análise reológica de pastas para revestimentos à base

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análise reológica de pastas para revestimentos à base
VI Simpósio Brasileiro de Tecnologia de Argamassas
I International Symposium on Mortars Technology
Florianópolis, 23 a 25 de maio de 2005
ANÁLISE REOLÓGICA DE PASTAS PARA REVESTIMENTOS À
BASE DE GESSO POR SQUEEZE-FLOW
AGOPYAN, Anne K. (1); CARDOSO, Fábio A. (2); PILEGGI, Rafael G. (3); JOHN,
Vanderley M. (4); CARBONE, Carlos (5)
(1) Estudante de Graduação de Engenharia Civil POLI/USP. Cx. Postal 61548. São Paulo-SP.
CEP 05424-970. E-mail: [email protected]
(2) Eng. de Materiais. Doutorando PCC-POLI/USP. Cx. Postal 61548. São Paulo-SP. CEP
05424-970. E-mail: [email protected]
(3) Eng. de Materiais. Pesquisador Pós-Doutorando do Departamento de Engenharia de
Construção Civil, PCC-POLI/USP. Cx. Postal 61548. São Paulo-SP. CEP 05424-970. Email: [email protected]
(4) Eng. Civil. Professor Associado do Departamento de Engenharia de Construção Civil,
PCC-POLI/USP. Cx. Postal 61548. São Paulo-SP. CEP 05424-970. E-mail:
[email protected]
(5) Eng. Civil. Diretor da Art-Spray Tecnologia Ltda. CNPJ 49018240/001-10. São Paulo-SP.
E-mail: [email protected]
RESUMO
A pasta de gesso, devido ao seu reduzido tempo útil de aplicação, apresenta grandes
desperdícios, formando resíduos de impacto ambiental. A partir de um estudo das
características reológicas do gesso, é possível compreender os efeitos da cinética de sua
reação, controlando seu tempo de pega e reduzindo as perdas. Neste trabalho, utilizou-se o
método de squeeze-flow, comparando sua precisão e sensibilidade com a da ferramenta
tradicional de análise de gesso no estado fresco, o aparelho de Vicat modificado. Estudouse tanto o gesso puro quanto uma composição comercial de gesso/cal/fillers, na qual
também foi avaliada a influência da forma de mistura e da temperatura ambiente. Também
foi feita uma comparação de seu desempenho com o de outros produtos comerciais.
O estudo revelou que o squeeze-flow permite avaliar as características reológicas das
pastas, enquanto o aparelho de Vicat apenas se relaciona com a tensão de escoamento das
mesmas, além de possuir pouca precisão e sensibilidade. O material que apresentou melhor
desempenho foi a composição comercial misturada mecanicamente, que eliminou o tempo
de espera e retardou o processo de hidratação, aumentando o tempo útil de aplicação.
ABSTRACT
The application of gypsum plaster paste involves the production of significant amounts of
waste due to the short setting time of this material. This waste forms residues that present a
relevant environmental impact. From the study of the gypsum rheological characteristics, it
- 144 -
is possible to understand the kinetic effects of its hydration reaction, controlling its setting
time and reducing the construction losses. In this work, the precision and sensibility of the
squeeze-flow method were compared with those of the modified Vicat apparatus. Not only
was the gypsum studied, but also a commercial composition of gypsum/lime/fillers was
used to evaluate the influence of both the temperature and the type of mixture. In addition,
its performance was compared with that of commercial products.
The study showed that the squeeze-flow method measures the plaster rheologic
characteristics, while the modified Vicat apparatus only produces results related with the
yield point and presents a lower sensibility and precision. The material that presented the
best performance was the mechanically mixed commercial composition, which removed
the waiting time and delayed the hydration process, increasing the time of application.
Palavras-chave: gesso, squeeze-flow, aparelho de Vicat modificado, reologia.
Keywords: gypsum, squeeze-flow, modified Vicat apparatus, rheology.
1. INTRODUÇÃO
O uso de gesso (sulfato de cálcio hemihidratado – CaSO4 · 0,5H2O) é atualmente uma
importante opção para revestimento interno. No Brasil, apesar do uso ainda relativamente
pequeno - cerca de 9 kg/hab em 2003, calculado a partir do consumo aparente fornecido
pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e da população, pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (LYRA SOBRINHO et al., 2004; IBGE, 2004)
- seu emprego tem apresentado grande expansão, triplicando o consumo em relação a 1997
(AE SETORIAL, 2002).
Dentre suas qualidades, pode-se citar a rapidez de aplicação, a resistência ao fogo, a boa
aderência em diversos substratos e a baixa retração de secagem (HINCAPIÉ, 1997). Do
ponto de vista ambiental, o gesso também apresenta a vantagem de emitir menos anidrido
carbônico (CO2) que o cimento Portland durante seu processo industrial de obtenção.
Potencialmente o revestimento de gesso é um processo de grande produtividade, posto que
é feito em camada única, dispensando o chapisco e a aplicação da massa corrida. Contudo,
a produção e o emprego de gesso no Brasil ainda são feitos predominantemente de modo
rudimentar. Do ponto de vista do produto industrial seu tempo de pega é relativamente
reduzido e, além disso, pode variar significativamente mesmo se a origem do produto for
constante. Na fase de uso, a preparação da pasta no local de aplicação, utilizando relações
água/gesso definidas empiricamente pelo gesseiro na tentativa de controlar o tempo de
pega, o processo de mistura manual, em dois estágios, seguido de aplicação também
manual, introduzem grande variabilidade no produto, o que leva a elevadas taxas de perda
(ANTUNES, 1999). Como o controle do tempo de pega exige a utilização de grandes teores
de água, obtém-se logo após a mistura uma pasta muito fluida para aplicação manual.
Assim o aplicador após a mistura é obrigado a esperar até que a pasta atinja a consistência
adequada à aplicação. Este é um fator relevante de redução de produtividade, pois apenas
57% do tempo de aplicação é considerado útil, sendo que o resto do tempo é empregado na
espera e nas remisturas da pasta (ANTUNES, 1999).
Também se observa o emprego de aditivos, que retardam as reações de hidratação e por
conseqüência o tempo de pega, como o bórax e o ácido cítrico. Contudo, este tipo de
- 145 -
aditivação afeta apenas o período de indução, atrasando os tempos de início e fim de pega,
sem, no entanto, alterar a cinética da reação de hidratação. Na prática, aumenta o tempo de
espera, sem modificar a velocidade de sua precipitação, fator que determina o ganho de
resistência do material. Ou seja, esses aditivos somente deslocam o intervalo aplicável do
gesso para tempos maiores, sem, no entanto, necessariamente expandi-lo.
Perdas de material na aplicação são altas, tendo sido observados em obras de edifícios
brasileiros valores medianos de 30% (AGOPYAN et al., 1998). Esse grande desperdício de
material endurecido também provoca grandes problemas do ponto de vista ambiental. O
Grupo de Resíduos da Câmara Ambiental da Indústria da Construção Civil do Estado de
São Paulo estima que são geradas 5.000 ton/mês de resíduo somente na capital, o qual não
pode ser depositado em aterros sanitários por reagir com a água e matéria orgânica,
produzindo ácido sulfídrico (H2S) e contaminando o solo e lençol freático, nem é
economicamente reciclável (resíduo classe C pela resolução 307, de 2002, do CONAMA).
Assim, a diminuição dos desperdícios de gesso é de interesse tanto econômico, visando à
redução de gastos com matéria-prima e mão-de-obra, quanto ecológico, devido às grandes
dificuldades de manejo de seu resíduo. É necessário, portanto, desenvolver produtos que
possuam comportamento uniforme, com tempo de espera nulo e maior tempo útil,
possibilitando a mistura e aplicações mecânicas, além de dispensar remisturas.
Com este conceito, ANTUNES (1999) propôs a adição de cal hidratada ao gesso com
intuito de aumentar o tempo útil. De fato, composições comerciais baseadas neste conceito
(gesso+cal) têm sido introduzidas no mercado, com a proposta de eliminação do
desperdício através da inibição do período de indução e do aumento do tempo útil de
utilização. A autora utilizou o ensaio de Vicat modificado para medir o tempo de espera e o
tempo útil (Figura 1). Este ensaio consiste na deformação da pasta contida em um molde,
através de uma sonda metálica, até que sua penetração cesse. A faixa de consistência útil
varia de 28 mm a 0 mm de penetração da sonda (ANTUNES, 1999).
28 mm
40 mm
60 mm
70 mm
Figura 1 – Representação esquemática do aparelho de Vicat modificado.
Uma questão fundamental a ser discutida sobre esse ensaio refere-se à sua capacidade de
avaliação da variação do comportamento reológico, responsável pela definição dos tempos
de espera e útil. Uma vez que a penetração do cone cessa quando a tensão por ele aplicada
equilibra com a tensão de escoamento (tensão a partir da qual o material flui), este ensaio,
do ponto de vista reológico, reflete somente a tensão de escoamento do material. Contudo,
- 146 -
a viscosidade, a qual de fato está relacionada com a facilidade de escoamento do material
sobre a superfície, não é quantificada por este método.
Além disso, o método é sujeito a erros operacionais, particularmente na forma de soltar a
sonda. A faixa de medida abrange apenas valores de 0 mm a 40 mm, o que impossibilita
altas precisões, fato que se agrava quando a medida se aproxima do fim da escala (valores
próximos de 0 mm), que ANTUNES (1999) correlacionou com o fim do tempo útil.
Assim sendo, seria interessante dispor de métodos eficientes de acompanhamento de sua
natureza reológica, sensíveis tanto à tensão de escoamento, quanto à viscosidade. Uma
alternativa é o emprego do método de ensaio reológico denominado squeze-flow, o qual
consiste em submeter um fluido a um ensaio de compressão simples. O princípio
fundamental deste método é baseado no fato que a deformação efetiva do material
comprimido entre as placas ocorre por cisalhamento radial quando a razão entre o diâmetro
e a espessura da amostra for elevada (D/h >> 5) (ÖZKAN et al., 1999; MEETEN, 2000;
MEETEN, 2001; KOLENDA et al., 2003).
No caso de suspensões muito fluidas, como a pasta de cimento, MIN et al. (1994) propõe a
realização de ensaios confinados em um anel cilíndrico (Figura 2). Nesse caso, a restrição
da parede do reservatório da pasta leva ao surgimento de forças compressivas radiais, que,
contudo, têm sua influência minimizada pelo uso de razões grandes entre o diâmetro do
anel e o do punção (Danel/dpunção >> 3), permitindo uma avaliação comparativa de
comportamento reológico.
célula de carga
punção
pasta
5 mm
25,4 mm
76,2 mm
Figura 2 – Ensaio squeeze-flow indicando as tensões de cisalhamento radiais devido à
compressão exercida pelo punção.
A Figura 3 ilustra esquematicamente uma curva carga x deslocamento típica obtida no
ensaio de squeeze-flow, onde se observam 3 regiões bem definidas. Na região I, relativa a
pequenos deslocamentos, a relação entre carga e deslocamento é linear, indicando uma
deformação elástica, semelhante à de um sólido. Esse comportamento reflete a ausência de
escoamento do fluido, uma vez que as forças resistivas (atração, coesão e atrito)
sobrepujam a força motriz gerada pelo deslocamento. Na região II, de deslocamentos
intermediários, a força motriz resultante supera esse degrau resistivo, passando a apresentar
uma deformação plástica ou um fluxo viscoso, dependendo da microestrutura do material.
Assim, o grande aumento da deformação não apresenta a contrapartida de um incremento
substancial de carga. Por fim, na região III, o grande deslocamento aplicado na amostra
gera novas forças resistivas, como embricamento das partículas sólidas da matriz,
- 147 -
caracterizando um enrijecimento por deformação, no qual as cargas passam a crescer
exponencialmente (MIN et al., 1994; PILEGGI et al., 2004).
Carga (N)
Portanto, o método squeeze-flow apresenta as características necessárias para se tornar uma
ferramenta no estudo de pastas de revestimentos à base de gesso, pois permite não só
avaliar a natureza reológica destes materiais em diferentes graus e taxas de deformação, de
maneira dinâmica, mas também as modificações decorrentes da pega do gesso.
I
II
III
Deslocamento (mm)
Figura 3 – Representação esquemática de uma curva carga x deslocamento obtida em um ensaio
de squeeze-flow, realizado mediante a aplicação de esforço de compressão, identificando as três
principais regiões de comportamento.
2. OBJETIVOS
Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise comparativa entre o ensaio de Vicat
modificado e o método de squeeze-flow na avaliação do comportamento reológico de gesso
e de uma composição comercial gesso/cal/filler, preparados sob diferentes condições de
mistura (manual e mecânica). Também foram avaliadas, através do squeeze-flow, a
reologia de massa corrida e massa para juntas de painéis de gesso acartonado e a influência
da temperatura para a composição comercial.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Materiais
As matérias-primas utilizadas foram gesso de construção adquirido no mercado e um
produto para revestimento a base de gesso formulado para aplicação mecânica composto
por gesso, cal hidratada, filler e aditivos orgânicos e inorgânicos, fornecido pela Artspray,
identificado como “composição comercial”. A relação água/sólidos usada foi de 0,67 para
todos os ensaios, que utilizaram os processos de mistura descritos abaixo. A massa corrida
(acrílica) e a massa para rejunte de gesso acartonado foram preparadas de acordo com
instruções do fabricante.
3.2 Procedimento de mistura dos produtos a base de gesso
Tendo em vista a prática nacional de aplicação de gesso, os estudos foram efetuados sob
condição de mistura manual em comparação a misturas realizadas em misturador mecânico.
3.2.1 Manual:
- 148 -
Segundo a norma NBR 12128, que consiste em:
1.
Polvilhamento do pó por 1 minuto;
2.
Espera de 2 minutos;
3.
Homogeneização da pasta por 1 minuto;
3.2.2 Mecânica:
Utilizou-se um misturador de bancada Fisatom, modelo 722D, segundo um procedimento
padronizado, de duração total de 6 minutos, com velocidade de agitação variando de 550 a
1500 rpm, alternando-se a adição de pó com a homogeneização da pasta.
3.3 Ensaios Reológicos
3.3.1 Aparelho de Vicat Modificado
Recomendado pela norma NBR12128 para determinação da consistência normal, o
aparelho de Vicat modificado (Figura 1) consiste numa sonda cônica de alumínio de 45mm
de altura, acoplada de uma haste, cujo peso total é de 35 g. Esta sonda penetra num molde
preenchido com gesso em pasta, de formato de tronco cônico, de 40 mm de altura, 70 mm
de diâmetro da base e 60 mm de diâmetro superior. Utilizando o aparelho de Vicat
modificado foram ensaiadas amostras de 150 g de material seco misturados manual e
mecanicamente, em vários tempos após a mistura.
3.3.2 Squeeze-Flow
Foi utilizada uma máquina universal de ensaios, da marca Instron, modelo 5569 e células
de carga de 10 e 1000 N, dependendo da necessidade do ensaio. As ferramentas
empregadas foram um punção de 25,4 mm de diâmetro e base metálica, que era limpo antes
de cada ensaio, anéis de PVC de 5 mm de altura e 76,2 mm de diâmetro e placas de PVC de
100 mm de lado e 5 mm de altura, utilizados como reservatório da pasta. Usou-se um
programa de ensaio que submete o material a uma compressão a uma taxa de 0,1 mm/s, de
deformação total de 2mm, mantida por 30 s e seguida por uma tração de 2,5 mm, também a
uma taxa de 0,1mm/s, terminando o ensaio em um patamar 0,5 mm acima do nível inicial.
A taxa de coleta dos dados foi de 0,25 s e os ensaios realizados à temperatura ambiente
(22° C), após 10, 25, 40, 55 e 70 minutos do início da mistura, quando possível.
Adicionalmente, também foram ensaiadas amostras da composição comercial a 26°C e
30°C, nos dois tipos de mistura, e dos produtos comerciais, imediatamente após sua
preparação.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Comparação entre o ensaio de Vicat modificado X squeeze-flow
A Figura 4 ilustra os resultados obtidos com o Vicat, ressaltando a faixa considerada de
consistência aplicável (0 a 28 mm de penetração da sonda), cujos valores de tempo de
espera e tempo útil das amostras foram discriminadas na Tabela 1. O ensaio mostra um
comportamento muito diferente de todos os sistemas. Os sistemas sem tempo de espera, ou
seja, de aplicação imediata, são a composição gesso-cal de mistura manual, que também
apresenta a vantagem de se manter próxima da consistência mínima, e o gesso de mistura
mecânica, que, contudo, reage muito rapidamente, apresentando tempo útil muito reduzido.
Em contrapartida, a composição misturada mecanicamente é excessivamente fluida para ser
aplicada mesmo após 70 minutos. Já o gesso puro misturado manualmente é muito fluido
- 149 -
no início, e após o tempo de espera de cerca de 12 minutos, endurece rapidamente em
menos de 10 minutos, indicando um pequeno tempo útil.
Assim, o Vicat fornece pouca informação reológica das pastas, uma vez que avalia apenas
sua tensão de escoamento. Outro ponto a ser ressaltado é que, de acordo com os resultados
obtidos com o Vicat, a composição comercial manteve-se constante, tanto na mistura
manual quanto na mecânica. Esse fato pode sugerir tanto uma grande estabilidade da
amostra, que não reage por longos períodos de tempo, quanto a falta de sensibilidade do
método, incapaz de perceber variações sutis de fluidez nas pastas.
40
35
Penetração (mm)
30
25
20
15
composição_manual
composição_mec
10
gesso_manual
5
gesso_mec
0
0
10
20
30
40
Tempo (min)
50
60
70
80
Figura 4 – Ensaio do aparelho de Vicat modificado das penetrações efetuadas pela sonda de
acordo com a idade da amostra, para a composição gesso-cal e o gesso, misturados manual
e mecanicamente.
A Figura 5 é um exemplo do perfil construído com os dados fornecidos pelo squeeze-flow
para todos os sistemas. Neste caso específico, a figura apresenta os resultados médios dos
ensaios realizados com a composição, misturada mecanicamente, em intervalos de tempo
de 10 a 70 minutos. A partir dela é possível visualizar as 3 etapas do ensaio: a primeira
consiste em compressão constante da pasta nos primeiros 20 s, até uma deformação total de
–2 mm. Esta etapa equivale à curva da Figura 3, que ilustra os resultados obtidos com o
squeeze-flow em uma compressão simples. Dependendo do tempo após o início da mistura,
a deformação de 2 mm permite um comportamento referente a uma das 3 regiões
(deformação elástica, deformação plástica/ fluxo viscoso e enrijecimento por deformação).
Para tempos de até 40 minutos, o incremento da carga empregada por deslocamento possui
natureza linear, ou seja, o material se encontra na região de deformação plástica. Após este
tempo, a curva passa a ter comportamento exponencial, passando para a região de
enrijecimento por deformação.
Na segunda etapa do ensaio (intervalo entre 20 e 35 s), a deformação é mantida constante,
mas averigua-se que a carga necessária para a manutenção da deformação diminui,
mostrando uma relaxação elástica/viscosa do material.
- 150 -
Na última etapa, a partir de 35 s, o material é submetido a um deslocamento constante até o
nível +0,5 mm, causando uma tração. Por volta do tempo 55 s, quando o punção se
aproxima do nível original, dá-se o valor máximo de tração, já que após esse ponto, a área
em contato com a pasta diminui. A diferença percentual entre a tração máxima e a tração no
fim do ensaio é mais discreta para amostras de tempos menores após a mistura. Isso ocorre
porque o material apresenta viscosidade maior, havendo menor descolamento com o
punção. Assim, uma área maior de pasta é tracionada.
Verifica-se uma grande discrepância entre os resultados obtidos com o squeeze-flow e o
aparelho de Vicat: o primeiro identificou mudanças significativas no perfil das curvas no
decorrer do tempo, ignoradas pelo Vicat. Além disso, o squeeze-flow fornece as cargas
necessárias para realizar um determinado deslocamento, que, através de equações de
modelagem do método, geram valores absolutos de viscosidade, ao contrário do Vicat, que
fornece apenas a penetração do cone, uma medida relacionada com a tensão de escoamento,
mas não com seu valor absoluto. Assim, esta análise preliminar já permite concluir que o
Vicat é pouco sensível e não fornece informações reológicas sobre o material, evidenciando
que o método squeeze-flow é mais indicado para este estudo, que passará a valer-se apenas
desse método para as próximas análises.
-4,00
(a) 10 min
-3,00
(b) 25 min
carga máxima de
compressão
(e)
(c) 40 min
(d) 55 min
-2,00
Carga (N)
(e) 70 min
(d)
carga máxima de
tração
(c)
(b)
-1,00
(a)
0,00
Compressão
Relaxação
Tração
1,00
0
10
20
30
40
Tempo de ensaio (s)
50
60
Figura 5 – Representação de ensaios de Squeeze-flow, a 22°C, da composição gesso-cal de
mistura mecânica de diversas idades, ilustrando as três etapas do ensaio: compressão entre
0 e 20s; relaxação entre 20 e 35s; tração entre 35 e 60s.
4.2 Influência da mistura
A fim de ilustrar o efeito do tipo de mistura na composição, comparando-se a evolução no tempo
das cargas de compressão e tração, empregou-se seus valores máximos, a partir dos pontos de
carga máxima de tração e compressão obtidas no ensaio de squeeze-flow. Assim, a partir das
cargas circuladas na Figura 5, por exemplo, construiu-se a curva “composição mec 22°C” das
Figuras 6 e 7, que mostra as cargas máximas de tração e compressão, respectivamente, pela idade
da amostra, sendo o procedimento repetido para todas as outras curvas.
- 151 -
1,5
(a) composição manual 22˚C
(b) composição mec 22˚C
(c) composição manual 26˚C
(d) composição mec 26˚C
(e) composição manual 30˚C
(f) composição mec 30˚C
(g) gesso manual 22˚C
Carga de Tração (N)
1,2
0,9
(a)
(d)
(c)
0,6
(g)
(f)
(e)
(b)
0,3
0,0
0
10
20
30
40
50
Tempo (min)
60
70
80
Figura 6 – Efeito do tipo de mistura e da temperatura na carga de tração máxima dos ensaios de
Squeeze-flow realizados com gesso puro e composição comercial.
-30,0
(a) composição manual 22˚C
(b) composição mec 22˚C
(c) composição manual 26˚C
(d) composição mec 26˚C
(e) composição manual 30˚C
(f) composição mec 30˚C
(g) gesso manual 22˚C
(g)
Carga de Compressão (N)
-25,0
-20,0
(a)
(f)
(d)
(c)
-15,0
(e)
-10,0
-5,0
(b)
0,0
0
10
20
30
40
Tempo (min)
50
60
70
80
Figura 7 – Efeito do tipo de mistura e da temperatura na carga de compressão máxima dos
ensaios de Squeeze-flow realizados com gesso puro e composição comercial.
Percebe-se claramente que a mistura tem influência na cinética de alterações da reologia,
afetando as cargas máximas, tanto de compressão como de tração, independentemente da
temperatura do ensaio. Com a mistura manual, na compressão observa-se que após 25
minutos da preparação da pasta, as cargas aumentam bruscamente, indicando um rápido
processo de endurecimento da massa, fato que só ocorre com a mistura mecânica após 55
minutos. Esse comportamento é aparentemente contraditório do ponto de vista de energia
- 152 -
de mistura, pois a mistura mecânica fornece mais energia para o material, devendo se
hidratar mais rapidamente. Com pouca agitação do material, as partículas de hemidrato
mantêm-se aglomeradas, diminuindo a área disponível para as reações ocorrerem. Já a
mistura mecânica separa as partículas, aumentando a área em contato com a água,
facilitando a hidratação e acelerando a pega do gesso puro. Entretanto, a composição
comercial possui aditivos, que agem nos hemidratos (Figura 8). Assim, sem a agitação
suficiente para quebrar os aglomerados, provavelmente sua atuação se restringe à superfície
dos mesmos, não interferindo nas reações que acontecem em seu interior, onde há água
retida, que passa a hidratar o hemidrato, fato que não ocorre quando todas as partículas
estão separadas, e o aditivo pode agir de forma mais eficiente.
(a)
(b)
aditivo
hemidrato
água
Figura 8 – Representação esquemática de ação do aditivo no retardo da reação entre os hemidratos
com a água, dependendo do tipo de mistura: (a) mistura manual, na qual há hemidratos
aglomerados e (b) mistura mecânica, na qual as partículas de hemidrato estão desaglomeradas.
Comparando-se as curvas da Figura 7 com as da Figura 4, nota-se a falta de sensibilidade
do Vicat, para o qual o material não apresentou mudanças até 70 minutos, enquanto o
squeeze-flow revela um aumento significativo da carga máxima de compressão no mesmo
intervalo de tempo. O mesmo ocorre para a composição misturada manualmente: apesar
das cargas apresentarem um aumento de mais de 1000% nos primeiros 55 minutos,
passando de cerca de 2N para 25N, essa diferença não é percebida através do Vicat, que só
mede um decréscimo da penetração após 70 minutos de ensaio, quando a carga atinge mais
de 200N. O gesso puro misturado manualmente, único material que proporciona variação
significativa através do Vicat, no período estudado passa de cerca de 4N para 110N, em um
intervalo de apenas 5 minutos.
Assim, confirma-se a pouca sensibilidade do aparelho de Vicat modificado, cujos
resultados só variam quando a alteração da viscosidade do material avaliado é muito
grande. É importante ressaltar que, apesar das Figuras 6 e 7 somente apresentarem apenas
um dado por ensaio, à semelhança do Vicat, as curvas que o geraram não foram
desprezadas: utilizou-se essa simplificação de análise dos resultados apenas para facilitar a
comparação entre os vários ensaios realizados, mas a forma das curvas revelou as
características reológicas das diferentes pastas.
Por fim, verifica-se na prática que tanto a composição comercial misturada manualmente
quanto a misturada mecanicamente são aplicáveis. Contrariando os resultados obtidos pelo
Vicat, os quais indicavam que apenas a mistura manual encontrava-se na faixa de
consistência mínima necessária para aplicação. A única ressalva é que na mistura mecânica
a pasta da composição comercial encontra-se muito fluida imediatamente após sua
- 153 -
preparação, exigindo um tempo de espera, mas ainda possuindo um tempo útil muito
superior ao do gesso puro.
4.3 Influência da temperatura
O aumento da temperatura do ensaio, conforme esperado teoricamente, acelera o tempo de
pega, pois a maior temperatura da água de amassamento aumenta a solubilidade do
hemidrato e a maior agitação das partículas em decorrência de sua temperatura mais
elevada permite que reajam mais rapidamente, alterando sua cinética de reação. De fato, a
Figura 6 ilustra esse comportamento pela variação da força de compressão máxima das
pastas de mistura mecânica. Contudo, não ocorre modificações apreciáveis com o aumento
da temperatura na tração máxima, em ambas misturas (Figura 7), e na compressão máxima
na mistura manual. Esta estabilidade do produto à temperatura é muito positiva, uma vez
que permite que o material seja aplicado em diferentes condições de temperatura ambiente
sem que haja grandes alterações de suas características. É importante ressaltar que, apesar
das variações de carga nos ensaios de tração máxima, as alterações obtidas entre as
amostras encontram-se dentro do erro do ensaio.
4.4 Comparação com massa corrida e pasta de rejunte de gesso acartonado
Com a finalidade de produzir um parâmetro de comparação das características da
composição comercial e do gesso, foram avaliados os desempenhos de produtos de fins
similares: a massa corrida para revestimentos internos e a massa para rejunte de gesso
acartonado. Estes materiais são mais estáveis que o gesso, demorando mais tempo para
modificar suas características reológicas. Os perfis da Figura 9 revelam comportamentos
reológicos diferentes entre a composição de gesso-cal e a massa corrida e a de rejunte de
gesso acartonado. Nos dois últimos, a carga cresce rapidamente para pequenos
deslocamentos. A partir de aproximadamente 0,5 mm, contudo, os materiais passam a fluir
mais facilmente (região secundária da Figura 3). Já as composições de gesso-cal
apresentam cargas iniciais muito baixas, que crescem de modo quase linear com o
deslocamento (região primária da Figura 3). Mesmo no final do ensaio, com um
deslocamento de 2 mm, as cargas ainda são baixas, de 0,6 N para amostras de 10 minutos e
1,9 N para amostras de 55 minutos. Somente aos 70 minutos observa-se um aumento
exponencial da carga (região terciária da Figura 3), após um deslocamento de cerca de 1,4
mm. No entanto, as cargas iniciais são baixas. Assim, é possível concluir que a massa
corrida e a de rejunte de gesso acartonado possuem tensão de escoamento maior, portanto
podem ser aplicadas em camadas mais espessas sem que escorram pelo substrato, fato
comprovado na prática. Sua facilidade de fluir para deslocamentos grandes também é
extremamente desejável, pois têm menos probabilidade de fissurar (para aliviar tensões
internas), quando submetidas a grandes tensões.
Essa diferença de comportamento reológico decorre da composição dos materiais: enquanto
as massas comerciais têm em sua composição uma grande quantidade de polímeros,
materiais de tendência plástica que também apresentam grande espaçamento entre
partículas, permitindo grandes deformações, a composição comercial é constituída de uma
matriz de partículas finas, que passam a se atritar à medida que sofrem grandes
deformações.
- 154 -
-6,00
(a) composição 10 min
(d)
(b) composição 55 min
Carga (N)
-5,00
(c) composição 70 min
(d) gesso 10 min
-4,00
(e) massa corrida 3 min
(f) massa de rejunte 3 min
-3,00
(e)
(c)
(f)
-2,00
(b)
-1,00
(a)
0,00
-0,20
-0,60
-1,00
-1,40
Deslocamento (mm)
-1,80
-2,20
Figura 9 – Ensaio de Squeeze-flow, realizado à 22ºC com mistura mecânica, comparando
as cargas de compressão de pastas comerciais, gesso e a composição comercial.
Já para as amostras da composição comercial misturada manualmente (Figura 10), é possível
verificar o mesmo fenômeno observado na mistura mecânica: no tempo de 10 minutos, as
cargas são muito baixas, aumentando linearmente; já aos 40 minutos, há uma mudança da
tendência linear para deslocamentos superiores a 1,4 mm, quando o crescimento das cargas
passa a ser exponencial. Este comportamento também é semelhante ao do gesso puro aos 10
minutos, que endurece rapidamente e já deixa de ser aplicável aos 15 minutos.
-6,00
-5,00
Carga (N)
(d)
-4,00
(a) composição 10 min
(b) composição 40 min
(c) gesso 10 min
(d) gesso 15 min
(e) massa corrida 3 min
(f) massa de rejunte 3 min
(b)
(e)
(c)
-3,00
(f)
-2,00
(a)
-1,00
0,00
-0,20
-0,60
-1,00
-1,40
Deslocamento (mm)
-1,80
-2,20
Figura 10 – Ensaio de Squeeze-flow, realizado à 22ºC com mistura manual, comparando as
cargas de compressão de pastas comerciais, gesso e a composição comercial.
- 155 -
5. CONCLUSÕES
O aparelho de Vicat modificado identifica grosseiramente o comportamento do gesso no
decorrer do tempo, não possui precisão nem fornece dados suficientes para uma avaliação
mais profunda da evolução da reologia devido sua hidratação. O método de squeeze-flow é
superior ao Vicat, identificando detalhadamente fatores que influenciam a pega, como a
temperatura e a forma de mistura, para gessos puros e composições, além de conseguir
compará-los de maneira mais eficiente que o Vicat.
Dos materiais estudados, o que se mostrou reologicamente mais adequado para a aplicação
foi a composição comercial de mistura manual, que apresenta maior tempo útil de aplicação
que o gesso e não possui tempo de espera, como a composição misturada mecanicamente,
que é muito fluida logo após a mistura. Possíveis soluções para esse fator são empregar
menor teor de água e destiná-la para massa de revestimento fino tipo massa corrida ou
massa para gesso acartonado.
6. AGRADECIMENTOS
Este projeto obteve o apoio de Art Spray. Anne Agopyan é bolsista de iniciação científica do CNPq.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA
ESTADO
SETORIAL
–
AE
(http://www.aesetorial.com.br/ext/cadernos/mineração/tecnologia3.htm)
SETORIAL
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de desperdício de materiais nos canteiros de obras. São Paulo: FINEP/ ITQC/ EPUSP, 1998.
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EPUSP, 1999 (Dissertação de Mestrado).
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determinação das propriedades físicas da pasta – NBR 12128. Rio de Janeiro, 1991.
CONAMA.
Resolução
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5
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(http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res02/res30702.html).
Julho
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Parameters by the Squeezing Test. Powder Technology, v. 130, 2003, p. 56– 62.
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Acta, v. 39, 2000, p. 399-408.
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40, 2001, p. 279-288.
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Reológica das Argamassas e Análise Crítica das Técnicas de Caracterização do
Comportamento Reológico no Estado Fresco. São Paulo: EPUSP, 2004.
- 157 -

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