Matéria Especial - Leonardo Coelho

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Matéria Especial - Leonardo Coelho
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Diversão&arte
COMPORTAMENTO / NO DIA DO ANIVERSÁRIO DA CIDADE, CINCO ARTISTAS
ESTRANGEIROS REVELAM AS IMPRESSÕES DE VIVER E CRIAR EM BRASÍLIA
Mariana Leal/Divulgação
Rafael Ohana/CB/D.A Press - 11/10/11
Q
uando saiu das pranchetas e virou realidade em concreto armado, Brasília convulsionou o imaginário nacional. Terra feita
de muitas caras, povos e tradições diferentes, a capital se construiu, lentamente, no encontro dessas diferenças. Se o olhar do outro não é fácil para brasileiros, imagine para artistas estrangeiros que desembarcaram por aqui. Apesar das
contradições e dificuldades, alguns deles decidiram criar raízes na cidade, e agora contam ao
Correio um pouco das descobertas, estranhamentos e da identidade que deram à nova casa.
Dani Oliveira/Reprodução
“Estou em Brasília há quase 17 anos. O que me
trouxe à cidade foi um palhaço brasiliense, que me
convidou para passar o réveillon no Rio, o carnaval em
Floripa, e depois conhecer a casa dele, em Brasília. Um
ano mais tarde, fui presa como imigrante ilegal e a
gente se casou. Em 2013, completamos 15 anos de casados e temos duas meninas lindas. Cheguei em janeiro de 1997, no meio do projeto Temporadas Populares.
Na primeira noite, vi um show de Antônio Nóbrega e,
nas outras noites, vários espetáculos maravilhosos.
Achava que tinha chegado num grande centro cultural.
Mas o governo mudou e vi que tinha sido enganada.
Foi difícil me adaptar à falta de pontualidade dos
brasileiros. Também gosto de poder andar pelas ruas,
usando minhas próprias pernas. Sou de Londres, um
grande centro onde se pode ver arte da mais alta qualidade e de diversas origens, todos os dias. Então, o isolamento que a gente sofre em BrasIlha (citando o poeta
Nicolas Behr) é um fator radicalmente diferente. Na Inglaterra, a gente fica mais nutrida pelos outros artistas,
mas ao mesmo tempo, talvez precise de mais cuidado
para manter o foco na nossa própria arte.
Faltam verba e política cultural na cidade. Também
há poucos espaços acessíveis de ensaio, porque o Plano
Piloto é absurdamente caro (O Udigrudi, companhia que
dirige, faz 30 anos neste ano e ainda não tem sede). Graças a festivais como o Cena Contemporânea e a eventos
trazidos pelo Centro Cultural Banco do Brasil e a Caixa, a
gente consegue ver o que acontece lá fora, mas há um
certo isolamento da maioria dos grandes acontecimentos culturais. Esse isolamento, por outro lado, nos permite focar e produzir sem maiores distrações ou pressões. O fundamental é o carinho do público, que sempre
nos dá coragem de continuar fazendo o que fazemos.”
Sol que alegra
Dalton Camargos/Divulgação
» Dorka Hepp *
“Meu vínculo com o Brasil
começou em Portugal. Dançava em uma companhia portuguesa com um brasileiro e
estive em Brasília duas vezes,
me apresentando. Na terceira
vez, vim para passar férias,
mas avisei a família que, se
arrumasse algo para fazer,
acabaria ficando. Consegui
trabalho na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes e, pouco depois, entrei pro elenco
do baSiraH (companhia de
dança contemporânea).
Os brasileiros têm alegria de viver. Eu andava de
ônibus e via gente simples sempre feliz. Na Europa, tudo é fácil e se reclama muito. Aqui, as pessoas lutam
sorrindo. Eu conversava com qualquer um e era sempre acolhida. Outra diferença é o sol e a luminosidade
de Brasília. Quando acabava a luz de verão e chagava o
outono europeu, eu ficava deprimida. Por aqui, fico triste, mas no outro dia o sol aparece e já me sinto melhor.
Dançar na Europa é mais fácil entre aspas. A concorrência é muito grande, vem gente de todos os países para fazer audição. Uma vez que o bailarino foi
selecionado, porém, sabe que terá contrato e salário
mantidos com segurança. Aqui, não há editais de manutenção, são raras as companhias que contam com
apoio constante. A gente fazia porque acreditava no
trabalho, que um dia conseguiria a manutenção, mas
era impossível viver da companhia de dança.
* Leo Sykes, inglesa, diretora do Circo Teatro Udi grudi, está em Londres desde 2011, acompanhando
o marido, que cursa seu PhD, mas volta a Brasília
entre agosto e setembro, para ensaiar um espetá culo inédito do Udigrudi, que será encenado no
Centro Cultural Banco do Brasil.
Isabela Lyrio/Divulgação
Tive muita sorte de fazer parte do baSiraH, mas
via um certo amadorismo em algumas companhias
de dança. Os criadores queriam agradar, então faziam o café com leite. Na Europa, chutavam o balde,
havia ousadia e inovação. Enquanto, na Europa,
existia a Pina Bausch, há 30 anos, no Brasil, a Deborah Colker surgia. A tradição da dança na Europa
era usar o movimento para se expressar, mas percebia que o público brasileiro queria ver algo bonito.
Ainda existe uma atenção excessiva ao que é nacional ou internacional, mas os espectadores brasileiros começam a enxergar outras opções. E a cena de
dança em Brasília tem ganhado em variedade”
* Moradora de Brasília desde 1997, a belga Dorka Hepp
dá aulas de balé para crianças e integra um projeto de
dança contemporânea em São Sebastião.
Luis Jungmann Girafa/Divulgação
» Ted Falcon*
“Deixei Lima, no Peru, e vim para o Rio de Janeiro aos
15 anos, para estudar na Escola Nacional de Circo. Como o
mercado de artistas de rua estava saturado por lá, decidi
me mudar para Brasília. Comecei dando aulas e fui me desenvolvendo. Hoje, tenho família aqui. A língua foi minha
maior dificuldade no começo. Por ser uma arte pura, a tradição do circo e do teatro é mais presente lá, mas aqui há
mais apoio aos artistas. Nos outros países da América Latina, é preciso se desenvolver por si. Mas aqui há excesso de
burocracia para se conseguir financiamento para projetos.
Percebo que estão surgindo editais on-line, então tenho
esperança de que o processo seja simplificado.
Outro contraste é o fato de, no meu país, o artista estudar as culturas dos indígenas de lá e dos incas, enquanto Brasília, e consequentemente o Brasil, tem sua
própria cultura e as tradições populares. Poderia, no entanto, haver mais misturas: trazer os índios de lá para
trocas culturais com a população indígena daqui, juntar
nossas culturas afro, que são diferentes. As feiras de intercâmbio têm começado a permitir isso.”
* Atawalpa Coello e a mulher, Erika Mesquita, criaram o
Circo Rebote, companhia de circo-teatro que viaja o mundo com seus números e acrobacias. Além disso, o peruano
é professor de arte circense. No momento, planeja mais
um giro pela Europa, levando espetáculos na bagagem.
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Excesso burocrático
“Moro no Brasil há cinco anos, há quatro estou
em Brasília. Antes de me mudar pra cá, visitei o país
algumas vezes para estudar choro. Estive em Brasília, pela primeira vez, em 2006, para visitar Pablo
Fagundes, que conheci em Nova York quando lançava meu primeiro CD de música brasileira. Depois
conhecia minha futura mulher brasiliense, na
Bahia, e me mudei pra cá. No Rio e em São Paulo,
logo que cheguei, pude conhecer de perto, em rodas de choro e festivais, grandes referências, como
Hamilton de Holanda, Yamandú Costa, Armandinho
Macedo, que são muito acessíveis e generosos com
sua música, não têm nenhuma “frescura”.
Em Brasília, fiquei impressionado com a quantidade e a qualidade das rodas de choro, dos músicos
muito bons que existem aqui. Também me impressionou o nível da informalidade: o choro é uma música que se faz em bares, tomando cerveja, curtindo
com os amigos. Nos Estados Unidos, uma música tão
complexa e sofisticada como o choro é apresentada
em teatro, ou em locais onde o público assiste ao
show como a um concerto, mais formal.
Minha maior dificuldade foi lidar com a falta de espaços e projetos para a música instrumental. Hoje, lugares que ofereciam essas possibilidades foram fechados
por questões burocráticas. Aliás, acho a burocracia algo
incrível por aqui. Também morei em cidades americanas
que ofereciam mais opções de trabalho para os músicos,
mais clubes (espaços para música), mais museus, melhor transporte público, e onde há muita opção de serviços 24 horas. Os melhores do mundo do jazz estão tocando todo dia em Nova York. E aqui não temos oportunidade de ver coisas assim com muita frequência.
Nos Estados Unidos, há muitas produções de cinema,
tevê, eventos e gravações musicais. Eu recebia muitos
convites de trabalho em todas essas áreas. Há editais de
patrocínio aqui no Brasil, que dão chance para o artista
produzir seus próprios trabalhos. A dificuldade e conseguir aprovar os projetos, o nível de dificuldade e de burocracia é enorme. Sem falar na concorrência, com muitos
artistas e projetos bons tentando a mesma vaga”
* O americano Ted Falcon trabalhou em Nova York e
Los Angeles como músico e professor de música muitos anos. Atualmente, dedica-se ao Trio Oblivion, de
tango, à banda Jambrosia, mais voltada para o rock, ao
quarteto Gipsy Jazz Clube e à produção de um disco em
parceria com o gaitista Pablo Fagundes.
Horizonte fotografia
» Olivier Boëls*
“Vim parar em Brasília por causa de uma menina
que conheci em Paris. O Brasil tem uma imagem muito
boa na França, e não é ligada ao estereótipo de carnaval,
futebol e favela: os franceses gostam da alegria dos brasileiros. Cheguei aqui em 1995, e, de lá para cá, a paisagem mudou bastante, há muito mais pessoas e trânsito.
Me lembro de que o aspecto era o de uma vila fantasma,
como se a cidade tivesse ficado pronta, mas ainda esperasse por seus habitantes. Como não gosto de cidades
compactas e cheias de arranha-céus, me encantei com
esse jeito de cidade relativamente grande, mas com horizonte visível e pouca poluição.
Lá fora, é muito difícil organizar uma exposição de
fotografia. O pessoal libera a galeria, mas é preciso se virar pra arrumar o resto. As oportunidades de editais são
muito raras e é difícil viver de fotografia. No Canadá, havia um programa para artistas, mas a maioria se sustentava fazendo casamentos ou trabalhava com fotojornalismo, ou em lojas de fotografia.
Uma tendência recente é a padronização: os jornais
precisam sair iguais com as mesmas fotos, e assim que
cheguei aqui não notava isso. No Canadá, cada jornal tinha sua linha de trabalho bem específica. Há também
uma precarização das relações de trabalhos. Converso
com muitos colegas desencantados com a profissão, por
não poderem desenvolver o trabalho da maneira como
gostariam nos veículos nos quais trabalham. O outro lado é que essa realidade traz outras possibilidades de viver da fotografia. É preciso ser criativo e botar os neurônios para funcionar.
O maior desafio de fotografar em Brasília é humanizar a imagem. Os espaços são gigantescos e quase
não há gente circulando. A estrutura arquitetônica
pretendia juntar, mas dilui a massa. A fotografia brasileira é fantástica, tem nível altíssimo e não deixa nada a dever para outros países.”
* O francês Olivier Boëls viaja o mundo desde os 19 anos
de idade, e os países nos quais permaneceu por mais
tempo foram sua França Natal, Índia e Canadá. O fotógrafo, que antes trabalhava como chef de cozinha, fará
uma exposição coletiva (com mais três colegas de ofício)
tendo Brasília como tema.
Pesquisa
O mestre Guido: 66
anos como luthier
Dono de uma curiosidade insaciável e radical no que diz respeito à construção de instrumentos, quebrando qualquer
regra que acreditasse tolher
uma eventual melhora, Guido
foi um grande pesquisador e
inovador na complexa engenharia acústica e estética que é
a luteria. De acordo com seu neto, e também luthier, Marcus
Goulart, Guido testou tudo o que
era possível na luteria, indo do
verniz à construção de arcos,
chamada de archeteria. “Mas
sua maior pesquisa foi mesmo o
Brasiliano”, conclui. Outro ponto ressaltado por Marcus está
na incessante busca de seu avô
por substituir as madeiras tradicionais na construção de instrumentos de corda (abeto, bordo e
ébano) por equivalentes nacionais ou mais em conta financeiramente, tais como a grumichava e a coração-de-negro.
Atualmente, instrumentos
feitos sob a forma do Brasiliano
são difíceis de se encontrar entre
violinistas, violistas ou violoncelistas. O professor de viola da Escola de Música da UFRJ e archetier Alysio de Mattos, músico
profissional há mais de 40 anos,
confessa que poucas vezes viu
um instrumento do modelo brasiliano ao vivo. “Eu mesmo nunca tive a oportunidade de tocar
com um desses instrumentos,
mas posso dizer que a viola que
ouvi tocar tinha um som bom,
ainda que parecesse ser um instrumento muito pesado.”
Yolanda: ganhadora
de um vilonino
POUCO CONHECIDO, MODELO DE
INSTRUMENTO DE CORDA INSPIRADO
NAS LINHAS ARQUITETÔNICAS DE
BRASÍLIA FAZ 55 ANOS, RELEMBRANDO
A VIDA DO LUTHIER GUIDO PASCOLI
Primeiras ilusões
» LEONARDO COELHO
ESPECIAL PARA O CORREIO
R
io de Janeiro — Assim como uma impressão digital,
cada instrumento de
corda feito por um
luthier, seja ele um
violino, viola ou violoncelo, é único, mesmo que não pareça à primeira
vista. Entretanto, boa parte
desses instrumentos
existentes hoje são
cópias de modelos
já consagrados como os de Stradivarius, Stainer, Saló,
entre outros seletos construtores europeus. Assim, um dos
últimos degraus que um luthier pode aspirar é justamente construir um
modelo pra chamar de seu, a partir
do qual poderá ser copiado, e não
mais apenas copiar. No Brasil, porém,
há um modelo de violino, viola e violoncelo ainda mais original que os outros, uma vez que seu artesão o fez
inspirado pelos novos ventos que sopravam do Centro-Oeste brasileiro
nos anos 1950/60: o Brasiliano.
Projetado e construído pelo luthier
brasileiro Guido Pascoli (1905-1986), em
1958, para homenagear a construção de
Brasília, o modelo intitulado de Brasiliano inovou completamente a estética da
luteria até então, caracterizada tradicionalmente por linhas suaves e refinadas,
bem exemplificadas nos instrumentos
de Stradivarius, que servem de modelo e
referência até os dias de hoje.
O visual diferenciado dos instrumentos desse modelo, com linhas que se
quebram, uma voluta quadrada, efes
(aberturas acústicas) angulosos, e em alguns instrumentos até uma pintura feita
em verniz das colunas do Palácio da Alvorada foram inspiradas na arquitetura
única de Brasília. Como faz questão de
pontuar o luthier Orlando Ramos, discípulo de Guido e um dos poucos luthiers
que faz instrumentos de corda sob tal
modelo, “o Brasiliano não foi criado só
pra fazer um desenho diferente. Existe
um porquê técnico de tudo aquilo.”
CORREIO BRAZILIENSE • 5
Jornal A noite de 1934/Reprodução
Brasiliense,
» Leo Sykes*
Choro contagiante
» Atawalpa Coello*
ERUDITO
BRASILIANO,
BRASILEIRO
Atawalpa Coello voa ao lado da Torre de TV
» MARIANA MOREIRA
Leonardo Coelho/Divulgação
• Brasília, domingo, 21 de abril de 2013 •
A TRAJETÓRIA
DO LUTHIER
Guido, natural de Itobi, interior
paulista, começou a trabalhar não como luthier, mas como marceneiro-aprendiz
sob a tutela de Bevenuto Pascoli, seu
irmão. Porém, em 1920,
ambos se mudaram para São Paulo com o intuito
de se tornarem luthiers.
Na capital, Guido começou um expediente duplo: de dia trabalhava numa fábrica
de móveis e, durante a
noite, finalizava e envernizava violões na fábrica da Di Giorgio.
Apenas em 1922 os dois conseguiram dedicar-se à luteria em tempo integral na Casa
de Música e Luteria Cremona. Porém, foi
no Rio de Janeiro que Guido começou a delinear sua trajetória enquanto luthier.
Uma pesquisa em jornais de época, em
especial o A Noite da década de 1930, expõe sua agitada vida enquanto profissional. Pascoli, com um diretor de orquestra
chamado Bartolomeu Livolsi, comprou
algumas toras de sustentação do antigo
Teatro Lyrico do Rio, que ficava na atual
Avenida Treze de Maio, no Centro. Por serem de abeto europeu, elas eram perfeitas para a confecção de violinos.
Tendo em vista que a demolição do
Teatro Lyrico foi bastante coberta pela
mídia da época, em especial pelo A Noite, Guido e Livolsi resolveram promover,
com o jornal, um concurso para escolher um/uma violinista que ganharia
um instrumento feito exclusivamente
com a madeira do antigo teatro. A vencedora foi uma violinista de apenas 12
anos na ocasião, chamada Yolanda
Maurity Saboia. Posteriormente, a menina se transformou em uma violinista
requisitada, trabalhando inclusive no
Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Ela também é mãe do compositor carioca Antônio Adolfo.
Sonoridade
A suspeita de Alysio realmente corresponde. De acordo
com Marcelo Nébias, violista da
Filarmônica de Minas Gerais
que possui uma viola brasiliana, seu instrumento realmente
pesa mais do que as tradicionais. A razão parece decorrer
justamente das próprias inovações técnicas de Guido, que, de
acordo com Marcelo, a construiu com madeiras nacionais.
“Você precisa ter uma pegada
boa para tirar som dela”, afirma. “Mas ela possui uma sonoridade bastante precisa, potente, muito diferente das outras”.
O instrumento, comprado
em Brasília pelo pai de Marcelo, Diógenes Nébias, através
do próprio Guido, expõe ainda
a curta estada do luthier na
nova capital, que começou,
ironicamente, após as responsáveis pela Oficina Básica de
Música, que visava fomentar
uma produção semi-industrializada de instrumentos
musicais, que criaria uma base material sob a qual a difusão do ensino de música poderia aumentar e se consolidar.
Entretanto, pela falta de material, o projeto foi desativado.
Popularização
Detalhes dos instrumentos
produzidos por Guido Pascoli em
homenagem à criação de Brasília
Fotos: Leonardo Coelho/Divulgação
Olhosem
FRONTEIRA
4 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 21 de abril de 2013 • Diversão&arte
No Rio de Janeiro, mesmo
após se aposentar, Guido conseguiu organizar um de seus
principais sonhos profissionais: criar uma escola de luteria. Em 1976, Guido organizou
junto à recém-criada Funarte
o Projeto Luteria, parte de um
projeto maior que visava popularizar o ensino de música
no país. A escola-oficina funcionou temporariamente na
garagem do Palácio do Catete
e, por fim, transferiu-se para
uma escola no bairro de Quintino. Entretanto, por conta da
idade avançada e de uma
doença, Guido ficou cego, o
que ironicamente não o fez
menos exigente, como lembram todos os seus alunos da
época, em especial o luthier
Orlando Ramos. “Toda vez que
terminávamos algum trabalho, precisávamos dar o instrumento a ele, que mesmo
cego sentia no tato o resultado. Em muitas ocasiões, apenas pelo som do corte ele já
sabia que estávamos errando.”
Em uma antiga reportagem
de jornal da década de 1970, a
profissão de luthier foi categorizada como um dos “trabalhos
das profissões sem esperança”,
que, inevitavelmente, iriam desaparecer. Hoje, 27 anos após a
morte de Guido e 55 depois da
construção do modelo Brasiliano, percebe-se que, se o ofício
de luthier não desapareceu no
país, muito se deve a Guido Pascoli e a coragem de sua inovação inspirada pelas linhas de
Brasília, que envernizaram o
país na história da luteria.