimento comunista devia voltar
ao marxismo. Não se trata de um processo objetivo, depende de uma série
de fatores que não estão coordenados. Não é uma cadeia, é um processo harmonioso que culmina com a inteligência. O desenvolvimento da economia
harmoniza a natureza com a capacidade técnica, mas o que mais se desenvolve
é a inteligência humana. Os angolanos não têm nada, nem pão para comer
todos os dias, mas já compreendem que é necessário se libertar da exploração.
Eles têm a cabeça aberta à inteligência e à ciência, não sentem a imposição de
ter que se dedicar cada um ao próprio casamento, à própria casa e ao próprio
filho, como faz o capitalista, que se dedica à própria fábrica e a competir com
135
J. Posadas
os outros. O povo angolano vê que é preciso eliminar tudo isso. Ele tem a
inteligência livre, não está submetido à imposição do modelo da propriedade
privada.
A nossa tarefa é influenciar os centros com decisão histórica revolucionária. A tarefa que cumprimos hoje vem de antes, da época em que demos
o apoio crítico ao movimento peronista e ao governo de Perón. Contamos
estas experiências para demonstrar a nossa capacidade de iniciativa, que teve
grandes efeitos em Cuba, em dirigentes como Guevara e na nossa equipe, a
quem estimulamos a apreciar e viver o amor pelas ideias e funcionar como
partido para poder formulá-las. Cumprimos essa função, antes e agora, com a
mesma concepção, a mesma inteligência e a mesma compreensão.
É necessário analisar a profundidade da crise do capitalismo e a inevitabilidade da guerra. Os Estados Operários não têm a capacidade de previsão
do curso do processo. Ainda acreditam que é possível impedir a guerra. Não
se pode compreender o futuro partindo da concepção de que a guerra pode
ser evitada, porque isto leva a cometer uma série de erros em cadeia com relação às reações, relações e conclusões do sistema capitalista. E a burocracia
não tem essa visão pelo simples fato de estar enganada. É o seu desejo. Ela
tem medo da guerra porque com esta ela desapareceria. Dizer que a guerra
pode ser evitada não é, portanto, uma conclusão objetiva: é um desejo da burocracia para poder sobreviver. E como para sobreviver ela precisa ampliar o
Estado Operário, e a coordenação e o planejamento também requerem uma
ampliação do Estado Operário, a burocracia deve se opor ao sistema capitalista. Já não pode recorrer aos acordos e à coexistência pacífica, que já desapareceu da linguagem comunista. Agora falam em revolução violenta.
Nós não esperamos influir na União Soviética para que esta tome outro
rumo, mas para que eleve a capacidade de compreensão em um processo que
a obriga a pensar, cada vez mais, como anticapitalista. Está obrigada a pensar
assim. A burocracia é anticapitalista, mas não revolucionária. Quer suprimir
o capitalismo, mas não através da força.
136
A função histórica das Internacionais
Na União Soviética ainda não se discute abertamente sobre a possibilidade ou os preparativos para a guerra. Mas já existem vários altos chefes do
exército que falam em guerra inevitável e na necessidade da guerra preventiva; afirmam que não existe possibilidade de coexistência duradoura entre
sistemas sociais antagônicos.
O capitalismo não pode ceder o poder fechando acordos com os partidos comunistas ou com a URSS. Não pode ceder os bens que possui. Estes
devem ser arrancados à força, porque a sua estrutura é para a defesa do sistema.
Os Posadistas fazem parte do movimento comunista mundial
Por isso, a nossa intervenção está encaminhada a analisar o curso do
processo no qual os partidos comunistas e os Estados Operários não têm outra
saída a não ser se pronunciar contra o capitalismo. Não todos de forma homogênea, nem simultânea ou harmoniosa. Mas, qualquer que seja o processo, as
formas do movimento devem ser anticapitalistas. Não existe outra forma de
passar do capitalismo ao socialismo. Será necessário que todas as correntes do
movimento comunista mundial discutam estes temas em vez de disputar ou
combater os trotskistas.
Ao contrário, este processo prepara as condições para que os trotskistas façam parte do movimento comunista mundial, que é seu lugar natural. Nós viemos dele, e a ele voltaremos. Não porque queremos, mas porque
é necessário para o progresso da história. Somos parte do movimento comunista mundial. A nossa raiz está na União Soviética e o nosso pensamento é
parte do pensamento comunista.
Lembramos a León Trotsky, que nos educou, nos preparou e nos deu a
convicção teórica e política de que esta tarefa é necessária. A ação de Trotsky
não foi em defesa de sua tradição nem de seu nome: consistiu em dar ideias
para uma atividade que ele não presenciaria. Antes de ser assassinado, decla-
137
J. Posadas
rava publicamente: “Preciso de cinco anos para terminar a minha obra. Depois eles vão me matar.”. E terminou sua obra. Seu objetivo não era demonstrar que a Quarta Internacional e Trotsky tinham razão. Ele contribuía para o
progresso da humanidade.
É por isso que o programa de León Trotsky de 1938 está vigente. Os
princípios do Programa de Transição são válidos ainda hoje: escala móvel de
salários, jornada móvel de horas de trabalho, conselhos de fábrica, a função da
mulher, a função dos idosos. São temas necessários e Trotsky os escreveu em
1938 para toda a humanidade. Nós conduzimos esta atividade de acordo com
Trotsky, para influir no movimento comunista mundial. Mas, à diferença de
Trotsky, que não tinha perspectivas nem possibilidades de ser incluído no movimento, nós a temos. Independentemente das divergências, de um ou outro
setor, esse é o nosso fim. E em poucos anos seremos reconhecidos como a ala
trotskista-posadista do movimento comunista mundial.
J. Posadas
138
ANEXOS
Lembranças e reflexões do
GCI e do Jornal Voz Proletária
Em 1945 o nazismo foi derrotado. O Exército Vermelho emancipou
o mundo daquela barbárie. Vinte milhões de soviéticos mortos foi o sacrifício
de um povo que aprendeu com Lênin e com uma tropa que mantinha os ensinamentos e o exemplo de Trotsky. Stalingrado foi um marco histórico do
heroísmo humano.
Esse foi o exemplo: quando o soldado soviético alça, lá no alto, a bandeira vermelha do soviete.
Berlim havia caído e os povos coloniais do mundo se haviam sublevado. O mundo é a revolução, os partisans1, os maquis2 e o Exército Vermelho
avançando até que Stalin diz “Chega!”.
Mas tudo havia mudado, a guerra alterou os chamados “mercados” e
surgiam novas burguesias.
As velhas oligarquias donas das terras, das minas, dos camponeses,
operários e mineiros, deviam retroceder. A Índia, Argélia, todas as massas
subjugadas dos cinco continentes, irromperam com vigor escrevendo com o
próprio sangue um novo capítulo da história.
II
A Argentina, o pastoril “celeiro do mundo” sofreu uma metamorfose
econômica e social. O porto exportador de cereais e gado e importador de
1 Partisans, membros da guerrilha soviética contra a ocupação nazista.
2 Maquis, resistência francesa que não aceitava a submissão do Estado francês ao poder nazista.
141
Anexo I
todas as mercadorias que chegavam do império inglês, e também do francês,
sofreu o colapso da beligerância mundial. Já não chegavam navios cargueiros.
O nazismo afundava barcos em todo lugar. Da necessidade e da oportunidade, surgiu uma burguesia nacional. O jugo imperialista havia declinado
e os camponeses servos da gleba emigraram para o porto-cidade onde se
transformaram em proletários. Milhares e milhares chegavam trazendo sua
força e esperança.
A Alemanha nazista, em 1943, despontava triunfante. Era o inimigo de
quem subjugava as massas pobres argentinas. Era o inimigo dos vis assassinos
de “A Patagônia Rebelde”, da “Semana Trágica”, de “La Forestal”, dos latifundiários que mantinham camponeses em cativeiro em Tucumán, em Misiones,
em Salta, em toda a terra lavrada, cortando cana, podando bosques, vivendo
em miseráveis cavernas.
A Alemanha nazista escravizadora de povos, genocida como seus adversários, que disputava com eles o domínio das riquezas do mundo era, conjunturalmente, inimiga dos nossos inimigos, mas nunca foi nossa amiga.
Os inimigos dos nossos inimigos não são necessariamente nossos
amigos, dizia Perón.
Aliados circunstanciais. A oligarquia e quase toda a classe média, incluindo radicais e conservadores unidos como irmãos, se alinharam com os
chamados aliados, o imperialismo inglês, francês e ianque. A esquerda, em
seu conjunto, o Partido Comunista, o Socialista, os anarquistas e os trotskistas
assumiram uma postura idêntica.
Mas outro setor da sociedade, que também incluía uma parte da oligarquia, tradicionais “nacionalistas” reacionários, espoliadores do povo trabalhador, se manifestou a favor dos nazistas. Eles tinham um jornal, El Pampero,
onde expunham as próprias posições. Alguns assumem essa postura inocentemente, mas são sempre dirigidos e instrumentados por quadros que servem
aos interesses espúrios do capitalismo imperialista.
142
A função histórica das Internacionais
No Exército houve uma grande repercussão. A formação militar alemã
gravitava enormemente sobre a sua oficialidade. Formou-se um grupo de altos
oficiais nacionalistas, o GOU (Grupo de Oficiais Unidos), que se preparou
para derrotar a oligarquia do poder.
Em 1943, o nazismo se sentia triunfante e seus defensores também.
A crise econômica-social gerava um desgosto muito grande nas classes populares. O caldo estava servido e no dia 4 de junho de 1943 o Exército chega
ao poder. O general Rawson assume a presidência e pronuncia, do balcão da
Casa de Governo, um discurso que coincide com os postulados centrais do
nazismo e seus circunstanciais antagonistas: um anticomunismo visceral.
No GOU surgiram discussões, pois não era um grupo homogêneo;
imediatamente o grupo entrou em crise. Rawson foi substituído pelo General
Ramírez, pró-nazista reconhecido. A mudança, porém, fazia parte de uma situação projetada pelos mesmos militares.
Uma vez derrotado o nazismo, Ramírez teve que abandonar a presidência. Seu mandato durou apenas três meses. A crise no GOU estourou de
forma dramática.
Enquanto isso, milhares de novos trabalhadores se incorporavam às
fábricas e se afiliavam aos sindicatos. Naquela época, as carteirinhas sindicais eram escritas à mão e os companheiros que trabalhavam nos sindicatos
contam que não davam conta: afiliações e mais afiliações. O proletariado somava números e experiência. A esquerda estava ausente e se opunha ao novo
processo instalado na Argentina, apesar de dirigir muitos sindicatos.
Ao chegar ao poder, o GOU cria uma Secretaria de Trabalho. Até então
só existia um Departamento de Trabalho e Perón assume o cargo. Desse lugar,
ele começa a dar forma ao seu projeto de Nação. Já existia uma burguesia
nacional desenvolvida e produtora principalmente de bens de consumo. A
classe operária aumentava e suas reivindicações iam direto para a Secretaria
143
Anexo I
do Trabalho, para o Coronel Juan Domingo Perón. As resoluções ditadas por
Perón e a relação que ele estabeleceu com os dirigentes sindicais e empresariais modificou todo o tabuleiro político na Argentina.
III
A União Soviética foi atacada pelo nazismo após o assassinato de
Trotsky. Era preciso se posicionar sabendo que os nossos aliados não eram
nossos amigos. Eram inimigos da emancipação dos povos, do proletariado,
das massas exploradas e oprimidas do mundo. Mas o Kremlim mandava frear
a luta de classe. Como se isso fosse possível!
Esse absurdo implicava um sinal para os Partidos Comunistas. Deixaram de simular que não eram classistas, se confessaram como “democráticos”, porque o único que valia era a defesa da URSS com pactos e compromissos assumidos com o imperialismo, abdicando, mais uma vez, de princípios
fundamentais do leninismo.
Os dirigentes sindicais comunistas violaram as leis mais elementares
da luta de classe. Apareceram abraçados com dirigentes da oligarquia e sua
política era frear as reivindicações dos trabalhadores.
Enquanto isso, Perón, que precisava do apoio das massas, continuava
tomando decisões a favor dos trabalhadores e começaram a surgir novos sindicatos cujos dirigentes eram uma mistura de carreiristas com verdadeiros
sindicalistas defensores da classe operária. Em 1944, aparecia uma sociedade muito dividida onde, porém, o poder ia se deslocando para os novos
sindicatos.  
Era um fenômeno novo na vida política argentina. Eu militava na Juventude Socialista, que representava a ala esquerda. Lembro que apareciam,
cada vez mais, pessoas que apoiavam o novo governo.
O General Farrel havia sido nomeado Presidente e o Coronel Perón,
Vice-presidente e Ministro do Trabalho e da Ação Social.
144
A função histórica das Internacionais
Essas mudanças no poder político estimularam a resolução da nova
classe operária argentina. Surgiam lemas antagônicos, com conteúdo de
classe. Perón lançou o Decreto de Defesa dos peões do campo: pela primeira
vez, o poder dos grandes “Senhores” era atingido. Existem milhares de episódios conhecidos: quando os jovens da classe média insultavam os operários,
por exemplo, chamando-os de “cabecinhas pretas”. A resposta era “alpargatas
sim, livros não”.
Eu tinha 19 anos e nos centros socialistas havia surgido uma corrente
juvenil que discutia muito a guerra e a controvérsia sobre o que estava acontecendo na Argentina. Quem era Perón? De onde saiu? Um militar! O que
estava acontecendo dentro da classe operária?
A Juventude Socialista era uma ebulição onde nada terminava de se
cozinhar. Eles temiam um ataque à “Casa do Povo”. Formaram-se guardas que
vigiavam dia e noite prevendo possíveis agressões de “grupos fascistas”.
Organizavam-se conferências polêmicas com uma notável participação de jovens de todos os Centros. A conferência, oferecida em duas sessões, sobre “A Revolução Russa” foi realizada por J. Posadas, recentemente
afiliado ao Centro Socialista da Paternal.
Mais tarde compreendi que era uma análise trotskista. Entre o público
estava Dardo Cúneo, então socialista e autor de uma biografia de Juan B. Justo:
ele polemizou muito com J. Posadas, porque eram portadores de duas concepções antagônicas.
IV
Após o aborto do Congresso da J.S., a pergunta era: o que fazemos?
Considerávamos a possibilidade de entrar no Partido Comunista. Mas não.
Naquela época o stalinismo já havia demonstrado toda a sua podridão e, embora não enxergássemos a contradição entre o regime político burocrático do
stalinismo e a natureza do que, como aprendemos mais tarde, era o “Estado
145
Anexo I
Operário”, já o assassinato de Trotsky em 1940, líder da Revolução Bolchevique junto a Lênin, era aberrante.
A isso se somavam alguns acontecimentos na Argentina, como sabotagens a greves e a reivindicações trabalhistas porque, como já comentamos,
eram consequentes com a política do Kremlin.
Ocorreu um fato degradante que favoreceu enormemente o crescimento do que depois se consolidaria como peronismo. Estava preso, no sul
do país, o secretário-geral do sindicato da carne, chamado Peter, quadro dirigente do Partido Comunista argentino. Os trabalhadores dos frigoríficos organizaram uma Assembleia Geral na quadra de futebol do Clube Dock Sur.
Havia um clima de luta efervescente e, de repente, apareceu o dirigente. De
acordo com as mudanças políticas no governo, Peter havia sido libertado para
interromper a greve da carne já que, como ele mesmo manifestou, a carne era
necessária para alimentar os soldados que lutavam pela Liberdade e contra
o nazismo. Seu discurso foi vaiado e os trabalhadores da carne resolveram
formar um novo sindicato e assim desapareceu a hegemonia do Partido Comunista na classe operária.
Que alternativa nos restava? Decidi perguntar: “E se lemos Trotsky?”
Poucos dias depois estávamos lendo A Revolução Traída. J. Posadas era um
trotskista conhecido pelos militantes socialistas. Sua trajetória era muito bem
contada por ele mesmo.
Nos perguntávamos: como podia dar certo a afiliação de J. Posadas no
Partido Socialista? Um homem de grande cultura política e com uma sensibilidade que nos satisfazia intimamente. Estudioso, preocupado pelos grandes
acontecimentos que ocorriam no país e no mundo.
Operário, formado com uma disciplina proletária, simples e humilde,
lutador e pesquisador consequente, possuía uma tradição de dirigente sindical
e havia convivido com intelectuais trotskistas dos quais discordava continuamente. Eram os grupos “de café” do Tortoni e outros bares. Obviamente os
acontecimentos os superavam e os textos de Trotsky eram congelados.
146
A função histórica das Internacionais
Pedro Stilman, outro companheiro, foi convidado a frequentar a casa
de J. Posadas. Mil vezes ele contou com emoção aqueles encontros. Morava
em um cortiço, ocupava um quarto com a esposa e companheira e dois filhos
pequenos: um menino de quatro anos e uma bebê de meses. Com um fogão
à lenha separado do quarto, como era comum nos cortiços e esse tipo de moradias. Pedro pertencia a uma família de classe média e se impressionou com
o contraste entre a sua casa e a de J. Posadas. Às vezes, ele levava frutas como
expressão de solidariedade a essa família.
Enquanto isso, J. Posadas transmitia a Pedro seus objetivos: tentava
contatar jovens com inquietude política para criar um organismo que se
preparasse para dar resposta ao processo revolucionário desencadeado no
mundo. Entraram em contato com companheiros operários de vocação socialista e começaram a organizar reuniões, onde J. Posadas explicava o que era o
trotskismo e a interpretação da realidade política e social. Surgia um embrião
de grupo organizado.
J. Posadas escreveu um texto onde analisava o processo mundial e a
sua repercussão na Argentina. Fez uma análise política e social concentrando
a atenção na intervenção da classe operária.
Um movimento operário virgem que, empiricamente, chegava a um
acordo com a burguesia nacional mantendo sua independência de classe. Rapidamente, os operários adquiriram consciência de classe, mas não tinham
a consciência política que dá o partido. Mas este não existia; pelo contrário,
os Partidos Comunista e Socialista remavam no sentido oposto. Não existia
a orientação nem o exemplo. Os grupos trotskistas eram pequeno-burgueses
que desqualificavam a ação do proletariado.
V
Efetivamente, estava funcionando uma equipe que adotou o nome
de “Grupo Quarta Internacional”. Suas posições eram muito críticas às “esquerdas” que enfrentavam o peronismo. As iniciativas de J. Posadas e seu
147
Anexo I
exemplo ganhavam cada vez mais autoridade entre os companheiros que integravam o GCI e, de fato, assumiu o papel dirigente reconhecido por todos.
Em 1945 ocupou um lugar de destaque na história política e social
do país. A epopeia que estava enfrentando a classe operária era um incentivo
para conseguir “se fundir com a carne e o sangue do proletariado”, sentença de
Trotsky que J. Posadas nos transmitia, ampliando esse conceito com exemplos
da Revolução Russa, de todas as lutas proletárias e da sua própria experiência.
Já naquela época a nossa organização tomou medidas de proteção clandestinas e cada um de nós adotou um pseudônimo.
Vou fazer referência às relações que ele incentivou no GCI e à surpreendente satisfação que causou em mim. No GCI convivia a família dele: a
companheira e os filhos. A vida da família estava organizada em função das
exigências da luta de classe e do curso revolucionário. Não era uma exclusividade, mas era o centro vital da vida familiar. Era uma lição de vida comunista.
Ele transmitia otimismo. Suas penúrias econômicas não minavam o
papel que ele havia escolhido e sua natureza proletária cimentou essas características. Os seus familiares e de sua companheira se tornaram em pontos de
apoio para a luta que ele havia iniciado.
Com essa base, com sua tradição de dirigente do sindicato do calçado
em Córdoba e organizador da greve geral triunfante desse sindicato, junto à
herança política que lhe transmitiu o pai, trabalhador ferroviário participante
ativo da Semana Trágica, que nos fazia lembrar desde que era criança, com
detalhes e diversos relatos, o destino por ele assumido já estava incrustado em
sua vida.
Eu participava esporadicamente do trabalho da GCI, pois em 1945 estava prestando o serviço militar. Quase o tempo todo me deixaram aquartelado, pois já sentia-se no ar a chegada de uma profunda crise. E foi assim que
no dia 8 ou 9 de outubro, o Coronel Perón foi convidado a visitar o quartel.
Uma grande comitiva o acompanhava.
148
A função histórica das Internacionais
Era o centro militar onde se dirimiam os problemas e, portanto, era
lógico que Perón receberia todos os questionamentos que uma parte da sociedade – oligarquia, burguesia financeira e classe média –, constantemente,
projetava.
Poucos dias depois, Perón é deposto e levado prisioneiro a Martín
García por não cumprir com os mandatos que o Exército lhe havia encomendado. Os acontecimentos posteriores, os enfrentamentos entre os operários e
os partidários de continuar com um país semicolonial e dependente do imperialismo, se tornavam cada vez mais violentos.
Dezessete de outubro, o proletariado na rua, o Exército dividido e o
poder acéfalo. A Praça de Maio é, desde então, o centro nevrálgico da concentração de todos os protestos e reivindicações. Por isso, seria anos mais tarde
“A Praça das Mães”.
No dia 17 de outubro o proletariado argentino se dirigiu ao lugar onde
está o centro do poder: a Praça de Maio. O poder estava em mãos do movimento operário, que o demonstrou impondo o retorno de Perón.
Assim nasceu o peronismo ou um tipo de peronismo, que J. Posadas
definiu anos depois como “o peronismo comunista”. É muito importante esta
apreciação porque o peronismo, sendo uma aliança de classes, incluía um ala
nacionalista feudal, cujo projeto era constituir uma sociedade paternalista
com subjugação do proletariado: era o “peronismo fascista”.
Perón, ao assumir novamente os cargos, decretou imediatamente a
baixa de todos os aspirantes a oficial de reserva, os estudantes e foi assim que
eu recebi a minha liberdade no dia 20 de outubro de 1945.
Imediatamente entrei em contato com os companheiros do GCI e
passei a participar de toda a vida do grupo. O nosso crescimento era notável
em número e formação.
149
Anexo I
VI
O GCI e o jornal VOZ PROLETÁRIA
Uma das condições incentivadas por J. Posadas era que não houvesse diferenças no grupo. Vivíamos assim. Por isso lembro a sua família, as
crianças, participando da nossa atividade. Ele trouxe à Argentina a concepção
bolchevique da vida, de Marx, Lênin e Trotsky.
Não existia a perfeição, mas para mim, aos 20 anos, foi uma rápida
aprendizagem política, sindical, filosófica, cultura e social. São muitas as tarefas realizadas dentro e fora do GCI. Ele tinha em sua estrutura mental e seu
sentimento a compreensão de que, assassinado Trotsky, restava um grande
vazio e entendia que a história e o curso da humanidade deviam contar com
o instrumento.
Começamos a imprimir com o mimeógrafo um Boletim de tiragem
muito limitada. Todos participavam dessa tarefa: escrever os artigos que eram
principalmente criações de J. Posadas, digitar, imprimir, compaginar e grampear. Depois vinha a distribuição, que nos permitia tomar contato com companheiros, simpatizantes do trotskismo que conheciam a sua trajetória, sendo
profissionais de classe média, davam uma contribuição para manter a nossa
atividade.
A nossa influência crescia e começava a incomodar alguns dirigentes
de outros grupos. No dia dezessete de outubro de 1945 definiu-se a esquerda.
Tamanha era a paixão que infundia J. Posadas que precisávamos corroborar
com precisão o que havíamos aprendido sobre o comportamento da classe
operária.
Levávamos uma vida muito unida, orientados por ele, junto à companheira e os filhos. As nossas saídas eram oportunidades para espairecer e
desfrutar do seu infinito humor, de suas cantorias e, ao mesmo tempo, eram
150
A função histórica das Internacionais
verdadeiras escolas onde discutíamos temas candentes. O grupo ia crescendo,
uniam-se companheiros, mas era necessário intervir dentro da classe operária.
Foi então quando um camarada se incorporou, como operário, a uma
grande indústria “Siam di Tella”, fábrica de geladeiras. Era preciso apoiá-lo em
sua tarefa. É importante lembrar que o sindicato metalúrgico do município de
Avellaneda, onde estava a empresa, era dirigido por um burocrata.
O GCI editou um folheto onde expunha uma simples explicação da
democracia sindical, do seu funcionamento e da necessidade de defendê-la.
Não estava assinada, mas explicava ou justificava que, por motivos imperantes
no sindicado, não podia ser divulgada a identidade dos autores. A distribuição
foi sensacional. Os trabalhadores vinham pedir um exemplar após ouvir os
comentários dos companheiros que haviam lido o documento.
Não ignorávamos a existência da Quarta Internacional, cujo Comitê
Executivo estava sediado na Europa. Integrado por Pablo, Mandel (Germain),
Frank e outros. Eles haviam sobrevivido ao nazismo, porque uma grande
quantidade de camaradas morreu ao lutar pela libertação. Era preciso construir os organismos para fortalecer a Quarta Internacional. J. Posadas entrou
em contato com companheiros do Uruguai, Santiago del Estero, Tucumán,
etc.
Não podíamos evitar a discussão com dois grupos trotskistas, um era o
G.O.M. (Grupo Operário Marxista), dirigido por Nahuel Moreno. Marcamos
uma reunião em que estariam presentes J. Posadas e Moreno. O encontro
aconteceu em uma casa em Avellaneda e Moreno chegou acompanhado de
alguns militantes do G.O.M. Nós, quatro ou cinco companheiros, fomos junto
a J. Posadas. Moreno trazia uma pilha de livros e sua dissertação se concentrou
em afirmar que o governo de Perón representava os interesses do imperialismo inglês, como demonstravam as estatísticas sobre as indústrias que se
instalaram na Argentina, de origem inglesa, incluída a Siam Di Tella.
Não era questão de afirmar ou desmentir esses conceitos, mas era necessário advertir que, em última instância, eles representavam uma análise
151
Anexo I
mecanicista, economista e não política. Ele sentenciava que a classe operária
havia sido arrastada por um militar demagogo. Moreno estava muito nervoso
e, de repente, disse que deviam ir embora porque tinha compromissos muito
importantes.
Mas a luta de classe continuava. Perón pressionado pela alta burguesia
e o imperialismo ianque com seu representante na Argentina, Braden, que
atuava impunemente para derrota-lo, convocou eleições gerais para esse
mesmo ano, 1946. É sabido: Perón triunfou. E pensar que Perón ofereceu a
vice-presidência a Sabatini, caudilho radical progressista, mas este se negou
por seus pruridos. Quantos espaços o progressismo presenteou à direita!
A Juventude Socialista tinha um critério estúpido, já que considerava
que como a classe média era mais numerosa que a classe operária, Perón seria
derrotado. O Partido Comunista estava com toda a sua capacidade organizativa a favor do triunfo da oligarquia. Mas a classe operária não se intimidou:
saiu com o lema “Braden ou Perón”. Era um programa anti-imperialista com
uma política de classe.
Nós participávamos de todas as concentrações operárias, mas diante
das alternativas que se apresentavam, sendo um grupo pequeno, J. Posadas
propôs fazer um voto programático.
Perón fez um chamado aos socialistas e aos comunistas. Ele disse: “Depois virá o momento de vocês”. Mas eles fingiram que não ouviram, porque a
aliança da burocracia soviética com o imperialismo se mantinha e um ponto
essencial era conter todo processo revolucionário.
Alguns dirigentes socialistas apoiaram Perón, mas a Polícia Federal
ficou sob a chefia de Velazco, anticomunista como todos os quadros da polícia. Perón promulgou Decretos e Leis a favor do proletariado. Quase todos
estavam inscritos no programa do socialismo e dormiam passivamente.
A resistência da burguesia foi notória. Embora tivessem os cofres
cheios como nunca antes, as conquistas políticas da classe operária doíam
152
A função histórica das Internacionais
muito. Houve ocupações em massa de fábricas e greves em todo o país e surgiam episódios curiosos como a de operários que se negavam a receber o décimo terceiro porque para eles era uma esmola. Entre eles, esteve um companheiro operário madeireiro que depois se incorporou ao GI.
Enquanto o G.O.M coincidia com a reação chamando a classe operária de atrasada, o nosso camarada foi eleito Delegado da sua Seção no Siam
di Tella. Quando ele se manifestou, os trabalhadores o identificaram com os
nossos folhetos. Seu prestígio aumentou e vários companheiros aderiram ao
GCI.
Lembro-me de Muñiz que, anos mais tarde, a pedido da Frente Argelina de Resistência, que precisava de um bom torneiro para uma fábrica
de armas, viajou para a Argélia e ainda hoje é um herói da Revolução Argelina. Com ele demos conferências no Sindicato de Adegueiros em Tucumán,
justo quando se declarava a greve e mobilização dos trabalhadores do açúcar
e vimos como a policia política reprimia os manifestantes e os companheiros
resistiam gritando “Perón! Perón!”. Era o grito do “peronismo comunista”.
A experiência da Siam é um aval claro e determinante da confiança de
J. Posadas no proletariado. O nosso camarada passou a integrar a Comissão
Interna da Siam e foi designado pelos companheiros da fábrica para dirigir
uma Assembleia Geral e o fez com tanta veemência e respeitando a democracia sindical que já começava a incomodar os burocratas da fábrica. Estava
se tornando um perigo e o perigo devia ser eliminado.
Uma tarde, foi agredido de forma violenta, aos chutes, por um grupo
de homens que o esperava na saída do trabalho. Aqui surge um importante
episódio que mostra como era J. Posadas. O camarada, muito machucado, foi
levado para a sua casa, onde permaneceu em repouso.
O que podia fazer agora? Era evidente a intenção assassina da burocracia em concomitância com a patronal. Os companheiros estavam cheios de
dúvidas mas, após uma troca de opiniões, J. Posadas optou por aconselhar que
ele voltasse para a fábrica, acompanhado por um núcleo de companheiros. Ele
153
Anexo I
receberia o apoio dos operários da Siam. Caso contrário, teríamos que mudar
toda a nossa concepção.
Quando chegou à cerca do estabelecimento, duas fileiras de trabalhadores estavam esperando para recebê-lo até a entrada da fábrica, em uma distância de mais ou menos cem metros; enquanto o nosso companheiro avançava, os aplausos se multiplicavam.
Quando eu trabalhava em uma fábrica de sapatos formei uma fração
com dois companheiros e, na eleição de delegados, eu tinha a antiguidade necessária (três meses) para poder me candidatar; fui eleito delegado da Seção.
Isso me permitiu estender a minha relação na fábrica e com companheiros de
outros estabelecimentos. Havia uma reivindicação de grande importância no
sindicato: abolir o trabalho “por produção”.
Os sindicatos se tornaram peronistas. No final das contas, como discutíamos no GCI, a escola de burocratas era representada pelas direções socialistas e comunistas, embora essa opinião não invalide a degeneração dos
chefes peronistas tempos depois.
Como parte dos episódios que eu lembro, um dia veio Eva Perón visitar a fábrica. Era a primeira vez que ela comparecia no local de trabalho
dos operários. Houve agitação e expectativa. Por que vinha? Era sua primeira
experiência desse tipo. Cumprimentou os trabalhadores um por um e quando
chegou à mesa onde eu estava e soube que eu era o Delegado, disse: “O coronel
Perón está moralmente com vocês” e quando eu ia falar com ela, agregou: “e
materialmente também”.
Já havia comentários de que eu era o futuro Delegado Central. Mas
não tudo jogava a meu favor e algum trabalhador pró-patronal se associou
com os interventores para mostrar o perigo que eu representava. A Intervenção resolveu então me expulsar do sindicato e da CGT. Escrevi um folheto
e o mostrei a J. Posadas, que o aprovou totalmente. Eu e minha companheira,
escrevendo à mão e com papel-carbono, preparamos umas vinte cópias que
154
A função histórica das Internacionais
distribuímos entre alguns companheiros da fábrica que foram repassando o
material.
Qual foi o efeito? Poucos dias depois fui ao Ministério do Trabalho
para resolver outra questão e encontrei um dos interventores do sindicato.
Ele apoiou o braço no meu ombro e disse: “Cara, retificamos a medida, não
aconteceu nada”. A anulação da minha expulsão foi causada pela polêmica que
provocou a divulgação do panfleto entre os companheiros dirigentes do sindicato. O folheto correto e oportuno era comparável a uma grande mobilização
e nos protegeu da possibilidade de uma divisão no ativismo do sindicato.
Uma noite chegaram em casa alguns dirigentes do sindicato e me convidaram a participar de uma reunião com Eva Perón (já era “Evita” naquela
época) e eu recusei a oferta alegando que não era peronista. Eles me explicaram a importância do encontro e a única condição que exigiam era que eu
não dissesse que não era peronista. Eles me garantiram que ninguém iria me
perguntar qual era a minha filiação política e que eles consideravam muito
importante que os acompanhasse. Agradeci, mas não aceitei. Esse foi um erro
entre outros que cometi.
Já havíamos imprimido o primeiro número de Voz Proletária. Todo
o esforço intelectual e material estava concentrado nesse objetivo. A publicação do primeiro número foi um acontecimento comovedor. Não lembro
quantos companheiros e companheiras estavam na frente da imprensa esperando o lançamento do exemplar. Finalmente saiu e começou a distribuição
nas bancas de jornal.
Duas companheiras caminharam quilômetros pelas avenidas da zona
Sul, que era o raio industrial mais importante. Até os filhos de J. Posadas,
ainda crianças, colaboraram com a tarefa e ele mesmo saiu para distribuir o
jornal, embora tivéssemos advertido que não o fizesse e inclusive foi criticado
por isso. Mas era compreensível.
Voz Proletária com o texto “Plano Quinquenal ou Revolução Permanente” é uma análise, um programa e um compêndio organizativo que, me
155
Anexo I
atrevo a dizer, o próprio Trotsky teria assinado. Posso assegurar que com esse
Voz Proletária demos um salto quantitativo e qualitativo.
Mas a Europa não compreendia o processo da Argentina nem da América Latina. Para os europeus era mais fácil assimilar as posições “classistas” da
época do velho capitalismo do que a nova situação que surgia com a derrota
do nazismo, o triunfo da União Soviética e o enfraquecimento do stalinismo.
Por isso, lembro que enviaram um jovem europeu, alemão se não me engano,
que não entendia uma palavra de espanhol.
Vou introduzir uma história breve, mas que tem um significado profundo, sobre a sua personalidade. Ele precisava de dinheiro para alimentar a
família, mas como podia fazer? Ele precisava do máximo tempo possível para
pensar e levar adiante seus objetivos políticos. Foi então quando eu disse que
a minha mãe queria pintar parte da pequena casa onde morávamos. Ele se
ofereceu. J. Posadas pintor! Vocês tinham que ver: ele em cima da escada, com
o chapéu de papel, dando cursos e conferências. A qualidade do trabalho não
contava.
Ele demorou muito em concluir a pintura, mas era tão agradável, simples e sedutora sua forma de contar tantos temas que a minha mãe ficava escutando sem pensar no tempo nem da qualidade do trabalho. Mas o tema
central para J. Posadas era a Internacional. Assumiu a tarefa titânica de formar
os quadros do GCI, orientar a política do grupo, integrado por 90% de operários, todos ativos militantes vindos do peronismo, como um jovem metalúrgico, que no dia dezessete de outubro de 1945 foi pioneiro no cruzamento do
Riachuelo para resgatar a Perón.
Os nossos piqueniques, entre as cantorias, o futebol e os relatos das
experiências que íamos acumulando, junto às histórias com que J. Posadas
nos instruía, inauguraram uma nova forma de “Escola de Quadros”. Era maravilhoso. Sabíamos dos riscos que corríamos, porque Posadas nos alertava
constantemente sobre a presença da CIA.
156
A função histórica das Internacionais
Ele se comunicava com quase todos os países da América Latina.
Tinha a sábia preocupação de construir uma corrente trotskista latino-americana que pesasse na Quarta Internacional. A viagem que fizemos por Santiago
del Estero e Tucumán também integrava esse objetivo. Como outras viagens
ao Chile, Bolívia e Uruguai.
Em 1948 J. Posadas organizou uma viagem à Europa para entrar em
contato diretamente com a direção da Internacional. Para conseguir o dinheiro da passagem houve toda uma concentração de esforço e engenho.
Quando chegou a hora da partida em barco, muitos fomos ao porto para despedi-lo. Simulamos que ele era um ex-jogador de futebol e nos despedíamos
desejando uma boa viagem.
Previamente, já estava preparado o segundo número do Voz Proletária. J. Posadas escreveu um artigo intitulado “Sobre a Nossa Imprensa” onde
analisava as posições de todos os grupos trotskistas da Argentina.
Lembro também quando um camarada lhe sugeriu que a identificação
do autor aparecesse em cada artigo. Ele não concordava, porque considerava
que tudo o que se escrevia era produto de uma tarefa coletiva, já que os textos
eram sempre discutidos, embora a intervenção mais importante fosse sua. A
decisão foi aceita.
Comecei a trabalhar na fábrica têxtil “Grafa”, no turno da noite, mas
não me sentia à vontade, pois havia uma burocracia terrível. O Corpo de Delegados apoiava todas as disposições da patronal.
Mesmo assim, com semelhante aparato sindical, ocorreu um fato que
deve ser levado em consideração. Na Seção onde eu trabalhava, estava sendo
construída uma ampliação por conta de uma empresa construtora. Um dia
houve um desabamento e um trabalhador faleceu após ficar preso debaixo
de uma montanha de escombros. Imediatamente se espalhou a voz e alguém
propôs aos delegados desligar as máquinas e deixar de trabalhar até que o
companheiro morto fosse retirado. Os delegados alegaram que o companheiro falecido não pertencia ao sindicato, pois era um operário da cons-
157
Anexo I
trução e, portanto, não correspondia nenhuma atitude da nossa parte. Mesmo
assim, alguém parou a máquina em que trabalhava e, por efeito dominó, todos
pararam.
J. Posadas voltou da Europa e aproveitei para me retirar do GCI. Mas
esta experiência continua sendo o faro que ilumina o meu caminho e nunca
poderei me afastar de tudo o que me ofereceu para estruturar meu pensamento e meus sentimentos. Acredito que a fundação do GCI foi uma das homenagens vivas mais bonitas e mais úteis proporcionadas ao companheiro
León Trotsky.
Daniel Malach (Sérgio)
Membro dirigente e um dos fundadores do GCI.
158
Hugo Chávez propõe criar a Quinta
Internacional Socialista3
Hugo Chávez Frias, o presidente da República Bolivariana da Venezuela,
fez o histórico chamado aos povos do mundo para a formação de uma Quinta
Internacional Socialista por ocasião de duas importantes reuniões entre 19 e 21
de novembro de 2009, em Caracas (Venezuela)
Edições Ciência Cultura e Política (ECCP), nesta 1a. edição brasileira do
livro, A função histórica das Internacionais, de J. Posadas, publica abaixo alguns extratos de comunicados de imprensa emitidos pela ABN (Agência Bolivariana de Notícias) e a Imprensa do PSUV, do discurso de Hugo Chávez durante o
Encontro Internacional de Partidos de Esquerda (19 e 20 de novembro de 2009)
e a clausura do Primeiro Congresso Extraordinário do PSUV, Partido Socialista
Unificado da Venezuela, (21 de novembro de 2009)
Encontro dos Partidos de Esquerda
Imprensa PSUV.- Hugo Chávez, Presidente da República da Venezuela
e líder revolucionário, manifestou a necessidade de uma organização mundial que unifique os critérios sobre o papel do socialismo no século XXI e
propôs a criação de uma Quinta Internacional, que é “um clamor” dos povos
do mundo.
“A Quinta Internacional Socialista é um clamor do povo”, disse Chávez,
no discurso de encerramento do Primeiro Encontro de Partidos de Esquerda,
3 http://www.psuv.org.ve/temas/noticias/V-Internacional-Socialista-se-convertira-en-instrumento-de-unificacion-y-lucha-de-los-pueblos/
159
Anexo II
que contou com a participação de mais de 50 países. “É uma necessidade”,
acrescentou.
Chávez foi enfático ao manifestar que o encontro dos partidos de esquerda não deve ser “mais uma reunião” e fez um chamado à “união” para
derrotar a ameaça que representa o império estadunidense.
A proposta do líder do processo revolucionário na Venezuela foi recebida pelas delegações presentes. No entanto, Chávez reconheceu que os representantes da esquerda mundial deveriam primeiro “fazer algumas ligações
telefônicas” para definir sua entrada na instância internacional.
Embora não tenha especificado a data da primeira reunião de preparação, Chávez destacou a necessidade de criar “um manifesto” para consolidar
as bases conceituas da Quinta Internacional.
Chávez: Existe um mundo novo que o império quer liquidar4
ABN.- “Um mundo novo nasceu, mas o império quer liquidá-lo como
Herodes quis liquidar a Jesus. Vamos cuidar do bebê, vamos alimentá-lo,
lutemos para que cresça o que está ali”, afirmou o presidente da República
Bolivariana da Venezuela, Hugo Chávez Frías, no ato de encerramento do
encontro internacional dos Partidos de Esquerda no Grande Salão do Hotel
Humboldt em Caracas.
O Chefe de Estado destacou que esse mundo novo, necessário e possível, nasceu, mas é um bebê e querem liquidá-lo antes que cresça.
“Temos que nos unir porque o mundo acelera tudo e se não aceleramos a nossa unidade, esse mundo virá contra nós”, disse.
Acrescentou: “Eu me atrevo a convocar a Quinta Internacional. Acho
que é o que o mundo clama hoje. Por todos os lados vemos um mundo novo
4http://www.psuv.org.ve/temas/noticias/Chavez-Hay-un-mundo-nuevo-que-el-imperio-quiere-liquidar/
160
A função histórica das Internacionais
que já nasceu, o mundo novo do qual falamos, esse mundo novo e melhor que
é possível”.
Chávez afirmou que o império velho, de classes antigas, ideias retrógradas, fascistas, racistas, cheias de ódio, está tentando extinguir essa esperança que nasceu no mundo.
Perante este panorama, o presidente Chávez manifestou que é uma tarefa de grande urgência e responsabilidade, porque a crise mundial se acelera.
I Congresso Extraordinário do PSUV
Quinta Internacional Socialista se tornará instrumento de unificação
e luta dos povos5
ABN — “Peço a este I Congresso Extraordinário do Partido Socialista
Unido da Venezuela (PSUV) que inclua em sua agenda de debate a proposta
de convocar os partidos políticos e correntes socialistas para criar a Quinta
Internacional Socialista como uma nova organização que se adeqúe ao tempo
e aos desafios que vivemos, e se torne um instrumento de unificação e articulação da luta dos povos para salvar este planeta”, destacou o presidente do
PSUV, o Comandante Hugo Chávez Frías.
No ato de abertura do I Congresso Extraordinário do partido, na Sala
Ríos Reyna do Teatro Teresa Carreño, o Chefe de Estado fez também alusão à
declaração final, denominada “Compromisso de Caracas”, assinada pelos partidos de esquerda que se reuniram na capital venezuelana.
Nessa declaração final, os partidos decidiram aprovar a proposta realizada pelo Comandante Chávez com relação à criação da Quinta Internacional
Socialista.
5http://www.psuv.org.ve/temas/noticias/V-Internacional-Socialista-se-convertira-en-instrumento-de-unificacion-y-lucha-de-los-pueblos/
161
Anexo II
Com relação a isso, o presidente do PSUV disse: “Fico feliz de ver que
o Encontro de Partidos de Esquerda tenha aprovado esta decisão especial que
não estava na agenda do encontro mas que se incorporou como um acordo
com uma importância que se perde no horizonte”.
No acordo, os partidos de esquerda aprovam o recebimento da proposta para convocar a Quinta Internacional Socialista como uma instância
dos partidos e correntes socialistas e movimentos sociais do mundo, que harmonize uma estratégia comum na luta contra o imperialismo, a superação do
capitalismo pelo socialismo, e a integração econômica solidária.
A fim de concretizar a proposta em um curto prazo, o acordo prevê
criar um grupo de trabalho formado pelos partidos e correntes socialistas que
assinam esta iniciativa, para preparar uma agenda que defina os objetivos,
conteúdos e mecanismos dessa instância mundial revolucionária.
Para isso, foi convocado um primeiro encontro previsto para o mês de
abril do ano 2010 na cidade de Caracas.
Os partidos e correntes que ainda não se manifestaram sobre a proposta vão submeter a iniciativa à avaliação de seus órgãos legítimos.
O presidente Chávez lembrou que a convocatória a esta Quinta Internacional Socialista tem o espírito daquelas que a antecederam, do pensamento
de Karl Marx, Friedrich Engels e Lênin, conjugadas com o pensamento de
latino-americanos como: Simón Bolívar, dos anti-imperialistas Francisco Morazán e César Augusto Sandino.
Destacou que cada uma delas teve seu contexto e foram quatro experimentos que nasceram na Europa para alcançar a unidade dos partidos e
correntes sociais.
“Mas ficaram no meio do caminho por diferentes razões. Algumas adquiriam força e outras se apagaram com o tempo, mas nenhuma serviu nem
pôde avançar em direção aos grandes fins dos grandes convocantes. Além
162
A função histórica das Internacionais
disso, todas foram convocadas na Europa, onde nasceu com força essa tese
do socialismo científico ao calor das grandes lutas populares, operárias, e o
domínio da burguesia”, afirmou.
Por outro lado, o Comandante Chávez, presidente do PSUV, apontou
que outro dos temas que devem ser abordados no I Congresso Extraordinário
da organização política está relacionado com a crise mundial ecológica.
Isso, considerando que o sistema capitalista conseguiu impor esse
modo de produção e desenvolvimentismo destrutivo que está acabando com
o planeta e que coloca em risco a sobrevivência da espécie humana na terra.
“Aí estão os relatórios científicos que muitos não querem ver. A hegemonia mundial dos meios de comunicação controlados pelo império estadunidense conseguiu esconder boa parte das informações que indicam que a
temperatura do planeta continua subindo, as grandes geleiras continuam se
desintegrando, as calotas polares continuam derretendo por causa do aquecimento da terra, o nível das águas dos mares continua subindo”, enfatizou.
Chávez ressaltou que os grandes países capitalistas como os Estados
Unidos são os grandes culpados do desequilíbrio ambiental, embora não
queiram assumir responsabilidades.
O presidente destacou que os debates que surgirem no Congresso do
PSUV não devem se limitar a esse encontro. Pelo contrário, devem transcender ao povo, às organizações sociais e outras formas de participação popular do país.
163
Anexo II
Hugo Chávez chamou a formar uma Quinta Internacional no “Encontro Internacional dos Partidos de Esquerda”, em Caracas, novembro de 2009. (Foto: ABN)
Na clausura do I Congresso Extraordinário do PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela), cantam o hino da Internacional com
Hugo Chávez, em Caracas, novembro de 2009. (Foto: ABN).
164
 
O chamado de Hugo Chávez pela Quinta
Internacional reabre a luta
pelo socialismo no século XXI
“Peço a este I Congresso Extraordinário do Partido Socialista Unido da
Venezuela (PSUV) que inclua em sua agenda de debate a proposta de convocar
os partidos políticos e correntes socialistas para criar a Quinta Internacional Socialista como uma nova organização que se adeque ao tempo e aos desafios que
vivemos, e se torne um instrumento de unificação e articulação da luta dos povos
para salvar este planeta”, destacou o presidente do PSUV, o Comandante Hugo
Chávez Frías. “Fico feliz de ver que o Encontro de Partidos de Esquerda tenha
aprovado esta decisão especial que não estava na agenda do encontro mas que se
incorporou como um acordo com uma importância que se perde no horizonte”.
”O presidente Chávez lembrou que a convocatória a esta Quinta Internacional Socialista tem o espírito daquelas que a antecederam, do pensamento de Karl Marx,
Friedrich Engels e Lênin, conjugadas com o pensamento de latino-americanos
como: Simón Bolívar, dos anti-imperialistas Francisco Morazán e César Augusto
Sandino.” (ABN – Agencia Bolivariana de Notícias6)
Passados cerca de 200 anos das lutas primordiais que embasaram as
organizações mundiais dos trabalhadores, as Internacionais, a humanidade se
aproxima a momentos dramáticos que podem levar ao fim do sistema capitalista
mundial – que tentará sobreviver com a guerra nuclear – e ao mesmo tempo,
à rebelião das forças produtivas que estão sinalizando que o mundo não pode
avançar sem uma organização social de tipo socialista .
Desde os anos das conquistas fundamentais em 1917 (Revolução russa
com Lenin), aos reveses sofridos a partir de 1991 (desintegração da URSS), o
salto histórico ao socialismo ainda está por acontecer. Chegou a hora? É incerto
responder, apesar de significativas e fartas demonstrações de “aptidão ao comu6 Veja mais partes do discurso de Hugo Chávez no Anexo II deste livro.
165
Anexo III
nismo” dadas pela abnegada luta dos povos do mundo, porque o enigma, já identificado por Trotsky – “a crise da humanidade é a crise de sua direção”– ainda
está por se resolver.
O chamado de Hugo Chávez por uma Quinta Internacional Socialista do
século XXI, no Congresso Extraordinário do PSUV, e I Encontro Internacional
dos Partidos de Esquerda, em novembro de 2009 em Caracas, representaram
um passo fundamental para a consolidação de uma direção revolucionária mundial, sem a qual, a humanidade corre sérios riscos de que a guerra imperialista,
apoiada em golpes de estado, se antecipe à chance de progresso e de salto ao
socialismo.
A guerra
Como analisa J. Posadas ao longo deste livro, a crise sem saída do capitalismo conduz à preparação de uma guerra final contra a humanidade, que
será atômica e bacteriológica, como é da natureza do capitalismo, egoísta e desumano. Uma demonstração da malignidade intrínseca do regime capitalista foram
as bombas nucleares contra Hiroshima e Nagasaki; sucessivamente, a guerra do
Vietnã, do Iraque, a promoção da desintegração da Iugoslávia e tantas outras
invasões, golpes de estado e assassinatos. O auto-atentado de 11 de setembro de
2001 em Nova Iorque - com o efeito de um golpe de estado de alcance mundial foi o ensaio macabro do que os EUA, o Pentágono e a Cia, com respaldo das 300
bombas nucleares de Israel estão preparando contra a humanidade, em nome de
uma suposta luta contra o “terrorismo”.
Isto ficou evidente em 2010 com a destruição da Líbia pela OTAN num
arco de oito meses e o assassinato de Muhamar Kadafi e a continuidade de um
processo de guerra do imperialismo contra as formas de organização da humanidade em busca de uma sociedade superior, tal como havia sido antes o
esquartejamento do estado operário iugoslavo. No momento em que se edita
este texto, este curso imperialista tem continuidade na agressão à Síria, à Palestina e as permanentes sabotagens e ameaças a revolução iraniana. 
O cenário de fundo é a hecatombe econômico-social do capitalismo europeu e norte-americano, que não conduz a outra conclusão que uma guerra
166
A função histórica das Internacionais
mundial contra todos os países revolucionários e governos progressistas está na
ordem do dia da agenda imperialista. Como bem alertou Hugo Chávez no seu
chamado à Quinta Internacional: “Temos que nos unir, porque o mundo acelera
tudo e, se não acelerarmos nossa unidade, o mundo se voltará contra nós”.
Frente anti-imperialista
A dinâmica do processo atual requer instrumentos políticos, marxismo
vivo para interpretar a natureza dos movimentos (tais como Ocupa Wall Street,
“Indignados” da Europa, fóruns mundiais, rebeliões das massas árabes), formular programa e a tática apropriada para cada situação para constituir uma
plataforma comum de luta anti-imperialista. Todos estes processos possuem um
ponto em comum no anti-imperialismo e em maior ou menor grau, na tomada
de medidas socioeconômicas que conduzem ao fortalecimento do papel do Estado, a cooperação internacional e, na prática, na formulação de um funcionamento alternativo as regras da economia dirigida pelo imperialismo.
Este não é um processo consciente, sob uma direção marxista. Essa deveria ser função das forças revolucionárias, mas também dos governos progressistas e de esquerda, a organização de uma frente única anti-imperialista, para
refletir, discutir e dar continuidade ao chamado de Hugo Chávez a uma Quinta
Internacional, qualquer que seja o seu nome, “Socialista”, “Comunista”, “do Século XXI”. Este não é um chamado empírico, fora de época, é a busca de uma resposta urgente diante de uma correlação mundial de forças favorável para avançar
no rumo do programa socialista. É imprescindível um instrumento unificador
mundial para organizar e potencializar as lutas locais anticapitalistas em harmonia com as lutas pelas soberanias nacionais.
Como analisou J. Posadas,
“todo processo nacional, qualquer que seja e que tenha transcendência histórica, tem suas raízes no mundo, não no país. São as relações de forças mundiais
que determinam que o processo em um país se apresente com tal magnitude, de tal
forma”.
167
Anexo III
Interessante recordar o que J. Posadas analisa sobre a Terceira
Internacional:
“Ao tomar o poder, Lênin construiu a Terceira Internacional como base e
ponto de apoio para organizar partidos comunistas em todo o mundo. A Revolução
Russa era um ponto de apoio para o avanço das lutas revolucionárias mundiais.
Era preciso formar partidos comunistas em todo o mundo com o objetivo e o programa de lutar pelo poder, de se organizar para o poder, de dar segurança, de transmitir a experiência da Revolução Russa no mundo todo”.
Não é casual que a ideia de uma Quinta Internacional surja de um dirigente como Hugo Chávez que dirige um Estado revolucionário, a Venezuela
bolivariana, e que constrói um partido revolucionário e de massas (PSUV), organiza o poder popular e comunal, mobiliza os soldados (inspirado no Exército
Vermelho de Trotsky, a quem admira conscientemente) e é um centro organizador de forças integradoras e anti-imperialistas na América Latina e no mundo,
por meio de todas as instituições unificadoras que propôs e apoiou (Unasul,
CELAC, ALBA, Telesul, Petrosul, Conselho de Defesa do Sul, etc..). Chávez sabe
que a Venezuela, sozinha, não pode vencer a batalha.
A Venezuela não é a URSS de 1917, pois surge 81 anos depois, como um
renascimento e expressão dos processos “desigual e combinado” da história e
de “revolução permanente”, como foram caracterizados por Trotsky, quando se
referiu à revolução russa despontada inesperadamente num país atrasado, sem
proletariado, semifeudal, e que triunfou somente graças a uma direção revolucionária inigualável, dirigida por Lenin e pelo Partido Bolchevique. A revolução
bolivariana é hoje um exemplo, tenta suprir a função que cumpriu a URSS durante os primeiros anos de sua revolução, e concentra todas as energias vivas dos
países que não abjuraram o socialismo, como Cuba, China e Vietnã, e de países
como a Rússia que, apesar da crise dos anos 90, continuam representando, embora limitadamente, a necessidade histórica do socialismo. Hugo Chávez insiste
no princípio de que não há possibilidades de “socialismo num só país”, de que
há que estender a revolução ao mundo para que um país possa avançar ao socialismo. Por isso compreendeu a necessidade de uma Quinta Internacional.
168
A função histórica das Internacionais
Hoje, o mundo necessita manter vivas todas estas experiências organizadas por ele (que Chávez viva), mas necessita também que a revolução venezuelana avance, assim como o seu triunfo depende da consolidação do internacionalismo, do avanço da integração latino-americana e também da cooperação
internacional anti-imperialista7
O imprescindível debate teórico e balance histórico
do desaparecimento da URSS
A ideia de uma Quinta Internacional cria a extraordinária oportunidade
para discutir e tirar conclusões das experiências da história, a partir do desaparecimento da URSS, para unificar as várias forças e correntes revolucionárias.
Dando-se ou não uma Internacional, esta batalha teórica, objetiva de ideias é
fundamental. Um verdadeiro balanço sobre as razões da queda da ex-URSS ainda
não foi feito pelos teóricos, pelos movimentos sociais, pelos dirigentes políticos.
Sem a dialética, que foi a metodologia de Marx e Engels, é difícil compreender o significado da defesa incondicional da URSS feita por J. Posadas em
sua época, e muito menos avaliar o papel da Rússia atual no contexto mundial.
J. Posadas, até os anos 80, previa a possibilidade da regeneração parcial
dos Estados operários, devido à correlação de forças resultante do pós-guerra,
com o surgimento de 14 Estados operários e uma enorme expansão seja interna
da economia soviética, seja da sua área de influência pelas radicais transformações sociais que promovia, e também pelos países que se libertavam do colonialismo e adotavam o modelo ou medidas socialistas, como os países africanos, a
China, o Vietnã, o Cambodja. A ruptura do isolamento, finalmente, recolocava
em movimento uma alternativa socialista para o mundo.
Mas, ao mesmo tempo jamais deixou de considerar, como Trotsky, que
se a revolução russa não se estendesse ao mundo, se não se reconstituísse uma
Internacional Comunista agregando os movimentos revolucionários de todo o
mundo, com programa e objetivos claros, que estimulasse a reconquista do fun7 Leia mais sobre a revolução venezuelana: “Quem tem medo de Hugo Chávez?” (autor; FC Leite Filho, Editora Aquariana, 2012)
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Anexo III
cionamento soviético, o poder popular das comunas, do exército revolucionário
e das milícias, e dos partidos embasados na teoria e prática do socialismo, combatendo o burocratismo e a prepotência, os riscos de um retrocesso na URSS
existiam. A quase profética previsão de Trotsky em seu livro A Revolução Traída,
de 1936, com a descrição detalhada dos mecanismos do desmoronamento,
comprovou-se tragicamente, e a URSS implodiu.
Nos territórios da ex-URSS houve um retrocesso descomunal com o golpe
de 1990, com a desintegração do bloco em nações independentes, as guerras internas, o saqueio das riquezas e sua apropriação privada por parte da oligarquia
“comunista” ou diretamente pelos capitais imperialistas e os descendentes dos
antigos emigrantes “brancos”, monárquicos, a destruição das conquistas sociais,
o ressurgimento da pobreza e da indigência, a corrupção em massa, os nacionalismos e manipulações religiosas, a reabilitação de monarquias e regimes reacionários, e enfim, o terrorismo.
A URSS não era um modelo, mas um programa parcialmente aplicado,
distorcido, dirigido por uma casta que não estava à altura do projeto original,
mas que se mostrou essencial para tirar milhões de seres humanos do atraso. Foi
esta mesma casta, como analisou Trotsky, que antes que dar o poder às massas (o
renascimento do poder direto dos sovietes), preferiu entregá-lo ao imperialismo,
às máfias, aos clãs dominantes das antigas nacionalidades.
A desintegração da URSS foi produto de uma correlação de forças mundiais, culminadas nos anos 1990, em que a revolução mundial não se estendeu
devido, em grande parte, à degeneração teórico-politica e prática dos partidos
comunistas (a começar da própria URSS) e muitos movimentos revolucionários,
ao seu isolamento, à persistência em buscar vias nacionais ou parlamentares,
quando era evidente que o imperialismo atuava unificadamente, pela sua natureza de classe, para cercar e isolar a influência da URSS no mundo. O Chile, Angola, Moçambique, Namíbia, Etiópia, Afeganistão e muitos outros países foram
palco deste enfrentamento que J. Posadas denominava “sistema contra sistema”.
A URSS intervia militarmente, em apoio à revolução anticolonial e que
propendia para soluções de tipo socialista, mas não tinha um partido revolucionário à altura do que o processo de unificação exigia. Vitórias foram obtidas,
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A função histórica das Internacionais
como em Angola e na Namíbia contra o regime do apartheid e o imperialismo,
com a participação internacionalista e direta de Cuba, enquanto que a atuação
direta do imperialismo EUA na “resistência” afegã levou ao retrocesso das conquistas revolucionárias e, pelas contradições internas na própria URSS, à derrota militar naquele país. Na Europa oriental, o Pacto de Varsóvia , que serviu
para vencer a guerra contra os nazistas, manteve-se somente como um aparato
militar, que não representava a prática de uma integração socialista, muito diferente da que é proposta hoje. As relações de Moscou com a periferia eram muito
inferiores à ideia de uma construção socialista. Por isso se desfez como castelo
de areia.
A degeneração stalinista e seus resultados trágicos na burocratização interior da URSS e demais estados operário, criaram as condições que permitiram
ao imperialismo introduzir ideologias e práticas antissocialistas nestes países. As
guerras entre a China e a URSS nos anos 70, a invasão do Vietnã pela China, revelavam o agir de castas completamente alheias ao marxismo e ao internacionalismo. Enquanto a URSS dava apoio aos movimentos revolucionários no mundo,
a China passou a apoiar a contrarrevolução armada, sustentando a Unita em
Angola e a Renamo em Moçambique, chegando ao absurdo de apoiar Pinochet
no Chile! Para a URSS ter podido avançar ao socialismo, a revolução teria que
ter se estendido mundialmente. Não houve direção à altura para isso. As facções
e fraturas no movimento revolucionário proliferaram. O comunismo europeu
naufragou no “eurocomunismo”, no lavar-se as mãos quanto à questão soviética
(a teoria do “fim da força propulsiva da Revolução de Outubro”, de Enrico Berlinguer – do ex-Partido Comunista Italiano), em busca da terceira via,  jogou-se
nos braços do cretinismo parlamentar, tomando distância da URSS. O heroísmo
e o sangue das massas mundiais não foram suficientes para deter o imperialismo.
Os países coloniais libertados ficaram isolados, tiveram que renunciar às experiências socialistas, ou inventar vias próprias, como a Líbia, a Etiópia, e muitos
países da América Latina. A História mostrou, tragicamente, que não havia e não
há qualquer possibilidade da realização de um “socialismo em um só país”.
Além disso, faltou apoio do movimento comunista da época aos movimentos nacionalistas revolucionários sui generis que surgiram na América Latina e na África, como o peronismo, o varguismo e cardenismo. Essa “tradição”
muitas vezes levou os comunistas a estarem nas barricadas opostas às da classe
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Anexo III
operária, como na Argentina: os comunistas diziam que Perón era um fascista
em pleno 1973, quando do seu retorno, enquanto uma massa enorme de jovens
e trabalhadores gritavam, “Perón, Evita, a pátria socialista”, pelas ruas de Buenos
Aires, no momento em que a Argentina, aliás, havia acabado de reatar as relações diplomáticas com Cuba. Para não falar do Brasil, com a tática equivocada
do PCB com relação a Vargas. Significou hostilizar ou ignorar toda uma série de
movimentos nacionalistas, potenciais aliados da URSS, como o governo de Velasco Alvarado no Peru, de Juan José Torres na Bolívia. Significou também isolar
aqueles movimentos, e deixá-los à mercê dos contragolpes do imperialismo que
preparou a onda reacionária e a Operação Condor.
Essa incompreensão abriu os flancos do sistema socialista mundial para
o ataque imperialista. A degeneração e depois, dissolução (por Stalin) da Terceira
Internacional, anteriormente, havia sido a prova cabal de que a URSS se voltava
para dentro, e não havia uma tática para minar o capitalismo na sua periferia,
conquistando apoio e alianças com as direções emergentes na luta pela independência nacional daqueles países, que Lenin, ao contrário, levava em extrema
consideração em sua época. Não houve herdeiro ou dirigente que atualizasse essa
sua enorme capacidade tática, salvo J. Posadas em toda a sua obra sobre o tema.
Mas hoje, o tema é incontornável.
O renascimento do socialismo
Entretanto, atualmente, a experiência social e uma parte da estrutura
econômica, a forte participação do Estado em setores estratégicos da economia
como a energia, a defesa, a indústria pesada, os centros tecnológicos, ainda persistem na Rússia e em alguns ex-países socialistas. A memória histórica do povo
soviético, apesar do proliferar de correntes e poderes reacionários naqueles territórios, e de uma gigantesca manipulação midiática para apagá-la, não pode
ser cancelada. Os imperialistas chamam a este fenômeno de sobrevivências do
“nacionalismo russo”, ou “nostalgia das garantias do socialismo”, mas seu verdadeiro conteúdo é a reminiscência de que estes povos só obtiveram dignidade e
progresso no período socialista, apesar de todas as distorções do regime. E que
a experiência de capitalismo selvagem a que foram submetidos estes povos, está
172
A função histórica das Internacionais
chegando ao seu limite, passadas as ilusões de que todos seriam beneficiados pela
“democracia” ocidental.
Há inúmeros registros de setores que buscam realizar uma severa avaliação da tragédia da desestruturação da antiga URSS e, em parte, isto se reflete
nas sucessivas iniciativas de cooperação e reunificação Rússia-China. É sintomático que os russos tenham sinalizado uma maior disposição de enfrentamento
bélico contra os EUA e a OTAN, contra a instalação de escudos antimísseis na
proximidade de sua fronteira – o Chefe do Estado Maior da Rússia afirmou claramente que haverá uma resposta “heterodoxa” caso estes sejam efetivamente
instalados – que também ameaçam a China. É a estrutura latente do Estado operário, que reage a partir do exército (que recentemente reabilitou, sintomaticamente, o hino do Exército Vermelho fundado por Trotsky) e da política exterior
anti-imperialista, contra os setores neoliberais e a nova burguesia interna, rechaçando provocações e atentados sob o comando da CIA, as chamadas “revoluções
coloridas” como a da Ucrânia, que nada mais são que intervenções externas para
impedir que as massas, finalmente, retomem o caminho do socialismo sobre
bases infinitamente superiores ao comunismo burocrático.
Só esta análise permite entender a firmeza com que Putin, junto aos dirigentes chineses, enfrenta o imperialismo na questão da Síria e no palco internacional. Trata-se de setores provenientes das castas burocráticas, da chamada
“nomenclatura comunista”, que não têm futuro nem como novas burguesias, pois
não são donas dos meios de produção, nem como castas nacionais, já que temem
sucumbir frente à invasão imperialista direta, como ocorreu na Iugoslávia, no
Iraque, na Líbia, e está ocorrendo na Síria, onde, por exemplo,  atuam com sentido geopolítico anti-imperialista, ao contrário do que fizeram na Líbia, quando
simplesmente lavaram as mãos. Aqui não se trata de analisar se são dirigentes
revolucionários autênticos, o fato é que se propõem a deter as mãos do imperialismo e a retomar algumas das conquistas mais importantes do que foi o Estado
operário. A reaproximação com a China, neste sentido, e a cooperação militar,
particularmente, possuem um sentido histórico enorme para a proteção da humanidade inteira contra o mundo unipolar imperialista. São esboços de uma
Frente Única Anti-imperialista Mundial.
173
Anexo III
A crise do capitalismo torna premente formar
novas direções revolucionárias
Desde a queda do “muro de Berlin” e o desmembramento da URSS, os
profetas do capitalismo decretaram “o fim da história”, ou seja, para eles, o “fim
do comunismo”. O mesmo acreditaram também muitos movimentos de esquerda no mundo, ao ver o desaparecimento da URSS, a dissolução do Pacto de
Varsóvia, o refluxo de alguns centros da revolução mundial a formas capitalistas,
da Rússia, à China, do Vietnã aos países do Leste Europeu.
Poucos previram que o capitalismo se encontraria, no século XXI, num
beco sem saída, com o desemprego em massa, o fim do chamado “estado de bem
estar social”, a quebradeira do sistema financeiro, alimentando a perspectiva de
novas guerras como única via de saída para a crise, tal como previu Marx. Muitos
viam na globalização e na revolução tecnológica o início de uma nova era de
prosperidade. Ledo engano.
Os “socialistas” nos governos, em grande parte responsáveis pela aplicação incondicional das receitas neoliberais que levaram ao desastre, assumiram,
diretamente, após a queda da URSS, a gestão das políticas imperialistas e neoliberais, apoiando as guerras no Iraque, Afeganistão, Líbia, e a preparação da
agressão ao Irã. Os “socialistas” franceses, em plena crise, dão-se ao luxo de fazer
uma miniguerra colonial no Mali. Os alemães, sem ruborizar pelo passado nazista, prestam apoio a todos os serviços sujos da OTAN. Até pequenos países à
beira do colapso orçamentário e com forte crise de identidade nacional, como
a Bélgica, tentam tirar um pedaço do butim de guerra. A Itália, mesmo falida
e sem poder dar emprego a seu povo, se dá ao luxo de participar das aventuras
militares do imperialismo USA por todo o mundo, como ajudante de ordens.
Até onde a subserviência dos herdeiros da socialdemocracia, cúmplices de duas
guerras mundiais, poderá impedir a rebelião das massas europeias?
Um deputado belga, Laurent Louis, por exemplo, condenou o apoio da
Bélgica à ação intervencionista da França em Mali, sinalizando que uma nova
esquerda deve surgir: “Não há nenhuma coerência no fato da França ir ajudar o
Mali em nome da luta contra o terrorismo islâmico, quando estamos ao mesmo
tempo apoiando na Síria a derrubada de Bashar Al Assad pelos rebeldes islamitas
174
A função histórica das Internacionais
que querem impor a sharia, como ocorreu na Tunísia ou na Líbia. Realmente, é
preciso parar de falar mentiras e de achar que as pessoas são idiotas”. Fissuras
aparecem na velha socialdemocracia. Significa que o sismo tem raízes profundas.
Apesar das aventuras e provocações atuais, o capitalismo pode não sobreviver a uma nova guerra global e generalizada. Todas as guerras mundiais
precedentes conduziram a uma série de movimentos revolucionários. Se os movimentos de greves, protestos e rebeliões na Europa e no mundo ainda não encontram uma via revolucionária, é porque o terremoto soviético soterrou, definitivamente, grande parte das direções tradicionais do movimento operário. Mas
novas direções devem surgir, pressionadas pela necessidade de não se retroceder
à barbárie. Os ventos do renascimento latino-americano estão chegando. Veja-se
a grande influencia da revolução venezuelana sobre o partido Syriza da Grécia
que propõe nacionalização dos bancos, a ruptura com o FMI e o Banco europeu.
A única saída para a Europa chama-se socialismo.
Mesmo nos países árabes, onde é evidente a falta de direções revolucionárias, socialistas, de classe, que conduzam as rebeliões contra a opressão nacional e social para soluções anticapitalistas, não há estabilidade alguma, e os
movimentos islâmicos não podem oferecer resposta às demandas dos oprimidos,
se não tomam medidas de caráter anticapitalista. Por isso a História preme para
a formação de novos líderes, movimentos, teoria e prática que respondam a essa
necessidade. E a solução não pode ser outra que uma nova Internacional revolucionária com base no marxismo como teoria. Parafraseando Marx: “Os filósofos
(hoje os Fóruns Sociais) se dedicaram até hoje a explicar o mundo (hoje a globalização capitalista); agora, do que se trata é de mudá-lo”. Um instrumento para a
ação.
A única resposta possível contra a guerra imperialista é formar
uma nova internacional revolucionária de massas
É preciso compreender a natureza híbrida deste processo dinâmico, a
necessidade do apoio tático-estratégico a revoluções sui generis, cujas direções
podem não se dizer marxistas, nem empunhar a bandeira do socialismo, mas
podem construir conselhos de poder popular direto, quaisquer sejam os seus
nomes e formas, e formar parte de novos organismos ou blocos internacionais,
175
Anexo III
como a CELAC na América do Sul, a ALBA, outras alianças regionais, ou o Movimento dos Não-alinhados, que na sua 16ª reunião, convocada pelo Irã, reuniu
em 2012, 120 países em Teherã para debater a situação mundial e opor-se à
pressão imperialista para lançar a guerra.
A própria Revolução Islâmica de 1979, por exemplo, sob a direção religiosa de Khomeini, sacudiu as estruturas retrógradas do Irã, o poder dos magnatas do petróleo, derrubando a ditadura pró-imperialista do Xá Reza Pahlevi,
resgatando o nacionalismo de Mossadegh com tremendo apoio popular, constituindo milícias armadas, incorporando mulheres – cujo chador era e é um
símbolo de resistência à cultura ocidental imperialista – promovendo um excepcional avanço tecnológico, dando inicio a um período de significativas transformações socioeconômicas e políticas. Hoje o Irã é um exemplo de articulação
regional anti-imperialista, defendendo a construção do gasoduto desde o Irã,
passando pelo Paquistão, até a Índia; estabelecendo esquemas de cooperação industrial e tecnológica com Venezuela, Equador e Bolivia, ampliando suas relações com Cuba e criando um meio de comunicação soberano como a Hispantv,
com o evidente objetivo de fazer a disputa politica internacional.
O imperialismo esperava que todos se submetessem à “nova ordem
mundial” da OTAN e do Conselho de Segurança, mas perdeu o controle. Entretanto, a falta de uma coordenação mundial leva a consequências trágicas, como
a agressão à Líbia e o brutal assassinato de Kadafi, a destruição do país e suas
conquistas sociais, sem nenhum mandato nem direito internacional. Paradoxalmente, na Cúpula da América do Sul-África (Venezuela, 2009) Kadafi havia
chamado a formar uma “OTAN do Sul” para defender as revoluções da América
Latina e da África. O mesmo negociava com Putin a instalação de uma base naval
russa na Líbia, buscando proteção contra a nova ocupação colonial, que ocorreu
com a cumplicidade e o silêncio de boa parte da “esquerda” mundial. O mesmo
ocorre agora quanto à Síria. A novidade é a mudança de posição da China e da
Rússia. E o debate sobre a Quinta Internacional, ao qual está dedicado este livro.
J. Posadas, nos anos 80, analisava que o capitalismo mundial não iria permitir a URSS retornar aos sete primeiros anos da revolução russa, nem chegar
à regeneração completa; antes disso, iria lançar a guerra total. Hoje, o ressurgir
da perspectiva de um socialismo de poder direto das massas, sem castas nem
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A função histórica das Internacionais
opressão, socialmente justo, como jamais deveria ter deixado de ser, assombra o
mundo capitalista.
Daí o pavor e o ódio contra Hugo Chávez, veiculado pelo império midiático mundial, que teve a ousadia de chamar à formação de uma Quinta Internacional, a partir das experiências das Internacionais anteriores. Se se realiza,
esta seria fatal para o imperialismo. Antes de partir para operar-se em Cuba,
Chávez disse ao povo: “Rodillas al suelo!” (Estejamos alertas!). O imperialismo
já tentou assassiná-lo, já tentou o golpe de estado, prepara a guerra e faz provocações, como contra Cuba, contra a Síria, os golpes em Honduras e no Paraguai,
atua contra a união dos países latino-americanos, intervêm na África de modo
brutal, insiste em preparar a agressão contra o Irã apesar de todas as evidências
que a “arma nuclear” daquele país é uma ficção. Jamais foi tão ativa a máquina
de guerra do imperialismo, que esquenta os seus motores e multiplica os seus
ataques escondidos sob a covarde máscara dos “drones”. Não há que se ter ilusões
sobre um mundo pacífico, sem que os trabalhadores de todo o mundo se unam
sob a égide de uma nova Internacional.
É preciso organizar a “guerra preventiva” contra estas agressões, seja na
cooperação e na integração de blocos de países, no desenvolvimento da independência tecnológica aplicada às indústrias bélicas e às comunicações via satélite,
na formação de organismos como o Conselho de Defesa da América do Sul ,
no desenvolvimento de meios de comunicação transformadores e anti-imperialistas, como a Telesul e a Hispantv.
Mas, sobretudo, é prioritário atender ao chamado feito por Hugo Chávez
para a unificação das forças de esquerda , dos países progressistas contra o imperialismo, sendo o seu aspecto mais elevado a formação de uma Quinta Internacional, como instrumento consciente de regaste de toda a experiência histórica
revolucionária dos povos e com capacidade de formalizar uma unidade pratica
e teórica em defesa do socialismo como única possibilidade para a humanidadehoje enfrentar e superar o charco atômico e a barbárie que o imperialismo prepara . É preciso consciência, teoria, debate e ação para esta nova fase do século XXI.
Jornal Revolução Socialista1
Fevereiro de 2013
1 Ver no site: www.revolucaosocialista.com
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