Deixa Ela Entrar

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Deixa Ela Entrar
Deixa Ela Entrar
Escrito por Paulo Soriano
Sex, 22 de Março de 2013 00:00
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Escrito por Paulo Soriano
Sex, 22 de Março de 2013 00:00
DEIXA ELA ENTRAR
Blackeberg, subúrbio de Estocolmo, outubro de 1981.
Oskar é apenas um garoto de doze anos, filho de pais separados, que pratica pequenos furtos
e que caminha para uma adolescência solitária e vazia. Vazia e sem sentido. Sempre
atormentado, sempre inseguro, Oskar guarda alguns grandes segredos.
Oskar, o garoto amedrontado, o menino acuado, tem um álbum secreto, no qual coleciona
recortes de notícias sobre serial killers. Em suas fantasias, ele não é o menino negligenciado
pela mãe, que
tem que trabalhar, nem olvidado pelo
pai, distante e alcoólatra.
Não.
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Ele é um matador, um predador nato, cruel e insensível.
Perseguido cotidianamente por colegas de classe, que o humilham e o machucam, e o fazem
guinchar como um porco aterrorizado e submisso, prestes a ser abatido, o menino, de faca em
punho, descarrega a sua ira – sua superior e triunfante vindita – contra o tronco das árvores
dos parques e dos bosques. E, conforme deliberam os rumos de uma imaginação recalcada,
é no corpo indefeso e inerte de seus perseguidores que Oskar esgrime os precisos golpes
mortais, até que o chão se farte não de lascas ressequidas, mas até que se sacie de um
banquete de sangue. Tanto e tanto sangue... E mais sangue... Tudo como se ele – o tímido e
encurralado Oskar – fosse o próprio Assassino Ritual, o imolador. O serial que, recentemente,
vem
de fato atormen
tando os subúrbios circunvizinhos, deixando sempre atrás de si algo completamente
exangue.
– O que você está olhando, idiota? Quer morrer, hein? – pergunta Oskar ao indefeso e inerte
tronco de árvore. Em seguida, enfia a faca surrupiada. Não na árvore, mas em Jonny, o pior
de seus perseguidores, o mais empedernido e atroz de seus algozes.
Mas Oskar é surpreendido, em sua secreta e solitária vingança – a vergonhosa vingança de
um covarde –, por alguém – ou algo – que mudará o seu destino. Eli, uma garota linda, uma
encantadora menina de olhos escuros e cabelos pretos, vê tudo o que se passa, atenta e
desafiadoramente.
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A fascinante garota, cuja idade ombreia a de Oskar, mudara-se recentemente para aquele
decadente subúrbio de Estocolmo na companhia de um homem de meia-idade. Alojou-se
num apartamento contíguo ao do garoto. O homem não era o pai de Eli. Não, não era. Era,
sim, um velho pedófilo, com quem a garota tinha que viver – e conviver –, numa simbiose
macabra. Sangue e sexo. Eli precisava do homem, embora o dominasse. Pois era ele –
Håkan – quem tisnava as mãos de sangue e de morte; quem fazia o trabalho sujo; quem ocultava os cadáveres; quem, enfim, se encarregava da imprescindível e contínua provisão
de sangue, da qual a menina desesperadamente dependia. Afinal, Eli era uma vampira. Eli
era não uma abominação, mas uma
criança
. E Håkan padecia o sofrimento de enfrentar a própria existência na triste figura de um
pedófilo atormentado, tão sôfrego e abandonado, necessariamente esquecido e recluso, quanto um dependente químico em estado de insuportável abstinência. Por isso, submetia-se:
precisava protegê-la. Precisava garanti-la para si... porque... porque Eli – seu
adorado
– era uma predadora a um só tempo perigosa e indefesa.
Uma matadora, uma predadora nata, cruel e...
... Insensível?
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Ambos solitários, ambos dependentes, ambos infelizes, Oskar e Eli se aproximam. Tornam-se... amigos. Aliás, mais que amigos. Mas não pequenos namorados, como Oskar
gostaria que eles fossem. Ele ainda não sabe que o namorico entre ambos é algo infactível,
apesar de alguns sutis contatos físicos, e de toda aquela imensa fascinação, toda aquela
recíproca atração, angustiante e enigmática, repleta de hiatos e desconfianças, que os envolve
com a constrição de um ímã absurdo e incompreensível.
Mas Eli tem, também, os seus repugnantes segredos, partículas de um quebra-cabeças que
remontam a séculos. Segredos reticentes, que são, aos poucos, intuídos – ou remontados,
nas entrelinhas – pelo garoto, ou revelados a conta-gotas – ou peça a peça – por Eli, a
pequena vampira. Segredos que invocam não o cubo de Rubik – o jogo inteligente com que
Eli e Oskar adoravam brincar –, mas conclamam memórias de rituais vampíricos e de
terríveis mutilações. Sim, Eli bem sabia o que significavam sangue e mutilação...
Afinal, por que se mata? Por que se mutila? Por prazer? Por vingança? Por pura
necessidade? Haverá, enfim, algum substrato moral que diferencie homens de vampiros? Ou
os aproxime?
Um outono gélido e opressor. Um assassino à solta. Um garoto aviltado, insultado,
assustado, desesperadamente solitário, clamando por vingança (há, aqui, o dedinho insidioso
de Carrie, a estranha?). Jugulares rompidas. Uma menina vampira que garante a sua
provisão de sangue em troca de pequenos e fugazes favores concedidos a um pedófilo
“coroa”, a quem domina, abomina e não se deixa submeter... de todo. Medo, sangue,
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domínio e submissão. Abominação. Delicioso mistério. E sensibilidade.
“Deixa ela entrar”, o primeiro romance escrito por John Ajvide Lindqvist, é um dos melhores –
e inquietantes – livros já escritos a revisitar o velho e recorrente tema dos vampiros. Em uma
breve resenha anterior, afirmei que Lindqvist primava pela originalidade ao abordar velhos
temas. É a mais pura verdade. Somente lá no fundo sentimos uma solitária gota de sangue,
que flui expansiva dos lábios de
Carmilla, de Joseph Sheridan Le Fanu, ou
somos perpassados pela absurda ambiguidade de
Orlando
, de Virginia Woolf, que parece sangrar sorrateiramente, e mais fundo ainda, rolando nas
dobras dos séculos que se recusam a fluir. Sob a epiderme de uma narrativa coloquial, crua e
paradoxalmente realista – na qual King se tornou um mestre e um guia seguro –, o autor
revela-se ao mundo como um hábil (e não tão fácil assim, como pode parecer) contador de
histórias de terror e horror crescentes. Mas há algo de sensível, de muito humano – e visceralmente perturbador – em tudo que Lindqvist escreve. E de triste, muito triste mesmo,
também.
Título: Deixa ela entrar.
Autor: John Ajvide Lindqvist.
Editora: Globo Livros.
Ano: 2012.
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Escrito por Paulo Soriano
Sex, 22 de Março de 2013 00:00
Tradução: Marisol Santos Moreira.
Páginas: 504.
Formato: 16 cm x 23 cm.
ISBN: 978-85-250-5221-6.
Preço: R$ 49,90.
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