REFLUXO GASTROESOFÁGICO

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REFLUXO GASTROESOFÁGICO
REFLUXO GASTROESOFÁGICO
Prof.: Luiz Alberto Gastaldi
UFSC – Fpolis - SC
1. CONCEITOS:
a. Refluxo gastroesofágico (Rge): é o retorno involuntário repetitivo do conteúdo gástrico para o
esôfago. Este quadro pode ser classificado em primário ou secundário e ambos em não complicado
(Refluxo gastroesofágico – Rge) ou complicado (Doença do refluxo gastroesofágico – Drge). Assim:
i. Rge-Primário: Se deve a imaturidade do esfícnter esofágico inferior e, é considerado
Fisiológico, em lactentes até o terceiro mês de vida, desde que não apresente complicações.
ii. Rge-Secundário: Quando ocorre por outras causas que não a deficiência do esfíncter
esofágico inferior. São exemplos os pacientes com encefalopatia crônica, hérnia hiatal grande,
após cirurgia de atresia do esôfago, alergia ao leite de vaca, esofagite péptica grave, esofagite
eosinofílica. Nessas situações, há comprometimento do peristaltismo esôfago-gástrico ou
alteração anatômica.
iii. Rge-Não complicado: Quando o quadro persite além do terceiro mês, porém, não surgem
complicações Doença do refluxo gastroesofágico (Drge): é a denominação usada
quando o Rge associa-se a complicações como: anemia, desnutrição, Irritabilidade, disfagia,
odinofagia, pirose, ruminação, halitose, otites, bronquites, pneumonias, apnéias, etc.
iv. Rge-Complicado ou doença do refluxo: quando, com ou sem regurgitação e ou
vômitos, apresenta-se com doença respiratória, esofagite, estenose, hemorragia, anemia,
desnutrição, ou falência em crescer.
Regurgitação: é a eliminação de conteúdo gástrico pela boca, sem esforço não precedido de náuseas.
Vômito: é a eliminação do conteúdo gástrico geralmente precedido de náuseas e com esforço.
2. NOÇÕES MORFO-FUNCIONAIS: “A BARREIRA ANTI-REFLUXO”
a. Fatores esofágicos: São o ângulo de His, a roseta mucosa esôfago-gástrica, o peristaltismo
esofagiano, o segmento do esôfago intra-abdominal e o esfíncter esofágico inferior (EEI).
i. O EEI é um segmento de musculatura do esôfago terminal com tônus muscular basal elevado que
supera a pressão intra-gátrica em condições fisiológicas. O EEI aumenta em extensão com a
idade, assim tem 1cm ao nascer, 1,6 cm aos 2 anos e 2,4 cm no adulto.
ii. O EEI responde a estímulos de forma diferente do resto do esôfago:
1. Aumentam seu tônus: Gastrina, motilina, substância P, agonista alfa-adrenérgicos, beta
antagonistas adrenérgicos, agonista colinérgicosa, metoclopramida, domperidona
prostaglandina F2 alfa, cisaprida e proteínas alimentares.
2. Diminuem seu tônus: Secretina, colecistocinina, glucagon, peptídio inibidor gástrico,
peptídio intestinal vasoativo, óxido nítrico, progesterona, antagonistas alfa adrenégicos,
agonistas beta-adrenérgicos, antagonistas colinérgicos, serotonina, nitratos,
bloqueadores do canal do cálcio, teofilina morfina, meperidina, diazepan barbitúricos,
chocolate, etanol, hortelã-pimenta.
3. Aumentam a freqüência dos relaxamentos transitórios: Colecistocinina, sumatriptam. Larginina e gorduras alimentares.
4. Diminuem a freqüência dos relaxamentos transitórios: Inibidor da enzima óxido nítrico
sintetase, serotonina, morfina, loxiglumide, baclofen.
b. Fatores extra-esofágicos: Os pilares diafragmáticos (hiato esofágico) contraem-se fazendo um
mecanismo de pinça durante a tosse, inspiração profunda, e manobra de Valsalva; os músculos do cárdia
em forma de suspensório, os ligamentos freno-esofagianos, e o peristaltismo esofágico gástrico junto com a
competência do piloro.
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3. FISIOPATOLOGIA:
a. Da incompetência do esfíncter:
i. Relaxamentos transitórios (RT): Após cada deglutição ocorrem relaxamentos EEI que duram de 8
a 10 segundos. Além da deglutição, eructação, náuseas e vômitos relaxam fisiologicamente o
EEI. Nos pacientes com refluxo existem quedas da pressão do EEI de 5 a 35 segundos não
relacionados com os eventos fisiológicos. Nesse período, a pressão intra-esofágica é superada
pela pressão intra-gástrica e ocorre RGE que freqüentemente associa-se a relaxamento dos
pilares diafragmáticos.
ii. Facilitadores do REG: O decúbito dorsal horizontal pós-alimentação por colocar o cárdia em
contato direto com conteúdo gástrico. A obesidade por aumentar a pressão intra-gástrica. A
esofagite, doença do colágeno, encefalopatia grave, e pós cirurgia de atresia do esôfago por
diminuição da peristalse esôfago-gástrica:
b. Da esofagite: Depende da ação dos fatores agressivos e defensivos sobre a mucosa esofágica.
i. Agressivos:
1. Refluído ácido: A ação da acidez sobre a mucosa esofágica diminui a ação da enzima
Na/K-ATPase provocando saída de sódio das células e morte celular. O nível de acidez
gástrica assemelha-se ao do adulto entre o primeiro e o segundo mês de vida. No
entanto, a alimentação láctea pode manter o ph gástrico elevado a maior parte do dia.
2. Bile: Age como solvente aumentando a permeabilidade da mucosa esofágica aos íons
hidrogênio potencializando a lesão ácida. O conteúdo biliar duodenal aumenta
gradualmente e atinge nível do adulto no 1 ano de vida.
3. Pepsina: Acelera a descamação celular agravando a lesão ácida. Aos 4 meses tem 50%
tem atividade do adulto que é alcançada aos 2 anos de vida.
4. Tripsina: Tem nível do adulto ao nascer. Relacionou-se com lesões esofágicas
hemorrágicas em estudos em cobaias.
ii. Defensivos:
1. Saliva: tem ph alcalino e neutraliza o refluído. Contudo, sua produção e ação são bem
menores à noite.
2. Camada de água aderida á mucosa: tem ação protetora por hipermeabilização.
3. Esfíncter esofágico superior (EES): tem como elemento anatômico principal o músculo
cricofaríngeo e sua função é dificultar perdas do refluído e aspiração pulmonar evitando
desnutrição e doença respiratória. Seu tônus aumenta com a distensão ou acidificação
do esôfago superior. Porém, está muito diminuído durante o sono.
4. QUADRO CLÍNICO: Difere com a idade do paciente, presença de complicação e, do tipo de complicação.
a. No lactente: Classicamente vômitos e regurgitação ou seja refluxo regurgitante aconpanhado ou não
de sintomas como: choro forte semelhante ao das cólicas do recém-nascido, choro no início das mamadas
recusa alimentar, acordar noturno chorando, caretas, ruminação, apnéia, estridor, sibilância, catarros de
repetição, otites.
b. Na criança maior: A regurgitação desaparece e isso, nem sempre significa cura. Em
aproximadamente 5% dos casos há permanência do refluir gastroesofágico sem regurgitação. (Refluxo Ge
oculto). Podem associar-se os sintomas das complicações: Do trato gastrointestinal: pirose, dor
retroesternal ou em epigástrio, e disfagia a alimentos sólidos, halitose, ruminação; do trato respiratório:
otites catarros, sibilos, apnéias; e gerais: anemia, desnutrição
5. COMPLICAÇÕES:
a. Esofagite: A esofagite histológica ocorre em 60 a 80% das crianças com refluxo clinicamente importante
com sintomas, já descritos como choro, distúrbio do sono, recusa alimentar e ruminação. Classicamente
lactentes ávidos por alimento que rejeitam após iniciar a mamada e largam o peito ou a mamadeira e
choram. No entanto, pode ocorrer casos de esofagite severa, com muito pouca semiologia e que
manifesta-se por hemorragia ou é detectada em exame radiológico por estreitamento esofágico. Disfagia
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pode ocorrer, portanto, no pré-escolar que ingere alimentação mais sólida e tem maior capacidade de
relatar os sintomas. Quando a esofagite ocorre pode haver piora da emese, anemia, e até desnutrição.
b. Esôfago de Barret: Metaplasia do epitélio estratificado esofágico em colunar associa-se à esofagite,
ulceração, estenose esofágica e, adenocarcinoma. Há necessidade de tratamento vigoroso da esofagite
e, vigilância com endoscopia e, caso não ocorra resolução, possibilidade de cirurgia anti-refluxo
c. Respiratorias: Apnéias, tosse crônica, disfonias, sibilância, otites, e penumonias.
d. Desnutrição: Geralmente em lactente que regurgita muito, tem recusa alimentar por esofagite
associado a mau manejo terapêutico.
6. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: O RGE entra como diagnóstico em: Inadequada de alimentação do lactente
(ingestão de ar), eructação insuficiente após mamar, excesso de alimentação, intolerância alimentar, cólica do
lactente, processos entéricos semi-obstrução entérica alta, disfagia, dor retroesternal, hematêmese / melena.
Doença das vias respiratórias: bronquites, broncopneumonias, laringites, apnéias, otites.
7. INVESTIGAÇÃO:
a. Indicação: O Rge deve ser investigado quando: O quadro clínico não se resolve com tratamento
adequado, há suspeita de complicações, para avaliar a relação Rge-sintomas, e para avaliar cura após
tratamento clínico ou cirúrgico.
b. Métodos de estudo:
i. Rotina geral: hemograma, parcial de urina, parasitológico e pesquisa de sangue oculto (PSO) nas
fezes. .
ii. Serigrafia esôfago-gastroduodenal (SEGD): avalia principalmente a parte anatômica
(presença de hérnias e estreitamentos) e, em mãos experientes, noção do esvaziamento
esofágico e gástrico. Tem as desvantagens de se pouco sensível, com tempo de avaliação pouco
representativo e, a avaliação ser feita em posição que a criança vai evitar (decúbito dorsal
horizontal). Não deve ser usado como exame único para análise de intensidade do RGE, nem
como parâmetro de cura.
iii. Phmetria esofágica de 24 horas: É tido na literatura como padrão ouro no diagnóstico da
Drge. É o método que consegue detectar e quantificar o refluído ácido para o esôfago podendo
distinguir o Rge da Drge, avaliar evolutivamente antes e após tratamento clinico ou cirúrgico.
Pode verificar relação entre queixas do paciente e episódios de refluxo ácido. A relação entre
doenças respiratórias e Rge tem sido associado a queda do ph (< 5,8) no nasofaringe verificado
por phmetria com sonda de sensor alto.
iv. Endoscopia e Anatomopatológico: Estão indicados no RGE considerado patológico
pela suspeita clínica de esofagite e pela phmetria. Endoscopia e Phmetria complementam-se e
estão indicados nos RGE que não evoluem bem com tratamento clínico e, são importantes no
julgamento da necessidade de tratamento cirúrgico.
8. TRATAMENTO: Considere as seguintes situações:
a. Refluxo gastroesofágico (Rge): Ou seja Lactente regurgitador sem complicações. Não investigar. Iniciar
com medidas do chamado tratamento conservador ou não medicamentoso:
i. 1) Posição: Evitar decúbito dorsal horizontal, roupas ou fraldas apertadas, agitar ou comprimir o
abdome da criança (situação freqüente quando o lactente está no colo), trocar fraldas em decúbito
dorsal horizontal (o lactente menor de 3 meses geralmente come e evacua. Estando, portanto,
com estômago cheio de alimento líquido ser colocado nessa posição, pode representar risco ppara
refluir, espirar, ou afogar-se durante a higiene do períneo e troca de fraldas. Além do mais, é
freqüente que a mãe suspenda parcialmente a criança pela pernas para facilitar a higiene do
períneo. Indicar posição semi-sentada (em posição lateral esquerda preferencialmente após as
alimentações ou decúbito ventral elevado.
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ii. 2) Dieta: fracionada e mais freqüente. Evitar “irritantes gástricos”: cítricos, chá e café preto,
achocolatados e gordura de origem animal. Na persistência do quadro ou clínica exuberante
considerar o tratamento medicamentoso como abaixo.
b. Doença do Rge (Drge): Além das medidas anteriores:
i. Medicação procinética: Objetivo: melhorar a dinâmica gastroduodenal.
1. Bromoprida: Antagonista central e periférico da dopamina, metabolizada no fígado,
excretada na urina. Exige cautela quando associada às drogas atropínicas e
digoxina. Pode ocorrer espasmo muscular localizado ou generalizado, cefaléia,
sonolência, calafrios, astenia, distúrbios visuais acomodativos. Dose: 0,5 a 1
mg/kg/dia, 3 a 6 vezes ao dia, 15 a 30 minutos antes das refeições.
2. Domperidona: Antagonista dopaminérgico, sem efeitos colaterais. Tem baixa
penetração através da barreira hemato-encefálica, não causando reações
extrapiramidais. 0,2 a 0,6 mg/kg/dose, 3 a 4 vezes ao dia, antes das refeições e
antes de deitar.
ii. Anti-ácidos: Devem ser usados na presença de esofagite.
1. Antagonistas dos receptores H2 da histamina: Bloqueiam parcialmente a secreção
ácida gástrica. Usar antes das refeições e ao deitar . Ranitidina: < 2 meses - 2
mg/kg/dia, 12/12 hs > 2 meses: 4 a 5 mg/kg/dia, 2 a 3 x/dia.
2. Bloqueadores da bomba de protônica gástrica: Omeprazol ação prolongada dose:
0,7 a 3 mg/kg/dia, 1x/dia (média 2 mg/kg/dia).
c. Doença do Rge (Drge) em criança maior: Nas crianças maiores de 2 anos já não mais se espera
resolução do refluxo Ge por amadurecimento da barreira anti-refluxo. Assim sendo, na suspeita de
envolvimento do refluxo em quadro patológicos, há necessidade de avaliar com exames como a phmetria
verificando intensidade do RGE e sua relação com os sintomas e vídeo-endoscopia para avaliar
complicações com esofagites, estenoses, hérnias. Quando as complicações do RGE não se resolvem com
tratamento clínico, a partir da faixa etária referida, deve ser considerada a necessidade de tratamento
cirúrgico. A fundoplicatura, atualmente realizada através de vídeo-laparoscopia, está indicada em:
estenose péptica, esôfago de Barret, no RGE do encefalopata grave, em doença respiratória: apnéias,
bronquites ou bronco-pneumonias relacionadas ao Rge..
9. Bibliografia:
1. Lee, Makau: Nausea and vomiting In Gastorointestinal and Liver Disease: Pthophysiology
/Giagnosis/Manegemet. - Slleisenger et Fordtran´s - 7th Edittion 8:119-130.
2. Pediatric Gastroesohpageal Reflux Clinical Practice Guidelines were published in the Journal of Pediatric
Gastroenterology and Nutrition 2001; Volume 32: Supplement 2 pages 1-31. Complete or:
www.cdhnf.org or www.naspghan.org
3. Protocolo sobre refluxo gastroesofágico: Hospital municipal Infantil Menino – PMSP (Acesso: Google)
4. Francisco José Penna: Manejo de esofagite de refluxo severa em criança; Aspectos atuais: Rev Med
Minas Gerais 2004; 14 (1 Supl. 3): S78-S84
5. José Cesar da Fonseca JunqueiraI; Francisco José Penna: pH nasofaríngeo e refluxo gastroesofágico
em crianças com doença respiratória crônica-J.Pediatr. (Rio J.) vol.83 no. 3 Porto Alegre May /
June 2007.
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6. Refluxo Gastroesofágico: Consenso Brasileiro da Doença do Refluxo Gastroesofágico. In:
www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/084.pdf
7. Reflujo gastroesofágico: www.aeped.es/protocolos/index.htm
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