tempestade em cachoeira paulista (sp) (06/11/08)

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tempestade em cachoeira paulista (sp) (06/11/08)
TEMPESTADE EM CACHOEIRA PAULISTA (SP)
(06/11/08)
Na noite da quinta-feira (06/11/2008), mais especificamente entre às 20:00 hs e
20:30 hs, a cidade de Cachoeira Paulista no Vale do Paraíba (SP) sofreu os efeitos de
um intenso temporal. Este fenômeno teve associado chuvas intensas e fortes ventos,
sendo que o impacto maior foi provocado pelos ventos intensos. Em várias áreas da
cidade de Cachoeira Paulista, as rajadas de vento ultrapassaram os 100 Km/h, por
exemplo, na estação automática do INPE foi registrada a velocidade de 132 Km/ h
(média de 30 minutos). Pelos danos causados na cidade a velocidade do vento pode ter
sido ainda maior. Em Cachoeira Paulista, as fortes rajadas de vento derrubaram dezenas
de árvores e várias delas foram arrancadas pela força do vento, algumas com cerca de
1m de diâmetro de caule. Centenas de casas foram destelhadas, muros, parabólicas e
placas de propaganda foram derrubados. As chuvas acompanhadas dos ventos intensos
alagaram ruas, casas e apartamentos. Postes de energia elétrica tombaram e uma torre
metálica de telefonia celular foi derrubada destruindo a cobertura de um clube da
cidade. Houve interrupção no fornecimento de energia, moradores ficaram desabrigados
e desalojados. Os prejuízos e os transtornos na cidade foram grandes. Devidos aos
grandes impactos, a cidade decretou o estado de calamidade pública.
A seguir apresentam-se algumas fotos que permitem quantificar a magnitude dos
impactos ocorridos na cidade de Cachoeira Paulista.
O tempo severo foi provocado por um intenso Sistema Convectivo de
Mesoescala (SCM) que afetou várias localidades do Vale do Paraíba, principalmente
aquelas compreendidas no Vale Histórico. Porém, a cidade de Cachoeira Paulista foi a
mais castigada da região. Segundo a distribuição espacial dos danos provocados pela
tempestade e, através dos relatos dos moradores, o fenômeno durou apenas 30 minutos,
deslocou-se preferencialmente de sudoeste a nordeste e afetou, principalmente, os
bairros da cidade correspondente à margem direita do rio Paraíba. Apesar da intensidade
do vento e do grande impacto causado pelo mesmo, não há confirmação da atuação de
um tornado. A análise das imagens do radar de São Roque, em São Paulo, identificou
esse sistema convectivo como uma linha de instabilidade que avançou sobre o Vale do
Paraíba, sendo que durante o dia veio se deslocando desde o Estado do PR. Às 16 hrs da
tarde do dia 6, segundo o radar de São Roque, essa linha se estendia desde Santos até
Campinas. A linha foi se deslocando para leste/nordeste, chegando a São José dos
Campos às 18 horas e a Guaratinguetá às 20 horas. Na chegada a Cachoeira Paulista
sofreu uma súbita intensificação que levou aos eventos devastadores observados.
Os SCM são caracterizados por apresentar aglomerados organizados de nuvens
de grande desenvolvimento vertical, cuja espessura pode ultrapassar os 10 Km. Essas
nuvens têm associadas chuvas fortes, intensas rajadas de vento, descargas elétricas e
ocasional queda de granizo. As fortes rajadas de vento descem de maneira intensa
desde o interior da nuvem e quando tocam a superfície do solo se espalham de maneira
horizontal provocando destroços de variada intensidade. Os SCM passam por períodos
de menor intensidade seguidos por intensificações rápidas e localizadas como a
observada no caso de Cachoeira Paulista.
Neste tipo de fenômeno, é bastante comum as rajadas de vento apresentarem
uma distribuição bastante irregular em termos de espaço e tempo. Devido a esta
característica, a utilização de ferramentas clássicas de previsão de tempo faz com que a
previsibilidade deste tipo de fenômeno seja baixa. Porém, através de radares
meteorológicos é possível determinar um prognóstico a curto prazo (nowcasting) e com
boa confiabilidade.
Uma característica particular das rajadas de vento associadas aos SCM é que
podem ser muito intensas numa área com poucas dezenas de metros de largura por
algumas centenas de metros de comprimento, como as que foram observadas em
Cachoeira Paulista e arredores da cidade. O barulho estrondoso típico associado a esses
ventos fez com que recebessem o nome de micro-explosão, tradução do termo em inglês
de “micro-burst”. Os ventos desse fenômeno podem ser tão intensos como o de um
tornado mas diferentemente deste sopram em uma única direção. Pode-se observar em
plantações de eucaliptus em Cachoeira Paulista que as árvores foram quebradas ou
inclinadas todas para um mesmo lado, o que caracteriza a micro-explosão. O tornado
deixa uma assinatura de torção que não foi observada nesse caso.
A Figura 1 mostra a imagem do Radar do Pico de Couto (RJ) correspondente
ao horário aproximado (8:30 hs local) da ocorrência da tempestade em Cachoeira
Paulista. Nota-se a presença da linha de instabilidade orientada de norte a sul com um
comprimento aproximado de 150 Km. A intensidade da chuva estimada pelo radar
variou entre moderada e forte.
Figura 1: Imagem do Radar do Pico de Couto (RJ).
A situação meteorológica que deu origem a este fenômeno meteorológico esteve
caracterizada pela presença de uma massa de ar quente e muito úmida que prevaleceu
sobre grande parte do Estado de São Paulo desde o início dessa semana. Vale ressaltar
que, a cidade de Resende (RJ) pertencente à região do Vale do Paraíba, também sofreu
as conseqüências de um intenso temporal ocorrido na terça-feira 04, dois dias antes do
fenômeno acontecido em Cachoeira Paulista.
As temperaturas máximas observadas sobre grande parte do cone leste de SP,
incluindo o Vale do Paraíba oscilaram entre 27 e 30C, entanto que as temperaturas de
ponto de orvalho estiveram próximas dos 20C.
A circulação atmosférica desse dia mostrava a presença de um cavado na
troposfera média e alta não muito amplificado, porém bastante intenso, cujo eixo se
estendia desde o oeste do Paraguai até o noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (RS).
a)
b)
Figura 2: Carta de 500 hPa (a) e de 250 hPa (b), correspondente ao dia 6 de
novembro de 2008 às 18Z.
A Figura 2 permite identificar o cavado tanto em 500 hPa como em 250 hPa
influenciando boa parte do Estado de SP e parte dos Estados do PR, RJ e MS.
A presença deste sistema de baixa pressão na troposfera média (Figura 2 a)
favorecia a constante advecção de vorticidade ciclônica sobre grande parte do Estado de
SP, fazendo com que a pressão em superfície diminuísse de maneira constante. Desta
forma, a queda de pressão em superfície favorecia a convergência de massa nas
camadas baixas da atmosfera e, em conseqüência, a geração de um intenso movimento
ascendente em toda a coluna atmosférica. Por outro lado, em altitude (Figura 2 b) o
fluxo difluente sobre grande parte deste Estado gerava forte divergência sobre todo o
Estado, incluindo a região do Vale do Paraíba. Esta divergência intensifica ainda mais a
convergência em superfície e em conseqüência o mecanismo de levantamento. O forte
levantamento combinado com a presença de uma massa quente e muito úmida deu
origem aos sistemas convectivos descritos anteriormente.
A seguir, apresenta-se a carta de superfície (Figura 3) onde se pode observar
uma ampla área de baixa pressão cobrindo boa parte do Centro-Sul do Brasil, incluindo
o Estado de SP. No oceano, na altura do RJ, nota-se um cavado dando suporte à Zona
de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) que se configurou nesse mesmo dia. Na
retaguarda da ZCAS, aproximadamente entre o Estado do PR, sul de MS e o sudoeste
de SP, observa-se uma área alta pressão relativa de 1008 hPa, formada possivelmente
pelo resfriamento provocado pelas intensas chuvas registradas nessa região ao longo do
período.
Figura 3: Carta de Superfície correspondente ao dia 6 de novembro de 2008
às 18Z.
A análise dos índices de instabilidade (Figura 4, a,b,c, d) indica a presença de
uma massa muito úmida e instável cobrindo o centro-norte do PR, sul de MS, grande
parte de SP, o Triângulo Mineiro, sul de MG e parte do RJ. Sobre a região do Vale do
Paraíba, registraram-se valores Lifted inferiores a -3 (Figura 4, a), índice K próximo
dos 40 (Figura 4, b), SWEAT acima de 250 (Figura 4, b), Total Totals superior a 50
(Figura 4, c) e Cape superior a 2000 (Figura 4, d).
a)
c)
b)
d)
Figura 4: Índices de instabilidade. a). Lifted. linhas contínuas pretas. b). K. linha
contínua em tons vermelha e SWEAT em sombreado azul. c). TotalTotals e,
tracejado em vermelho (>50) e branco (>45). d). CAPE. Sombreado em tons
amarelo e laranja (>1000).
A análise das sondagens de Campo de Marte (SP) e Galeão (RJ) correspondente
às 12Z do dia 6 de novembro de 2008 (Figura 5, a e b) confirmam a presença de uma
massa de ar úmida e instável predominando sobre uma amplia área de atuação.
O perfil vertical de ambas as localidades mostra que a coluna atmosférica estava
úmida, porém sem apresentar valores de Água Precipitável muito extremos. A
sondagem do RJ representou um pouco melhor a atmosfera de Cachoeira Paulista
devida à sua proximidade com esta cidade. Valores de “Vertical Total” superiores a 29
indica a presença de uma massa ar relativamente fria na troposfera média provocada
pela atuação do cavado descrito anteriormente. O ar frio por cima e a presença de
temperaturas máximas elevadas em superfície, fizeram que a atmosfera ficasse ainda
mais instável, favorecendo de alguma maneira a potencializar a ocorrência de tempo
severo sobre a região do Vale do Paraíba.
a)
b)
Figura 5: Sondagens de Campo de Marte (SP)(a) e Galeão (b),
correspondente ao dia 6 de novembro de 2008.
O Grupo de Previsão de Tempo (GPT) do Centro de Previsão de Tempo e
Estudos Climáticos (CPTEC) alertou à população sobre a ocorrência de temporais
localizados sobre grande parte do Vale do Paraíba. Este aviso meteorológico foi enviado
com dois dias de antecedência e com atualizações periódicas até o dia de ocorrência do
fenômeno. Os avisos meteorológicos emitidos não especificavam de maneira pontal e
detalhada as áreas mais propícias a serem afetadas por este fenômeno severo devido à
dificuldade ressaltada anteriormente.