Manifestação da PGR - Supremo Tribunal Federal
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Manifestação da PGR - Supremo Tribunal Federal
Nº 51101/2015 – ASJCIV/SAJ/PGR CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. APROVADOS FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL. MANIFESTAÇÃO. AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. PRAZO DE VALIDADE. NECESSIDADE. DEFENSORES PÚBLICOS. NOVO CERTAME. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. MORALIDADE. BOA-FÉ. NORMA CONSTITUCIONAL. APLICABILIDADE IMEDIATA. CASO CONCRETO. 1 – Em recurso extraordinário, não se conhece pedido de reforma da decisão recorrida com fundamento em violação ao devido processo legal, quando a real ofensa recai sobre a legislação infraconstitucional, na forma do que dispõe a Súmula 636 do STF. 2 – No estágio atual de concretização dos deveres estatais preconizados pela Constituição Federal, ao Poder Judiciário compete inibir ou retificar as ações ou omissões da administração pública em proteção aos direitos dos administrados, não se cogitando de qualquer afronta ao princípio da harmônica separação dos poderes do Estado. 3 – A premissa da lisura no procedimento de concorrência pública deriva do princípio da moralidade administrativa, de eficácia e aplicação imediatas, que orienta a probidade administrativa e não admite condutas contraditórias dos respectivos administradores ou iniciativas desapegadas da realidade, que, via de regra, culminam em práticas atentató- DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. Recurso Extraordinário 837.311 – PI Relator: Ministro Luiz Fux Recorrente: Estado do Piauí Recorridos: Eugênia Nogueira do Rego Monteiro Villa e outros Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR rias ao administrado e no desatendimento à população necessitada dos serviços públicos. 5 – Reconhece-se líquido e certo o direito do candidato devidamente aprovado em concurso público regular na hipótese de manifestação inequívoca do órgão selecionador ou da autoridade administrativa competente, ainda no prazo de validade do processo seletivo, acerca da necessidade de chamamento de novos defensores públicos e a previsão de realização de novo certame para o cumprimento dessa finalidade. 6 – Parecer pelo desprovimento do recurso extraordinário. Trata-se de agravo de instrumento convertido em recurso extraordinário, interposto pelo Estado do Piauí, em face de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, nos autos do Mandado de Segurança 2008.0001.000683-9, no qual pende discussão sobre a admissão ou não de nomeações de candidatos aprovados e classificados em posição superior ao número de vagas previsto no edital de seleção para o preenchimento de cargos de Defensor Público, quando houver, ainda durante a validade do concurso público, manifestação da autoridade máxima da Defensoria Pública do Estado do Piauí acerca da necessidade administra- 2 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. 4 – Em claro desprestígio do ideal de legitimidade social e da boa administração, a procrastinação da convocação de candidatos ao cargo de defensor público estadual dá azo à perpetuação da prestação deficitária do serviço de auxílio jurídico aos necessitados e frustra também as finalidades do concurso público em questão. Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR tiva de novos membros e a intenção declarada de abertura de novo certame para a sua seleção. Na origem, diversos candidatos ao cargo de Defensor Público do Estado do Piauí, cujo concurso foi regulado pelo Edital 1/2003, ajuizaram o aludido mandado de segurança, com pedido de medida liminar, em face do Governador do Estado do Piauí e do Defensor Público-Geral do Estado do Piauí com vistas a posse e nomeação dos referidos. A petição inicial informa que, segundo o resultado do conforam aprovados no certame. Contudo a Defensoria Pública estadual negou-se a convocá-los, ainda que o Estado tivesse, à época, apenas vinte e nove defensores públicos lotados nas comarcas do interior em um universo de cento e cinquenta e dois cargos, tal como permite a Lei Complementar Estadual 59/2005, norma que instituiu a organização da Defensoria Pública do Estado do Piauí. Os impetrantes estabeleceram como premissa de julgamento o fato de que haveria vagas no aludido órgão em quantidade suficiente para o acolhimento de todos os demandantes. Em subsídio à tese, consignou, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que há direito subjetivo do candidato aprovado ao cargo se, dentro do prazo de validade do concurso, surgirem novas vagas no seio da entidade que seleciona. 3 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. curso homologado em 23 de março de 2004, todos os impetrantes Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR Em contestação, o Estado do Piauí apresentou requerimento de citação, para integração do litisconsórcio passivo necessário, de todos os candidatos compreendidos entre os empossados e a centésima quinquagésima posição, ocupada pela autora pior classificada na disputa, Ana Teresa Ribeiro da Silveira. No mérito, defende que os impetrantes não foram aprovados dentro do número de vagas oferecidas, já que o edital previu a abertura de trinta vagas para o aludido cargo e o impetrante melhor colocado ocupou apenas a posição centésima décima nona do ranking do cerainda que não houve comprovação de preterição da ordem de aprovados, segundo o que preceitua a Súmula 15 do Supremo Tribunal Federal. Em decisão interlocutória, o magistrado, avaliando o pedido de medida liminar para determinar a posse e a nomeação dos interessados no cargo de Defensor Público, acabou por indeferi-lo ao argumento de que o requerimento in limine coincide com o mérito da causa, sendo vedado o acatamento, além de possibilitar a ocorrência do periculum in mora inverso no caso de não concessão da ordem, gerando consequências mais gravosas às partes envolvidas. Contudo, na decisão de mérito, houve a concessão unânime da ordem “para determinar a nomeação dos impetrantes no cargo 4 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. tame, o que não geraria direito subjetivo à nomeação. Acrescenta Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR de Defensor Público do Estado do Piauí, Eugênia Nogueira do Rego Monteiro Villa, Alexandre Christiam de Jesus Nolleto, Roosevelt Furtado de Vasconcelos Filho, Christiana Gomes Martins de Sousa, Aurino da Rocha Luz, Tatiana Gadelha Malta Rufino e Ana Teresa Ribeiro da Silveira, bem como dos litisconsortes Carlos Augusto Belchior Bitencourt, Nartan da Costa Andrade, Antônio Caetano de Oliveira Filho, Maria Teresa de Albuquerque Soares, Karla Araújo de Andrade, Fabiana Kiuska Seabra dos Santos, Álvaro Francisco Cavalcante Monteiro, Paulo Henrique Ribeiro Rocha, Silva Carvalho,Verônica Frota de Castro, Cyntya Tereza Sousa Santos, Ana Paula Passos Matos Moreira, Laurent Nancym Carvalho Pimentel e Ana Cristina Carreiro de Melo”. Ademais, extinguiu o processo com resolução do mérito, quanto aos demais litisconsortes, em face da renúncia expressa ao direito à posse e à nomeação. A fundamentação do acórdão apegou-se ao fato de que, antes de expirar o prazo de validade do certame, o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Piauí, nos termo da legislação de regência, editou a Resolução 19/2008, publicada no Diário Oficial nº 55, de 29 de outubro de 2008, que declarou a existência de cento e três cargos vagos para Defensor Público de 1ª Categoria e reconheceu a premência na contratação de novos profissionais. Em acréscimo, a administração do órgão anunciou, de forma 5 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. Omar dos Santos Rocha Neto, Karolyne Duarte Chaves, Elaine Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR expressa e inequívoca, a realização de novo certame para a convocação de mais doze novos defensores públicos, mesmo havendo diversos candidatos regularmente aprovados e aptos a exercer as funções do respectivo cargo. Houve a interposição de embargos de declaração pelo Defensor Público-Geral e pelo Estado do Piauí e apresentadas contrarrazões aos recursos pela candidata Ana Cristina Carreiro de Melo, Karla Araújo de Andrade Leite, Cyntya Tereza Sousa Santos, Álvaro Francisco Cavalcante Monteiro, Eugênia Nogueira do Foi interposto agravo regimental da decisão monocrática do Desembargador Relator que indeferiu o cumprimento imediato do julgado pelos candidatos Karla Araújo de Andrade Leite, Cyntya Tereza Sousa Santos e Álvaro Francisco Cavalcante Monteiro, o qual persuadiu o Desembargador Relator a reformar sua decisão, determinando a execução provisória da segurança e a nomeação e posse dos aprovados nos aludidos cargos de Defensor Público, sob pena de multa diária de quinze mil reais. Essa decisão ensejou a apresentação de novo agravo regimental e embargos de declaração, ambos de autoria do Defensor Público-Geral, e agravo regimental pelo Estado do Piauí. No julgamentos dos aclaratórios, foi acolhida preliminar de ilegitimidade passiva ad causam do Defensor Público-Geral para 6 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. Rego Monteira Villa e outros. Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR excluí-lo do polo passivo da demanda. Os demais recursos foram rejeitados pelo Tribunal de Justiça. Paralelamente ao trâmite do mandamus, o Estado do Piauí ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, a Suspensão de Segurança 4.132, na qual o Min. Gilmar Mendes, monocraticamente, deferiu o pedido para sustar os efeitos do acórdão do Tribunal de Justiça e da decisão que permitiu a imediata deflagração da execução provisória, mas contra essa decisão ainda pende o julgamento de agravo regimental1. fundamento no art. 105, III, a, da CF, e extraordinário, com apoio no art. 102, III, a, da CF. Em contrapartida, Carlos Augusto Belchior Bitencourt, Maria Teresa de Albuquerque Soares, Omar dos Santos Rocha Neto, Eugênia Nogueira do Rego Monteiro Villa e outros apresentaram suas contrarrazões a ambos os recursos. Em exame de admissibilidade, a Presidência do tribunal recorrido negou seguimento ao recurso especial e ao extraordinário, suscitando a interposição de agravo de instrumento pelo Estado do Piauí, o qual foi contraminutado por Eugênia Nogueira do Rego Monteiro Villa e diversos outros candidatos. 1 Conforme andamento processual do sítio do STF, acessado em 26 mar 2015. 7 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. Foram interpostos pelo Estado do Piauí recurso especial, com Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR O Desembargador Edvaldo Pereira de Moura determinou a subida dos autos para o Supremo Tribunal Federal, ordem devidamente cumprida em 14 de setembro de 2010. Contudo, tendo em conta a Portaria GP 138, de 23 de julho de 2009, e o decidido no Recurso Extraordinário 598.099, os autos retornaram para o tribunal de origem. Em despacho de mero expediente, o Desembargador Presidente ordenou o aguardo dos autos até o pronunciamento do STF no Recurso Extraordinário 598.099, cuja repercussão geral foi resimples, apresentou a manifestação de que os autos não se amoldavam à hipótese daquele extraordinário e deveriam ser remetidos ao STF por determinação do Min. Gilmar Mendes, em decisão proferida nos autos da Suspensão de Segurança 4.132. Em novo despacho, o Desembargador Presidente do TJPI intimou os agravados para manifestarem-se no prazo de cinco dias. Houve, por sua vez, a apresentação de petições de diversos candidatos pelo prejuízo do recurso extraordinário do Estado do Piauí, dado o julgamento do paradigma citado. Foi ajuizada a Ação Cautelar 2010.0001.006405-6 pelos candidatos Álvaro Francisco Cavalcante Monteiro e outros, com pedido liminar acatado para a reserva de vagas dos requerentes em preferência de nomeação aos candidatos aprovados no último con- 8 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. conhecida pela Corte. O Estado do Piauí, por sua vez, em petição Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR curso realizado pelo Estado do Piauí, homologado em 31 de março de 2010. Em fevereiro de 2013, o incidente foi remetido ao Supremo Tribunal Federal. Seguiu-se à intimação do Ministério Público Federal o Parecer 9.134 – RJMB/ahb, da lavra do então Subprocurador-Geral da República e atual Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, que concluiu pelo desprovimento do agravo de instrumento por falta de prequestionamento das normas que serviram de fundamento ao recurso extraordinário, pela ofensa reapreciação de fatos e provas por vedação da Súmula 279 do STF. O Ministro Relator, Luiz Fux, considerou satisfeitos todos os requisitos de admissibilidade e conheceu do agravo, determinando a conversão em recurso extraordinário para melhor análise da matéria. Na análise da repercussão geral, posteriormente reconhecida pelo plenário virtual, o Ministro Relator consignou na fundamentação de seu voto a divergência entre ambas as Turmas do STF na hipótese de acesso a cargos públicos por candidato aprovado em posição superior ao quantitativo de vagas disponibilizado no edital de abertura do concurso público. Menciona, para tanto, as ementas do ARE 757.978-AgR, Rel Min. Luiz Fux, e do ARE 790.897AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. 9 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. flexa à Constituição Federal e, por fim, pela impossibilidade de re- Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR Juntou-se ainda o pronunciamento por escrito do Min. Marco Aurélio pela configuração da repercussão geral. Por fim, a ementa do julgado ficou assinalada nos seguintes termos: Recurso extraordinário. Administrativo. Controvérsia sobre o direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital de concurso público no caso de surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do certame. Tema 784. Repercussão geral reconhecida. confecção de parecer. Esses, em síntese, os fatos de interesse. O acórdão recorrido teve sua ementa assim redigida: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATOS CLASSIFICADOS FORA DO NÚMERO ESTABELECIDO NO EDITAL. ANÚNCIO DE NOVO CONCURSO DURANTE A VIGÊNCIA DO ANTERIOR. DEMONSTRADA PELA ADMINISTRAÇÃO A NECESSIDADE DE CONTRATAÇÃO DE PESSOAL. DISCRICIONARIEDADE. INEXISTÊNCIA. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO DA EXPECTATIVA EM DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOS IMPETRANTES. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME. 1. A discricionariedade do Poder Público de nomear candidatos classificados fora do número previsto no edital deixa de existir a partir do momento em que a Administração pratica atos no intuito de preencher as vagas surgidas e demonstra expressa a sua necessidade de pessoal. 10 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. Os autos vieram à Procuradoria-Geral da República para a Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR O recurso extraordinário interposto pelo Estado do Piauí, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, suscitou ofensa aos artigos 2º; 5º, LV, e 37, III e IV, todos de assento constitucional. Acrescenta que o art. 5º, LV, do texto constitucional, foi malferido, pois litisconsortes passivos necessários, candidatos que se encontravam em melhor classificação que os impetrantes, foram nomeados, na forma imposta pela decisão recorrida, migrando-os do polo passivo para o ativo, em confronto com o princípio da estabilização da demanda, que determina a imodificabilidade dos elementos da demanda. Por esse fundamento, a impugnação não prospera, uma vez que a ofensa à Constituição Federal é apenas indireta, estando sim 11 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. 2. Não é lícito à Administração, dentro do prazo de validade do concurso público, nomear candidatos classificados além do número inicialmente previsto no edital em detrimento de outros em igual situação. 3. No momento em que a Administração expressamente manifesta a intenção de fazer novas contratações por necessidade de Defensor Público em todo o Estado do Piauí; anuncia a realização de novo concurso dentro do prazo de validade do certame anterior e nomeia candidatos aprovados fora da ordem classificatória e do limite de vagas inicialmente ofertadas no edital, o ato de nomeação dos impetrantes deixa de ser discricionário para tornar-se vinculado, convertendo-se a mera expectativa em direito líquido e certo. Precedentes. 4. Ordem concedida, unânime. Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR em verdadeiro contraste com a lei processual civil que regula o fenômeno da estabilização da demanda, como mencionado no próprio corpo do recurso. Dessa forma, a jurisprudência do STF não acolhe essa espécie de violação, uma vez que a integridade do organismo constitucional mostra-se intocado quando da análise do caso concreto, remetendo o intérprete, invariavelmente, à legislação infraconstitucional para o deslinde da controvérsia e subtraindo, por consequência, a competência da Suprema Corte para a análise da matéria 2, à seme- Quanto ao infração ao art. 2º da CF, explica o recorrente que a ordem para nomear os impetrantes originários e os demais litisconsortes ativos fere a “competência discricionária da Administra- 2 A esse respeito: “Constitucional e administrativo. Licença ambiental. Demora na concessão. Razoável duração do processo. Matéria infraconstitucional. Art. 5º, LIV, LV e LXXVIII, da Constituição Federal. Ofensa reflexa. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica em não admitir recurso extraordinário para debater matéria referente a ofensa aos postulados constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da prestação jurisdicional, pois, se existente, seria meramente reflexa ou indireta. 2. Contrariedade aos arts. 5º, LIV, LV, LXXVIII, da Constituição Federal, que não prescinde da análise de legislação infraconstitucional (Lei Municipal 8.896/2002) e do corpo probatório dos autos. (…) 4. Agravo regimental improvido” (AI 765.586-AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 21 mai 2010) 3 Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida. 12 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. lhança do que dispõe a Súmula 636 do STF3. Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR ção, que se obriga apenas a observar a ordem de classificação no certame, nos termos da já referida Súmula 15 do STF4”. É fato que a partir da premissa da separação funcional dos poderes, tal como postulado pela Constituição Federal, nenhum deles pode se sobressair sobre os demais, sob pena de desvirtuamento da vontade constitucional e, em consequência, da quebra da estabilidade institucional. Assim como não se encontra nos objetivos primários do Poder Judiciário a função de legislador positivo, não é menos verdaPoder Executivo é medida recomendada para que se evite o choque institucional e permita, por outro lado, a realização das diretrizes governamentais e das políticas públicas voltadas para o bem comum. Essa é indubitavelmente a regra desse ambiente de poderes essencialmente limitados. Contudo, a evolução interpretativa do texto constitucional a partir de uma leitura mais inclusiva da participação do cidadão nos processos estatais, ressaltando-a como direito fundamental à influência político-social, agiganta a participação e o controle do Poder Judiciário, como verdadeiro garantidor dessas prerrogativas, a cor- 4 Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação. 13 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. deiro que a autocontenção judicial frente às determinações do Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR rigir os excessos de legisladores e administradores no trato com a coisa pública, via de regra, em franco prejuízo do cidadão. Historicamente, se nos idos do século XVIII a ascensão dos direitos de primeira dimensão, tais como a liberdade e a propriedade, ganhou importância e notoriedade, criando um ambiente propício para a construção dos fundamentos de uma nova concepção de Estado, incluindo neles a noção de direitos da pessoa 5; o desenvolvimento e a contínua inserção de direitos fundamentais ao já conquistados e reconhecidos pelas constituições modernas e conEstado e, sobretudo, do Poder Executivo. O alargamento das funções do Poder Executivo, processo resultante do forte incremento dos objetivos estatais e deveres para com o cidadão, teve por contraponto o aumento das prerrogativas dos entes públicos e a sua atuação discricionária, dentro dos parâmetros determinados pela lei. Nesse ambiente, ao Poder Judiciário coube se afirmar, em proteção ao administrado, frente à hipertrofia do Executivo. 5 Assim como se observa do texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, formalizado pela Assembleia Constituinte francesa em 1789. 14 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. temporâneas provocou, nos anos seguintes, um engradecimento do Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR Ainda a explicar a transição entre os aludidos modelos de Estado e as consequências decorrentes da centralização dos direitos Com o advento do Estado Social, os direitos subjetivos (individuais) precisaram ser completados pelos direitos sociais. Considerou-se que tão importante quanto reconhecer a esfera de direitos necessários a assegurar a autonomia da vontade dos indivíduos é tornar a pessoa membro de uma sociedade. Os indivíduos não são atomizados ou alienados, nem precisam ser colocados uns contra os outros. A categoria dos direitos sociais reconhece os indivíduos como seres que precisam uns dos outros, que devem se reconhecer reciprocamente e colaborarem para assegurar o convívio democrático de liberdades e direitos em uma sociedade capaz de respeitar as diferenças e promover a justiça. No Estado Liberal, todos eram iguais perante a lei. Consagrava-se a isonomia em sentido formal, pois a lei não se preocupava com as diferentes necessidade sociais. A lei, por ser geral e abstrata, não levava em consideração alguém em específico nem era feita para uma determinada hipótese, cabendo ao Judiciário simplesmente atuar a vontade concreta da lei, pois qualquer tratamento diferenciado comprometeria a sua imparcialidade e era visto como violador da igualdade. […] Além disso, a igualdade a que a concepção liberal de lei protegia era meramente formal, o que acabava por tutelar a posição das classes economicamente mais favorecidas e, via de consequência, impedia que o Estado interviesse na sociedade para proteger os mais pobres. Se todos são tratados de igual maneira, sem considerar estarem em uma mesma situação fática e jurídica, não se promove a isonomia. Igualdade de fato 6 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo – direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. 2ª ed.:RT, 2011, p. 176-179. 15 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. fundamentais na órbita constitucional, cite-se o seguinte excerto6: depende da aceitação de desigualdades jurídicas; por isto, é necessário haver ações positivas por parte do Estado. Uma legislação somente tutela a igualdade em sentido material quando, ao valorar concretamente determinada situação fática e jurídica, identifica critérios capazes de gerar tratamentos isonômicos ou não arbitrários, vale dizer, que permitam concluir se tratar de uma lei correta, razoável e justa. Em outras palavras, um tratamento desigual deve estar fundamentado em razões – fáticas e jurídicas – plausíveis para a sua permissão e, destarte, não será arbitrário. O Estado deve se omitir em tratar desigualmente os desiguais quando não há critérios razoáveis que justifiquem tais discriminações. Por outro lado, deve atuar positivamente para promover a igualdade fática quando, para tanto, é indispensável desigualar juridicamente. Portanto, a avaliação judicial da razoabilidade dos fundamentos da lei (omissão ou ação), permite concluir que a solução adotada (discriminação ou não discriminação normativa) não é arbitrária e, portanto, é a melhor e a mais justa. Do mesmo modo, a concepção liberal sustenta que a liberdade individual de ação e de decisão requerer a ausência de intervenção estatal. Assim, o único bem a ser protegido pelos direitos fundamentais é a liberdade negativa frente ao Estado. Em contrapartida, o Estado Social afirma que a liberdade, a que se refere à proteção de direitos fundamentais, implica assegurar a criação de estruturas sociais que garantam a maior oportunidade possível de desenvolvimento da personalidade. Os direitos fundamentais devem criar reais oportunidades de vida e de liberdade fática. Com efeito, a liberdade não pode levar em consideração um indivíduo isolado e dono de si mesmo, mas como uma pessoa referida e vinculada a uma comunidade. Logo, o direito fundamental à liberdade não se restringe à proteção do indivíduo contra atos arbitrários do Estado (liberdades negativas), mas depende de condições materiais para que a pessoa, autodeterminada, consiga exercer a cidadania de modo responsável (liberdades positivas). […] 16 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR Assim, a partir do Welfare State, o Estado deixa de ser visto apenas como um inimigo dos direitos fundamentais, não ficando as suas atividades limitadas ao mínimo possível (Estado mínimo), mas uma instituição indispensável para assegurar os direitos fundamentais na sociedade civil. No ponto que respeita à discussão no recurso extraordinário, Se no Estado Liberal o Judiciário era caracterizado pela sua neutralização política, no Estado de Bem-Estar Social a explosão de litigiosidade, marcada pela busca de efetivação dos direitos fundamentais sociais, ampliou a visibilidade social e política da magistratura. Passou a ser cobrada pela concretização dos direitos constitucionais. A luta por saúde, educação, moradia, segurança social, entre outros direitos, instrumentalizada em demandas individuais e sobretudo coletivas, promoveu a juridificação da justiça distributiva. O Judiciário foi chamado a enfrentar a gestão das contradições entre igualdade formal e justiça social. O desempenho judicial adquiriu maior relevância social, mas também começou a ser mais questionado pelos meios de controle social (especialmente, pela imprensa), tornando-se objeto de controvérsia pública e política. Desse modo, para que a cláusula da convivência harmônica entre os poderes pudesse prevalecer no caso concreto e em consonância com o direitos fundamentais do cidadão, o Poder Judiciário, obstando a atuação desmedida e desproporcional do ente público, atua em proteção do cidadão7, razão por que não se evidencia ab7 Nessa linha: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 279/STF. Hipótese em que, para dissentir da conclusão firmada pelo Tribunal de origem, seria necessário reexaminar os fatos e provas constantes dos autos, o 17 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. conclui o autor: Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR surda a interferência judicial em tema de concurso público, sobretudo na hipótese de desmerecimento das situações de vantagem do candidato provocado pelo próprio Estado. Deve-se analisar, contudo, o caso concreto de modo a aferir a existência de excessos do órgão jurisdicional recorrido. Quanto ao tema de fundo, a decisão recorrida parte das seguintes premissas de fato e de direito: (i) os impetrantes foram classificados em concurso público, devidamente homologado em 23 de março de 2004, mas não aprovados dentre o número de vade novo concurso para a ocupação de vagas para defensor público do Estado por meio da Resolução 19/2008, cujos termos explicitaram a existência de cento e três cargos vagos para Defensor Público de 1ª Categoria no Estado do Piauí, e por anúncio do Defensor Público-Geral na imprensa jornalística; (iii) os impetrantes foram classificados nas seguintes posições: 119º, 125º, 130º, 132º, 133º, 137º e 150º; (iv) a flexibilização da noção de nomeação como ato meramente discricionário, caracterizando-a como direito subjetivo de acesso ao cargo público regularmente oferecido que é vedado em recurso extraordinário. Incidência da Súmula 279/STF. É firme no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que não afronta o princípio da separação dos Poderes o controle exercido pelo Poder Judiciário sobre atos administrativos tidos por abusivos ou ilegais. Precedentes. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega provimento.“ (AI 410544 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, DJe-051 de 16 mar 2015) 18 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. gas previsto no edital; (ii) divulgação da necessidade administrativa Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR em concurso público; (v) das cento e três vagas originalmente dispostas pela Lei Complementar Estadual 59/2005, foram nomeados vinte e oito defensores públicos, restando setenta e cinco vagas abertas e contabilizando-se, ao final, vinte e três candidatos a serem chamados dentro do rol de classificados no certame; (vi) o Governador do Estado, por meio de ato publicado no Diário Oficial do Estado, datado de 19 de março de 2008, apenas uma semana antes de findar a validade do concurso, nomeou a candidata classificada na centésima décima terceira posição e (vii) a conversão da mera quido e certo à conta da manifestação do órgão público pela necessidade de novos defensores públicos antes da data de expiração do concurso. O Supremo Tribunal Federal, em tema de concurso público, por muitos anos, permaneceu com sua tradicional posição de apenas reconhecer ao candidato aprovado uma posição de mero expectador de um direito dependente exclusivamente da discricionariedade administrativa8. Fundamentava suas decisões a 8 Nesse sentido, são emblemáticos os seguintes arestos: “Aprovação em concurso gera simples expectativa de direito - Recurso em mandado de segurança desprovido.” (RMS 4643, Relator Min. HENRIQUE D'AVILA (convocado), DJ 22 out 1959) e “Concurso público: direito à nomeação: Súmula 15/STF. Firme o entendimento do STF no sentido de que o candidato aprovado em concurso público detém mera expectativa de direito, não direito à nomeação.” (AI 381529 AgR, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 3 jun 2005) 19 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. expectativa de direito dos impetrantes em verdadeiro direito lí- Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR partir da concepção política alusiva à cláusula de independência dos poderes, assim como na conveniência e oportunidade na convocação de candidatos regularmente aprovados em concursos públicos. Definiu-se exceção à supracitada regra na hipótese em que o servidor, classificado dentro do número de vagas previsto no edital, possuía direito subjetivo à nomeação pelo órgão público organizador do certame, pois passou-se a se entender que tal posição de vantagem não poderia ser menosprezada pela administração, sob mulado, o que se traduzia em desproporcionalidade flagrante. Esse entendimento foi fixado no Recurso Extraordinário 598.099, submetido ao regime de repercussão geral: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. 20 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. pena de desvinculá-la das prescrições do próprio edital por ela for- II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ. PROTEÇÃO À CONFIANÇA. O dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional de- 21 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR vem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. IV. FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também 22 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público. V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (RE 598099, Relator Min. GILMAR MENDES, DJe-189 de 30 set 2011) De outro extremo, pondera-se em favor da administração pública, nos casos em que candidato alega a existência de direito subjetivo à prorrogação do concurso público para buscar obter uma vaga criada após o seu prazo de validade, porque evidente a desarrazoada constrição do ente público a prolongar um certame que, período específico de validade. Se de um lado, o ente estatal não pode dispor da posição jurídica do aprovado e classificado segundo as regras do edital, por outro, a estrutura estatal não pode se tornar refém das conveniências particulares dos candidatos, em sacrifício da discricionariedade inerente ao governo de suas funções. Esse posicionamento já foi albergado pelo Ministério Público Federal, por ocasião de sua manifestação no Recurso Extraordinário 766.304, no Parecer 2303/2014, da lavra do Subprocurador-Geral da República, Paulo Gustavo Gonet Branco, assim ementado: Recurso extraordinário com repercussão geral. Tema 683. Inexistência de direito subjetivo de nomeação de aprovado em concurso público para vaga que deve ser tida como surgida após exaurido o prazo decadencial de validade do cer- 23 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. por determinação prévia da própria administração pública, possui Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR tame – tanto mais quando o candidato interessado apenas busca a satisfação do suposto direito quando já esgotado tal prazo. Inexistência de direito subjetivo à prorrogação do prazo de validade do concurso. Pelas balizas já definidas pela doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o presente recurso extraordinário, que envolve a expressa manifestação do órgão pela necessidade de nomeação de novos defensores públicos para os quadros da Defensoria Pública do Piauí, durante o período editalício de validade, sem a consequente convocação dos candidatos, pelas minúcias Entende-se como razoável a afirmação de que a presença de vagas desocupadas em dado órgão significa um maior ou menor déficit na prestação do serviço público para o qual foram criadas, o que resulta invariavelmente em prejuízo para seus usuários. A falta de pessoal para o desempenho de funções administrativas ou finalísticas, comum na administração pública brasileira, é visivelmente agravada pela existência de vagas e pela manifestação inequívoca do próprio órgão da necessidade de convocação de novos servidores ante a demanda de trabalho e da intenção de realizar novo concurso público para provimento de vagas para as quais ainda havia certame aberto e válido e candidatos certamente qualificados para ocupá-las. 24 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. apresentadas, não se reveste de condições para o seu provimento. Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR É certo que os impetrantes do mandado de segurança originário não constavam da lista dos aprovados às vagas previstas no edital, entretanto, ante a necessidade de novos defensores públicos para comporem os quadros do órgão e a sua expressa e ostensiva declaração pela cúpula da Defensoria Pública do Piauí, criou-se motivo apto à convocação dos candidatos. Isso porque à administração pública não cabe se portar em dubiedade de intenções. A finalidade pública é o bem a ser perseguido por todos os agentes públicos e, diante da premência no cia na tutela de interesses de pessoas carentes e da existência de classificados em certame válido e em vigor, o objetivo final, no presente caso, é único e não existe outro: deve-se convocar os aprovados na ordem de classificação do certame. A premissa da lisura no procedimento de concorrência pública deriva do princípio da moralidade administrativa, que orienta a probidade administrativa e não admite condutas contraditórias dos respectivos administradores ou iniciativas desapegadas da realidade, que, via de regra, culminam em práticas atentatórias ao administrado e no desatendimento à população necessitada dos serviços públicos. Em relação à apreensão desse princípio constitucional, asseverou José Augusto Delgado que “enquanto o princípio da legali- 25 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. chamamento de novos defensores públicos para aplacar a ineficiên- Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR dade exige ação administrativa de acordo com a lei, o da moralidade prega um comportamento do administrador que demonstre haver assumido como móbil da sua ação a própria ideia do dever de exercer uma boa administração” ou, em outros termos, citando Hely Lopes Meirelles, “o princípio da moralidade […] exige do administrador uma postura que faça com que os seus atos exteriorizem a própria ideia do dever de haver atuado com base em regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o Bem e o Mal, mas também pela ideia geral de administração e pela Em acréscimo, acentua Diogo de Figueiredo Moreira Neto que “não se trata, portanto, de exigências da moral comum, requeridas de todos em quaisquer circunstâncias, mas de um comportamento ético próprio do agente público que espontaneamente se propõe a administrar os interesses da sociedade cometidos ao Estado, já que a tanto nada o obriga, devendo, por isso, ter um desempenho absolutamente voltado à consecução de finalidades públicas, não se tolerando que vise a quaisquer outras finalidades que as afastem ou as desvirtuem”10. Se por um lado existe, por parte do administrador, o dever de bem administrar a coisa pública, por outro, irretorquível é a prer 9 O princípio da moralidade administrativa e a Constituição Federal de 1988, Revista dos Tribunais, v. 680, p. 34, jun/1992. 10 Mutações do Direito Público, Ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2006, p. 32. 26 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. ideia de função administrativa”9. Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR rogativa do administrado ao tratamento igualitário e idôneo da administração pública, consentâneo com o ideal de razoabilidade. Essa percepção da conduta imoral, contrária ao senso comum, é descrita por Raquel Melo Urbano de Carvalho que remarca a clara evolução do conceito aplicado a certames licitatórios, mas perfeitamente adaptado aos demais processos públicos de concor- A tentativa é de lhe retirar o aspecto exclusivamente subjetivo, atribuindo-lhe também um mínimo possível de objetividade no tocante ao seu conteúdo. No lugar de fundamentar o conceito apenas em noções como justiça, boa fé e ética, invoca-se a necessidade de cada comportamento administrativo embasar-se na conduta aceita como legítima pelos membro da sociedade em determinada época, assegurada a proporcionalidade entre os meios empregados e os benefícios alcançados ao final e excluído o descumprimento da finalidade pública prevista abstratamente na ordem jurídica como objetivo estatal. Ao se exigir moralidade nas licitações, em vez de se embasar em concepções pessoais, de natureza política ou até mesmo religiosa, persegue-se a produtividade no exercício das competências, a eficiência no emprego dos poderes públicos, a eficácia no alcance dos resultados, ao que se acresce o dever de prestar contas nas diversas vias de controle estatal11. Desse modo, a procrastinação da convocação de candidatos ao cargo de defensor público estadual, o que, por óbvio, não leva a 11 A impessoalidade, a moralidade e a boa-fé objetiva nas licitações: aspectos controversos da inexigibilidade e do patrocínio privado em favor da Administração Pública, in Leituras Complementares de Direito Administrativo – Advocacia Pública. Ed. Juspodivm, 2008, p. 337. 27 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. rência: Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR efeito o ideal de legitimidade social e de boa administração, dá azo à perpetuação da prestação deficitária do serviço de auxílio jurídico aos necessitados e frustra também as finalidades do concurso público em questão. Se o concurso público é procedimento apropriado à escolha e convocação dos que se sobressaem nas sucessivas etapas da seleção, a conduta de deixar fluir o prazo de validade do certame, mesmo havendo candidatos regularmente aprovados e classificados, para, em seguida, promover outra concorrência para o mesmo que financia o novo certame, e a boa-fé do candidato, vítima da equivocada avaliação do administrador. Ademais, em defesa do ato, não há que se opor a inaplicabilidade de norma principiológica, à vista da ausência de concreção suficiente. Isso se dá na medida em que as normas propriamente constitucionais, dado a moderna hermenêutica constitucional, são aplicáveis ao caso concreto em maior ou menor grau. Luís Roberto Barroso informa que “a partir de 1988, e mais notadamente nos últimos cinco ou dez anos, a Constituição passou a desfrutar já não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios. Com grande ímpeto, exibindo força normativa 28 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. cargo, desconsidera as necessidades da população, o erário estadual, Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR sem precedentes, a Constituição ingressou na paisagem jurídica do país e no discurso dos operadores jurídicos. […] Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os ramos do Direito. Esse fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados.”12 Dessa forma, não só é possível vislumbrar uma interpretação torna inviável na atualidade imaginar uma posição de incontrastabilidade do direito infraconstitucional frente à premissa da centralidade da Constituição Federal, de onde derivaria toda a produção normativa estatal. Tomadas essas circunstâncias e a relevância alçada pelo papel da Constituição no sistema jurídico contemporâneo, do mesmo modo, possível e recomendável a aplicação direta da norma constitucional, quer seja princípio, quer seja regra, ao caso prático. Aliás, esse tema não é novidade para a Suprema Corte. Por ocasião do julgamento da medida cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade 12, o STF julgou constitucional 12 Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil), in Neoconstitucionalismo, Regina Quaresma (Coord.), Ed. Forense, 1ª ed., 2009, p. 70. 29 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. constitucionalizada de determinado ramo do direito, como se Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR a densificação do princípio da moralidade pelo Conselho Nacional de Justiça ao consolidar a vedação do nepotismo na Resolução 7/2005. Embora a aplicação tenha sido realizada pelo órgão de controle do Poder Judiciário, houve, por fim, o reconhecimento jurisdicional de sua validade diante do presente sistema constituci- A Resolução nº 07/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4º do art. 103B da Carta-cidadã e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade. Em outro caso, de recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal, afastando a alegação de decadência administrativa, prevista no art. 54 da Lei 9.784/99, ordenou o afastamento de servidores agregados ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará que ingressaram no cargo sem a submissão ao concurso público. Explica a ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. DECISÃO QUE DETERMINA AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ QUE PROMOVA O DESLIGAMENTO DOS SERVIDORES ADMITIDOS IRREGULARMENTE SEM CONCURSO PÚBLICO CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. APLICAÇÃO DIRETA DO ART. 37, CAPUT E INCISO II, DA CF. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. ART. 54 DA LEI 9.784/1999. INAPLICABILIDADE EM SITUAÇÕES FLAGRANTEMENTE INCONSTITUCIONAIS. APRECIAÇÃO CONJUNTA, APÓS A 30 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. onal. Destaca-se da ementa o seguinte excerto: Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR CNJ, DE PEDIDOS DE PROVIDÊNCIAS COM OBJETOS SIMILARES. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE NOVA INTIMAÇÃO. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. APRECIAÇÃO DAS RAZÕES DE DEFESA PELO CNJ E POR COMISSÃO ESPECIALMENTE INSTITUÍDA NO TJPA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ASSEGURADOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Configura o concurso público elemento nuclear da formação de vínculos estatutários efetivos com a Administração, em quaisquer níveis. 2. Situações flagrantemente inconstitucionais como o provimento de cargo na Administração Pública sem a devida submissão a concurso público não podem e não devem ser superadas pela simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal. (Precedente: MS nº 28.297/DF, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado, DJ de 29/4/11). 3. Quando configurada a identidade de objetos, não há violação do contraditório, mas, antes, respeito à duração razoável do processo, na análise conjunta pelo CNJ de pedidos de providência paralelamente instaurados naquele Conselho. Fica dispensada, na hipótese, nova intimação dos interessados, máxime quando suas razões forem apreciadas pelo CNJ e por comissão especialmente instituída no tribunal para o qual for dirigida a ordem do Conselho. 4. Agravo regimental não provido. (MS 29270 AgR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, DJe-105 de 30 mai 2014) Segundo essa lógica, conclui-se pela aplicabilidade imediata do princípio da moralidade como elemento constitucional retificador da situação em análise, em censura ao descaso administrativo para com os fundos públicos e às pessoas carentes de serviços jurídicos de qualidade, considerada a responsabilidade da Defensoria 31 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. PELO Recurso Extraordinário 837.311 – PI PGR Pública, e aos candidatos, que investiram tempo, recursos e a sua confiança na proba condução do concurso público. Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da República pelo desprovimento do recurso extraordinário interposto pelo Estado do Piauí. Rodrigo Janot Monteiro de Barros Procurador-Geral da República JCCR/UASJ 32 DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE POR RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, EM 30/03/2015 19:45. Brasília (DF), 30 de março de 2015.
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