Sonegação, Fraude e Evasão Fiscal
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Sonegação, Fraude e Evasão Fiscal
CICLO DE ESTUDOS Seminários Sone g ação Soneg ação,, Fraudes e Ev asão Fiscal Evasão Dezembro/97 CICLO DE ESTUDOS Seminários Sone g ação Soneg ação,, Fraudes e Ev asão Fiscal Evasão Volume VII 05 de dezembro de 1997 Maceió- AL Índice Apresentação .......................................................................................... 07 Introdução ............................................................................................... 09 Fatores que limitam a arrecadação da Previdência Social Adalberto Bandeira de Melo Neto Fiscal de Contribuições Previdenciárias - AL. ......................................... .11 Crimes contra a ordem tributária Francisco Augusto Carlos Auditor-fiscal do Tesouro Nacional no Estado de Alagoas ................... 15 A cultura brasileira frente aos tributos Dênis Ubirajara Sarmento Lisboa Secretaria da Fazenda do Estado de Alagoas ...................................... 27 A Procuradoria do INSS, a fiscalização e a ação penal Bruno Mendes Procurador do INSS ............................................................................ 35 A natureza jurídica do crime fiscal Delson Lyra Fonseca Procurador da República ....................................................................... 39 A Polícia Federal no combate à sonegação e à fraude Marco Omena Delegado da Polícia Federal de Alagoas ............................................. 53 A relação fisco-contribuinte Evilásio Feitosa da Silva Procurador do Estado de Alagoas .......................................................... 57 Os partícipes da persecução criminal em matéria tributária Paulo Roberto de Oliveira Lima Juiz Federal ............................................................................................ 65 Apresentação Dando prosseguimento à discussão sobre Sonegação, Fraudes e Evasão Fiscal, a ANFIP realizou por intermédio de seu Centro de Estudos este Seminário com a participação das fiscalizações federais, estaduais e municipais, além de Procuradores do INSS e da República, Delegado de Polícia Federal e Juiz Federal, objetivando a análise das ações praticadas por sonegadores e fraudadores. A perda de receitas oriundas da sonegação e da fraude representa somas expressivas e a cada dia descobrem-se novos métodos utilizados pelos audaciosos na arte de “burlar o fisco” e de escapar impunemente das penas das leis. Hoje, os poucos contribuintes que pagam, acabam pagando uma imensa carga fiscal, cruel e perversa com incidências elevadíssimas, decorrentes dos “espertos” sonegadores e fraudadores. O princípio universal é de que “onde todos pagam, todos pagam menos”. Os depoimentos aqui publicados são um libelo público contra a indigna proteção aos sonegadores e aos fraudadores. São depoimentos fortes, incisivos, partindo principalmente de profissionais, estudiosos e técnicos em legislação fiscal e penal. Servem, sobretudo, de alerta ao país sobre as “falhas legislativas” propositadamente elaboradas pelos protetores em favor de seus protegidos. Infelizmente, essas maldades acabam sendo aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Executivo. Este Seminário realizado pela ANFIP e AFIPAL - Associação dos Fiscais Previdenciários de Alagoas, em Maceió-AL. Os sonegadores e fraudadores não são combatidos. Ao contrário, são protegidos por artifícios de leis. Quem acaba diante do juiz para ser condenado - como é constatado - são sempre os pequenos contribuintes. É preciso que a sociedade comece a exigir tratamento de respeito e honestidade entre todos, inclusive e principalmente, dos que aprovam, 7 ou deixam ser aprovadas legislações antipatrióticas, vergonhosas, protecionistas e de impunidade aos sonegadores e fraudadores. Os debates realizados em Macieó-AL foram extraordinariamente objetivos e sobretudo denunciadores quanto aos métodos empregados por especialistas na burla da legislação tributária ou previdenciária e que resulta na enorme prática da sonegação. Somos um país pobre com ricos e nababescos fraudadores que continuam impunes ao império das leis. Esperamos contribuir para o aperfeiçoamento das instituições e arregimentação dos que se dispõem a lutar bravamente contra essas práticas impatrióticas e de esperteza nacional. ANFIP Conselho Executivo 8 Introdução Os debates realizados durante o VII Seminário sobre a "Sonegação, a Fraude e a Evasão Fiscal" promovidos pela ANFIP, com o apoio da AFIPAL, foram o principal evento ocorrido em Maceió-AL, a respeito dos estudos quanto à eficiência da fiscalização, além de oferecerem aos participantes subsídios profissionais dos mais objetivos e práticos para o trabalho diário. Participaram do Seminário fiscais da Previdência Social de Alagoas, da Bahia e do Maranhão, objetivando incentivar o debate a respeito das reiteradas práticas da Sonegação, Fraude e Evasão Fiscal. Ao mesmo tempo, trocar experiências entre as entidades que representam as carreiras de fiscais de Municípios, Estado e União, com conteúdo diferenciado em relação às diferenças sócioeconômica. É louvável a iniciativa da ANFIP e esperamos que a entidade mantenha sempre essa saudável preocupação, tanto com o trabalho fiscal como também com a consolidação da Previdência Social. Os Auditores da Receita Federal, da Previdência e do Trabalho, participantes do Seminário, ofereceram às entidades, principalmente às pequenas e médias empresas os ensinamentos quanto ao combate a sonegação e da evasão fiscal que reflete a desobediência ao cumprimento das obrigações empresariais com a Sociedade e a Nação. Como o corpo arrecadador é composto de profissionais a quem cabe aplicar e cobrar dos responsáveis o valor instituído é de ressaltar a falta de condições materiais e humanas dos órgãos referidos, principalmente face ao reduzido número de auditores em relação ao universo de contribuintes. A qualidade dos serviços prestados pelos servidores nos setores de arrecadação e fiscalização demonstra a dedicação e o esforço sobre-humano deste contingente. Daí a razão das entidades nacionais, como ANFIP, em cobrar dos órgãos governamentais os meios mais adequados para que o contingente fiscal seja mais eficiente e sobretudo mais produtivo no seu trabalho. A AFIPAL agradece em dividir o sucesso deste Seminário com a ANFIP e espera que possamos, juntos, realizar outros, como por 9 exemplo, sobre a Reforma Tributária, que além de criar novas oportunidades para trocas de experiências, servem também como fator de valorização profissional para a categoria de Auditores Fiscais da Previdência Social. Francisco de Carvalho Melo Presidente da AFIPAL 10 Fatores que limitam a arrecadação da Previdência Social Expositor: Adalberto Bandeira de Melo Neto Fiscal de Contribuições Previdenciárias - AL Como é sabido, a existência de empregos não formais repercute de modo direto e negativo sobre o nível de arrecadação. A fraude e a sonegação, por seu lado, têm efeitos algo diferentes. O combate a ambas é dificultado, no âmbito da Previdência Social, pela legislação complexa e suas constantes mudanças, além da interpretação restritiva da legislação sobre o sigilo bancário e fiscal. Estamos próximos a ter um sigilo fiscal e bancário que a tudo protege, transformando o Brasil em mais um paraíso fiscal. Outro fator limitante é o nível de renúncia de receita, na forma de imunidade e isenções, especialmente na área da filantropia dedicada à saúde e à educação. Entre os fatores administrativos que dificultam o combate à fraude e à sonegação destacam-se: a descontinuidade administrativa, as mudanças constantes de chefias e direções; a falta de entrosamento com os demais órgãos fiscalizadores , e à morosidade na solução de processos administrativos. E por último, mas muito importante, o número insuficiente de fiscais: para um universo de cerca de 4 milhões de empresas há aproximadamente 3.500 fiscais na ativa, o que perfaz uma média de 1.200 empresas por fiscal. Em termos comparativos, a arrecadação do ICMS ultrapassa os 30 bilhões de reais e conta com um total de 30 mil fiscais. Aspectos sócio-culturais são muito importantes, em especial a falta de educação e de conscientização sobre a importância do pagamento da contribuição previdenciária pela pouca consciência sobre a função desta instituição. Os mecanismos de evasão fiscal são muitos, como a falta de 11 recolhimento, o não-recolhimento de contribuições retidas, a apropriação indébita ou como depositário infiel. Os casos são constatados e os responsáveis autuados, porém raríssimos são os casos em que os infratores são punidos e presos. Percebe-se, deste modo, a fragilidade da legislação penal aplicável nesses casos. Como melhorar a arrecadação e a fiscalização Antes de mais nada, é necessário rever a legislação, buscando rever a isenções fiscais e a legislação sobre o sigilo bancário e fiscal. É preciso rever a legislação sobre o processo administrativo fiscal, sobre as infrações e penalidades previdenciárias; dotar o INSS de setor de informática mais eficiente; ampliar e intensificar a caça aos sonegadores; tornar célere e eficaz a cobrança fiscal e a aplicação das penalidades correspondentes. Com tantas notificações emitidas, muitas apresentam problemas nos relatórios dos fiscais. Muitos são os entraves na esfera judicial e qualquer advogado, mesmo com pouca experiência na área, pode prejudicar o processo. Por isto, muitos são os processos que se arrastam por tempo demasiado. Em Alagoas, há casos gritantes, como os usineiros e dos prefeitos. Não se tem notícia desses dois grupos tenham sido responsabilizados por danos à Previdência. Ainda assim, o combate à sonegação deve ser aperfeiçoado como medida de repressão. No geral todos conhecemos o que deve ser feito nas esferas administrativas estadual e federal: rever a legislação, encurtar os prazos de tramitação dos processos e conscientizar a sociedade. Aparentemente apenas o Governo Federal não sabe o que deve ser feito, pois pouco faz neste sentido. Registro de empregados e suas implicações previdenciárias O Ministério do Trabalho expediu Portaria desobrigando as empresas de registrar o livro de empregados no Ministério. 12 A Portaria do Ministério do Trabalho não recebeu regulamentação, o que impossibilita reconhecer as possibilidades e os efeitos de sua aplicação. Sem a apresentação da documentação correspondente fica mais difícil confirmar afirmação da empresa de que não tem empregados. De certo modo podemos afirmar que através de normal infralegal revogam-se artigos da CLT. Mesmo que a fiscalização chame a atenção para essas possibilidades, ocorre que responsáveis regionais das Delegacias do Trabalho acabem abonando os fraudadores, colocando às vezes a instituição contra a fiscalização. Se é o fiscal do INSS que constata a falta de registro, estará também levantando uma irregularidade trabalhista. Ele incluirá em seu relatório referente à obtenção da CND, no campo das observações, que a empresa embora declarasse não ter empregados, na verdade os tem. Infelizmente não há condições de checar as informações prestadas pela empresas, já que em Alagoas há apenas 19 fiscais da Previdência, dos quais 9 ou 10 em serviço interno. Como se observa, uma portaria afeta a relação de emprego declarada, diz respeito também ao INSS. Teria sido sem dúvida preferível que a Previdência tivesse participado e da implementação daquela, o que aparentemente não ocorreu. Dificuldades processuais e legais O fiscal notifica a apropriação indébita constatada nesses casos, fotocopia a folha de pagamentos, monta o processo e o encaminha à Procuradoria. Este é o caso muito freqüente com usinas de açúcar de Alagoas e também com prefeituras, nas quais é o prefeito, salvo prova em contrário, o responsável pelo não recolhimento, especialmente em municípios pequenos e com poucos recursos. Nem sempre a Procuradoria do INSS entende da mesma maneira o encaminhamento dado pelo fiscal, embora o fato em si da retenção da contribuição descontada esteja mais que comprovado. O fiscal só toma conhecimento do andamento do processo se a Procuradoria solicita mais alguma informação. E de todo modo, ao que consta, a queixa-crime só é gerada após todos os recursos na esfera administrativa. A morosidade no andamento dos processos é grande, tanto 13 na esfera administrativa quanto na judicial, e ela estimula bastante a evasão. Ao que tudo indica a fiscalização e os órgãos envolvidos consideram essa situação muito séria, mas o governo não. Mesmo a morosidade do Judiciário é mencionada, mas pouco se faz para resolvêla. Ao contrário, os problemas vão se avolumando. No Estado de Alagoas a receita da Previdência gira na faixa de 16 a 18 milhões de reais, enquanto a despesa se aproxima dos 40 milhões. Por outro lado, sabemos exatamente quem não recolhe a contribuição. As usinas, as prefeituras e o Estado de Alagoas não o fazem, as empresas de construção só o fazem com problemas e entraves. As pilhas de processos comprovam esse estado de coisas. Contudo, no fim do mês, a Previdência tem que pagar as aposentadorias e os benefícios. Os débitos dos governos O governo do estado é o maior devedor da Previdência em Alagoas. Seu débito deve estar atualmente no nível da arrecadação anual da Previdência no estado. Os processos para cobrança se arrastam inexplicavelmente por anos e resultam em nada. Não há consciência na sociedade sobre a responsabilidade dos governantes para com a Previdência, e por isto também não há pressão pública. Para atuar melhorando o nível de conscientização e da cultura de nossa população, o Instituto conta com o Núcleo de Orientação ao Contribuinte. Seus servidores vão às escolas e tentam convencer o segurado do futuro, para que ele entenda que é necessário recolher as contribuições, única forma de garantir os benefícios do futuro. A questão não se resolve facilmente. Há municípios em Alagoas com empregados assalariados recebendo R$ 1,00 por mês. É evidente que o Tribunal de Contas tem conhecimento dessa situação, ma nada fazem para saná-la. O fiscal constata a irregularidade e calcula a contribuição correspondente ao número de funcionários, mas já aí começam as contestações ao total de pessoal empregado. Por outro lado, a Previdência paga ao menos um salário mínimo como benefício, o que sem dúvida contribui para manter o estímulo previdenciário. No interior, os beneficiários acabam ficando em posição invejada, até mesmo com relação a muitos servidores das prefeituras. 14 Crimes contra a ordem tributária Expositor: Francisco Augusto Carlos. Auditor-fiscal do Tesouro Nacional no Estado de Alagoas "A consciência popular reluta em admitir que as infrações fiscais possam configurar o ilícito criminoso. Em revendo, antes na ação ou omissão contrárias às leis, uma forma de defesa da liberdade natural, contra as atuações fiscais"... "Concordamos em sustentar que a evasão tributária deve ser implacavelmente perseguida, mediante o aperfeiçoamento dos métodos destinados a localizá-la e investigá-la e mediante severa repressão consistente em penalidades fortemente gravosas para o infrator. Que ela seja não só reparatória, mas também exemplar". Rui Barbosa Nogueira Crimes contra a ordem tributária são atualmente tratados na forma da Lei nº 8.137/90. Ela elenca as condições que caracterizam a fraude e a sonegação por parte do contribuinte. A elas corresponde algum tipo de crime correlato, como falsidade ideológica, falsidade material, a própria sonegação e a fraude. As práticas que levam à fraude e à sonegação são possibilitadas, em boa parte, pela fragilidade dos controles sobre o sistema bancário. A paranóia com relação ao sigilo bancário, como caracterizou um colega, permite acobertar o uso dos expedientes mais eficazes para fraudar e sonegar, contornando os objetivos da legislação, principalmente no tocante ao imposto de renda da pessoa jurídica. 15 As fraudes cambiais A fraude cambial é, no geral, realizada por meio de outra empresa, muitas vezes em paraíso fiscal. Ela aparece como a importadora de valores subfaturados de exportação, e os repassa para o destinatário final, em outro país, pelo valor de mercado. A diferença fica no exterior, consubstanciando saída irregular de divisas e sonegação no interior do país. Uma das permissividades mais gritantes são as chamadas contas de não residentes, conhecidas com CC5 (Carta-circular no 5 do Banco Central). Aquela circular permite aos residentes no exterior abrirem conta no Banco do Brasil e movimentá-la, ingressando e retirando dinheiro do país com grande facilidade. Em uma ação fiscal em São Paulo foi constatado um investimento de capital no valor de 200 milhões de dólares de uma grande empresa multinacional em sua subsidiária no Brasil. A quantia ingressou através de banco particular, via Banco Central. Conforme as normas, o banco particular tem a liberdade de conversão das divisas. Sendo mais vantajosa, a conversão ocorreu no mercado paralelo. No mesmo dia, a empresa diluiu o montante em contas por trinta e dois bancos. Logo em seguida o dinheiro retornou a uma instituição financeira que o depositou em conta de não residente (CC5). Tendo permissão para remete-lo para o exterior, a instituição financeira solicitou sua conversão em dólar pelo câmbio oficial. Em suma: o dólar foi comprado pelo câmbio oficial, vendido no paralelo e novamente comprado pelo câmbio oficial. Com isto, a empresa consolidou sua fraude fiscal e ainda auferiu um ganho de 800 mil dólares, ficando com seu capital com os devidos registros para efeitos fiscais. As transações com paraísos fiscais Algo semelhante e igualmente pernicioso é a permissão às empresas de transacionarem livremente com paraísos fiscais, as 16 operações chamadas "off shore". Basta que qualquer empresário abra uma empresa no estrangeiro, aproveitando sobretudo os chamados "paraísos fiscais" e passe a operar com ela. A Lei no 9.430/96 tenta evitar qualquer transação com empresas no estrangeiro quando houver coligação ou outra forma de relacionamento entre empresas o que é, contudo, muito difícil de comprovar. Essas relações são mais uma vez acobertadas pelo sigilo bancário, tanto no Brasil como nos demais países. Em muitos casos basta algo em torno de 600 mil dólares ou até menos (há registro de que com cem mil dólares abre-se um banco em paraíso fiscal) para abrir uma firma no exterior, que permite a remessa de quantias expressivas, caracterizando a fraude cambial. Outro tipo de fraude se baseia em uma operação de comércio exterior. Se há a intenção de remeter dólares para o exterior, basta declarar um faturamento de exportação supervalorizado. No caso de um produto importado receber algum benefício fiscal, um faturamento supervalorizado permite remeter divisas para o exterior. E uma importação subfaturada permite pagar menos imposto no país. Como sonegação gera sonegação, o dinheiro retorna ao país na forma de empréstimos. Os pseudobancos remetem o montante emprestando-o, gerando encargos financeiros e cambiais, ocasionando e justificando a remessa de juros devidos pela concessão dos empréstimos. Expedientes semelhantes são utilizados por um grande banco quando precisa injetar recursos em empresa por ele controlada, mas não tem interesse em aumentar oficialmente o capital desta última. Remete o dinheiro para o exterior que retorna como empréstimo concedido por banco também sediado no exterior, embora na verdade constitua novo investimento. Fraudes com contas fantasmas A confiança na impunidade é tamanha em nosso país que, no caso aludido, o banco A remeteu dinheiro para o Uruguai por determinação de outra empresa B. A mesma B e outra C receberam um empréstimo de um banco de paraíso fiscal. Mas, contabilmente, o banco fez apenas um simples lançamento débito-crédito, alegando que recebeu 17 dinheiro de um banco do exterior, proveniente de operação conhecida como "off shore". Embora as leis brasileiras prevejam penas claras, há uma grande facilidade para abrir conta bancária em nome de outra pessoa, o chamado "laranja". Em episódio recente, em tempos de campanha política uma pessoa solicitou emprego em comitê de candidato, onde lhe pediram que deixasse seus documentos. Tempos depois foi detectada grande movimentação bancária em seu nome, embora ela seguisse desempregada. A fiscalização esbarrou na negativa do banco oficial em questão de quebrar o sigilo bancário. Feita a pressão mediante intimação e verificada a ficha bancária, constatou-se que a assinatura não era do titular da conta e o endereço declarado correspondia ao do irmão do candidato. O sigilo bancário e fiscal A falta de controle sobre os sistema bancário permite com facilidade a lavagem de dinheiro. Boa parte dessa permissividade se fundamenta em uma concepção exacerbada do sigilo bancário. Este é incluído entre os direitos e garantias individuais, estendido à pessoa jurídica. No entanto, pessoa jurídica não é indivíduo, ela não passa de uma ficção legal. A defesa do sigilo bancário é feita dando a entender que o fiscal tenha qualquer interesse em levantar todos os detalhes da vida particular de cada um. Relevantes são apenas as informações que levem a constatar sonegação e fraude, que são aquelas escondidas pelo sigilo bancário. Temos que concordar com um estudo francês que afirma que fraude se combate basicamente com decisão política, com firmeza na aplicação da lei, preparo técnico do auditor e do fiscal. Infelizmente temos que reconhecer que no Brasil, não existe decisão política de combater a sonegação e a fraude. O sigilo bancário está regulamentado no Código Tributário Nacional, objeto da Lei no 5.172/66 que prevê que, mediante intimação, todas as informações sobre bens, negócios, atividades de terceiros, inclusive relações com os bancos, devem ser prestadas à autoridade administrativa. A Lei que trata do Sistema Financeiro, 18 também prevê que agentes do Tesouro terão acesso a informações bancárias. De modo semelhante está prevista a quebra do sigilo bancário na Lei no 8.021/90. São, portanto, inúmeras as situações em que não há o sigilo bancário. Dever de resguardar informações fiscais A obrigação de guardar reservas e solicitação de riquezas dos contribuintes se estende a todos os funcionários do Ministério da Fazenda e demais servidores públicos, que por dever de ofício vierem a ter conhecimento da situação. Nesse sentido, se a informação é repassada para o fisco estadual, fisco previdenciário ou fisco municipal. Todos têm o dever de guardar sigilo. Nesses casos, não há quebra de sigilo, apenas sua transferência. Há uma preocupação exacerbada, um certa paranóia, com relação ao sigilo na Receita Federal e isto tem suas razões, pois já sofremos alguns problemas em função de aberturas indevidas de informação. Não há desconfiança frente ao colega da Previdência, do Ministério do Trabalho ou do Estado, apenas uma certa preocupação quanto ao uso da informação. Há convênios entre os vários órgãos de fiscalização que devem ser ampliados e concretizados através do diálogo. Atualmente os respectivos responsáveis no estado nem se conhecem. Em Alagoas a Receita Federal mantém maior contato com a Secretaria de Fazenda, mas há outras informações muito importantes que só a Previdência ou o Ministério do Trabalho podem fornecer. De modo semelhante, a Receita dispõe de dados importantes para os demais órgãos. Falta apenas administrar o intercâmbio de informações no nível regional, sem a necessidade de encaminhar a questão até Brasília. Os delegados e diretores regionais podem e devem discutir e implementar uma ação conjunta dentro de suas áreas de atuação relacionada ao que realmente interessa a cada órgão. Deste modo, contribuímos para uma maior aproximação em todos os níveis. 19 Deficiência de informações entre órgãos públicos Há deficiências em todos os órgãos públicos e, muitas vezes, somos criticados por erros que nem cometemos. Sua atuação depende de políticas públicas que são impostas às instâncias de arrecadação e fiscalização. A Receita Federal sobrevive em função do denodo de seu corpo técnico e o mesmo podemos dizer com relação à Previdência. O agente administrativo e o público pensam, freqüentemente, em garantir o funcionamento da máquina, mas seu aprimoramento pode ser facilmente incentivo, por exemplo, pela maior aproximação entre os vários órgãos de fiscalização. Por outro lado é bastante sintomático que o texto da Lei no 9.034/95, conhecida como lei do colarinho branco, abra a hipótese de que se realize a "repressão a ações praticadas por organismos criminosos, permitindo acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. Na hipótese da violação de sigilo, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotando o mais rigoroso segredo de justiça. Ora, um dos princípios do processo é a publicidade, mas nesse tipo de crime prevê-se "o mais rigoroso segredo de justiça". Eis uma das razões da não punição nessa área. No entanto, ouvimos com muita freqüência o discurso cômodo de que a informação sigilosa seria usada pelo fiscal para extorquir o contribuinte. Não se pode negar que há problemas reais nesse campo, mas não cabe a generalização fácil. Para tratar as informações bancárias com o cuidado devido, não falta legislação que permita em casos qualificados quebrar o sigilo bancário, apenas firmeza em sua aplicação e preparo técnico do aparelho fiscalizador. Os agentes do fisco nos âmbitos federal, previdenciário, estadual e municipal passam por um processo muito rigoroso de seleção e de preparação. Para ingressar na carreira de nada adiantam o conhecimento pessoal ou influências políticas. Não só o concurso público de ingresso é absolutamente idôneo, como ele é complementado com treinamento eliminatório bastante rigoroso. Mesmo assim, também os agentes do fisco necessitam reciclagem constante, até para permitir acompanhar a evolução da atuação dos contribuintes e dos sonegadores. 20 Modalidades de delitos e de como coibi-los Crimes mais comuns e disseminados são cometidos com o uso de documentos fiscais inidôneos: as notas fiscais paralela, calçada, a meia nota, a nota sanfonada, etc. a sonegação pode ser vista como uma casa de muitas portas. Enquanto fechamos uma, os sonegadores abrem outras. O CPF é fornecido na Delegacia da Receita Federal em alguns casos específicos. No geral, contudo, um convênio firmado no nível nacional com o Ministério das Comunicações passou essa responsabilidade para os Correios. A justificativa foi a falta de funcionários na Receita Federal, que hoje conta com a metade do número de funcionários em atividade do início da década de 80. Os auditores são os maiores críticos dessa transferência de responsabilidade, pois a emissão do CPF por parte dos correios constitui uma constante fonte de problemas. Atualmente os auditores da Receita Federal estão combatendo o chamado "soft" dos sonegadores. Quando uma empresa de repente aparece fornecendo nota fiscal, a mudança radical nem sempre significa que o empresário tenha se tornado consciente de suas obrigações fiscais. Ele pode estar simplesmente utilizando o mencionado "software", que automaticamente, ao emitir a nota totaliza menos que devia, pois aplica um redutor. Para combater esse tipo de sonegação é necessária a informação correspondente. Contudo, informação custa dinheiro e a Receita não dispõe de recursos para adquirir o programa de computação que lhe permitiria descobrir a sonegação. O Departamento de Investigação da Receita realiza um trabalho arriscado e não dispõe de meios para comprar a informação necessária, pois falta a decisão política de adquiri-la. Fisco no Brasil e nos Estados Unidos A prática do serviço norteamericano IRS de fiscalização oferece uma alternativa interessante. Ele dispõe dos chamados 21 investigadores, como no Brasil, e de uma equipe especializada composta de fiscais mais experientes, denominados investigadores criminais, especializados em crimes tributários. O fisco americano trabalha junto com um promotor público. No Brasil há também a Procuradoria da Republica que, contudo, ainda trabalha muito afastada da fiscalização. Não há, por exemplo, um promotor público atuando junto à fiscalização da Previdência ou da Receita Federal. Apenas o fisco estadual às vezes consegue um promotor para trabalhar junto, para acionar perante a Justiça ou para obter determinado tipo de informação, que não se consiga pelos meios normalmente disponíveis. Nos Estados Unidos, o Departamento de Investigação trabalha em conjunto com promotores. Sua função é antes de tudo exemplar. Eles escolhem 5 mil contribuintes para serem fiscalizados mais de perto e que apresentam alta probabilidade de serem exemplarmente punidos, inclusive com detenção. Nessas operações a conversão do débito tributário em crédito não é o objetivo principal. A questão é tornar a sonegação um risco muito sério. Em função da cooperação do Departamento com um promotor público, tendo acesso à Justiça, inclusive para quebrar sigilo bancário, fiscal e telefônico, muitos sonegadores acabam na cadeia. Um detalhe importante ajuda muito: qualquer transação acima de U$ 10.000,00 nos Estados Unidos é automaticamente informada ao IRS. Leis do sigilo bancário no Brasil No Brasil também há uma lei que permite levantar o sigilo bancário em muitas situações. Mas nem essas possibilidades são devidamente utilizadas. Por exemplo, o Banco Central, um órgão do governo mantém sigilo para a Receita Federal, unicamente porque não há um convênio entre os dois órgãos. Em Alagoas a situação é especialmente crítica. O agente do fisco é colocado muitas vezes em situação inexplicavelmente incomoda perante a Justiça. Certa vez, por ter apresentado representação penal contra um contribuinte em caso de nota calçada, fui chamado a prestar depoimento na Justiça Federal e me senti quase como um criminoso. A 22 tal ponto que o próprio juiz me alertou para manter a calma e não ficar preocupado porque não era o réu. O Procurador da República a tudo assistia, enquanto o advogado do contribuinte fazia carga contra o fiscal que havia apresentado a representação penal. Aquela e outras experiências me fizeram concluir que a seqüência da execução penal não está destinada à condenação. Ao contrário. Prender sonegador não é medida popular, enquanto defender o próprio emprego sempre encontra justificativa. Por isto as leis são aprovadas, com todas imperfeições embutidas, e sua execução se pauta por outra filosofia. Defendendo, ao contrário, que a função da arrecadação não é só arrecadar, mas também incorporar ao universo de contribuintes os que se mantém à margem, que se furtam a contribuir com o Estado para o bem comum. Só podemos melhorar essa realidade, para a geração atual, através da punição. Por outro lado, podemos alcançar e aperfeiçoar a consciência tributária das futuras gerações com educação. Por isto, é imprescindível revogar o art. 34 da Lei no 9.249/95: ele permite aumentar no curto prazo a arrecadação, o que é muito cômodo, porque o contribuinte antes da denúncia ou da prisão acaba recolhendo o tributo. Mas, do ponto de vista educativo, ou seja, de tornar a sonegação um risco, a possibilidade de extinção da punibilidade mediante o recolhimento do tributo é péssima. A anistia fiscal no Brasil A Lei no 4.862, de 1965, anistiou quem tinha grande quantidade de bens que não tinham sido declarados. O decreto-lei no 94/66, que também instituiu o fundo 157 que jamais foi devolvido aos contribuintes, permitiu àqueles que não o tivessem feito em 1965, incluir os bens ainda não declarados no ano seguinte e, além disto, previu que qualquer contribuinte que tivesse praticado contrabando ou descaminho, desde que pagasse o tributo, ficava isento da multa. Recolhendo o tributo, estava extinta a punibilidade. A extinção da punibilidade pelo recolhimento do tributo constitui, na verdade, o grande incentivo legal à sonegação. Ela institui um risco calculado. Sonega-se e espera-se para ver o que acontece. Se 23 o fiscal descobrir algo - o que não muito provável já que há em média entre 1.100 e 1.200 contribuintes para cada fiscal - e ainda conseguir caracterizar a situação como crime, recolhe-se o tributo, mas só após discutir em duas instâncias administrativas, aproveitando todas as brechas legais. Nessas circunstâncias, só paga em dia o tributo quem é bobo. Com o mesmo espírito são editadas com certa regularidade as leis de fim de ano. Diante da falta e da desorganização da fiscalização o governo acaba optando pelo caminho aparentemente mais fácil. As anistias permitem aumentar a arrecadação no curto prazo, alguns pagam e outros escapam. Se hoje vivemos em um "mar de sonegação", se estima-se que para cada real recolhido um real devido não o é, esta situação deve-se a todas as facilidades descritas acima para quem não está propenso a cumprir com suas obrigações tributárias, aliadas à carga tributária mal distribuída. E mais ainda: a sonegação é de fato incentivada em nosso país. O processo administrativo e o judicial Desde a entrada em vigência da Lei no 9.430/96, todo processo que envolva crime fiscal, tem prioridade no julgamento. Para tal, já na capa do processo é inserida uma informação sobre essa prioridade. Em média um processo fiscal tramita de um a três anos na instância administrativa até seu julgamento. A demora na esfera administrativa se deve ao fato, não justificável, de haver duas instâncias de julgamento, na delegacia de julgamento e no Conselho de Contribuintes. Na França, por exemplo, há apenas uma instância administrativa, com poder de decisão judicial. Lembremos que, no Brasil, cada instância permite novas demandas de tempo, ainda antes da esfera judiciária. Após até três instâncias administrativas, no Poder Judiciário o processo passa por juizes singulares, tribunais, Câmaras do STJ em alguns casos. O contribuinte pode recorrer, havendo divergência nos Conselhos, até a Câmara Superior. 24 Convenhamos que a estrutura legal hoje existente permite que o contribuinte quase perpetue o processo, já que isto é de seu interesse. Ele pensa no geral que, já que vai pagar, melhor adiar o recolhimento, aproveitando todas as esferas existentes. A demora não pode ser imputada à ação fiscal, ou a sua eficiência. É a norma de cobrança de débito que é mal estruturada. Outro aspecto relevante é a falta de vontade de tornar efetivas as políticas de arrecadação ou de tributação do Estado. A carga tributária estimada como proporção do PIB vem aumentando, especialmente no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas ainda não é das mais altas em termos internacionais. Mas é altíssima em termos individuais. Ela é pesada para quem paga e baixa comparada com o que o Estado necessita. O problema é a má distribuição da carga tributária. Não existe no Brasil um tributo sobre grandes fortunas, embora ele seja dos mais justos. Ele se destinaria a tributar o que a pessoa sonegou durante toda a vida. No entanto, esse imposto nunca é aprovado e ninguém quer regulamentar a questão. Resta sempre a opção de aumentar o imposto de renda do assalariado, que é o elo mais fraco. O fiscal se esforça combatendo sonegação, e ouve as críticas do contribuinte e dos órgãos de imprensa de que o dinheiro é mal aplicado. O fiscal tem suas justificativas mas como não desanimar frente as críticas, muitas vezes justas? É claro que vale a pena continuarmos trabalhando, pois o Estado é a nossa casa. Se abrirmos mão de nossas obrigações, cada um em seu órgão, afundamos todos juntos. Condições de trabalho são precárias Assim como na Previdência, também na Receita Federal melhores condições de trabalho pra a fiscalização são negadas. Aos chefes não resta outra saída senão lutar constantemente para conseguir equipamentos e melhorias nos locais de trabalho. Temos todos consciência de que de um aspecto não pode ser esquecido: a formação profissional não pode ser negligenciada, para que não afundemos, que é o que a classe dominante e o governo querem. Eles não têm interesse em que estejamos mais capacitados para exercer nossa função. Mas, por outro lado, nem sempre o pessoal que atende no 25 balcão na Receita Federal está informado sobre a base de dados e como ter acesso a eles. Por isto, aconselho aos colegas da Previdência ou do Ministério do Trabalho que se dirijam a outro colega de seu mesmo nível na Receita para agilizar a troca possível de informações. Entendendo que mesmo as informações sob sigilo fiscal podem e devem ser repassadas a colega identificado de outros órgãos. O sigilo é transferido para ele, que se responsabiliza também pelo uso da informação. A Lei prevê que o Ministério Público pode requisitar qualquer informação fiscal. Há, além disto, a interpretação oficial por escrito, de que o administrador pode fornecer a informação necessária não apenas ao Ministério Público, atendo-se ao preceito legal de que a prova deve ser obtida sempre por meios lícitos, como o do ofício do administrador. A troca de informações pode ser bastante agilizada entre colegas fiscais dos vários órgãos, melhorando-se muito o diálogo entre eles. Nesses casos, as exigências formais serão facilmente superadas. 26 A cultura brasileira frente aos tributos Expositor: Dênis Ubirajara Sarmento Lisboa Secretaria da Fazenda do Estado de Alagoas Não temos a tradição de uma cultura de pagar imposto. Certamente isto se deve ao fato de que o seu recolhimento não é relacionado com uma prestação do Estado, como educação e saúde. O retorno do que se arrecada, nos níveis da união, dos estados e dos municípios, não é mostrado para a população, independente dos desvios de recursos que sempre podem ocorrer. Os métodos de fiscalização permanecem os mesmos de dez anos atrás, enquanto o contribuinte busca aperfeiçoar sua atuação mediante o uso de melhor tecnologia. A aplicação da informática é certamente o melhor exemplo. O microcomputador só começou a ser usado na Secretaria em 1995. Até então, pouco se realizava em termos de acompanhamento efetivo de fiscalização, pois todo o controle era feito mediante processos manuais, o que dificultava sobremodo o gerenciamento da fiscalização. Os fiscais pouco conhecimento tinham do que as empresas faziam. Essa defasagem tecnológica abria para a sonegação, pois se o contribuinte não se sente controlado, vigiado e pressionado, ele fica mais disposto a praticar a sonegação fiscal. Só uma estrutura eficaz e tecnologicamente avançada permite o acompanhamento necessário. A morosidade na cobrança dos débitos também funciona como incentivo à sonegação e a fraudes. Se na União, como foi mencionado, o prazo efetivo para cobrança se estende de um a três anos, no estado já chegou em alguns casos a dez anos. A fase administrativa é no geral muito longa, o que implica que, ao final, a empresa-contribuinte muitas vezes já desapareceu. 27 A evasão e a elisão fiscais A doutrina criou denominações úteis. Evasão são os atos delituosos, contrários à sociedade, como a prática da fraude fiscal propriamente dita. A elisão fiscal é realizada nos limites impostos pela Lei, quando por exemplo, empresas aplicam um planejamento fiscal. Em termos sociais, o tributo constitui fator econômico central, pois é através da tributação que o Estado tem condições de regular atividades e os mercados. Além disto, se há contribuintes que não recolhem os tributos, a carga tributária tem que ser aumentada para os que pagam. A nossa associação menciona um nível de sonegação em torno de 40%, embora na realidade ele seja maior. É bastante plausível estimar que para cada real arrecadado um real é sonegado. O limite entre elisão e evasão fiscal nem sempre é nítido. Das usinas de açúcar era cobrado, até 1988, o ICMS referente à circulação da cana da produção proveniente de terras de sua propriedade destinada ao parque industrial próprio. Elas ingressaram com ação judicial e ganharam no STF a isenção daquela cobrança, com a justificativa de que se trataria de mera circulação física, diferente da transferência de propriedade, sobre a qual incide o ICMS. Na época, 70 % da cana era proveniente de fornecedores, os restantes 30% correspondiam à chamada cana própria. Após a sentença do STF pudemos verificar uma exata inversão nessa participação. Os empresários usineiros decidiram comprar ou arrendar mais terras com o objetivo de não recolher o imposto. Um raciocínio normal, diante do que lhe permitia a jurisprudência, ao qual nada se pode opor, já que comprar ou arrendar terras é atividade perfeitamente lícita. Até algumas autuações foram realizadas, a partir da presunção de evasão fiscal, derivada da verificação daquela inversão de participação na cana moída nas usinas. O que a situação impunha, e só mais tarde foi feito, era levantar se realmente o aumento de cana própria correspondia a uma compra efetiva de propriedade ou se existia um contrato de arrendamento e se este era perfeitamente tipificado. Em alguns casos, era apresentado um contrato de arrendamento. O fornecedor de cana, enquanto pessoa física, continuava a declarar a posse daquela terra, não mencionando 28 qualquer contrato de locação. Em outras palavras, o fornecedor simulava a operação para o estado, com o fim de fugir da tributação. O caso é interessante para mostrar como o que parecia ser um caso clássico de elisão fiscal era, de fato, evasão fiscal. Caracterizálo foi bastante difícil, pois faltavam os elementos de prova. A operação era aparentemente correta, mas a investigação posterior mostrou o contrário. O intercâmbio de informações de informática e a capacitação profissional. Há que se levar sempre em conta que existe o sigilo fiscal, mas permanece a questão se ele deve ser respeitado também entre entes tributantes. A Receita Federal coloca à disposição muitas informações, mas nem sempre oficialmente, impedindo que elas sirvam de elemento instrutivo do processo fiscal. Interessante seria, por exemplo, instituir a consulta à Procuradoria para definir se uma informação pode ser usada como elemento de prova. A utilização de informações precisa ser otimizada por uma boa estrutura de informática. Se há 30 mil fiscais em todo o país, na Secretaria de Fazenda do Estado de Alagoas são apenas 300 na ativa. Comparado com os poucos - menos de 20 - da Receita Federal no estado, o panorama no aparelho estadual nem parece tão grave. Na verdade, há um quadro de grande carência na fiscalização. Segundo levantamento anterior, no estado seriam necessários mais de 700 fiscais para atender minimamente às necessidades, mas estudo mais recente estima o mínimo necessário em pouco mais de 400. Mediante o uso da informática, com o contingente atual de fiscais, o estado já poderia fazer um acompanhamento bastante efetivo dos contribuintes. O uso da fiscalização pelos governos Há colegas que comparam os fiscais a cachorros. O Poder 29 Executivo os utiliza quando deles necessitam, para pressionar algo ou alguém. Ao levantar dados importantes sofri na própria pele intervenções de vários tipos, no sentido de suspender as investigações, sob a alegação de que não teria direito de faze-las em algumas empresas, das quais eu teria que me retirar. Sem dúvida uma situação desmoralizadora. Em boa parte, esse tipo de pressão decorre do fato de dependermos de órgãos, de dirigentes e de governos que são mutáveis. A categoria dos fiscais tem decerto todo interesse no avanço continuado de sua capacidade técnica. O governo, ao contrário, pouco se interessa por isso. Os documentos fiscais muitas vezes não são apresentados ou se extraviam, sem o que não fica registrada a saída ou entrada de mercadoria. As informações comunicadas por meio magnético entre estados permitem, por seu turno, um acompanhamento muito mais eficaz dos contribuintes que movimentam carga para dentro ou para fora do estado. Sublinhe-se que qualquer fiscal que seja aprovado em concurso público terá que contar com uma base adequada de recursos de informática, sob pena de não conseguir escapar da forma arcaica de fiscalizar. A Secretaria da Fazenda propõe-se a criar uma base sólida de trabalho em moldes modernos em quatro anos. Os crimes contra a ordem tributária Em relação ao crime contra a ordem tributária, temos algumas dificuldades bem concretas. Em primeiro lugar, o Poder Judiciário não tem o hábito de aplicar com o rigor devido a legislação tributária. Os argumentos contra a arrecadação de tributos são bastante variados. Há pessoas que invocam o fato de que, sendo o Estado um grande caloteiro, como poderia querer ir contra o contribuinte faltoso por obrigação tributária não cumprida. Nos tribunais verifica-se uma tendência perigosa de não considerar como crime várias transgressões previstas nas lei tributária. No geral, se o processo não for muito bem instruído, com seus elementos bem tipificados, a caracterização do crime não é aceita. Um problema para o INSS constitui comumente a empresa que descontou mas não recolheu o montante respectivo, alegando problemas de caixa. 30 Até bem pouco tempo, ao que parece, considerava-se não estar diante de crime tributário quando a empresa demonstrasse tê-lo gasto em outros pagamentos necessários. No geral, as dificuldades de aplicação dos dispositivos legais, pelas exigências postas para a caracterização penal, têm inibido a condenação por crimes tributários, especialmente nos casos de sonegação fiscal. E natural que o contribuinte não queira ter, além do processo administrativo contra si, um outro paralelo qualificando-o como autor de crime contra a ordem tributária. Ao ter que se defender nos dois âmbitos, seus custos aumentam. Por outro lado, um processo criminal requer maior qualificação tanto do fiscal, que deve narrar os fatos necessários para a notícia-crime, base para a denúncia, quanto do próprio representante do Ministério Público, já que não se trata de situação normal. A qualificação especial de ambos para este tipo de processo só foi efetivada também a partir de 1995 mediante convênio específico. Desde então qualquer contribuinte sabe que pode ser enquadrado também em crime contra a ordem tributária. Notas falsas ou fraudulentas Uma das modalidades mais comuns é a nota calçada, que se caracteriza pelo fato de que da primeira via, que é entregue ao destinatário da mercadoria, muitas vezes localizado em outro estado, e das duas seguintes, necessárias para operação de transito, consta o valor correto mas das duas que permanecem no talão o valor é lançado em montante bem menor. Este é o mesmo que o contribuinte utiliza para sua escrituração contábil e sobre o qual recolhe o tributo devido. Este delito tributário, na prática, é detectado mediante diligência em outros estados. Se o estado é próximo, a investigação é bem mais fácil que no caso de estados mais longínquos. Não estamos nos referindo a casos isolados, sua ocorrência é diária e em grande quantidade. Juntar um maior número de notas fiscais, remeter à Secretaria 31 de Fazenda do estado em questão mediante processo, solicitando que os fiscais de lá façam a diligência demora no geral meses para surtir efeito. Resultados melhores e mais rápidos têm sido alcançados deslocando fiscais para os estados destinatários onde, em conjunto com os colegas locais, realizam as diligências necessárias. Atualmente, detectar este tipo de movimentação fraudulenta é muito mais fácil, pois as empresas já estão remetendo as informações de venda por meios eletrônicos, mas verificar a sonegação ainda depende de levantamento em outros estados. Dificuldades impostas para punir a sonegação A Lei nº 4.729, de 1965, que tratava de sonegação fiscal, incluía um aspecto positivo, pois exigia, para tipificar o crime, apenas a necessidade da conduta respectiva. Quer dizer, seria um crime de mera conduta, a intenção do contribuinte em sonegar já era suficiente para caracterizar o crime. A Lei nº 8. 137/90, ao contrário, trouxe em seu artigo 1° uma modificação importante: não basta apenas a demonstração da conduta, exige-se agora a efetiva supressão ou redução do tributo devido. Na prática a nova redação implica que, mesmo quando se constata em flagrante, em diligência com polícia civil e Ministério Público, a não emissão de nota fiscal no próprio estabelecimento e o contribuinte alega, como de praxe, que seu funcionário esqueceu, ainda lhe resta outra linha de argumentação. A não emissão da nota constitui apenas indício de sonegação, pois o contribuinte não está obrigado a recolher o imposto no momento da venda, já que tem um prazo até o dia 10 do mês seguinte, variando conforme a legislação de cada estado. Assim sendo, a não emissão da nota não implicaria em supressão do tributo. Em alguns desses casos já se verifica, por isto, contribuinte ingressando com pedido de habeas corpus alegando que não haveria tipificação concreta do crime. A falta da emissão da nota fiscal é, no caso, apresentada como acessória, devido a possível falha de funcionário. Em função disto, a penalidade passa também a acessória. É um direito do Estado exigir o recolhimento do tributo, pois estaria ocorrendo perda de arrecadação, mas os elementos não seriam suficientes para caracterizar o crime. Pois, o contribuinte, mesmo com 32 mercadoria saindo sem documentação, no final do prazo previsto ainda poderia emitir a nota respectiva para recolher o tributo devido. Este argumento tem sido aceito pelo Judiciário, com base na redação da nova lei, que exige a comprovação do não recolhimento pare tipificar o crime. O mesmo tipo de defesa contra a constatação de nota calçada tem sido utilizado ao se verificar valores em vias de nota fiscal apreendidas em fiscalização no interior do estado, diferentes da nota existente na empresa. A extinção da punibilidade Sabemos que a Lei nº 9.249/95 trouxe a exclusão de punibilidade quando o contribuinte efetua o pagamento do tributo. O objetivo da Lei nº 8. 137/90, por seu lado, é a tutela do tributo, quer dizer, resguardar o pagamento do tributo que constitui o fator fundamental. Portanto, se o contribuinte efetiva o recolhimento, mesmo depois de ter sido iniciado o processo, dois tipos de argumentação são possíveis. A primeira enfatiza que, se o contribuinte pode prever a extinção da punibilidade, ele estaria sendo incentivado a não recolher o tributo no prazo previsto, pois não terá receio em voltar a não pagar, já que sempre será possível faze-lo antes da denúncia pelo Ministério Público, caso seja alcançado pela fiscalização. O outro ponto de vista é mais técnico. O paralelo com o crime de homicídio ajuda a esclarecer o argumento: naquele caso o que se quer tutelar é a vida humana. Uma vez cometido o homicídio não há mais nada a fazer para reaver a vida humana. Assim sendo, também não há possibilidade de extinção da punibilidade que possibilite devolver a vida ao assassinado. No caso tributário há, ao contrário, a possibilidade de que o contribuinte efetue o recolhimento do tributo, mesmo que não o tenha feito no tempo devido. A doutrina do Direito tem se fundamentado no fato de que assim se justificaria a extinção da punibilidade, já que o objetivo principal - o do recolhimento do tributo - ainda pode ser alcançado. Assim sendo, a nova lei veio para ajudar a administração pública a cobrar efetivamente o tributo. Ela não passa de um meio coercitivo, da área penal, para obrigar o recolhimento do tributo. 33 Por outro lado, a Lei nº 9.430/96 trazia um problema sério. Ela dificultava a representação fiscal, exigindo que fosse feita só após o julgamento administrativo. Como é sabido, o processo administrativo é longo e pode ocorrer a prescrição na área penal antes que se chegue à denúncia. Contra esse dispositivo, ao que parece, o próprio Ministério Público interpôs uma medida cautelar ou outra de tipo semelhante, tentando sustar seus efeitos. Seu argumento é que seria indevido vincular e condicionar a ação do Ministério Público ao fim do julgamento do processo administrativo, o que foi aceito pelo STF, dentro do raciocínio de que a ação é pública e incondicionada. Quer dizer que seus representantes, tendo conhecimento da infração, podem proceder à denúncia, conforme o caso, sem esperar o processo administrativo. O contribuinte, por seu turno, levanta que há sempre a possibilidade, que ocorre na prática, de que o alguém seja condenado por crime contra a ordem tributária, pelo lado penal, e a própria administração julgue improcedente a autuação original, sendo ela a instancia competente por excelência para o lançamento do tributo. Se ela mesma declara que não caberia o recolhimento do tributo, como pode alguém ser condenado pelo seu não recolhimento? Há que se explicar que há autonomia de julgamento e o Judiciário sempre se sobrepõe ao órgão administrativo. No campo civil isto é muito comum. Um fato civil tem repercussões na área penal e o juiz neste âmbito não precisa esperar a definição ou o julgamento do fato na área civil. O juiz da área penal pode fazer o julgamento e chegar a posicionamento diferente, já que sua decisão não está vinculada a outras instancias, nem mesmo do próprio Poder Judiciário. Com mais razão ainda, se justifica a não vinculação entre órgão judicial e administrativo. 34 A Procuradoria do INSS, a fiscalização e a ação penal Expositor: Bruno Mendes Procurador do INSS O Estado só funciona arrecadando, pois necessita de meios financeiros para promover a Saúde Pública, a Previdência, a Segurança Pública, a educação. Sem arrecadação o Estado não tem condições de cumprir satisfatoriamente sua finalidade. Por isto, tão certo como a morte é o fato de que sempre pagamos impostos. Outra certeza é que onde há imposto há sonegação, ou pelo menos tende a have-la. Esta pode ser em maior ou menor nível, conforme a carga tributária a que a sociedade esteja submetida e a confiança desta nas ações do governo ao utilizar o dinheiro público. Diante das dificuldades da investigação de fatos geradores do ilícito previdenciário, foi sugerido que a Procuradoria ou alguma instância intermediária investigue as provas necessárias para caracterizar os ilícitos penais , antes da apresentação da denúncia. Há que se lembrar, no entanto, que a Procuradoria, por suas próprias atribuições, não tem poder investigatório. A investigação é competência da Polícia Federal, que atua a pedido da Procuradoria do INSS ou do Ministério Público. Sem dúvida, como tem sido sugerido, poderia ser criada uma instância intermediária de investigação preliminar. Por exemplo uma equipe pericial, composta de fiscais com amplo conhecimento em matéria tributária e com condições de conhecer a vida contábil da empresa, além de técnicos da Polícia Federal com conhecimento e experiência de procedimentos de investigação na busca de provas suficientes para uma possível condenação. Tendo em vista as deficiências de todos, é necessário que a representação venha já instruída, bem detalhada, a partir da atividade fiscalizadora, podendo até ser encaminhada diretamente ao Ministério Público, sem mobilizar a Polícia Federal, desde que o Ministério Público não exija uma investigação mais aprofundada. Deste modo, a denúncia 35 poderia ser feita de maneira mais rápida, e seriam evitadas a prescrição das penas ou outros obstáculos à aplicação da pena. As normas e os princípios da Previdência Para cumprir as atribuições de promover a Previdência foram instituídas normas. Para manter benefícios é necessário arrecadar. Segundo cálculos atuariais, o Sistema Previdenciário Brasileiro já está trabalhando com margem muito estreita de recursos financeiros para manter seus pagamentos. Ele dificilmente sobreviverá nessas condições. Por isso, estão sendo discutidas e implementadas propostas de mudanças. O funcionamento da Previdência Social depende dos recursos disponíveis para gastos de custeio. Estamos submetidos ao sistema de repartição simples que implica que o corpo ativo sustenta o inativo. Quem está em atividade contribui para preservar aqueles que perderam os meios para se manter, por idade, por acidente, por alguma tragédia ou morte de algum ente mantenedor da família. Há, assim, duas atividades fins na Previdência Social. Os benefícios, que constituem a espinha dorsal, a razão de ser do Instituto Nacional de Seguridade Social e a arrecadação, que funciona como o pulmão do sistema. Ela busca o dinheiro para financiar a atividade-fim: a manutenção dos benefícios. Como se vê, a evasão da receita prejudica a concessão e a manutenção de benefícios, diminuindo o custeio e a atividade-fim. A fiscalização Seu grande desafio é distinguir o simples inadimplente (aquele que não paga porque não tem dinheiro), do sonegador. Sonegar é negar. O sonegador é o que nega, foge, escamoteia determinada situação para não pagar o tributo, para não pagar a exação. E a sonegação fiscal é crime. A atividade de fiscalização pode ter outros desdobramentos. Identificada uma irregularidade pode ser lavrada a notificação, que poderá desembocar no Judiciário com a execução fiscal se não ocorrer o recolhimento do tributo. A notificação pode apenas implicar em relatório fiscal que, em momento oportuno, é passível de ser utilizado para fins de 36 representação penal. A fiscalização enfrenta inúmeras dificuldades. Há dois grandes objetos de preocupação. O primeiro se refere ao limite legal de sua atuação. Em outras palavras: até onde o fiscal pode ir em sua ação, até que ponto não estará ocorrendo desvio de poder ou abuso de autoridade. A segunda preocupação, também justa e nobre, é a de fornecer ao Ministério Público Federal todos os elementos indispensáveis à sua atuação na persecução penal. Os crimes tributários referentes à Previdência Social Sua caracterização no Brasil sempre apresentou problemas, desde o seu início. A Lei Orgânica da Previdência Social, a Lei nº 3.807/60, estabelecia quatro figuras típicas no referente aos crimes previdenciários: sonegação fiscal, falsidade, estelionato e apropriação indébita. Posteriormente, teve vigência a Lei nº 4.729/65, complementada pela Lei nº 8.137/90 que trata dos crimes contra ordem tributária. Em seguida a Lei de Custeio da Previdência, que é específica para os crimes previdenciários. Nesta, o legislador estabeleceu as figuras típicas no seu famoso artigo 95. Ao faze-lo, como não podia deixar de ser, trouxe ao mesmo tempo algumas dificuldades. Estabeleceu crimes sem penas e tentou novamente equiparar figuras jurídicas diferentes. Essas deficiências técnicas têm implicado dificuldades perante o Poder Judiciário. Quanto maior o prazo mais se diluem as provas, a lembrança das pessoas sobre o fato delituoso se enfraquece, o trabalho da acusação torna-se mais difícil. A Procuradoria já tentava, ainda que de forma algo canhestra, atender as sugestões do Ministério Público, dando um importante passo no sentido de aperfeiçoar o encaminhamento de processos penais. Nela foram detalhados os elementos fundamentais pare instruir a representação penal, com o objetivo de alcançar êxito no final do processo penal e evitando, assim, que a sonegação seja incentivada. As deficiências constantes do artigo 95 da Lei nº 8.212/91, e as dificuldades decorrentes, procura indicar o melhor caminho para que o Ministério Público conheça os detalhes referentes aos fatos. E ninguém melhor que o fiscal, com sua visão prática e específica da coisa e com 37 seu embasamento legal, para procurar e juntar os elementos necessários para a representação e a denúncia. Para que sodas as instâncias envolvidas alcancem o máximo êxito em seu trabalho é altamente desejável que se mantenha a autoridade policial com os dados suficientes para sua ação e, por fim, ter resultados concretos do combate à sonegação junto ao Poder Judiciário. Atualmente é esta última etapa a grande barreira para o êxito de todo o trabalho. Para alcançar o objetivo de detalharmos ao máximo possível e necessário os fatos, impõe-se colher evidências e documentos, sempre que possível já durante o ato de fiscalização, tomando dois cuidados básicos. Não provocar injustificadamente a prestação jurisdicional na área penal e não causar constrangimentos indevidos ao contribuinte. A apropriação indébita previdenciária No caso de não recolhimento de contribuições descontadas dos empregados, na minha opinião, comete-se um crime omissivo próprio, que seria a caracterização mais correta que a de apropriação indébita. O detalhamento desta caracterização devemos ao Dr. Delson Lyra Fonseca. As deficiências já apontadas no art. 95 da Lei nº 8.212/91 com crimes sem pena prevista e remissão a outros tipos delituosos sem relação com o que se trata na Lei de Custeio, fez muita gente voltar a falar em apropriação indébita. O tipo legal é, na verdade, o de deixar de recolher, mas ainda assim há que se provar que no dia de vencimento do tributo não havia caixa para fazer o recolhimento devido e, por fim, que havia vontade não faze-lo. O não recolher o imposto apenas caracteriza o inadimplente, não ainda o sonegador. Nesta caracterização o ponto nodal é, como nas demais figuras penais, a busca da prova ou algum outro elemento mais relevante que justifique uma condenação. 38 A natureza jurídica do crime fiscal Expositor: Delson Lyra Fonseca Procurador da República Infelizmente vivemos hoje uma ausência de paradigmas, a partir dos quais devemos tratar os assuntos que nos interessam aqui. Vivemos, na verdade, esta crise de valores em todos os setores da vida social. Ela se apresenta na realidade de forma muito concreta, pois há inadequação dos fundamentos para a avaliação do que seja melhor para a sociedade. A conclusão necessária é de que devemos rever nossos fundamentos. Assim também no campo da criminalidade fiscal, ou seja, da prática de crime através de mecanismo nas relações entre contribuintes e o Estado, detectado pela fiscalização. Esse tipo de criminalidade não pode ser tratado segundo os mesmos parâmetros da criminalidade ordinária. O defeito de base está na legislação como também na concepção da lide penal pelo Ministério Público e suas conseqüências pelo Judiciário. E está também na forma de atuar dos fiscais e da Polícia Federal. A questão é, portanto, de fundamento em primeira instância. Estamos diante de criminalidade organizada que se defronta com um aparato estatal ainda profundamente desorganizado para atuar no combate ao poder econômico e, em especial, ao poder econômico delinqüente. Alguns esforços importantes têm sido desenvolvidos para aparelhar e organizar os setores de fiscalização e repressão estatais, mas os resultados ainda são claramente insuficientes. 39 Especificações do crime tributário pelos empresários O crime tributário é, por excelência, um crime organizado, um crime de empresa. O crime não ocorre por si mesmo. É uma criminalidade que dá resultados. Marx já dizia que o crime é um fato e um fator da produção social; e assim como o poeta produz poemas, o criminoso produz crimes. Na verdade ele não produz apenas crimes, mas muitos outros efeitos, inclusive o presente seminário. Somos assim todos fatores e conseqüência desse modo de produzir, segundo o pensamento marxista. Constatamos que existem dois momentos na vida empresarial nos quais o empresário se interrelaciona com o crime: quando ele passa do ato de gestão empresarial para o crime, e vice-versa, quando do crime retorna para a gestão empresarial. À medida que um delinqüente passa a atuar em escala maior, digamos um traficante de armas ou de drogas, com o que ele adquire poder econômico de peso, seu superávit de recursos habilita-o e o leva a ingressar no mundo empresarial. Ele passará do crime para os negócios com muita facilidade, já que dispõe dos recursos para faze-lo. Por outro lado existe a outra face: o homem de negócios que passa dos negócios para o crime, busca sempre obter maior rentabilidade. É com este tipo de criminalidade que aqui estamos lidando. Nesse caso, estamos lidando com pessoas capacitadas e organizadas, com a perspectiva de extrair da atividade delituosa o maior proveito possível. E elas o fazem com aceitação social, porque, embora sejam delinqüentes, não são tratadas, de modo geral, como criminosos. Ao contrário, via de regra são pessoas com marcante inserção social e política, diante das quais se desenrolam os tapetes vermelhos e nos levantamos para cumprimentá-las. O tipo de enfrentamento com elas é conseqüência deste fato. A legislação capenga não é por acaso Se há uma legislação capenga contra o crime fiscal, isto não é por acaso. A Lei nº 8.212/91, específica de custeio do INSS - define os crimes em seu artigo 95, mas não prevê a penas, em uma flagrante violação do princípio da legalidade. 40 Nos casos em que define a pena, remete para uma outra lei que não tem relação com arrecadação a Lei nº 7.492/86, chamada Lei dos Crimes Financeiros. Não é crível que as pessoas que redigiram a lei não soubessem que, pelo Princípio da Legalidade, não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal. Portanto, a lei não ocorreu por acaso. Por isto, seus efeitos também não são aleatórios. Direito penal existente não pune sonegadores Para tratar esse tipo de crimes é necessário ir mais além dos parâmetros clássicos do Direito. Teorias da ação do Direito Penal, por exemplo conforme o previsto no artigo 13 e seguintes do Código, ou ainda teorias como do tipo causalista ou finalista de pouco servem para entendermos o tipo de criminalidade em questão. O Direito Penal atualmente existente no Brasil não dá sustentação suficiente ao enfrentamento no campo tributário. Não nos resta outra coisa que tentar costurar soluções, superando as dificuldades decorrentes de nossas leis. Na verdade todo o Direito Penal, não só no Brasil, se estende sobre crimes correntes, mas pouco contribui para combater a criminalidade empresarial. Mencione-se aqui, por exemplo, toda a questão envolvida com a necessidade e a produção de provas. O Direito Penal clássico parte da teoria da responsabilidade subjetiva, segundo a qual, só é cometido um crime quando uma pessoa pratica ação de omissão voluntária e conscientemente e com um fim determinado. No caso, aplica-se a teoria finalista. Ora, no caso de um empresário que arrecada ou desconta contribuição ou imposto e não recolhe o montante respectivo, é bastante difícil, se não impossível, provar que, diante das circunstancias concretas, ele agiu deliberada e voluntariamente, com um fim determinado e preestabelecido. Seria supor um planejamento transparente, que não existe na realidade. E nunca será possível tornar a ação empresarial totalmente transparente, pois a criminalidade no interior das empresas ocorre de modo sub-reptício, mediante inúmeros artifícios contábeis e administrativos que servem para encobrir a fraude. 41 A falsificação é mais comprovada A fraude relacionada com a falsificação propriamente dita, por exemplo, de uma declaração, apresenta menos dificuldade para provar a finalidade da ação, porque estamos diante de elementos materiais e concretos que servem para demonstrar a voluntariedade do ato. Bem mais difícil é exigir elementos subjetivos de vontade deliberada voltada para atingir um fim preestabelecido, no caso de crimes que decorrem do não recolher o que foi arrecadado ou descontado. Aí há inúmeras dificuldades em provar, sem sombra de dúvida, a finalidade prévia da ação, que se somam às dificuldades decorrentes do modo como esses crimes são caracterizados segundo a prática atual do Judiciário no Brasil. A necessidade de prova da vontade subjetiva de cometer o ilícito é mais difícil de ser atendida pelo fato de que o crime é, no geral, realizado através da empresa. De pouco vale a determinação contida na Constituição, de que também as pessoas jurídicas sofrerão as conseqüências decorrentes de crime que seja praticado em seu nome. A empresa não pode ser sujeito ativo de crime, exatamente por conta da característica subjetiva do crime. A empresa não incorpora essa característica, só o ser humano. Como se observa, no campo da realização da prova e do processo, temos que desconsiderar a pessoa Jurídica. Dificuldades em punir crimes empresariais Em função de todas as dificuldades inerentes à aplicação da Lei em casos de crimes empresariais, é raríssimo que alguém seja punido por eles. E quando alguém sofre restrição de liberdade por te-los cometido, isto perdura até um habeas corpus. É necessário, portanto, que se procure urgentemente outro caminho para tratá-los juridiscionalmente, buscando punição mais adequada à própria natureza do delito. Não se dispõe, no Brasil, de instrumentos ágeis para tornar 42 transparente a relação incestuosa entre empresa e empresário. Neste aspectos estamos bastante atrasados com relação à Europa e os Estados Unidos, onde desde o séc. XVII parte-se da teoria da desconsideração da pessoa jurídica, pela qual pode-se afirmar que esta é apenas uma sombra, pois os atos são cometidos pelo empresário. Tal posição facilita sobremodo a caracterização das circunstancias reais, porque o empresário pode estar muito bem financeiramente, inclusive investindo em outros setores, enquanto sua empresa esteja falida. Há uma grande variedade de artifícios contábeis utilizando a multiplicidade de empresas e de empreendimentos, às vezes em nome de outras pessoas, conhecidas como "laranjas". Contra esses artifícios a fiscalização pouco pode fazer, pois lhe faltam os instrumentos e meios necessários. Há que se compreender que temos que passar por um período de adaptação, pois após um período de estado de excessão política e jurídica, durante o regime militar, a Constituição colocou no centro das preocupações novamente as garantias individuais dos Direitos Fundamentais do Homem. Eles são, sem dúvida, inalienáveis. Mas, desde então, eles têm sido tratados de modo quase mitológico e absoluto. Quer dizer, sendo direitos de cada um, são direitos e individuais quase absolutos, portanto inatingíveis, mesmo quando o indivíduo viole as regras de convivência social. A necessidade da licitude das provas Em termos da civilização moderna os direitos individuais se preservam na sua totalidade apenas na medida em que o indivíduo respeita as regras de convivência social. Este aspecto é também relevante no campo da prova, no qual há problemas de sua licitude. A Constituição afirma que não são admissíveis provas ilicitamente produzidas. Esta determinação tem sido levada a extremos, segundo a teoria de que "a árvore podre não produz frutos saudáveis". Exemplo: o fiscal na empresa se depara com um computador recheado de dados. Na diligência, o disco rígido do computador é apreendido, sendo tratado como documento fiscal que contém dados fiscais relevantes. Para a Justiça o disco rígido não constitui documento, 43 pois a Ciência Jurídica até agora não absorveu ainda que aquele é o meio atual de armazenar dados e insiste em não encará-lo como documento fiscal. Não o sendo, só poderia ser manuseado pela fiscalização após ordem judicial. Em outros termos, a prova foi desclassificada por ilicitude de comportamento da fiscalização. Todos sabemos que não se trata de caso pouco comum. Outro exemplo: na apreensão de um caminhão de cocaína no Ceará, uma instância judicial condenou e outra absolveu porque a Policia Federal agira após interceptar uma comunicação telefônica sem autorização judicial. Levando o argumento ao extremo, por extensão toda prova produzida foi considerada também ilícita pela Justiça. Sem dúvida, há que se rever os fundamentos dessa jurisprudência. Reiteramos que não se está pleiteando abrir mão dos Direitos Fundamentais do Homem, tampouco é necessário instrumentalizar esses direitos em prol da convivência social civilizada. Admissão da prova emprestada Quando o Ministério Público está avaliando o conjunto de fatos para verificar se há plausibilidade do fato como crime, podemos nos valer do conjunto de elementos disponíveis, que pode incluir uma prova emprestada. Mais uma vez o limite de sua utilização está na licitude da prova, que tem que ser objeto de preocupação de todos nós. De pouco adianta imaginar que a Receita Federal possa abrir seus arquivos de registros tributários e fiscais referentes a pessoas físicas ou jurídicas, por mais que esteja atendendo um pedido do Ministério Público, se mais adiante em um tribunal o juiz ou o próprio STF vier a afirmar que a obtenção dessa prova ocorreu de forma ilícita. O resultado é previsível: o processo poderá ser inteiramente anulado e todos os efeitos decorrentes daquela prova assim produzidas também serão anulados. Portanto, todos os órgãos envolvidos na fiscalização e no controle têm que ter sempre presente que terão que levar a juízo algo passível de ser aceito como prova, que resista ao contraditório, à ampla defesa e às garantias constitucionais relativas às provas e aos processos. 44 Necessidade do trabalho conjunto Só há um caminho viável, o de melhorar a organização da fiscalização e cooperar com todos os órgãos de controle envolvidos. Mas isto não basta. É preciso modificar os fundamentos jurídicos para a fiscalização e dar-lhe instrumentos baseados nos novos fundamentos. Mas há também muita resistência e dificuldades para implementar essa mudanças. As dificuldades devem ser contornadas, para o que devemos trabalhar em conjunto. Alguns empecilhos referentes aos sigilos fiscal e bancário podem certamente ser contornados e há que se buscar os meios em conjunto. Diante das dificuldades impostas pela legislação há que se fazer também uma revisão urgente dos procedimentos de nossos órgãos de controle e fiscalização. O conjunto de leis à disposição não é pequeno. A Lei nº 8.137/ 90 pune, no artigo 1°, a declaração falsa, a falsificação documental de modo geral com, o fim de suprimir ou de deixar de pagar o tributo devido ou a contribuição social. A Lei nº 8.212/91, apresenta figuras penais correlatas. Nos casos não previstos nesta lei, sempre é possível aplicar a primeira por ser mais geral ou ainda o Código Penal. Isto para não falar nas figuras penais para os quais a Lei nº 8.212/91 não define a pena respectiva, quando há que se aplicar as outras legislações mais gerais. Apropriação indébita ou crime omissivo próprio. No geral, o juiz criminal adota uma postura absolutória, que vem desde o Iluminismo do século XVIII. Só condena se não existir outra possibilidade. Esta é uma realidade da Jurisdição Criminal, com a qual temos que viver e trabalhar. No caso do crime empresarial, sofisticado por sua própria natureza, partindo dos fundamentos do Direito Penal ordinário, com todas suas deficiências, os juizes sempre encontram muitas alternativas para 45 a condenação. Um tipo dos mais discutidos é do não recolhimento das contribuições sociais como apropriação indébita. Ao utilizar esse nome jurídico, entramos em terreno escorregadio, porque o Código Penal define, no art. 168, o crime enquanto tal com elementos subjetivos da vontade de delinqüir, cujas características são quase impossíveis de provar para o crime empresarial. “Animus” da retenção para se apropriar dos valores retidos Em outros termos, a apropriação indébita implica que o sujeito recebe algo, licitamente, e posteriormente inverte o ânimo do domínio, passando a considerar a coisa como sua. Com isto, aparecem todas as dificuldades. O Juiz nesses casos exigirá, para caracterizar o ilícito, que Ministério Público, Polícia e INSS demonstrem que o dinheiro não recolhido existia em poder e à disposição do empresário. É muito difícil provar suficientemente tais comportamentos por várias razões. Primeiro, trata-se de casos que ocorreram dois ou três anos antes, que exigem que se volte atrás no tempo e se verifique exatamente a situação financeira do empresário naquele momento, uma empreitada nada fácil. Com tal lapso de tempo passado, corre-se além disto o risco da prescrição. Eis o aspecto material. No seu aspecto jurídico, o crime de "deixar de recolher", com a definição dada pela Lei nº 8.212/91 passou a ser um crime omissivo próprio. Quer dizer, ao reter ou ao descontar o empresário o faz com o único objetivo de recolher o tributo, que é a exigência da ordem jurídica específica referente ao fato. Não o fazendo, praticou um crime por omissão, previsto no Art. 13 do Código Penal. Como tal, a tipicidade do crime não exige provar a inversão de ânimo, pois a empresa simplesmente deixou de cumprir uma obrigação legal. Aliás, a inversão está contida na própria prática do empresário, pois o recurso privado, próprio do modo de produzir capitalista, por força do fenômeno da tributação, deixa de ser privado para ser público. A norma tributária transforma automaticamente esses recursos em receita pública. A partir daí, tudo que se fizer com eles constitui desvio de 46 finalidade, no caso, finalidade pública, própria, inerente e motivo da tributação. Contribuição descontada dos salários é recurso público Portanto, não há como nem por que indagar sobre apropriação ou se houve inversão de animo por estarmos diante de conduta omissiva própria. Está já consubstancia a inversão da finalidade, que fere a própria tributação. No caso da contribuição previdenciária, já se sabe que os 8% descontados do salário não pertencem ao trabalhador, como também não pertence ao empresário. É tributo, devido ao sistema previdenciário como tal. Quer dizer: a apropriação ocorre no momento em que o salário é auferido. A apropriação do recurso privado como recurso público se dá, pelo fenômeno da tributação, naquele momento, a partir do qual tem-se desvio de finalidade. O aspecto subjetivo do comportamento ilícito nos crimes tributários como o de falsificação, é facilmente verificável, pois são crimes comissivos, que se realizam por atos através dos quais as pessoas ao comete-los ou omitirem-se de comete-lo, deixam transparente tanto o elemento objetivo quanto o subjetivo de sua ação. Segundo a lei do crime não há nada contraditório em afirmar que haja um crime omissivo, já que um crime pode ocorrer por ação ou omissão. A dificuldade reside em comprovar que a omissão aconteceu de forma voluntária e finalística, o que inclui a vontade e seu lado subjetivo. Sem este componente não estará demonstrado o crime. Assim também no ato de não recolher contribuições descontadas de empregados. O aspecto subjetivo deve ser demonstrado pelas circunstancias concretas do momento, como a vida financeira e econômica da empresa, sua perfomance econômica e financeira, a existência de emprega dos e a postura dos representantes da firma. Estamos, nesses casos, diante de tipos penais de modalidade dolosa, sem exceção. Tanto na Lei nº 8.1 37/90, quanto na de nº 8.212/ 91, como nos dispositivos do Código Penal que se referem a esse assunto, só há a modalidade dolosa, que consiste em querer ou assumir o risco de produzir o resultado, segundo o Código Penal. 47 Relatórios fiscais devem ser precisos e claros Para tal constatação, o Ministério Público necessita que os senhores fiscais relatem com todo cuidado as circunstâncias nas quais encontraram a empresa e qual o comportamento de seus dirigentes, sem preocupação com a definição jurídica do fato. Sua importância é a revelação inicial do fato, a demonstração da realidade do que se passou e com a qual o fiscal teve contato. A preocupação principal deve ser a de trazer elementos indiciários suficientes do fato em si e da pessoa que está ligada à realização desse fato. Para isto as narrativas também são importantes, porque os fiscais são os que lidam diretamente com o fato e as pessoas envolvidas em um momento particular. A Polícia Federal ou o Juiz, em contraposição, passam a ter contato com o empresário ou responsáveis pela empresa sob circunstâncias bem diferentes, perfeitamente delimitadas legalmente, quando o acusado já se apresenta sob a orientação de um advogado e tenta configurar a situação de modo diferente. A partir do relato detalhado dos fiscais será possível configurar plenamente as ações, tanto no plano objetivo quanto no subjetivo, como também as circunstâncias e condições nas quais aquelas ações foram cometidas, permitindo assim caracterizar a conduta omissiva de não recolher com finalidade determinada de se apropriar daqueles recursos já então públicos. Uma vez estando definida a situação concreta e jurídica do ilícito, somos obrigados a conviver e trabalhar com as teses comumente levantadas pela Justiça, em especial a da exclusão da culpabilidade por falta de disponibilidade de recursos. Pouco importa que se reconheça o crime, porque não se aplica a pena com base no fato da empresa não dispor de recursos para recolher. A argumentação é bastante conhecida. Tanto não dispunha de recursos que a empresa se viu forçada a estabelecer uma escala de prioridades para seus pagamentos: os salários, os insumos adquiridos, para evitar que ela fosse à falência, não restando recursos para recolher a contribuição. Esta alegada causa absolutória, utilizada pela Justiça, pode ser enfrentada, com dificuldades, através da produção de prova pericial 48 sobre a situação financeira da empresa. A quem cabe o ônus da prova No geral, o ônus da prova em contrário é de quem está sendo acusado e não do Ministério Público. Em princípio caberia ao empresário provar que não dispunha dos recursos necessários para recolher o tributo no momento devido. No caso, o princípio jurídico está sendo invertido pelos tribunais e o ônus dessa interpretação recai sobre os ombros, ao menos por enquanto, da fiscalização, da Polícia Federal ou do Ministério Público. Há ainda a questão envolvendo a figura do depositário infiel, criada em documento legal e aplicável para o devedor frente ao Estado. Muitos juizes, inclusive o TRF da 5a Região, entendem que essa lei constitui causa absolutória, quer dizer, não mais permite a caracterização de crime por se tratar de dívida civil. Uma das duas exceções de pena de prisão prevista na Constituição por dívida é a do depositário infiel, a outra é para o devedor de pensão de alimentos. O STF suspendeu a aplicação da parte da lei que previa pena para depositário infiel de contribuição previdenciária e, por isto não há porque discutir mais a questão, embora essa decisão possa parecer algo esdrúxula. A questão, contudo, segue aflorando diariamente nos tribunais e carece de solução mais concreta para os delitos correspondentes. Temos ainda a lei que criou a figura do fiel depositário, para o devedor da Fazenda. Muitos juizes e o TRF da 5a Região assim o faz, entendem que esta lei é causa absolutória, ou seja, deixou de ser crime porque se trataria de dívida civil. A prisão prevista na Constituição por dívida, é uma das exceções para o fiel depositário. O outro é o devedor de pensão de alimentos. Para essa tese, além de ser do ponto jurídico um tanto esdrúxula, o STF suspendeu a aplicação de parte da lei. Então, não há porque discutir isso. Essa parte da lei que punia o fiel depositário com prisão está com a eficácia suspensa, mas continuamos a lidar com isso no dia-a-dia. Estamos enfrentando também nos tribunais. 49 Não há prisão por dívida Outra tese mais sofisticada sobre o mesmo delito, tem reclamado uma análise mais detalhada, da própria formulação do tipo criminal. A lei em questão seria inconstitucional, pois se trataria de uma pena de prisão por dívida, o que não é permitido pela Constituição. Deste ponto de vista a tese seria um tanto absurda, pois se assim fosse a própria apropriação indébita não seria crime, já que ela tem por base um negócio jurídico que implica confiar um bem ou valor a outra pessoa mediante uma relação contratual, como outras tantas relações jurídicas com base semelhante. Levanta-se também a questão da condição da procedibilidade na esfera administrativa, que tem colocado problemas para a persecução de crimes previdenciários. Trata-se da exigência legal que condiciona a remessa dos autos fiscais para o Ministério Público ao esgotamento prévio da instância administrativa. Aqui estamos diante de outra configuração. A norma está incluída em uma Lei nº 9.259, que estabelece as regras sobre os tributos federais, algo comum na atitude assistemática e irresponsável de nossos legisladores. Já no final da lei que trata de impostos federais é incluída a norma que, criou obstáculos à ação do Ministério Público. A regra foi objeto de pedido de liminar da ação de inconstitucionalidade pela Procuradoria Geral da República junto ao STF, não aceito pelo relator do processo ao negar a suspensão da eficácia da norma exatamente por entender que ela não seria obstáculo à atuação do Ministério Público. Este continuaria como titular da ação penal, sem o condicionamento introduzido na mencionada lei. Sabemos, porém, que a norma legal trouxe dificuldades nas relações entre as esferas administrativa e jurídica. Ela deve ser enfrentada em termos de cidadania, porque ela é um desrespeito em si, um absurdo enquanto lei, sem qualquer vestígio de validade. Se estamos diante de um crime de ação pública, nele não há disponibilidade seja quanto ao fato, à investigação ou à ação. 50 Obrigação de tornar público os crimes fiscais O Código de Processo Penal diz expressamente que qualquer cidadão tem o dever de comunicar à autoridade um crime do qual tome conhecimento. Não há nenhuma razão para excluir um funcionário público, ao exercer sua função, do mesmo dever. E, ainda, a Lei nº 8.137/90, dispõe expressamente que o servidor público, no exercício da fiscalização, é obrigado a dar conhecimento à autoridade competente das ocorrências de crimes. O mesmo estabelece o Regime Jurídico Único do servidor público. Há exigência legal suficiente para que o servidor comunique a ocorrência de crime à autoridade competente, seja ao próprio Ministério Público ou à organização policial. Isto não exclui uma relação mais séria e direta, como a que havia se estabelecido entre o Ministério Público Federal e os órgãos de fiscalização. Existem, sempre, outras maneiras de fazer chegar ao conhecimento do Ministério Público esse tipo de atos civis. Uma delas são as pesquisas, publicadas freqüentemente pela imprensa, e que indicam a ocorrência desses crimes. A partir deles o Ministério Público pode solicitar e requisitar material com a finalidade de levantar o ocorrido. Se assim não fosse feito, estaríamos esperando até hoje o fim de processos fiscais contra o grupo Collor-PC & Cia, que ainda continuam sendo debatidos. Mas as ações penais, bem ou mal, já chegaram ao fim, condenando ou absolvendo. Não desconhecemos que o crime fiscal só aflora após a ação fiscal ser concluída, por conta do conhecimento e da revelação dos dados. Não se pode aceitar o condicionamento imposto que impediria a ação do Ministério Público enquanto o processo administrativo não for concluído. Conclusão A mensagem básica deve ser que devemos superar as 51 barreiras formais e protocolares que separam os diversos órgãos voltados para a fiscalização e o controle. Necessitamos dos auditores fiscais e servidores como testemunhas na Justiça, sem temor diante dos tribunais. É preciso quebrar o gelo, pois muitas vezes faz-se necessário o testemunho do técnico. Ir à Justiça depor é, sem dúvida, incômodo, mas precisamos deixar os preconceitos de lado. Para tal é fundamental que ocorram entendimentos menos protocolares e próximos entre as instâncias que cuidam do problema criminal envolvendo aspectos fiscais como o Ministério Público Federal, o INSS, a Receita Federal, as receitas estaduais, a Polícia Federal. O Judiciário coloca-se, em princípio, algo distanciado, até por força da sua função. Os que trabalham na produção da prova, na revelação do fato e da autoria, têm que estar mais próximos, e encontrar caminhos para contornar os obstáculos formais que são colocados. A situação do fiscal como testemunha no processo criminal é realmente delicada, ainda marcada pelo constrangimento. Sem dúvida, o Ministério Público tem uma parcela de culpa, pois ainda está muito distanciado de sua clientela. Ao ser indiciado como testemunha, o fiscal deve procurar o Ministério Público para receber orientação, não sobre o que deve dizer, mas para alcançar em uma conversa informal uma pacificação emocional sobre a situação pela qual o fiscal deverá passar no depoimento. O Ministério Público tem um compromisso ético-institucional próprio, com a realização da Justiça, e não tem qualquer interesse em manipular o depoimento de quem quer que seja. Para uma conversa do tipo mencionado, que certamente muito ajuda o fiscal, estaremos sempre à disposição. 52 A Polícia Federal no combate à sonegação e à fraude Expositor: Marco Omena Delegado da Polícia Federal de Alagoas A Polícia Federal atua basicamente na apuração criminal, para que o Ministério Público possa conhecer elementos necessários para a propositura da ação penal, alimentando assim a relação entre o INSS e a Procuradoria da República. A PF tem a incumbência de identificar os meios empregados na sonegação e os elementos que os constituem. Deparamo-nos com situações reais, como a do contribuinte que sonega para obter vantagens como lucro maior e prosperidade de sua empresa. Ou também a do sonegador fortuito, ameaçado por situações econômicas adversas, que acaba sendo facilmente confundido com um sonegador contumaz. O sonegador do primeiro tipo, aquele que o é realmente, fundamenta seus negócios nos chamados "laranjas". Seus assessores tentam demonstrar que seus negócios estão corretos e que o processo fiscal apresenta falhas. Independente da interpretação sobre a caracterização jurídica do crime, o empresário, que descontou a contribuição previdenciária mas não a recolheu, ao comparecer diante da Polícia Federal o faz na condição de apropriador indevido de um valor descontado e não repassado. Na Polícia Federal tratamos o caso como de apropriação indébita, para não dar a demonstrar ao sonegador todas as nuances e benesses contidas na Lei e, assim, não permitir-lhe talvez dificultar o trabalho da própria Justiça. Ao faze-lo, trabalhamos conforme a Lei, aplicando pura e secamente o artigo referente à apropriação indébita, já que não cabe à polícia interpretar a lei para o delinqüente. Somos correntemente confrontados com a visão bastante disseminada de que o fiscal atua por pressão política e que a polícia ratifica esse tipo de pressão. Na maioria das vezes quem reafirma este tipo de interpretação pertence à casta dos políticos ou mesmo está ligado 53 a empresas públicas, utilizando não só os valores descontados mas todos os bens da empresa para seus próprios fins. A alegada pressão política não passa de uma maneira de justificar, perante seus pares, o vexame ao qual estão submetidos os empresários quando investigados. Dificuldades no trabalho de apuração penal No geral, a polícia recebe com o processo fiscal informações sobre a empresa, o período de atuação levantado, a relação de empregados, mas pouco sobre a vida da empresa. E nessa, contudo, que a polícia busca os elementos que poderão nortear a denúncia do Ministério Público. É necessário, como já salientado, separar a empresa - pessoa jurídica - da pessoa física, o que muitas vezes demanda tempo e esforço. O sonegador procura dificultar e atrasar o acesso a sua vida contábil. Há empresas, até de certo porte, que apresentam contabilidade em um única folha de papel, com entradas e saídas que no final sempre dão prejuízo. Usinas demandam um ano ou mais para apresentar seus livros contábeis, pela simples razão de que não os têm. Para concluir a caracterização de apropriação ou sonegação, a polícia pede até quebra do sigilo bancário das pessoas responsáveis pela empresa, ainda no processo de investigação. Esse trabalho é muito dificultado pela falta de perito contábil - há apenas um na Polícia Federal em todo o estado - o que acaba favorecendo a prescrição da pena. Este é um grande empecilho, levando-se em conta que, por exemplo, em um só processo há onze volumes constituídos em boa parte de assentamentos contábeis a serem analisados. Quando há várias empresas envolvidas, a perícia contábil deve ser feita empresa por empresa. Fiscais possuem melhores informações fiscais Em alguns estados o próprio INSS faz esse trabalho e entrega a perícia contábil já pronta, o que faz muito sentido por dois motivos. Ao 54 ter acesso ao setor administrativo de uma empresa o fiscal tem as melhores condições de levantar a vida contábil da mesma, por exemplo, ao levantar a relação de empregados e a folha salarial de cada um, incluindo os dados da retiradas dos patrões. Ao encaminhar seu relatório, o fiscal já o repassa com esses elementos, o que acelera bastante o processo na polícia, no Ministério Público e na Justiça. No geral, os processos vindos da fiscalização não incluem a vida contábil da empresa. O fiscal se atém via de regra ao resultado administrativo e não aos aspectos criminais. Por isto são os peritos da polícia que acabam fazendo o trabalho de levantamento contábil que permite verificar se havia ou não recursos na empresa no momento do não recolhimento das contribuições descontadas. O Código Comercial Brasileiro, no seu artigo 18, proíbe em geral o acesso à contabilidade das empresas, mas abre exceção à fiscalização tributária e também à polícia, na medida de sua competência. Quando o acesso é negado pelo empresário, a polícia pede autorização ao juiz, mas isto raramente é necessário. A fiscalização, por seu lado, não necessita administrativamente de qualquer autorização judicial para verificar a contabilidade de uma empresa. 55 A relação fisco-contribuinte Expositor: Evilásio Feitosa da Silva Procurador do Estado de Alagoas Quem sonega não presta a obrigação de contribuir para o patrimônio público, tendo o dever, a obrigação legal, de contribuir ou de pagar tributos, já que contribuição e tributos, de um modo geral, são basicamente a mesma coisa, com poucas diferenças. Se interessa a cada indivíduo e à sociedade como um todo, que todos cumpram o que está disposto na regra jurídica, ela existiria independente de sanção, de coação. A partir de certa época da história da humanidade os indivíduos, de modo geral, abriram mão de sua liberdade individual plena para viver uma liberdade coletiva, em função de um coletivo, segundo uma forma de instituição coletiva - o Estado - que no entendimento atual é a mais perfeita forma de sociedade existente. O Estado não é um fim em si, mas apenas um meio para se atingir um fim, a satisfação do cidadão e da sociedade, quer dizer, o bemestar social. Para alcançar tal objetivo, as pessoas têm que necessariamente contribuir para que o Estado possa se manter e distribuir um pouco dessa contribuição pela sociedade, em forma de benefício. Apesar de depender, de alguma forma do Estado, alguns cidadãos sentem-se no direito de viver, de conviver e de manter relações entre pessoas e com o Estado sem contribuir minimamente para o bem-estar social. Em função disso criam-se normas de coação e de pressão sobre o indivíduo para que ele não deixe de cumprir sua obrigação de contribuir para a formação do patrimônio público. A sonegação pode ser vista sob três prismas: do penal; da administração tributária (da administração das ações voltadas para buscar o tributo que é do Estado); e do estritamente jurídico, que caracteriza a sonegação. 57 O aspecto penal e a apropriação indébita Sempre que o indivíduo sonega ou pratica fraude fiscal estará cometendo um crime. Segundo o doutrinador, no plano ontológico não há muita diferença entre o crime tributário, ou crime fiscal, e o crime comum. Na verdade todos são crimes, tratados pela legislação criminal. Alguns exemplos bastam para esclarecer esse ponto. Existem dois tipos de contribuição no âmbito da Previdência Social: a que é paga pelo empregador e a paga pelo empregado. Ao descontar essa última, o empregador funciona como mero repassador de recursos. Se não repassá-la para o INSS, o empregador incorre em crime, de apropriação indébita, pois estará retendo recursos que não lhe pertencem. Lembremos que ambos tipos de contribuição são embutidos nos custos dos produtos vendidos aos adquirentes. Se o preço total de venda é recebido pelo empresário, ao não repassar o que deveria à Previdência, ele estará se locupletando, retendo patrimônio que não lhe pertence. A rigor, o empresário nem mesmo paga a contribuição descontada ao Estado, ele apenas repassa seu montante do consumidor para o Estado. Se não o fizer, retendo-o, pratica o crime de apropriação indébita. Trata-se de área penal, que deve ser interpretada e desenvolvida por especialistas na mesma. O aspecto estritamente fiscal Hoje, em Alagoas, arrecada-se apenas 50% do que se arrecadava, em 1970. O esforço de arrecadação também se refletiu nos outros campos de tributos, como o das contribuições previdenciárias, o do imposto de renda, etc. Cabe perguntar-se a razão dessa pouca arrecadação. O contribuinte resiste ao pagamento de tributos e só recolhe quando não lhe resta outra alternativa. No Brasil essa atitude decorre da cultura política brasileira. Às vezes, o contribuinte consegue a proteção de políticos que fazem-no crer que, estando protegido, não precisa 58 recolher impostos. Na prática de Procurador do Estado ocorre que, recebendo certidões de dívidas ativas para cobrar, antes de ajuizar envia correspondência aos devedores comunicando que elas serão executadas se não se dispuser a negociar o pagamento ou o parcelamento da dívida. Há contribuintes que ingenuamente alegam acreditar que tais débitos não mais existissem, porque um deputado, que ocupou o cargo de secretário de Fazenda, lhe teria dito que não se preocupasse. Não se trata de comportamento isolado. No geral, o brasileiro crê que a Lei e a Constituição pouca importância têm. Mais importante é ser amigo do rei, constituindo o que se denomina tráfico de influências. Este funciona com mais eficácia que a autorização do sistema jurídico. Há deputados que afirmam publicamente que, se são eles que fazem as leis, não podem estar submetidos a elas. Se eles assim pensam, é natural que o cidadão também seja imbuído do mesmo tipo de pensamento. Ele parte do princípio de que sempre conseguirá se safar do recolhimento do tributo. Estado perdulário e corrupção O outro lado da questão refere-se ao Estado perdulário e à corrupção administrativa. Esta é uma realidade em nosso país. Muitos a usam para justificar o não pagamento de impostos, já que estes acabariam no bolso dos corruptos. Além disto, o Estado é gastador. A Assembléia Legislativa de Alagoas tem o mesmo número de servidores que o Congresso Nacional, ou dez vezes o número de funcionários da Assembléia de Santa Catarina. O Tribunal de Contas de Alagoas, por seu lado, conta com dez vezes mais funcionários que o de Pernambuco. Nos municípios, os prefeitos usam o dinheiro público como se fosse dinheiro a ser gasto conforme interesses privados. O patrimônio público passa a ser patrimônio de poucos. Há portanto irresponsabilidade do administrador público, que vê o Estado como um poço sem fundo, sem limites para gastar, sem levar em conta o orçamento e a real capacidade de arrecadação do Estado. Contratam-se assessores e servidores sem critérios nem limites e de forma irregular. Em função desse fervor de gastos, o contribuinte não se sente 59 obrigado a pagar, a recolher dinheiro aos cofres públicos. Aos seus olhos, para que recolher impostos se eles serão distribuídos da forma descrita, com pouco resultado prático para a sociedade. O aspecto jurídico tributário Outro aspecto a ser considerado é o despreparo da própria administração tributária, que acaba incentivando a sonegação. Deixase de recolher tributos sempre que se pode deixar de faze-lo. Os contribuintes são tentados a isso porque sabem que dificilmente os órgãos da receita tributária acabam cobrando o devido, pois são ineficientes, já que dispõem de instrumentos insuficientes. A resistência natural do contribuinte em recolher impostos é estimulada quando ele sabe que o cobrador é ineficiente. Não há fiscais em número suficiente, tanto na receita estadual quanto no INSS. No caso da administração tributária estadual, pode-se afirmar que ela está trinta anos atrasada. Assim, é muito fácil sonegar. A fiscalização está reduzida e a estrutura da Secretaria de Fazenda é a mesma de 1970 ou até anterior. Há contribuintes que só pagam quando não lhe resta outra alternativa. Mesmo quando a Receita cobra, ele ainda espera uma lei remissiva que permita uma redução da correção monetária. Se ao final ainda lhe cobrarem, sempre resta o parcelamento, muitas vezes com anistia da multa. Sem dúvida ou risco, ele sai-se melhor que o contribuinte que paga regularmente. Quando o estado se sente pressionado a aumentar a arrecadação é comum que edite uma lei de remissão, perdoando multas e correções para os que pagarem nos primeiros trinta dias, o perdão de 30% para os que comparecerem no prazo de sessenta dias, e assim por diante. Tudo isto é feito na vã esperança de que se melhore o desempenho da arrecadação. A experiência indica que tal melhoria nunca ocorre, pois se alguns ainda pagavam os impostos, cada nova lei remissiva convence mais contribuintes que o mais indicado é esperar ao máximo antes de faze-lo. 60 Tolerâncias na aplicação das leis Mencione- se como bastante grave uma certa tolerância do Judiciário em relação a temas de Direito Tributário, especificamente no tocante a tributos estaduais. A tolerância do Judiciário é para com os contribuintes, não com o Estado arrecadador. Há a questão envolvendo o ICMS devido sobre produtos importados, que foi objeto de decisões também da Justiça Federal. A Constituição de 1967 estabelecia que o imposto incidia sobre a importação, mas o que considerar como fato gerador: a entrada do produto no estabelecimento importador ou no do contribuinte? A Constituição de 1988 introduziu pequena modificação: o fato gerador ocorre no momento da entrada do produto no país, quer dizer ao ser desembaraçado. Apesar dessa modificação clara, os magistrados, tanto da Justiça Federal mas sobretudo da Justiça Estadual, seguiam o entendimento do sistema constitucional anterior, fundamentado também em súmula do STF, que estabelecia que só se podia cobrar efetivamente imposto na entrada, quando esses produtos ingressassem no estabelecimento industrial ou comercial, do importador ou do contribuinte. Vê-se que eles não assimilaram a pequena modificação introduzida em 1988. O resultado foi que o Estado de Alagoas passou a se defender de estados como São Paulo, Ceará e Bahia, cujos portos eram escolhidos pelos importadores. Ao entrar a mercadoria em Alagoas, já vinha acompanhada de mandato de segurança preventivo para evitar a cobrança do imposto na entrada, com base em portaria da Receita Federal, em convênio com os estados, que dispunha ficar a cargo do próprio agente da Receita Federal a cobrança do tributo estadual. Em outras palavras, a mercadoria só era liberada no porto de entrada mediante o recolhimento do tributo do estado. Criou-se certa polêmica em torno do assunto, na qual o estado de Alagoas lutou por seus interesses, até que o Supremo Tribunal manifestou-se sobre a matéria e a pacificou. 61 As vantagens da substituição tributária A Justiça estadual tem exarado decisões de difícil compreensão com respeito à chamada substituição tributária. Ao que parece, muitos juizes ainda não entenderam o mecanismo e sobretudo as vantagens dela para o trabalho do Estado, embora seja um instituto utilizado largamente já bem antes de 1988. Veja-se o caso do ICMS na venda de carros. É mais fácil cobrar da montadora que de milhares de revendedores. Por isto a primeira passou a ser o substituto tributário: o imposto é cobrado no ato da venda, retido pela via da substituição tributária. O que mudou foi o volume envolvido nesse processo de substituição tributária. Acionado, o Judiciário passou a conceder liminares evitando-o em alguns casos, como no do imposto sobre combustível no Estado. Tendo em vista o volume de sua comercialização, pode-se imaginar as perdas em tributos estaduais resultantes de liminares em cadeia, limitando a substituição tributária que permitia cobrar da Petrobrás em substituição aos postos distribuidores. Outra questão polêmica partiu da interpretação da Súmula no 323 do STF que proibiu apreender mercadoria com o único objetivo de cobrar tributos. No entanto, a súmula referia-se à cobrança do IVC (Imposto sobre Vendas e Consignações) e não do ICMS, que tem uma configuração diferente. O STF não declarou que todas apreensões eram ilegais, apenas aquelas com o fito exclusivo de cobrar tributos. Por fim, a tão discutida questão da cobrança do ICMS sobre a cana de produção própria das usinas, tabu da contribuição dos usineiros de Alagoas. Eles se livraram do imposto ao lograrem a exclusão de sua cobrança sobre a cana própria, embora suas fazendas fossem administradas como empresas independentes. Por exemplo, tratavam empregado rural do modo diferente do empregado industrial com respeito às contribuições previdenciárias. Apenas no que concerne ao ICMS as fazendas eram consideradas como parte da usina. O STF, certamente muito distante da realidade específica do caso, decidiu pela ilegalidade da cobrança nesses casos, por considerar uma mesma empresa fazendas com terras contíguas à unidade industrial. 62 Mais adiante estendeu seu entendimento de unicidade da empresa para quaisquer terras do usineiro e até para terras arrendadas pelo mesmo. Atualmente ele não paga ICMS sobre cana própria em hipótese alguma, mesmo quando a cana não é de fato sua. Basta afirmar que o seja para exclui-lo da cobrança. Beneficiados pela decisão do STF, ingressaram com ações de repetição de débito, chegando então ao famoso acordo com o então Governador de Alagoas, que findou por excluir qualquer cobrança de ICMS sobre a cana. O fiscal como testemunha Os fiscais devem tomar cuidado ao testemunhar para não perder a credibilidade. Há casos em que a interferência do advogado da entidade da classe, pode ser negativa. Quando este fica constantemente balançando a cabeça, como a confirmar as declarações do fiscal, e mesmo interferindo para completar frases da testemunha, dá-se a impressão de que ela estaria recitando coisa decorada, tirando a espontaneidade do depoimento. Mesmo quando a testemunha está nervosa e até constrangida, suas declarações soam mais autênticas, ela fala o que sente e o que viu, e o juiz pode mais facilmente acreditar nelas. 63 Os partícipes da persecução criminal em matéria tributária Expositor: Paulo Roberto de Oliveira Lima Juiz Federal Com satisfação participo desse encontro, pois há muito sinto a necessidade do Judiciário poder conversar com aqueles que, em termos de persecução criminal em matéria tributária, atuam do outro lado, como o Ministério Público, titular da ação penal. É ele que mais se revolta com o estado geral de impunidade, de aparente absolvição generalizada. O Ministério Público é um órgão técnico que tem consciência de sua atuação, de seus poderes e de suas fragilidades. Ele tem o mesmo preparo jurídico dos juizes e entende os motivos pelos quais as coisas funcionam do modo como ocorrem. Os fiscais, no geral, não têm o mesmo preparo, o que torna necessário esse contato com o Judiciário. Fatores que levam à evasão fiscal Antes de mais nada é relevante o aspecto político. Ninguém paga imposto porque gosta de faze-lo. Poucos vêem o bom uso do que foi arrecadado. Minha tarefa aqui é de falar sobre o aspecto criminal, pois não recolher tributos ou sonegá-lo é um dos crimes integrantes de nossa legislação penal. E seu combate é, sem dúvida, dificultado pelos aspectos políticos envolvidos. De pouco adianta o legislador afirmar que determinado fato é crime, se a sociedade não tiver consciência de que o fato agride minimamente o limite ético tolerado pela sociedade. Fica com pouca ou nenhuma conseqüência o fato de o Código Penal afirmar que adultério é crime, enquanto os motéis estão repletos de casais fazendo sexo com 65 pessoas que não são seus parceiros contumazes. Se isto não dói na consciência social, embora possa até agredir a consciência individual de cada um, a definição daquela conduta como crime não tem maiores efeitos. De modo semelhante, pouco há a fazer se a grande maioria dos brasileiros prefere pagar menos ao médico por uma consulta sem a emissão de recibo. Há sonegação, por exemplo do Imposto de Renda Pessoa Física sobre serviços pessoais, mas os únicos que tomam conhecimento do fato são os dois participantes do negócio. Se houvesse uma pressão de critica à transgressão fiscal, o médico não faria a proposta, porque ele saberia de antemão que teria 80% de possibilidade de vê-la recusada. E ainda sob o risco de ter divulgação pública de seu comportamento. Em suma, não temos consciência da agressão social que representa a sonegação. Há países onde esta é considerada um dos crimes mais hediondos. Lá seu combate tende a funcionar porque todos são fiscais de todos. No Brasil, ao contrário, não pagar tributos não chega a ser visto pela sociedade como crime. Como considerar a sonegação fiscal um crime? Isto só pode ocorrer em duas circunstâncias: ou a carga tributária e sua regulamentação é tão simples e justa, que não recolher o tributo devido passa a ser visto como um ato ignóbil e vil, a ponto de constituir crime; ou então a carga tributária é tão injusta, excessiva e complexa que ninguém paga, salvo quando há repressão eficaz. Qual o caso do Brasil? Em nosso país, o contribuinte só paga tributo se houver a efetiva ameaça de prisão ou outra pena pesada, pois, em caso contrário, sempre encontrará outras pessoas que o apoiem ou se tornem até cúmplices neste tipo de crime. Ele encontrará no ambiente social o momento propício para que não ocorra o pagamento do tributo. Como descaracterizar sonegação de dívida Na Constituição há um artigo curto que determina: "Ninguém pode ser preso por dívida, exceto se for resultante da falta de prestação de alimentos ou no caso de depositário infiel". Isto implica dizer que o legislador não pode criar ou instituir diversas espécies de tipos legais 66 que firam aquele preceito. Qualquer dispositivo da legislação infraconstitucional que afirme que "Não pagar tributo é crime", será inconstitucional porque implicará na prisão por dívida, e esta foi rechaçada e repudiada pela Constituição. Este tem sido talvez o maior problema técnico do combate ao crime de sonegação fiscal, salvo o conceito de apropriação indébita. No âmbito do INSS, a criminalidade na área fiscal é praticamente restrita aos chamados crimes de apropriação indébita: quando o empresário empregador desconta a contribuição previdenciária do empregado e não a recolhe aos cofres da Previdência. O comportamento é sobejamente conhecido: a empresa dispõe do dinheiro para pagar o empregado, mas desconta-lhe o correspondente à contribuição previdenciária. A lei confiou ao empresário o ato de recolher esse dinheiro, em um tipo de substituição tributária, porque é mais fácil cobrar do empregador do que do universo de empregados. Mas o empresário retém e usa arbitráriamente o correspondente à contribuição previdenciária descontada, embora o dinheiro não lhe pertença. A sociedade não aceita esse tipo de comportamento. Ela não é cúmplice do empresário nesse ato. Qualquer juiz federal condenaria sempre esse tipo de infrator. Cabe perguntar, no entanto, porque isto não ocorre. Há algumas explicações para esta não condenação. Deficiências da Lei Previdenciária A Lei nº 8.212/91 introduziu uma alteração legal, criando uma espécie de apropriação indébita diferente daquela definida no Código Penal. A lei passou a descrever como se conduta criminosa fosse o não pagamento de tributo. Ora, nenhum juiz com conhecimento suficiente de Direito Constitucional pode condenar alguém por não recolher tributo, pois esta conduta não pode ser considerada crime segundo nossa Constituição. No entanto, a empresa não pagou o tributo porque se apropriou. Por isto, há que se provar que ela se apropriou, que teve a vontade e praticou ação para manter-se na posse dos valores retidos. A fiscalização do INSS levanta o que deveria ter sido recolhido e não o foi. De posse dessas informações o Procurador requisita o 67 inquérito criminal que é encaminhado à Polícia Federal. Esta instaura o inquérito, junta as peças e convoca os responsáveis pela conduta suspeita. Aqui temos a primeira dificuldade. Pessoa jurídica não comete crimes, já que todas as penas são direcionadas a pessoas físicas. Logo, há que se identificar qual pessoa física cometeu o crime, aspecto que não é nem pode ser levantado pela fiscalização do INSS por não ser sua atribuição. Sua função termina ao verificar qual o tributo devido e se foi pago. Andamento processual da apuração criminal A polícia convoca os envolvidos no ato: sócios, gerentes ou diretores. Muitos afirmam não serem responsáveis pela área de recolhimento de tributos. Afinal identificado, o responsável, este afirma não ter recolhido o tributo por não dispor de meios financeiros para fazelo. A situação da empresa era de tal modo aflitiva que no fim do mês só havia dinheiro em caixa para pagar a folha líquida de salários. Concluídas as diligências o relatório é encerrado e remetido ao Ministério Público, que prepara denúncia repetindo os fatos e arrolando os réus e a encaminha ao juiz. Nesses casos, as chances para uma condenação são praticamente inexistentes. Na realidade, o processo para a efetiva caracterização da conduta ilícita deveria ser outro. O fiscal da Previdência não monta o seu relatório visando o processo criminal, apenas o fiscal, voltado para a cobrança fiscal. Por isso, não lhe cabe levantar a situação financeira da empresa no momento do não recolhimento. Os requisitos para cada tipo de processo são bastante distintos, cada processo exige procedimentos e elementos específicos, que não podem ser fornecidos pela mesma pessoa. Ora, se não há nenhuma demonstração cabal e provada de que o valor devido se encontrava no caixa da empresa para ser apropriado, o juiz não pode condenar alguém que se apropriou de uma coisa que não existia. É a acusação que deve fazer a prova suficiente para apurar a responsabilidade penal que é individual. A Justiça só pode condenar se não paira dúvida da responsabilidade de um indivíduo. Se há dúvida, não há como condenar. 68 Fiscal do INSS deve suprir provas Cabe ao INSS construir uma estrutura que permita o levantamento técnico de elementos necessários não só para o processo administrativo-fiscal mas também para o processo criminal. Enquanto as investigações ficarem voltadas exclusivamente para a cobrança, elas seguirão insuficientes para uma condenação criminal. A responsabilidade penal é individual. Ninguém responde penalmente pelo ato de outro. É preciso que o fiscal - preferencialmente ele - descreva, de modo mais completo possível, a vida real da empresa, para que ela possa ser analisada. Sou de opinião que o fiscal é o mais indicado para faze-lo, porque ele é comprometido com a atividade de arrecadação e não há ninguém com condições melhores para cumprir a mesma tarefa. O primeiro a analisar os fatos é a autoridade policial, que vai identificar e indiciar os responsáveis pelos delitos, a partir dos elementos de que dispõe, fornecidos pelo levantamento anterior. O segundo a analisar os fatos é o representante do Ministério Público. Ele parte do trabalho da polícia e, concordando, denunciará a pessoa que a autoridade policial indiciou. Em caso de discordância o representante do Ministério Público, como titular da ação penal, pode não denunciar aquele que foi indiciado pela polícia, ou denunciar outro qualquer citado no processo. O terceiro a analisar é o juiz. Este poderá concordar ou não com a análise feita pelo Ministério Público e, em função disto, condenará ou absolverá. Como se vê, mais importante que definir o fato é definir o responsável pelo fato. Esta é a maior dificuldade da Justiça. O ônus da prova no processo criminal A solicitação do Ministério Público para que o juiz exija do empresário documento para provar que não podia pagar o tributo também não pode ser atendida, pois o ônus da prova cabe a quem alega. Seria como solicitar a um ladrão que rouba uma casa que prove que não roubou. 69 Ônus da prova, como o nome sugere, é a distribuição entre as partes da responsabilidade por demonstrar a verdade do que se alega. Se o fiscal, ao fazer a fiscalização, descreve os fatos e menciona onde ele encontrou os elementos incriminadores, que o levaram a fazer a autuação, ele já, de certa forma, cumpriu com seu dever e com o ônus da prova. É verdade que a palavra do fiscal, apenas sua palavra, ainda que tenha fé de ofício, na área criminal não é suficiente para dispensar o próprio exame do livro contábil. Nesse caso específico, quando na própria autuação o fiscal menciona em que livro encontrou os elementos necessários para a autuação, a alegação do contribuinte de que a imposição de que ele apresente os livros seja uma inversão do ônus da prova fica prejudicada. Sendo assim, o juiz determina por via de oficio sua apresentação. Os livros contábeis serão apreendidos e continuarão anexados ao inquérito. Se forem livros que não podem sair da empresa porque acompanham a vida diária do contribuinte, serão extraídas cópias que serão autenticadas. Então não haverá a inversão do ônus da prova, apenas a requisição da apresentação de um complemento da prova feita pelo fisco. Mesmo na área cível adota-se o mesmo procedimento diariamente. Em uma discussão de natureza fiscal, quando o contribuinte embarga a execução contestando por qualquer razão uma exação por indevida, o processo administrativo como um todo é requisitado, incluindo os livros contábeis ou cópias do que for essencial para o julgamento do processo. No processo de natureza tributária basta, portanto, que o fiscal mencione quais os elementos encontrados e onde os encontrou. A falsidade da prova documental Eis um tipo de criminalidade que ultrapassa o não pagamento, pois além de não faze-lo o indivíduo comete uma falsificação qualquer. Nesse caso a proporção de condenação é das mais altas, porque já se parte conhecendo a identidade de quem falsificou e não se pode alegar que não houve um elemento subjetivo do crime. Estamos diante de duas situações opostas. Normalmente o contribuinte registra na contabilidade que deve ao INSS e quanto deve. Nestes casos é difícil compatibilizar essa correção contábil com o animo de cometer o crime. 70 Muito diferente é a atitude daquele que escamoteia, que não registra nem contabiliza, que esconde os negócios praticados. Sua condenação ocorre com muito mais facilidade. Observe-se como o crime de apropriação indébita é realmente de difícil punição. A sociedade convive normalmente com os sonegadores A chamada "lei do caloteiro", impede a penhora do imóvel, quando este é o único bem imóvel de propriedade do devedor. Quanto há outros bens do mesmo proprietário, sua penhora é, na prática, impossível. O Estado não consegue recuperar quase nada de débitos atrasados. É muito difícil levantar-se o patrimônio de qualquer pessoa. Pedir ao DETRAN para verificar a existência de automóvel, não implica que o mesmo seja de fato de sua propriedade, pois o registro no DETRAN não prova propriedade. Se o Cartório de Imóveis indica mais de um imóvel no nome do contribuinte, este pede o parcelamento do débito. Na verdade, nossa legislação fecha as portas para a penhora de bens de contribuintes devedores do Estado. A única saída continua sendo o tal clamor social, ou seja, a sociedade despreza o mau pagador. Mas ela infelizmente o admira e considera o bom pagador um tolo. Neste contexto é fácil imaginar as dificuldades que o fisco encontra para contornar as dificuldades na área penal. O conceito de crime tem que ter repercussões sociais concretas e, para tal, as leis mais ou menos rigorosas de pouca valia são. É só lembrar que vender passarinhos silvestres é crime inafiançável, mas se alguém vive dessa atividade, o fato não agride a consciência coletiva e, por isto, seu combate é fadado ao insucesso As penas nos crimes de apropriação indébita Em nosso ordenamento jurídico penal não existe nenhuma pena privativa de liberdade rigorosa demais. Ao contrário, elas são demasiado brandas. Por outro lado, se fossem aplicadas secamente 71 usando apenas o critério de grandeza de tempo, elas seriam graves demais. Ilustrando melhor: se para qualquer ilícito o indivíduo sempre tivesse que passar três anos na penitenciária em regime fechado, considero a pena prevista mínima extremamente rigorosa. A realidade da execução das penas no Brasil é algo diferente disto. Se a pena for inferior a oito anos, já não é cumprida em regime fechado. Entre quatro e oito anos o regime é semi-aberto e pena inferior a quatro anos é cumprida em regime aberto. O juiz se vê forçado a buscar alguma solução que acaba sendo mais benéfica que o determinado pela Lei. Os juizes têm tomado o cuidado de pedir à direção do estabelecimento penal que separe os presos de regime fechado, e os semi-abertos permitindo-lhes que saiam para trabalhar e voltem à noite. E há ainda o livramento condicional, a suspensão condicional da pena em benefício de quem cometeu o crime. Com tantos benefícios possíveis a pena deixa de se adequar a cada caso. Por exemplo, para um ilícito como o de apropriação indébita uma pena de dois anos no máximo parece-me adequada, desde que de efetiva punição de privação de liberdade. O fiscal como testemunha Certamente o ambiente na Justiça impõe um desconforto a quem vai depor. A disposição dos móveis da sala, a presença das pessoas, algumas de toga, contribuem para criar um clima de constrangimento e de desconforto psicológico. Mas, me parece que esse clima de desconforto psicológico é essencial para a validade do depoimento da testemunha. A testemunha deveria ser proibida de comparecer acompanhada de advogado, porque o juiz ao avaliar uma prova penal o faz enquanto ser humano que conhece o lado técnico da questão, mas que se baseia também no aspecto subjetivo e pessoal. Ele tende a depositar mais confiança no depoimento de uma pessoa que , mesmo constrangida, se apresente como é de fato, ao invés de ficar a todo momento olhando para o advogado, dando a impressão que não é ela que está depondo mas o advogado. 72 Outro detalhe relevante, que não se deve esquecer, é que o fiscal do INSS embora testemunha convocada pelo Ministério Público é testemunha do processo e não do procurador. Raramente presenciei testemunhas constrangidas por depoimentos tomados na Justiça Federal. Por incrível que pareça, não têm sido tanto as questões levantadas pelos advogados que, em raros casos, ocasionaram constrangimento mas aquelas postas pelo Ministério Público. Trata-se de uma mera constatação, não uma crítica. Às vezes, o Ministério Público está tão aflito para apresentar um resultado útil ao processo que, sem se dar conta, espreme a testemunha. Em suma, a testemunha não está sendo acusada de nada e, no geral, elas vão depor acompanhadas de advogado. Essa necessidade é uma falsa necessidade que serve apenas para dar algum conforto psicológico, mas não necessariamente contribui para a busca da verdade real. A legislação previdenciária aos trabalhadores rurais A legislação brasileira não é, certamente, a melhor. É demasiado complexa. Muitos pressupõem que a confusão legal é intencional, que os congressistas fazem voluntariamente uma legislação complexa para permitir brechas. Meu pessimismo não vai tão longe. Acredito mais que as deficiências legais, que realmente existem, sejam devidas à falta de técnica. O ponto de litígio se aplica ao caso de empresas agroindustriais. Ela contribui para a Previdência sobre a folha de pagamento de seus empregados urbanos e para os empregados rurais tendo como referência o valor do produto comercial vendido. Evidentemente o INSS tem interesse que o maior número de empregados seja classificado como industriais. O interesse da empresa é, ao contrário, classificar o máximo de empregados rurais, porque a contribuição é devida sobre o valor comercial do produto e menos teriam que pagar pelos empregados industriais. A questão passou a ser como definir quem é empregado rural e quem é empregado industrial. Do ponto de vista técnico não é uma discussão difícil: o empregado é rural quando está associado à atividade 73 rural. Para tal não é preciso que trabalhe na enxada, que era a tese defendida pelo INSS. Tampouco que o motorista trabalhe com trator. Basta que transporte os empregados para as fazendas ou vá comprar e trazer insumos para as fazendas para ser classificado como rural. Nesses casos o juiz não vai decidir levando em conta que a decisão pode ser contrária aos interesses do INSS, que perderia receita e ficaria sem condições de pagar os benefícios previdenciários. O raciocínio tem que ser outro. Ao estruturar a Previdência o legislador tem que ter se fundamentado em um cálculo de custo e benefício, de receita legal do instituto. Para a Justiça importa decidir tecnicamente, conforme a Lei, independente de ser contrária ou favorável aos interesses do INSS. O juiz não julga a Lei, o juiz julga com a Lei. Ele não adota a solução que lhe parece melhor, mas a que a Lei determina. Decerto ele deve buscar no sistema jurídico o maior conteúdo social da norma, mas não pode julgar em desacordo com a Lei. A troca de informações e o sigilo fiscal Essa possibilidade deveria ser bem mais aproveitada, sem que se caracterize quebra do sigilo bancário ou fiscal. A Constituição permite interpretação neste sentido, quando determina que os cadastros das várias entidades tributantes sejam utilizadas por todas. Afinal de contas, para que manter um cadastro se não é para utilizar suas informações? Em princípio não vejo nada de ilegal nessa troca de informações. Na realidade, esse intercâmbio é feito com uma flexibilidade que chega perto dos limites impostos pela própria Lei e ocorre com bastante freqüência. Quando o INSS ingressa na Justiça para localizar o automóvel ou o imóvel de um contribuinte, seu primeiro passo é requisitar à Receita Federal sua declaração de imposto de renda nos cinco anos anteriores. E poucos juizes indeferem. Isto não passa de utilização pelo INSS de informações cadastrais de outro órgão, como faz a Caixa Econômica e o próprio particular usa em ação de cobrança. Nada disso é ilegal. Esse intercâmbio deve ser feito em benefício da arrecadação e da fiscalização, não da imprensa. É um absurdo que um servidor da 74 Receita ou de qualquer outro órgão forneça informações deste tipo à imprensa. O sigilo fiscal foi criado exatamente para preservar a atuação dos órgãos de arrecadação e fiscalização e aumentar sua eficiência. Não se pode permitir que essas informações sejam utilizadas para denegrir qualquer indivíduo ou empresa. A apreensão de documentos e a produção de provas A apreensão de qualquer coisa pela fiscalização deve ser vista sempre como uma atitude de absoluta exceção, porque ela implica na interdição de uma atividade. O mesmo diz respeito à apreensão de computador de uma empresa. Isto se justifica apenas se não há condições de transferir todas as informações necessárias para outro meio magnético, como um diskette. O princípio é buscar o meio menos danoso para obter as provas necessárias. Mas, em caso de necessidade a apreensão de computador não incorre em ilegalidade. Na busca da prova, sobretudo em matéria penal, na qual prevalece o princípio da verdade real, não há limites, tudo é considerado documento e pode ser apreendido. Apenas em termos processuais alguns cuidados devem ser tomados, com vistas à ação menos gravosa para a empresa. A expressão documento é normalmente associada com papel, mas documento, no sentido jurídico do termo, é qualquer meio no qual estejam impressas marcas de um acontecimento. Se alguém utiliza um taco de beisebol para bater na cabeça de alguém, por exemplo, e tal fato fica gravado no taco, este é uma prova documental. A caracterização do crime de retenção de contribuições A rigor não deveria existir crime tributário. A própria criminalização em matéria tributária deveria ser repensada. Vejamos a discussão sobre a apropriação indébita de contribuições previdenciárias descontadas e não recolhidas. Definir o fato como crime omissivo próprio, como colegas o 75 fizeram, pode criar alguma confusão, porque com isto não se está definindo crime algum, apenas classificando-o. Os crimes podem ser comissivos, comissivo/omissivos e omissivos. Matar alguém é um crime comissivo, pois é cometido através de uma ação. Como pode-se também matar mediante uma omissão, por exemplo ao não se dar um remédio necessário, comete-se um crime em princípio comissivo através de uma omissão, caracterizando um crime comissivo/omissivo. O crime em questão é uma omissão: a de deixar de pagar contribuições descontadas da folha de pagamentos. A preocupação com sua utilização é, contudo, fundada, pois se se declarar que o crime é o de deixar de pagar, ele é inconstitucional. Não há nada demais na existência de um crime omissivo próprio, a legislação está repleta deles, mas o crime omissivo próprio, quando a omissão for não pagar, é inconstitucional, porque a constituição proíbe considerar crime o não pagamento ao declarar que ninguém será preso por dívida. Contra essa determinação máxima nada há a fazer. A Constituição não é só constituída por palavras; ao contrário, se não fosse sustentada por idéias não teria força nenhuma. Ao dizer que ninguém será preso por dívida, está dizendo: na situação de um devedor de qualquer valor, não é possível ao legislador construir sobre esse fato algo que permita uma prisão. É por isso que se recorre à figura da apropriação indébita. A doutrina, os fiscais, o Ministério Público, todos estão interessados em obter uma eficiência maior nessa área penal. Mas há que se acrescentar algo nessa definição criminal enquanto crime omissivo, porque caso contrário estará consubstanciada a inconstitucionalidade. O governo tentou há pouco tempo algo que terminou como um tiro pela culatra. Ele criou a figura do depósito, considerando que a Constituição permite a prisão do depositário infiel. O contribuinte passaria a declarar todo mês quando deve em tributo e que é depositário daquele valor. Se não recolhesse poderia ser condenado como depositário infiel. No entanto, firmou a jurisprudência, da qual discordo, de que com aquele procedimento a matéria deixou de ser penal para ser cível. Por entendimento da 5ª Região e do Superior Tribunal de Justiça, a partir daquela norma, toda matéria de criminalização na área tributária passou a ser cível, deixando de ser crime. Com isto, o Judiciário tem mandado encerrar as ações penais em tramitação. Como resultado 76 acabou a possibilidade de punição criminal, exatamente o oposto da intenção original. Contraditório de julgados ajuda impunidade A caracterização do desconto de contribuições previdenciárias dos empregados como depósito não é correta. Depósito exige que se transfira algo para alguém, com a obrigação de devolver. O fisco nunca entregou dinheiro para o contribuinte. O dinheiro seguiu do particular para suas mãos. Ele não pode ser acusado de não devolver. Pouco adianta que a Lei declara essa figura como depósito. A legislação infraconstitucional não pode limitar o conceito de depósito, como se tentou com aquela caracterização de que "o tributo será havido como depositado na mão do contribuinte", pois se estaria criando um contra-senso, contrariando a natureza das coisas e a própria Constituição. Com julgados contraditórios existentes, a única solução que vejo é a de acabar com a figura criminal do não pagamento. Há outras figuras criminais em matéria tributária como a falsificação de documentos com o fim de não pagar impostos; falta de registro contábil com o objetivo de sonegar, etc. Essas figuras devem permanecer e são eficientes. O governo precisa se estruturar melhor para cobrar o tributo, como cobramos nossos créditos. A cobrança ocorre sempre através de uma propositura, de uma ação e, mais tarde, da execução. O fiscal tem a grande vantagem de não precisar propor ação, basta declarar um contribuinte como devedor. Acho que se deve apostar no lado cível da arrecadação e não no lado criminal. Este deve ser reservado para as poucas condutas que efetivamente agridem o mínimo ético social. A abrangência das medidas provisórias Quanto à possibilidade de que medidas provisórias não possam atingir leis codificadas, penso que o texto constitucional não impõe limites a sua aplicação. Anteriormente existiam os decretos-lei, cuja extinção ensejou a instituição das medidas provisórias. O governo 77 federal podia editar decretos-lei apenas em determinadas matérias: finanças públicas e administração, com as medidas provisórias ele pode tudo e em todas as áreas. Não há limites, o que é lamentável. O fato da legislação integrar em código um conjunto de determinações legais não influi na hierarquia das leis. A única diferença se refere à necessidade de um processo legislativo para modificação de um código, o que de certa forma é incompatível com a urgência que justificaria a edição de uma medida provisória. Como se observa, fica difícil afirmar que o uso de medida provisória não é possível em qualquer campo, até na criação de tributos, mesmo levando-se em conta limitações como o princípio da anualidade dos tributos e a anterioridade nonagesimal das contribuições previdenciárias. Como compatibilizar isso, com o magro período de 30 dias de vigência das medidas provisórias? Ora, nada impede que ela seja instituída em um momento, se transforme em lei no prazo de trinta dias, e o prazo nonagesimal seja contado a partir da edição da medida provisória. A possibilidade de reedição da medida não muda sua abrangência ilimitada, embora a reedição em si seja uma outra discussão. Na minha opinião, as medidas provisórias podem disciplinar qualquer matéria que não esteja afeta à legislação complementar. Ou seja, em matéria de lei ordinária, a Constituição reza: "As medidas provisórias têm força de lei". 78 ANFIP Vice-Presidência de Assuntos da Seguridade Social Centro de Estudos da Seguridade Social CICLO DE ESTUDOS Seminários Sone g ação Soneg ação,, Fraudes e Ev asão Fiscal Evasão Volume I - 12/maio/97 Porto Alegre - RS Volume II - 23/junho/97 Belo Horizonte - MG Volume III - 04/julho/97 São Paulo - SP Volume IV - 07/julho/97 Rio de Janeiro - RJ Volume V - 30/outubro/97 Recife - PE Volume VI - 21/novembro/97 Manaus - AM Volume VII - 05/dezembro/97 Maceió - AL Volume VIII - 23/março/98 Belém - PA Volume IX - 28/abril/98 Campo Grande - MS Volume X - 21/maio/98 Cuiabá - MT 79 CICLO DE ESTUDOS Seminários Conselho Diretor: Antonio Rodrigues de Sousa Neto Presidente José Avelino da Silva Neto Secretário Geral Coordenadoria Geral: Pedro Dittrich Júnior Coordenador Geral Neiva Renck Maciel Secretária Executiva 80 CONSELHO EXECUTIV O EXECUTIVO 1999-2001 ANTONIO RODRIGUES DE SOUSA NETO Presidente do Conselho Executivo NILDO MANOEL DE SOUZA Vice-presidente Executivo Substituto CARLOS ROBERTO BISPO Vice-presidente de Assuntos Fiscais MARIA ERBENIA RIBAS CAMARGO Vice-presidente de Política de Classe MARCELO OLIVEIRA Vice-presidente de Política Salarial JOSÉ AVELINO DA SILVA NETO Vice-presidente de Seguridade Social MARUCHIA MIALIK Vice-presidente de Aposentados e Pensionistas ROSANA ESCUDERO DE ALMEIDA Vice-presidente de Cultura Profissional ROSWILCIO JOSÉ MOREIRA GÓIS Vice-presidente de Serviços Assistenciais MARGARIDA LOPES DE ARAÚJO Vice-presidente de Assuntos Jurídicos MISMA ROSA SUHETT Vice-presidente de Administração MARIA SALETE PAZ Vice-presidente de Patrimônio e Cadastro DURVAL AZEVEDO SOUSA Vice-presidente de Finanças LUIZ MENDES BEZERRA Vice-presidente de Planejamento e Controle Orçamentário FLORIANO MARTINS DE SÁ NETO Vice-presidente de Comunicação Social MARIA APARECIDA F. PAES LEME Vice-presidente de Relações Públicas RODOLFO FONSECA DOS SANTOS Vice-presidente de Assuntos Parlamentares AURORA MARIA MIRANDA BORGES Vice-presidente de Relações Interassociativas 81