Revista de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto

Transcrição

Revista de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto
Vol. 25, nº 1, Março 2016
Revista de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto
1
25|
AGENDA
AGENDA ADEMI 2016
2015
Curso de Imunodeficiências Primárias
IGM ICHP, 11 de Maio
Destinatários:
Um dia com o Síndrome de Marfan
Pediatras, Internos Complementares de Pediatria
Porto, 12 de Março
Curso de Colposcopia – do diagnóstico à terapêutica
CMIN I CHP, 29 e 30 de Maio
Hipertensão Pulmonar na Criança:
Destinatários:
Obstetras
e Ginecologistas,
Internos Complementares de Obstetrícia e Ginecologia
perspectivas
actuais
Coimbra, 9 de Abril
III Curso de Atualização em Pediatria para MGF
CHP, 5 e 6 de Junho
Destinatários:
II Curso
Teórico-Prático
Pediátrica
Pediatras,
Internos
Complementaresde
deCardiologia
Pediatria e de MGF
para Pediatras e Neonatologistas
Da Enurese
Primária
à Bexiga Neurogénica
Porto,19
e 20 de Maio
IGM, 2 de Outubro
Destinatários:
Pediatras, Internos Complementares de Pediatria e de MGF
Curso de Anemias Ferriprivas
Porto, 17 de Junho de Diabetes na Criança e Adolescente
Curso Teórico-Prático
IGM, 8 e 9 de Outubro
Destinatários:
Anatomia
Laparoscópica…
Pediatras,
InternosPélvica
Complementares
de Pediatria e de MGF
do Anatomista ao Cirurgião
I Jornadas de Enfermagem do CMIN-CHP
8 ede
9 de
Julho
Porto,Porto,
29 e 30
Outubro
Destinatários:
Enfermeiros da área da Saúde Materno Infantil e Pediátrica
XXVIII Reunião Anual de Pediatria do CMIN:
Aguda
XXVIIPatologia
Reunião Anual
de Pediátrica
Pediatria do CMIN-CHP
CHP, 26 e 27 de Novembro
Porto, 25 e 26 de Novembro
Destinatários:
Pediatras, MGF, Internos Complementares de Pediatria e MGF
Informação disponível em www.ademi.pt
Revista de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto | Departamento de Ensino, Formação e Investigação
Ano | 2016 Volume | XXV Número | 01
Diretora | Editor-in-Chief | Sílvia Alvares; Diretor Adjunto | Associated Editor | Rui Chorão; Diretora Executiva | Executive Editor | Luísa Lobato
Presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Porto | Director | Fernando Sollari Allegro
Corpo Redatorial | Editorial Board
Conselho Científico | Scientific Board
Assessores Editoriais | Editorial Assistants
Ana Rita Araújo, ULSAM
Armando Pinto, IPOPFG
Artur Alegria, CHP
Braga da Cunha, CHTS
Carmen Carvalho, CHP
Cláudia Pedrosa, CHVNG/E
Cláudia Tavares, CHAA
Conceição Mota, CHP
Cristina Rocha, CHEDV
Fatima Carvalho, CHP
Filipa Balona, HB
Gustavo Rocha, CHSJ
Helena Sá Couto, HPH/ULSM
João Barreira, CHSJ
José Manuel Pereira, CHP, ESTSP
Laura Marques, CHP, ICBAS-UP
Margarida Guedes, CHP, ICBAS-UP
Maria Sameiro Faria, CHP
Vasco Lavrador, H Privado de Alfena, Valongo
Alberto Caldas Afonso, CHSJ, FMUP, Porto
Almerinda Pereira, ECS-UM, HB, Braga
Ana Ramos, CHP, Porto
Antonio José Aguilar Fernández, HUMI, Las Palmas
António Tomé, CHP, ICBAS-UP, Porto
António Martins da Silva, CHP e ICBAS/UP, Porto
Braga da Cunha, CHTS, Penafiel
Cidade Rodrigues, CHP, ICBAS-UP, Porto
Cleonice Mota, FM - UFMG, Belo Horizonte
Conceição Casanova, CHPVVC, Póvoa de Varzim
Eurico Gaspar, CHTMAD, Vila Real
Fátima Praça, CHVNG/E, Vila Nova de Gaia
Gonçalves Oliveira, CHMA, Famalicão
Goreti Lobarinhas, HSSM Barcelos
Helena Jardim, CHP, ICBAS-UP, Porto
Hercília Guimarães, CHSJ, FMUP, Porto
Herculano Rocha, CHP, Porto
Ines Lopes, CHVNG/E, Vila Nova de Gaia
Jorge Braga, CHP, ICBAS-UP, Porto
José Carlos Areias, CHCJ, FMUP, Porto
José Cidrais Rodrigues, HPN/ULSM, Matosinhos
Lopes dos Santos, HPH/ULSM, Matosinhos
Luís Almeida Santos, CHSJ, FMUP, Porto
Manuel Salgado, HPCM/CHUC, Coimbra
Manuela Selores, CHP, ICBAS-UP, Porto
Marcelo Fonseca, ULSM, Matosinhos
Margarida Lima, CHP, ICBAS/UP, Porto
Maria Augusta Areias, HPBN, Porto
Norberto Estevinho, HPP, Porto
Óscar Vaz, ULSN, Mirandela
Paula Cristina Ferreira, CHP, Porto
Paula Soares, CHP, Porto
Pedro Freitas, CHAA, Guimarães
Rei Amorim, ULSAM, Viana do Castelo
Ricardo Costa, CHCB, FCS-UBI, Covilhã
Rosa Amorim, CHP, Porto
Rui Carrapato, CHEDV, Santa Maria da Feira
Teresa Temudo, CHP, ICBAS-UP, Porto
Andrea Buschbeck
Editores especializados | Section Editors
Artigo Recomendado – Helena Mansilha, CHP; Maria do
Carmo Santos, CHP
Perspetivas Atuais em Bioética – Natália Teles, CGMJM, FMUP
Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo,
FMUP; Altamiro da Costa Pereira, FMUP
A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – António
Marinho, CHUC; Fátima Pinto, HSM/CHLC; Maria Ana
Sampaio, HCV; Maria João Baptista, CHSJ, ECS-UM; Paula
Martins, HPCM/CHUC, Rui Anjos, HSC/CHLO; Sílvia Álvares, CHP
Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – António
Fonseca, HSMM; Armando Pinto, IPOPFG; Carla Moreira,
HB; Carmen Carvalho, CHP; Fátima Santos, CHVNG/E;
Inês Azevedo, CHSJ, FMUP; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim
Cunha, CHTS; Rosa Lima, CHP; Sandra Ramos, CHPVVC;
Sofia Aroso, HPH/ULSM; Sónia Carvalho, CHMA; Susana
Tavares, CHEDV
Caso Dermatológico – Manuela Selores, CHP, ICBAS-UP;
Susana Machado, CHP
Caso Eletroencefalográfico – Rui Chorão, CHP
Caso Estomatológico – José Amorim, CHP
Caso Radiológico – Filipe Macedo, HCUF
Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, CHP,
ICBAS-UP; Gabriela Soares, CGMJM
Educação Científica – Margarida Lima, CHP, ICBAS-UP
Pequenas Histórias – Margarida Guedes, CHP, ICBAS-UP
Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica |
| Advisor of Epidemiology and Biostatistics
Maria José Bento, IPOPF
Publicação trimestral resumida e indexada por
Catálogo LATINDEX
EMBASE / Excerpta Médica
Index das Revistas Médicas Portuguesas
Scopus
Artigos disponíveis no Repositório Científico do CHP
http://repositorio.chporto.pt
SciELO
Design gráfico
bmais comunicação
Execução gráfica e paginação
Papelmunde, SMG, Lda
Vila Nova de Famalicão
ISSN
0872-0754
Depósito legal
4346/91
Propriedade, Edição e Administração / Publisher
Departamento de Ensino, Formação e Investigação
Centro Hospitalar do Porto
Largo do Prof. Abel Salazar – 4099-001 Porto
Telefone: (+351) 222 077 500; fax: (+351) 222 082 166
Telemóvel: (+351) 915 676 516
[email protected]
CGMJM, Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães; CHAA, Centro Hospitalar do Alto Ave; CHCB, Centro Hospitalar da Cova da Beira; CHEDV, Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga; CHMA, Centro Hospitalar do Médio Ave; CHP, Centro Hospitalar do Porto;
CHPVVC, Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim - Vila do Conde; CHSJ, Centro Hospitalar de São João; CHTMAD, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro; CHTS, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa; CHUC, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra;
CHVNG/E, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho; DEFI, Departamento de Ensino, Formação e Investigação; ECS-UM, Escola de Ciências da Saúde, Universidade do Minho; FCS-UBI, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior;
FM-UFMG, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais; FMUP, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; HB, Hospital de Braga; HCUF, Hospital da CUF; HCV, Hospital Cruz Vermelha; HPBN, Hospital Privado da Boa Nova;
HPCM/CHUC, Hospital Pediátrico Carmona da Mota; HPH/ULSM, Hospital Pedro Hispano/Unidade Local de Saúde Matosinhos; HPP, Hospitais Privados de Portugal; HSC/CHLO, Hospital de Santa Cruz/Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental;
HSM/CHLC, Hospital de Santa Marta/Centro Hospitalar de Lisboa Central; HSMM, Hospital Santa Maria Maior; HUMI, Hospital Universitario Materno Infantil de Canarias, Las Palmas; ICBAS/UP, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto;
IPOPFG, Instituto Português de Oncologia do Porto, Francisco Gentil; ULSAM, Unidade Local de Saúde do Alto Minho; ULSN, Unidade Local de Saúde do Nordeste.
PRÉMIO NASCER E CRESCER
MELHOR ARTIGO ORIGINAL
A DIRECÇÃO DA REVISTA NASCER E CRESCER INSTITUIU O PRÉMIO ANUAL PARA O MELHOR ARTIGO ORIGINAL PUBLICADO NA REVISTA. ESTA INICIATIVA VISA PROMOVER E
INCENTIVAR A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA DA PEDIATRIA E PERINATOLOGIA.
REGULAMENTO
1. O Prémio será destinado aos autores do melhor Artigo Original publicado na revista Nascer e Crescer no período entre Janeiro e
Dezembro de cada ano.
2. Um mesmo autor pode concorrer com mais de um Artigo Original.
3. Na avaliação dos Artigos Originais, o Júri de seleção analisará os seguintes itens:
a) Relevância e originalidade
b) Clareza e pertinência dos objectivos; coerência com a metodologia;
c) Descrição dos métodos/procedimentos e análise estatística adequada;
d)Apresentação clara e sintética dos resultados;
e) Discussão fundamentada;
f ) Importância para o avanço do conhecimento. Potencial de aplicabilidade e impacto dos resultados.
4. Havendo mais de um autor, o Prémio será entregue ao primeiro autor do Artigo Original
5. Não será necessário qualquer tipo de inscrição para candidatura ao Prémio.
6. O processo de avaliação/classificação do Prémio será conduzido por um júri de seleção a ser escolhido oportunamente pelos editores
da revista.
7. Não caberá recurso contra as decisões do júri.
8. A atribuição do Prémio será divulgada no número 4 da revista Nascer e Crescer.
9. Cabe à Direcção da revista Nascer e Crescer decidir sobre casos omissos neste regulamento.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
índice
número1.vol.XXV
7 Editorial
A música, a saúde e o bem estar
José Carlos Areias
11 Artigos Originais
Fatores de risco para cicatriz renal após a primeira infeção febril
do trato urinário
Ana Cristina Freitas, Joana Leite, Paula Matos, Liliana Rocha,
Teresa Costa, Maria Sameiro Faria, Conceição Mota
15
Hipersensibilidade medicamentosa em crianças de idade pré-escolar
Jorge da Costa Viana, Carmo Abreu, Eva Gomes
22 Artigos de Revisão
Desidratação hipernatrémica no recém-nascido
Vânia Sousa, Catarina Carrusca, Manuela Santos
27
Marcha em pontas idiopática em idade pediátrica
Sara Domingues, Cláudia Melo, Catarina Magalhães,
Sónia Figueiroa, Inês Carrilho, Teresa Temudo
35 Casos Clínicos
Hiperfosfatasemia transitória benigna da infância
e infeção a Campylobacter Jejuni
Cláudia Aguiar, Juliana Oliveira, Alexandra Pinto, Andreia Eiras,
Conceição Casanova, Maria José Dinis
38
Herpes zoster como primeira manifestação de infeção
por vírus varicela-zoster numa criança saudável
Catarina Carrusca, Raquel Machado, Carolina Albuquerque, Florbela Cunha
42
Malformação vascular linfática com localização incomum
Ana Isabel Rodrigues, Gonçalo Inocêncio, Fan Yida, Madalena Moreira,
Graça Rodrigues, Olímpia Carmo, Luísa Oliveira,
Alberto Vieira, Maria do Céu Rodrigues
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
índice
número1.vol.XXV
48 Qual o seu Diagnóstico?
Caso dermatológico
Sandrina Carvalho, Susana Machado, Yolanda Mahia, Manuela Selores
50
Caso cardiológico
Alexandra Pires Pinto, Vânia Gonçalves, Georgina Monteiro, Teresa Machado
52 Normas de Publicação
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
summary
number1.vol.XXV
7 Editorial
Music, health and well being
José Carlos Areias
11 Original Articles
Risk factors for renal scarring after first febrile urinary tract infection
Ana Cristina Freitas, Joana Leite, Paula Matos, Liliana Rocha, Teresa Costa,
Maria Sameiro Faria, Conceição Mota
15
Drug hypersensitivity in pre-school children
Jorge da Costa Viana, Carmo Abreu, Eva Gomes
22 Review Articles
Hypernatremic dehydration in newborn infants
Vânia Sousa, Catarina Carrusca, Manuela Santos
27
Idiopathic toe walking in children and adolescents
Sara Domingues, Cláudia Melo, Catarina Magalhães, Sónia Figueiroa,
Inês Carrilho, Teresa Temudo
35 Case Reports
Benign transient hyperphosphatasemia of infancy and early
childhood and Campylobacter Jejuni infection
Cláudia Aguiar, Juliana Oliveira, Alexandra Pinto, Andreia Eiras,
Conceição Casanova, Maria José Dinis
38
Herpes zoster as first manifestation of varicella-zoster virus
infection in a healthy child
Catarina Carrusca, Raquel Machado, Carolina Albuquerque, Florbela Cunha
42
Vascular lymphatic malformation with uncommon localization
Ana Isabel Rodrigues, Gonçalo Inocêncio, Fan Yida, Madalena Moreira,
Graça Rodrigues, Olímpia Carmo, Luísa Oliveira,
Alberto Vieira, Maria do Céu Rodrigues
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
summary
number1.vol.XXV
48 What is your Diagnosis
Dermatology case
Sandrina Carvalho, Susana Machado, Yolanda Mahia, Manuela Selores
50
Cardiology case
Alexandra Pires Pinto, Vânia Gonçalves, Georgina Monteiro, Teresa Machado
52 Instructions for Authors
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
editorial
A música, a saúde e o bem estar
José Carlos AreiasI
__________
Professor Catedrático de Pediatria FMUP
Diretor S. Cardiologia Pediátrica, Hospital
Pediátrico Integrado, Centro Hospitalar São
João. 4202-139 Porto, Portugal.
[email protected]
I
A música é uma forma de expressão inerente ao ser humano, suscetível de partilha
de emoções ou afetos. A interação que promove fortalece as relações humanas, aumentando a empatia e o prazer nesse relacionamento. Favorece ainda a evocação de
memórias emocionais, sendo, assim, um veículo para sentimentos inatingíveis de outro
modo.
O conhecimento de que a música afeta a saúde e o bem estar já existia no tempo
de Aristóteles e Platão. No entanto, só em meados do século passado foi possível aos
profissionais da saúde estabelecer uma relação entre a música e a recuperação dos
doentes.
Uma das maiores experiências teve lugar no final da segunda grande guerra, quando foi pedido a vários músicos que tocassem em hospitais, como forma de tratamento
e acalmia dos feridos. Esta atitude teve resultados tão positivos que as autoridades
americanas resolveram profissionalizar pessoas com o intuito de recorrer à música
como forma de terapia. Foi então criado o primeiro curso de musicoterapia, em 1944,
na Universidade Estadual de Michigan.
As inovações recentes em tecnologia da saúde têm reflexo não só na duração da
vida, como também na sua qualidade.
Assim, procura-se que essas tecnologias possam dar oportunidade a todos os que
procuram aumentar o prazer, as experiências sociais, ou qualquer outra expressão pessoal.
Para isso, os executantes das novas tecnologias que pretendem melhorar a saúde e
o bem estar poderão ser educadores, terapeutas, músicos ou profissionais de qualquer
outra arte ou ciência.
Os efeitos da música no ser humano são conhecidos há milhares de anos. Contudo,
a recetividade é subjetiva, dependendo do estado emocional de cada um.
Embora as bases fisiológicas da musicoterapia não sejam ainda bem conhecidas,
sabe-se que a música melhora a qualidade de vida, tendo influência em certas variáveis da saúde, como podem ser as cardíacas e cerebrovasculares.
A primeira impressão sensorial no ser humano parece começar na vigésima semana
de gestação, sabendo-se que o feto reconhece todos os sons, iniciando uma aprendizagem musical nessa altura.
Esta é uma bem reconhecida interação entre a mãe e o filho, antecipando, após o
nascimento, a diminuição das cólicas do recém-nascido. Também as arritmias, comuns na grávida e no feto, podem ser potenciadas durante a gestação, devido a alterações fisiológicas como o aumento da frequência ou do débito cardíaco.
A música, com ritmos suaves e lentos, é benéfica para a mãe e para o feto, sendo,
ainda, preventiva na morte súbita do recém-nascido.
No cérebro, dividido em dois hemisférios, o direito tem sido identificado como o
lugar de apreciação musical. Contudo, não tendo ainda sido identificado um centro
musical, parece provável que a identificação da música emerge da atividade conjunta
dos dois hemisférios. Acresce que o córtex frontal, onde as memórias são arquivadas,
tem também um papel activo na apreciação da melodia, sobretudo do ritmo. Interessante constatar que experiências feitas com música de Mozart mostraram uma ativação
de ambos os hemisférios, com reflexo numa maior aprendizagem e retenção informativa. Outras experiências, efetuadas com monitorização da pressão arterial, frequência
editorial
7
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
cardíaca, frequência respiratória e velocidade de fluxo sanguíneo na artéria cerebral
média, mostraram que nos crescendos vocais ou orquestrais havia vasoconstrição, aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, em contraste com a vasodilatação
e diminuição da pressão sistémica constatadas na altura em que a música era mais
uniforme ou suave.
Muito se tem investigado em relação ao funcionamento do cérebro, sabendo-se
que nenhum sistema funciona isolado de outros, pensando-se que em lugar de haver
centros diferentes no hemisfério direito e esquerdo, haverá zonas superiores e inferiores em ambos os hemisférios, contribuindo todas para as diferentes execuções no ser
humano.
Assim, parece claro que a música é transformadora e capaz de criar estados psíquicos e físicos diferentes no ser humano. É uma forma de expressar emoções e sentimentos em campos tão diferentes como podem ser o social, económico, ambiental
ou religioso.
Distingue-se de outros sons pelo aproveitamento de frequências vibratórias harmónicas, com diferente tonalidade, dinâmica e duração.
A terapia mediante a música utiliza uma linguagem artística no processo terapêutico, podendo, contudo, ser utilizada como experiência estética e saudável no ser humano, na procura, em sessões de relaxamento, de efeitos positivos.
Como forma terapêutica, a música procura promover no paciente uma melhoria de
ordem física, psicológica, cognitiva, espiritual, ou outra.
Problemas como a ansiedade ou depressão criam uma baixa eficiência cerebral,
com origem na diminuição de serotonina, um neurotransmissor envolvido na comunicação entre neurónios. O efeito da música consiste em estimular as células cerebrais,
aumentando o nível de serotonina e dessa forma melhorar o humor ou a disposição.
O efeito, tendo em comum o prazer, pode ser diferente, provocando excitação ou
acalmia, conforme o tipo de música e o ambiente criado.
A música é também conhecida como facilitadora do processo de aprendizagem,
sobretudo nas crianças, utilizando a informação e a memória.
Nos idosos, muitas canções estão ligadas a memórias alegres ou tristes, ajudando
a uma melhor interação em situações de insónia, depressão, ou mesmo em doentes
com demência ou Alzheimer.
A música pode ainda melhorar a comunicação, estimulando a destreza da linguagem, sobretudo em crianças autistas ou com outras formas de difícil expressão.
Um dos aspetos interessantes da musicoterapia consiste em avaliar a sua utilidade
na diminuição da farmacoterapia. A dor é uma experiência independente da idade, sendo controverso o mecanismo pelo qual a música pode contribuir para o seu controlo.
Sabe-se que os recetores da dor enviam sinais para o cérebro, sendo possível que a
música bloqueie a perceção dolorosa ao atuar nos transmissores da dor.
O tratamento da dor crónica ou recorrente tem sido um importante campo para
o desenvolvimento da musicoterapia. Duas técnicas têm sido usadas: a interativa, na
qual o paciente e o terapeuta tocam ou cantam conjuntamente, e a forma passiva, na
qual o paciente ouve música previamente selecionada e gravada pelo terapeuta. Neste
último caso, o efeito pretendido é essencialmente melhorar o humor do doente, alterando o limiar da dor, utilizando a distração e o relaxamento. A música pode ainda ser
usada como uma forma de comunicação não verbal, melhorando, naqueles para quem
o acesso verbal está dificultado, a possibilidade de interagir.
A música diminui significativamente o nível de ansiedade nos doentes em cuidados pré-operatórios, por vezes com uma eficácia superior à utilização de certos fármacos, como o
midazolam, uma benzodiazepina com efeitos na ansiedade e relaxamento muscular.
Em experiências recentes, a música de Mozart revelou possuir maior efeito sedativo
do que alguns fármacos normalmente usados.
A música, estimulando a libertação de endorfinas, neurohormonas produzidas na
hipófise, tem uma potente acção analgésica estimulando a sensação de bem estar,
conforto e melhoria de humor.
8
editorial
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Estudos recentes mostram que a endorfina pode ter um efeito sobre áreas cerebrais
responsáveis pela modulação da dor, do humor, depressão ou ansiedade, e, ainda,
sobre o sistema nervoso simpático, responsável pela modulação de diversos órgãos,
como o coração ou o intestino
Assim, a elevada eficácia e aparente ausência de efeitos adversos, tornam a música
uma alternativa credível ao midazolam, ou a outros fármacos habitualmente usados na
pré-medicação.
Também, após a cirurgia, há suficiente evidência prática da diminuição de stress
pós-operatório com música adequada, tendo sido ainda comprovada a diminuição de
níveis de cortisol no grupo de indivíduos submetidos a cirurgia de coração aberto, com
música nos cuidados intensivos pós-operatórios , quando comparados com o grupo de
indivíduos sujeitos à mesma cirurgia sem acompanhamento de música no seguimento
pós-cirúrgico.
Hans-Joachim Trappe, um cardiologista alemão, estudou o efeito da música numa
unidade de cuidados intensivos, publicando em 2010 na revista Heart os seus surpreendentes resultados. Os maiores benefícios constatados nos doentes foram conseguidos com música clássica, sobretudo com Bach, Mozart e compositores italianos. O
fluxo cerebral avaliado por ecografia na artéria cerebral média, diminuía significativamente nos doentes que ouviam o “Va pensiero” da ópera “Nabucco” de Verdi, quando
comparado com outros tipos de música. A música dita de meditação mostrou efeitos
sedativos, enquanto “Heavy Metal” e “Techno” mostraram ser perigosas numa unidade
de cuidados intensivos, aumentando o stress e o comportamento agressivo. Curiosamente, o jazz aumentou a concentração nos doentes, sendo o “Hip Hop” e o “Rap”
benéficos, não pela melodia, mas pelo ritmo e pelo efeito das palavras.
Contudo, alguma dita música concreta, muito em voga em meados do século vinte,
conhecida pela sua atonalidade, não acrescentou qualquer vantagem como experiência de sentidos, sabendo-se da agressão que provocava no bem estar e inteligência
de cada um. É um exemplo John Cage que, em 1952, apresentou uma obra intitulada
4´ 33”, que constava da chegada do executante ao piano, da abertura deste e da permanência, em silêncio, do tempo correspondente ao título da obra, dando assim por
concluída a sua atuação. Outras obras do mesmo compositor patrocinavam sons extraídos do piano, depois de atar papeis, borrachas ou nozes às cordas do instrumento.
Como se compreende, nenhuma felicidade se podia extrair desta desinteressante arte.
Em conclusão, a música é uma combinação de sons com diferentes frequências,
tonalidades, intensidades e ritmos. Distingue-se do ruído pela harmonia na conjugação
dessas propriedades
Sendo o prazer da música muito subjetivo, para uma melhor saúde física e psíquica
podemos escolhê-la, extraindo dela inquestionáveis benefícios.
A eficácia da musicoterapia tem sido descrita, sobretudo quando se escolhe música clássica ou outra relaxante. Vários estudos sugerem que este tipo de música tem
efeitos no sistema cardiovascular, influenciando a frequência cardíaca e a sua variabilidade, bem como a pressão arterial. Graças à plasticidade cerebral, a música é uma poderosa ferramenta terapêutica de baixo custo e risco, com inequívocos efeitos positivos
na memória, atenção, funções motoras e emoção. Tem ainda um efeito muito positivo
na diminuição da intensidade ou frequência da dor e na medicina intensivista, para além
de prazer e bem estar que a todos nós pode proporcionar na diminuição do stress ou
desgaste diário, contribuindo significativamente para uma eficaz regulação emocional.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 7-10
editorial
9
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Music, health, and well being: a review; Raymond AR Macdonald Int J Qualitativ
Stud Health Well-being 2013, 8: 20635.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
José Carlos Areias:
Serviço de Cardiologia Pediátrica,
Hospital Pediátrico Integrado,
Centro Hospitalar São João
Alameda Professor Hernâni Monteiro,
4202-139 Porto
Email: [email protected]
10
editorial
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Fatores de risco para cicatriz renal após a
primeira infeção febril do trato urinário
Ana Cristina FreitasI; Joana LeiteII; Paula MatosIII; Liliana RochaIII;
Teresa CostaIII; Sameiro FariaIII; Conceição MotaIV
RISK FACTORS FOR RENAL SCARRING AFTER FIRST
FEBRILE URINARY TRACT INFECTION
ABSTRACT
Introduction: The urinary tract infection (UTI) is one of the
most common paediatric infectious diseases and it increases
the risk for hypertension and end-stage renal disease. Authors’
aim was to identify risk factors for permanent renal injury after a
first febrile urinary tract infection.
Methods: Retrospective analysis of clinical, laboratorial
and imaging data of children aged 1 to 36 months hospitalized
between January 2010 and December 2012 with the first febrile
UTI, comparing with late renal scintigraphy results.
Results: Seventy seven children were included - 53%
female, median age of 5 months, Escherichia coli identified in
95%. Renal scintigraphy, performed after the acute episode,
revealed renal scars in 19.5%. Cystourethrography was done in
21 patients and vesicoureteral reflux identified in 3. There was no
statistically difference between children with and without renal
scarring regarding gender, age, body temperature, C-reactive
protein, plasmatic creatinine level, bacteriuria or urine nitrite
test, urine bacteria identified, presence of vesicoureteral reflux
or recurrence rate of UTI.
Conclusions: The authors did not detect any clinical,
laboratory or imaging data that may predict progression to
renal scarring following a first episode of febrile UTI in children
between 1 and 36 months.
Keywords: urinary tract infection, renal scar, renal
scintigraphy.
RESUMO
Introdução: A infeção do trato urinário (ITU) é uma das
doenças infeciosas com maior incidência em Pediatria e apresenta risco de doença renal crónica e hipertensão arterial. O
objetivo dos autores foi identificar os fatores de risco para lesão
renal após o primeiro episódio de infeção do trato urinário febril.
Métodos: Análise retrospetiva dos dados clínicos, laboratoriais e imagiológicos de crianças entre os 1 e 36 meses de
idade, internados entre janeiro de 2010 e dezembro de 2012 por
primeiro episódio de ITU febril, comparando os resultados finais
da cintigrafia renal.
Resultados: Foram incluídos 77 doentes, dos quais 53%
eram do sexo feminino, com idade mediana de 5 meses e com
identificação de Eschericia coli em 95%. A cintigrafia renal
revelou cicatrizes renais em 19,5% da amostra. A cistouretrografia miccional seriada realizou-se em 21 crianças, tendo-se
identificado refluxo vesicoureteral em 3 doentes. Comparando
os casos com e sem cicatrizes renais, não se observaram diferenças estatisticamente significativas relativas a género, idade,
temperatura corporal, doseamento sérico de proteína C reativa
ou creatinina, bacteriúria ou nitritúria, tipo de bactéria identificada, presença de refluxo vesicoureteral ou taxa de recorrência
das infeções do trato urinário.
Conclusões: Os autores não detetaram nenhum fator de
risco clínico, laboratorial ou imagiológico para progressão para
lesão renal após um primeiro episódio de ITU febril em crianças
entre 1 e 36 meses.
Palavras-chave: infeção do trato urinário, cicatriz renal,
cintigrafia renal.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 11-4
__________
S. de Pediatria Médica do Centro Materno Infantil do Norte, Centro
Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected];
II
S. de Pediatria do Hospital Pedro Hispano. 4464-513 Matosinhos, Portugal.
[email protected];
III
S. de Nefrologia Pediátrica do Centro Materno Infantil do Norte, Centro
Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected];
IV
Unidade de Transplantação do Serviço de Nefrologia do Centro
Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected];
I
artigos originais
original articles
11
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
INTRODUCTION
Urinary tract infection (UTI) is one of the most common
infectious diseases in children. The renal parenchyma inflammation
and immune reaction in acute pyelonephritis can cause permanent
kidney damage with renal scarring.1 The renal scarring extension
can subsequently lead to hypertension and end-stage renal
disease. In an attempt to optimize follow-up after a febrile UTI,
many authors have tried to identify risk factors for renal scarring
in these children. The aim of our study was to establish the
correlation between the clinical, laboratory and imaging features
of the first febrile UTI and the renal scarring formation.
METHODS
This is a retrospective study of children 1 to 36 months
of age hospitalized with their first febrile UTI at our paediatric
department, between January 2010 and December 2012.
Children with known nephrourological or immunological disease
were excluded. Febrile UTI was defined as positive urine culture
in children with fever and pyuria or positive urine nitrite test.
Positive urine culture was defined as: colony-forming units (CFU)
≥ 1 in suprapubic aspiration, CFU ≥ 104 in urine from vesical
catheterism or CFU ≥ 105 in urine colleted from middle-stream
clean-catch method. At our department, all children from 1 to
36 months age with febrile UTI are submitted to renovesical
ultrasound and, after 6 months, to a renal dimercaptosuccinic
acid scintigraphy. Those with atypical UTI characteristics (nonresponse to antibiotics in 48 hours or non-Escherichia coli
bacteria identified at urinary culture), recurrent UTI (more than
two febrile UTI, three non-febrile UTI or more than one febrile
and one non-febrile UTI) or abnormal renovesical ultrasound /
renal scintigraphy are submitted to voiding cystourethrography.
We analysed the epidemiological characteristics (gender, age,
family history of kidney disease), the clinical and laboratory
characteristics of febrile UTI (maximum temperature, reactive
C protein assay and creatinine, presence of pyuria, nitrituria,
bacteriuria and bacteria identified in urine culture), data from
the imaging investigation (ultrasound, renal scintigraphy, voiding
cystourethrography) and febrile UTI recurrence. These data were
then related to the presence of renal scarring in scintigraphy,
performed 6 months after the first febrile UTI. Data were analysed
using the Statistical Package for Social Science® (SPSS) for Mac
version 21 and Microsoft Excell®. There was done a descriptive
analysis of patient characteristics and disease evolution and
Chi-squared (χ2) test was used as appropriate. The p values of
less than 0.05 were considered statistically significant.
RESULTS
Seventy-seven children were admitted with their first febrile
UTI in a period of three years, mostly female (53%) and with
a median age of 5 months (1.35-30.95 months). In 9.1% there
was a family history of kidney disease, including recurrent UTI,
kidney stones, arterial hypertension, polycystic kidney disease
and asymmetric renal dimensions.
Clinical, laboratory and renal imaging characteristics are
described in Table 1. Escherichia coli was identified in 73 cases,
12
artigos originais
original articles
Klebsiella pneumoniae in 2 patients and Proteus mirabilis and
Enterococcus faecalis in one case each. Renovesical ultrasound
was performed in 76 patients (79% in acute phase), with
alterations in 7 patients (9%): duplex kidney, renal asymmetry,
nephrocalcinosis, renal malrotation, pyelocaliceal dilation
(anteroposterior diameter 5 to 7 mm). Renal scintigraphy
detected scarring lesions in 15 patients (19,5%). Voiding
cystourethrography was performed in 21 patients, after detecting
ultrasound or renal scintigraphy anomalies (12 patients with
renal scarring) or identifying non-Eschericia coli in urine culture.
Unilateral vesicoureteral reflux (VUR) was detected in 3 patients
(grade I, grade III-IV and IV). The case with grade IV vesicoureteral
reflux had focal renal lesion on scitigraphy. After 18.9 ± 11.5
months follow up, 23.4% of patients had UTI recurrence.
Table 1. Epidemiological, clinical, laboratorial and renal
imaging characteristics.
Data description
N
77
Age (median)
1,35-30,95 months (5 months)
Gender (male:female)
37 (47%) : 41 (53%)
Renal disease family history
7 (9,1%)
1 febrile UTI
st
Maximum temperature (mean)
38-40,5ºC (39,4ºC)
Reactive C Protein (mean)
2-321,5 mg/L (75,8 mg/L)
Creatinine (mean)
0,1-1,4 mg/dL (0,36 mg/dL)
Nitrituria
24 (31,2%)
Bacteriuria
9 (12,2%)
Escherichia coli
73 (95%)
Renal Imaging
Renal ultrasound (N=76)
Normal: 69 (91%)
Renal scintigraphy (6 months after UTI)
Renal scar: 15 (19,5%)
Voiding cystourethrography (N=21)
Vesicoureteral reflux: 3 (14,3%)
UTI recurrence
18 (23,4%)
Follow-up
18,9±11,5 months
Comparing children with and without renal scarring, we
did not found statistically significant difference in any clinical,
laboratory or renal imaging data (Table 2). Children with renal
scarring had higher recurrent UTI incidence, but the difference
had no statistical significance (33% vs. 12%, p = 0.244).
DISCUSSION
Despite the high prevalence of UTI in children there still many
doubts about what is the best protocol to use after the first episode.
The ideal protocol would identify children who will develop renal
scarring by their risk factors, lessening the exposure of non-risk
children to the side effects related to its detection. There is a
risk of progression to end-stage renal disease associated with
the presence of renal scarring, but permanent kidney damage
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Table 2. Data according to renal scarring on renal scintigraphy.
Age median
Gender % (Male:Female)
Maximum temperature mean
Reactive C Protein mean
Creatinine mean
Renal scarring
(N=15)
No renal scarring
(N=62)
p
7,5 months
7,9 months
0,833
33:67 %
48:52 %
0,163
39,3ºC
39,6ºC
0,100
71,3 mg/L
92,6 mg/L
0,270
0,34 mg/dL
0,47 mg/dL
0,145
Nitrituria
3 patients (20,0%)
21 patients (33,9%)
0,237
Bacteriuria
2 patients (13,3%)
7 patients (11,3%)
0,542
Non-Escherichia coli
1 patient (6,7%)
3 patients (4,8%)
0,588
Vesicoureteral reflux
1 patient (6,7%)
2 patients (3,2%)
0,388
5 patients (33,3%)
7 patients (11,3%)
0,244
UTI recurrence
is identified in less than half of children with febrile UTI.2-4 In our
department, renal sctintigraphy is performed 6 months after febrile
UTI in children between 1 and 36 months. This timing is related
to the higher specificity in the detection of renal scarring after 5
months of acute injury to the renal parenchyma.5 In our study, this
approach identified renal scarring in 19.5% of children.
Clinical research to identify the risk factors for renal scarring
is extensive, in an attempt to optimize the follow-up of these
patients. Some authors have identified characteristics that
may increase the risk of permanent renal damage, including
age, serum inflammation parameters, etiological bacteria,
vesicoureteral reflux and UTI recurrence.2, 3, 6-11
One of the most frequently identified risk factor associated
with renal scarring is the vesicoureteral reflux. In Shaik et
al meta-analysis, VUR had a 2.6 higher risk of renal scarring,
which was proportional to the degree of VUR.2 This observation
is justified by the presence of retrograde flow of urine carrying
potentially infectious agents to the renal parenchyma. However,
other authors do not reproduce these results and point that the
association of VUR and renal scarring may be influenced by
the presence previous renal dysplasia associated with highgrade VUR.4 For this reason we excluded children with known
nephrourological disease, in attempt to limit this bias. Our study
did not identify any risk factor for renal scarring in children 1 to
36 months with the first febrile UTI. Recently Coutlhard et al have
also described the absence of UTI clinical signs that can predict
the development of renal scarring.12
The inconsistency and non-reproducibility of the studies
keeps the doubts about risk factors and mechanisms leading to
persistent renal lesion after the first febrile UTI. This difficulty is due
to the different protocols of diagnostic, treatment and follow-up.
Our study has the limitations of its sample size and retrospective
nature and the lack of a renal scintigraphy in the acute phase in
typical UTI. Our results, although contradictory with some studies,
are in agreement with our empirical clinical knowledge, which
can not identify the children who will progress to renal scaring.
In this way, we still maintain renal scintigraphy in the workup investigation of all febrile UTI in children between 1 and 36
months. It is also important to point out that several molecular
and genetic factors and its application in clinical practice remain
unclear, so that more research in this area is needed.
CONCLUSION
We found no clinical, laboratory or imaging finding predictive
of progression to renal scarring after the first febrile UTI in
children between 1 and 36 months.
REFERENCES
1. Vachvanichsanong P. Urinary tract infection: one lingering
effect of childhood kidney diseases – review of the literature.
J Nephrol 2007; 20: 21-8.
2. Shaik N, Ewing A, Bhatnagar S, Hoberman A. Risk of renal
scarring in children with a first urinary tract infection: a
systematic review. Pediatrics 2010; 126: 1084-90.
3. Oh M, Cheon J, Kang S, Park H, Lee J, Moon D. Predictive
factors for acute renal cortical scintigraphic lesion and
ultimate scar formation in children with first febrile urinary
tract infection. J Urol 2010; 183: 1146-50.
4. Pecile P, Miorin E, Romanello C, Vidal E, Contardo M,
Valent F, Tenore A. Age-related renal parenchymal lesions
in children with first febrile urinary tract infections. Pediatrics
2009; 124: 23-9.
5. Jakobsson B, Svensson L. Transient pyelonephritic changes
on 99mtechnetium-dimercaptosuccinic acid scan for at least
five months after infection. Acta Paediatr 1996; 86: 803-907.
6. Preda U, Jodal U, Sixt R, Stokland E, Hansson S. Imaging
strategy for infants with urinary tract infection: a new
algoritmo. J Urol 2011; 185: 1046-52.
7. Shaik N, Craig J, Rovers M, Da Dalt L, Gardikis S, Hoberman
A, et al. Identification of children and adolescentes at risk
for renal scarring after a first urinary tract infection: a metaanalysis with individual patient data. JAMA Pediatr 2014;
168: 893-900.
artigos originais
original articles
13
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
8. Ehsanipour F, Gharouni M, Rafati A, Ardalan M, Bodaghi N,
Otoukesh H. Risk factos of renal scars in children with acute
pyelonephritis. Braz J Infect Dis 2012; 16: 15-8.
9. Lee Y, Lee J, Park Y. Risk factors for renal scar formation
in infants with first episode of acute pyelonephritis: a
prospective clinical study. J Urol 2012; 187: 1032-6.
10.Keren R, Shaik N, Pohl H, Graevns-Mueller L, Ivanova
A, Zaoutis L, et al. Risk factors for recurrent urinary tract
infection and renal scarring. Pediatrics 2015; 136: 13-21.
11.Wennerstrom M, Hansson S, Jodal U, Stokland E. Primary
and acquired renal scarring in boys and girls with urinary
tract infection. J Pediatr 2000; 136: 30-4.
12.Coulthard M, Lambert H, Keir M. Do systemic symptoms
predict the risk of kidney scarring after urinary tract infection?
Arch Dis Child 2009; 94: 278-81.
14
artigos originais
original articles
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Ana Cristina Freitas:
Serviço de Pediatria Médica,
Centro Materno Infantil do Norte,
Centro Hospitalar do Porto
Largo Prof. Abel Salazar, 4099-001 Porto
Email: [email protected]
Recebido a 12.11.2015 | Aceite a 01.12.2015
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Hipersensibilidade medicamentosa em crianças
de idade pré-escolar
Jorge da Costa VianaI; Carmo AbreuII; Eva Rebelo GomesII
DRUG HYPERSENSITIVITY IN PRE-SCHOOL CHILDREN
ABSTRACT
Introduction: Drug hypersensitivity reactions (DHRs)
are reproducible adverse effects of drugs, taken at a normal
therapeutic dose, which clinically resemble allergy. The reported
prevalence in children is up to 10%. The investigation of these
reactions may require skin testing, dosing of drug specific
immunoglobulin E (IgE) and drug provocation tests.
Objective: The aim of this study is to report the results of
DHRs workup in pre-school children seen at the drug allergy
clinic from January 2007 to December 2012.
Material and Methods: This study included 189 children
(61% male), which first suspected drug hypersensitivity reaction
occurred before the age of six years that were evaluated for DH
in the referred time period.
Results: Culprit drugs were beta-lactams in 82% of the
cases and NSAIDs in 10%. The clinical history was suggestive
of an immediate-type reaction in 18% of the cases and the most
prevalent manifestations were cutaneous (90%). The workup
was completed in 118 patients (62%). Drug Hypersensitivity
was confirmed in six patients (5%) and excluded in 95% of
the patients who completed the workup, without any serious
complications.
Conclusion: These results show the applicability and value
of this diagnostic approach in pre-school children.
Keywords: Drug Allergy; Drug Allergy diagnosis; pediatrics;
drug provocation tests.
RESUMO
Introdução: As reações de hipersensibilidade medicamentosa (RHM) são reacções adversas reprodutíveis que se caracterizam por sintomas típicos de alergia que surgem após administração de doses terapêuticas habituais. A sua prevalência em
idade pediátrica atinge os 10%. A investigação das RHM inclui
a realização de testes cutâneos, pesquisa de imunoglobulinas
específicas para os alergénios implicados e provas de provocação.
Objectivos: No presente trabalho pretendemos relatar os
resultados da investigação de RHM em crianças em idade pré-escolar, observadas na Consulta de Alergia a Fármacos, entre
janeiro de 2007 a dezembro de 2012.
Material e Métodos: O estudo incluiu 189 crianças (61% do
sexo masculino) cuja primeira RHM ocorreu antes dos seis anos
de idade e que realizaram investigação diagnóstica no Serviço
durante o período referido.
Resultados: Os fármacos suspeitos foram os beta-lactâmicos em 82% casos e os AINEs em 11%. A reacção descrita tinha
carácter imediato em 18% dos casos e a maioria das manifestações descritas eram cutâneas (90%). Completaram a investigação 118 doentes (62%) confirmando-se hipersensibilidade a
medicamentos em seis doentes (5%). Excluiu-se o diagnóstico
em 95% dos casos.
Conclusão: Estes resultados demonstram a aplicabilidade e
a importância destes procedimentos diagnósticos em crianças
em idade pré-escolar.
Palavras-chave: Alergia a fármacos; diagnóstico de alergia
fármacos; idade pediátrica; provas de provocação.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 15-21
__________
S. de Imunoalergologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
3000-075 Coimbra, Portugal.
[email protected]
II
S. de Imunoalergologia do Centro Hospitalar do Porto.
4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected]
I
artigos originais
original articles
15
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
INTRODUÇÃO
Uma reação adversa a medicamentos (RAM) é qualquer resposta prejudicial, indesejável e não intencional à administração
de um medicamento usado para fins de profilaxia, diagnóstico
ou tratamento.1
A classificação farmacológica clássica distingue dois subtipos principais: as reações tipo A – dose dependentes e previsíveis e as reações tipo B – imprevisíveis e menos dependentes
da dose administrada. As reações de hipersensibilidade medicamentosa (RHM) integram-se no tipo B e caracterizam-se
por sintomas e sinais, típicos de uma reação alérgica, iniciados
após exposição a um medicamento numa dose habitualmente
tolerada. As RHM podem ser subdivididas em alérgicas e não
alérgicas, sendo que as primeiras implicam a demonstração de
resposta imune específica (mediada por imunoglobulinas ou linfócitos T específicos). 2
Aspetos epidemiológicos:
As RAM são consideradas um problema de saúde pública
e têm grande impacto na prática clínica; causam morbilidade e
mortalidade significativa, limitam as opções terapêuticas futuras
e acarretam custos socioeconómicos importantes.
Em 2012 Smith et al, numa revisão sistemática sobre RAM
nos grupos etários pediátricos, que incluiu 48 estudos, refere
uma incidência de 0,6 a 16,8% em doentes internados e reporta
as RAM como causa de 0,4 a 10,3% dos internamentos pediátricos.3 As crianças mais pequenas, sobretudo com idade inferior a 2 anos, têm um risco acrescido de RAM na exposição a
fármacos.4
Relativamente às RHM, vários estudos transversais em populações pediátricas apontam para uma prevalência autodeclarada que varia entre os 3 e os 10%. 5-7
Em Portugal, uma publicação de 2009, refere uma prevalência autodeclarada de RAM de 9.7% e 6.4% de RHM entre
1849 crianças inquiridas em ambulatório.8 Mais recentemente,
Martins et al, reporta uma prevalência autodeclarada de 4% de
RHM entre 1169 crianças recrutadas em creches de Lisboa e
Porto demonstrando a importância deste problema mesmo em
idade pré-escolar.9
Casos suspeitos de RHM
O esclarecimento dos casos suspeitos de RHM é importante de forma a reduzir os falsos diagnósticos de alergia medicamentosa. A utilização desnecessária de fármacos alternativos
na suspeita de alergia medicamentosa implica muitas vezes não
só custos acrescidos como a utilização de fármacos com perfil
de segurança mais desfavorável.10-12 Além disso, as alternativas
terapêuticas em idade pediátrica aos fármacos habitualmente
implicados (beta-lactâmicos, ibuprofeno e paracetamol) são escassas por estarem contraindicadas, não existirem formulações
adequadas ou não estarem disponíveis estudos de segurança
em crianças.
Apesar da elevada prevalência de alergia medicamentosa
autodeclarada em idade pediátrica, vários estudos demonstraram que, após avaliação clínica exaustiva, apenas uma mino-
16
artigos originais
original articles
ria destas reações podem ser efetivamente classificadas como
alérgicas.
Num estudo recente realizado na Turquia numa população
escolar, avaliaram-se em consulta de Alergologia os participantes que autodeclararam RHM em inquérito prévio. Os resultados revelaram que apenas 1,5% das suspeitas de RHM foram
confirmadas, estimando-se uma prevalência de 0,12% de RHM
imediata nesta população.13
Em Portugal, entre 1426 questionários recolhidos numa população pediátrica do ambulatório hospitalar, foram identificados 67 casos de RHM autodeclarada (4,7%). Das 60 crianças
que responderam ao convite para avaliação em consulta de
Alergia a Fármacos, apenas em 3 casos (5% dos estudados) se
confirmou a suspeita de RHM estimando-se uma prevalência de
0,2% de RHM nesta população.14
Segundo revisão de casuística de uma base de dados europeia (Drug Allergy and Hypersensitivity Database) com 3275
doentes foi demonstrado também que a taxa de confirmação
diagnóstica da suspeita de RHM é menor em idade pediátrica,
observando-se a confirmação em 10,6% das crianças comparativamente a 16,5% dos adultos investigados.15
OBJECTIVO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar os resultados do estudo diagnóstico de suspeita de RHM em crianças
em idade pré-escolar observadas em Consulta de Alergia a Fármacos num Hospital Pediátrico.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo retrospetivo abrangendo 6 anos da Consulta de Alergia a Fármacos do Hospital de Crianças Maria Pia – Centro Hospitalar do Porto (CHP) (2007 a 2012). Foram incluídos todos os
doentes cuja primeira reação suspeita de hipersensibilidade (HS)
ocorreu antes dos 6 anos de idade num total de 189 crianças.
Estudo da suspeita de RHM
A investigação diagnóstica das suspeitas de RHM iniciou-se
pela colheita de uma história clínica detalhada da qual se partiu
para a programação dos exames complementares de diagnóstico in vitro (pesquisa de imunoglobulinas E específicas) e in vivo
(testes cutâneos e prova de provocação). O protocolo utilizado
para a colheita da história clínica baseou-se na proposta do European Network for Drug Allergy – ENDA protocolo esse traduzido para português.16,17
Na anamnese foi dada particular importância ao número de
reações prévias, aos fármacos envolvidos, ao motivo causal da
toma do medicamento; aos sintomas e sinais referidos durante
a RHM e à correlação temporal entre o seu aparecimento e a
administração do fármaco/s suspeito/s; também foi contemplada a gravidade da reação, o tempo decorrido até à resolução e,
ainda, quais os fármacos utilizados posteriormente e a respetiva
tolerância. Considerou-se estar perante uma reação imediata
quando a reação se observava até uma hora após a toma.
Nos casos suspeitos de RHM grave em que testes de provocação são contraindicados e não há exames laboratoriais ou
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
testes cutâneos validados, optou-se pela manutenção da evicção do fármaco mesmo sem confirmação diagnóstica evitando
estudos complementares duvidosos e contraproducentes. Na
suspeita de reação a mais de um fármaco, houve a necessidade de realizar o esclarecimento diagnóstico para cada uma das
classes de fármacos envolvidas. Nos casos de identificação de
RHM a uma classe de fármacos com potenciais reações cruzadas, procedeu-se à identificação de alternativa terapêutica.
Os doentes sem contraindicações para os procedimentos
foram seletivamente submetidos à pesquisa de IgEs específicas
de fármaco, a testes de picada, intradérmicos ou epicutâneos e
a prova de provocação. A seleção dos exames complementares
dependeu da clínica, ponderando-se o risco e o benefício associado a cada procedimento.
Imunoglobulinas E específicas
Para o estudo das RHM imediatas ou de “timing” mal definido envolvendo betalactâmicos realizou-se o doseamento dos
níveis séricos de imunoglobulina E para benzilpenicilina, penicilina V, amoxicilina, ampicilina e cefaclor (cut-off de 0,35 KUA/L,
Thermo Fisher Scientific, Uppsala, Suécia).
Testes cutâneos
Para os testes cutâneos por picada e intradérmicos foram
utilizadas as formulações injetáveis dos fármacos a testar até
às diluições máximas não irritativas descritas na literatura, utilizando soro fisiológico como controlo negativo e histamina a
10mg/ml como controlo positivo. No caso das reações a beta-lactâmicos recorreu-se também aos kits comerciais da Diater®
(PPL, MDM).18
Os testes cutâneos de contacto foram usados no estudo de
algumas reações cutâneas não imediatas segundo as recomendações internacionais.18
Prova de provocação
A prova de provocação é proposta às crianças sem contraindicações em que os restantes estudos não se encontram
validados, não são possíveis, ou são inconclusivos.19,20
Cada prova foi executada respeitando as orientações de segurança preconizadas internacionalmente e com consentimento
informado de quem detinha a tutela da criança. As provas foram
efetuadas em Hospital de Dia sob supervisão médica. 19,20
As doses a administrar foram calculadas com base na idade/
peso de cada criança. As doses atingidas no final da provocação correspondiam à dose total de uma toma no caso de reações imediatas após uma única toma ou à dose total de um dia
de terapêutica nas reações não imediatas, com relação temporal com a administração mal definida e naquelas que ocorreram
após várias tomas
RESULTADOS
No período considerado foram observadas 189 crianças com
idade inferior a seis anos no momento da primeira RAM. A idade
média da amostra foi de dois anos e quatro meses e encontramos
uma predominância do género masculino (61% dos casos).
Os fármacos suspeitos mais vezes envolvidos nas RHM foram os beta-lactâmicos implicados em 82% do total das reações: 39% (60/155) dos casos amoxicilina, 44% (69/155) associação amoxicilina com ácido clavulânico, cefalosporinas em
11% (17/155) e a penicilina em 6% dos casos (9/155).
Os AINEs foram suspeitos em 11% das reações: ibuprofeno
em 76% (16/21) e paracetamol nos restantes casos. Em 13 dos
doentes investigados encontramos outros fármacos suspeitos:
sulfametoxazol+trimetoprim (2), gentamicina (1), vecurónio (1),
mebendazol (1), dimetindeno (1), nitrofurantoína (2), azitromicina (2), claritromicina (2), e à associação pseudoefedrina com
triprolidina (1).
Os fármacos implicados foram utilizados, na maioria dos
casos, em contexto infecioso: 48 casos por amigdalite aguda
e 33 casos por otite média aguda. Menciona-se ainda prescrição em 20 crianças por febre sem foco, em sete por ITU, dois
por gastroenterite, sete administrações de carácter profilático
(quatro por cirurgia, três por procedimentos diagnósticos) e uma
durante exame oftalmológico. Não se conseguiu apurar motivo
de prescrição em 49 crianças.
As reações foram imediatas em 34 (18%) casos incluindo
sete reações anafiláticas. Os sintomas surgiram em média no
terceiro dia de tratamento observando-se, no entanto, casos
com início até ao décimo dia.
Os sintomas cutâneos foram os mais referidos surgindo em
90% (170/189) das reações descritas; exantemas maculopapulares em 74%, e urticária/angioedema em 26%.
As reações motivaram o recurso ao Serviço de Urgência em
57% dos casos; metade das crianças necessitou de tratamento,
mas apenas em dois casos houve administração de adrenalina
documentada.
Estudo complementar
Não se submeteram a estudos complementares três crianças cuja história clínica não era compatível com reação de hipersensibilidade a fármacos.
Em sete crianças com suspeita de RHM manteve-se a evicção apesar de não ter havido confirmação ou exclusão diagnóstica cabal. Uma apresentava clínica sugestiva de doença soro-like associada a tratamento com amoxicilina. Nesta criança foi
negativa a pesquisa de IgEs para beta-lactâmicos e a prova de
provocação a cefixima, fármaco que foi proposto como alternativa possível tendo-se assumido o diagnóstico de presunção de
doença soro-like por amoxicilina. Outras duas crianças apresentaram manifestações cutâneas consideradas graves, nomeadamente Stevens-Johnson e eritema multiforme sendo a amoxicilina
o fármaco suspeito. Face à existência de alternativas terapêuticas já conhecidas, não se realizou estudo adicional. As restantes
quatro crianças apresentaram suspeita de reação a fármacos não
essenciais e com alternativas reconhecidamente toleradas e eficazes, pelo que também não se justificou a progressão do estudo (quatro reações não imediatas: ao mebendazol, dimetindeno,
nitrofurantoína e à associação pseudoefedrina com triprolidina).
Consideraram-se inconclusivos 61 casos, em que não foi
possível confirmar ou excluir HSM por não se ter concluído a
artigos originais
original articles
17
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
investigação diagnóstica, ou por apenas terem sido realizados
testes de provocação com fármacos alternativos.
Dos 118 doentes (62% da amostra inicial) que completaram
todo o estudo proposto foi possível excluir a suspeita inicial de
HS em 112 crianças após realização de teste de provocação
diagnóstico com resultado negativo e apenas se documentou
a existência de hipersensibilidade em seis crianças (5% dos
que completaram todos os procedimentos diagnósticos propostos). Os dados relativos a estes seis doentes apresentam-se na Tabela 1:
Em resumo
O estudo foi considerado conclusivo em 118 crianças. Confirmou-se hipersensibilidade medicamentosa em seis crianças
correspondendo a 5% das que completaram o estudo.
Em quatro casos, a responsabilidade foi atribuída a antibióticos beta-lactâmicos, em um caso à atropina e noutro caso ao
paracetamol. Excluiu-se HS nas restantes 112 crianças (95%).
Não se registaram intercorrências importantes durante o
processo diagnóstico.
DISCUSSÃO
O presente trabalho apresenta dados relativos ao estudo de
RHM em crianças de idade pré-escolar. Verificou-se um predomínio do género masculino, tal como habitualmente descrito
em idade pediátrica e que contrasta com o que se observa em
estudos de RHM em adultos.21
Os fármacos implicados refletem o padrão de prescrição e
utilização de fármacos neste grupo etário, surgindo os antibióticos beta-lactâmicos e os AINEs como os grupos farmacológicos mais relevantes, tal como observado por outros autores.3,4,8
As reações cutâneas, sobretudo os exantemas maculopapulares, são aquelas que mais frequentemente levam à suspeita de
RHM nestas idades e estavam presentes na maioria dos casos
da presente série (90%). No presente trabalho, apenas 18% dos
casos correspondiam a reações imediatas, percentagem similar
à observada em trabalhos de outros autores.15,22,23
A investigação realizada permitiu confirmar o diagnóstico
em seis doentes (5%) dos que completaram o protocolo. Quatro
doentes foram diagnosticados por testes cutâneos e dois por
prova de provocação positiva. Se considerarmos a totalidade
dos doentes referenciados à consulta de alergia a fármacos,
com os sete doentes cujo diagnóstico foi de presunção embora sem confirmação, teremos 13 doentes (7% do total de referenciados) diagnosticados com RHM. Os resultados finais da
investigação alergológica são similares aos obtidos em outros
estudos que referem taxas de confirmação diagnóstica entre os
5% e os 15%.15,22,23
Valores mais elevados são possíveis em populações mais
selecionadas (só casos graves, reações imediatas, só beta-lactâmicos) em que as taxas de confirmação podem atingir os 58%.24
A maioria das crianças realizou terapêutica num contexto de
infeção respiratória alta. A elevada incidência e ampla variabilidade de reações exantemáticas associadas a infeções, nomea-
Tabela 1. Dados dos doentes com investigação conclusiva e positiva.
Sexo Idade na R
Tipo de Reação
Fármacos
IgE
5
Anafilaxia, RI
Ceftriaxona EV
Neg.
1
Exantema e prurido, RNI
Ceftriaxona EV
5
Exantema maculopapular, RNI
Cefixima® oral
4
Urticária e edema local, RI
Atropina colírio
oftálmico
2
Urticária generalizada e
vómitos, RI
Amoxicilina oral
3
Urticária generalizada, RI
Cefatrizina® oral
M
5
Urticária e edema articular, RNI
Amoxicilina/ác.clav.
oral
Neg.
PPO Amoxicilina® Neg
PPO Amoxicilina-ácido clavulânico® Pos.
(dose 40mg)
M
5
Angioedema e
sintomas nasais, RI
Paracetamol oral
----
PPO paracetamol Pos.
(RI com 500mg)
PPO ibuprofeno Neg.
PPO AAS Neg
M
F
M
F
Tolerância
Conclusão
TC ID Pos. (ceftriaxona 2mg/ml)
PPO Amoxicilina Neg.
Amoxicilina
HS Ceftriaxona
Neg.
TC Patch Pos. (ceftriaxona 5%)
PPO Claritromicina Neg.
Recusou PPO Amoxicilina
Claritromicina
HS Cefalosporinas
----
Prick positivo com atropina colírio (5%)
Neg
Estudos In vivo
TC Prick Pos.
(Amoxicilina/ác.clav.20mg/ml)
HS Atropina
Macrólidos
HS B-Lactâmicos
Amoxicilina
HS Ác.Clavulânico
TC ID PPL positivo (5x105mM)
Ibuprofeno
HS Paracetamol
Aspirina
legenda: Idade na R – Idade da criança aquando da reação; IgE – Imunoglobulina E específica; M – masculino; F – Feminino; RI – reação imediata;
RNI – reação não imediata; EV – endovenosa; Neg. – Negativo; Pos. – Positivo; HS – hipersensibilidade; PPO – Prova de provocação oral; ID – intradérmicos; TC – Testes cutâneos; PPL - Penicilloyl-poly-L-lysine; PV – Penicilina V; AAS – Acido acetilsalicílico; Ac.clav. – ácido clavulânico.
18
artigos originais
original articles
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
damente víricas, nesta faixa etária têm sido apontadas como
possível explicação para a baixa taxa de confirmação de RHM
nestas idades.25 Foi ainda observado que nas reações exantemáticas maculopapulares a confirmação da suspeita de RHM
nas crianças é inferior à observada em adultos (3,1% versus
12,8%), o que reforça a hipótese da importância dos exantemas
infeciosos como possível diagnóstico diferencial.15
A pesquisa de IgEs específicas isoladamente não contribuiu
de forma significativa para o diagnóstico de HS. Foi possível a
confirmação de HS em doentes com IgEs negativas, bem como
a exclusão de HS por testes cutâneos e provocação oral em um
doente com IgEs específicas positivas, o que está de acordo
com os dados da literatura que apontam para uma especificidade de 90% e uma sensibilidade de 50% do referido teste.26,27 Os
testes cutâneos permitiram diagnosticar quatro casos de RHM.
Para os beta-lactâmicos está documentada uma maior sensibilidade destes testes face à pesquisa de IgE específicas, o que é
apoiado também pelos nossos resultados.26, 28
A prova de provocação é o exame de referência no estudo
da alergia a fármacos e permite esclarecer os casos em que o
estudo in vitro e os testes cutâneos são inconclusivos.19,20 A sua
realização é fundamental para confirmar ou excluir a suspeita
de RHM na maioria dos casos, sobretudo quando os fármacos
suspeitos são os AINEs. Adicionalmente permitem identificar alternativas terapêuticas seguras para doentes com RHM já diagnosticada.20,29-32
No presente trabalho a prova de provocação permitiu excluir
a suspeita de RHM em 112 crianças e encontrar alternativas terapêuticas em duas crianças, uma com HS à ceftriaxona e numa
outra com HS ao paracetamol.
Nos casos que realizaram apenas estudo parcial, as provas
de provocação também foram úteis para exclusão de algumas
das suspeitas de hipersensibilidade medicamentosa e aconselhamento de alternativas terapêuticas
A recusa de investigação da suspeita de RHM ainda é significativa (32% na presente série) e pode ser parcialmente explicada pela faixa etária avaliada no presente estudo, sendo este
aspeto pouco mencionado na literatura. A caracterização do
motivo não constou do objetivo do presente estudo, podendo
dever-se a receio dos pais de que os procedimentos sejam dolorosos ou que ocorra alguma reação grave. Contudo, a ausência de intercorrências significativas registadas neste e noutros
estudos demonstra que, cumprindo as medidas preconizadas
internacionalmente, é possível realizar de forma segura e eficaz
a investigação da HS medicamentosa neste grupo etário.33,34
A investigação realizada possibilitou excluir a suspeita de HS
a fármacos em 95% das crianças que completaram o protocolo.
Globalmente e incluindo os que não tinham clínica compatível,
excluiu-se HS a fármacos em 61% das crianças referenciadas.
A confirmação de RHM reserva apenas a estes doentes a necessidade de criteriosa seleção de alternativas terapêuticas. A
exclusão diminui receios na utilização futura e limitações terapêuticas desnecessárias.34,35
A necessidade de esclarecimento etiológico neste grupo etário é importante, não só pela prevalência significativa de autode-
claração de alergia medicamentosa que condiciona a prescrição
médica, mas também pela maior incidência de infeções e menor
disponibilidade de alternativas terapêuticas seguras.
CONCLUSÃO
Os fármacos mais vezes implicados nas suspeitas de RHM
na infância são os beta-lactâmicos e o quadro clínico mais frequente é o de reação cutânea maculopapular não imediata. A
suspeita surge muitas vezes no decurso de tratamento de intercorrência infeciosa do aparelho respiratório.
Apesar da prevalência relativamente elevada de suspeitas de RHM em idades pediátricas, a taxa de confirmação das
mesmas é baixa, o que pode ser parcialmente explicado pelas
manifestações cutâneas que frequentemente acompanham as
intercorrências infeciosas na infância.
É possível realizar em segurança a investigação diagnóstica
de casos suspeitos de RHM, mesmo em crianças em idade pré-escolar. Tal investigação permite excluir na maioria dos doentes a suspeita infundada de RHM e a consequente limitação terapêutica. Nos casos em que o diagnóstico de RHM se confirma
é fundamental o aconselhamento sobre alternativas farmacológicas a usar no futuro.
A referenciação à Consulta de Alergia a Fármacos possibilita reduzir os falsos diagnósticos de alergia medicamentosa e a
correta orientação dos doentes com RHM confirmada.
AGRADECIMENTOS
Expressa-se o agradecimento, pelo apoio na elaboração da
base de dados, à Dra. Patrícia Carvalho, Interna Complementar
de Pediatria do Serviço de Pediatria do Hospital Santa Luzia –
Unidade Local de Saúde do Alto Minho.
EM DESTAQUE
As reações de hipersensibilidade medicamentosa (RHM) são
efeitos adversos reprodutíveis de fármacos que desencadeiam
sintomas alérgicos, em doses toleradas por indivíduos normais,
cuja autodeclaração em idade pediátrica ascende até 6,4%. O
estudo metódico das suspeitas de RHM permite a exclusão da
mesma na maioria das crianças (até 95%), permitindo limitar a
evicção dos fármacos implicados aos casos confirmados.
HIGHLIGHTS
Drug hypersensitivity reactions (DHRs) are the adverse
effects of drugs, taken at a dose tolerated by normal subjects,
which clinically resemble allergy that can be self-declared in
up to 6,4% of children. Its methodic study is able to exclude
suspected DHRs in most children (up to 95%), restricting drug
avoidance only to those with confirmed diagnosis.
artigos originais
original articles
19
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. World Health Organization. International drug monitoring:
the role of national centres. Report of a WHO meeting. World
Health Organ Tech Rep Ser, 1972; 498: 1–25.
2. Johansson SG, Bieber T, Dahl R, Friedmann PS, Lanier BQ,
Lockey RF, et al. Revised nomenclature for allergy for global
use: Report of the Nomenclature Review Committee of the
World Allergy Organization, October 2003. J.Allergy Clin.
Immunol. 2004; 113: 832-6.
3. Smyth R, Gargon E, Kirkham J, Cresswell L, Golder S, Smyth
R et al . Adverse Drug Reactions in Children - a Systematic
Review. PLOS One, 2012; 7: 24061.
4. Impicciatore P, Choonara I, Clarkson A, Provasi D, Pandolfini
C, Bonati M. Incidence of adverse drug reactions in paedatric
in/out-patients: a systematic review and meta-analysis of
prospective studies. Br J Clin Pharmacol, 2001; 52: 77–83.
5. Lange L, Koningsbruggen SV, Rietschel E. Questionnairebased survey of lifetime-prevalence and character of
allergic drug reactions in German children. Pediatr Allergy
Immunol. 2008; 19: 634-8.
6. Orhan F, Karakas T, Cakir M, Akkol N, Bahat E, Sonmez FM,
et al . Parental-reported drug allergy in 6- to 9-yr-old urban
schoolchildren. Pediatr Allergy Immunol. 2008; 19:82-5.
7. Tan VA, Gerez IF, Van Bever HP. Prevalence of drug allergy in
Singaporean children. Singapore Med J. 2009; 50: 1158-61.
8. Gomes ER, Araújo L, Fonseca J. Autodeclaração de reacções
adversas e de alergia a fármacos em diferentes populações
pediátricas do ambulatório: Análise de factores de risco. Rev
Port Imunoalergologia, 2009; 17: 523-38.
9. Martins P, Belo J, Marques J, Papoila AL,Caires I, AraújoMartins J, et al. Alergia a Medicamentos Reportada em
Crianças que Frequentam Infantários. Acta Med Port 2014;
27: 444-9.
10.Sade K, Holtzer I, Levo Y, Kivity S. The economic burden of
antibiotic treatment of penicillin-allergic patients in internal
medicine wards of a general tertiary care hospital. Clin Exp
Allergy, 2003; 33: 501-6.
11.Satta G, Hill V, Lanzman M, Balakrishnan I. β-lactam allergy:
clinical implications and costs. Clinical and Molecular Allergy,
2013; 11:2.
12.Irawati L, Hughes JD, Keen NJ, Golledge CL, Joyce AW.
Influence of penicillin allergy on antibiotic prescribing
patterns and costs. Journal of Pharmacy Practice and
Research, 2006; 36: 286–90.
13.Erkoçoğlu M, Kaya A, Civelek E, Ozcan C, Cakır B, Akan
A, et al. Prevalence of confirmed immediate type drug
hypersensitivity reactions among school children. Pediatric
Allergy Immunol, 2013; 24: 160-7.
14.Gomes ER, Fonseca J, Araujo L, Demoly P. Drug allergy
claims: from self-reporting to confirmed diagnosis. Clin Exp
Allergy, 2008; 38: 191-8.
15.Rubio M, Bousquet PJ, Gomes E, Romano A, Demoly P.
Results of drug hypersensitivity evaluations in a large group
of children and adults. Clin Exp Allergy, 2012; 123-130.
20
artigos originais
original articles
16.Demoly P, Kropf R, Bircher A, Pichler WJ. Drug
hypersensitivity: questionnaire. EAACI interest group on
drug hypersensitivity. Allergy. 1999; 54: 999-1003.
17.Gomes ER; Falcão H. Hipersensibilidade a fármacos:
Questionário. Rev Port Imunoalergologia. 2001; 8: 231-2.
18.Brockow K, Garvey LH, Aberer W, Atanaskovic-Markovic
M, Barbaud A, Bilo MB, et al. Skin test concentrations for
systemically administered drugs -- an ENDA/EAACI Drug
Allergy Interest Group position paper. Allergy. 2013; 68: 70212.
19.Aberer W, Bircher A, Romano A, Blanca M, Campi P,
Fernandez J, et al. Drug provocation testing in the diagnosis
of drug hypersensitivity reactions: general considerations.
Allergy. 2003; 58: 854-63.
20.Demoly P, Adkinson NF, Brockow K, Castells M, Chiriac
AM, Greenberger PA, et al. International Consensus on drug
allergy. Allergy. 2014; 69: 420-37.
21.Macy E, Poon K-Y T. Self-reported antibiotic allergy
incidence and prevalence: age and sex effects. Am J M,
2009; 122: 778.1-7.
22.Chambel M, Martins P, Silva I, Palma-Carlos S, Romeira AM,
Pinto LP. Drug provocation tests to betalactam antibiotics:
experience in a paediatric setting. Allergol Immunopathol.
2010; 38: 300-6.
23.Ponvert C, Perrin Y, Bados-Albiero A, Le Bourgeois M, Karila C,
Delacourt C, et al. Allergy to betalactam antibiotics in children:
results of a 20-year study based on clinical history, skin and
challenge tests. Pediatr Allergy Immunol. 2011; 22:411-8.
24.Atanasković-Marković M, Velicković TC, Gavrović-Jankulović
M, Vucković O, Nestorović B. Immediate allergic reactions to
cephalosporins and penicillins and their cross-reactivity in
children. Pediatr Allergy Immunol. 2005; 16: 341-7.
25.Caubet JC, Kaiser L, Lemaître B, Fellay B, Gervaix A,
Eigenmann PA. The role of penicillin in benign skin rashes in
childhood: a prospective study based on drug rechallenge..
J Allergy Clin Immunol. 2011; 127: 218-22.
26.Gómez E, Torres MJ, Mayorga C, Blanca M. Immunologic
Evaluation of Drug Allergy. Allergy, Asthma Immun Res,
2012; 4: 251–63.
27.Blanca M, Mayorga C, Torres MJ, Reche M, Moya MC,
Rodriguez JL, et al. Clinical evaluation of Pharmacia CAP
System RAST FEIA amoxicilloyl and benzylpenicilloyl in
patients with penicillin allergy. Allergy. 2001; 56: 862-70.
28.Torres MJ, Romano A, Mayorga C, Moya MC, Guzman AE,
Reche M, et al. Diagnostic evaluation of a large group of
patients with immediate allergy to penicillins: the role of skin
testing. Allergy. 2001; 56: 850-6.
29.Vezir E, Erkocoglu M, Civelek E, Kaya A, Azkur D, Akan
A, et al. The evaluation of drug provocation tests in pediatric
allergy clinic: a single center experience. Allergy Asthma
Proc. 2014; 35: 156-62. 30.Yilmaz O, Ertoy Karagol IH, Bakirtas A, Topal E, Celik GE,
Demirsoy MS, et al. Challenge-proven nonsteroidal antiinflammatory drug hypersensitivity in children. Allergy, 2013;
68: 1555-61.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
31.Rerkpattanapipat T, Chiriac A, Demoly P. Drug provocation
tests in hypersensitivity drug reactions. Curr Opin Allergy
Clin Immunol, 2011; 11: 299-304.
32.Bousquet PJ, Gaeta F, Bousquet-Rouanet L, Lefrant JY,
Demoly P, Romano A. Provocation tests in diagnosing drug
hypersensitivity. Curr Pharm Des. 2008; 14: 2792-802.
33.Celik G, Aydin O, Dogu F, Cipe F, Boyvat A, Ikinciogullari
A, et al. Diagnosis of immediate hypersensitivity to β-lactam
antibiotics can be made safely with current approaches. Int
Arch Allergy Immunol, 2012; 157: 311-7.
34.Picard M, Paradis L, Nguyen M, Bégin P, Paradis J, Des
Roches A. Outpatient penicillin use after negative skin testing
and drug challenge in a pediatric population. Allergy Asthma
Proc. 2012; 33: 160-4.
35.Gomes ER, Kvedariene V, Demoly P, Bousquet PJ. Patients’
satisfaction with diagnostic drug provocation tests and
perception of its usefulness. Int Arch Allergy Immunol. 2011;
156: 333-8.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Eva Gomes Rebelo:
Serviço de Imunoalergologia,
Centro Hospitalar do Porto
Largo Prof. Abel Salazar, 4099-001 Porto
Email: [email protected]
Recebido a 04.09.2014 | Aceite a 28.12.2015
artigos originais
original articles
21
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Desidratação hipernatrémica no recém-nascido
Vânia SousaI; Catarina CarruscaII; Manuela SantosIII
HYPERNATREMIC DEHYDRATION IN NEWBORN INFANTS
ABSTRACT
Hypernatremia occurred frequently erstwhile when infant
formula with high sodium concentration were given to neonates.
Today, the most common cause of hypernatremic dehydration in
the healthy term newborn is the low volume intake of breast milk.
The diagnosis is usually performed accidentally in cases
of important weight loss in the newborn. Other clinical
manifestations, when present, are usually nonspecific, with
prevalence of neurologic symptoms that reflect intracellular
dehydration.
Some complications, especially seizures, occur most
frequently during treatment. Therefore, the management and
treatment of this condition should be cautious and requires a
thorough understanding of the underlying hydroelectrolytic
disorder to prevent the brain cells´ overhydration.
The practitioners should continue to recommend
breastfeeding as the best method of nourishing healthy infants.
There should be a high level of suspicion and early recognition
of the underlying breastfeeding problems before the onset of
serious and sometimes life-threatening dehydration.
Keywords: hypernatremia, dehydration, neonates, risk
factor, breastfeeding.
RESUMO
No passado, a hipernatrémia nos recém-nascidos saudáveis
ocorria frequentemente por diluições incorretas do fórmula para
lactantes (hiperconcentrado em sódio). Atualmente, a ingestão
insuficiente de leite materno tem sido referida como a causa
mais comum de desidratação hipernatrémica no recém-nascido
de termo saudável. O diagnóstico é habitualmente feito de forma
acidental durante a pesagem do recém-nascido e no caso de
perda ponderal importante. As manifestações clínicas, quando
presentes, são habitualmente inespecíficas e tardias, predominando a sintomatologia neurológica como resultado de uma
desidratação intracelular. O tratamento deve ser cauteloso de
forma a prevenir o aparecimento de complicações, sobretudo
as convulsões, que podem surgir durante a correção rápida da
hipernatrémia por sobrehidratação das células neuronais.
Os profissionais de saúde devem continuar a recomendar o
aleitamento materno exclusivo como o método de eleição para a
nutrição de recém-nascidos saudáveis. Contudo, é fundamental
um elevado nível de suspeição e um reconhecimento precoce
das principais dificuldades subjacentes à amamentação, antes
da instalação de uma desidratação grave e potencialmente fatal.
Palavras-chave: hipernatrémia, desidratação, recém-nascido, factores de risco, aleitamento materno.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 22-6
__________
S. de Pediatria Médica do Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar
Lisboa Central. 1169-045 Lisboa, Portugal.
[email protected]
II
S. de Pediatria Médica do Hospital Vila Franca de Xira.
2600-009 Vila Franca de Xira, Portugal.
[email protected]
III
S. de Pediatria da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, Centro Hospitalar
Lisboa Central.
[email protected]
I
22
artigos de revisão
review articles
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
INTRODUÇÃO
As estratégias globalmente adotadas para promoção, apoio
e incentivo à amamentação resultaram no aumento das taxas
de aleitamento materno em muitos países. Com esta tendência crescente, é essencial saber reconhecer as dificuldades que
podem condicionar a lactação.1 A desidratação hipernatrémica
neonatal tem sido descrita em recém-nascidos (RN) saudáveis,
com problemas na amamentação, sobretudo na primeira semana da vida.2-4 Nas últimas décadas, tem sido relatada uma
incidência crescente desta condição nos RN em aleitamento
materno exclusivo.2-5
A hipernatrémia neonatal é uma condição potencialmente
grave, que pode determinar complicações neurológicas graves
e permanentes, sobretudo na presença de alterações agudas e
rápidas nos níveis séricos de sódio.5-7
A desidratação hipernatrémica associada ao aleitamento
materno exclusivo surge fundamentalmente por défice de aporte de leite, maioritariamente como resultado de uma lactação
insuficiente. A importância do teor de sódio no leite materno
como fator predisponente para a hipernatrémia neonatal permanece incerta. Inicialmente a concentração de sódio no colostro é
elevada e vai reduzindo progressivamente com a maturação do
leite, estabilizando por volta da segunda semana de lactação.
Alguns estudos têm demonstrado que a redução da frequência
da amamentação se associa a um aumento importante na concentração de sódio do leite materno. Possivelmente, este alto
teor de sódio no leite materno não é causa direta da hipernatrémia neonatal, mas pode contribuir para esta condição.3
São vários os fatores que podem determinar o insucesso do
aleitamento materno, quer sejam maternos, neonatais ou psicosociais.2 Os principais problemas identificados na falência da
amamentação são as dificuldades técnicas (mau posicionamento ou pega incorreta) fundamentalmente por desconhecimento
ou inexperiência materna, bem como fatores psicológicos (cansaço, ansiedade, medo de falhar) e patologias mamárias (mastite, mamilos invertidos, cirurgias mamárias prévias). Condições
neonatais, como a prematuridade, alterações anatómicas orofaciais e dificuldades de coordenação, podem resultar no esvaziamento inadequado da mama com consequente ingurgitamento
e diminuição da estimulação da lactogénese.8
OBJECTIVO
Os autores pretendem elaborar uma revisão bibliográfica sobre
a desidratação hipernatrémica no recém-nascido com especial enfoque na fisiopatologia e abordagem terapêutica desta patologia.
MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS
A hipernatrémia corresponde a um distúrbio hidroelectrolítico onde se verifica um défice de água em relação ao sódio (Na+)
corporal total.9 Em termos laboratoriais, a hipernatrémia é definida por um nível sérico de sódio superior a 145 mEq/L, embora
alguns autores considerem acima de 150 mEq/L.10
Os RN são um grupo particularmente suscetível de desenvolver hipernatrémia, face à sua área corporal reduzida e à sua
dependência para administração de fluídos.7
O sódio é o principal catião do espaço extracelular e o
principal determinante da osmolaridade do fluido extracelular.
A hipernatrémia desencadeia o fluxo de líquidos do espaço intracelular para o espaço extracelular na tentativa de manter o
equilíbrio osmótico, aumentando a osmolaridade sérica. Por
conseguinte, ocorre uma desidratação cerebral transitória. O
cérebro pode reduzir o seu volume 10 a 15% na hipernatrémia
de instalação aguda, podendo ocorrer a separação física entre o
cérebro e as meninges, resultando na rotura de delicadas veias.
Hemorragia cerebral, trombose do seio venoso e desmielinização podem ocorrer nos casos mais graves. Quando a hipernatrémia se instala de forma mais lenta, iniciam-se mecanismos de
adaptação cerebral que visam o restabelecimento do volume intracelular. Como mecanismo de neuroproteção, as células neuronais produzem osmóis idiogénicos (aminoácidos e substâncias orgânicas não mensuráveis) que permitem manter a água
no espaço intracelular. Na presença de uma correção rápida da
hipernatrémia pode ocorrer um aumento excessivo do volume
em água nas células neuronais, resultando em edema cerebral.11
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
O RN com desidratação hipernatrémica pode apresentar-se
surpreendentemente bem, sendo os sinais clássicos de desidratação (diminuição do turgor cutâneo, olhos encovados, fontanela deprimida) geralmente inexistentes.3,5
Com frequência, os pais não denotam numa fase inicial que
a criança não ingere leite suficiente, sobretudo se é o primeiro filho e, se dorme muito ou chora pouco, pode ser incorretamente
interpretado como um sinal de saciedade.12
Os sintomas decorrentes da hipernatrémia (hiperosmolaridade) são predominantemente neurológicos pois traduzem uma
desidratação das células neuronais. Os achados mais precoces
são muitas vezes subtis e inespecíficos, incluindo irritabilidade,
agitação e letargia, que podem, posteriormente, progredir para
convulsões, coma e mesmo morte nos casos mais severos.6 A
mortalidade neonatal é superior a 10% quando os níveis séricos
de sódio excedem 160 mmol/L. As convulsões estão descritas
em cerca de 40% das situações agudas de hipernatrémia.5
A gravidade destes sintomas não está relacionada apenas
com o grau de hiperosmolaridade, mas sobretudo com a velocidade de instalação. As complicações graves da desidratação
hipernatrémica podem incluir hemorragia intracraniana (parenquimatosa, intraventricular ou subaracnoídea), trombose do
seio venoso, trombose arterial, trombose da veia renal e, menos
frequentemente, coagulação intravascular disseminada e insuficiência renal.5,6
O diagnóstico clínico é muitas vezes acidental e ocorre durante a pesagem do RN em situações de perda ponderal significativa. Uma perda ponderal superior a 7% do peso ao nascimento,
na primeira semana de vida, deve ser valorizada e o RN devidamente avaliado.5 Boskabadi et al verificaram que 88,6% dos RN
amamentados, com desidratação hipernatrémica, apresentaram
perdas ponderais superiores a 10% do peso ao nascimento. Contudo, estão descritas situações de desidratação hipernatrémica
neonatal mesmo com perdas ponderais inferiores a 10%.2
artigos de revisão
review articles
23
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
A presença de febre no RN focaliza, muitas vezes, a atenção
para patologia do foro infecioso, mas pode constituir uma manifestação inicial de desidratação.5
Os sinais de alarme que devem motivar a observação e avaliação do RN, por serem potenciais indicadores de uma amamentação ineficaz, são a diminuição do número de dejeções e
micções (inferior a seis por dia), icterícia, sucção débil, sonolência excessiva e intervalos longos entre as mamadas.3,5
ABORDAGEM TERAPÊUTICA
São escassos os estudos publicados que especificam a melhor abordagem terapêutica na desidratação hipernatrémica.1
A correção da hipernatrémia é complexa e deve ser cautelosa, pois podem surgir determinadas complicações no contexto
de uma terapêutica inadequada. A rehidratação agressiva pode
resultar numa rápida descida da osmolaridade do líquido extracelular (LEC), conduzindo a edema cerebral e morte, particularmente nas primeiras 24h de rehidratação.13,14 A correção lenta
da hiperosmolaridade do LEC com a repleção de água conduz à
dissipação dos electrólitos e osmólitos orgânicos acumulados,
ocorrendo habitualmente em dois a três dias.14,15 Desta forma, a
correcção da hipernatrémia deve ser efetuada em tempo igual
ou superior a 48 horas sendo que, quanto maior a hipernatrémia,
mais lenta deverá ser a correção.14,16
As recomendações sugerem uma velocidade máxima de
descida dos níveis séricos de sódio de 15 mEq/L/24h ou 0,6
mEq/L/h, prevenindo o desenvolvimento de edema cerebral.16,17
A escolha das soluções intravenosas mais adequadas para a
correção da desidratação hipernatrémica e o ritmo de perfusão
são temas de grande controvérsia na literatura.13,17,18
Num estudo retrospetivo que envolveu 97 crianças com desidratação hipernatrémica e com um nível médio sérico de sódio
de 165 mEq/L, verificou-se que a velocidade de rehidratação e a
gravidade da hipernatrémia constituiram fatores de risco para o
desenvolvimento de edema cerebral durante a correção da desidratação. Fang C et al verificaram ainda que a administração inicial
de bólus de soro fisiológico, para expansão rápida do volume plasmático, pareceu constituir também um fator de risco para o desenvolvimento de edema cerebral14. Em casos de hipernatrémia grave
com valores séricos superiores a 170 mEq/L, a infusão de grandes
volumes de bólus de soro fisiológico pode determinar uma descida
rápida da natrémia. Nestas situações, o soro fisiológico (conteúdo
de sódio 154 mEq/L) revela-se, na verdade, relativamente hipotónico em relação à tonicidade elevada do soro do doente. Este conceito é partilhado por outros autores que recomendam a expansão
plasmática com soluções preparadas sob medida, com conteúdo
de sódio superior ao do soro fisiológico, no caso de hipernatrémia
grave, para evitar a descida rápida dos níveis séricos de sódio.18
Legendas: (h) Se doente hemodinâmicamente instável; (i) Défice de água livre (ml) = [0,7 x peso (g) x ((Na+ sérico / Na+ desejado) – 1)]; (j) NaCl a 0,45% = (50 mL
de SF + 50 mL de água destilada); NaCl a 0,9% = SF; (m) Preparar soro isotónico em relação ao plasma. Equação para calcular a quantidade de NaCl a 20% para
completar 100 mL de soro (preparar com água destilada na fase de emergência, na fase de rehidratação com S. Glic 5%): (mL) = [(Na+ sérico - 15) / 3,4]; (n) Juntar
gluconato de cálcio e, após iniciar diurese, cloreto de potássio; (o) Manter via entérica se boa sucção e tolerância alimentar; (p) Soro salino a 3% (85 mL de água
destilada + 15 mL de NaCl a 20%). Cada 1 mL/Kg de NaCl a 3% faz subir 1 mEq/L no Na+ sérico.
Figura 1. Algoritmo de tratamento da desidratação hipernatrémica no recém-nascido.
Abreviaturas: SF – soro fisiológico; NaCl – cloreto de sódio; S. Glic – soro glicosado; [Na+] – concentração de sódio
24
artigos de revisão
review articles
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
De uma forma prática, a abordagem da desidratação hipernatrémica deve ser realizada em duas fases: a fase de emergência (reposição do volume intravascular no caso de hipovolémia
significativa), seguida da fase de rehidratação (figura 1). Na fase
de expansão vascular está indicada a administração de bólus
de 10 a 20 mL/Kg de soro, podendo ser repetido se necessário.17,19,20 No caso de hipernatrémia inferior a 170 mEq/L está recomendada a utilização de soro fisiológico. Se a desidratação
hipernatrémica for igual ou superior a 170 mEq/L, deverá ser
administrado bólus de soro preparado com uma concentração
de sódio no máximo 15 mEq/L abaixo da natrémia do doente.
Nesta situação, o soro fisiológico é relativamente hipotónico e
contém água livre suficiente, que se for dado em volumes significativos, pode diminuir a natrémia de forma demasiado rápida.
A preparação de um soro isotónico em relação ao plasma do
doente pode ser calculada recorrendo à seguinte fórmula: (mL) =
[(sódio sérico do doente - 15) / 3,4], que representa a quantidade
de cloreto de sódio (NaCl) a 20% a adicionar para completar 100
mL de soro (feito com água destilada).17
Na fase seguinte de rehidratação, a correção deve ser efetuada em tempo igual ou superior a 48 horas (nº de dias para
correção: [(sódio sérico – 145) / 15]. O volume total de líquidos
a administrar nesta fase corresponde ao somatório das necessidades hídricas diárias (volume de manutenção) com o défice
de água livre. Para o cálculo das necessidades diárias de manutenção está recomendado 100 mL/Kg/dia, pois parece estar
associado a menor risco de desenvolvimento de edema cerebral19. Assumindo que 70% do peso corporal do RN é água, o
défice de água livre será (mL) = [0,7 x peso (g) x ((Na+ sérico /
Na+ desejado) – 1)].17
Em situações de hipernatrémia é frequente ocorrer hiperglicémia e hipocalcémia.21-23 Desta forma, o soro intravenoso a
utilizar na fase de rehidratação deverá conter sódio, cálcio, glicose a 5% (fornece cerca de 20% das necessidades calóricas
diárias) e, após normalização da função renal e diurese, deverá
ser adicionado potássio.
A monitorização clínica e laboratorial deve ser realizada a
cada quatro horas, com o respetivo ajuste da solução intravenosa (osmolaridade e/ou velocidade de perfusão), de modo a
assegurar a descida lenta da natrémia, a um ritmo inferior a 0,6
mEq/L/h.17
Durante o tratamento da desidratação hipernatrémica o surgimento de convulsões é a manifestação clínica mais comum
de edema cerebral. Nesta situação está recomendada a administração de NaCl a 3% (85 mL de água destilada + 15 mL de
NaCl a 20%), na dose de 4 a 6 mL/Kg, sendo que cada 1 mL/
Kg de NaCl a 3% aumenta 1 mEq/L na concentração sérica de
sódio.17, 24
DISCUSSÃO
A amamentação é universalmente considerada a melhor e
mais segura forma de alimentação para os RN.3 O défice de
aporte de leite é reconhecido como a causa mais importante de
desidratação hipernatrémica no RN de termo, saudável, alimentado exclusivamente com leite materno.4 Pode estar na origem
de complicações potencialmente graves, predominantemente
neurológicas.7
A deteção precoce da desidratação hipernatrémica constitui um desafio clínico tendo em conta as manifestações iniciais
frequentemente variáveis e inespecíficas.4 Uma perda ponderal
superior a 10% do peso ao nascimento é o achado mais habitual, podendo estar associado a febre, icterícia e diminuição
do número de dejeções e micções diárias.2 Estes sinais devem
constituir indicação para avaliação clínica e, eventualmente, laboratorial do RN.
O aleitamento materno deve ser apoiado e encorajado na
maternidade e acompanhado após a alta. A pesagem do RN
antes da alta e na primeira semana de vida constitui um método
simples e de baixo custo, constituindo uma potencial forma de
identificar dificuldades na amamentação e de reconhecer precocemente uma desidratação iminente.3,5 Esta medida vai de
encontro com as recomendações da Academia Americana de
Pediatria sobre o aleitamento materno, que preconiza a observação de todos os RN nas 48 a 72 horas após a alta hospitalar.25
Esta estratégia tem particular importância na presença de fatores de risco, quer sejam maternos ou neonatais, que possam
interferir de forma negativa no êxito da amamentação. O apoio
materno adequado, em simultâneo com a vigilância do RN será,
certamente, determinante na redução da incidência de desidratação hipernatrémica associada ao aleitamento materno.4,7
A correcção da desidratação hipernatrémica deve ser prudente, com a devida mensuração do défice de água livre e do
ritmo de hidratação, de forma a prevenir o surgimento de complicações como o edema cerebral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Pelleboer RA, Bontemps ST, Verkerk PH, Van Dommelen
P, Pereira RR, Van Wouwe JP. A nationwide study on
hospital admissions due to dehydration in exclusively
breastfed infants in the Netherlands: its incidence, clinical
characteristics, treatment and outcome. Acta Paediatr 2009;
98: 807-11.
2. Boskabadi H, Maamouri G, Ebrahimi M, Ghayour-Mobarhan
M, Esmaeily H, Sahebkar A, et al. Neonatal hypernatremia and
dehydration in infants receiving inadequate breastfeeding.
Asia Pac J Clin Nutr 2010; 19; 301-7.
3. Krishnamurthy S, Debnath S, Gupta G. Breast feedingassociated hypernatremic dehydration: A preventable tragedy
in newborn infants. Journal of Case Reports 2011; 1: 1-5.
4. Jain S, Basu S. Hypernatremic dehydration in term and nearterm neonates. Indian J Pediatr 2010; 77: 461.
5. Leung C, Chang WC, Yeh SJ. Hypernatremic dehydration
due to concentrated infant formula: report of two cases.
Pediatr Neonatol 2009; 50: 70-3.
6. Fawke J, Whitehouse WP, Kudumula V. Monitoring of
newborn weight, breast feeding and severe neurological
sequelae secondary to dehydration. Arch Dis Child 2008; 93:
264-5.
artigos de revisão
review articles
25
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
7. Asturizaga DA, Mazzi E. Hipernatremia neonatal: factores de
riesgo. Arch Pediatr Urug 2011; 82:110-4.
8. Unal S, Arhan E, Kara N, Uncu N, Aliefendio D. Breastfeeding-associated hypernatremia: Retrospective analysis of
169 term newborns. Pediatrics International 2008; 50:29–34.
9. Akcan, Barış A. Hypernatraemia in a newborn because of
salting of the skin. Journal of Paediatrics and Child Health
2011; 47:316-7.
10.Greenbaum LA. Electrolyte and acid-base disorders. In:
Kliegman RM, Stanton B, Geme J, Schor N, Behrman RE,
editors. Nelson Textbook of Paediatrics. 20th ed. Philadelphia:
Elsevier Health Sciences 2015; 55: 351-3.
11.Chung CH. Zimmerman D. Hypernatremia and Hyponatremia:
Current Understanding and Management. Clinical Pediatric
Emergency Medicine 2009; 10:272-8.
12.Gouveia C, Adelaide O. Problemas comuns da amamentação.
Rev Port Clin Geral 2009; 25:370-5.
13.Chisti MJ, Pietroni MA, Alom MS, Smith JH. Use of only oral
rehydration salt solution for successful management of a
young infant with serum sodium of 201 mmol/L in an urban
diarrhoeal diseases hospital, Bangladesh. Journal of Health
Population and Nutrition 2012; 30:371-6
14.Fang C, Mao J, Dai Y, Xia Y, Fu H, Chen Y, et al. Fluid
management of hypernatraemic dehydration to prevent
cerebral oedema: a retrospective case control study of 97
children in China. J Paediatr Child Health 2010; 46:301-3.
15.Verbalis, J.G. Brain volume regulation in response to changes
in osmolality. Neuroscience 2010; 168:862-70.
16.Goff DA, Higinio V. Hypernatremia. Pediatrics in Review
2009; 30:412-3.
17.Schwaderer A, Schwartz G. Treating hypernatremic
dehydration. Peds in Rev 2005; 26:148-50.
18.El-Bayoumi MA, Abdelkader AM, El-Assmy MM, Alwakeel
AA, El-Tahan HM. Normal saline is a safe initial rehydration
fluid in children with diarrhea-related hypernatremia. Eur J
Pediatr 2012; 171:383-8.
19.Laing IA. Hypernatraemic dehydration in newborn infants.
Acta Pharmacol Sin 2002; 23:48-51.
20.Rand SE, Kolberg A. Neonatal Hypernatremic Dehydration
Secondary to Lactation Failure. J Am Board Fam Med 2001;
14:155-8.
21.Moritz ML, Ayus JC. Disorders of Water Metabolism in
Children: Hyponatremia and Hypernatremia. Pediatrics in
Review 2002; 23:371-80.
22.Finberg L. Dehydration in Infancy and Childhood. Pediatrics
in Review 2002; 23:277-82.
23.Huang LH, Anchala KR, Ellsbury DL, George CS. Dehydration
Treatment & Management. [Internet]. 2014 Sept 25. Available
from: http://emedicine.medscape.com/article/906999.
24.Ramirez PL, Emre U, Giambruno C. Index of Suspicion in the
Nursery. NeoReviews 2005; 6: 399-402.
25.American Academy of Pediatrics Section on Breastfeeding.
Breastfeeding and the use of human milk. Pediatrics 2012;
129: 827-41.
26
artigos de revisão
review articles
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Vânia Sousa:
Largo Conde de Ottolini nº3, 3ºesq,
1500-101 Lisboa
Email: [email protected]
Recebido a 24.07.2015 | Aceite a 02.11.2015
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Marcha em pontas idiopática em idade pediátrica
Sara DominguesI; Cláudia MeloII; Catarina MagalhãesIII;
Sónia FigueiroaIII; Inês CarrilhoIII; Teresa TemudoIII
IDIOPATHIC TOE WALKING IN CHILDREN AND
ADOLESCENTS
ABSTRACT
Toe walking has an estimated incidence of 7-24% in the
general pediatric population and is a frequent cause of referral
to outpatient pediatric neurology. Idiopathic toe walking occurs
in healthy children without spasticity and normal osteotendinous
reflexes, is evident from the beginning of independent gait and
always bilateral and not progressive. The etiology is unknown, so
it is a diagnosis of exclusion. Thus, in evaluating these children
is essential to be alert to sensory or motor signs because this
gait pattern may be the first sign of pathologies such as cerebral
palsy, congenital muscular dystrophy or autism spectrum
disorder. Therapeutic options include more conservative
treatments such as physiotherapy, use of orthopedic footwear,
splints or orthotics; or more invasive treatments such as use of
serial casts, botulinum toxin or surgery.
The aim of this article is: to address epidemiological and
pathophysiological aspects, review the clinical presentation and
differential diagnosis and propose guidelines for the monitoring
and treatment of idiopathic toe walking in pediatric age.
Keywords: Achilles tendon, equinus deformity, gait
disorders, pediatric age.
RESUMO
A marcha em pontas tem uma incidência de 7-24% na população pediátrica em geral e é uma causa relativamente frequente
de referenciação à consulta de neurologia pediátrica. A marcha
em pontas idiopática ocorre em crianças saudáveis, sem espasticidade e com reflexos osteotendinosos normais; é evidente
desde o início da marcha autónoma, sempre bilateral e não progressiva. A sua etiologia é desconhecida, pelo que se trata de
um diagnóstico de exclusão. Assim, na avaliação destas crianças é essencial estar alerta para sinais sensoriais ou motores,
pois este padrão de marcha pode ser o primeiro sinal de patologia tal como paralisia cerebral, distrofia muscular congénita ou
perturbação do espectro do autismo. As opções terapêuticas
passam por tratamentos conservadores, como fisioterapia, utilização de calçado formativo, talas ou ortóteses, ou tratamentos mais invasivos, como uso de gessos seriados, aplicação de
toxina botulínica ou cirurgia.
Neste artigo de atualização pretende-se: abordar alguns
aspetos epidemiológicos e fisiopatológicos, rever a apresentação clinica e diagnósticos diferenciais e propor orientações para
o seguimento e tratamento em idade pediátrica.
Palavras-chave: Idade pediátrica, marcha em pontas, pé
equino, tendão de Aquiles.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 27-34
__________
S. de Pediatria - Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa.
4565-007 Penafiel, Portugal.
[email protected]
II
S. de Pediatria - Centro Hospitalar do Médio Ave.
4780-371 Santo Tirso, Portugal.
[email protected]
II
S. de Neuropediatria - Centro Hospitalar do Porto.
4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
I
artigos de revisão
review articles
27
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
INTRODUÇÃO E OBJECTIVOS
A marcha em pontas é caracterizada pela ausência de contato do calcanhar com o chão na fase do contato inicial da
marcha.1-4 A marcha em pontas idiopática define-se como uma
marcha em pontas persistente após os dois anos de idade, em
criança com desenvolvimento psico-motor adequado e que é
capaz de apoio plantar completo na posição de pé.5
A importância da revisão deste tema prende-se com o facto
de ser uma causa relativamente frequente de referenciação à
consulta de neurologia pediátrica ou de ortopedia e uma possível causa de dor nos membros inferiores, quedas ou tropeços
frequentes, dificuldades na prática de desporto ou ainda ser
motivo de “bullying”.6, 7
Apresenta-se uma revisão bibliográfica versando a fisiopatologia, epidemiologia, etiologia, anamnese e exame objetivo,
diagnóstico, diagnósticos diferenciais, complicações e orientação. Com esta revisão procura-se estabelecer uma linha orientadora de atuação na marcha em pontas idiopática em idade
pediátrica (Anexo I).
DESENVOLVIMENTO
Fisiologia da marcha
A marcha imatura (em criança com idade inferior a três anos)
tem características especiais que a distinguem do padrão da
marcha maduro:8, 9
•Maior flexão da anca, joelho e tornozelo, com centro de
gravidade mais baixo, o que facilita o equilíbrio;
•Membros superiores em abdução, com cotovelos estendidos, para aumentar o tónus axial e permitir também maior
equilíbrio;
•Rotação externa do pé, com base de suporte mais alargada;
•Menor percentagem de tempo num só apoio;
•Maior cadência mas menor velocidade devido a menor
comprimento da passada.
Epidemiologia
A incidência na população pediátrica em geral ronda os
7-24%.1,6,10 Engström P. e colegas, num estudo realizado com
1436 crianças com 5,5 anos de idade, demonstraram uma prevalência de marcha em pontas idiopática de 2%.7 Nas crianças
com perturbação cognitiva ou neuropsiquiátrica, a prevalência
foi bastante mais elevada (41%).
Etiologia
Embora atualmente se considere mais provável uma causa
neurogénica, a etiologia da marcha em pontas idiopática permanece desconhecida. Ao longo dos anos têm sido colocadas
várias hipóteses.1,10-13
•Tendão Aquiliano curto;
•Anomalia do músculo solear;
•Origem no sistema nervoso central;
•Atraso da maturação do feixe cortico-espinal;
•Disfunção vestibular;
•Origem neurogénica;
28
artigos de revisão
review articles
•Hereditária: transmissão autossómica dominante, com penetrância variável;
•Vírus;
•Uso de “voadores”;
•“Hábito”;
•Fase de desenvolvimento normal e transitória e que desaparece três a seis meses meses após marcha autónoma ou
pelos sete anos de idade.
Apresentação clínica
Marcha em pontas idiopática é um diagnóstico de exclusão,
que só pode ser estabelecido na ausência de sinais de doença
neurológica ou psiquiátrica, esquelética, reumatológica, metabólica ou do colagénio.12 A marcha em pontas idiopática surge desde
o início da marcha autónoma, é bilateral e simétrica, ocorre em
pelo menos 25% do tempo total de marcha e tem uma duração superior a três meses.1,3,9 É frequente estas crianças terem familiares
em primeiro ou segundo grau que também tenham um padrão de
marcha em pontas ou antecedentes desta perturbação em crianças (~ 30-40%).9,10 Williams C. e colegas encontraram uma associação entre marcha em pontas e a predominância da mão esquerda. Sendo já conhecida a associação da predominância da mão
esquerda com dificuldade nas tarefas espaciais e com dislexia, os
autores especulam que este achado possa estar correlacionado
com alterações neurológicas complexas neste grupo de crianças4.
Embora alguns autores refiram predominância do sexo masculino,
a maioria defende que não existem diferenças entre géneros.2, 5
Para considerar este diagnóstico, é necessário excluir a presença de fraqueza muscular progressiva ou alterações relevantes
ao exame objetivo. A dorsiflexão passiva da articulação tibio-társica com o joelho estendido deve ser de pelo menos 10º, embora
a longo-termo se possa considerar este diagnóstico numa criança
que apresente limitação da dorsiflexão (como uma consequência
da contração muscular prolongada).5, 12 Crianças com marcha em
pontas idiopática caracterizam-se por apresentarem uma marcha
coordenada e eficiente, com bom equilíbrio e uma base normal; terem capacidade de corrida, marcha para a frente e para trás sem dificuldade e capacidade de marcha em calcanhares por períodos.10
CARACTERÍSTICAS DA MARCHA EM PONTAS IDIOPÁTICA
Fisiológicas6
•Pico de dorsiflexão e flexão plantar prematuros;
•Flexão plantar exacerbada na fase de balanço e de contacto;
•Ausência do contacto inicial do calcanhar com o solo;
•Ausência da flexão anterior da tíbia sobre o pé, após o contacto inicial com o solo;
•Diminuição da elevação do calcanhar após flexão plantar;
•Rotação externa adaptativa da anca e tíbia e pé abducto.
Electrofisiológicas, histológicas e sensoriais
Estudos de eletromiografia revelaram uma ativação precoce
do gastrocnémio na fase de balanço.3, 6 Contudo, foram descritas
alterações idênticas nas crianças com paralisia cerebral, pelo que
a eletromiografia não é útil no diagnóstico diferencial destas enti-
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
dades6. A biópsia muscular do gastrocnémio e do solear revelou
anomalias dos capilares e das fibras musculares com predomínio
de fibras tipo 1, sugestivas de fenómenos adaptativos induzidos
por esforço prolongado.6 Foram ainda detetadas outras alterações como atrofia das fibras, espessamento da membrana basal
e aumento do colagénio, que são sugestivas de neuropatia.5 Vários autores descrevem uma maior sensibilidade táctil e vibratória
da planta do pé nas crianças com esta perturbação.2
História e exame objetivo
Perante uma criança referenciada a uma consulta por marcha em pontas, é mandatório proceder a uma avaliação clínica
cuidada e minuciosa e realizar um exame objetivo completo,
com avaliação da marcha e particular atenção no exame músculo-esquelético e neurológico.
A história deve incluir:10,14
•Antecedentes pré-natais
Antecedentes familiares, história materna e obstétrica (idade
materna, número de gestações e partos, abortamentos, peso
ao nascer dos irmãos, consumo de drogas na gravidez, idade
gestacional, movimentos fetais);
•Antecedentes peri-parto
Frequência cardíaca fetal, rotura de membranas, duração do
trabalho de parto, medicação materna, complicações do parto;
•Antecedentes pós-natais
Hipoxia fetal, peso ao nascer, data de alta da maternidade,
internamento em unidade de cuidados intensivos neonatais.
É essencial avaliar o desenvolvimento psico-motor/ cognitivo da criança e o seu comportamento, incluindo a adaptação
social, e a presença de comportamentos bizarros, estereotipias
ou dependência de rotinas.
A avaliação da marcha deve incluir a observação da marcha,
corrida e salto com e sem sapatos e com membros inferiores expostos assim como a transição da posição de sentado para de pé.8, 10, 14
Ouvir a marcha pode dar pistas importantes, como por exemplo:
cadência irregular numa marcha assimétrica; queda do pé (“foot
drop”) e arrastar do pé no solo na criança com espasticidade.8
Uma técnica de fácil execução para registo da marcha é a de
colocar pó de talco nos pés da criança e fazê-la caminhar sobre
um rolo de um papel de cor escura. As pegadas ficam marcadas
no papel e podem ser fixadas com laca. Esta técnica (denominada em Inglês de “tread mat”) pode revelar sinais de contacto
do calcanhar com o solo que de uma outra forma podia ser impercetível.10 A filmagem da marcha é cada vez mais frequente e
pode ser muito útil no seguimento destas crianças.
No exame físico é obrigatório avaliar a dorsiflexão passiva do
pé, com o joelho estendido e fletido. Quando ocorre limitação da
dorsiflexão apenas com o joelho em extensão, esta deve-se ao
encurtamento do gastrocnémio pois, ao contrário do solear, que
se insere na face medial da tíbia, o gastrocnémio insere-se nos
côndilos femorais, intersectando a articulação do joelho. Se por
sua vez ocorre limitação em ambas as posições, tanto o músculo
solear como o gastrocnémio podem estar envolvidos (Figura 1).
Devem ser pesquisadas deformidades dos membros inferiores
e dorso; as massas musculares e o alinhamento da perna e do
pé. No exame neurológico, deve-se dar particular atenção aos
reflexos osteotendinosos, sensibilidade táctil, postural, dolorosa,
vibratória e de temperatura assim como a força muscular e sinais
de espasticidade, híper ou hipotonia ou a presença de clónus.
Foram já publicadas guidelines e ferramentas de abordagem diagnóstica para ajudar na avaliação de uma criança com
marcha em pontas. Destacam-se as guidelines do Cincinnati
Children´s Hospital Medical Center6 (ver secção “tratamento”) e
a “Toe walking tool”15, uma ferramenta rápida, validada e confiável. O objetivo desta última é diferenciar marcha em pontas
idiopática da marcha em pontas patológica, identificando crianças com fatores de risco importantes para serem avaliadas por
especialista (Quadro I).
Figura 1 – Avaliação da dorsiflexão passiva do pé
A avaliação da dorsiflexão passiva do pé é dependente da posição do joelho:
- Dorsiflexão do pé limitada com o joelho estendido mas não com o joelho fletido = músculo gastrocnémio curto;
- Dorsiflexão do pé limitada com o joelho estendido e fletido = músculos gastrocnémio e/ou solear curtos.
Adaptado de Baumbach et al. BMC Músculoskeletal Disorders 2014, 15:246
artigos de revisão
review articles
29
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Quadro I. Ferramenta de abordagem da marcha em pontas idiopática, adaptado de “The Toe Walking Tool”15
Questão
Tema
Resposta que pode indicar patologia
Nome
Data de nascimento
Género
A criança apresenta marcha em pontas?
A criança tem diagnóstico de patologia responsável pela marcha em pontas?
A criança tem o diagnóstico de perturbação do espetro do autismo?
A criança tem o diagnóstico de paralisia cerebral?
A criança tem o diagnóstico de distrofia muscular?
A criança tem antecedentes familiares de distrofia muscular?
A criança tem o diagnóstico de atraso global do desenvolvimento?
A criança nasceu com peso superior a 2500g?
A criança nasceu após as 37 semanas de gestação?
A criança tem antecedentes de internamento na unidade de cuidados intensivos neonatais?
A criança adquiriu marcha autónoma antes dos 20 meses?
A criança tem algum familiar com marcha em pontas, sem patologia identificada?
A criança tem marcha em pontas unilateral?
A criança marcha em pontas como resposta/defesa à dor?
A criança já teve padrão de marcha normal anteriormente?
A criança é capaz de marcha com os calcanhares quando pedido?
A criança apresenta clónus dos membros inferiores?
A criança apresenta Sinal de Gowers?
A criança apresenta reflexos osteotendinosos dos membros inferiores normais?
A criança apresenta um reflexo cutâneo-plantar normal?
A criança apresenta atraso em mais do que 2 áreas de desenvolvimento?
A criança tem contacto ocular limitado, comportamentos repetitivos ou rituais?
Demográfico
Demográfico
Demográfico
Demográfico
Demográfico
Neurogénico
Neuromuscular
Neuromuscular
Neuromuscular
Neurogénico
Neuromuscular
Neuromuscular
Neuromuscular
Neuromuscular/Neurogénico
Demográfico
Traumático
Traumático
Traumático/Neuromuscular
Traumático/Neuromuscular
Neuromuscular
Neuromuscular
Neuromuscular
Neuromuscular
Neurogénico
Neurogénico
Não se aplica
Não se aplica
Não se aplica
Não se aplica
Não se aplica
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Não
Sim
Não
Não se aplica
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Não
Não
Sim
Sim
Quadro II. Diagnóstico Diferencial de Marcha em Pontas Idiopática
Patologia do Sistema Nervoso Central
Paralisia cerebral
Lesão do trato cortico-espinal
Doenças do movimento
Distonia transitória (marcha em pontas unilateral)
Patologia Medular
Lesão espinal congénita ou adquirida
Diastematomielia
Tumor espinal
Perturbação do processamento sensorial
Patologia neuromuscular periférica
Atrofia do músculo peroneal
Distrofia muscular
Neuropatia
Patologia músculo-esquelética
Contratura (congénita) do tendão de Aquiles
Pé boto ou outras deformidades
Dismetria dos membros inferiores (marcha em pontas unilateral)
Artrogripose
Patologias do desenvolvimento ou do comportamento
Perturbação do espectro do autismo
Atraso de linguagem, dificuldades de aprendizagem ou atraso do desenvolvimento
30
artigos de revisão
review articles
Diagnóstico diferencial
Sendo o diagnóstico de marcha em pontas idiopática um
diagnóstico de exclusão, é essencial na observação destas
crianças excluir todas as causas possíveis para a criança apresentar este padrão de marcha (Quadro II).1
Crianças com paralisia cerebral podem ter antecedentes de
prematuridade, atraso nas aquisições motoras, atraso de linguagem e convulsões, indicadores muito úteis na suspeição diagnóstica.14 Por definição, a paralisia cerebral é causada por uma
lesão que é estática e não progressiva, mas chama-se a atenção
para o facto das contraturas musculares poderem agravar ao
longo do tempo. A marcha é lenta, laboriosa, abrupta e instável
(podendo apresentar o típico padrão de marcha “em tesoura”).
Estas crianças têm pouca coordenação e podem apresentar espasticidade, ataxia e distonia3. Ao exame objetivo, apresentam
habitualmente flexão exagerada da anca e joelho, contratura da
articulação tibio-társica em equino fixo, hipertonia, espasticidade e clónus, reflexos osteotendinosos vivos e reflexo cutâneo-plantar em extensão.3
A patologia medular, nomeadamente a diastematomielia, siringomielia ou a síndrome do filamento terminal habitualmente
apresenta-se em crianças com alterações progressivas da marcha, que se desenvolvem apenas aos dois/três anos; pés cavos
e varos ou valgos, com ulcerações; fraqueza muscular; dor lombar; escoliose progressiva e incontinência ou retenção urinárias
e/ou intestinais. Os sinais de disrafismo espinal como hipertri-
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
cose, fistulas, apêndices, lipomas ou malformações vasculares
na região lombo-sagrada podem estar presentes e devem ser
sempre pesquisados.14
A doença neuromuscular que mais frequentemente se associa a marcha em pontas é a Distrofia de Duchenne, embora
sempre relacionada com outras manifestações prévias. Tipicamente apresenta-se-nos uma criança do sexo masculino, com
fraqueza muscular progressiva, notada entre os dois a cinco
anos, e que já teve uma marcha autónoma normal. Objetivamente, com pseudo-hipertrofia muscular (dos gastrocnémios,
soleares e braquio-radiais), limitação da dorsiflexão passiva da
articulação tibio-társica, marcha com balanço para os lados,
dificuldade em subir escadas e em levantar-se do chão, usando as mãos para “escalar” o próprio corpo (Sinal de Gowers),
hiperlordose lombar e reflexos osteotendinosos diminuídos ou
ausentes.3 As enzimas musculares habitualmente estão elevadas: creatinofosfocinase (CK), desidrogenase láctica (DHL),
transaminases, aldolase e enolase Na biópsia muscular podem
visualizar-se alterações típicas.3 A Distrofia de Becker ocorre em ambos os sexos, habitualmente com uma apresentação mais tardia (pelos oito anos de idade).3 Nas várias formas
de distrofia muscular progressiva é hoje possível, na maioria
dos casos, fazer um diagnóstico molecular, com consequente prognóstico e diagnóstico pré-natal. O correto diagnóstico
destas patologias é essencial; se houver um erro de diagnóstico e tratamento com imobilização ou cirúrgico, é muito difícil
recuperar a função muscular.
As perturbações do espectro do autismo associam-se frequentemente a marcha em pontas. Devemos sempre avaliar a
possível presença de perturbações da comunicação e interação
social, sensoriais ou cognitivas e de comportamentos, interesses ou atividades restritas e estereotipadas. O exame neurológico nestas crianças é normal.3
Exames complementares de diagnóstico
A ressonância magnética medular e/ou cerebral deve ser
efetuada sempre que se suspeite de paralisia cerebral ou patologia medular. É assim aconselhada a realização deste exame
em crianças com alterações ao exame neurológico ou sintomatologia vesico-intestinal. Nos casos em que há recorrência de
marcha em pontas e em que a criança mantém marcha em pontas e contratura em equino significativa, apesar de tratamento
conservador, também deve ser efetuada.16
O doseamento de CK deve ser efetuado em todos os doentes (alguns autores defendem a sua realização apenas se estiver
presente o sinal de Gowers).16
Outros estudos, como genético, metabólico, eletromiografia
ou biópsia muscular, podem ser necessários e devem ser ponderados caso a caso.
Complicações
As complicações decorrentes da marcha em pontas por
um período de tempo prolongado devem-se habitualmente ao
desenvolvimento de uma contratura da articulação tibio-társica
em flexão anterior (pé equino) e podem incluir: fasciite plantar,
dedos em martelo, metatarsalgia e sinovite das articulações metatarsofalângicas, tendinite tibial anterior ou posterior, aquiliana
ou peroneal, exostose retrocalcânea e neuroma de Morton.9, 13
Associadamente, estas crianças podem apresentar hiperlordose
lombar, flexão exacerbada da anca, joelho recurvatum e rotação
externa da tíbia, como mecanismos compensatórios.6, 9
Orientação
Todas as crianças devem ser orientadas para a especialidade de fisiatria e de neurologia pediátrica. Crianças com equino
estrutural, patologia ortopédica congénita ou dorsiflexão do pé
passiva com o joelho em extensão inferior a 10º, apesar de tratamento conservador, devem ser avaliadas por um ortopedista.
Casos de crianças em que haja um atraso de linguagem ou do
desenvolvimento devem ser orientados para um pediatra do desenvolvimento.
Tratamento
Não há evidência de que seja necessário qualquer tratamento para as crianças com esta perturbação.11,17 Vários autores
especulam que a aparente melhoria com tratamento possa ser
decorrente da própria evolução natural, sendo, no entanto, referido que o tratamento pode acelerar esta evolução. Por muitos,
é considerado um problema estético e que deve ser tratado no
caso de incomodar os pais ou a própria criança.17 A identificação e tratamento precoces poderão prevenir o encurtamento do
gastrocnémio e anomalias na marcha e no equilíbrio persistentes, reduzindo a necessidade de tratamentos mais invasivos.6
Estão disponíveis vários tipos de tratamento para estas
crianças, pelo que a escolha deve ser guiada pela percentagem
de tempo de marcha em pontas, grau de dorsiflexão tibiotársica
e idade da criança na avaliação inicial.6 As opções terapêuticas
incluem desde tratamentos mais conservadores a tratamentos
mais invasivos, que habitualmente estão associados a complicações mais frequentes.2
•Fisioterapia
Inclui exercícios de alongamento, mobilização, fortalecimento, estimulação elétrica, treino de marcha, de equilíbrio e de
coordenação e feedback auditivo (comando no calcanhar sensível a pressão que condiciona uma “aprendizagem muscular”).6
Os pais ou cuidadores devem ser ensinados para realizarem os
exercícios no domicílio, sem a presença do profissional. As sessões têm frequência variável, e habitualmente mantêm-se por
períodos prolongados (de um a três anos). O início precoce da
fisioterapia pode prevenir a contratura do gastrocnémio.
•Calçado formativo
Deve ter uma base larga e rígida, de modo que impeça a
flexão do pé na região central e um cano alto, que estabilize a
articulação tibio-társica.10 Pode ser aconselhada também a utilização de palmilhas de silicone constituídas por uma porção
posterior mais alta, para que esta se mantenha em contacto
com o calcanhar.12
•Talas e Ortóteses
Estes dispositivos permitem a manutenção do segmento na
posição de máxima amplitude articular e devem-se utilizar por
artigos de revisão
review articles
31
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
um período entre quatro e seis meses. Existem várias formas e
tamanhos, podem ser rígidas ou dinâmicas e a sua utilização
pode ser diurna ou noturna.
•Gesso seriado
Trata-se de uma imobilização gessada curta (abaixo do joelho), intervalada para ajustamentos de amplitude semanais ou
quinzenais. A duração do tratamento habitualmente varia entre
quatro a seis semanas.6 As complicações associadas a este método são: irritação cutânea, úlceras de pressão, lesão tecidular
permanente e fraqueza muscular, se uso prolongado. Segundo
um estudo de Engström P. e colegas, a eficácia é muito variável
(50 a 100%), com melhores resultados em idades mais precoces.9
•Toxina botulínica tipo A
Induz uma fraqueza muscular temporária e é utilizada habitualmente em associação com fisioterapia, gessos seriados ou
ortóteses. O primeiro estudo realizado em crianças com marcha
em pontas idiopática é muito recente, não havendo ainda resultados conclusivos acerca da sua eficácia.9 Está contraindicada
na presença de contraturas fixas e as complicações são raras,
nomeadamente: dor no local de punção, fraqueza muscular local temporária e síndrome gripal.2, 13
•Cirurgia
A cirurgia pode ser executada por via convencional ou percutânea, sendo a principal técnica utilizada o alongamento do
tendão de Aquiles. Está indicada apenas nos casos em que a
criança apresenta uma contratura fixa em flexão plantar ou que
não responde a tratamento conservador.6, 13 Trata-se de um método rápido, mas com custos elevados. Embora seja habitualmente descrito como o tratamento mais eficaz nestas crianças,
Hirsch G.10 e colegas, num estudo de seguimento a longo prazo,
relatam uma eficácia de apenas 37%. Como método invasivo
que é, está sujeito a riscos e complicações que não podem ser
desprezados. O principal risco é o de alongamento excessivo
do tendão; a infeção no pós-operatório, necrose do tendão,
trombose venosa profunda e perda sensitiva são complicações
também descritas.2, 9
Não existem estudos de controlo randomizados ou prospetivos a longo prazo que permitam concluir acerca do melhor método no tratamento da marcha em pontas idiopáticas. No caso
de uma criança com contratura fixa em equino, de acordo com
a evidência atual, o tratamento cirúrgico parece ser a melhor
opção terapêutica disponivel.9
De acordo com as Guidelines do Cincinnati Children´s Hospital Medical Center6, as opções terapêuticas podem-se estratificar segundo o grau de dorsiflexão da articulação tibio-társica:
•>10º: ensino de exercícios de alongamento e fortalecimento muscular para realizar no domicílio; ponderar prescrição
de calçado formativo ou talas/ortóteses, caso a caso.
•5-10º: fisioterapia quinzenal ou semanal durante quatro
a seis meses, acompanhada da realização de exercícios
no domicílio. Ponderar associar utilização de talas ou ortóteses. Como segunda linha, considerar associar toxina
botulínica.
32
artigos de revisão
review articles
•0-5º: utilização de ortóteses durante a noite por um período
variável entre quatro e seis meses, associado a fisioterapia
semanal e realização de exercícios no domicílio. Como segunda linha, optar por gesso seriado.
•<0º: gesso seriado durante quatro a seis semanas, associado (ou não) a toxina botulínica. A cirurgia deve ser realizada se não houver resolução com medidas conservadoras, como segunda linha de tratamento.
A criança poderá ter alta da consulta quando o grau de dorsiflexão passiva da articulação tibiotársica com o joelho estendido for superior a 10º e a percentagem de tempo de marcha com
calcanhar for superior a 75%.
CONCLUSÃO
A marcha em pontas idiopática ocorre em crianças saudáveis,
sem espasticidade e com reflexos osteotendinosos normais; é
evidente desde o início da marcha autónoma e sempre bilateral e
não progressiva. Habitualmente é uma condição benigna, resolve
espontaneamente na maioria dos casos, não causando grande
preocupação na própria criança enquanto dura (mas não obrigatoriamente nos pais) e que raramente necessita de tratamento cirúrgico. Adultos com antecedentes de marcha em pontas podem
ter uma marcha com menor tempo de contacto do calcanhar com
o solo, mas desconhece-se se daí decorre alguma complicação.
Quando esta alteração da marcha incomoda a criança ou os pais,
deve ser tratada. O tratamento deve ter como objetivo a mínima
intervenção eficaz. Se a marcha em pontas for persistente, apesar
de tratamento conservador, pode complicar com contratura em
equino, necessitando de tratamento cirúrgico.
Perante uma criança que é referenciada à consulta por apresentar marcha em pontas é necessário realizar uma história e exame
objetivo cuidado tendo sempre em mente que esta pode ser o primeiro sinal de patologia tal como paralisia cerebral, distrofia muscular congénita ou perturbação do espectro do autismo. Nestas
crianças é essencial estar alerta para sinais sensoriais ou motores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Engelbert R, Gorter WJ, Uiterwaal C, Putte E, Helders P.
Idiopathic toe-walking in children, adolescentes and young
adults: a matter of local or generalised stiffness? BMC
Músculoskeletal Disorders. 2011; 12: 61.
2. Williams C, Michalitsis J, Murphy A, Rawicki B, Haines T. Do
external stimuli impact the gait of children with idiopathic toe
walking? A study protocol for a within-subject randomised
control trial. BMJ Open. 2013; 3: 0002389.
3. Zimbler S. Idiopathic Toe Walking: Current Evaluation and
Management. Children´s Harvard Hospital. 2007; 98-100.
4. Williams C, Tinley P, Curtin M, Nielsen S. Hand preference in
children with an idiopathic toe walking gait. Acta Pædiatrica.
2012; 101: 140–1.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
5. Fox A, Deakin S, Pettigrew G, Paton R. Serial casting in
the treatment of idiopathic toe-walkers and review of the
literature. Acta Orthop Belg. 2006; 72: 722-30.
6. Le Cras S, Bouck J, Brausch S, Taylor-Haas A; Cincinnati
Children’s Hospital Medical Center: Evidence-based clinical
care guideline for Management of Idiopathic Toe Walking,
http://www.cincinnatichildrens.org/svc/alpha/h/health-policy/
otpt.htm, Guideline 040, pages 1-17, February 15, 2011.
7. Engström P, Tedroff K. The Prevalence and Course of
Idiopathic Toe-Walking in 5-Year-Old Children. Pediatrics.
2012; 130: 279-84.
8. Mark C Clark. Approach to the child with a limp. Uptodate
2013. Última atualização a 14 de Setembro de 2012.
9. Engström P. idiopathic toe-walking in children: prevalence,
neuropsychiatric symptoms and the effect of botulinum
toxin a treatment. the department of children’s and health
Karolinska Institutet, Stockholm, Sweden. Thesis for doctoral
degree. 2012: 1-59.
10.Caselli M. Habitual toe walking. Podiatry management. 2002:
163-78.
11.Eiff M, Steiner E, Judkins D. What is the appropriate
evaluation and treatment of children who are “toe walkers”?
Clinical Inquiries From the Family Physicians Inquiries
Network. 2006; 55: 447.
12.Hirsch G, Wagner B. The natural history of idiopathic toewalking: a long-term follow-up of fourteen conservatively
treated children. Acta Pædiatrica. 2004; 93: 196–9.
13.Engström P, Gutierrez-Farewik E, Bartonek A, Tedroff K, et
al. Does botulinum toxin A improve the walking pattern in
children with idiopathic toe-walking? J Child Orthop. 2010;
4:301–8.
14.Klooker TK, Schuerman FA. Idiopathic toe-walking. Pediatric
Clinics Amsterdam. 2006; 17: 1-2.
15.Williams C, Tinley P, Curtin M. The Toe Walking Tool: A novel
method for assessing idiopathic toe walking children. Gait &
Posture. 2010; 32: 508–11.
16.Duey-Holtz A (approved by). Idiopathic Toe Walking Clinic
Guidelines – Orthopaedic Practice. Children´s Hospital of
Wisconsin Children´s Speciality Goup. 2012.
17.Dietz F, Khunsree S. idiopathic toe walking: to treat or not
to treat, that is the question. The Iowa Orthopaedic Journal.
2012; 32: 184-8.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Sara Domingues:
Serviço de Pediatria,
Unidade Padre Américo,
Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa
Lugar do Tapadinho, Guilhufe, 4564-007 Penafiel
Email: [email protected]
Recebido a 29.06.2014 | Aceite a 07.12.2015
artigos de revisão
review articles
33
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Anexo I – Marcha em pontas em idade pediátrica: algoritmo de abordagem
História Clínica
Pré-natal
Peri-parto
Desenvolvimento
psico-motor/cognitivo
Pós-natal
Antecedentes familiares e história
Frequência cardíaca fetal, rotura de
materna e obstétrica (idade materna,
membranas, duração do trabalho de
gestas/paras, abortamentos, peso
parto, medicação materna, complicaao nascer dos irmãos, consumo de
ções do parto
drogas na gravidez, idade gestacional,
movimentos fetais)
Hipoxia fetal, peso ao
nascer, data de alta da
maternidade
Aquisições motoras e
marcos de desenvolvimento
Comportamento
Adaptação social, comportamentos bizarros,
estereotipias, dependência de rotinas
Exame Objetivo
Avaliação da marcha
Observar
Ouvir
Exame Neurológico e Músculo-Esquelético
Registar
Marcha, corrida e salto
Cadência, contacto do pé
com e sem sapatos
com o solo
e membros inferiores
expostos, transição da
posição de sentado para
de pé

Deformidades

Alinhamento perna e pé

Massas musculares

Testar dorsiflexão do pé com joelho estendido e fletido;

Testar reflexos osteotendinosos,

Testar sensibilidade táctil, postural, dolorosa, vibratória e temperatura

Força muscular (espasticidade, hiper/hipotonia, clónus,…)
“Tread Mat” ou vídeo
Diagnóstico Diferencial
Suspeita de Paralisia
Cerebral se:
Suspeita de Patologia
Medular se:

Complicações período

Sintomatologia vesiconeonatal (prematurida-intestinal
de, baixo peso ao nas
Sinais de disrafismo
cer, asfixia, internamenespinal (hipertricose,
to unidade de Cuidados
fistulas, apêndices, lipoIntensivos Neontais)
mas ou malformações

Atraso do desenvolvivasculares na região
mento psico-motor
lombo-sagrada)

Exame neurológico
alterado (reflexos osteotendinosos-ROTs vivos,
Babinski, clónus)
Suspeita de Miopatia ou
Neuropatia se:

História familiar de
miopatia/ neuropatia

Agravamento progressivo

Fraqueza muscular/
sinal de Gowers

Pseudo-hipertrofia
músculos perna

ROTs diminuídos ou
ausentes

Alterações sensitivas
Suspeita de Patologia Traumática/
Ortopédica se:
Suspeita de Perturbação do Espectro
do Autismo se:

Marcha em pontas unilateral

Perturbações da comunicação e

Marcha em pontas de novo em criança interação social, comportamentos
que já teve marcha normal
estereotipados, interesses restritos

Equino fixo (incapacidade de andar em
calcanhares)
Marcha em Pontas idiopática: diagnóstico de exclusão!
Exames Complementares de Diagnóstico e orientação
Ressonância Magnética Cerebral e/ou CK (+/-DHL, transaminases, enolase e
medular se:
aldolase) se:

Suspeita de paralisia cerebral ou

Todos os doentes (ou apenas se Sinal
patologia medular
de Gowers?)

Se doente mantém marcha em pontas
e contratura em equino significativa,
apesar de tratamento conservador

Recorrência de marcha em pontas
Biópsia muscular e/ou
eletromiografia se:

Suspeita de miopatia ou neuropatia
Orientação
Fisiatria
Todos os doentes
Ortopedia
Se suspeita de patologia traumática/
ortopédica
Tratamento
Grau de dorsiflexão passiva da articulação tibiotársica com o joelho estendido:
>10º
Ensino de exercícios de alongamento e
fortalecimento muscular para realizar
no domicílio +/- calçado formativo ou
talas/ortóteses
5-10º
0-5º
Fisioterapia quinzenal ou semanal (4-6
meses) + exercícios no domicílio +/talas/ortóteses
Utilização de talas durante a noite (4-6
meses) + fisioterapia semanal +
exercícios no domicílio
Considerar toxina botulínica (2ª linha)
Considerar gesso seriado (2ª linha)
Grau de dorsiflexão da articulação tibiotársica com o joelho estendido >10º
+
Marcha com calcanhar > 75% do tempo
artigos de revisão
review articles
Gesso seriado +/- toxina botulínica (4-6
semanas)
Considerar cirurgia (2ª linha)
Alta
34
<0º
Hipertensão pulmonar na criança
Coimbra, 9 de Abril de 2016
O que é a hipertensão pulmonar
Hipertensão pulmonar persistente do RN
Displasia broncopulmonar
Cardiopatias congénitas: dos shunts às lesões obstrutivas
O que é a hipertensão
pulmonar
Avanços
na genética
Patobiologia e novas drogas
Hipertensão
pulmonar
na
criança
Hipertensão
pulmonar
persistente
do RN
Como avaliar
a (in)operabilidade
Secretariado / Inscrições:
As Guidelines: lacunas e desafios em Pediatria
Coimbra, 9 de Abril de 2016
[email protected]
Casos clínicos : sessão interactiva
Displasia broncopulmonar
www.ademi.pt
Data limite de submissão de trabalhos: 9 de Março
Organização
pulmonar
nade
criança
Cardiopatias congénitas: Hipertensão
Coimbra,
9 de Abril
2016
CHLC,CHLO,
H
Cruz
Vermelha
Serviços de Cardiologia
Pediátrica:
CH
Porto,
CH
SJoão,
CHUCoimbra,
dos shunts às lesões obstrutivas Avanços na genética
Hipertensão
pulmonar na criança
Coimbra, 9 de Abril de 2016
Hipertensão pulmonar na cri
Patobiologia
drogas
Coimbra,e9novas
de Abril
de 2016
O
que éavaliar
a hipertensão
pulmonar
Como
a (in)operabilidade
Hipertensão pulmonar persistente do RN
Displasia
broncopulmonar
As Guidelines:
lacunas e desafios em Pediatria
Cardiopatias congénitas: dos shunts às lesões obstrutivas
Avanços na genética
O que é a hipertensão pulmonar
Casos
clínicos:
sessão
interactiva
O
que
é a hipertensão pulmonar
Patobiologia e novas drogas
Hipertensão
pulmonar persistente
Hipertensão pulmonar persistente do RN
Como avaliar a (in)operabilidade
Displasia
broncopulmonar
O que é alacunas
hipertensão
pulmonar
Displasia
broncopulmonar
nscrições:
As Guidelines:
e desafios
em Pediatria
Cardiopatias
congénitas:
dos
pulmonar
persistenteCardiopatias
do RN
congénitas:
dos shunts
àsshun
lesõe
emi.pt
CasosHipertensão
clínicos : sessão
interactiva
Avanços
na genética
Displasia broncopulmonar
Avanços
na genética
Data Cardiopatias
limite de submissão
de
trabalhos:
9
de
Março
congénitas: dos shunts
às lesões
obstrutivas
Patobiologia
novas drogas
Patobiologia
e novasedrogas
Avanços na genética
ComoComo
avaliaravaliar
a (in)operabilidade
a (in)operabilidade
CHLC,CHLO,
H
Cruz
Vermelha
logia Pediátrica: CH Porto,
CH
SJoão,
CHUCoimbra,
Patobiologia
e
novas
drogas
Secretariado
/
Inscrições:
As
Guidelines:
lacunas
e desafios
em Pediatre
Secretariado / Inscrições:
As Guidelines: lacunas
e desafios
Como avaliar a (in)operabilidade Casos clínicos : sessão interactiva
[email protected]
[email protected]
Casos clínicos : sessão interactiva
o / Inscrições:
As Guidelines: lacunas e desafios em Pediatria
www.ademi.pt
www.ademi.pt
Data limite de submissão de trabalhos: 9 de
@ademi.pt
Casos clínicos : sessão interactiva
Data limite de submissão de traba
Organização
pt
Organização
Data
de submissão
de trabalhos:
MarçoCHUCoimbra, CHLC,CHLO, H
Serviços
delimite
Cardiologia
Pediátrica:
CH Porto, 9
CHdeSJoão,
Serviços de Cardiologia Pediátrica: CH Porto, CH SJoão, CHUCoimbra, CHLC
ardiologia Pediátrica: CH Porto, CH SJoão, CHUCoimbra, CHLC,CHLO, H Cruz Vermelha
ça
RN
lesões obstrutivas
trutivas
diatria
o
9 de Março
Vermelha
O, H Cruz Vermelha
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Hiperfosfatasemia transitória benigna da infância
e infeção a campylobacter jejuni
Cláudia AguiarI, Juliana OliveiraI, Alexandra PintoII, Andreia EirasIII,
Conceição CasanovaIV, Maria José DinisIV
BENIGN TRANSIENT HYPERPHOSPHATASEMIA OF
INFANCY AND CHILDHOOD AND
CAMPYLOBACTER JEJUNI INFECTION
ABSTRACT
Introduction: Benign Transient Hyperphosphatasemia
(BTH) is characterised by transient elevation of serum alkaline
phosphatase (ALP) in the absence of liver or bone disease. It has
been associated to several entities, namely infections.
Case report: We describe the case of a healthy twoyear-old child with intermittent episodes of fever, abdominal
pain, vomiting and soft stool since two months ago, with no
relevant changes on physical examination. The exams revealed
elevated ALP (2474 U/L), with normal liver function, calcium and
phosphorus. The stool culture was positive for Campylobacter
jejuni. Clinical condition was resolved after antibiotic therapy
with azithromycin. Six months later serum ALP values were
normal.
Conclusion: The age of presentation, the absence of
underlying disease and subsequent normalization of ALP allow
the diagnosis of BTH. It isn´t possible, according to the available
literature, to guarantee if the infection was the cause of BTH or if
it was the reason to perform the analytical study.
Keywords: Campylobacter jejuni; alkaline phosphatase;
transient hyperphosphatasemia; infection.
RESUMO
Introdução: A Hiperfosfatasemia Transitória Benigna da
Infância (HTBI) caracteriza-se pelo aumento transitório da fosfatase alcalina (FA) sérica, na ausência de doença hepática ou
óssea. Tem sido associada a várias entidades, nomeadamente,
infeções.
Caso clínico: Criança de dois anos, saudável, com episódios intermitentes de febre, dor abdominal, vómitos e dejeções
de fezes moles com dois meses de evolução, sem alterações
relevantes ao exame físico. Apresentava elevação da FA (2474
U/L), com função hepática, cálcio e fósforo normais. O exame
bacteriológico de fezes foi positivo para Campylobacter jejuni.
Efetuou tratamento com azitromicina, com resolução dos sintomas. Seis meses depois verificou-se normalização da FA.
Conclusão: A idade de apresentação, a ausência de doença
subjacente e a normalização posterior da FA permitem o diagnóstico de HTBI. Fica por esclarecer, de acordo com os conceitos mais recentes, se a infeção pode ser considerada fator causal ou foi apenas o motivo para a realização do estudo analítico.
Palavras-chave: Campylobacter jejuni; fosfatase alcalina;
hiperfosfatasemia transitória; infeção.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 35-7
__________
S. de Pediatria, Centro Hospitalar de São João.
4200-139 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected]
II
S. de Pediatria, Hospital Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte.
1649-035 Lisboa, Portugal.
[email protected]
III
Medicina Geral e Familiar da Unidade de Saúde Familiar Rainha D. Amélia.
4000-094 Porto, Portugal.
[email protected]
IV
S. de Pediatria do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/ Vila do Conde.
4490-421 Póvoa de Varzim, Portugal.
[email protected]; [email protected]
I
casos clínicos
case reports
35
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
INTRODUÇÃO
A Hiperfosfatasemia Transitória Benigna da Infância (HTBI)
caracteriza-se por aumento da fosfatase alcalina (FA) sérica,
transitório e não recorrente, na ausência de doença hepática ou
óssea.1,2 É relativamente comum, afetando igualmente ambos
os sexos.1 A sua prevalência exata é desconhecida, mas foram
encontradas prevalências variando entre 1.1% a 3.5%.1
Em 1985, Kraut et al 3 descreveram os seguintes critérios de
diagnóstico: idade de apresentação inferior a cinco anos, ausência de evidência de doença hepática ou óssea no exame físico
ou laboratorial, sintomas clínicos variáveis, elevação das isoenzimas hepática e óssea, normalização dos níveis de FA dentro
de quatro meses. No entanto, nem todos os casos descritos na
literatura correspondem a esta definição.2,4,5 A HTBI ocorre, também, em crianças maiores do que cinco anos e, raramente, em
adultos.2,4 Relativamente ao período de tempo necessário para
normalização da FA, existem casos descritos em que persistiu
elevada durante 17 ou mais semanas.1
Apesar de a maioria dos casos de HTBI ocorrer em crianças sem qualquer doença ativa, foi também descrita associada
a uma variedade de condições clínicas, como gastroenterite e
infeção respiratória.2,5
CASO CLINICO
Criança do sexo masculino, dois anos, sem antecedentes
patológicos relevantes, com boa evolução estaturo-ponderal e
sem antecedentes pessoais ou familiares importantes. Recorreu
ao Serviço de Urgência com febre (39ºC), dor abdominal difusa,
um episódio de vómito e dejeções de consistência mais mole
do que o habitual. Nos últimos dois meses teve vários episódios
com as mesmas características, com a duração de quatro a cinco dias. Aquando da recorrência ao serviço de urgência, foi referido contexto familiar de vómitos e diarreia (avó). Não tinha ingerido água imprópria para consumo, alimentos fora de prazo nem
fármacos. Ao exame objetivo apresentava um razoável estado
geral, palidez cutânea, sem outras alterações. Pela recorrência
destas queixas, havia realizado cerca de uma semana antes estudo analítico que mostrou aumento da FA (2474 U/L), com restantes parâmetros analíticos sem alterações, incluindo TGO (28
U/L), TGP (12 U/L), gama-GT (7 U/L), bilirrubina total (0,12 mg/
dL) e direta (0,06 mg/dL), 5-nucleotidase (13.3 U/L) e o metabolismo cálcio-fósforo. O doseamento das isoenzimas da FA mostrou predominância das isoformas hepáticas (45,5% e 48,3%).
Dado o quadro clínico e a constatação da persistência da hiperfosfatasemia (2134 U/L) no serviço de urgência, foi decidido
internamento. Do estudo efetuado constatou-se anemia (10.8
g/dL) normocítica normocrómica, leucocitose (28,49x10^3/uL,
com 73% neutrófilos e 20% linfócitos), trombocitose (492x10^3/
uL), PCR 0,3 mg/dL, VS 47 mm/1ªh, serologias EBV e CMV negativas, exame bacteriológico de sangue e urina negativos. O
exame bacteriológico de fezes foi positivo para Campylobacter
jejuni spp jejuni. A ecografia abdominal não mostrou alterações
relevantes, nomeadamente do parênquima hepático ou vias biliares. Durante o internamento constatou-se boa evolução clínica, tendo tido alta ao terceiro dia medicado com azitromicina
36
casos clínicos
case reports
oral durante 5 dias (10 mg/kg/dia). Foi orientado para consulta,
com os diagnósticos de gastroenterite aguda a Campylobacter
jejuni e provável HTBI. Seis meses após o internamento constatou-se normalização dos valores séricos de FA, mantendo o restante estudo analítico também dentro dos valores de referência.
Após cerca de um ano de seguimento mantém-se assintomático
e sem alterações ao exame físico.
Foi possível ter acesso aos valores de FA dos pais, realizados em contexto de “rotina”, que se mostraram normais.
DISCUSSÃO
A FA é uma glicoproteína que consiste em 4 isoenzimas: FA
tecidular não específica (renal, óssea, hepática), FA intestinal,
FA placentária, FA das células germinativas. 2,4,5 A maioria é produzida no fígado, osso e na placenta durante o terceiro trimestre
de gravidez. Os valores de FA sérica variam com a idade, sendo
geralmente mais elevados nas crianças e adolescentes, devido
ao aumento fisiológico da atividade osteoblástica.1,4,5 Esta variação com a idade contribui para a dificuldade em interpretar os
níveis das isoenzimas da FA. Os dados disponíveis mostram que
em 50% dos casos de HTBI há uma prevalência da elevação da
isoforma óssea, apesar dos marcadores bioquímicos de formação e reabsorção ósseas serem normais.1 A isoforma hepática
por vezes é a isoforma predominante, tal como se constatou
neste caso.1 O valor da FA na HTBI é habitualmente muito elevado (5 a 30 vezes o limite superior de referência), comparativamente a outras causas de elevação da FA.1
Alguns autores propuseram fatores de risco associados a
HTBI. 2 Existe história de infeção recente, nomeadamente infeções das vias aéreas, superiores e inferiores, bem como gastroenterite, em mais de 60% dos casos com ou sem doença
crónica subjacente, pelo que tem sido postulado que a HTBI
é causada por uma infeção precedente, geralmente vírica.1,5,7,8
No entanto, os dados publicados não permitem afirmar a existência de uma relação causal. A aparente associação com uma
infeção recente pode simplesmente refletir um viés resultante
da maior tendência à realização de análises em crianças com
estas infeções.1 A grandeza da elevação da FA e a sua duração
é semelhante nos indivíduos com ou sem doença associada. 1
Por definição a HTBI não esta associada a alteração dos níveis de cálcio, fosfato inorgânico ou deficiência de vitamina D.
No entanto, tem sido especulado que a HTBI ocorra num período de crescimento catch-up após perda de peso ou como
consequência de insuficiência subclínica de vitamina D. 1
A associação de atraso do crescimento com HTBI não foi
confirmada num estudo prospetivo, tal como havia sido proposto em vários estudos retrospetivos, especulando-se que essa
associação possa ser em parte explicada pelo facto dessas
crianças estarem mais sujeitas a investigação laboratorial.2
Foram descritos casos em crianças com leucemia, linfoma e
após transplante hepático, renal ou cardíaco. 9,10,11
O mecanismo pelo qual ocorre aumento da FA permanece
incerto.1,2 A hipótese mais provável é tratar-se de uma redução
da clearance hepática da FA, mais do que um aumento da sua
produção. 1,2,4,12
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Dada a benignidade da condição, a avaliação da FA por rotina em crianças saudáveis não deve ser efetuada com o intuito de
diagnosticar HTBI. No entanto, se uma hiperfosfatasemia for detetada e não houver uma causa óbvia, deve ser considerada a possibilidade de HTBI, sobretudo se se tratar de um criança com menos
de 5 anos, sem sintomas ou sinais sugestivos de doença hepática
ou óssea, e, mais ainda, se tiver ou tiver tido infeção recente.
A avaliação clínica deve permitir o diagnóstico diferencial
com outras condições que causam aumento da FA, nomeadamente doenças ósseas (raquitismo, osteomalácia, Doença de
Paget juvenil, tumores ósseos), doenças hepáticas (colestase,
tumores), doenças renais (insuficiência renal crónica, acidose
tubular renal e outras tubulopatias), hiperparatiroidismo, imunodeficiência, linfoma, fármacos (co-trimoxazol, antiepilépticos
como fenobarbital e valproato de sódio, quimioterapia) e menos
frequentemente doença de Crohn, enfarte pulmonar ou renal.1,6,12
Para isso deve ser efetuada uma história clínica e exame físico cuidadosos, dando particular atenção aos sinais clínicos de
doença óssea (atraso do encerramento das fontanelas, bossas
frontais e parietais, alargamento da junção costo-crondral, sulco
de Harrison, craniotabes, alargamento dos pulsos, sinal do duplo maléolo, encurvamento lateral progressivo do fémur e tíbia)
ou de doença hepática (icterícia, prurido, spider naevi, equimoses, urina de cor escura, ascite, esteatorreia, hepatoesplenomegalia). Os exames complementares de diagnóstico devem
incluir avaliação da função hepática, com repetição seriada da
FA, função renal e metabolismo cálcio-fósforo. Dada a elevada
prevalência de défice de vitamina D, este deve ser suspeitado
no caso de lactentes em aleitamento materno exclusivo, sem a
suplementação necessária, em crianças em dieta vegetariana,
em crianças sob terapêutica com anticonvulsivantes ou antiretrovirais e nas doenças de má absorção.1
Deve também ser considerada a hipótese de hiperfosfatasemia benigna familiar, que no caso descrito foi excluída.
O seguimento da criança e a constatação da normalização
do valor da FA dentro do período de tempo previsto é fundamental para a confirmação do diagnóstico. Reconhecer a HTBI
evita a realização de investigação adicional desnecessária.
Em conclusão, os autores consideram que o caso descrito, apresenta as características de HTBI (idade inferior a cinco
anos, aumento da FA sem evidência de doença hepática ou óssea, normalização dos valores séricos de FA dentro de 6 meses). Apesar de ter sido efetuado o estudo das isoenzimas, este
não é necessário para o diagnóstico.1 Foi efetuado simultaneamente o diagnóstico de gastroenterite aguda a Campylobacter
jejuni, ocorrência esta também reportada em outros casos.13 No
entanto, não é ainda possível estabelecer uma relação causal
entre a infeção por Campylobacter jejuni e a hiperfosfatasemia.
EM DESTAQUE
Perante uma hiperfosfatasemia sem causa óbvia, deve
colocar-se a hipótese de se tratar de HTBI. Reconhecer esta
entidade deverá evitar a realização de investigação adicional
desnecessária. Tem sido descrita a associação com infeções,
nomeadamente gastrointestinais.
HIGHLIGHTS
In case of a hyperphosphatasemia without obvious cause, the
hypothesis of BTH shoud be placed. Recognizing this entity must
avoid performing unnecessary additional investigation. Association
with infection, particularly gastrointestinal, has been described.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Gualco MD et al. Transient benign hyperphosphatasemia. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition
2013;57:167-71.
2. Huh SY. et al. Prevalence of transient hyperphosphatasemia among healthy infants and toddlers. Pediatrics
2009;124:703-9.
3. Kraut J. Isoenzime studies in transient hyperphosphatasemia of infancy. AJDC 1985;139:736-40.
4. Tolaymat N, Melo MCN. Benign Transient hyperphosphatasemia of infancy and childhood. South Med J 2000;93.
5. Pace A, Osinde M. Hiperfosfatasemia transitoria benigna de
la infancia. Una aproximación racional. Arch. Argent. Pediatr;
1999; 97: 383.
6. Alves C, Arruti R. “Hiperfosfatasemia Transitória Benigna da
Infância”. Acta Ortopédica Brasileira; 2008; 17: 55-7.
7. Nuñez MA, Menendez A, Diez M.“Hiperfosfatasemia transitoria de la infancia. Nueve casos y revisión de las aportaciones
españolas”.Anales Españoles de Pediatria; 1997; 46: 503-7.
8. Otero JL et al. Elevated alkaline phosphatase in children: an
algorithm to determine when a “wait and see” approach is
optimal. Clinical Medicine Insights: pediatrics 2011;5:15-8.
9. Ranchin B, Villard F, André JL, Canterino I, Said MH, Boisson
RC, et al. Transient hyperphosphatasemia after organ transplantation in children. Pediatr Transplant. 2002;6:308-12.
10.Gennery AR, Peaston RT, Hasan A. Benign transient hyperphosphatasemia of infancy and early childhood following
cardiac transplantation. Pediatr Transplant. 1998;2:197-9.
11.Massey GV, Dunn NL, Heckel JL, Chan JC, Russell EC. Benign transient hyperphosphatasemia in children with leukemia and lymphoma. Clin Pediatr (Phila).1996;35: 501-4.
12.Kutilek S, Cervickova B, Bebova P, Kmonickova M, Nemec
V. Normal bone turnover in transient hyperphosphatasemia.
J Clin Res Pediatr Endocrinol 2012;4:154-6.
13.Marcos JMG, Árias MM, Olavarría FE, Sierra AA. Hiperfosfatasemia transitória benigna: aportacion de 20 nuevos casos.
An Esp Pediatr 1996;44:112-6.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Cláudia Aguiar:
Serviço de Pediatria Médica,
Hospital Pediátrico Integrado,
Centro Hospitalar São João
Alameda Prof. Hernâni Monteiro, 4200-319 Porto
Email: [email protected]
Recebido a 10.11.2014 | Aceite a 15.10.2015
casos clínicos
case reports
37
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Herpes zoster como primeira manifestação de
infeção por vírus varicela-zoster
numa criança saudável
Catarina CarruscaI; Raquel MachadoI; Carolina AlbuquerqueI; Florbela CunhaI
HERPES ZOSTER AS FIRST MANIFESTATION OF
VARICELLA-ZOSTER VIRUS INFECTION IN A HEALTHY
CHILD
ABSTRACT
Herpes zoster (HZ) results from reactivation of varicellazoster virus. HZ’s incidence increases with age and although
rarely, it can affect healthy children. We describe a previously
healthy 29-months-old girl with herpes zoster ophtalmicus. She
presented with fever and a painful vesicular skin rash covering
the right forehead. She had no past history of clinical varicella
or varicella vaccination, although she had household contact
with varicella at two months-old. Serologic varicella zoster
virus tests were initially negative, but seroconversion occurred
8 weeks later. Polymerase chain reaction assay of the vesicles
fluid was positive for the virus. Intravenous acyclovir was started
and the patient recovered without sequelae. HZ may occur in
an otherwise healthy young child without previous noticed
varicella and with negative acute phase serology. This can be
explained by the immaturity of the immune system associated
with transplacental transfer of maternal antibodies affecting
immunologic response to early primary infection.
Keywords: Herpes zoster ophtalmicus; serologic tests;
asymptomatic infections; preschool child.
__________
S. de Pediatria, Hospital Vila Franca de Xira. 2600-009 Vila Franca de
Xira, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
I
38
casos clínicos
case reports
RESUMO
O herpes zoster (HZ) resulta da reativação do vírus varicela-zoster (VVZ). A incidência aumenta com a idade, sendo raro
em crianças saudáveis. Descrevemos um caso de HZ oftálmico
numa menina de 29 meses, previamente saudável. Apresentava
febre e erupção cutânea vesicular dolorosa no território oftálmico do nervo trigémio. Sem história de varicela ou vacinação
anti-varicela prévias. Teve contacto intrafamiliar com varicela
aos dois meses de idade. A pesquisa do vírus nas vesículas por
polimerase chain reaction foi positiva. Os títulos de IgG e IgM
anti-vírus varicela-zoster foram inicialmente negativos, tendo
ocorrido seroconversão oito semanas depois. Medicada com
aciclovir endovenoso, recuperou sem sequelas. O HZ pode
ocorrer em crianças previamente saudáveis, sem evidência de
varicela anterior e com serologia para VVZ negativa. Tal pode
ser explicado pela imaturidade do sistema imunológico, assim
como pela transferência transplacentária de anticorpos maternos, aquando da infeção primária precoce.
Palavras-chave: Herpes zoster oftálmico, testes sorológicos, infeções assintomáticas, criança pré-escolar.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 38-41
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
INTRODUÇÃO
O herpes zoster (HZ) resulta de reativação do vírus varicela
zoster (VVZ), que permanece latente em gânglios da raiz dorsal de nervos sensoriais ou de nervos cranianos após a infeção
primária. Caracteriza-se por um exantema vesicular com distribuição no dermátomo sensorial afetado. A infeção primária é a
varicela e quase sempre tem uma expressão clínica evidente.1,3
A incidência de HZ aumenta com a idade devido à perda de
imunidade celular, que desempenha um papel importante na defesa do hospedeiro contra o vírus. Situações de imunossupressão como patologias oncológica e hematológica, determinados
fármacos e infeção pelo vírus da imunodeficiência humana
também predispõem à reativação.1,2 Raramente, HZ pode afetar crianças saudáveis, com uma incidência anual de 0,3 a 0,74
casos por 1000 abaixo dos dez anos de idade.3 É mais frequente
quando adquirem varicela in útero ou durante o primeiro ano de
vida1,2, o que se explica pela imaturidade da imunidade celular
nesta população.2,4 Os quadros de HZ podem também surgir
como resultado de uma diminuição transitória da imunidade celular ao VVZ, possivelmente em contexto de infeção subclínica
por outros vírus.4,5 A infeção primária a VVZ leva à produção de
imunoglobulinas (Ig) G, M e A com atividade neutralizante do
vírus. Em regra, a IgG persiste por toda a vida. Em pequenos
lactentes, os títulos de anticorpos específicos que se desenvolvem em resposta à infeção primária são geralmente inferiores
comparativamente a crianças mais velhas.6
Herpes zoster oftálmico (HZO) ocorre quando o ramo oftálmico do nervo trigémeo é afetado e pode apresentar complicações que comprometam a acuidade visual.1
Apresentamos um caso de HZO numa menina de 29 meses
de idade, sem varicela clínica anterior e com anticorpos IgM e
IgG anti-VVZ negativos na fase aguda.
CASO CLÍNICO
Criança de 29 meses, sexo feminino, saudável, sem história
prévia de varicela. Recebeu aleitamento materno nos primeiros
seis meses de vida. Apresentava as imunizações de acordo com
o Programa Nacional de Vacinação sem vacina anti-varicela ou
anti-pneumocócica. A mãe referia ter tido varicela na infância.
Aos dois meses de idade, a criança esteve em contacto próximo
com o irmão com varicela.
Recorreu ao serviço de urgência por aparecimento de erupção vesicular dolorosa de base eritematosa e edematosa em
placa, localizada na área frontal direita incluindo a pálpebra superior, com nítida demarcação na linha média (Figura 1), sem
atingimento da extremidade nasal (sinal de Hutchinson negativo). Não se registava proptose, dor ou compromisso dos movimentos oculares. As queixas tinham surgido três dias antes,
com agravamento progressivo e aparecimento de febre alta e
prostração poucas horas antes da admissão hospitalar. A erupção vesicular unilateral com distribuição no dermátomo do ramo
oftálmico do nervo trigémio era sugestiva de HZ, admitindo-se
também sobreinfeção bacteriana pelas características dos sinais inflamatórios. Face à exuberância e localização das lesões,
decidiu-se internamento para iniciar terapêutica endovenosa.
Figura 1 - Exantema vesicular, com edema e eritema cutâneos subjacentes, no território do ramo oftálmico do nervo trigémio.
A avaliação laboratorial revelou proteína C reativa sérica de
0,77 mg/dL (normal <0,50 mg/dL), com restantes parâmetros inflamatórios normais. A polimerase chain reaction (PCR) do fluido
das vesículas foi positiva para VVZ e negativa para Vírus Herpes
Simplex (VHS) 1 e 2 e outros vírus herpes. Os anticorpos IgG e
IgM anti-VVZ (imunoensaio automatizado por quimilumines­cência
LIAISON®) na admissão foram negativos: IgG 14,8 mIU/mL (negativo <50,0; positivo >100,0 mIU/mL); IgM 0,1 mIU/mL (negativo
<10,0; positivo >15,0 mIU/mL). As serologias IgG e IgM para Herpes Simplex (VHS) 1 e 2 foram negativas. No exame bacteriológico do exsudado das vesículas isolou-se Streptococcus pneumoniae sensível à penicilina. A hemocultura foi estéril.
Instituiu-se terapêutica endovenosa com aciclovir (10 mg/
kg a cada 8 horas) e flucloxacilina (50 mg/kg a cada 8 horas),
posteriormente substituída por amoxicilina (100 mg/kg/dia), face
ao resultado da análise bacteriológica do fluido das vesículas.
Realizou também terapêutica tópica com aciclovir e azitromicina. Após a alta, completou 10 dias de antibioticoterapia.
A doente permaneceu apirética desde o terceiro dia de internamento e as lesões cutâneas evoluíram progressivamente para
crostas. Uma semana após a admissão, os sinais inflamatórios
encontravam-se francamente melhorados (Figura 2). Foram realizadas observações oftalmológicas seriadas que excluíram atingimento ocular.
Foi encaminhada na consulta de infeciologia, tendo repetido a serologia para VVZ oito semanas depois, que revelou uma
subida significativa dos títulos IgG anti-VVZ (>4000.0 mIU/L)
mantendo-se a IgM anti-VVZ negativa. A eletroforese das imunoglobulinas foi normal. Aos 12 meses de seguimento a criança manteve-se sem quaisquer sequelas cutâneas, oculares ou
neurológicas, sem outras infeções relevantes e com desenvolvimentos psico-motor e estaturo-ponderal adequados.
casos clínicos
case reports
39
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Figura 2 - Lesões em crosta de herpes zoster oftálmico após oito dias
de tratamento.
DISCUSSÃO
Descreve-se um caso de HZ sem história de varicela prévia e
com anticorpos anti-VVZ negativos na fase aguda. O diagnóstico
foi baseado na clínica de erupção vesicular com a distribuição característica ao longo de um dermátomo e confirmado por PCR no
fluido das vesículas, sendo este um método sensível e rápido.6,7
Admitiu-se que a doente provavelmente teria tido uma infeção subclínica pelo VVZ aos dois meses de idade, por contágio
intrafamiliar. Cerca de dois anos e meio depois, apresentou um
quadro de HZ exuberante. Aquando da infeção primária nesta
criança, a imaturidade do sistema imune, associada à transferência passiva de anticorpos maternos, poderão explicar quer
a ausência de manifestações clínicas, quer os baixos níveis de
anticorpos anti-VVZ desenvolvidos, e mais tarde a exuberância
da reativação do VVZ. Há poucos casos descritos de HZ com
anticorpos anti-VVZ negativos na fase aguda.8
Sabe-se que os recém-nascidos cujas mães são imunes para
VVZ têm maior probabilidade de desenvolver varicela subclínica nos seis primeiros meses de vida9. Os anticorpos anti-VVZ
maternos, transferidos de forma passiva durante a gravidez e
aleitamento, podem modificar a apresentação da doença.4 Tem
sido descrita uma resposta imune humoral e celular de menor
intensidade à infeção por VVZ em lactentes, comparativamente
a crianças mais velhas, o que vai favorecer a sua reactivação.9 A
infeção pelo VVZ no primeiro ano de vida, mesmo subclínica, é
um fator de risco major para o desenvolvimento de HZ precoce
em crianças saudáveis.1-4 O período de latência entre o aparecimento de varicela e de HZ parece ser tanto mais curto quanto
mais precoce for a infeção primária1. Neste caso, foi inferior à
média de 3,8 anos que está descrita na literatura.1
Numa criança previamente saudável com HZ, sem antecedentes de relevo e sem outras alterações no exame físico, não
é necessário realizar uma investigação laboratorial para excluir
imunodeficiência ou doença neoplásica.4,10 A subida significativa
no título de IgG anti-VVZ confirma a eficácia da resposta imune
humoral desta doente após a reativação da infeção a VVZ.
40
casos clínicos
case reports
Várias situações fazem diagnóstico diferencial com HZ. A
infeção a VHS caracteriza-se igualmente por um exantema vesicular mas sem a distribuição ao longo de um dermátomo. No
presente caso, esta infeção foi excluída pela negatividade da
PCR nas vesículas e dos anticorpos séricos IgG e IgM anti-VHS
1 e 2. O aspecto cutâneo do HZ pode ser semelhante à dermatite de contacto, mas esta geralmente associa-se a prurido e não
a dor intensa e febre.
A sobreinfeção cutânea é a complicação mais frequente do
HZ, geralmente sob a forma de impétigo causado por Streptococcus pyogenes ou Staphylococcus aureus. O Streptococcus
pneumoniae é um agente pouco frequente de infeções cutâneas, nomeadamente celulite e erisipela.4 Atendendo ao edema,
eritema e exsudação cutâneas, associados a febre alta, foi considerado o diagnóstico de celulite local com atingimento ocular
pré-septal como complicação do HZ. A proximidade das cavidades nasal e oral, e a ausência de vacinação anti-pneumocócica podem explicar a sobreinfeção por este agente.
Ocorrem frequentemente complicações oculares no HZO1,
tais como conjuntivite, queratite, uveíte anterior, iridociclite, retinite ou mesmo perda de visão.1,5 O envolvimento ocular é menos
comum na ausência de sinal de Hutchinson, tal como ocorreu
no presente caso.1
A terapêutica anti-viral não é preconizada na maior parte
das situações de HZ na criança, que consiste habitualmente
numa infeção ligeira.11 Nos casos de infeção grave, em crianças imunodeprimidas ou se envolvimento de nervos cranianos,
a terapêutica anti-viral reduz a formação de novas vesículas e
acelera a cicatrização.1 O tratamento também é utilizado para
prevenção de complicações de HZO, como queratite e uveíte
anterior, devendo ser iniciado nas primeiras 72 horas após o
início do exantema.9 O aciclovir constitui o fármaco de eleição
em caso de HZ em idade pediátrica, sendo seguro mesmo em
altas doses.3 Deve ser complementado com a aplicação tópica em caso de infeção ocular, por se atingirem concentrações
mais elevadas no segmento anterior do olho por esta via.8 Nesta
doente, a existência de lesões exuberantes de HZO motivaram o
tratamento endovenoso e ocular tópico com aciclovir, de forma
a prevenir complicações oculares.
EM DESTAQUE
A principal mensagem deste caso é que a infeção HZ pode
ocorrer nos primeiros anos de vida, em crianças saudáveis, sem
história prévia de varicela, e com serologias negativas para VVZ.
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na distribuição
do exantema no território de um dermátomo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. De Freitas D, Martins E N, Adan Alvarenga L, Pavan-Langston D. Herpes zoster ophtalmicus in otherwise healthy children. Am J Ophtalmol 2006;142:393-9.
2. Papadopoulos A, Birnkrant A, Schwartz R, Janniger CK.
Childhood Herpes Zoster. Pediatr Dermatol 2001;68:21-3.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
3. Pinchinat S, Cebrián-Cuenca AM, Bricout H, Johnson RW.
Similar herpes zoster incidence across Europe: results from
a systematic literature review. BMC Infect Dis. 2013;13:170.
4. Gershon A. Varicella-Zoster Virus Infections. Pediatr Rev
2008;29:5-10.
5. Long S, Prickering L, Prober S. Principles and practice of
Pediatric Infectious Diseases. 3rd ed. Churchill Livingstone;
2008.
6. Leung J, Harpaz R, Baughman A, Heath K, Loparev V, Vázquez M, et al. Evaluation of laboratory methods for diagnosis
of varicella. Clin Infect Dis. 2010;51:23-32.
7. Soeteman M, Willems R, Busari J. Herpes zoster ophthalmicus in an otherwise healthy 2-year-old child. BMJ Case
Reports. 2012;10.1136/bcr-2012-007015.
8. Kurlan J, Conelly B, Lucky A. Herpes Zoster in the First Year
of Life Following Postnatal Exposure to Varicella-zoster Virus. Four Case Reports and Review of Infantile Herpes Zoster. Arch Dermatol. 2004;140:1268-72.
9. Dobrev H. Herpes zoster in infants. Folia Med (Plovdiv)
1994;36:45-9.
10.Feder H Jr, Hoss D. Herpes zoster in otherwise healthy children. Pediatr Infect Dis J. 2004;23:451-7.
11.Terada K, Kawano S, Yoshihiro K, Miyashima H, Morita T.
Characteristics of herpes zoster in otherwise normal children. Pediatr Infect Dis J 1993;12:960-1.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Catarina Carrusca:
Rua Professor João Barreira, n.º 10, 5.º D.
1600-637 Lisboa
Email: [email protected]
Recebido a 16.09.2015 | Aceite a 30.11.2015
casos clínicos
case reports
41
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Malformação vascular linfática
com localização incomum
Ana Isabel RodriguesI; Gonçalo InocêncioI; Madalena MoreiraI; Maria do Céu RodriguesI; Fan YidaII;
Graça RodriguesIII; Olímpia CarmoIII; Luísa OliveiraIV; Alberto VieiraV;
VASCULAR LYMPHATIC MALFORMATION WITH
UNCOMMON LOCALIZATION
ABSTRACT
Introduction: Vascular lymphatic malformations are rare
entities that affect lymphatic vessels. The authors report a case
of abdominopelvic lymphatic malformation.
Case Report: 28 years-old, Gestation 2, Birth 1. Referred
to Prenatal Diagnosis Center at the 20th week of gestation
by ultrasound suggestive of abdominopelvic lymphatic
malformation, confirmed by fetal magnetic resonance imaging.
Fetal cytogenetic study was normal. Couple being aware of
prognosis after discussion with Pediatric Surgery. Cesarean
section at 38th week. Prenatal diagnosis was confirmed by
newborn´s examination. At 18 months, the child underwent
intralesional sclerotherapy. At 4 years, surgical excision of the
lesion was performed because of symptomatic development.
Always showed normal development and growth.
Discussion/Conclusion: Prenatal diagnosis is sonographic;
fetal magnetic resonance imaging confirms the diagnosis and
defines more precisely the extent of the lesions. Clinical and
sonographic vigilance should be maintained in order to detect
decompensation or hydroptic signs and compression of adjacent
structures.
Keywords: Prenatal diagnosis, magnetic resonance imaging,
ultrasonography, vascular lymphatic malformation.
RESUMO
Introdução: As malformações vasculares linfáticas são entidades raras que afetam os vasos linfáticos. Os autores relatam
um caso clínico de uma malformação linfática abdomino-pélvica.
Caso Clínico: 28 anos, Gesta 2, Para 1. Encaminhada à
Unidade de Diagnóstico Pré-Natal, às 20 semanas, por imagem ecográfica sugestiva de malformação linfática abdomino-pélvica, confirmada por ressonância magnética fetal. Estudo
citogenético fetal normal. Consulta de Cirurgia Pediátrica para
informar o casal do prognóstico. Cesariana eletiva às 38 semanas. Observação do recém-nascido confirmou o diagnóstico
pré-natal. A criança foi submetida, aos 18 meses, a escleroterapia intralesional. Aos 4 anos, foi efetuada exérese cirúrgica da
lesão por desenvolvimento de sintomas. Apresentou sempre
desenvolvimento e crescimento normais.
Discussão/Conclusões: O diagnóstico pré-natal é ecográfico; a ressonância magnética fetal permite confirmar o diagnóstico e define com maior rigor a extensão das lesões. Deve
manter-se vigilância clínica e ecográfica, para deteção de sinais
de descompensação ou hidrópsia e de compressão das estruturas adjacentes.
Palavras-chave: Diagnóstico pré-natal, ecografia, malformação vascular linfática, ressonância magnética fetal.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 42-7
__________
S. Obstetrícia, Unidade de Diagnóstico Pré-Natal do Centro Materno
Infantil do Norte, Centro Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]
II
S. Obstetrícia, Unidade de Vila Real, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro. 5000-508 Vila Real, Portugal.
[email protected]
III
S. Obstetrícia, Unidade Diagnóstico Pré-Natal, Unidade Hospital Padre
Américo, Centro Hospitalar Tâmega e Sousa.4564-007 Penafiel, Portugal.
[email protected]; [email protected]
IV
S. Cirurgia Pediátrica, Centro Hospitalar do Porto.
4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]
V
Centro de Imagiologia Médica Dr. Campos Costa.
4050-075 Porto, Portugal.
[email protected]
I
42
casos clínicos
case reports
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
INTRODUÇÃO
As malformações vasculares linfáticas são malformações dos
vasos linfáticos raras (1/6000 nados vivos).1-3 Foram descritas pela
primeira vez em 1843, por Wernher.4 Outrora denominadas incorretamente de linfangiomas ou higromas císticos, por estes termos
poderem sugerir existência de tumor, o seu nome foi substituído
por malformações vascular linfáticas de baixo fluxo de acordo com
a nova classificação da “International Society for the Study of Vascular Anomalies Classification”, com o objetivo de estabelecer uma
linguagem científica correta e global.5-8 Assim sendo, estas malformações representam um grupo de lesões congénitas caracterizadas pelo desenvolvimento vascular linfático anormal, mas sem
proliferação celular.6 Embora a sua patofisiologia seja ainda uma incógnita, pensa-se que estas se formem a partir da ausência de comunicação dos vasos linfáticos com o sistema venoso.1-4,9 A acumulação de fluido nos vasos linfáticos dilatados e tecido conjuntivo
origina linfedema progressivo dos tecidos subcutâneos, acompanhado do aumento da pele circundante, podendo ocorrer hidrópsia
fetal.2,8 Por manterem o seu potencial de crescimento embrionário,
podem penetrar nas estruturas adjacentes ou desenvolverem-se
ao longo destas, formando quistos, onde se acumulam as secreções, por ausência da drenagem para o sistema venoso.1-3 Tipicamente, desenvolvem-se no final do primeiro e início do segundo
trimestre da gravidez, tornando-se menos frequentes à medida que
a idade gestacional aumenta.10 Envolvem a pele e o tecido celular
subcutâneo, com localização mais frequente no pescoço (75%) e
região axilar (20%).1,11 Afetam a região abdominal e pélvica somente em 2% dos casos.11 A maioria das malformações vasculares linfáticas são percetíveis ao nascimento (50-65%).1 O seu diagnóstico
pré-natal é ecográfico, como documentado na literatura.9,12 A ressonância magnética fetal pode ser realizada para determinar a extensão das lesões.12 Perante a identificação de uma malformação
vascular linfática durante a gravidez, deve ser oferecida à grávida a
possibilidade de realizar amniocentese, uma vez que esta patologia
se pode associar a algumas cromossomopatias.1,12 A morbilidade
destas lesões é dependente da sua localização e ocorre em 2-6%
dos casos.12 O tratamento de eleição é dependente do tamanho,
características e afetação da qualidade de vida do doente, sendo
sempre que possível conservador.1,3,6,7.
CASO CLÍNICO
Mulher de 28 anos, raça caucasiana, Gesta 2 Para 1, com
antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Submetida a
ecografia do 1º trimestre, às 13 semanas de gestação, que mostrou espessamento dos planos cutâneos/subcutâneos da cintura
pélvica, à direita (fig.1). Esta imagem, sugestiva de malformação
linfática localizada na região abdomino-pélvica, foi também encontrada na ecografia morfológica, às 20 semanas. Por este motivo, foi encaminhada para a Unidade de Diagnóstico Pré-Natal
do Centro Hospitalar do Porto. Para confirmação do diagnóstico
efetuou ressonância magnética fetal às 21 semanas, cujo resultado foi concordante com a suspeita ecográfica (fig.2). No sentido
de excluir possíveis alterações cromossómicas, realizou amniocentese às 22 semanas, tendo sido o resultado do doseamento
da alfa-fetoproteína e do estudo citogenético fetal normal (46,XY).
Figura 1 – Ecografia às 13 semanas: lesão de natureza cística, na
dependência dos planos cutâneos/subcutâneos da região pelvica,
à direita.
Figura 2 – RMN fetal (Sequência single shot coronal): formação
quística heterogénea com septos e conteúdo hídrico heterogéneo
refletindo conteúdo com diferentes concentrações proteicas, em
topografia para-abdominal direita.
casos clínicos
case reports
43
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
A reavaliação ecográfica, às 24 e 26 semanas mostrou aumento do tamanho da formação quística multisseptada, que se
estendia até região nadegueira e parecia invadir as estruturas
da cavidade pélvica. (fig.3). Com o objetivo de definir os limites
da tumefação intra-abdominal e confirmar a integridade intestinal, repetiu ressonância magnética fetal às 29 semanas, que
revelou volumosa tumefação, na vertente lateral direita da pelve, com duas formações quísticas heterogéneas polisseptadas,
reflectindo dois componentes intra-abdominal - perirrenal - e
extra-abdominal, desde a região do hemitórax até à região nadegueira.
Fig. 4: RMN pós-natal ao 3º dia de vida (Sequência single shot coronal): volumosa malformação linfática extraperitoneal (11,7 x 5,2 x 4,2
cm), infiltrando os planos da parede do flanco e região lombo-sagrada
direitas, de aspeto multilocular, com componente retroperitoneal, com
efeito compressivo no polo inferior do rim ipsilateral, mas sem o infiltrar.
Figura 3 – Ecografia às 26 semanas: formação cística cutânea/subcutânea, estendendo-se ao longo do flanco direito e região
nadegueira.
Em consulta de Cirurgia Pediátrica, o casal foi informado do
provável plano terapêutico pós-natal e do prognóstico. Foi mantida vigilância ecográfica até ao parto, não tendo sido esclarecida a existência de continuidade entre as lesões intra e extra
abdominais. Nunca desenvolveu hidrópsia fetal. Na última ecografia pré-natal, às 36 semanas, as dimensões da lesão eram
de aproximadamente, 11 x 9 x 2 cm. A grávida foi submetida a
cesariana programada às 38 semanas, por decisão conjunta do
grupo de trabalho da Obstetrícia e da Cirurgia Pediátrica, tendo
sido extraído um recém-nascido, vivo, do sexo masculino, com
peso ao nascimento de 3280g e Índice de Apgar de 9/10 ao 1ºe
5ºminutos, respetivamente.
A avaliação inicial neonatal confirmou o diagnóstico pré-natal. A ressonância magnética, ao 3ºdia de vida, mostrou volumo-
44
casos clínicos
case reports
sa malformação linfática extraperitoneal (11,7 x 5,2 x 4,2 cm),
infiltrando os planos da parede do flanco e região lombo-sagrada direitas, de aspeto multilocular, com componente retroperitoneal, com efeito compressivo no polo inferior do rim ipsilateral,
mas sem o infiltrar (fig.4). Foi programada reavaliação clínica e
ecográfica em consulta de Cirurgia Pediátrica aos 2 meses de
idade, para decisão de eventual escleroterapia intralesional. A
ecografia abdominal mostrou manutenção de volumosa lesão
com múltiplas áreas quísticas, medindo cerca de 9,3 x 6 cm,
admitindo-se possível extensão ao retroperitoneu. Por o doente se encontrar assintomático, pela possibilidade de regressão
espontânea da lesão e a mesma naquele momento apresentar
dimensões estáveis, foi decidido adiar o tratamento e reavaliar
trimestralmente.
Aos 12 meses, optou-se por tratamento conservador da
malformação linfática por manutenção do tamanho da mesma,
apesar da ausência de sintomas, mas devido à ocorrência de infeção respiratória no período pré-operatório, a cirurgia foi adiada, mantendo o doente vigilância trimestral em consulta.
Aos 18 meses, por aumento das dimensões da malformação linfática, foi submetido a tratamento conservador – escleroterapia intralesional com bleomicina e soro fisiológico
(dose 7 + 7 ml), após aspiração de 14 ml de conteúdo intraquístico da loca superior. O tratamento não teve o resultado
pretendido, uma vez que só foi possível tratar uma das locas
com sucesso, por consistência endurecida da outra. O pós-operatório decorreu sem complicações, parecendo ter havido diminuição do tamanho da lesão. Cerca de um ano após a
cirurgia, apresentou quadro clínico compatível com linfangite,
tendo sido internado para tratamento com antibiótico endovenoso (Amoxicilina 1000 mg + Ác. Clavulânico 200 mg) e anti-inflamatório. A ecografia de reavaliação mostrou coleção de
conteúdo espesso com 4 cm, correspondendo a complicação
inflamatória / hemorrágica de uma das locas da malformação
linfática. Repetiu ecografia dois meses após o internamento,
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
que mostrou imagem hiperecogénica com dimensões de 7,3
x 2,4 cm. Manteve avaliação anual em consulta não apresentando complicações até aos quatro anos, altura em que referiu queixas de dor e prurido no local da lesão que afetavam a
sua qualidade de vida. Foi requisitada ressonância magnética
para planear exérese cirúrgica da lesão, por o doente se encontrar sintomático. O exame mostrou aumento das dimensões da lesão, em relação ao exame anterior, apresentando
esta aspeto cístico e ocupando a parede lateral direita do abdómen com extensão posterior para a região lombo-sagrada
e componente profundo que se estende ao retroperitoneu,
infiltrando o espaço pararrenal posterior homolateral, com
dimensões de 15,1 x 7,4 x 10,9 cm e alterações do padrão
imagiológico, no qual as lesões císticas apresentam menores
dimensões (microquistos) e um aspeto complexo, com conteúdo denso, modificações que poderão estar relacionadas
com o tratamento prévio (fig.5).
Fig.5: RMN aos 4 anos (Sequência single shot coronal): tumefação volumosa com aspeto cístico que ocupa a parede lateral direita do abdómen
com extensão posterior para a região lombo-sagrada e componente
profundo que se estende ao retroperitoneu, infiltrando o espaço pararrenal posterior homolateral, com dimensões de 15,1 x 7,4 x 10,9 cm
e alterações do padrão imagiológico, no qual as lesões císticas apresentam menores dimensões (microquistos) e um aspeto complexo, com
conteúdo denso.
Perante as queixas do doente e os dados fornecidos pelo
exame, a Cirurgia Pediátrica optou por remoção cirúrgica da
lesão. Intraoperatoriamente, constatou-se lesão extensa, com
dimensões de 20 x 10 cm, que invadia o plano muscular e o
retroperitoneu. Foi realizada exérese parcial de retalho cutâneo
e tecido celular subcutâneo da região lombar e flanco direitos.
O exame histológico da peça operatória confirmou tratar-se de
uma malformação linfática, encontrando-se as margens cirúrgicas intercetadas pela lesão. O período pós-operatório imediato,
decorreu sem intercorrências, tendo tido alta hospitalar ao 4ºdia
pós-operatório, com indicação de compressão elástica da cicatriz e anti-inflamatórios. Um mês após a cirurgia, desenvolveu
quadro clínico de linfangite, caracterizado pelo aparecimento de
dor e rubor da cicatriz operatória associados a febre, com ne-
cessidade de internamento durante 8 dias, para antibioterapia
endovenosa.
Aos 5 anos e 2 meses, a criança apresenta crescimento e
desenvolvimento normais, sem sinais de recorrência da lesão,
encontrando-se a efetuar vigilância clínica na Consulta de Cirurgia Pediátrica.
DISCUSSÃO
As malformações vasculares linfáticas são anomalias congénitas raras que resultam do desenvolvimento anormal dos vasos
linfáticos.6 Podem ser classificadas de acordo com os achados
anatomopatológicos e imagiológicos, em três tipos: capilares,
cavernosas e císticas. As malformações linfáticas císticas são
caracterizadas por apresentarem múltiplos quistos, de tamanho
variável, cuja parede é formada por uma camada única de células endoteliais.3,12 De acordo com o tamanho dos quistos são
divididas em dois grupos: microquistos (< 1 cm) e macroquistos
(> 1 cm).8 Na maioria dos casos, surgem ao nível da cabeça e
pescoço. Somente 2% dos casos ocorrem na região abdominal
e pélvica, como se verificou no caso clínico apresentado.11 Apesar da sua natureza benigna podem infiltrar os diferentes planos
dos tecidos adjacentes atingindo mesmo estruturas vasculo-nervosas. Dependendo da sua localização e dimensões, podem
causar distorção cosmética e anatómica/funcional podendo
gerar efeito compressivo sobre as estruturas que lhe estão adjacentes perturbando o funcionamento normal de órgãos vitais,
originando dispneia, disfagia, disfonia, estase urinária, obstrução
intestinal, perturbações do crescimento, entre outras.13 As malformações linfáticas abdomino-pélvicas e retroperitoneais podem apresentar-se com obstrução intestinal e hidronefrose, por
compressão intestinal e das vias urinárias, respetivamente.12 Estas lesões facilitam ainda a ocorrência de infeções de repetição,
quer pela estase dos fluidos intravasculares, quer pelo quadro de
linfocitopenia que muitas vezes está associado.6
Está bem documentado na literatura que o diagnóstico pré-natal destas lesões é ecográfico, sendo a imagem típica caracterizada por uma massa uni ou multiloculada com conteúdo líquido no seu interior, rodeada por uma parede fina.3,6,8,13
Por vezes, no interior dos quistos pode estar presente material
ecogénico associado à ocorrência de hemorragia ou infeção. A
ressonância magnética fetal, constitui o melhor método de avaliação destas lesões, pois, para além de confirmar o diagnóstico
ecográfico, permite uma melhor definição dos limites da lesão
e da sua extensão, nomeadamente da existência de invasão/
compressão das estruturas adjacentes, possibilitando planear o
parto e o tratamento pós-natal.6,8,12
Está recomendado, em todos os casos, realização de estudo citogenético fetal por possibilidade de associação a determinados síndromes genéticos (Síndrome de Noonan e Kippel-Trenaunay, Síndrome Proteus, entre outros).6,8,12 Em alguns casos,
os valores da alfa-fetoproteína podem apresentar-se elevados.1
O padrão de crescimento pré-natal é variável e imprevisível,
podendo as lesões permanecer assintomáticas ou apresentarem crescimento com tendência a invadir as estruturas adjacentes.3,13 A sua apresentação clínica, eventuais complicações e
casos clínicos
case reports
45
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
prognóstico são dependentes da idade gestacional e da localização e tamanho das lesões.3 As complicações mais frequentes
incluem: hemorragia intralesional, rotura dos quistos, infeção e
compressão das estruturas adjacentes.8,14 Deve manter-se vigilância clínica e ecográfica, durante toda a gravidez, no sentido
de detetar sinais de descompensação e hidrópsia ou de compressão das estruturas adjacentes.8,15
O diagnóstico pré-natal do linfangioma permite programar o
parto, decidir a via do parto e proporcionar todos os cuidados
intraparto e pós-parto necessários, em cada caso, diminuindo a
morbimortalidade materna e fetal.8 A abordagem deve ser multidisciplinar, com participação da Cirurgia Pediátrica.
O tratamento destas lesões é individualizado, tendo em consideração as características da lesão e está indicado quando as
lesões são muito extensas e sintomáticas com o objetivo de controlar os sintomas, permitir o normal funcionamento das estruturas adjacentes e preservação estética.8 Embora, tradicionalmente
considerada como tratamento de eleição neste tipo de lesões,
com o desenvolvimento das terapêuticas conservadoras, a cirurgia tem sido relegada para segundo plano, exceto em situações de compromisso da via aérea.6,8 Na ausência de indicação
para tratamento imediato, podem ser considerados dois tipos de
abordagem: expectante, já que se sabe que cerca de 45% destas lesões podem apresentar regressão espontânea nos primeiros meses/anos de vida, não necessitando de qualquer tipo de
tratamento, ou terapêutica (conservadora, cirúrgica ou mista).1,8,13
Estudos recentes demonstraram não haver qualquer diferença na
eficácia no tratamento da lesão com a escleroterapia intralesional
e a sua excisão cirúrgica, pelo que o primeiro deve ser preferido
enquanto se aguarda eventual regressão espontânea e desenvolvimento de sistema imunitário do doente.6,8
No que concerne à terapêutica conservadora, a escleroterapia intralesional com agentes esclerosantes é o tratamento mais
utilizado. Esta consiste na punção direta da cavidade cística da
lesão seguida da aspiração do seu conteúdo e injeção do agente
esclerosante.8 Os agentes esclerosantes mais usados incluem a
bleomicina, doxiciclina, etanol, picibanil (OK-432) e ácido acético.8 Está, sobretudo, indicada nas malformações linfáticas macrocísticas, onde é mais eficaz. Comparativamente com a cirurgia, este tratamento apresenta como principais vantagens um
menor tempo operatório e de internamento, menor interferência
cosmética e de menor dano de estruturas adjacentes.7 O edema
dos tecidos moles, a necrose da pele circundante e a neuropatia são as complicações mais frequentes deste procedimento.8
Outros tratamentos conservadores disponíveis, mais recentes,
incluem: aspiração, ablação por radiofrequência ou excisão com
laser, em pacientes seleccionados.6,7,12
Atualmente, o tratamento cirúrgico está indicado em casos
de interferência nas vias respiratórias, lesões extensas e sintomáticas que afetam a qualidade de vida do doente e situações
de insucesso do tratamento conservador, onde se incluem as
malformações linfáticas microcísticas. A complicação mais frequente é a lesão das estruturas adjacentes com compromisso
da sua função e desfiguração estética. A exérese incompleta da
lesão também pode ocorrer quando as lesões são muito gran-
46
casos clínicos
case reports
des, infiltrativas e com múltiplas locas, podendo conduzir à sua
recorrência.7 Contudo, a taxa de recorrência da lesão é maior
para o tratamento médico, uma vez que não há remoção completa da lesão.13
Relativamente ao tratamento no presente caso clínico, optou-se por uma abordagem inicial expectante, uma vez que o
doente se encontrava assintomático e porque uma grande parte
destas lesões apresenta regressão espontânea. Aos 18 meses,
por manutenção de volumosa tumefação com deformação corporal, foi efetuada escleroterapia intralesional, mas somente ao
nível da loca superior. Apesar do tratamento incompleto, a lesão
manteve-se estável até aos 4 anos de idade, altura em que ocorreu aumento das suas dimensões, com aparecimento de sintomas que causavam interferência na qualidade de vida do doente, fatores estes que motivaram a exérese da lesão restante.
CONCLUSÃO
As malformações linfáticas abdomino-pélvicas são raras. O
seu diagnóstico pré-natal é ecográfico. A ressonância magnética permite confirmar o diagnóstico e define com maior rigor a
extensão das lesões. O estudo citogenético fetal deve ser efetuado em todos os casos. A vigilância clínica e ecográfica para
deteção de sinais de descompensação ou hidrópsia e de compressão das estruturas adjacentes é imperativa durante toda a
gestação. A abordagem deve ser multidisciplinar, com participação da Cirurgia Pediátrica. O seu papel é fundamental para
avaliação do prognóstico e planeamento do parto, dos cuidados
periparto e do tratamento expectante, médico ou cirúrgico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Rasidaki M, Sifakis S, Vardaki E, Koumantakis E. Prenatal
Diagnosis Of a fetal Chest Wall Cystic Lymphangioma Using Ultrasonography and MRI: A case report with literature
review. Fetal Diagn Ther. 2005; 20: 504-7.
2. Ozdemir H, Kocakoc E, Bozgeyik Z, Cobanoglu B. Recurrent
Retroperitoneal Cystic Lymphangioma. Yonsei Med J. 2005;
5: 715-8.
3. Dominguez EF, Sabaté JD, Burgos AD, Romo JR. Prenatal
diagnosis of abdominal cystic lymphangioma. European
Journal of radiology Extra. 2003; 45: 97-100.
4. Acevedo JL. Cystic Hygroma. www.emedicine.medscape.
com. February,2013.
5. Niu ZB. The “Lymphangioma” An incorrect and Outdated
Term. Pediatric emergency Care. 2011; 27: 788.
6. Manning SC, Perkins J. Lymphatic Malformations. Current
Opinion Otolaryngology Head and Neck Surgery. 2013; 21:
571-5.
7. Peters D, Courtemanche D, et al. Treatment of Cystic Lymphatic Malformations with OK-432 Sclerotherapy. Plastic
and Reconstructive Surgery.2006; 118: 1441-6.
8. Bagrodia N, Defnet A, Kandel J. Management of lymphatic
malformations in children. Current Opinion Pediatrics.2015;
27: 356-63.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
9. Mirza BIjaz L, Saleem M, Sharif M, Sheikh A. Cystic Hygroma: an overview. Journal of Cutaneous and Aesthetic Surgery.2010; 3: 139-44.
10.Gallgher PG, Mahoney MJ, Gosche JR. Cystic hygroma in
fetus and Newborn. Seminars in Perinatology.1999; 23: 34155.
11.Lee SH, Cho JY, Song MJ. Prenatal diagnosis of abdominal lymphangioma. Ultrasound in Obstetrics and Gynecology.2002; 20: 205-6.
12.Kaminopetros P, Jauniaux E, Kane P, Weston M, Nicolaids
KH, Campbell DJ. Prenatal diagnosis of an extensive fetal
lymphangioma using ultrasonography, magnetic resonance
imaging and cytology. The British Journal of Radiology.
1997; 70: 750-3.
13.Mendéz- Gallart R, Solar-Boga A, Goméz-Tellado M, Somoza-Argibay I. Giant mesenteric cystic lymphangioma in
na infant presenting with acute bowel obstruction. Can J
Surg.2009; 3: 42-3.
14.Richmond B, Kister N. Adult presentation of giant retroperitoneal cystic lymphangioma: Case report. International Journal of Surgery.2009; 7: 559-60.
15.Costa C, Rocha G, Grilo M, Bianchi R, Sotto-Mayor R, Monteiro J, et al. Tumores no periodo neonatal. Acta Medica Portuguesa. 2010; 23: 405-12.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Ana Isabel Rodrigues:
Serviço de Obstetrícia,
Unidade de Diagnóstico Pré-Natal,
Centro Materno-Infantil do Norte,
Centro Hospitalar do Porto
Largo da Maternidade, 4050-371 Porto
Email: [email protected]
Recebido a 10.11.2015 | Aceite a 14.12.2015
casos clínicos
case reports
47
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Caso dermatológico
Sandrina CarvalhoI, Susana MachadoI,II,III, Yolanda MahiaIV, Manuela SeloresI,II,III
Menina de 9 anos, sem antecedentes médicos pessoais ou
familiares de relevo, é avaliada por tumefações cutâneas assintomáticas com 12 meses de evolução. Ao exame objetivo observavam-se nódulos violáceos móveis com cerca de 0.5 a 1cm,
consistência dura e limites bem definidos ao nível da hemiface
esquerda, região cervical lateral esquerda, braço direito e face
anterior da perna direita (Figura 1). Foi efetuada uma ecografia
de uma das lesões que evidenciou uma estrutura hipoecogénica
subcutânea com cerca de 8mm.
Qual o seu diagnóstico?
Figura 1 – Nódulos violáceos com cerca de 0.5-1cm, consistência dura e limites bem definidos ao nível da hemiface esquerda (A) e
braço direito (B). Tumor nodular com áreas calcificadas ao nível da derme e do tecido subcutâneo (H&E 2.5x) (C).
__________
S. de Dermatologia, Centro Hospitalar do Porto.
4099-001 Porto, Portugal.
[email protected]
II
S. de Dermatologia e Unidade de Investigação em Dermatologia,
Centro Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal
[email protected]; [email protected]
III
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto.
4050-313 Porto, Portugal.
IV
S. de Anatomia Patológica. Laborátorios Macedo Dias.
4200 Porto, Portugal
[email protected]
I
48
caso dermatológico
dermatology case
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
DIAGNÓSTICO
Pilomatricomas múltiplos
COMENTÁRIOS
O pilomatricoma ou tumor calcificante de Malherbe é uma
neoplasia benigna dos anexos cutâneos. Foi inicialmente descrito em 1880 por Malherbe como um tumor de diferenciação
sebácea, etiologia posteriormente afastada por Forbis et al após
comprovação histológica da sua origem folicular.
O pilomatricoma é mais frequentemente encontrado em
crianças e adolescentes do sexo feminino. Caracteriza-se por
um nódulo duro, não aderente aos planos profundos, com pele
suprajacente normal ou eritemato-violácea, predominantemente
localizado ao nível da cabeça, pescoço ou membros superiores.
O estiramento da pele poderá evidenciar a superfície calcificada
multifacetada do pilomatricoma (sinal de Tent). O seu crescimento é geralmente lento e assintomático.
Os pilomatricomas múltiplos são raros e podem estar
associados a múltiplas patologias (distrofia miotónica, síndrome
de Turner, síndrome de Gardner, gliomatose cerebral, sarcoidose e doença celíaca). A maior frequência de pilomatricomas nos
doentes com distrofia miotónica ou doença de Steinert tem sido
associada à uma desregulação do metabolismo fosfocálcico induzido pela mutação do gene DMPK.
A regressão espontânea dos pilomatricomas é pouco
frequente e o risco de transformação maligna é baixo. A exérese
cirúrgica é geralmente necessária para confirmação diagnóstica. O caso clínico descrito pretende salientar a importância de
um seguimento prolongado em crianças com pilomatricomas
múltiplos para exclusão de recidivas e/ou desenvolvimento de
patologias associadas.
RESUMO
O pilomatricoma é um tumor benigno dos anexos cutâneos
de diferenciação folicular, mais frequentemente encontrado em
crianças e adolescentes, com predomínio do sexo feminino.
Clinicamente, caracteriza-se por um nódulo eritemato-violáceo,
móvel, de consistência dura ao nível da cabeça ou pescoço. Embora raros, pilomatricomas múltiplos podem estar associados
a outras patologias, particularmente a distrofia miotónica ou
doença de Steinert. Nestes casos sugere-se um seguimento
mais prolongado para exclusão de recidivas e/ou desenvolvimento de outras doenças. Descrevemos o caso clínico de uma
menina com 9 anos de idade e pilomatricomas múltiplos
Palavras-chave: pilomatricomas, tumor de Malherbe, infância.
particularly myotonic dystrophy or Steinert’s disease. In these
cases, a prolonged follow-up should be maintained to rule out
relapses and/or development of other diseases. We describe the
case of a 9-year-old girl with multiple pilomatrixomas.
Key-words: pilomatrixoma, tumor of Malherbe, childhood.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 48-9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Li Chan JJ, Tey HL. Multiple pilomatricomas: Case presentation and review of the literature. Dermatol Online 2010; 16: 2.
2. Barberio E, Nino M, Dente V, Delfino M. Multiple pilomatricomas and Steiner disease. Eur J Dermatol 2002; 12: 293-4.
3. Sherrod QJ, Chiu MW, Gutierrez MA. Multiple pilomatricomas: cutaneous marker for myotonic dystrophy. Dermatol
Online 2008; 14: 22.
4. Catala I, Bernardos C, Garcia JA, Marti E. Multiple pilomatrixomas associated with celiac disease. An Pediatr (Barc)
2004; 60: 381-2.
5. Trufant J, Kurz W, Frankel A, Muthusamy V, McKinnon W, et
al. Familial multiple pilomatrixomas as a presentation of attenuated adenomatosis polyposis coli. J Cutan Pathol 2012;
39: 440-3.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Sandrina Carvalho:
Serviço de Dermatologia,
Centro Hospitalar do Porto
Largo Professor Abel Salazar,
4099-001 Porto, Portugal
Email: [email protected]
Recebido a 17.05.2015 | Aceite a 15.10.2015
ABSTRACT
Pilomatrixoma is a benign tumor of skin appendages with
follicular differentiation most frequently found in children and
adolescents, predominantly female. Clinically it is characterized
by an erythematous-violaceous mobile nodule of hard
consistency located on the head or neck. Although rare, multiple
pilomatrixomas can be associated with other pathologies,
caso dermatológico
dermatology case
49
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
Caso cardiológico
Alexandra Pires PintoI, Vânia GonçalvesII, Georgina MonteiroIII, Teresa MachadoIV
Criança, sexo masculino, 5 anos de idade, saudável, sem
internamentos prévios, referenciado à consulta de Cardiologia
Pediátrica por sopro cardíaco. Não referia sintomas cardiovasculares e ao exame físico detectava-se a presença de sopro
proto-mesossistólico, vibratório grau II/VI, máximo no bordo
esternal esquerdo baixo (sopro de Still). Restante exame físico
normal. Realizou eletrocardiograma que foi normal.
Fez ecocardiograma transtorácico cujas imagens se apresentam de seguida (figuras 1 e 2).
Qual o seu diagnóstico?
Figura 1. Ecocardiograma transtorácico plano apical 4 câmaras.
Figura 2. Ecocardiograma Doppler-cor plano apical 4 camaras.
__________
S. de Pediatria do Hospital Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte.
1649-035 Porto, Portugal.
[email protected]
II
S. de Pediatria do Hospital Pediátrico Integrado, Centro Hospitalar de
São João. 4200-319 Porto, Portugal.
[email protected]
III
S. de Pediatria do Hospital de São Teotónio. 3504-509 Viseu, Portugal.
[email protected]
IV
S. de Cardiologia Pediátrica do Centro Hospitalar de São João.
4200-319 Porto, Portugal.
[email protected]
I
50
caso cardiológico
cardiology case
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
DIAGNÓSTICO
Cor triatriatum sinistrum
COMENTÁRIOS
O cor triatriatum é uma anomalia congénita rara, representando 0,4% das cardiopatias congénitas, na qual uma membrana fibromuscular divide a aurícula em duas câmaras. Pode estar
associada a outras lesões cardíacas congénitas em até 80%
dos casos da população pediátrica.2 A fisiologia do cor triatriatum sinistrum é similar à da estenose mitral bem como a outras
formas obstrutivas à entrada do fluxo no ventrículo esquerdo (1).
Assim, os sintomas clínicos relacionam-se diretamente com o
grau de obstrução à drenagem venosa pulmonar.
Em recém-nascidos e crianças as manifestações são secundárias a um orifício estreito com aumento da pressão na aurícula
esquerda e congestão pulmonar.2 As crianças podem apresentar taquipneia e taquicardia em repouso, infecções respiratórias
frequentes, insuficiência cardíaca congestiva e atraso de crescimento. Na forma isolada as manifestações clínicas podem ser
inespecíficas e não haver sopros audíveis (no caso presente o
sopro cardíaco tinha características de sopro inocente), ou detectar-se um aumento do componente pulmonar do segundo
som se existe hipertensão pulmonar.
Para o diagnóstico é essencial a ecocardiografia. Na figura
1 visualiza-se a aurícula esquerda dividida em duas câmaras,
uma superior que recebe as veias pulmonares e contem o apêndice auricular e outra inferior conectada com a válvula mitral,
separadas por uma membrana fibrosa, fenestrada. A membrana
insere-se no septo interauricular, no rebordo superior da fossa
oval e prolonga-se até à parede lateral da aurícula esquerda,
imediatamente abaixo do apêndice auricular. O orifício de 6 mm
encontra-se adjacente ao septo inter-auricular na sua porção
postero-inferior com fluxo acelerado a esse nível (figura 2), com
gradiente pico de 10mmHg e médio de 4mmHg. Não se detectaram sinais ecocardiográficos de hipertensão pulmonar.
No caso presente, muito embora a criança estivesse assintomática, dada a evidência de obstrução a nível do orifício da
membrana, foi submetida a cirurgia cardíaca electiva com remoção da membrana e evolução favorável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Lima R., Fonseca C., Sampaio F., Ribeiro J., Ribeiro V. Cor
triatriatum sinistrum – Descrição e revisão de quatro casos
clínicos. Rev Port Cardiol. 2010;29:827-36.
2. Nassar P., Hamdan R. Cor Triatrium Sinistrum: Classification
and imaging modalities. Eur J Cardiovascular Med 2011; 1:
84-7.
3. Humpl T, Reineker K, Manlhiot C, Dipchand AI, Coles JG,
McCrindle BW. Cor triatriatum sinistrum in childhood. A single institution’s experience Can J Cardiol. 2010 ; 26: 371-6.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
Alexandra Pires Pinto:
Serviço de Pediatria,
Hospital Santa Maria,
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Av. Prof. Egas Moniz, 1649-035 Lisboa
Email: [email protected]
Recebido a 06.05.2015 | Aceite a 11.12.2015
ABSTRACT
The authors present the case of an asymptomatic 5 year-old
boy referred to Pediatric Cardiology Clinic for a cardiac murmur.
Echocardiography revealed cor triatriatum sinister with a
restrictive fenestration, and no signs of pulmonary hypertension.
Due to the presence of intra atrial obstruction, the child was
submitted to elective surgery, with a favourable outcome.
Key-words: Cor triatriatum, childhood, obstructive membrane.
Nascer e Crescer 2016; 25(1): 50-1
caso cardiológico
cardiology case
51
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A Revista NASCER E CRESCER dirige‑se a todos os profissionais de
saúde com interesse na área da Saúde Materno Fetal e Neonatal e publica artigos científicos relacionados com a Pediatria, Pediatria Baseada
na Evidência, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão
Hospitalar. Poderão ser publicados artigos provenientes de todos os países
de língua oficial portuguesa, bem como de outros países se redigidos em
português e Inglês, sendo esta última preferencial. Os Editoriais, os artigos
de Home nagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da
Direcção da Revista. A revista publica artigos originais de investigação,
artigos de revisão, casos clínicos, qual o seu diagnóstico e artigos de opinião.
Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro
tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade
da Re vista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem
prévia autorização dos editores, exceto em repositórios institucionais
ou públicos.
MANUSCRITO
Os trabalhos devem ser endereçados ao Diretor da revista para o seguinte endereço eletrónico
[email protected]­‑saude.pt
como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word,
acompanhados da declaração de autoria.
Os artigos estão sujeitos a um processo de revisão e cabe ao Editor
a responsabilidade de os: a) aceitar sem modificações, b) aceitar após
alterações propostas, ou c) rejeitar, com base no parecer de pelo menos
dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres serão
sempre comunicados aos autores.
CONSENTIMENTO INFORMADO E APROVAÇÃO PELA COMISSÃO DE
ÉTICA
É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os
princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas
aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia.
Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem
a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes,
assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética.
É obrigatória declaração de conflito de interesses ou financiamento.
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão
Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements
for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.
org. Updated July 2011).
O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1 – Título em
português e em inglês; 2 – Autores; 3 – Resumo em português e inglês.
Palavras‑chave e Keywords; 4 – Corpo do artigo; 5 – Referências Bibliográficas; 6 – Figuras; 7 – Quadros; 8 – Legendas; 9 – Agradecimentos e
esclarecimentos.
As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás.
52
normas de publicação
instructions for authors
TÍTULOS E AUTORES
– O título deve ser o mais conciso e explícito possível, escrito na pri
meira página, em português e em inglês, não mencionando a identificação
da instituição onde decorreu o estudo.
– A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com
a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem
constar as afiliações profissionais.
– Os contactos de todos os autores devem incluir endereço postal,
endereço eletrónico e telefone.
RESUMO E PALAVRAS­‑CHAVE
– O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre
em inglês, devendo evitar‑se abreviaturas.
– Nos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras
e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões.
– Nos artigos de revisão deverá compreender no máximo 250 palavras e ser estruturado da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões.
– Nos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões.
– Nos casos Qual o seu diagnóstico? Deverá compreender no máximo 150 palavras e deve ser estruturado da seguinte forma: Caso, Diagnóstico, Comentários/Discussão e Conclusões.
– Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras‑-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de
base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com
o Medical Subject Headings (MeSH).
TEXTO
– O texto poderá ser apresentado em português e Inglês.
– Os artigos originais de investigação devem ser elaborados com a
seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões.
– Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões.
– Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e
discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma
discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária.
– Os casos Qual o seu Diagnóstico? é dedicada a casos clínicos curtos
em que a imagem seja fundamental para o diagnóstico. As imagens (duas
ou três) podem ser relativas à observação clinica do doente ou a meios
complementares de diagnóstico. Deve incluir uma descrição do caso, que
finaliza com a pergunta: Qual o seu Diagnóstico? Deve seguir-se o diagnóstico, a orientação do doente e discussão breve.
– As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação.
Quando necessária a sua utilização, devem ser definidas na primeira
vez que são mencionadas no texto. Quando usadas mais do que seis,
recomenda‑se a inclusão de um quadro onde todas serão especificadas.
Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos.
– Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unida‑ des internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO,
1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em
Portugal.
– Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto
quan‑ do têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números
superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início
da frase.
– Relativamente aos resultados, a informação não deverá ser referida
em duplicado no texto e nos quadros / tabelas, bastando salientar no texto
os principais citados na figura.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
– As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de
entrada no texto, com algarismos árabes, formatados sobrescritos.
– Referências sequenciais devem ser feitas indicando apenas a primeira e a última, unidas por hífen (ex.: 4‑7). Serão no máximo 40 para
artigos originais, 15 para casos clínicos, 6 para Qual o seu diagnóstico? e
80 para artigos de revisão.
– Os autores devem verificar se todas as referências estão conformes
aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical
journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medi‑
cus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência.
Seguem‑se alguns exemplos:
a)Revista médica: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al
(em itálico) se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista, ano,
volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH, Haque SK, Bahakim H,
el‑Hazmi M, el‑Swailam M, et al. Intravenous Immunoglobulin for
prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr
Infect Dis 1986; 5: 622‑65.
b)Capítulo em livro: autor(es), título do capítulo, nome(s) do(s) Editor(es),
título do livro, número da edição, cidade e nome da casa editora, ano
de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ,
Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM,
editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management.
2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465‑78.
c)Livro: autor(es), título do livro, número da edição, cidade e nome da
casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Jenkins
PF. Making sense of the chest x‑ray: a hands‑on guide. 2nd. London:
Taylor & Francis; 2013. p. 120.
d)Referência electrónica: artigo de revista em formato electrónico.
Ex.: Jeha G, Kirkland J. Etiology of hypocalcemia in infants and children. Janeiro, 2010. (Acedido em 8 de Maio de 2013). Disponível
em: http://www.uptodate.com.
FIGURAS E QUADROS
– Apresentadas em formato digital de boa qualidade.
– Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente, em numeração árabe, por ordem de referência no texto, ser apresentado em página
individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário.
– Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda.
– Se a figura ou quadro é cópia de uma publicação ou modificada,
deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização
quando necessário.
– Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identificação devendo ser acompanhadas pela autorização para
a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal.
– O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os
artigos originais e cinco para os casos clínicos. As figuras ou quadros
coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores.
AGRADECIMENTOS E ESCLARECIMENTOS
Os agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum
dos autores ou financiamento do estudo devem figurar na última página.
MODIFICAÇÕES E REVISÕES
No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem
ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias.
As provas tipográficas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista.
O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores,
sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista.
CARTAS AO EDITOR
As Cartas ao Editor deverão constituir um comentário a um artigo da revista ou uma breve nota sobre uma importante nova prática clínica. Não devem exceder as 500 palavras e ter um máximo de 5 referências bibliográficas.
ESTRUTURA DOS ARTIGOS – NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Resumo
Tipo de artigo
Número
máximo de
palavras
Estrutura
Figuras e
Quadros
Bibliografia
Número
total
máximo
Número
máximo de
referências
5000
. Introdução/Objectivo
. Material e Métodos
. Resultados
. Discussão
. Conclusões
8
40
. Introdução (breve)
. Caso(s) Clínico(s)
. Discussão (com conclusão)
5
15
8
80
2/3
15
_
5
Palavras­‑chave
(Português e Número máximo de palavras
Inglês)
(excluindo Referências e
Ilustrações)
Artigos
originais de
investigação
250
. Introdução/Objectivo
. Material e Métodos
. Resultados
. Conclusões
Casos
Clínicos
150
. Introdução
. Caso(s) clínico(s)
. Discussão/Conclusões
3 a 10
2500
Artigos de
revisão
250
. Introdução
. Objectivos
. Desenvolvimento
. Conclusões
3 a 10
5000
Qual o seu
Diagnóstico?
150
. Apresentação
3 a 10
2500
Carta ao
Editor
_
_
500
_
3 a 10
Texto
Estrutura
. Introdução
. Métodos
. Desenvolvimento
. Discussão (com conclusões)
. Caso / Historial
. Diagnóstico
. Comentários / Discussão (conclusões)
_
normas de publicação
instructions for authors
53
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
INSTRUCTIONS FOR AUTHORS
The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals
of health with interest in the area of Maternal, Fetal and Child/Adolescent
Health and publishes scientific articles related with Paediatrics, Evidence
Based Paediatrics , Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The journal accepts manuscripts from all countries of Portuguese
language, as well as other countries written in Portuguese and English,
with preferential of English. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of
the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case
reports and opinion articles. The articles submitted must not have been
published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors.
Published articles will remain the property of the Journal and may not
be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors,
with exception to institutional and public repositories.
MANUSCRIPT
Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal:
NASCER E CRESCER, Revista de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto to
[email protected]
Manuscripts should be saved in Word and must be accompanied by
the declaration of authorship by all authors.
Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two
anonymous reviewers. Articles may be: a) accepted with no modifications,
accepted with corrections or modifications, c) or rejected. This is based opinion of at least two reviewers who review anonymously. Authors will always
be informed of the reasons for rejection and of the comments of the experts.
INFORMED CONSENT AND APPROVAL BY THE ETHICS COMMITTEE
It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration.
In research studies it is mandatory to have the written consent of the
patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of
interest and financial support.
MANUSCRIPT PREPARATION
Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform require‑
ments for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.
icmje.org. Updated July 2011).
All the components of the paper, including images must be submitted
in electronic form. The papers must be presented as following: 1 ‑ Title
in Portuguese and English; 2 ‑ Authors; 3 ‑ Abstract in Portuguese and
English and keywords; 4 ‑ Text; 5 ‑ References; 6 ‑ Figures; 7 ‑ Tables; 8 ‑
Legends; 9 – Acknowledgements and clarifications.
Pages should be numbered according the above sequence.
If a second version of the paper is submitted, this should also be sent
in electronic format.
TITLE AND AUTHORS
- The title should be concise and revealing, written on the first page, in
Portuguese and English, not mentioning the identification of the institution
where the study was held.
54
normas de publicação
instructions for authors
- The indication of the authors should be made by the clinical name (s)
or with initial (s) (s) first (s) name (s), followed by the surname and should
include professional affiliations.
- At the end of the page must include: organizations, departments or
hospital services of the author(s); the name of the Institutions where the
study was performed; the contact details of all authors (postal address,
electronic address and telephone).
ABSTRACT AND KEYWORDS
- The abstract should be written in the same language of the text and
always in Portuguese and English. Do not use abbreviations.
- Original articles should contain no more than 250 words and the
abstract should consist of labelled Background, Material and Methods,
Results and Conclusions.
- Review articles should contain no more than 250 words and must be
structured: Introduction, Objectives, Development and Conclusions.
- Case Reports should contain no more than 150 words and
the abstract should consist of labelled Introduction, Case report and
Discussion/Conclusions.
- In What is your Diagnosis? Should contain no more than 150 words and
must be structured: Case, Diagnosis, Comments/Discussion and Conclusions.
- Each abstract should be followed by the proposed keywords in
Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and
maximum of ten, as a basis for indexing Article. Use terms from the
Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH).
TEXT
- The text may be written in Portuguese or English.
- The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions.
- The structure of review articles should include: Introduction; Objectives, Development and Conclusions.
- The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct discussion including a summary conclusion.
- The section of What is your Diagnosis? Is indicated to small case
reports where the image is fundamental to the diagnosis. The images (two
or three) should be relatived to the clinical observation of the patient or
a supplementary diagnosis. Should contain a discription of the case that
ended with a question: What is your Diagnosis? Must be follewed by the
diagnosis, the orientation of the patient and a brief discussion.
- Any abbreviation used should be spelled out the first time they are
used. When used more than six, it is recommended to include a table where all be specified. Abbreviations are not accepted in the titles of papers.
- Parameters or values measured should be expressed in international
(SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal.
- Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as figures
except at the beginning of a sentence.
- With regard to the results, the information should not be referred to
in duplicate in the text and tables / charts, being enough emphasize the
text cited in the main figure.
REFERENCES
- References should be noted in the text with subscript Arabic numbers, in order from the first citation.
- Sequencial references must be made indicating only the first and
last joined by hyphen (ex.: 4‑7). They should be limited to 40 for original
papers, 15 to case reports, 6 to What is your Diagnosis? and 80 to review
articles.
NASCER E CRESCER
revista de pediatria do centro hospitalar do porto
ano 2016, vol XXV, n.º 1
- The journal complies with the reference style in the Uniform
Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals
(www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal
titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors
should consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended
formats for a variety of reference types. Examples:
a)Journal: list the first six authors followed by et al to surpass 6, title
of the article, name of the journal, year, volume, pages. Ex: Haque
KN, Zaidi MH, Haque SK, Bahakim H, el‑Hazmi M, el‑Swailam M, et
al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm
and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5: 622‑65.
b)Chapters of books: author(s), title of the chapter or contribution,
name and initials of the editors, title of book preceded by ‘In:’,
number of edition, city and name of publisher, year of publication,
first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP.
Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors.
Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd
ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465‑78.
c)Book: author(s), title of book, number of edition, city and name of
publisher, year of publication, page. Ex: Jenkins PF. Making sense
of the chest x‑ray: a hands‑on guide. 2nd. London: Taylor & Francis;
2013. p. 120.
d)Online reference: Journal article on the Internet: Ex.: Jeha G, Kirkland
J. Etiology of hypocalcemia in infants and children. January, 2010.
(Accessed 8 May 2013). Available at: http://www.uptodate.com.
TABLES AND FIGURES
- All illustrations should be in digital format of high quality.
- Each table and figure should be numbered in sequence, by Arabic numerals, in the order in which they are referenced in the text. They
should each have their own page and bear an explanatory title and caption
when necessary.
- All abbreviations and symbols need a caption.
- If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and
provide an authorization if necessary.
- Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by
the patient or legal guardian.
- The total number of figures or tables must not exceed eight for
original articles and five for case reports. Figures or tables in colour, or
those in excess of the specified numbers, will be published at the authors’
expense in the paper version.
ACKNOWLEDGMENTS AND CLARIFICATIONS
The acknowledgments and the conflict of interests must be published
at the last page.
All authors are required to disclose all potential conflicts of interest.
All financial and material support for the research and the work
should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section
of the manuscript.
MODIFICATIONS AND REVISIONS
If the paper is accepted subject to modifications, these must be submitted within fifteen days of notification.
Proof copies will be sent to the authors in electronic form together
with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the
Journal’s publishing schedule.
Failure to comply with this deadline will mean that the authors’
revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by
the Journal’s stafff.
LETTERS TO THE EDITOR
Letters to the Editor should be a comment to scientific manuscript or
a small note about an important new clinical practice. A letter should not
exceed 500 words and have a maximum of 5 references.
ESTRUTURA DOS ARTIGOS – NORMAS DE PUBLICAÇÃO
Abstract
Article
Maximum
words
Sections
Keywords
(Portuguese
and English)
Maximum words
(excluding References and
Tables)
Máximum
Máximum
5000
. Introduction/Aim
. Methods
. Results
. Discussion
. Conclusions
8
40
. Introduction (short)
. Clinical Case
. Discussion (including conclusions)
5
15
8
80
2/3
15
_
5
Original
articles
250
. Background
. Methods
. Results
. Conclusions
Case Reports
150
. Introduction
. Case report
. Discussion/Conclusions
3 a 10
2500
Review
articles
250
. Introduction
. Aim
. Results
. Conclusions
3 a 10
5000
What is your
diagnosis?
150
. Introduction
3 a 10
2500
Letters to the
Edito
_
_
500
_
3 a 10
Tables and
Bibliografia
Figures
Text
Sections
. Introduction
. Methods
. Main text
. Discussion (including conclusions)
. Case /Historical
. Diagnosis
. Comments/Discussion (Conclusions)
_
normas de publicação
instructions for authors
55
I I C U R S O T E Ó R I C O - P R ÁT I C O D E C A R D I O L O G Í A P E D I Á T R I C A
P A R A P E D I A T R A S E N E O N AT O L O G I S T A S
I I C U R S O T E Ó R I C O - P R ÁT IPrograma
C O D E C A R D I O L O G Í A P E D I ÁT R I C A
P A R A P E D I A T R A S E N E O N AT O L O G I S T A S
CH Porto, 19 e 20 de Maio 2016
Programa
ECG normal na criança
Arritmias mais frequentes
CH Porto, 19 e 20 de Maio 2016
ECG
normalde
naprécriança
Síndromes
excitação: diagnóstico e orientaçãoArritmias mais frequentes
Desporto e coração
Síndromes de pré- excitação: diagnóstico e orientaçãoMorte súbita na criança
Desporto e coração
Sessão Interactiva I .Casos práticos ECG
Morte súbita na criança
Sessão teórico-prática: Sopro cardíaco na criança : funcional ou orgânico?
Sessão Interactiva I .Casos práticos ECG
Ecocardiografia: princípios básicos e abordagem diagnóstica das cardiopatias
Sessão teórico-prática: Sopro cardíaco na criança : funcional ou orgânico?
Ecocardiografia funcional em neonatologia
Ecocardiografia: princípios básicos e abordagem diagnóstica das cardiopatias
Cardiopatias no RN : diagnóstico e e terapêutica
Ecocardiografia funcional em neonatologia
Oximetria de pulso e biomarcadores cardíacos
Cardiopatias no RN : diagnóstico e e terapêutica
Aulas práticas de ecocardiografia
Oximetria de pulso e biomarcadores cardíacos
Sessão interactiva II Casos práticos ECO
Aulas práticas de ecocardiografia
Sessão
interactiva
II Casos práticos ECO
Secretariado
/ Inscrições:
[email protected]
Secretariado
/ Inscrições:
www.ademi.pt
[email protected]
(inscrições limitadas)
www.ademi.pt
(inscrições limitadas)
Organização
Serviços de Cardiologia Pediátrica do CH Porto e CH S João
Organização
Serviços de Cardiologia Pediátrica do CH Porto e CH S João