Formação O Concílio Vaticano II – Pe. Joaquim
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Formação O Concílio Vaticano II – Pe. Joaquim
Pe. Joaquim Cavalcante Diocese de Itumbiara – GO E-mail: [email protected] Blog: joaquimcavalcante.blogspot.com.br Facebook: joaquimcavalcante56 1. História e Contextualização 1. No inicio do século XIX, surgiram alguns movimentos de volta às fontes, entre esses movimentos, surgiu o movimento litúrgico. A Europa é o berço de todos eles. Com certa ousadia eu direi que o movimento litúrgico surgiu em meio ao silêncio da capela abacial e dos claustros da Abadia de Salermes. Considero o Abade de Salermes, Próspero Guéranger (1805-1875) um dos primeiros protagonista e expoente de primeira grandeza do movimento litúrgico europeu. Com sua obra “Anné Liturgique”, ele pensa a liturgia como oração da Igreja. 2. Em 22.11.1903, o Papa Pio X publicou seu famoso Motu Proprio “Tra le sollecitudini” manifestando sua preocupação e desejo de fomentar a “participação ativa nos sagrados mistérios e na oração pública e solene da Igreja”. Esse documento é visto como o início verdadeiro da fase do movimento litúrgico. • 3. Outro expoente do movimento litúrgico é o beneditino Lambert Beaudouin do mosteiro de Mont Cesar (Bélgica). Ele se inspirou na ideia da participação ativa e fez dela o lema do seu trabalho litúrgico pastoral. Em 1909, ele participou do Congresso das Obras católicas em Malines. Dom Lambert Beaudoin 4. Alguns consideram aquele encontro momento inaugural do movimento litúrgico. Naquele congresso o movimento litúrgico criou asa e se lançou para além dos claustros dos mosteiros. Falando naquele evento, Lambert Beauduin disse que a liturgia constitui a doutrina fundamental da vida cristã e o meio mais eficaz para alimentar e estimular a vida espiritual. Dom Odo Casel 5. Depois da primeira guerra mundial, o movimento litúrgico se difunde na Alemanha e, mais uma vez, a majestosa Abadia de Maria Laach é o locus monumental de irradiação teológica e expansão do movimento litúrgico graças a Odo Casel, monge daquela Abadia. Para Casel (+1948), na liturgia o mistério pascal de Cristo é presentificado e a salvação é atualizada. 6. O movimento litúrgico no Brasil começou em 1933 com Martinho Michler, monge beneditino que veio da Alemanha para o mosteiro do Rio de Janeiro. Além das aulas sobre a teologia da liturgia acompanhadas por muitos universitários e por intelectuais da época, entre os quais Alceu Amoroso Lima, um ponto marcante foi um retiro que esse monge fez com seis universitários numa fazenda do interior do Estado do Rio (10 a 15), ali, no dia 11 de julho, 1933, foi celebrada a primeira missa “versus populum” no Brasil (José Ariovaldo da Silva, O movimento litúrgico no Brasil, estudo histórico, Petrópolis, Vozes, 1983,41). 7. Segundo Ariovaldo, aquela foi a primeira missa dialogada fora da clausura de um convento. (Se não me engano, entre aqueles seis universitários estava o jovem Clemente Snard que depois se tornou monge e Bispo de Nova Friburgo –RJ e, como tal, participou de todo o Concílio Vaticano II). 8. O movimento litúrgico e a Encíclica Mediator Dei. Penso que o movimento litúrgico é a força inspiradora da Mediator Dei e a Mediator Dei é o subsolo teológico da Sacrosanctum Concilium. 9. Em 1947, o Papa Pio XII publicou a Encíclica Mediator Dei. É rica de conceitos teológicos e reconhece os esforços desenvolvidos pelo movimento litúrgico. 10. Dessa forma, podemos dizer que as inquietações sociais, o modelo eclesial vigente e os influxos teológicos do movimento litúrgico e da Mediator Dei apressaram, contribuíram para que o Papa Roncalli convocasse um Concílio. 11. Em 25 de Janeiro de 1959, festa da conversão de São Paulo, o Papa João XXIII surpreendia a Igreja e o mundo convocando um novo Concílio. O anúncio foi feito exatamente na Basílica de São Paulo Extramuros. Ninguém esperava por isso. Há poucos meses tinha sido eleito Papa e já tinha 77 anos. Foi o início de uma renovação, ainda em curso. Papa João XXIII a 25.1.1959, na celebração em que anunciou que pretendia convocar um concílio 12. No dia 11 de outubro, 1962, o Papa João XXIII abre solenemente, na Basílica de São Pedro, o Concílio Vaticano II. Disse o Papa no discurso de abertura: “Alegra-se a santa Mãe Igreja, porque, por singular dom da Providência divina, amanheceu o dia tão ansiosamente esperado em que solenemente se inaugura o Concílio Ecumênico Vaticano II...”. 13. Constituição sobre a sagrada liturgia foi aprovada no dia 4. 12.63. Foi o primeiro documento aprovado pelos Bispos conciliares. Ela é o primeiro fruto do Concilio. 14. Assim, a força profética do Concilio Vaticano II começa com a SC e perpassa as demais Constituições e Decretos refletindo o modelo eclesial com uma hermenêutica teológico-litúrgica impressionante. 15. A SC não se preocupa tanto com os ritual em si e sim com os conteúdos da fé eclesial que a ritualidade litúrgica deve expressar. O Concilio pensou a liturgia numa perspectiva teológica para resgatá-la do limitado horizonte ritualista. II. ESTRUTURA Como o Documento é constituído ou formado? 16. A Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia é constituída por um proêmio, sete capítulos divididos em partes ou artigos somando um total de 130 números e um apêndice constituído por uma Declaração do Concílio sobre a Revisão do Calendário. Formando um total de 130 artigos. Segundo Dom Clemente Isnard, todos os assuntos que dizem respeito à vida litúrgica foram incluídos e contemplados nesses sete capítulos. 17. O Apêndice com a Declaração diz duas coisas: 1. Que “o Concilio não se opõe à fixação da festa da páscoa num domingo certo do calendário gregoriano, com o consentimento dos interessados, principalmente os irmãos separados da comunhão com a Sé Apostólica”. 2. O Concílio declara que não se opõe às iniciativas para introduzir um calendário perpétuo na sociedade civil. “A Igreja só não se opõe àqueles que conservam a semana de sete dias e com o respectivo domingo”. Agora, vamos conhecer os capítulos e o que cada um deles trata. Depois do proêmio com seus 4 artigos, aparece o primeiro capítulo com suas 5 partes e uma relevante densidade teológica. O PROÊMIO 18- 1. Os Bispos colocam evidente a intenção do Concílio “O Sagrado Concílio, propondo-se fomentar sempre mais a vida cristã entre os fiéis... julga ser sua obrigação ocupar-se também da reforma e do incremento da liturgia”. 19- 2. Em seguida fala sobre o lugar da liturgia no mistério da Igreja. Por meio da liturgia, a Igreja atualiza a obra da redenção. Destaca a natureza da Igreja que é humana e divina e da liturgia como fonte que revigora as forças dos fiéis para pregarem o Cristo... 20- 3. Fala sobre a Constituição sobre a liturgia e os outros ritos. O Concilio “julga oportuno relembrar os princípios referentes ao incremento e a reforma da liturgia e estabelecer algumas normas práticas”. 21- 4. Apreço por todos os ritos legitimamente reconhecidos. O Concílio declara que a Igreja considera com igual direito e honra todos os ritos legitimamente reconhecidos quer conservá-los e incrementá-los que tais ritos sejam revigorados como exigem as condições e as necessidades dos tempos atuais. CAPÍTULO I: PRINCÍPIOS GERAIS PARA A REFORMA E INCREMENTO DA SAGRADA LITURGIA Esse capítulo é composto por cinco partes subdivididas em 46 artigos, a saber: 1.1. A natureza da liturgia n 5. 1.2 . A obra da salvação continuada pela Igreja realiza-se na liturgia n 6 1.3. Presença de Cristo na liturgia n 7. 1.4. Liturgia terrestre e liturgia celeste n 8. 1.5. A liturgia não é a única atividade da Igreja n 9. 1.6. A liturgia é cimo e a fonte da vida da Igreja n 10. 1.7. Necessidade das disposições pessoais n 11. 1.8. Liturgia e oração pessoal n 12. 1.9. Os atos de piedade inspiram-se na liturgia n 13. 1.10. Formação dos professores de liturgia n 15. 1.11. Ensino da liturgia n 16. 1.12. Formação litúrgica dos candidatos ao sacerdócio n 17. 1.13. Ajudar os sacerdotes no ministério n 18. 1.14. Formação litúrgica dos fiéis n 19. 1.15. Meios audiovisuais na liturgia n 20. 1.16. A regulamentação litúrgica compete à hierarquia n 22 1.17. Tradição e progresso n 23 1.18. Bíblia e liturgia n 24 1.19. Revisão dos livros litúrgicos n 25 1.20. Normas que derivam da natureza hierarca e comunitária da liturgia n 26 1.22. Deve-se preferi a celebração comunitária n 27 1.23. Decoro da celebração litúrgica n 28-29 1.24. Participação ativa dos fiéis n 30-31 1.25. Liturgia e classes sociais n 32 1.26. Normas que decorrem da natureza didática e pastoral da liturgia n33 1.27. Harmonia dos ritos n 34 1.28. Bíblia, pregação e catequese litúrgica n 35 1.29. A língua litúrgica n 36 1.30. Normas para adaptação à índole e tradições dos povos n 37-39 1.31. Como proceder à adaptação litúrgica na diocese e na paróquia n 40 1.32. Comissão nacional de liturgia n 44 1.33. Comissão litúrgica diocesana n 45 1.34. Outras comissões n 46 CAPÍTULO II: O MISTÉRIO EUCARÍSTICO. 2.1. A missa e o mistério pascal n 47 2.2. A participação ativa dos fiéis na missa n 48-49 2.3. Revisão do ritual da missa n 50 2.4. Maior riqueza bíblica na missa n 51 2.5. A homilia n 52 2.6 A oração dos fiéis n 53 2.7. Latim e língua vernácula na missa n 54 2.8. Comunhão sob as duas espécies n 55 2.9. A unidade na missa n 56 2.10. A concelebração n 57 CAPÍTULO III: OS OUTROS SACRAMENTOS E SACRAMENTAIS 3.1. A natureza dos sacramentos n 59 3.2. Os sacramentais n 60-61 3.3. Necessidade de reformar os ritos sacramentais n 62 3.4. A língua n 63 3.5. O Catecumenato n 64 3.6. Revisão do rito batismal n 65-70 3.7. Revisão do rito da confirmação n 71 3. 8 Revisão do rito da Penitência n 72 3.9. O sacramento da unção dos enfermos n 73-75 3.10. Revisão do rito das ordenações n 76 3.11. Revisão do rito do matrimônio n 77-78 3.12. Revisão dos sacramentais n 79 3.13. A profissão religiosa n 80 3.14. Revisão dos ritos fúnebres n 81-82 CAPÍTULO IV: OFÍCIO DIVINO 4.1. O oficio divino obra de Cristo e da Igreja n 83-85 4.2. Valor pastoral do oficio divino n 86-87 4.4. A estrutura tradicional seja revista n 88 4.5. Normas para a revisão do oficio divino n 89 4.6. Oficio divino, fonte de piedade n 90 4.7. Distribuição dos salmos n 91 4.8. Ordem das leituras n 92 4.9. Revisão dos hinos n 93 4.10. Quando rezar as horas n 94 4.11. Obrigação ao oficio divino n 95- 98 4.12. Recitação comunitária do ofício divino n 99 4.13. A participação dos fiéis no oficio divino n 100 4.14. A língua no oficio divino n 101 CAPÍTULO V: ANO LITÚRGICO 5.1. O sentido do Ano litúrgico n 102-105 5.2. Revalorização do domingo n 106 5.3. Revisão do Ano Litúrgico n 107-108 5.3. A Quaresma n 109-110 5.4. As festas dos santos n 111 CAPÍTULO VI: A MÚSICA SACRA 6.1. Dignidade da música sacra n 112-113 6.2. A liturgia solene n 114-114 6.3. Formação musical n 115 6.4. Canto gregoriano e polifônico n 116-117 6.5. Canto religioso popular n 118 6.7. A música sacra nas missões n 119 6.8. O órgão e os instrumentos musicais n 120 6.8. Missão dos compositores n 121 CAPÍTULO VII: ARTE SACRA E ALFAIAS LITÚRGICAS 7.1. Dignidade da arte sacra n 122 7.2. A liberdade de estilos artísticos n 123-126 7.3. Formação dos artistas n 127 7.4. Revisão da legislação sobre a arte sacra n 128 7.5. Formação artística do clero n 129 7.6. As insígnias pontificais n 130 III. TEOLOGIA E ENSINAMENTOS DA SC EM TEMPOS DE SECULARISMO, MEMÓRIA, PROFECIA E ESPERANÇA 1. O primeiro capítulo da SC fala sobre a natureza da liturgia e sua importância na vida da Igreja. 22. Esse tema vai do n. 5-13. Sendo que do n. 5-8 trata-se especificamente da natureza da liturgia. Esses números são densos de uma verdadeira teologia e nos dão a compreensão da liturgia e sua finalidade. Isto é glorificar a Deus e santificar o gênero humano. 23. A SC 5, a história da salvação aborda toda a liturgia e faz dela a razão vital do cristianismo. A história da salvação rege três momentos: 24. O primeiro momento é o momento profético, marcado pelo anúncio, no qual vai sendo dado a conhecer progressivamente o amor de Deus que deseja salvar a todos (Tm 2,4) e elege a todos como filhos no Filho (Ef 1,4). 25. O segundo momento é o da plenitude dos tempos. É o momento em que “a Palavra se fez carne”. A salvação entra no tempo e o torna impregnado da presença de Deus na humanidade de Cristo. 26. O terceiro momento é continuação do segundo, isto é, o tempo de Cristo dá origem o tempo da Igreja e a salvação operada por Cristo atinge todo gênero humano em todo tempo e lugar, por isso a liturgia é compreendida no contexto da economia da salvação realizada por Cristo na história. Assim, a história se torna história da salvação. 13º Encontro Nacional das Comunidades Eclesiais de Base 27. A SC oferece uma chave de leitura teológica interessante. Ela ensina que a liturgia tem uma parte imutável e elementos susceptíveis de mudanças (são os elementos que foram incluídos no correr do tempo e que originam de outras tradições e litúrgicas). 28. Constatamos que a hermenêutica teológico-litúrgica da SC difere daquela de Trento. Trento pendia mais para uma compreensão estática e jurídica da liturgia. A natureza da liturgia era compreendida pelo exercício completo do rito, conforme regiam determinadas rubricas. 29. A teologia litúrgica na SC é um horizonte aberto e seu constitutivo é a obra da salvação continuada no hoje da história e no tempo da Igreja. Nesse sentido, quando falamos tradição litúrgica é porque compreendemos que a liturgia é atualização do mistério salvífico de Cristo através de um rito, uma forma adequada à sucessão dos tempos e a diversidade de culturas e lugares (O patriarcado de Jerusalém nunca celebrou da mesma forma de Constantinopla, Alexandria, Roma, Milão....). 30. Como vemos, a SC parte da apresentação da revelação-histórica da salvação e chegam progressivamente à Liturgia-ação salvífica de Cristo na Igreja. A revelação se manifesta numa cascata de eventos que, de modo e em tempos diferentes, realizam o mistério da salvação, mas é sempre Cristo seu agente principal. • 31. Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre. O mesmo Cristo que encanta os pastores na gruta de Belém, se manifesta aos teólogos do século XXI e, hoje, interpela a Vida Religiosa Consagrada e os agentes desta Igreja Metropolitana e a todos nós. 32. A Revelação se manifesta como eventos que indicam a realização contínua do mistério da salvação e nos coloca diante da dimensão histórico-transcendente do mistério de Cristo. A história é história da salvação porque ela está impregnada do mistério salvífico de Cristo. 33. "A liturgia é uma maneira, sui generis, pela qual, desde Pentecostes até a parusia, cumpre-se a história sagrada, mistério de Cristo, mistério da Igreja". (C. Vagaggini). 34. Como já disse, o discurso sobre a Liturgia na Sacrosanctum Concilium está centrado sobre a história da salvação. 35. Mas, como falar sobre os feitos de Deus como canta o salmista no salmo 8? Ora, se pensarmos bem, o homem do mundo plural marcado pelo secularismo, pelo relativismo e o cientificismo, ele não só quer ser igual a Deus, mas superar Deus. Mas não é esta a pretensão do homem, desde a criação? 36. Sabemos que o cientificismo, o secularismo e o racionalismo nos desafiam e nos interpelam dizendo: você que é cristão o que diz sobre isso, o que pensa a Igreja sobre isso? (aborto, eutanásia, celibato sacerdotal...). Às vezes, somos criticados, acusados e humilhados. Mas se somos cristãos autênticos e conscientes devemos ser ousados e darmos uma resposta de fé. Richard Dawkins 37. O apóstolo Paulo nos ensina que, pela fé, podemos destruir "raciocínios presunçosos e poderes altivos, isto é, as muralhas e fortalezas que se levantam contra o conhecimento de Deus" ( 2 Cor 10:4-5). 38. O Concílio Vaticano II é um horizonte aberto frente a todos os cenários e nos inspira a dialogar com todos eles sem sermos absorvidos por eles e sem perdermos de vista as razões da nossa fé e da nossa convicção serena. 39. Para quem professa a fé na ressurreição, deste mundo transitório, contempla-se, pela fé, o clarão da pátria definitiva. 40. O cientificismo, por exemplo, é uma concepção filosófica que “se recusa a admitir, como válidas, formas de conhecimento distintas daquelas que são próprias das ciências positivas, relegando para o âmbito da pura imaginação tanto o conhecimento religioso e teológico, como o saber ético e estético” (Encíclicla Fides et Ratio, 88). 41. Eu pergunto: quem nega o que cremos, pode nos impedir de crer? Então a vida continua, porque "A ciência leva a um ponto, além dele não pode mais dirigir"(M. Planck, O conhecimento do mundo físico, (cit. por Timossi, op.cit. p. 160). 42. A fé que professamos é apostólica. Os apóstolos mesmo proibidos pelo Sinédrio, encheram Jerusalém com a mensagem do Evangelho. Nós aqui, somos mais que 12. Que potencial! Podemos, também, nós encher Pouso Alegre com a mesma mensagem. O Brasil e o mundo podem ser transformado pelo fogo do Evangelho. 43. Não precisamos ser contra nem falar mal do que é do outro, já dizia um discípulo de Dionísio Areopagita, basta buscarmos a verdade. (H.Newman, in The Letters and Diaries, vol. XXIV, Oxford 1973, pp. 77 ) 44. O Concílio nos ensina que Cristo não só é o centro e o Mediador de toda ação litúrgico-sacramental, ele é, também, o regente da história. Na economia litúrgica, tudo se dirige ao Pai, por Cristo, no Espírito e tudo vem do Pai, por Cristo, no Espírito. 45. O que isso diz ao mundo secularizado? Sabemos que o secularismo é uma forma do homem viver e afirmar sua independência de Deus. O homem secularizado não se interessa pela eternidade. O tempo presente é definitivo e os fins almejados justificam os meios usados. • 46. A experiência religiosa ou de fé vai sendo construída segundo o gosto e a escolha de cada um. O que a Igreja diz pode ser visto, apenas, como um detalhe inconveniente. 47. Do secularismo vem o racionalismo que é o culto da razão que favorece o relativismo. Para o relativismo nada é absoluto. O desfeche disso tudo é o individualismo que é a negação do comunitário e da comunhão (cada um faz e age como quer). Isso traz consequências nefastas para o trabalho pastoral. 48. A paróquia é vista como o lugar onde as necessidades imediatas sejam atendidas e não como o espaço privilegiado para construir a comunidade dos discípulos e discípulas do Senhor. 49. Não nos esqueçamos de que o conceito de comunidade precede ao conceito de paróquia. Aliás, penso que não se devia criar uma paróquia sem que se constate ali, uma verdadeira experiência da vivência da fé em comunidade. 50. Como viver a proposta do Evangelho, o apelo do Concílio e as orientações do recente Documento de Aparecida? Nossa força e motivação veem da Palavra e da presença do Senhor ressuscitado em nosso meio. Ele nos garante que todo aquele que ouve e pratica a sua Palavra não se abala, porque tem sua vida arquitetada sobre a rocha. Ele é a rocha, razão da nossa esperança. 51. Ora, se o secularismo se define como aversão ao compromisso, os cristãos devem abraçar o compromisso de testemunhar a fé até o último grito da fidelidade consumada que é o martírio. 52. Estou falando sobre o óbvio e o que é possível. Pois temos a Igreja que nos alimenta com a Palavra e os sacramentos, temos a liturgia, por meio da qual Deus opera e atualiza a salvação no mundo. 53. Temos garantida a presença do ressuscitado agindo de várias formas entre nós. Ouçamos o que diz o Concílio no número 7 da Constituição sobre a sagrada liturgia: 54. “Para realizar tão grande obra (a obra da salvação continuada no tempo da Igreja), Cristo está sempre presente em sua Igreja, e especialmente nas ações litúrgicas”. 55. O Concílio indica as formas distintas da mesma presença do ressuscitado: 1) Sob as espécies eucarísticas. Esta forma é presença por antonomásia, como disse o Papa Paulo VI no Documento Mysterium Fidei, 39. A Eucaristia presentifica todo o mistério de Cristo, isto é, Deus e homem. 2) Está presente na pessoa do ministro. “Pois aquele que agora se oferece pelo ministério sacerdotal é o mesmo que, outrora, se ofereceu na cruz...”. 3) Está presente nos sacramentos. “De tal modo que, quando alguém batiza é o próprio Cristo quem batiza”. Na liturgia, a Igreja sacramentaliza a presença e ação salvífica de Cristo na história. 4) Está presente na Palavra de Deus. “Pois é ele quem fala quando na Igreja se lêem as Sagradas Escrituras”. 5) Por fim, Cristo está presente quando a Igreja ora e salmodia. “Ele que prometeu: onde se acharem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” Mt 18,20. = (lembremos-nos da presença sacramental de Cristo na assembleia litúrgica e na pessoa de cada batizado em oração). Nesse sentido, o individualismo é a negação da presença do Senhor, ele disse onde dois ou mais.... 56. Cristo está presente, também, na ação evangelizadora da Igreja. Fala-se tanto em nova evangelização, mas penso que nossos métodos favorecem resultados contrários, porque invertemos o processo. Primeiro damos os sacramentos, depois a Palavra. 57. Se voltarmos às fontes, vamos constatar um exército de santos e mártires dos primeiros séculos (com raras exceções), eles receberam primeiro a Palavra, depois os sacramentos. Ex.: os mártires de Abitina, África. Entendo a formação como anúncio formativo para o discipulado e não só para receber os sacramentos. FORMAÇÃO 58. A Sacrosanctum Concilium insiste na formação litúrgica. Contudo, parece-me que nossa evangelização e formação carecem de maior instrução bíblica, de uma hermenêutica litúrgica mais orante e teológica e uma teologia mais litúrgica e mistagógica. 59. Urge resgatar a compreensão da nossa vocação universal à santidade (LG, 40) como povo régio, profético e Sacerdotal pela graça do Santo Batismo. 60. A graça batismal nos faz cidadãos plenos e testemunhas do reino. Dá-nos serenidade e autonomia no confronto com a realidade que se opõe aos valores do Evangelho. (ex.: a serenidade de Policarpo, bispo de Esmirna, na hora do seu martírio... foi incitado a blasfemar, não o fez). 61. Peço desculpas pela minha audácia, mas penso que nós, agentes de pastoral, devemos ter uma postura mais crítica diante do mundo, diante da política, da economia e de todas as instâncias sociais. Tal postura não nos falte frente à escola litúrgica do poder midiático que nem sempre é formativo, quando não “deformador”. 62. Estamos correndo o risco de continuarmos no espírito cultual da cristandade pré-conciliar e longe do espírito do Concílio Vaticano II que pede a participação consciente, ativa e frutuosa e um compromisso comunitário na vivência da fé. 63. Não podemos subverter, nem diluir o sentido da Eucaristia como celebração memorial do sacrifício pascal de Cristo que pela oferta da sua vida na cruz nos redimiu. 64. Nunca é demais repetir que a missa é memorial do sacrifício pascal de Cristo e não ação terapêutica medicinal. A celebração eucarística é mais que um ato de cura: é a presença atualizada e operante da salvação. • 65. Também a celebração eucarística não pode ser reduzida a algo que se encomenda para ‘homenagear’ pessoas (vivas ou falecidas). A verdadeira homenagem é dada a Deus Pai pelo dom daquela vida inserida no mistério pascal de Cristo, pela graça do Batismo. Deus Pai é o verdadeiro destinatário do nosso louvor. A finalidade última do culto cristão é a glorificação de Deus e a santificação do gênero humano (SC, 5). 66. O espírito do Concilio e a natureza da liturgia pedem e ensinam que a missa é ação comunitária participada por todos e não um show ou uma diversão religiosa que distrai a muitos, mas não é ação salvífica. 67. Uma pergunta: se a celebração sacramental é celebração da Páscoa que nos libertou da raiz de todos os males, então, porque transformar o culto cristão num lugar de exorcismo? (Refiro-me, sobretudo, ao pentecostalismo cristão e ao catolicismo pentecostal). 68. Não podemos nem devemos transformar o evento salvífico em ato devocional, nem a piedade litúrgica em intimismo subjetivo carente do espírito comunitário eclesial. 69. Para isso, é indispensável investir na formação litúrgica. Sem conhecimento dos ensinamentos do Concilio, colocamos em risco toda a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. 70. Nota-se certa deficiência no que diz respeito à mistagogia e outras dimensões essenciais da liturgia. Percebe-se, em nossos dias, um acentuado rigorismo legalista que engessa e ofusca o espírito do Concílio. 71. Por outro lado, precisamos avançar na formação para superar o personalismo que banaliza o mistério da liturgia. Ninguém duvida, por exemplo, que a mídia católica possa ajudar muito na formação litúrgica, basta assumir os ensinamentos e o espírito do Concílio. 72. Sem formação litúrgica, uma comunidade pode se tornar refém de um grupinho que ignora o Concílio promovendo uma práxis litúrgica frontalmente contrária aos ensinamentos conciliares, seja engessando ou banalizando a liturgia. 73. Banalizar a celebração sacramental é profanar o mistério da nossa redenção. Deve-se cuidar para que a Eucaristia não seja profanada com certas práticas litúrgicas. 74. Devemos compreender a Eucaristia como celebração memorial do sacrifício pascal de Cristo. Repito, a missa é memorial do sacrifício pascal de Cristo e não uma seção psicoterapêutica. A celebração litúrgica é mais que um ato de cura é a presença atualizada e operante da salvação. CONSIDERAÇÕES FINAIS 75. Gostaria de terminar esta minha fala com o pensamento de um dos conferencistas, em Itaici, sobre os 50 anos da SC. Durante o Seminário Nacional de Liturgia, o professor Andrea Grilo disse em uma das suas conferências que o Concílio pede uma conversão de linguagem. 76. Sabemos que a conversão de linguagem é importante, mas não basta. O Concílio não é um evento passado, é uma convocação permanente a uma sincera experiência metanoiática de “mentis et cordis”. 77. A meu ver, esta é a tarefa mais exigente para que os ensinamentos do Concílio sejam acolhidos e assimilados pela nossa geração e as gerações futuras. 78. Assim, antes de estarmos em estado permanente de missão somos acionados a estarmos em estado permanente de conversão. Conversão que pede dilatação do horizonte da mente e do coração para acolher sem causar ruptura ou sectarismo litúrgico o “vinho novo em odres novos” (Lc 5, 38). • 79. O grande desafio do momento é sustentar uma profecia pedagógica tal que o barril antigo não ameasse, não anule, nem sufoque o pujante vinho novo. 80. É desafio sim, conviver com quem nega publicamente a relevância do Concílio e, particularmente, a importância da Constituição sobre a Liturgia sem romper a comunhão, porque a unidade na Igreja é mais importante que a divergência. A Igreja é comunhão e a unidade entre nós é a comunhão consumada. 81. O Concílio é uma convocação permanente que é um apelo em ação imprimindo um marco particular no itinerário vocacional de todos os filhos e filhas da Igreja. A reunião se deu em Roma, mas a vivência do Concílio deve-se dá em todas as partes do mundo. 82. Nesse sentido, penso que a Vida Religiosa Consagrada qual fermento na massa tem uma missão fascinante dada pelo Senhor e estimulada pelo Concílio: ser lâmpada refulgente no candelabro fincado no pináculo do Monte Evereste iluminando o mundo e a Igreja com a luz de Cristo refigurada no testemunho da fidelidade no seguimento e da fidelidade no serviço-oferta sem reserva. 83. O chamado do Senhor implica uma postura-resposta, intimidade e confiança para que a fecundidade seja garantida. Os frutos emanam da força fecunda que vem de Cristo. 84. Apartar-se de Cristo, do seu projeto e dos seus ensinamentos é inviabilizar a fecundidade da conduta de quem a ele se configurou pelo Batismo e a ele se consagrou para a fertilidade espiritual. 85. A vivência do chamado no seguimento vai autenticando o dom do chamado e potencia o desejo da oferta que faz o discípulo e a discípula se colocar diante do mundo como testemunha fiel do Evangelho e do reino inaugurado por Jesus. 86. A intimidade com o Senhor e a fidelidade ao seu projeto são imprescindíveis para quem se deixou seduzir pelo seu chamado. Quem foi seduzido, não pode perder o itinerário do discipulado, para não correr o risco de cair na aridez e na infertilidade espiritual. 87. Sem se unir ao tronco, o ramo não dá fruto e está fadado a secar e ser lançado ao fogo e se transformar em cinzas. Longe do Senhor, a vida não é fecunda e deixa de ser sinal luminoso do reino. 88. Eu disse que o Concílio é uma convocação permanente. É um evento em ação definido por São João Paulo II como “a grande graça de que se beneficiou a Igreja no século XX” (NMI). Sem dúvida, um dos maiores legados do Concílio é a compreensão do que é Liturgia. 89. A celebração sacramental dos mistérios não é mais compreendida como um conjunto de ritos e sim como evento histórico da salvação, é momento histórico da salvação, portanto, a liturgia atualiza a salvação de Deus na história, porque ela é memorial do mistério pascal e exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo (SC, 7). 90. Ele é o Mediador e o regente de toda ação litúrgico-sacramental. Urge resgatar a compreensão teológica de que é Cristo o centro da celebração, porque é ele o mediador-regente dela fazendo que chegue ao Pai, na ação do Espírito, os gemidos, as súplicas e o louvor da Igreja de cujo corpo ele é a cabeça. 91. Há de ser superada o quanto antes possível, “para o bem de todos e felicidade geral da nação” a tentação de usar a liturgia para afirmar o “eu” em detrimento do “nós”. 92. Ora, se Cristo age sempre com a Igreja, como podemos aplaudir os que ofuscam o rosto do Cordeiro imolado e ressuscitado e ignoram o rosto da Esposa do Cordeiro que é a Igreja, a assembleia dos batizados? Confesso que não me alegro quando ouço um “ministério de canto”, um grupinho ou um coral cantando para uma assembleia muda. Isso subtrai o sentido da “participação consciente, ativa e frutuosa” que a SC pede. 93. Cantar na liturgia para ostentar personalismo é um atentado suicida contra a natureza da liturgia como ação conjunta do povo sacerdotal. Já dizia o grande Romano Guardini: “A liturgia não se apoia no indivíduo, mas na comunidade dos fiéis” (R. Guardini, O espírito da liturgia, 43). 94. Retornando ao ilustre conferencista: ele apontou “quatro coisas a não serem esquecidas”, a saber: a) que a liturgia é ação ritual. Eu me pergunto: o que é a ação ritual? Certamente é aquela ação que contagia nossa alma, nos envolve e nos introduz no coração do mistério. Porque o rito é a linguagem teofânica do mistério. Por conseguinte, a linguagem da ação ritual é a linguagem suave, sinfônica e eloquente do mistério que nos interpela. 95. b) é experiência de comunhão. Portanto, não é lugar da ostentação do subjetivismo egocentrista celebração do mistério da fé que é a celebração do mistério de Deus Uno e trino, cuja essência é amorcomunhão, esta celebração não pode não ser experiência de comunhão. A participação ativa e frutuosa de que tanto fala o Concilio tem como finalidade a experiência comunional. 96. Os que se alimentam da mesma Palavra da salvação e do mesmo corpo e sangue do Senhor formam um só corpo, o corpo eclesial que é o corpo de Cristo. Cantamos no rito da comunhão: 97. “Nós somos muitos, mas formamos um só corpo, é o corpo do Senhor a sua Igreja. E todos nós participamos, do mesmo pão da unidade, é o copo do Senhor, a comunhão”. 98. c) A liturgia é fonte e cume. É cume para o qual se dirige a vida da Igreja e fonte donde emana toda sua força (SC, 10). 99. Fonte de que? Fonte de vida espiritual e lugar de experiência da comunhão trinitária. 100. O que é a fonte? A fonte é um manancial. Ela é original, é em si mesma e se dá na dinâmica da gratuidade da graça. 101. Na Grécia antiga, a fonte era vista como divindade feminina doadora de fertilidade. 102. Na liturgia somos revigorados com aquela fecundidade da graça da salvação. 103. Todo o agir da Igreja converge para a liturgia e da liturgia emana toda a força para a missão e o agir da Igreja no mundo. 104. O cume é o ponto ômega de uma realidade. A liturgia, na SC, é cume daquela fonte que emana do eterno mistério de Deus que é princípio e fim de todas as coisas . Tudo vem de Deus, tudo converge para Deus. O cume é, ao mesmo tempo fonte. 105. Tudo isso nos faz pensar que a liturgia é objeto de estudo, porque é ciência, mas nunca pode ser colocada dentro de uma forma, porque é mistério. O mistério é uma luz que nunca se apaga. Na luz pascal do mistério de Cristo somos chamados a iluminar o mundo com Cristo. 106. O mistério torna-se infinitamente maior quanto mais ele se desvela e se dá. A liturgia celebra o mistério da comunhão trinitária que é o mistério de Deus em si mesmo, Pai, Filho e Espírito Santo. A ele honra glória e louvor, pelos séculos dos séculos. Amém! • Obrigado pela atenção!
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