Mzse en scene - Barthélémy Toguo
Transcrição
Mzse en scene - Barthélémy Toguo
36 EXPOSIÇAo BARTHÉLÉMY TOGUO . , Mzse en scene o Carpe Diem - Arte e Pesquisa traz a Lisboa 0 artista franco-camaronês Barthélémy Toguo. A trabalhar recentemente corn a prestigiada Robert Miller Gallery (Nova lorque), Barthélémy Toguo continua 0 seu percurso consolidado Texlo Marta Mestre _1 I~ol LI arte > Outubro 2009 fUJfi s Cortes la do artista "É impossÎvel falar razoavelmente em alto mar" Thomas Bernhard, lmmallue1 Kanr, J 978 BARTHÉLÉMY TOGUO CHEGOU À Bienal de Sao Tomé e Prîneipe (2008) corn uma mala eheia de rolos de papel de aluminio. Tratava-se de remontar Terre Promise, a iostalaçâo que havia criado sete anos antes para a exposiçâo "'Emergeney Exit" (Le Lieu Unique, Nantes, 200\), sobre os constrangimentos à mobili dade internacional e 0 desenraizamento africano face à cultura eh istoria europeias. o papel de aluminio era 0 elemento desestabilizador da instalaçào anterior, constituida por uma pista lon gitudinal de madeiras, pedras... Destroços. Enquanto em Nantes estes materiais, pobres e arcaicos, haviam sido apresentados tal quaI, em Sao Tomé, B. Toguo revestiu-os corn a pelicula fina e brilhante. A instalaçâo era a mesma e, evidentemente, outra. No salâo nobre do Palacio Marquês de Pombal, em Lisboa, integrado no projecto Carpe Diem -Arte e Pesguisa, corn curadoria de Lourenço Egreja, Paulo Reis e Rachel Karman, expôe-se oma das grandes instalaçôes de Toguo, intitulada Road for Exile l . Esta mos novamente em presença de uma opoTtunidade para revisitar projectos anteriores e a iconografia do artista, tcndo coma ponto de partida 0 desenho. Barthélémy Toguo regressa e expande a sua "primei ra" instalaçao no palâcio de traça setecenrista onde morou 0 Marquês de Pombal, e onde toponimia e historia interceptam a Rua do Poço dos Negros 2 e a aboliçào da escravatura 3. A instalaçao tanto trans forma 0 quadro espacial e historieo-temporal em que se apresenta, coma se deixa transformar por este, gerando-se. pois. interferências redprocas. Esta constitui uma dimensào essencial da instalaçâo, 0 que faz ampla justiça ao "sentido teatral ou cenogrâfico" ja referenciados por Rebecka Wigh 4 ou Jan-Erik Lun dstrom a respeito da obra do artista 5. Road for Exile reflecte 0 trabalho que Toguo realizou ao longo de dois anos sobre 0 modo como a viagem codifica e exprime 0 tema do exilio, rela cionando-o corn 0 drama humano que constitui um traça essencial das grandes narrativas europeias. A primeÜa vista, pareee-nos um cenârio cm que tudo estâ im6vel (sugere-nos indusivamente pintura), mas posteriormente a instalaçào exclui esse apa rente efeilo de «imersao': e cada elemcnto ganha a sua autonomia. Jan-Erik Lundstrôm çaraeterizou estas iostalaçoes coma "assemblage a três ou quatro dimcnsoes n , composiçoes de materiais distintos que "jogam corn aS escalas, brincam e divagam corn os materiais" 6. E justamente é a montagem (a instala çào) que reune aquilo que à primei Raad Jor Exile ra vista nos parcce contradit6rio. (de5enho Na cabeça do espectador joga-se 0 da Inslal çao), ;'>008-,).009 jaga da colagem, a justaposiçao que 37 lemhra as praticas dos surrealistas que, coma se sahe, indagaram corn atençao os africanos 7 • "Road for Exile" prossegue na mesma direcçào. No centro da insta laçao, e corn grande efeito escult6rico, apresenta-se uma embarcaçao pequena sobreIotada de embru!hos e mercadorias, de diferentes tamanhos e cores. Um barco demasiado fragit para a carga que trans porta. No chao, garrafas devidamente alinhadas, formam uma base instavel, 0 mar. As paredes da sala estào comple tamente fonadas a hranco, e anulam a decoraçao da arquitectura pombalina do palâcio. Os panas mosquiteiros, elemento recorrente na obra do artista, sao utiliza dos como dispositivos cénicos 8 que, coma urna espécie de velatura, remetem para 0 sonho. 0 video, a fotografia e a pintura sao outros elementos que constroern esta grande instalaçao, na quaI 0 espectador poderia estar coma num teatro: sentado e em silêncio, até ao fim da peça. Tal coma as restantes instalaçèies9 , "Road for Exile" pode ser lida corna uma recriaçao anti naturalista do rnundo, ou scja, um con junto de procedimentos que passam por aproximaçôes e distanciamentos, impre vistos e encenaçèies, pela usa de imagens de dor para falar de heleza, dirigindo 0 olhar aos objectos para falar dos sujeitos. Existe uma relaçao de familiaridade e estranheza para 0 espectador que chega à sala onde se expôe a instalaçao. Mobili zando a mem6ria, imagens do passado, e imagens do presente serâ evidentemente capaz de estahelecer uma constelaçâo de novas imagens, espéde de mapa do futuro desenhado corn materiais do passado - a que W. Benjamin chamou "imagem dialéctica': 0 espanto é uma dimensao essencial desta economia; nao somente es paoto em relaçao aos materiais ordinârios que Toguo emprega e às ligaçôes e justa posiçôes que propèie; mas ainda espanto perante tal cenano face à arquitectura c1âssica e nobre do Palâcio, caracterizado pela sucessâo sincopada de salas decora das corn cenas mitol6gicas. Se 0 espectador possuir algumas no çôes de historia da arte, relacionarâ a fra gil emharcaçao de Toguo corn a tela de T. Géricault, Le Radea u de la Méduse ( 1819), ohra de um intenso pathos, acerca da quai Michelet diria: "C'est la France, c'est notre société toute entière qu'il embarque sur ce radeau de la Méduse"lO. Movimento e imohilidade sâo atributos tanto da grande tela de Géricault onde se representa a jangada à deriva, coma da instalaçâo de Toguo, ambas realizadas a partir de uma pesquisa documentaI que tem como hori zante a contexto africano (0 naufragio de Méduse passa-se ao largo da Mauritânia, no contexto da restituiçao do Senegal à França pela Inglaterra durante 0 periodo coloniali "Road for Exile" evoca 0 trânsito mental, humano e geogrâfico entre Africa e 0 Ocidente). Em plena tempestade, a viagem segue os perigosos caminhos do sonho e do inconsciente. A luz da instalaçao de Barthélémy Toguo é uma e5pécie de luar, que nao é dia nem é noite, uma luz llNICIALMENTE EXPOSTA EM 'BlAC~ PARIS". MuSfE D'IXELLES (BRUXELAS, 2008) ENil ARCO (MADRID. 200a) 2 ONDE SE AVENTA TER 51DO LOCAL DE OESPEIO DE CADÂVERES NEGROS: cr JEAN'YVES LOum, j ISBOA NA CiDADf NfG~A. D QUIXOH, lIS60A, :/005 lEM 1761. MARQUtS DE POMBAL DELIBERA A ABOLIl;Ao DA ESCRAVATURA DENTRO DA METR6pOlL MANIE NOO,St. CONTuDO, NAS COLON1AS 4 REfl~CKA WIGH, "ABSUl(DITt DU RtEl ET POLITIQU EDU CORPS". 1N NOl RE HISTOI/lE, PARIS MUStES, PALAIS DE TOKYO, 2006 S J-l.LUNOSfROM. 'PERFO!(MING THE HYPHEN, THESES ON BAR1HELfMY TOGUO'S THEATRES OF TRANSLATION", IN BARTHÉLÉMY TOGUO'S THE SICK OPERA, PALAIS DE TOKYO. PARIS, 2005, P 26 enganadora que altera a ordem dos factos, em tudo semelhante às palavras que um dos tripulantes da jangada do desastre de Géricault, 0 Capitiio Dupont, referiu nas suas mem6rias: "Ainda hoje nâo sei ainda a verdade sobre essa noite terrÎvel". A noi te e 0 estado de enredo que !he é pr6prio sâo intrinsecas a ambas "epopeias" (a de Géricault e a de Toguo), jamais lineares mas assombradas, reminiscentes de outras imagens, e que nos fazem sentir uma estranha familiaridade. Um outro aspecto latente à instala çao de Barthélémy Toguo é 0 tema do mestiço (do crioulo), e que na pintura de Géricault surge de forma bem visivel: um homem acena ao navio que nave ga na linha do horizonte, e que vern resgatar os naufragos. É um mestiço, um crioulo, efeito e sîmholo da mistura de raças, e que "resolve" a situaçâo dramati ca da imagem. Este tema marca presença na instalaçao de Toguo através da mera jangada, simbolo do que "liga", daquele que esta "entre", na viagem entre 0 Norte de ArTica e Gibraltar ou a Sicilia. Com idêntica expressâo, na videoinstalaçao de Isaac Julien WESTERN UNION: Small Boats (2007) Il, existe um anjo mestiço que apresenta 0 trânsito dos corpos no mundo e nos fala dos constrangimentos à viagem no espaço contemporâneo. Desta forma, a proposta de Toguo tem um sentido "poHtico" manifesto (no sen tido de Jacques Rancière). Se por um lado comenta, posiciona-se, di a ver um tema da actualidade politîca, nao 0 faz segundo a modalidade (conservadora ou mediiti co/espectacular) da coordenaçao natural de imagens, mas através da mise en scène de materiais heterogéneos e de opera çôes que deixam 0 sentido à deriva. Corn efeito, 56 este ultimo aspecto, esta poé tica autoriza que tudo se passe de forma diferente, e que se qualifique de politica a proposta de Toguo + 6 J,'E.LUNDSTROM, 'PŒFORMING THE HYPHEN,,·, CIT" P, 26, 7 ENTRE OUTRO'>, VEjA-SE J CLIFFORD, "ON UHNOGRAPHIC SURREAlI'>M·.IN THE PREDICAMENr OF CULTURE; TWfNTlfTH'C[NTURY ETHNOGRAPH~ UfERATURE AND ART, HARVARD UNIVER'>1TY PRESS, CAMBRIDGE (MAI. 1988, PP,m'ISl. 8 PEX (ARACHRfSTICO DO HATRO Dt ROMEO CAS1ELLUCCIISOmTAS RAFFAELLO SANZIO. VEjA-SE "GENESI' FROM THE MUSEUM OF SLEEP" (1999) ou "A 1102 AVIGNON-(2002) Road far Exile 91NICIAOAS COM UNIFINI$HfDTHEATER (BIENAl DE LYON. 2000), PROSSEGUINDO COM TERRE PROMISE (CIl. SUPRA), RAIN ON A PR/YAIE GARDEN (PALAIS DE TOKYO. PARIS, 2006) ElAWlf55l0NE 1«SOCIETY MUST BE DEFENDW', PRIMEIRA BIENAL DE: THESSALONIKA, 2007) 10 JUlES MICHELET. L'ÉTuDIANT COURI DE 1841'/848. CALMANN·U'VY, PARIS. 187i. P,llo' "C'EST lA FRANC[ [LlE-MtM[, C'EST NOTRE SOOUE rour fN/IÈRE QU'Ij EMBARQUA 5UR CE RADEAU Df tA MÉDUSE., IMAGE 51 CRUELlEMENT YRAI QU, ['ORIGINAL Ré'FU5A Df Sf RfCONNAÎrRf ON RECULA DEVANT CETTE PflNrURt rl'RRlalE; ON PA5SA VITE DEVANT; ON TÂCHA DE NE PAS VOIR ET DE NE PAl COMPRENDRE" BartMé lémy Tog uo Carpe D'em - Arte e PesqulS<l. [ LISboa Até 7 Novembrn , 11 TRI LOGIA CONSTI1UfDA POR TR()f NORrH (.200.<1), rANTOME AFRIQuE (2001) 1 WESTERN UNION, SMAll BOAfS (2007) ()ulubro :/009 ,L+èrte