Versão de Impressão - Portal de Anais da Faculdade de Letras da

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Versão de Impressão - Portal de Anais da Faculdade de Letras da
Nome de autora: a história por detrás do paratexto
Isabella Lisboa
FALE/UFMG, Graduação
Lorena Camilo
FALE/UFMG, Graduação
RESUMO: Analisar como um paratexto pode trazer mais informações
para o livro, além das que já estão postas no texto, este é o principal
objetivo deste artigo, que se iniciou a partir de atividades desenvolvidas
em sala de aula, na disciplina Estudos Temáticos de Edição: Nome de
Autora, no primeiro semestre de 2015. Tendo como referencial teórico a
obra Paratextos editoriais, do teórico francês Gérard Genette, procuramos
entender a importância da escolha de um nome para assinar obras e como
essa escolha se relaciona com o contexto social da autora, especialmente
no que diz respeito à situação da mulher no meio literário. Assim, os nomes
de autora escolhidos como objeto de estudo apresentam alguma relação
intrínseca com as escritoras, em sua motivação: o tratamento machista
a que eram submetidas, razões afetivas, ou até mesmo estilísticas. Essas
motivações demonstram e reafirmam a não aleatoriedade das escolhas.
Palavras-chave: Gérard Genette; paratexto; nome de autora; escritoras
brasileiras; escritoras estrangeiras.
ABSTRACT: To analise how a paratext can bring us more informations
to a book, beyond those that are already inside a text, this is the main
objective of this article that begun from activities done in classroom, on
the discipline Estudos Temáticos de Edição: Nome de Autora, on the first
semester of 2015. We have as theoretical reference the work Paratextos
editoriais, of the french theorist Gérard Genette, we try to understand how
important is to choose a name to entitle a work and how these choices
relate to the social enviroment of the authors, specially in relation to the
women situation on the literary field. The women author names chosen
to be the object of study have an intimate relation with themselves, in
their particular motivations: because of the sexist treatment that they were
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subjugated, because of affective reasons, or even because of stylistics.
These motivations have demonstrated and reasured the non-aleatority
on the choice of the name of woman author.
Keywords: Gérard Genette; paratext; the name of woman author;
brazilian writers; foreing writers.
Na obra Paratextos editoriais, o teórico da literatura Gérard
Genette trabalhou os diversos textos que acompanham e apresentam o
texto literário, dentre os quais selecionamos, para este estudo, o nome
de autor. Na disciplina Estudos Temáticos de Edição: Nome de Autora,
cursada por nós no primeiro semestre de 2015, tivemos oportunidade
de conhecer um pouco da vida e obra de várias escritoras brasileiras e
estrangeiras. Nesta disciplina, não nos foi passada apenas uma bibliografia
de várias autoras, ou conhecimentos desenvolvidos na pesquisa da professora
que conduziu as aulas, mas também muita paixão pela descoberta de algo
novo. Assim, esse primeiro contato nos impulsionou a aprofundar na
pesquisa sobre a vida e obra dessas autoras que, muitas vezes, contam
a sua história através do nome escolhido para assinar as obras literárias,
diversas das quais, um dia, viriam a ser alguns dos grandes clássicos da
literatura mundial.
Genette assim define o paratexto:
A obra literária consiste, exaustiva ou essencialmente,
num texto, isto é (definição mínima), numa sequência mais
ou menos longa de enunciados mais ou menos cheios de
significação. Contudo, esse texto raramente se apresenta
em estado nu, sem o reforço e o acompanhamento de
certo número de produções, verbais ou não, como um
nome de autor, um título, um prefácio, ilustrações [...].
Esse acompanhamento, de extensão e conduta variáveis,
constitui o que em outro lugar batizei de paratexto [...].
(GENETTE, 2009, p. 9)
Em outras palavras, um texto não é publicado apenas por si,
pois há todo um aparato pensado para acompanhá-lo: capa, lombada,
luva, fonte do título e do corpo de texto, papel, ilustrações, cores e toda
a materialidade que irá compor o livro. Dentre os paratextos verbais,
como: prefácio, posfácio, Genette, classificará o nome de autor também
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como sendo um paratexto, pois este não é inserido na obra de forma
aleatória. A escolha do nome que irá perpetuar a obra pode-se classificar
em duas categorias:
[...] as inscrições do nome na página de rosto, e na capa
não têm a mesma função: a primeira é modesta e por assim
dizer legal, em geral mais discreta do que a do título;
a segunda tem dimensões muito variáveis, conforme a
notoriedade do autor e, quando as normas da coleção
impedem toda e qualquer variação, uma sobrecapa lhe dá
campo livre, ou uma cinta permite repeti-lo em caracteres
mais chamativos e, por vezes, sem o prenome, para mostrar
como é famoso. (GENETTE, 2009, p.40)
Genette (2009, p. 41) classifica três sistemas de nomeação do
autor: o anonimato, em que “o autor não assina de forma alguma”;
o pseudonimato, em que “assina com nome falso, emprestado ou
inventado” e o onimato, em que “o autor ‘assina’ [...] com seu nome do
registro civil: pode-se supor, de modo verossímil, na falta de estatísticas
que desconheço, que é o caso mais frequente”.
A partir dessas informações, buscamos por nomes de autoras
brasileiras e estrangeiras para entender quais razões fizeram com que
algumas escolhessem o pseudonimato. O grande foco foi a busca de
autoras que escolheram o pseudônimo masculino para levantar questões
baseadas na época e vida das escritoras. Além do pseudônimo, estudamos
a questão do anonimato, bastante recorrente no século XVIII. Buscamos
compreender o porquê de algumas escritoras não assinarem suas obras,
e chegamos à conclusão de que, ao não inserir o nome na obra, a
escritora garantia a liberdade de se expressar e ser lida pelos leitores que
apenas consagravam autores cujo nome e identidade eram masculinos.
Anteriormente, as mulheres não podiam escrever e trabalhar, suas
funções na sociedade eram estritamente serem esposas e progenitoras.
As mulheres que se mostravam inclinadas à independência e realização
pessoal sofriam preconceito e exclusão social. Por esse motivo elas
publicavam suas obras de forma anônima, e, se a escritora já tivesse
lançado anteriormente algum livro, na área reservada para o nome de
autor vinha escrito “o mesmo autor de”.
Focando na pesquisa dos pseudônimos, alisamos algumas capas
de livros famosos de seis autoras, e pudemos constatar que houve
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mudanças e distinções por parte de algumas editoras ao colocar o nome
da autora no decorrer das edições e reedições. Ao longo deste artigo,
poderemos notar estes aspectos, já que em alguns livros com datas
mais antigas, alguns nomes estão em tamanho pequeno e dispostos de
maneira bem singela na capa, mas, conforme constatado nas informações
biográficas, quando a autora ganhou notoriedade, o tamanho da fonte
foi alterado, e alguns nomes passaram a ocupar uma área proporcional
ao nome da obra, ou ocuparam quase toda a capa. Em outros casos, o
pseudônimo masculino vem em maior destaque e, abaixo deste, o nome
feminino da autora bem pequeno e apagado.
Para alguns ideais feministas, utilizamos pensamentos da ilustre
escritora inglesa Virgínia Woolf, que, em pequenos trechos da coletânea
de ensaios O valor do riso,1 trata sobre questões problemáticas acerca
da mulher como escritora e autora. Questões que vão desde a divisão de
tarefas domiciliares, que podem vir a comprometer o escrito, até mesmo
a divisão entre poesia e prosa, que em sua contemporaneidade era muito
valorizada. Também utilizamos Woolf para analisar o onimato, já que suas
obras de grande reconhecimento tratam de diversos tipos de repressão,
opressão e submissão de mulheres, que até hoje são presentes.
Outra fonte que utilizamos para a elaboração do trabalho foram
filmes realizados a partir de obras do nosso corpus, refletindo sobre quais
aspectos das obras foram realçados na adaptação cinematográfica e as
relações entre os paratextos das edições em livro e em filme.
Analisando questões feministas sobre a vida e obra das escritoras
Virginia Woolf, Karen Blixen, Nísia Floresta, Cora Coralina, Agatha
Christie e J. K. Rowling, pudemos compreender, através de algumas
reflexões feitas a partir do paratexto, a importância social dessas
mulheres que enfrentaram repressões psicológicas, sociais e morais por,
simplesmente, escolherem algo diferente em suas vidas. Sobretudo como
essas mulheres resistiram apesar de todos os impasses enfrentados e como
conseguiram contar suas histórias, escrever seus romances e atravessar
anos, décadas e séculos com seus nomes de autoras.
Virginia Adeline Stephen, escritora inglesa nascida em 25 de
janeiro de 1882, adotou o sobrenome Woolf de seu cônjuge, após casar-se
em 1912. Desde então, Virginia Woolf passou a ser, no decorrer dos anos,
Livro organizado e traduzido pelo crítico e poeta brasileiro Leonardo Fróes, publicado
em 2014 pela editora Cosac Naify.
1
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a escritora, ensaísta e editora britânica mais reconhecida e proeminente
figura feminina do Modernismo. Em 1904, Virginia começa a escrever
críticas literárias para o The Guardian, porém não as assina, fazendo
uso do anonimato. Só em 1915, Woolf publica seu primeiro romance,
intitulado A viagem, pela editora do seu meio-irmão, agora fazendo
uso do onimato. Após se casar com Leonard Woolf, passou a publicar
romances e ensaios na editora Hogarth Press, que fundou em 1917
com seu esposo. A crítica elogiou diversos romances da escritora, que
aguardava ansiosamente que seu talento fosse reconhecido. Entretanto,
sofreu e ficou abalada por não saber assimilar as críticas quando não
apreciaram seu segundo romance, Noite e dia (1919). Porém Woolf,
impulsionada por seu abalo, produziu mais e melhor, abordando em seus
trabalhos o fluxo de consciência, a psicologia íntima, tramas emocionais
e patológicos, como as mulheres eram forçadas pela sociedade a permitir
que os homens tomassem-lhes a força emocional, contexto histórico e
abalos que a Primeira Guerra Mundial causou, a transformação da vida
através da arte, ambivalência sexual e a reflexão sobre temas referentes
à passagem do tempo e da vida.
Nas obras literárias analisadas para a produção deste trabalho,
pode-se notar que em todas as edições o nome de Virginia Woolf se
mantém destacado na capa. Algumas editoras fizeram uso da fotografia ou
da caricatura da escritora como ilustração, enquanto outras apresentaram
na capa detalhes que fazem alusão a partes cruciais da narrativa ou que
se usam ao título da obra. Verificamos que o mercado cinematográfico
influencia diretamente no literário na representação da capa do livro
Mrs. Dalloway (2002) da editora Harcourt, que após a estréia do filme
As horas (2002), insere um destaque na capa, relatando que o livro
inspirou o filme.
Saindo do Reino Unido para a Dinamarca, a segunda autora
escolhida foi Karen Christentze Dinesen, mais conhecida como a
baronesa de Blixen-Finecke após seu casamento com seu primo afastado,
o barão Bror von Blixen-Finecke. Entretanto, adorada e reconhecida por
seu talento e genialidade sob um de seus vários pseudônimos, dentre os
quais o mais conhecido é Isak Dinesen. A opção de Blixen pela utilização
do pseudônimo, inicialmente, foi uma grande incógnita para os críticos
quando revelada a autoria de suas obras, pois no século XIX as mulheres
já possuíam, mesmo que pouca e sob obstáculos, independência e
oportunidades para trabalhar e não ser as típicas e tradicionais “donas
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de casa”. Especula-se que a utilização do pseudônimo Isak Dinesen
signifique: Isak, em hebraico, aquele que ri, e Dinesen, uma homenagem
a seu amado pai, Whihelm Dinesen. A escolha do pseudonônimo é para
muitos críticos literários um refinado exemplo de ironia, característica
frequentemente utilizada pela escritora. E, uma vez que o pseudônimo
é um nome falso para mascarar o verdadeiro, recorda-se das palavras
de Blixen, que diz não é através de seu rosto que a conheceremos, mas
sim de sua máscara. A baronesa dizia ser somente uma contadora de
histórias e que a maneira de contar, tecer a história, é que a interessava.
Esta característica será um diferencial em suas obras, começando por Sete
contos góticos (1934), A fazenda africana, (1937), Contos de inverno
(1942) entre outros. A partir de 1950, a saúde de Karen Blixen, que
sempre foi bastante frágil, foi se deteriorando aos poucos. E, em 1955,
devido a uma úlcera, ficou impossibilitada de se alimentar normalmente,
falecendo aos 77 anos de idade nas propriedades da família.
As capas analisadas da autora Karen Blixen foram as diversas
edições da obra A fazenda africana. A maioria das capas possui ilustrações
e cores típicas que remetem a África. O diferencial ocorre na relação
do nome e pseudônimo. Nas edições das editoras Gallimard (1942),
Cosac Naify (2005), o nome que aparece é Karen Blixen, já nas edições
do Diario del País, S.L (2002), Círculo do Livro (1980), Civilização
Brasileira (1979), o nome autoral é Isak Dinesen. As edições mais
peculiares são das editoras Penguins Books (1942) que escreve Karen
Blixen e entre parênteses logo ao lado do nome civil, o pseudônimo Isak
Dinesen com a mesma fonte, tamanho e distribuição na capa. Já a editora
Europa-América (2001), dá destaque ao nome Isak Dinesen com tamanho
e fonte em negrito vermelho, e logo abaixo, com uma fonte menor e sem
negrito, a palavra aliás em itálico, e sem destaque no nome Baronesa
Karen Blixen. E, novamente, demonstrando como o mercado editorial
está atento ao cinematográfico, a editora Civilização Brasileira (1979) e
Europa-América (2001) ilustram as capas com os atores Robert Redford
e Meryl Streep, em uma cena do filme.
Adentrando solo brasileiro, em 12 de outubro de 1810, em Papari,
Capitania da Paraíba e atualmente Rio Grande do Norte, nasceu Dionísia
Gonçalves Pinto. Educadora, escritora e poetisa brasileira, defensora dos
direitos dos índios e escravos, considerada pioneira do feminismo no
Brasil e até mesmo na América Latina, pois não há registros anteriores
de textos escritos com estas intenções. Provavelmente, foi a primeira
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mulher a romper os limites delimitados entre o espaço privado e o
público ao publicar textos em jornais, em uma época em que a imprensa
dava seus primeiros passos. Nísia escreveu e publicou o primeiro livro
intitulado Direito das mulheres e injustiça dos homens (1832) pela
editora Typographia Fidedigna. É com esta obra que passa a adotar o
pseudônimo de Nísia Floresta Brasileira Augusta, que revela traços de sua
personalidade e sentimentos mais íntimos. Nísia, diminutivo de Dionísia,
Floresta, referência do sítio onde nasceu, Brasileira, a afirmação de sua
nacionalidade, Augusta, uma homenagem ao segundo nome de seu amado
companheiro e pais de seus filhos, Manuel Augusto de Faria Rocha. Nísia
continuou escrevendo e destacando a importância da educação feminina
para a mulher e a sociedade em suas obras, como Conselhos a minha
filha (1842), pela editora Typographia de J.S.Cabral, na qual assinou com
a uma variação de seu pseudônimo, F. Augusta Brasileira, e Opúsculo
humanitário (1853), pela editora Typografia de M.A. da Silva Lima, e
A mulher (1865), pela editora G. Parker.
Ao pesquisar capas de obras de Nísia Floresta, apesar de encontrar
os registros de suas edições brasileiras, estrangeiras e póstumas,
encontramos apenas a capa Direitos das mulheres e injustiças dos homens,
quarta reedição da editora Cortez, em 1989, com pequeno desenho do
rosto de Dionísia, seu pseudônimo e o título do livro em maior destaque.
Um século depois, no dia 20 de agosto de 1989, nasce em
Goiás a poetisa, contista e cronista Ana Lins dos Guimarães Peixoto
Bretas. Uma mulher simples que tinha mão boa para doces e escrita.
Produziu um conjunto de obras poéticas, baseando-se no cotidiano do
interior brasileiro. Seu primeiro trabalho literário ocorreu aos 14 anos
de idade com o conto “Tragédia na roça” (1910) publicado no Anuário
Histórico e Geográfico de Goiás. Optou por assinar o conto como
Cora, utilizando o recurso do pseudônimo para esconder a identidade,
pois naquela época “moça de família” não perdia tempo com escritos.
Casou-se, teve seis filhos, e renunciou vontades e sonhos para prover
o sustento da família. Trabalhou como costureira, vendedora de livros,
comerciante, doceira, mas mesmo assim não deixou de escrever em
nenhum momento. Empenhou-se em ajudar crianças, e principalmente as
mulheres, sugerindo a criação de um partido feminino para qual escreveu
um manifesto de agremiação.
Cora relatou que quando tinha seus 50 anos de idade passou por
uma profunda transformação interior, e foi a partir deste momento que
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passou a assumir, por escolha própria, o pseudônimo Cora Coralina. Cora
de coração e Coralina de coral. Depois do falecimento de seu esposo,
que diziam que a proibia de escrever e que a impedira de participar
da Semana de Arte Moderna de 1922, aos 70 anos passa a aprender a
datilografar, e produziu seu primeiro livro, Poemas dos becos de Goiás
estórias mais, aos 75 anos. Em 1976 lançou Meu livro de cordel, e em
1980 recebeu uma carta de Carlos Drummond de Andrade, repleta de
elogios sobre seu dom com as palavras. Foi após a divulgação dessa
carta que Cora Coralina tornou-se reconhecida em todo o país. Por isso
dizemos que o reconhecimento de seus escritos não veio fácil, entretanto,
para compensar a demora, recebeu o título de doutora honoris causa
pela Universidade Federal de Goiás (1982), o Prêmio Intelectual do Ano
(1983), sendo, então, a primeira mulher a receber o troféu Juca Pato
(1983). Foi reconhecida como Símbolo Brasileiro do Ano Internacional
da Mulher Trabalhadora pela FAO (1984). E em 1985, falece em Goiâna,
aos 95 anos de idade, com complicações de uma pneumonia.
As obras analisadas da escritora, uma vez que começou a publicar
após já ter certo reconhecimento, todas levam seu nome na capa de forma
destacada e visível. As primeiras capas, por serem da década de 60, são
mais simples e retratam com sutileza os vilarejos de Goiás. Com o passar
do tempo e do ganho de sua notoriedade, Cora Coralina passa a ter seu
rosto nas capas das publicações.
De poesias e contos passamos para romances policiais da autora
que, atualmente, é considerada a rainha do crime, com mais de 60
romances policiais publicados: Agatha Christie. Agatha Mary Clarissa
Miller, nome de batismo da autora que assina o pseudônimo Agatha
Christie, nasceu no ano de 1890, no condado de Devon, na Inglaterra.
Educada de acordo com a tradição européia, estudou em casa com tutores
e professores particulares. Seus pais queriam que fosse cantora lírica ou
pianista, entretanto Christie sempre preferiu passar seu tempo escrevendo
poemas e contos.
Apesar do gosto pela escrita, Christie começou a escrever seus
famosos romances policiais somente após sua irmã a desafiar a escrever
um romance em que o leitor só conseguiria descobrir quem era o assassino
ao final da narrativa. Assim, Agatha escreveu seu primeiro livro, The
Mysterious Affair at Styles, que foi publicado em 1919, conseguindo, em
um período em que as mulheres não tinham tanta voz e representação
na sociedade, tornar-se uma escritora conhecida e aclamada pela crítica.
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Porém, por volta de 1930, Christie decidiu escrever um romance em um
gênero distinto do que a tornou conhecida, abordando relacionamentos
interpessoais, focando no psicológico dos personagens. O primeiro livro,
The Giant’s Bread, foi apresentado a seu editor, que ficou receoso de
publicar algo tão diferente dos títulos já conhecidos de Agatha, tendo
em vista que a autora estava começando a fazer sucesso. Entretanto,
não se preocupou, pois para publicar esse novo estilo, Agatha criou um
novo pseudônimo, Mary Westmacott. No mesmo ano publicou sob o seu
famoso pseudônimo, Agatha Christie, mais dois romances policiais, The
Mysterious Mr Quin e Murder at the Vicarage. Sob o pseudônimo Mary
Westmacott, publicou 6 livros: Unfinished Portrait, Absent in the Spring,
The Rose and the Yew Tree, A Daughter’s a Daughter e The Burden,
conseguindo manter sua identidade oculta por vinte anos. Acredita-se
que os livros escritos sob o pseudônimo foram inspirados em fatos da
vida de Agatha, sendo, em partes autobiográficos.
Ao analisar as obras de Agatha sob os dois pseudônimos, nota-se
que o pseudônimo Mary Westmacott, inicialmente, aparece nas capas
dos livros de forma destacada e proporcional ao nome da obra. Um fato
interessante de pontuar é a primeira edição inglesa da obra Unfinished
porttrait (1934), pela editora Collins, em que abaixo do título da obra
vem escrito “Author of Giant’s Bread”, para fazer referência a uma outra
publicação da autora na editora, saída em 1930. Após revelada a identidade
de Agatha como autora das obras assinadas por Mary Westmacott, o
pseudônimo da escritora de romances policiais começa a aparecer de
forma destacada e com sua tradicional fonte, e logo abaixo, com uma
fonte menor e mais apagada, o pseudônimo de Mary Westmacott.
Dos cárceres para um mundo fantástico onde é possível aparatar,2
conhecemos a autora infanto-juvenil mais famosa dos últimos tempos,
Joanne Rowling, que nasceu em julho de 1965, na Inglaterra. Ficou
mundialmente conhecida após escrever a série do jovem bruxo Harry
Potter, que conquistou milhares de fãs. O primeiro livro da série, Harry
Potter e a pedra filosofal, foi publicado pela primeira vez pela Bloomsbury
Children’s Books em junho de 1997, sob o nome de J. K. Rowling.
Apesar de ser uma autora da década de 90, o editor de Joanne,
pensando que uma mulher não seria bem aceita pelo público-alvo de
Neologismo criado pela autora na série Harry Potter, significando a ação de um bruxo
desaparecer e aparecer em outro lugar diferente.
2
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jovens garotos, pediu para que a autora utilizasse como nome autoral
apenas as suas iniciais. Inicialmente seria J. Rowling, mas o editor
solicitou que fossem duas letras, então ela optou, após vários testes, por
acrescentar a letra “K”, de Kathleen, nome de sua avó paterna. Esse fato
demonstra como a presença de mulheres no meio literário ainda não se
tornou algo comum, e como aquelas que já estão no meio precisaram, e
ainda precisam passar por situações que, na maioria das vezes, escritores
homens não passariam ou passam.
Com o grande sucesso de Harry Potter, Rowilng, vinculou-se
de uma forma tão forte à sua obra, que lançar-se em um novo projeto
seria muito difícil, pois as comparações surgiriam e, provavelmente, as
expectativas dos fãs que apenas conheciam o bruxo Harry Potter seriam
frustradas. Robert Galbraith surgiu para permitir à autora um novo
começo. Rowling optou pelo pseudônimo para conseguir escrever algo
desvinculado ao sucesso que já havia alcançado, sem criar expectativas
nos leitores, e para que as críticas recebidas fossem imparciais. Assim,
em 2013, publicou seu primeiro romance policial, The Cuckoo’s Calling,
pela editora Sphere Books, sob o pseudônimo de Robert Galbraith.
O número de exemplares vendidos foi bem diferente do que J.
K. Rowling estava acostumada. Mas, como seu nome de autora é forte,
após revelar sua identidade, as vendas deram um salto. Da 4709º posição
o livro pulou para o 1º lugar da lista da Amazon.com. Robert Galbraith já
tem três livros publicados: The Cuckoo’s Calling (2013), The Silkworm
(2014) e Career of Evil (2015), todos pela editora Sphere Books.
Da mesma forma que os livros de Agatha Christie, The Cuckoo’s
Calling, primeiro livro de Robert Galbraith, publicado pela Sphere Books,
recebeu em sua capa, após a revelação da identidade de J.K. Rowling,
um adesivo informando tratar-se do pseudônimo da autora. Isso também
ocorreu na propaganda do lançamento do livro no Brasil, em novembro
de 2013, quatro meses após a identidade da autora ter sido revelada. Na
edição brasileira se lê a informação “Robert Galbraith é o pseudônimo
de J.K. Rowling”. As obras da série Harry Potter se mantêm com o
primeiro pseudônimo inventado por Joanne sem a inserção do outro
nome utilizado pela escritora.
Com estas duas análises das grandes escritoras Agatha Christie e
J. K. Rowling, é possível perceber como o nome vincula-se ao estilo de
um autor ou autora. Uma vez conhecidas no ramo literário, as escritoras
optaram por escolher pseudônimos para que, por meio deles, pudessem
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desvincular-se de seus gêneros já aclamados para lançarem-se em novos
estilos, novos desafios, livres das expectativas dos fãs.
Para este iniciante e breve artigo, utilizamos como bibliografia
básica o crítico e teórico literário Gérard Genette, que trabalhou, de
maneira sublime, algumas noções sobre paratextos editoriais, que são
utilizados para compor um texto em sua forma plena, um livro. Genette,
também, nos norteou a respeito das várias possibilidades de se pensar um
paratexto e da importância deles para um texto, desde o que vai chegar
às mãos do leitor, até mesmo de uma discussão ou pesquisa sobre aquele
ponto. É importante ressaltar sobre pesquisas a serem feitas neste ramo,
pois será demonstrado aqui, que uma capa, uma cinta ou até mesmo um
nome de autora são pensados mercadologicamente e socialmente, uma
vez que estes estão inseridos em um contexto social e temporal, que
muitas vezes vai comandar a circunstância e a demanda. Para pensarmos
estes aspectos e contextos sociais, utilizamos algumas noções sobre
feminismo inseridas no livro O valor do riso, da escritora inglesa Virginia
Woolf, que trabalhou especificamente a inserção da mulher na literatura
e no meio literário, noções que colaboraram para as discussões e críticas,
que aqui estão inseridas. Por fim, e não menos importante, utilizamos
diversos epitextos para demonstrar como o mercado atua sobre os livros
e como as escolhas para um filme, crítica ou até mesmo capa auxiliam
na construção de alguns estereótipos em relação à mulher escritora.
Por vezes nos valemos de alguns dados biográficos que nos
apontaram conclusões sobre a razão pela qual as escritoras decidiram
esconder seus nomes que indicavam o gênero feminino, ou não os
esconderam, já que o quadro com que nos deparamos é bem dessemelhante
ao que imaginamos a princípio. Então, estes resultados auxiliaram para
que desconstruíssemos algumas imagens que até mesmo nós fazíamos
da mulher escritora e da atuação da mulher no universo literário.
Nesse momento, então, esperamos refletir mais sobre detalhes que,
às vezes, passam despercebidos à sociedade, mas carregam um grande
valor historiográfico. Comparamos aqui, então, os primeiros resultados
da nossa pesquisa a um pequeno fóssil que aparece para o arqueólogo
como uma singela surpresa do destino. Se a escavação prosseguir com
cuidado pode resultar em um achado maior. Assim esperamos que o
presente artigo seja como um pequenino osso que compõe a imensa
história do ser humano na Terra, pois, temos plena certeza de que esta
pesquisa, que está apenas engatinhando, já nos trouxe aprendizados que
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jamais vão ser esquecidos, e a nossa maneira de pensar nunca mais será
a mesma. Portanto, queremos que este pequeno achado contribua para
a vida deste imenso corpus que é a literatura.
Referências
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