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ÍNDICE O que é o mutismo seletivo?............................................ 9 Prólogo: Sobre uma gata................................................... 13 Capítulo 1: Um novo começo........................................... 17 Capítulo 2: O Lorcan, a Lily e as gargalhadas.................. 29 Capítulo 3: Nervos do infantário...................................... 47 Capítulo 4: O silêncio na escola....................................... 65 Capítulo 5: Encantado com a gata.................................... 95 Capítulo 6: Laço inquebrável............................................ 109 Capítulo 7: Uma pequena palavra................................... 125 Capítulo 8: Uma nova estrela........................................... 141 Capítulo 9: A fama felina.................................................. 155 Capítulo 10: Um dia de cada vez .................................... 183 Epílogo: Sobre um menino .............................................. 211 Fama para a Gata Jessi e para o Lorcan............................ 215 Agradecimentos................................................................ 221 A Minha Gata Jessi.indd 7 8/26/14 10:16 AM O QUE É O MUTISMO SELETIVO? O mutismo seletivo é uma perturbação de ansiedade caraterística da infância que leva as crianças afetadas a falar fluentemente em algumas situ- ações, mantendo-se caladas noutras. Sabe-se que o distúrbio começa nos primeiros anos de vida e pode ser transitório, como, por exemplo, no período da entrada das crianças para a escola ou quando são internadas num hospital, mas, em casos raros, pode persistir ao longo da vida escolar. Estas crianças normalmente não falam com os professores e também é possível que não falem com os colegas, apesar de comunicarem não verbalmente. Podem ocorrer outras combinações de não-linguagem, afetando membros específicos da família da criança. Muitas vezes a criança não tem outros problemas identificáveis e conversa sem res trições em casa ou com os melhores amigos. Normalmente, a criança progride na escola ao ritmo esperado em áreas nas quais não é necessário falar. 9 A Minha Gata Jessi.indd 9 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n A caraterística essencial do mutismo seletivo é a incapacidade contínua de falar em situações sociais específicas (por exemplo, na escola, com os colegas e/ou com o professor), apesar de conseguir falar noutras situações mais familiares. As crianças com mutismo seletivo, muitas vezes: • Têm dificuldade em olhar o interlocutor de frente quando estão ansiosas — podem virar a cabeça e parecer que o ignoram. Pode pensar que estão a ser antipáticas, mas não estão — simplesmente não conseguem responder; • Não sorriem, ou olham inexpressivamente quando ansiosas — na escola, sentem-se agitadas a maior parte do tempo e é por isso que lhes é difícil sorrirem, rirem ou demonstrarem os seus sentimentos verdadeiros; • Movem-se de forma rígida ou desajeitada quando ansiosas, ou se acham que estão a ser observadas; • Sentem enorme dificuldade em responder no mesmo registo ou dizer olá, adeus ou obrigado — podem pare cer mal-educadas ou agressivas, mas não é propositado; • São lentas a responder a uma pergunta — de qualquer natureza; • Ficam mais ansiosas quando são pressionadas a falar; • Preocupam-se mais do que as outras pessoas; • São emocionalmente sensíveis; • São fisicamente sensíveis, como por exemplo ao ruído, a odores, ao toque, às multidões; • São muito sensíveis às reações dos outros — podem desvirtuar estas reações; 10 A Minha Gata Jessi.indd 10 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi • Têm dificuldades em expressar os seus próprios sentimentos — porque é doloroso. SMIRA (Selective Mutism Information & Research Association)1 www.selectivemutism.co.uk 1 Associação de investigação e informação sobre o Mutismo Seletivo. 11 A Minha Gata Jessi.indd 11 8/26/14 10:16 AM Prólogo SOBRE UMA GATA O Lorcan estava de pé, em frente a toda a turma, com trinta pequenos rostos entusiasmados a fitarem-no das suas mesas. Ao seu lado, numa cai- xa transportadora, estava um milagre pequeno e fofo — a razão pela qual ele conseguia enfrentar esta tarefa decisiva. Com oito anos, estava prestes a começar a sua primeira apresentação em público e o tópico que escolhera foi o seu querido animal de estimação, a nossa Jessi, uma linda gata birmanesa. Antes de a Jessi ter entrado nas nossas vidas, há dois anos, falar em público não seria apenas intimidante: seria impossível. O Lorcan sofre de mutismo seletivo, uma perturbação de ansiedade que o impede de conversar com os colegas e professores, e que o manteve mudo durante a maior parte dos primeiros anos escolares. Desde a chegada da Jess, ele melhorou rapidamente e, em dezembro de 2012, quando chegou a vez dele no Hot Spot — um projeto no qual 13 A Minha Gata Jessi.indd 13 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n as crianças dão uma curta palestra sobre um tópico que lhes interesse — a professora do Lorcan perguntou-lhe se ele queria participar. Para surpresa dela e minha, ele aceitou o desafio. Era expetável que o Lorcan escolhesse falar sobre a Gata Jessi e, assim, perguntámos à professora se autorizava a entrada da gata na escola e ela anuiu. Optámos por manter a apresentação oral simples, mas ter muitas coisas para mostrar. O Lorcan escolheu o que queria incluir e apontámos algumas frases sobre o Prémio Gato do Ano da instituição Cats Protection que, no verão, tinha sido ganho pela Jess. O Lorcan preparou-se bem, e na manhã do Hot Spot parecia calmo. Foi para a escola como habitualmente, levando consigo uma mochila com as coisas da gata, e eu fui a casa buscar a Jessi. Quando chegámos à escola, ela estava deitada numa manta confortável na sua caixa transportadora e parecia bastante descontraída e, assim, entreguei-a à professora e esperei, ansiosamente, na entrada. Sabíamos que podia acontecer uma de duas coisas: o Lorcan podia sentir-se confiante e a apresentação correr muito bem ou ter dificuldades e bloquear. Felizmente, o melhor amigo dele oferecera-se para ajudar com a apresentação e, assim, reconfortei-me pensando que, se ele tivesse dificuldades, o George o ajudaria. Como o Lorcan tinha feito grandes progressos na escola, ao nível da comunicação, eu estava ansiosa por que o grande momento dele corresse mesmo bem. 14 A Minha Gata Jessi.indd 14 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi Depois de uns dez minutos enervantes, o meu coração saltou quando o Lorcan saiu da sala de aula. Depois, o alívio afluiu-me ao vê-lo esboçar um sorriso rasgado. Quando voltou para a sala, a professora disse-me que o Lorcan fora brilhante. Não tinha precisado da ajuda do George e até respondera às perguntas dos colegas, que tinham adorado ter um gato na escola. Ele falou sobre os prémios que ela ganhou e mostrou várias lembranças, incluindo o programa da cerimónia dos Prémios Gato do Ano no hotel Savoy, um brinquedo da Jess e as bonitas gravuras que Simon Tofield, o criador da série animada britânica Simon’s Cat, amavelmente desenhara para ele. A professora mostrou-me uma fotografia do Lorcan a falar para os colegas e estava encantada por ele ter superado este obstáculo, tal como eu. Para o Lorcan, falar perante a turma de cerca de trinta alunos e ser o centro das atenções tinha sido uma grande proeza. Sentindo-me eufórica e sem palavras, levei a Jess para casa e mal podia esperar para partilhar as novidades com os meus amigos e família. Na minha página do Facebook escrevi: Hoje, o Lorcan levou a Gata Jessi para a escola e deu uma aula para toda a turma! Falou sobre os Prémios Gato do Ano e respondeu a perguntas. Não acredito que ele tivesse conseguido fazer isto se a gata não estivesse ali. Ela é uma bênção preciosa, estando à altura do nome extravagante [de pedigree] de Bluegenes Angel. 15 A Minha Gata Jessi.indd 15 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n Toda a gente ficou muito entusiasmada e eu recebi imensas mensagens de apoio das pessoas mais próximas que acompanhavam a luta dele com o mutismo seletivo. Percebiam a grande importância disto para todos nós. E para mim e para a minha família foi mais um motivo para nos sentirmos agradecidos por esta maravilhosa gata ter entrado nas nossas vidas. Tem sido um verdadeiro anjo. 16 A Minha Gata Jessi.indd 16 8/26/14 10:16 AM Capítulo 1 UM NOVO COMEÇO A lgumas semanas antes do Natal de 2003, levei o meu filho de dois anos, o Luke, a uma festa de aniversário de um rapaz da mesma idade. Enquan- to as crianças brincavam e se divertiam ruidosamente, eu conversava com uma amiga que estava grávida e prestes a dar à luz a qualquer momento, e com mais outra grávida. Com toda aquela conversa sobre bebés, comecei a sentir-me estranha, mas depressa afastei a sensação quando o ritmo da festa se tornou frenético. Nesse ano, à semelhança da maioria dos anos, planeámos um Natal sossegado em família, em casa, comigo, com o meu marido, David, os nossos dois filhos, Adam e Luke, e com a minha mãe, Pauline, que vive mesmo ao pé de nós em Manchester. Na noite de Natal comecei de novo a sentir-me estranha e disse ao David, que por acaso é médico: — Estou grávida. Tenho a certeza de que estou grávida. 17 A Minha Gata Jessi.indd 17 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n — Não sejas tonta — respondeu-me com uma risada. — Estás sempre a pensar que estás grávida. — Como não estávamos a tentar ter outro filho, ele estava convencido de que era apenas fruto da minha imaginação, mas eu sabia que não. No dia a seguir ao dia de Natal, fui aos saldos no Trafford Centre — a grande Meca das compras, que fica perigosamente perto da nossa casa — e escolhi imensas pechinchas adoráveis. Enquanto me dirigia para a caixa e pagava a pilha de roupas novas, lembro-me de pensar «Que palermice estar a comprar estas roupas se não as vou conseguir vestir dentro de poucos meses». Quando cheguei a casa, falei de novo com o David. — Estou grávida — disse. — Não tenho dúvidas. Não te sei explicar, apenas sei que estou! Para me calar e não por acreditar em mim, o David saiu imediatamente para ir comprar um teste de gravidez. Fechei-me na casa de banho para fazer o teste e a estreita linha azul depressa confirmou o que eu já sabia. Não disse nada. Apenas mostrei o teste positivo ao David e ele disse «Oh, afinal estás.» Não tinha sido planeado, mas foi uma surpresa maravilhosa e ficámos ambos encantados. O meu filho mais velho, o Adam, nasceu antes de eu conhecer o David e tinha agora dezasseis anos, e o Luke, dois, pelo que o novo bebé ia completar a família na perfeição. Assim que soube que vinha a caminho um terceiro bebé, pensei «Que nome damos a esta criança?» O meu marido 18 A Minha Gata Jessi.indd 18 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi é irlandês e pensei em muitos nomes de rapariga, mas quando passei para os nomes de rapaz bloqueei, pelo que comecei instantaneamente à procura de nomes. Quando estava grávida do Luke, pensámos em George, mas não lhe ficava bem e assim optámos por Luke. Desta vez imaginei algo um pouco diferente. Procurei em sites da Internet por nomes de bebé e estava sempre a encontrar Lorcan, pelo que fiquei fixada nesse nome. Significa «guerreiro destemido». Às vinte semanas, fomos fazer a ecografia de rotina e eu disse à médica que não queria saber o sexo do bebé. Ela não nos disse mas, embora tenha avançado pela ecografia rapidamente, conseguimos ver que era um rapaz. Para uma parteira e para um médico, não era difícil identificar! Durante três anos após o nascimento do meu primeiro filho, o Adam, formei-me como parteira. Percebi que era um emprego muito recompensador e profundamente gratificante e adorei o facto de ter ajudado a trazer ao mundo todos aqueles bebés. Antes do nascimento do Luke, trabalhava numa mater nidade no Trafford General, mesmo ao pé da nossa atual casa, mas quando engravidei do Lorcan reduzi as horas de 19 A Minha Gata Jessi.indd 19 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n trabalho até passar a trabalhar apenas uma noite por semana. Mesmo assim, a minha experiência passada e a minha familiaridade com a unidade fizeram com que o nascimento do Lorcan não fosse complicado. O trabalho de parto foi muito rápido. Depois da primeira contração, já estava ao telefone a dizer às parteiras que ele vinha a caminho. O parto foi assistido pela minha grande amiga Natalie Webb-Riley e correu tudo muito bem. O Lorcan parecia em choque depois de nascer — talvez a velocidade com que dei à luz tenha sido alarmante para ele — mas a cara dele descontraiu-se depressa e transformou-se num lindo bebé. O Dave estava presente no parto e ambos lhe pegámos assim que ele nasceu. Tivemos de esperar que o pediatra o viesse examinar antes de eu poder sair, pelo que o Dave foi buscar o Luke a casa para conhecer o novo irmão. Consegui ouvir o Luke muito antes de o poder ver, uma vez que veio a correr pelo corredor do hospital a gritar «Mamã, mamã!» o mais alto que conseguia. Tenho a certeza de que as outras parturientes ficaram emocionadas. O Luke espreitou o bebé mas ficou mais interessado na minha camisa de noite porque tinha uma imagem da Betty Boop na parte da frente! Comprámos um presente como se fosse do bebé para o Luke para que não se sentisse de parte. Era o boneco do Peter Pan que ele queria. Estive no hospital apenas algumas horas. Como parteira, sabia que estava bem, sabia o que esperar e não queria que as outras parteiras andassem a correr atrás de mim. 20 A Minha Gata Jessi.indd 20 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi Acreditem em mim, elas têm mais que fazer. Nem sequer me deram uma cama porque, embora estivesse cansada, parecia que tudo tinha corrido às mil maravilhas, o Lorcan tinha um peso saudável — cerca de 2900 kg — e eu estava pronta para ir para casa. Quando o trouxe para casa, o Luke ainda não estava com uma boa impressão. Espreitou o seu irmãozinho, mas depressa decidiu que não estava interessado. O Adam já tinha passado por isto uma vez, por isso um bebé recém-nascido também não o fascinava. A minha mãe veio ver-nos assim que chegámos a casa, quando eu já me estava a sentir bem. Mais tarde nessa semana, o meu irmão e os filhos dele também nos vieram visitar e depressa estabelecemos uma rotina e continuámos a nossa vida. O Lorcan era um bebé adorável, mas chorava muito, o que assustava o Luke. Para uma coisa tão pequenina, tinha muita garganta e sempre que começava num pranto, o Luke sentava-se com os dedos enfiados nos ouvidos para não o ouvir. Uma vez foi tão cansativo para o Luke que ele até me perguntou «Podemos devolver o bebé?» As noites eram um pesadelo. O Luke foi um bebé normal. Púnhamo-lo no berço e ele adormecia, mas com o Lorcan era mais difícil. Ele era muito querido e muito bom durante o dia, mas durante a noite era um terror. Quando o Luke ainda era bebé, o David tinha de se levantar cedo para viajar uma distância razoável para o trabalho, 21 A Minha Gata Jessi.indd 21 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n por isso alimentava-o antes de sair. Mas ter duas crianças pequenas é um exercício de paciência e quando o Lorcan nasceu, o David tratava mais do Luke, que então tinha três anos, enquanto eu tratava do bebé. Ele continuava a levantar-se cedo para ir para o trabalho, por isso habituou-se a adormecer no meio de choradeiras. Contrariamente ao que acontecia de noite, o Lorcan era bastante calmo durante o dia, especialmente se não estivéssemos em casa. A minha mãe e eu levávamo-lo frequentemente ao Trafford Centre quando chovia, porque era uma excelente forma de sairmos de casa e também podíamos levar o carrinho de bebé. Quando o Luke era pequenino, era terrível em passeios pelo centro comercial. Queria tudo, estava sempre a fazer birras e estávamos constantemente a tirá-lo das lojas aos gritos. Por sua vez, o Lorcan era maravilhoso. Quando já não era tão pequeno até nos ajudava a fazer compras. A minha mãe perguntava «Podes ajudar-me a escolher?» e ele apontava para as coisas a partir do seu carrinho. Ele podia passar o dia todo em lojas de roupa aborrecidas, continuando sentado e com um sorriso, sem dizer um pio. Quando o bebé começou a andar e a gatinhar, o Luke mostrou um pouco mais de interesse e até se deitava no chão para brincar com ele, o que era um alívio. Andava preocupada com a possibilidade de o Luke nunca vir a gostar do bebé. A primeira vez que o Luke mostrou um verdadeiro interesse foi quando convertemos a garagem num quarto de brincar. 22 A Minha Gata Jessi.indd 22 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi O Lorcan tinha sete meses e o Luke chegou do infantário, encontrando o novo quarto de brincar alcatifado e decorado. — Posso brincar no quarto de brincar? Com o Lorcan? — perguntou. Eu estava encantada, porque esta foi realmente a primeira vez que ele quis fazer algo com o bebé. Até se tornou um pouco protetor. Um dia, quando o Lorcan tinha oito meses e o Luke quase quatro anos, levei-os a um parque de diversões com insufláveis perto de casa. Estavam os dois sentados numa piscina de bolas quando uma menina tocou de raspão no Lorcan com um dedo do pé por acidente. Não se magoou nem sequer chorou, mas o Luke não gostou da situação. Parecia muito zangado e disse à pobre rapariga sem rodeios «Deste um pontapé ao meu bebé!» Desde então que olha pelo irmão das mais variadas formas. A Maternidade do Trafford General — que lamentavelmente foi fechada depois de o Lorcan ter nascido — teve um papel muito importante nas nossas vidas. Além de ter sido o local de nascimento do Lorcan, também foi onde eu e o David nos conhecemos, em 2000. Não houve logo uma faísca intensa — na verdade, nem me consigo lembrar 23 A Minha Gata Jessi.indd 23 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n da primeira vez que nos cruzámos — e as minhas primeiras palavras para ele provavelmente foram «Pode assinar esta receita?» ou, então, «Pode ir consultar um paciente?» Mas trabalhámos lado a lado na clínica todas as semanas e demo-nos bem. O David e alguns dos outros médicos estavam a estagiar durante seis meses na clínica e, quando o estágio chegou ao fim, fez-se uma grande festa de despedida para todos. Foi uma noite muito alegre e divertimo-nos ao máximo. No fim da noite, como ele vivia no hospital e eu mesmo ao pé, acabámos por ir para casa juntos e a nossa relação cresceu a partir daí. Começámos a ver-nos com mais frequência. Ele não era exatamente o que eu pensava ser o meu género, para ser sincera, mas demo-nos incrivelmente bem e houve um clique. A relação ainda era recente quando já sabíamos que íamos ficar juntos. O Adam nasceu quando eu tinha vinte anos e fui mãe solteira durante doze até o David aparecer na minha vida. Nem tudo foi perfeito, mas vivia com a minha mãe e o meu pai e eles sempre me apoiaram. Não teria conseguido tirar o curso de obstetrícia ou permanecer num emprego com turnos se não tivessem sido eles. A obstetrícia é uma profissão imprevisível e se a mulher de quem estamos a cuidar dá à luz no fim do turno não vamos para casa quando estávamos à espera, pelo que é importante ter bons apoios para a criança. Também fazia noites a tempo inteiro sempre que podia, o que se traduzia em mais tempo com o Adam 24 A Minha Gata Jessi.indd 24 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi durante o dia. Usava o carro da minha mãe e não precisava de me preocupar com a criança, por isso era uma boa situação para mim. O meu pai faleceu quando o Adam tinha cinco anos e, como a minha mãe ficou viúva tão nova, também lhe fizemos companhia. O Adam era um rapaz muito bem comportado. Apesar de só ter sido diagnosticado quando tinha dezoito anos, sofria de síndrome de Asperger, o que geralmente leva as crianças a comportarem-se melhor do que o normal porque gostam de seguir regras. O David deu-se bem com o Adam desde o início. O Adam tinha cerca de doze anos quando se conheceram, mas ele era sempre muito descontraído e calmo, por isso não dava problemas a ninguém, o que fez com que fosse mais fácil que ambos se dessem bem. Quase morri de choque quando descobri que estava grávida do Luke. Não estávamos juntos há muito tempo e não tínhamos planeado ter filhos naquela altura. Sentia-me doente e indisposta e, nessa altura, o Dave e eu tínhamos uma relação muito próxima, pelo que simplesmente lhe disse que achava que estava grávida. Ele sempre quis constituir uma família e assim que lhe contei ele disse que esperava que eu estivesse mesmo grávida. Comprou um teste de gravidez e quando viu o resultado positivo não parava de sorrir. Eu estava mais apreensiva — não pelo bebé, mas pelo trabalho de parto. Tal como muitas mulheres, tive uma má experiência com o meu primeiro parto e, enquanto parteira, 25 A Minha Gata Jessi.indd 25 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n vi algumas mulheres passarem por situações complicadas. Também houve uma grande distância temporal entre cada gravidez e sentia-me ansiosa pela hipótese de ocorrerem problemas. Mas o David estava emocionado e muito excitado, de tal modo que deixei os meus medos de lado. Nessa altura, estávamos na casa dos trinta e, embora eu tivesse um filho e ficasse bastante satisfeita com o facto de ficar apenas com um, qualquer bebé é sempre uma pequena bênção. Quando o temos, tenha sido planeado ou não, é fantástico. É o nosso bebé e amamo-lo incondicionalmente. Quando estava grávida de três meses, alugámos um bungalow perto da casa da minha mãe. O Dave mudou de emprego na altura e estava a trabalhar mais longe, sendo que só podia passar os fins de semana em casa. O Luke nasceu em maio de 2001. O parto foi fácil e ele era um bebé de sonho, do género que todas as mães adorariam ter. Sorriu às três semanas, sentou-se antes do tempo e fez tudo um pouco mais cedo do que seria de esperar. Nenhum de nós é muito convencional nem tradicional, pelo que não senti a necessidade de nos casarmos, mesmo com a chegada iminente do Luke. Mas ficámos noivos quando eu estava grávida e, em 2003, demos finalmente o nó, principalmente porque os nossos pais continuavam a perguntar-nos quando é que o faríamos. Não houve um pedido de casamento romântico, apenas uma decisão de ambas as partes para oficializar a relação, e definitivamente não queríamos um casamento grande e caro. 26 A Minha Gata Jessi.indd 26 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi No primeiro dia soalheiro do ano, em março, fomos ao cartório em Sale, Trafford, com a minha amiga, o marido dela e os nossos filhos e depois regressámos a casa e festejámos com alguns amigos e a família. O Dave vestiu um fato que já tinha e o meu vestido de casamento foi uma compra de impulso feita algum tempo antes. Já tínhamos decidido que íamos casar, apesar de não termos tratado de nada, mas, numa das minhas habituais idas às compras com a minha mãe, encontrei um vestido de seda rosa escuro pelo joelho. A minha mãe disse que daria um lindo vestido de noiva — uma dica que não passou despercebida — por isso comprámo-lo. Assim, o Dave e eu decidimos avançar, liguei para o cartório e ficámos com a seguinte data disponível. Foi tudo muito prático — tal como nós somos. A cerimónia foi bastante memorável porque escolhemos a mais curta possível e porque o Luke, que tinha quinze meses na altura, passou o tempo todo a andar para a frente e para trás no cartório e tentou abrir a porta de emergência nas traseiras da sala. No caminho para casa, ligámos para um pub da zona, o Jackson’s Boat em Sale, para tomarmos uma bebida comemorativa com a Julie e o Kieran, os nossos padrinhos, e o seu pequeno Daniel, que era poucos meses mais velho do que o Luke. Depois da primeira bebida, pediram-nos para sair porque os bebés estavam a rir demasiado e a perturbar os clientes! Pareceu-nos justo, visto que toda a gente estava à nossa espera em casa e a minha mãe e a tia Vera tinham-se esforçado imenso para preparar um buffet fabuloso. 27 A Minha Gata Jessi.indd 27 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n Nada foi planeado e tudo se preparou em cima da hora, mas foi fantástico. Infelizmente, a família do Dave vive na Irlanda e não conseguiu um voo tão em cima da hora, mas passámos uma tarde bastante descontraída com os amigos e os vizinhos. Ainda tenho o meu vestido de casamento pendurado lá em cima — com uma visível nódoa de vinho mesmo à frente! 28 A Minha Gata Jessi.indd 28 8/26/14 10:16 AM Capítulo 2 O LORCAN, A LILY E AS GARGALHADAS O Lorcan nasceu a 12 de setembro de 2004, no primeiro dia do infantário do Luke. O infantário fica ao lado da escola Woodhouse Primary e, por isso, seguem o calendário do ano letivo, mas amavelmente aceitaram que a data de início do Luke fosse adiada algumas semanas por causa do bebé recém-chegado. No dia acordado, deixei o bebé com a minha mãe para poder levar o Luke sozinho e fomos a pé até à escola, que fica perto da nossa casa. Naturalmente, o Luke estava nervoso ao início e agarrou-me a mão durante uns minutos mas, quando viu todos os outros meninos a brincar, descontraiu de imediato. Mal via a hora de se juntar aos outros e, pouco depois, estava sentado no chão, a brincar com os carrinhos e os blocos Duplo — que são brinquedos de construção parecidos com os da Lego, mas com peças maiores. O Luke ficava no infantário apenas duas horas e meia por dia, às vezes de manhã, outras vezes à tarde, e, por isso, era 29 A Minha Gata Jessi.indd 29 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n complicado sair. Tinha de o ir buscar às 11h30 ou tê-lo pronto para a sessão da tarde às 13h, para além de tomar conta do bebé. Mas ele adaptou-se bem, o que foi excelente porque teve de lidar com a chegada do bebé. A minha mãe está reformada e vive no mesmo quarteirão, perto da entrada do infantário e, por isso, passávamos muito tempo com ela. Eu deixava muitas vezes o bebé na casa da minha mãe quando ia buscar o Luke à escola. E voltá vamos para almoçar. Ainda trabalhava uma noite por semana e fazia alguns turnos extra quando a maternidade tinha falta de pessoal, e a minha mãe tomava conta das crianças quando o Dave estava a trabalhar. Durante o resto do tempo, com o Luke no infantário, eu ficava em casa com o Lorcan, mas ele não precisava de muita atenção durante o dia, desde que pudesse andar de um lado para o outro. Foi um bebé muito calmo e não reclamava por estar sentado no carrinho de bebé durante horas a fio. Num fim de semana, fomos até ao País de Gales e enquanto o Luke brincava na praia um par de horas, a construir castelos de areia e a chapinhar no mar, o Lorcan ficava sentado no carrinho a ver o mundo a passar. Nunca gritou para o tirarem de lá. Mas as noites más não paravam. O Lorcan, enquanto bebé, nunca dormiu uma noite inteira seguida — praticamente ainda não o faz hoje. Adormecê-lo era uma batalha e, depois, acordava durante a noite e gritava porque simplesmente odiava o berço. Quando fez dez meses, tentei pô-lo 30 A Minha Gata Jessi.indd 30 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi no quarto com o Luke, que dormia numa daquelas camas altas com escadas e gavetas por baixo. Alguns dias depois, entrei no quarto de manhã e o Lorcan estava a subir as escadas da cama do Luke! Corri e apanhei-o mesmo a tempo. Depois disso passou a dormir na nossa cama durante algum tempo — uma situação longe da ideal. Melhorou um pouco na cama, mas sempre foi terrível para dormir. Quando era pequenino, ensinei ao Lorcan linguagem gestual para bebés. Não havia aulas perto de mim e, por isso, comprei um livro e ensinei-lhe alguns sinais elementares. Ele aprendeu rapidamente e foi uma excelente ajuda porque, assim, conseguia dizer-me quando estava cansado ou tinha fome ou quando queria leite. O Lorcan começou a falar muito cedo. Não me lembro da primeira palavra que disse de forma clara, mas foi o habitual — começando com ma-ma, pa-pa, da-da. Eram apenas sons e experiências e nada fora do vulgar; um discurso bastante normal. Aos dois anos, já construía frases inteiras, quase ao mesmo nível das do irmão, que tinha mais três anos. Uma vez, atendeu uma chamada da Natalie, a minha amiga parteira que o ajudou a nascer, e quando ele me passou 31 A Minha Gata Jessi.indd 31 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n o telefone e ela perguntou se era o Luke, ao dizer-lhe que era o Lorcan ela ficou bastante entusiasmada porque ele tinha um discurso muito certinho e precoce. Quando o Lorcan tinha um ano e meio, a minha mãe fechou, acidentalmente, a porta do carro no dedo indicador dele e esmagou a ponta do dedo. A pobre da minha mãe ficou tão perturbada que nem foi connosco ao hospital. Como podem imaginar, também estava bastante abalada, porque ele era tão pequenino. Fomos a correr até às Urgências do Trafford General e, quando lá chegámos, a enfermeira perguntou-me a data de nascimento dele. Esta va num estado tal que não me conseguia lembrar e a única coisa que conseguia fazer era soluçar: «Oh, meu Deus, eu não sei.» Foi apenas a ponta e não fora nada irremediável, e por isso podia ter sido muito pior, mas o pobrezito do Lorcan estava claramente com dores e gritava até mais não, o que tornou ainda mais dolorosa a longa espera na sala apinhada de gente. Por fim, fomos fazer a radiografia e ele conti nuava aos berros. Já depois, quando fomos consultados pela médica, estranhamente, assim que ela mostrou o exame, o Lorcan calou-se para observar. Até àquele momento, todo o hospital — e, muito provavelmente, metade de Manchester — o tinham ouvido e, assim que ele viu a imagem da mão dele contra a luz, ficou atónito. Fiquei tão aliviada — principalmente porque ele ia ficar bem, mas também porque se tinha finalmente calado! 32 A Minha Gata Jessi.indd 32 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi O Lorcan era um bebé querido e, assim, sempre que íamos às compras, ou quando o David o levava ao quiosque para comprar o jornal, os adultos sorriam e faziam todo um alarido. Mas se alguém falasse com ele, ele escondia-se atrás do balcão. Em casa, com a família, era um típico fala-barato e adorava aprender novas palavras, e com um e dois anos eu achava que era perfeitamente normal ele ser tímido e esconder-se dos desconhecidos. Não achávamos nada de estranho — apenas a reação normal de um bebé às caras que não conhecia. Hoje, olhando para trás, penso que se calhar havia outros sinais nos primeiros anos, mas quando são tão pequenos não nos parece que seja um comportamento fora do comum. A questão é que o Lorcan nunca foi tímido no sentido habitual. Ele não tinha problemas em sorrir para um desconhecido ou atirar-lhe um brinquedo e, mesmo quando muito pequeno, nunca se escondeu nas roupas ou atrás das minhas pernas. Simplesmente ignorava as pessoas. Sempre que alguém falava com ele, ele olhava mas nunca respondia. Quando o Lorcan tinha cerca de dezoito meses, era um tagarela em ponto pequeno. Um dia, ao almoço, o Dave deixou-me a mim e à Natalie no Trafford Centre onde íamos almoçar com algumas parteiras amigas. O Lorcan não parava de falar durante todo o caminho desde a nossa casa à casa da Natalie, mas assim que a minha amiga entrou no carro ele calou-se. Ficou sentado na cadeira dele e não proferiu uma palavra. 33 A Minha Gata Jessi.indd 33 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n Para um bebé, isso nem é estranho. O que provavelmente é mais esquisito é que não era apenas com adultos. O silêncio também se alargava às outras crianças. Num dia, quando o Lorcan tinha dois anos, a minha tia Vera veio visitar a minha mãe com o neto, Jacob, prati camente da mesma idade do Lorcan. A minha mãe estava habituada a que o Lorcan falasse pelos cotovelos e pensou que os dois se iam dar muitíssimo bem e, assim, ficou com o Lorcan enquanto eu descansava em casa depois de um turno da noite. Ele ficou lá durante duas horas — nem uma única palavra. Tinha falado normalmente em casa mas, naquelas duas horas, o Jacob falou e brincou durante todo o tempo — e o meu filho nem um pio. Mais uma vez, pensámos apenas que era normal que as crianças fossem um pouco tímidas ou caladas em determinadas situações, em especial antes de entrarem para a escola ou no infantário. Como mãe, não pensamos nessas coisas. Só quando se repete ao longo do tempo é que se torna num problema. No aniversário do Luke, em maio de 2007, fizemos uma festa Mad Science em casa com cerca de nove miúdos da escola, a maior parte dos quais o Lorcan conhecia. O animador da festa mostrou aos miúdos várias experiências científicas e deixou-os participar em algumas e divertiram-se imenso. Mas lembro-me de ficar muito intrigada quando me apercebi de que o Lorcan se recusava a participar e, mais uma vez, não falara durante toda a festa. 34 A Minha Gata Jessi.indd 34 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi Uns meses mais tarde, numa terça-feira, pouco tempo depois de ele fazer três anos, estávamos no Early Learning Centre e as educadoras estavam a trazer vários brinquedos para as crianças brincarem. Um rapaz pequeno da idade do Lorcan apareceu, de repente, e o Lorcan saltou e fugiu, o que me pareceu estranho. Quando o Lorcan acha que estamos sozinhos, é e sempre foi um rapaz barulhento, animado e travesso. Com dois anos, levámos toda a família à Disneyland, em Paris. O Lorcan gritou durante o voo inteiro de cinquenta minutos, mas quando chegámos ao aeroporto, algo esgotados, ele estava bem. Enquanto esperávamos pela nossa bagagem, fomos até um canto para ele usar o bacio portátil dele — uma engenhoca de plástico com um saco dentro para ser facilmente deitado no lixo. No final, atei o saco de urina e pedi-lhe para o segurar durante um pouco enquanto guardava o bacio. O pestinha, com toda a calma, pegou no saco e colocou-o na passadeira e, depois, observou-o com algum deleite enquanto deslizava para longe. Perguntei-lhe onde o tinha colocado e ele apontou, sorrindo docemente durante todo o tempo. Tive de correr para apanhar o saco, tentando disfarçar o embaraço perante os outros passageiros. A loja do nosso hotel estava cheia de artigos da Disney e o Lorcan adorava tudo, por isso, comprámos uma caneta gigante para o deixarmos feliz. Ao sairmos da loja, ele fez uma pequena dança e começou a cantar o mais alto que conseguia: «Esta é a minha caneta gigante.» Ele pensava que 35 A Minha Gata Jessi.indd 35 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n estava sozinho connosco. Não se apercebeu de que estava a ser observado por uma grande multidão de cerca de vinte pessoas que começaram a rir, encantadas. Como os que já foram à Disneyland sabem, as personagens famosas — o Rato Mickey, a Minnie, o Pluto, o Pateta e os restantes — não se passeiam apenas nos parques temáticos: são frequentemente vistos nos hotéis e nas suas imediações. Os miúdos aglomeram-se para tirarem fotos com eles e o Luke queria sempre tirar uma foto, mas o Lorcan não se queria aproximar. Não tinha medo, mas recusava-se a chegar perto para tirar uma fotografia. Ao almoço, ele não se importava que eles se aproximassem, mas se o chamassem, ele não ia. Mas, mais uma vez, dizemos aos miúdos para não falarem com estranhos e, por isso, parecia completamente normal. Em maio de 2006, viajámos todos até à Irlanda para visitar a família do David e para ir ao casamento da tia Caela. A mãe, o pai do Dave e a sua irmã Stephanie tinham-nos visitado pouco tempo depois de o Lorcan nascer, mas a maior parte da família ainda não o tinha conhecido, tendo apenas dezoito meses. Estávamos a entrar na igreja para a cerimónia e fomos encaminhados para a segunda fila, mas o Lorcan estava muito travesso. Não parava de correr até ao altar e tentava subi-lo, e nós não parávamos de nos levantar e de o arrastar de novo até ao nosso lugar, onde ele se contorcia até se libertar de novo. Foi uma cerimónia linda e fora pedido a uma amiga da noiva, com uma voz realmente bonita, para cantar. Ela ainda 36 A Minha Gata Jessi.indd 36 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi não tinha chegado ao refrão da sua melódica atuação quando o Lorcan começou uma versão aguda do seu próprio hino de casamento. A igreja cheia de convidados riu abafadamente por detrás das suas pautas enquanto o Lorcan subia cada vez mais o tom, realmente entusiasmado, e eu e o Dave sentíamo-nos completamente envergonhados. Por fim, já começava a exagerar e o Dave levou-o para fora da igreja, seguido rapidamente pelo Luke. Mas os dois tinham agora entrado no modo malandrices. Houve um momento estranho no qual algumas pessoas entraram no cemitério para deixar algumas flores e encontraram o Luke e o Lorcan literalmente a dançar em cima de sepulturas. Escusado será dizer que depois disso voltámos rapidamente para o hotel. Na manhã seguinte, o Dave ia tomar o pequeno-almoço com o Lorcan quando este reparou no letreiro pendurado na porta do quarto a dizer «Não incomodar». — O que é aquilo? — perguntou ele. O Dave explicou que aquelas pessoas não queriam que ninguém as incomodasse, provavelmente porque ainda estavam a dormir. O Lorcan olhou para o Dave, a sorrir, bateu na porta e fugiu pelo corredor a correr, rapidamente seguido pelo pai envergonhado. Ao voltarmos para casa de ferry, o Lorcan começou a gritar com todas as suas forças. Parecia não gostar do barulho dos motores e não conseguíamos fazer nada para o acalmar. Os gritos aumentavam e perturbavam as outras pessoas e, por isso, sentíamo-nos claramente envergonhados por não o conseguirmos sossegar. Em desespero de causa, corri 37 A Minha Gata Jessi.indd 37 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n até à loja das recordações e comprei qualquer coisa para o distrair. Um pequeno macaco de peluche chamou-me a atenção. Paguei rapidamente enquanto ouvia os berros ensurdecedores do Lorcan. Dei-lhe o boneco e ele calou-se de imediato. Toda a gente ficou aliviada! O Lorcan adora macacos. Tem imensos no quarto e, muitas vezes, coloca-os todos em volta da cama quando se está a preparar para deitar. — Estão ali para me proteger — diz ele. — De quê, Lorcan? — perguntei-lhe uma vez, mas ele não soube explicar. Tivemos sempre animais de estimação. Quando os miú dos nasceram tínhamos uma gata chamada Flo, que já era entradota e não se mexia muito. Apesar de os miúdos a adorarem, ela não demonstrava muito interesse por eles e já era bastante velhinha, com cerca de oito ou nove anos, quando o Lorcan nasceu. Ela habituara-se a viver numa casa bastante sossegada, comigo, com o David e o Adam. Quando os dois rapazes já tinham idade suficiente para começarem a brincar e corriam para a frente e para trás aos berros, ela passava muito tempo no andar de cima! 38 A Minha Gata Jessi.indd 38 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi Quando o Lorcan fez três anos, decidimos adotar um cão, principalmente por causa do Adam. Ele tinha sido, por fim, diagnosticado com a síndrome de Asperger e estava a passar por uma fase complicada. Tínhamos ouvido e lido muito sobre animais e cães e como eles podiam ajudar as pessoas com este distúrbio e, assim, comecei a pesquisar mais sobre o assunto. Nunca tínhamos tido um cão antes e eu não sabia praticamente nada sobre cães. Comecei a ler sobre as diferentes raças e deparava-me muitas vezes com os terriers tibetanos, mas não tinha a certeza absoluta. Depois, por sorte, estávamos a passear num parque e vimos um pequeno e lindo cachorro, com manchas castanhas. Perguntei à dona de que raça era. — Uma terrier tibetana — respondeu ela. E fiquei encantada. Procurei por todo o lado e tivemos dificuldades em encontrar uma fêmea, que era o que queríamos — principalmente porque já tínhamos decidido dar-lhe o nome de Lily como a Lily Potter dos livros do Harry Potter! Também queria que fosse branca. Também há terriers tibetanos pretos e dourados, mas eu preferia os brancos. Passei horas na Internet e a ligar para todo o lado e encontrava muitos cães machos e cães pretos, mas as únicas fêmeas que encontrava estavam a 320 quilómetros de distância, em Dagenham. Sem desistir, fizemos os quilómetros para a ir buscar e demorámos quatro horas, mas não ficámos desapontados. Quando lá chegámos, encontrámos a cachorrinha branca mais linda 39 A Minha Gata Jessi.indd 39 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n e apaixonámo-nos de imediato. A decisão estava tomada e trouxemo-la logo para casa. Todos os miúdos simpatizaram, instantaneamente, com ela e ela era muito fofinha. O Lorcan adorou-a, mas foi bruto desde o início com ela de uma forma brincalhona. Felizmente, ela demonstrou ser uma cadela extremamente tolerante. Ele segurava-a pela cabeça e arrastava-a de um lado para o outro, brincava ao jogo da corda e perseguia-a pela casa. Nunca a magoou, mas era sempre muito bruto. Como a Lily tem duas camadas de pelo, é muito importante escová-la para evitar os emaranhados e entrelaçados e, por isso, ela vai regularmente a um «cabeleireiro» para cães, onde é tratada pela simpática Gill. De dois em dois meses vai ao «cabeleireiro» e tem sempre alguma relutância em atravessar a porta e eu penso que é por não gostar que eu a deixe em vez de não querer tomar banho. Mas como é um animal de estimação e uma cadela muito brincalhona, realmente precisa de banhos regulares. É bastante caro e depende do estado do pelo dela, mas vale todos os cêntimos. Eu lavo-a em casa quando ela se suja muito, mas nunca fica tão bonita como quando vai à tosquia. Um dia, quando o Lorcan tinha cinco anos, tinha acabado de chegar a casa com a Lily após a sua sessão de «cabeleireiro» e ela estava imaculadamente branca e limpa. Na verdade, ela estava tão branca que o Lorcan deve ter pensado que ela era uma tela em branco, porque no minuto seguinte desenhara três lindas riscas rosa e lilás ao longo do corpo com 40 A Minha Gata Jessi.indd 40 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi uma caneta de feltro. A Lily, sendo uma cadela calma, ficou durante todo o tempo sentada, deixando-o fazer o que queria. Eu não o vi efetivamente a desenhar, mas calculei logo quem era o responsável e, quando lhe perguntei, ele desatou às risadas marotas. Quando ia passear com a Lily à rua, olhavam-nos de modo divertido e ainda ouvi alguns comentários, mas as pessoas que conheciam a nossa família não precisavam de perguntar quem tinha sido o autor daquela obra-prima. Felizmente, dissipou-se passados alguns dias. Quando os miúdos eram pequenos, todos tinham as vacinas obrigatórias, apesar do susto da VASPR. Se se lembram, a publicação de um artigo na revista de medicina Lancet , em fevereiro de 1998, sugerindo que a vacina combinada contra o sarampo, a papeira e a rubéola (ou VASPR) podia causar autismo, deu origem a uma controvérsia. Entretanto, o artigo foi desacreditado. Ponderámos os riscos e lemos os estudos e achámos pessoalmente que preferíamos que os nossos filhos fossem vacinados do que corressem o risco de contrair as doenças. Tanto o Adam como o Lorcan demonstraram indícios da síndrome de Asperger em bebés, antes da injeção. Sejam 41 A Minha Gata Jessi.indd 41 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n quais forem os problemas que eles têm, já lá estavam desde o início — tenho a certeza disso. O livro preferido do Lorcan, quando ele era pequenino, era Beijinhos não dou, de Julia Jarman. É um livro ilustrado realmente divertido sobre um menino chamado Jack que detesta mimos e beijos, e não é de admirar que o Lorcan se tenha identificado. Desde muito pequeno que detestava ser tocado ou abraçado. Se perguntava ao Luke se o podia mimar ele respondia sempre: «Claro que sim.» Agora já não o mimo tanto, porque ele já é um pouco mais velho, mas se lhe pedisse, ele deixava. Com o Lorcan foi sempre impensável. De vez em quando, se ele estivesse chateado, ou se o Luke tivesse sido mau para ele, ou se ele se tivesse aleijado, podia roubar um abraço e ele suportava-me durante alguns minutos, mas ele não gostava e continua a não gostar. Mesmo agora, eu às vezes roubo um beijinho quando ele está a dormir, mas nunca tentaria com ele acordado porque sei que o transtorna. Nunca o agarraria nem o beijaria durante o dia, mesmo que fosse de forma brincalhona, porque isso o iria afligir — a reação seria muito mais forte do que a habitual brincalhona entre mãe e filho, em que poderia dizer: «Blhec, larga-me, mãe!» Ele detestava principalmente que lhe tocássemos no pescoço e a pele dele parece ser especialmente sensível nessa zona. Mesmo quando era pequenino, lavava sempre o seu próprio pescoço e eu não o secava, porque isso deixava-o louco. 42 A Minha Gata Jessi.indd 42 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi Como o Lorcan dormiu sempre mal, mesmo na primeira infância, adotámos uma rotina depois de o Luke entrar para a escola e enquanto aprendia a ler. O Dave dava banho aos rapazes e, depois, eu lia com o Luke enquanto o Dave deitava o Lorcan. Ele não adormecia sozinho no quarto e, por isso, o Dave ficava com ele até adormecer, sentado ou deitado no quarto. Às vezes, o Lorcan segurava o David pelo pescoço para ter a certeza de que ele não se ia embora e adormecia com os braços assim, e foi assim que o Dave recebeu muitos abraços — por descuido. Nunca deixámos o Lorcan a chorar na cama. Algumas crianças têm realmente medo e eu acho que é muito nocivo deixá-las a chorar. Não sabemos do que ele tinha medo à noite em bebé e ele não nos podia dizer. Até a avó teve um encontro inesperado com o Lorcan numa dada noite, quando fomos a uma festa de Natal. Ela não estava muito familiarizada com a rotina dele à hora de dormir e, assim, ela pô-lo na cama e desejou as boas noites. Quando se virou para sair do quarto, ele afastou o edredão e bateu levemente na cama convidando-a e a sorrir afetuosamente. Apercebeu-se rapidamente de que ele estava habi tuado a que um de nós se deitasse com ele. Ela teve de ficar ali deitada até ele adormecer e, depois, a pobrezinha da minha mãe descobriu que não se conseguia levantar. Por fim, ela teve de rebolar para o chão para se conseguir libertar. Como ele não dá abraços nem beijos, esses momentos de intimidade tornam-se mais importantes quando uma 43 A Minha Gata Jessi.indd 43 8/26/14 10:16 AM J ayn e D i l l o n criança se sente desconfortável com a grande maioria do contacto físico. Pelo menos numa circunstância, fiquei feliz por já ter passado por tudo isto antes. Não gostar de ser tocado nem abraçado é uma caraterística comum em muitas — ainda que não em todas — crianças que sofrem de autismo, em algum grau, e o Adam também nunca gostou de ser abraçado. O Lorcan rejeitava qualquer demonstração de afeto. Se eu dissesse «Amo-te», não recebia nenhuma reação. Nada. Mas como já tinha passado por isto antes, não me perturbou tanto como poderia. Eu sei que se não tivesse passado por isto antes, pensava que ele não gostava de mim. Perguntar-me-ia por que razão ele não me amava. Seria uma reação natural. Tenho a certeza de que muitas mães se perguntam o que fizeram de errado e questionam-se se se terão relacionado devidamente com o seu bebé. Se eu não soubesse que o Lorcan realmente me amava, podia ficar muito magoada. Pode parecer que ele está a ser distante e não se preocupa, mas eu sei que não é assim. O Dave também não se deixou desmoralizar. Ele é muito calmo e nunca força a situação, mas é capaz de dizer algo como «Lorcan, vem ver esta fotografia no jornal» e o Lorcan senta-se ao nosso lado. Ou se estivermos a ler, deixa-se cair no sofá perto de nós. Não é de se aninhar e, mesmo quando era mais novo, ele não se queria sentar no nosso colo, mas sentava-se ao nosso lado e isso dá-nos aquela boa sensação de proximidade. 44 A Minha Gata Jessi.indd 44 8/26/14 10:16 AM A Minha Gata Jessi Claro que há momentos em que sentia saudades que ele me abraçasse ou que me dissesse que me amava. Seria maravilhoso, mas ele não o vai fazer e essa é a realidade. 45 A Minha Gata Jessi.indd 45 8/26/14 10:16 AM s A Jessi era apenas uma bola de pelo minúscula quando entrou nas nossas vidas, em 2010… t O meu «macaquinho» atrevido, t … mas o Lorcan e ela apaixonaram-se de imediato. A Minha Gata Jessi extratexto.indd 1 com o uniforme de escoteiro, no dia do Prémio. 8/22/14 12:10 PM s O atrevimento! A Jessi pode parecer um pouco irritada nesta fotografia, mas está sempre desejosa por mais uma brincadeira. t Então, quem é o vermelho e quem é o azul? Brincam juntos horas a fio e é maravilhoso ouvir o Lorcan a falar pelos cotovelos com a amiga. A Minha Gata Jessi extratexto.indd 2 8/22/14 12:10 PM