análise reológica de pastas para revestimentos à base
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análise reológica de pastas para revestimentos à base
VI Simpósio Brasileiro de Tecnologia de Argamassas I International Symposium on Mortars Technology Florianópolis, 23 a 25 de maio de 2005 ANÁLISE REOLÓGICA DE PASTAS PARA REVESTIMENTOS À BASE DE GESSO POR SQUEEZE-FLOW AGOPYAN, Anne K. (1); CARDOSO, Fábio A. (2); PILEGGI, Rafael G. (3); JOHN, Vanderley M. (4); CARBONE, Carlos (5) (1) Estudante de Graduação de Engenharia Civil POLI/USP. Cx. Postal 61548. São Paulo-SP. CEP 05424-970. E-mail: [email protected] (2) Eng. de Materiais. Doutorando PCC-POLI/USP. Cx. Postal 61548. São Paulo-SP. CEP 05424-970. E-mail: [email protected] (3) Eng. de Materiais. Pesquisador Pós-Doutorando do Departamento de Engenharia de Construção Civil, PCC-POLI/USP. Cx. Postal 61548. São Paulo-SP. CEP 05424-970. Email: [email protected] (4) Eng. Civil. Professor Associado do Departamento de Engenharia de Construção Civil, PCC-POLI/USP. Cx. Postal 61548. São Paulo-SP. CEP 05424-970. E-mail: [email protected] (5) Eng. Civil. Diretor da Art-Spray Tecnologia Ltda. CNPJ 49018240/001-10. São Paulo-SP. E-mail: [email protected] RESUMO A pasta de gesso, devido ao seu reduzido tempo útil de aplicação, apresenta grandes desperdícios, formando resíduos de impacto ambiental. A partir de um estudo das características reológicas do gesso, é possível compreender os efeitos da cinética de sua reação, controlando seu tempo de pega e reduzindo as perdas. Neste trabalho, utilizou-se o método de squeeze-flow, comparando sua precisão e sensibilidade com a da ferramenta tradicional de análise de gesso no estado fresco, o aparelho de Vicat modificado. Estudouse tanto o gesso puro quanto uma composição comercial de gesso/cal/fillers, na qual também foi avaliada a influência da forma de mistura e da temperatura ambiente. Também foi feita uma comparação de seu desempenho com o de outros produtos comerciais. O estudo revelou que o squeeze-flow permite avaliar as características reológicas das pastas, enquanto o aparelho de Vicat apenas se relaciona com a tensão de escoamento das mesmas, além de possuir pouca precisão e sensibilidade. O material que apresentou melhor desempenho foi a composição comercial misturada mecanicamente, que eliminou o tempo de espera e retardou o processo de hidratação, aumentando o tempo útil de aplicação. ABSTRACT The application of gypsum plaster paste involves the production of significant amounts of waste due to the short setting time of this material. This waste forms residues that present a relevant environmental impact. From the study of the gypsum rheological characteristics, it - 144 - is possible to understand the kinetic effects of its hydration reaction, controlling its setting time and reducing the construction losses. In this work, the precision and sensibility of the squeeze-flow method were compared with those of the modified Vicat apparatus. Not only was the gypsum studied, but also a commercial composition of gypsum/lime/fillers was used to evaluate the influence of both the temperature and the type of mixture. In addition, its performance was compared with that of commercial products. The study showed that the squeeze-flow method measures the plaster rheologic characteristics, while the modified Vicat apparatus only produces results related with the yield point and presents a lower sensibility and precision. The material that presented the best performance was the mechanically mixed commercial composition, which removed the waiting time and delayed the hydration process, increasing the time of application. Palavras-chave: gesso, squeeze-flow, aparelho de Vicat modificado, reologia. Keywords: gypsum, squeeze-flow, modified Vicat apparatus, rheology. 1. INTRODUÇÃO O uso de gesso (sulfato de cálcio hemihidratado – CaSO4 · 0,5H2O) é atualmente uma importante opção para revestimento interno. No Brasil, apesar do uso ainda relativamente pequeno - cerca de 9 kg/hab em 2003, calculado a partir do consumo aparente fornecido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e da população, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (LYRA SOBRINHO et al., 2004; IBGE, 2004) - seu emprego tem apresentado grande expansão, triplicando o consumo em relação a 1997 (AE SETORIAL, 2002). Dentre suas qualidades, pode-se citar a rapidez de aplicação, a resistência ao fogo, a boa aderência em diversos substratos e a baixa retração de secagem (HINCAPIÉ, 1997). Do ponto de vista ambiental, o gesso também apresenta a vantagem de emitir menos anidrido carbônico (CO2) que o cimento Portland durante seu processo industrial de obtenção. Potencialmente o revestimento de gesso é um processo de grande produtividade, posto que é feito em camada única, dispensando o chapisco e a aplicação da massa corrida. Contudo, a produção e o emprego de gesso no Brasil ainda são feitos predominantemente de modo rudimentar. Do ponto de vista do produto industrial seu tempo de pega é relativamente reduzido e, além disso, pode variar significativamente mesmo se a origem do produto for constante. Na fase de uso, a preparação da pasta no local de aplicação, utilizando relações água/gesso definidas empiricamente pelo gesseiro na tentativa de controlar o tempo de pega, o processo de mistura manual, em dois estágios, seguido de aplicação também manual, introduzem grande variabilidade no produto, o que leva a elevadas taxas de perda (ANTUNES, 1999). Como o controle do tempo de pega exige a utilização de grandes teores de água, obtém-se logo após a mistura uma pasta muito fluida para aplicação manual. Assim o aplicador após a mistura é obrigado a esperar até que a pasta atinja a consistência adequada à aplicação. Este é um fator relevante de redução de produtividade, pois apenas 57% do tempo de aplicação é considerado útil, sendo que o resto do tempo é empregado na espera e nas remisturas da pasta (ANTUNES, 1999). Também se observa o emprego de aditivos, que retardam as reações de hidratação e por conseqüência o tempo de pega, como o bórax e o ácido cítrico. Contudo, este tipo de - 145 - aditivação afeta apenas o período de indução, atrasando os tempos de início e fim de pega, sem, no entanto, alterar a cinética da reação de hidratação. Na prática, aumenta o tempo de espera, sem modificar a velocidade de sua precipitação, fator que determina o ganho de resistência do material. Ou seja, esses aditivos somente deslocam o intervalo aplicável do gesso para tempos maiores, sem, no entanto, necessariamente expandi-lo. Perdas de material na aplicação são altas, tendo sido observados em obras de edifícios brasileiros valores medianos de 30% (AGOPYAN et al., 1998). Esse grande desperdício de material endurecido também provoca grandes problemas do ponto de vista ambiental. O Grupo de Resíduos da Câmara Ambiental da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo estima que são geradas 5.000 ton/mês de resíduo somente na capital, o qual não pode ser depositado em aterros sanitários por reagir com a água e matéria orgânica, produzindo ácido sulfídrico (H2S) e contaminando o solo e lençol freático, nem é economicamente reciclável (resíduo classe C pela resolução 307, de 2002, do CONAMA). Assim, a diminuição dos desperdícios de gesso é de interesse tanto econômico, visando à redução de gastos com matéria-prima e mão-de-obra, quanto ecológico, devido às grandes dificuldades de manejo de seu resíduo. É necessário, portanto, desenvolver produtos que possuam comportamento uniforme, com tempo de espera nulo e maior tempo útil, possibilitando a mistura e aplicações mecânicas, além de dispensar remisturas. Com este conceito, ANTUNES (1999) propôs a adição de cal hidratada ao gesso com intuito de aumentar o tempo útil. De fato, composições comerciais baseadas neste conceito (gesso+cal) têm sido introduzidas no mercado, com a proposta de eliminação do desperdício através da inibição do período de indução e do aumento do tempo útil de utilização. A autora utilizou o ensaio de Vicat modificado para medir o tempo de espera e o tempo útil (Figura 1). Este ensaio consiste na deformação da pasta contida em um molde, através de uma sonda metálica, até que sua penetração cesse. A faixa de consistência útil varia de 28 mm a 0 mm de penetração da sonda (ANTUNES, 1999). 28 mm 40 mm 60 mm 70 mm Figura 1 – Representação esquemática do aparelho de Vicat modificado. Uma questão fundamental a ser discutida sobre esse ensaio refere-se à sua capacidade de avaliação da variação do comportamento reológico, responsável pela definição dos tempos de espera e útil. Uma vez que a penetração do cone cessa quando a tensão por ele aplicada equilibra com a tensão de escoamento (tensão a partir da qual o material flui), este ensaio, do ponto de vista reológico, reflete somente a tensão de escoamento do material. Contudo, - 146 - a viscosidade, a qual de fato está relacionada com a facilidade de escoamento do material sobre a superfície, não é quantificada por este método. Além disso, o método é sujeito a erros operacionais, particularmente na forma de soltar a sonda. A faixa de medida abrange apenas valores de 0 mm a 40 mm, o que impossibilita altas precisões, fato que se agrava quando a medida se aproxima do fim da escala (valores próximos de 0 mm), que ANTUNES (1999) correlacionou com o fim do tempo útil. Assim sendo, seria interessante dispor de métodos eficientes de acompanhamento de sua natureza reológica, sensíveis tanto à tensão de escoamento, quanto à viscosidade. Uma alternativa é o emprego do método de ensaio reológico denominado squeze-flow, o qual consiste em submeter um fluido a um ensaio de compressão simples. O princípio fundamental deste método é baseado no fato que a deformação efetiva do material comprimido entre as placas ocorre por cisalhamento radial quando a razão entre o diâmetro e a espessura da amostra for elevada (D/h >> 5) (ÖZKAN et al., 1999; MEETEN, 2000; MEETEN, 2001; KOLENDA et al., 2003). No caso de suspensões muito fluidas, como a pasta de cimento, MIN et al. (1994) propõe a realização de ensaios confinados em um anel cilíndrico (Figura 2). Nesse caso, a restrição da parede do reservatório da pasta leva ao surgimento de forças compressivas radiais, que, contudo, têm sua influência minimizada pelo uso de razões grandes entre o diâmetro do anel e o do punção (Danel/dpunção >> 3), permitindo uma avaliação comparativa de comportamento reológico. célula de carga punção pasta 5 mm 25,4 mm 76,2 mm Figura 2 – Ensaio squeeze-flow indicando as tensões de cisalhamento radiais devido à compressão exercida pelo punção. A Figura 3 ilustra esquematicamente uma curva carga x deslocamento típica obtida no ensaio de squeeze-flow, onde se observam 3 regiões bem definidas. Na região I, relativa a pequenos deslocamentos, a relação entre carga e deslocamento é linear, indicando uma deformação elástica, semelhante à de um sólido. Esse comportamento reflete a ausência de escoamento do fluido, uma vez que as forças resistivas (atração, coesão e atrito) sobrepujam a força motriz gerada pelo deslocamento. Na região II, de deslocamentos intermediários, a força motriz resultante supera esse degrau resistivo, passando a apresentar uma deformação plástica ou um fluxo viscoso, dependendo da microestrutura do material. Assim, o grande aumento da deformação não apresenta a contrapartida de um incremento substancial de carga. Por fim, na região III, o grande deslocamento aplicado na amostra gera novas forças resistivas, como embricamento das partículas sólidas da matriz, - 147 - caracterizando um enrijecimento por deformação, no qual as cargas passam a crescer exponencialmente (MIN et al., 1994; PILEGGI et al., 2004). Carga (N) Portanto, o método squeeze-flow apresenta as características necessárias para se tornar uma ferramenta no estudo de pastas de revestimentos à base de gesso, pois permite não só avaliar a natureza reológica destes materiais em diferentes graus e taxas de deformação, de maneira dinâmica, mas também as modificações decorrentes da pega do gesso. I II III Deslocamento (mm) Figura 3 – Representação esquemática de uma curva carga x deslocamento obtida em um ensaio de squeeze-flow, realizado mediante a aplicação de esforço de compressão, identificando as três principais regiões de comportamento. 2. OBJETIVOS Este trabalho tem como objetivo realizar uma análise comparativa entre o ensaio de Vicat modificado e o método de squeeze-flow na avaliação do comportamento reológico de gesso e de uma composição comercial gesso/cal/filler, preparados sob diferentes condições de mistura (manual e mecânica). Também foram avaliadas, através do squeeze-flow, a reologia de massa corrida e massa para juntas de painéis de gesso acartonado e a influência da temperatura para a composição comercial. 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Materiais As matérias-primas utilizadas foram gesso de construção adquirido no mercado e um produto para revestimento a base de gesso formulado para aplicação mecânica composto por gesso, cal hidratada, filler e aditivos orgânicos e inorgânicos, fornecido pela Artspray, identificado como “composição comercial”. A relação água/sólidos usada foi de 0,67 para todos os ensaios, que utilizaram os processos de mistura descritos abaixo. A massa corrida (acrílica) e a massa para rejunte de gesso acartonado foram preparadas de acordo com instruções do fabricante. 3.2 Procedimento de mistura dos produtos a base de gesso Tendo em vista a prática nacional de aplicação de gesso, os estudos foram efetuados sob condição de mistura manual em comparação a misturas realizadas em misturador mecânico. 3.2.1 Manual: - 148 - Segundo a norma NBR 12128, que consiste em: 1. Polvilhamento do pó por 1 minuto; 2. Espera de 2 minutos; 3. Homogeneização da pasta por 1 minuto; 3.2.2 Mecânica: Utilizou-se um misturador de bancada Fisatom, modelo 722D, segundo um procedimento padronizado, de duração total de 6 minutos, com velocidade de agitação variando de 550 a 1500 rpm, alternando-se a adição de pó com a homogeneização da pasta. 3.3 Ensaios Reológicos 3.3.1 Aparelho de Vicat Modificado Recomendado pela norma NBR12128 para determinação da consistência normal, o aparelho de Vicat modificado (Figura 1) consiste numa sonda cônica de alumínio de 45mm de altura, acoplada de uma haste, cujo peso total é de 35 g. Esta sonda penetra num molde preenchido com gesso em pasta, de formato de tronco cônico, de 40 mm de altura, 70 mm de diâmetro da base e 60 mm de diâmetro superior. Utilizando o aparelho de Vicat modificado foram ensaiadas amostras de 150 g de material seco misturados manual e mecanicamente, em vários tempos após a mistura. 3.3.2 Squeeze-Flow Foi utilizada uma máquina universal de ensaios, da marca Instron, modelo 5569 e células de carga de 10 e 1000 N, dependendo da necessidade do ensaio. As ferramentas empregadas foram um punção de 25,4 mm de diâmetro e base metálica, que era limpo antes de cada ensaio, anéis de PVC de 5 mm de altura e 76,2 mm de diâmetro e placas de PVC de 100 mm de lado e 5 mm de altura, utilizados como reservatório da pasta. Usou-se um programa de ensaio que submete o material a uma compressão a uma taxa de 0,1 mm/s, de deformação total de 2mm, mantida por 30 s e seguida por uma tração de 2,5 mm, também a uma taxa de 0,1mm/s, terminando o ensaio em um patamar 0,5 mm acima do nível inicial. A taxa de coleta dos dados foi de 0,25 s e os ensaios realizados à temperatura ambiente (22° C), após 10, 25, 40, 55 e 70 minutos do início da mistura, quando possível. Adicionalmente, também foram ensaiadas amostras da composição comercial a 26°C e 30°C, nos dois tipos de mistura, e dos produtos comerciais, imediatamente após sua preparação. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Comparação entre o ensaio de Vicat modificado X squeeze-flow A Figura 4 ilustra os resultados obtidos com o Vicat, ressaltando a faixa considerada de consistência aplicável (0 a 28 mm de penetração da sonda), cujos valores de tempo de espera e tempo útil das amostras foram discriminadas na Tabela 1. O ensaio mostra um comportamento muito diferente de todos os sistemas. Os sistemas sem tempo de espera, ou seja, de aplicação imediata, são a composição gesso-cal de mistura manual, que também apresenta a vantagem de se manter próxima da consistência mínima, e o gesso de mistura mecânica, que, contudo, reage muito rapidamente, apresentando tempo útil muito reduzido. Em contrapartida, a composição misturada mecanicamente é excessivamente fluida para ser aplicada mesmo após 70 minutos. Já o gesso puro misturado manualmente é muito fluido - 149 - no início, e após o tempo de espera de cerca de 12 minutos, endurece rapidamente em menos de 10 minutos, indicando um pequeno tempo útil. Assim, o Vicat fornece pouca informação reológica das pastas, uma vez que avalia apenas sua tensão de escoamento. Outro ponto a ser ressaltado é que, de acordo com os resultados obtidos com o Vicat, a composição comercial manteve-se constante, tanto na mistura manual quanto na mecânica. Esse fato pode sugerir tanto uma grande estabilidade da amostra, que não reage por longos períodos de tempo, quanto a falta de sensibilidade do método, incapaz de perceber variações sutis de fluidez nas pastas. 40 35 Penetração (mm) 30 25 20 15 composição_manual composição_mec 10 gesso_manual 5 gesso_mec 0 0 10 20 30 40 Tempo (min) 50 60 70 80 Figura 4 – Ensaio do aparelho de Vicat modificado das penetrações efetuadas pela sonda de acordo com a idade da amostra, para a composição gesso-cal e o gesso, misturados manual e mecanicamente. A Figura 5 é um exemplo do perfil construído com os dados fornecidos pelo squeeze-flow para todos os sistemas. Neste caso específico, a figura apresenta os resultados médios dos ensaios realizados com a composição, misturada mecanicamente, em intervalos de tempo de 10 a 70 minutos. A partir dela é possível visualizar as 3 etapas do ensaio: a primeira consiste em compressão constante da pasta nos primeiros 20 s, até uma deformação total de –2 mm. Esta etapa equivale à curva da Figura 3, que ilustra os resultados obtidos com o squeeze-flow em uma compressão simples. Dependendo do tempo após o início da mistura, a deformação de 2 mm permite um comportamento referente a uma das 3 regiões (deformação elástica, deformação plástica/ fluxo viscoso e enrijecimento por deformação). Para tempos de até 40 minutos, o incremento da carga empregada por deslocamento possui natureza linear, ou seja, o material se encontra na região de deformação plástica. Após este tempo, a curva passa a ter comportamento exponencial, passando para a região de enrijecimento por deformação. Na segunda etapa do ensaio (intervalo entre 20 e 35 s), a deformação é mantida constante, mas averigua-se que a carga necessária para a manutenção da deformação diminui, mostrando uma relaxação elástica/viscosa do material. - 150 - Na última etapa, a partir de 35 s, o material é submetido a um deslocamento constante até o nível +0,5 mm, causando uma tração. Por volta do tempo 55 s, quando o punção se aproxima do nível original, dá-se o valor máximo de tração, já que após esse ponto, a área em contato com a pasta diminui. A diferença percentual entre a tração máxima e a tração no fim do ensaio é mais discreta para amostras de tempos menores após a mistura. Isso ocorre porque o material apresenta viscosidade maior, havendo menor descolamento com o punção. Assim, uma área maior de pasta é tracionada. Verifica-se uma grande discrepância entre os resultados obtidos com o squeeze-flow e o aparelho de Vicat: o primeiro identificou mudanças significativas no perfil das curvas no decorrer do tempo, ignoradas pelo Vicat. Além disso, o squeeze-flow fornece as cargas necessárias para realizar um determinado deslocamento, que, através de equações de modelagem do método, geram valores absolutos de viscosidade, ao contrário do Vicat, que fornece apenas a penetração do cone, uma medida relacionada com a tensão de escoamento, mas não com seu valor absoluto. Assim, esta análise preliminar já permite concluir que o Vicat é pouco sensível e não fornece informações reológicas sobre o material, evidenciando que o método squeeze-flow é mais indicado para este estudo, que passará a valer-se apenas desse método para as próximas análises. -4,00 (a) 10 min -3,00 (b) 25 min carga máxima de compressão (e) (c) 40 min (d) 55 min -2,00 Carga (N) (e) 70 min (d) carga máxima de tração (c) (b) -1,00 (a) 0,00 Compressão Relaxação Tração 1,00 0 10 20 30 40 Tempo de ensaio (s) 50 60 Figura 5 – Representação de ensaios de Squeeze-flow, a 22°C, da composição gesso-cal de mistura mecânica de diversas idades, ilustrando as três etapas do ensaio: compressão entre 0 e 20s; relaxação entre 20 e 35s; tração entre 35 e 60s. 4.2 Influência da mistura A fim de ilustrar o efeito do tipo de mistura na composição, comparando-se a evolução no tempo das cargas de compressão e tração, empregou-se seus valores máximos, a partir dos pontos de carga máxima de tração e compressão obtidas no ensaio de squeeze-flow. Assim, a partir das cargas circuladas na Figura 5, por exemplo, construiu-se a curva “composição mec 22°C” das Figuras 6 e 7, que mostra as cargas máximas de tração e compressão, respectivamente, pela idade da amostra, sendo o procedimento repetido para todas as outras curvas. - 151 - 1,5 (a) composição manual 22˚C (b) composição mec 22˚C (c) composição manual 26˚C (d) composição mec 26˚C (e) composição manual 30˚C (f) composição mec 30˚C (g) gesso manual 22˚C Carga de Tração (N) 1,2 0,9 (a) (d) (c) 0,6 (g) (f) (e) (b) 0,3 0,0 0 10 20 30 40 50 Tempo (min) 60 70 80 Figura 6 – Efeito do tipo de mistura e da temperatura na carga de tração máxima dos ensaios de Squeeze-flow realizados com gesso puro e composição comercial. -30,0 (a) composição manual 22˚C (b) composição mec 22˚C (c) composição manual 26˚C (d) composição mec 26˚C (e) composição manual 30˚C (f) composição mec 30˚C (g) gesso manual 22˚C (g) Carga de Compressão (N) -25,0 -20,0 (a) (f) (d) (c) -15,0 (e) -10,0 -5,0 (b) 0,0 0 10 20 30 40 Tempo (min) 50 60 70 80 Figura 7 – Efeito do tipo de mistura e da temperatura na carga de compressão máxima dos ensaios de Squeeze-flow realizados com gesso puro e composição comercial. Percebe-se claramente que a mistura tem influência na cinética de alterações da reologia, afetando as cargas máximas, tanto de compressão como de tração, independentemente da temperatura do ensaio. Com a mistura manual, na compressão observa-se que após 25 minutos da preparação da pasta, as cargas aumentam bruscamente, indicando um rápido processo de endurecimento da massa, fato que só ocorre com a mistura mecânica após 55 minutos. Esse comportamento é aparentemente contraditório do ponto de vista de energia - 152 - de mistura, pois a mistura mecânica fornece mais energia para o material, devendo se hidratar mais rapidamente. Com pouca agitação do material, as partículas de hemidrato mantêm-se aglomeradas, diminuindo a área disponível para as reações ocorrerem. Já a mistura mecânica separa as partículas, aumentando a área em contato com a água, facilitando a hidratação e acelerando a pega do gesso puro. Entretanto, a composição comercial possui aditivos, que agem nos hemidratos (Figura 8). Assim, sem a agitação suficiente para quebrar os aglomerados, provavelmente sua atuação se restringe à superfície dos mesmos, não interferindo nas reações que acontecem em seu interior, onde há água retida, que passa a hidratar o hemidrato, fato que não ocorre quando todas as partículas estão separadas, e o aditivo pode agir de forma mais eficiente. (a) (b) aditivo hemidrato água Figura 8 – Representação esquemática de ação do aditivo no retardo da reação entre os hemidratos com a água, dependendo do tipo de mistura: (a) mistura manual, na qual há hemidratos aglomerados e (b) mistura mecânica, na qual as partículas de hemidrato estão desaglomeradas. Comparando-se as curvas da Figura 7 com as da Figura 4, nota-se a falta de sensibilidade do Vicat, para o qual o material não apresentou mudanças até 70 minutos, enquanto o squeeze-flow revela um aumento significativo da carga máxima de compressão no mesmo intervalo de tempo. O mesmo ocorre para a composição misturada manualmente: apesar das cargas apresentarem um aumento de mais de 1000% nos primeiros 55 minutos, passando de cerca de 2N para 25N, essa diferença não é percebida através do Vicat, que só mede um decréscimo da penetração após 70 minutos de ensaio, quando a carga atinge mais de 200N. O gesso puro misturado manualmente, único material que proporciona variação significativa através do Vicat, no período estudado passa de cerca de 4N para 110N, em um intervalo de apenas 5 minutos. Assim, confirma-se a pouca sensibilidade do aparelho de Vicat modificado, cujos resultados só variam quando a alteração da viscosidade do material avaliado é muito grande. É importante ressaltar que, apesar das Figuras 6 e 7 somente apresentarem apenas um dado por ensaio, à semelhança do Vicat, as curvas que o geraram não foram desprezadas: utilizou-se essa simplificação de análise dos resultados apenas para facilitar a comparação entre os vários ensaios realizados, mas a forma das curvas revelou as características reológicas das diferentes pastas. Por fim, verifica-se na prática que tanto a composição comercial misturada manualmente quanto a misturada mecanicamente são aplicáveis. Contrariando os resultados obtidos pelo Vicat, os quais indicavam que apenas a mistura manual encontrava-se na faixa de consistência mínima necessária para aplicação. A única ressalva é que na mistura mecânica a pasta da composição comercial encontra-se muito fluida imediatamente após sua - 153 - preparação, exigindo um tempo de espera, mas ainda possuindo um tempo útil muito superior ao do gesso puro. 4.3 Influência da temperatura O aumento da temperatura do ensaio, conforme esperado teoricamente, acelera o tempo de pega, pois a maior temperatura da água de amassamento aumenta a solubilidade do hemidrato e a maior agitação das partículas em decorrência de sua temperatura mais elevada permite que reajam mais rapidamente, alterando sua cinética de reação. De fato, a Figura 6 ilustra esse comportamento pela variação da força de compressão máxima das pastas de mistura mecânica. Contudo, não ocorre modificações apreciáveis com o aumento da temperatura na tração máxima, em ambas misturas (Figura 7), e na compressão máxima na mistura manual. Esta estabilidade do produto à temperatura é muito positiva, uma vez que permite que o material seja aplicado em diferentes condições de temperatura ambiente sem que haja grandes alterações de suas características. É importante ressaltar que, apesar das variações de carga nos ensaios de tração máxima, as alterações obtidas entre as amostras encontram-se dentro do erro do ensaio. 4.4 Comparação com massa corrida e pasta de rejunte de gesso acartonado Com a finalidade de produzir um parâmetro de comparação das características da composição comercial e do gesso, foram avaliados os desempenhos de produtos de fins similares: a massa corrida para revestimentos internos e a massa para rejunte de gesso acartonado. Estes materiais são mais estáveis que o gesso, demorando mais tempo para modificar suas características reológicas. Os perfis da Figura 9 revelam comportamentos reológicos diferentes entre a composição de gesso-cal e a massa corrida e a de rejunte de gesso acartonado. Nos dois últimos, a carga cresce rapidamente para pequenos deslocamentos. A partir de aproximadamente 0,5 mm, contudo, os materiais passam a fluir mais facilmente (região secundária da Figura 3). Já as composições de gesso-cal apresentam cargas iniciais muito baixas, que crescem de modo quase linear com o deslocamento (região primária da Figura 3). Mesmo no final do ensaio, com um deslocamento de 2 mm, as cargas ainda são baixas, de 0,6 N para amostras de 10 minutos e 1,9 N para amostras de 55 minutos. Somente aos 70 minutos observa-se um aumento exponencial da carga (região terciária da Figura 3), após um deslocamento de cerca de 1,4 mm. No entanto, as cargas iniciais são baixas. Assim, é possível concluir que a massa corrida e a de rejunte de gesso acartonado possuem tensão de escoamento maior, portanto podem ser aplicadas em camadas mais espessas sem que escorram pelo substrato, fato comprovado na prática. Sua facilidade de fluir para deslocamentos grandes também é extremamente desejável, pois têm menos probabilidade de fissurar (para aliviar tensões internas), quando submetidas a grandes tensões. Essa diferença de comportamento reológico decorre da composição dos materiais: enquanto as massas comerciais têm em sua composição uma grande quantidade de polímeros, materiais de tendência plástica que também apresentam grande espaçamento entre partículas, permitindo grandes deformações, a composição comercial é constituída de uma matriz de partículas finas, que passam a se atritar à medida que sofrem grandes deformações. - 154 - -6,00 (a) composição 10 min (d) (b) composição 55 min Carga (N) -5,00 (c) composição 70 min (d) gesso 10 min -4,00 (e) massa corrida 3 min (f) massa de rejunte 3 min -3,00 (e) (c) (f) -2,00 (b) -1,00 (a) 0,00 -0,20 -0,60 -1,00 -1,40 Deslocamento (mm) -1,80 -2,20 Figura 9 – Ensaio de Squeeze-flow, realizado à 22ºC com mistura mecânica, comparando as cargas de compressão de pastas comerciais, gesso e a composição comercial. Já para as amostras da composição comercial misturada manualmente (Figura 10), é possível verificar o mesmo fenômeno observado na mistura mecânica: no tempo de 10 minutos, as cargas são muito baixas, aumentando linearmente; já aos 40 minutos, há uma mudança da tendência linear para deslocamentos superiores a 1,4 mm, quando o crescimento das cargas passa a ser exponencial. Este comportamento também é semelhante ao do gesso puro aos 10 minutos, que endurece rapidamente e já deixa de ser aplicável aos 15 minutos. -6,00 -5,00 Carga (N) (d) -4,00 (a) composição 10 min (b) composição 40 min (c) gesso 10 min (d) gesso 15 min (e) massa corrida 3 min (f) massa de rejunte 3 min (b) (e) (c) -3,00 (f) -2,00 (a) -1,00 0,00 -0,20 -0,60 -1,00 -1,40 Deslocamento (mm) -1,80 -2,20 Figura 10 – Ensaio de Squeeze-flow, realizado à 22ºC com mistura manual, comparando as cargas de compressão de pastas comerciais, gesso e a composição comercial. - 155 - 5. CONCLUSÕES O aparelho de Vicat modificado identifica grosseiramente o comportamento do gesso no decorrer do tempo, não possui precisão nem fornece dados suficientes para uma avaliação mais profunda da evolução da reologia devido sua hidratação. O método de squeeze-flow é superior ao Vicat, identificando detalhadamente fatores que influenciam a pega, como a temperatura e a forma de mistura, para gessos puros e composições, além de conseguir compará-los de maneira mais eficiente que o Vicat. Dos materiais estudados, o que se mostrou reologicamente mais adequado para a aplicação foi a composição comercial de mistura manual, que apresenta maior tempo útil de aplicação que o gesso e não possui tempo de espera, como a composição misturada mecanicamente, que é muito fluida logo após a mistura. Possíveis soluções para esse fator são empregar menor teor de água e destiná-la para massa de revestimento fino tipo massa corrida ou massa para gesso acartonado. 6. AGRADECIMENTOS Este projeto obteve o apoio de Art Spray. Anne Agopyan é bolsista de iniciação científica do CNPq. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGÊNCIA ESTADO SETORIAL – AE (http://www.aesetorial.com.br/ext/cadernos/mineração/tecnologia3.htm) SETORIAL V. AGOPYAN, U.E.L. SOUZA, J.C. PALIARI, A.C. ANDRADE, Alternativas para redução de desperdício de materiais nos canteiros de obras. São Paulo: FINEP/ ITQC/ EPUSP, 1998. R.P.N. ANTUNES, Estudo da influência da cal hidratada nas pastas de gesso. São Paulo: EPUSP, 1999 (Dissertação de Mestrado). ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Gesso para construção civil: determinação das propriedades físicas da pasta – NBR 12128. Rio de Janeiro, 1991. CONAMA. Resolução nº 307, de 5 de (http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res02/res30702.html). Julho de 2002. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE, 2004 (http://ibge.gov.br). A. M HINCAPIÉ, Efeito de Substâncias Retardadoras de Pega nas Propriedades do Gesso de Construção. 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