Irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas

Transcrição

Irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas
SÉRIE MEMÓRIAS – 2
IRMÃS MISSIONÁRIAS DE SÃO CARLOS,
SCALABRINIANAS
1934 – 1971
2
LICE MARIA SIGNOR
IRMÃS MISSIONÁRIAS DE SÃO CARLOS,
SCALABRINIANAS
1934 – 1971
Volume II
CSEM – Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios
Brasília
2007
3
Copyright©2007 by CSEM
H578
Signor, Lice Maria.
Irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas – 1934-1971.
Brasília: CSEM, 2007.
??? p. – (Série Memórias, 2)
ISBN: 978-85-87823-11-3
1. Migração 2. Brasil – Imigração 3. Migrações – História 4. Irmãs Missionárias
Scalabrinianas 5. Missionárias Scalabrinianas 6. Igreja – História 7. Apostolado
8. Missão I. Título II. Série
CDU 253 Pastoral
325.1 Imigração
325.1(091) História das migrações
270.5 História da Igreja (ordens religiosas)
271.02 Ordens religiosas segundo sua ocupação
271-9 Apostolato. Missões
940 História da Europa
981 História do Brasil
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4
Indice
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................. 7
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 9
Parte 1 – 1934-1948
Expansão missionária da congregação mscs ..................................................................................................... 13
1.1 Panorama internacional no período 1934-1948 ........................................................................................... 14
1.1.1 Aspectos do cenário mundial ............................................................................................................ 14
1.1.2 Segunda grande guerra, 1939-1945 .................................................................................................. 17
1.1.3 Reorganização internacional ............................................................................................................ 21
1.1.4 A igreja em meados do século XX .................................................................................................... 23
1.1.5 Desafios e novas situações no campo da mobilidade humana ........................................................ 26
1.2 Difusão apostólica do instituto no Brasil e início da expansão missionária na Europa ............................... 30
1.2.1 Concentração do instituto no Brasil e percepção de necessários avanços..................................... 30
1.2.2 Antecedentes e passos da fundação na Itália ................................................................................... 33
1.2.3 Mediações do regresso à Itália .......................................................................................................... 38
1.2.4 Terceiro noviciado da congregação mscs ......................................................................................... 41
1.2.5 Criação da província italiana ........................................................................................................... 44
1.3 Avanços e eventos do instituto na década de 1940 ..................................................................................... 47
1.3.1 Uma oportunidade histórica ............................................................................................................. 47
1.3.2 Desenvolvimento da congregação mscs nos Estados Unidos .......................................................... 50
1.3.3 Qüinquagésimo aniversário de fundação do instituto scalabriniano feminino ............................ 53
1.3.4 Terceiro Capítulo Geral, 1948 .......................................................................................................... 57
1.3.5 A congregação mscs em 1948 ............................................................................................................ 60
Parte 2 – 1948-1960
Aprovação do instituto e das constituições
Gradual distanciamento da congregação mscs do projeto pastoral de João Batista Scalabrini ............................. 66
2.1 Flash do contexto mundial em meados do século XX ................................................................................ 68
2.1.1 Polarização e não-alinhamento ......................................................................................................... 68
2.1.2 Guerra fria: confronto Estados Unidos x União Soviética ............................................................. 70
2.1.3 Processo de descolonização afro-asiática ......................................................................................... 73
2.1.4 A igreja na véspera do concílio Vaticano II ..................................................................................... 75
2.1.5 Constituição apostólica Exsul familia .............................................................................................. 78
2.2 Conquistas e nova crise interna ................................................................................................................... 83
2.2.1 Decreto de 15 de agosto de 1948 ....................................................................................................... 83
2.2.2 Tensões e conflito interno .................................................................................................................. 86
2.2.3 Afastamento de madre Borromea Ferraresi ................................................................................... 89
2.2.4 Nomeação de nova direção geral ...................................................................................................... 93
2.2.5 Gestão de madre Joana de Camargo, 1951-1960 ............................................................................ 97
2.3 Crescimento quantitativo e descaracterização pastoral do instituto scalabriniano feminino ..................... 101
2.3.1 Evolução histórica e desvio pastoral da congregação mscs na década de 1950 .......................... 101
2.3.2 Formação da irmã mscs .................................................................................................................. 105
2.3.3 Alternância de bons e mais difíceis momentos .............................................................................. 110
2.3.4 Fundação da província dos Estados Unidos .................................................................................. 114
2.3.5 Quarto Capítulo Geral, 1960 .......................................................................................................... 118
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Parte 3 – 1960-1971
Perspectiva de mudanças na vida-missão do instituto ......................................................................................... 121
3.1 Complexidade conjuntural e seus reflexos na evolução histórica da congregação mscs no decorrer do
período 1960-1971 .......................................................................................................................................... 123
3.1.1 Retrospectiva 1960-1971 ................................................................................................................. 123
3.1.2 A questão do desenvolvimento humano e econômico dos povos no espaço geográfico mundial
durante o período 1960-1971 ........................................................................................................... 127
3.1.3 A missão universal da igreja e o desafio do desenvolvimento de todos os povos ........................ 129
3.1.4 Novas correntes migratórias e renovado comprometimento eclesial com a mobilidade humana
........................................................................................................................................................... 132
3.2 Mudanças e eventos comemorativos na vida- missão do instituto no decorrer da década de sessenta ..... 136
3.2.1 Primeiro mandato de madre Idalina Baratter, 1960-1966 ........................................................... 136
3.2.2 Transferência da sede geral da congregação mscs de São Paulo para Acília, Itália .................. 139
3.2.3 Passagem do instituto à dependência direta da congregação dos Religiosos .............................. 143
3.2.4 Setuagésimo aniversário de fundação do instituto scalabriniano feminino, 1895-1965............. 146
3.2.5 Outros eventos e novas fundações da congregação mscs no sexênio 1960-1966 ......................... 148
3.3 Resposta da congregação mscs ao concílio ecumênico Vaticano II .......................................................... 152
3.3.1 Quinto Capítulo Geral, 1966 ........................................................................................................... 152
3.3.2 Criação da província Cristo Rei ..................................................................................................... 155
3.3.3 Setuagésimo quinto aniversário de fundação do instituto scalabriniano feminino .................... 159
3.3.4 Renovação pós-conciliar: reflexos na missão e no estilo de vida das irmãs missionárias de são
Carlos em fins da década de 1960 ................................................................................................... 161
3.3.5 Preparação e realização do Capítulo Geral Especial .................................................................... 165
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS ............................................................................................................... 177
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APRESENTAÇÃO
Por constituir o modo de contato com o passado, a pesquisa histórica torna-se
imperativa exigência para o aprofundamento da identidade de um povo, bem como de uma
instituição.
A autora, Ir. Lice Maria Signor, com o mesmo entusiasmo, empenho, amor e
conhecimento histórico e científico com que elaborou o primeiro volume desta coleção,
dedicou-se à elaboração do segundo volume da história das irmãs missionárias de são Carlos
Borromeo, scalabrinianas, do período 1934-1971. Situa de modo preciso e global o contexto
histórico da época, contextualizando a realidade da igreja, a promulgação de seus documentos
e, com atenção especial relaciona à época, o caminho histórico vivido pela Congregação
nestes 37 anos.
O estudo dessa fase revela vazios na expressão e vivência do carisma, quer na
dimensão da espiritualidade, quer no aspecto da missão. Perpassando com cuidado e atenção
esse tempo histórico, constata-se também períodos de retorno às origens da Congregação,
caracterizados por insistentes apelos ao aprofundamento da espiritualidade do fundador, João
Batista Scalabrini, a divulgação de sua vida e obra, bem como da vida e obra dos cofundadores, Madre Assunta Marchetti e Pe. José Marchetti.
O Senhor que por meio do seu Espírito guiou, acompanhou com seu amor e fidelidade
a história mscs, nos ajudou a acolhê-la como graça, mesmo constatando limites, sofrimento,
avanços, esperanças e vida doada com sacrifício e gratuidade por tantas irmãs que nos
precederam. Tomar contato com as vivências de nossa história é retornar ao próprio
manancial da vida, no qual se nutre o fervor dos santos.
Para o Instituto, a realização desta publicação, justamente no ano em que celebramos
os 10 anos da beatificação do fundador João Batista Scalabrini, se torna um sinal de gratidão e
reconhecimento a Deus. Por isso, é oportuno fazer memória e retomar as palavras proferidas
por João Paulo II, no dia 09 de setembro de 1997: A universal vocação à santidade foi
constantemente sentida e vivida em primeira pessoa por João Batista Scalabrini. Amava
repetir: „Pudesse santificar-me e santificar todas as almas a mim confiadas‟! Desejar a
santidade e propô-la a quantos encontrava foi sempre a sua primeira preocupação.
Conscientes de que a graça inicial continuada no tempo comporta, para cada um dos
membros, um estudo assíduo do espírito do Instituto a que pertence, da sua história e missão
para, assim aprimorar a sua assimilação pessoal e comunitária, a publicação desse volume
oferece elementos preciosos, para acolher essa graça e fazê-la frutificar. Vós não tendes
apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a construir!
Olhai o futuro, para o qual vos projeta o Espírito a fim de realizar convosco ainda grandes
coisas (VC, n. 110).
Que a leitura atenta e aprofundada do conteúdo contido neste II volume da História
mscs, ajude a reavivar em cada irmã missionária scalabriniana a liderança carismática
exercida no interno da Congregação, neste período histórico, bem como o espírito que
animava tantas irmãs mscs a buscar em formas novas e criativas de fidelidade e de respostas
concretas ao carisma scalabriniano, no contexto das migrações.
Publicar este livro, no ano em que a Congregação celebra o XII Capítulo Geral, com o
tema: A identidade da Irmã Missionária de São Carlos Borromeo Scalabriniana, nos dá mais
7
uma possibilidade de lançar um olhar atento para nossas irmãs que, com sentido de pertença e
identificação profunda e coerente, não mediram esforços para que o Instituto aumentasse em
número e que alargasse sua tenda missionária. A vivência de uma autêntica espiritualidade
scalabriniana faz contemplar e agradecer a história que vivemos e suscita também audácia
para responder aos desafios pertinentes da mobilidade humana hodierna.
Nesse caminho, como nos lembra a TRADITIO Scalabriniana, n. 4, acompanha-nos
Maria, Mãe da esperança que nos ajudará a empreendermos a cada dia, nova peregrinação
em direção ao outro – o irmão e a irmã da comunidade, o migrante, toda pessoa que
encontramos pelo caminho – para oferecer o Filho, migrante e missionário do Pai, morto e
ressuscitado por todos. Esta atitude requer disponibilidade para o sacrifício de si mesmo, na
experiência do êxodo pascal que se torna possível no dom do Espírito.
Irmã Maria do Rosário Onzi, mscs
Superiora Geral
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INTRODUÇÃO
Este livro, o segundo de três volumes de história da congregação das irmãs
missionárias de são Carlos, scalabrinianas, narra uma seqüência de acontecimentos que
marcaram a vida religioso-apostólica do instituto no tempo compreendido entre 1934 e 1971.
O primeiro volume ateve-se ao processo de fundação da congregação mscs iniciado em 1895
e à evolução histórica da instituição no Brasil até 1934 ano em que, já consolidada, a nova
fundação foi favorecida por decreto do papa Pio XI de 13 de janeiro desse ano, que a
reconheceu como instituto de direito pontifício. Abordagem do terceiro volume será, por sua
vez, a sucessão de fatos ocorridos entre 1971 e 2001, tempo pós Capítulo Geral Especial
quando a congregação scalabriniana feminina pôs em ato um processo de renovação proposto
pelo concílio ecumênico Vaticano II a todos os institutos religiosos e orientado para o retorno
ao espírito dos respectivos fundadores e à intenção fundacional de cada família religiosa.
Na elaboração deste segundo volume deu-se prosseguimento ao relato cronológico de
fatos considerados importantes na história do instituto scalabriniano feminino, sem perder de
vista a questão primordial enunciada no primeiro volume e retomada com igual intento na
presente investigação: a congregação das irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas,
continua a ser no tempo resposta efetiva ao projeto apostólico de João Batista Scalabrini?
A mobilidade humana, independente de políticas adotadas, de causas e de formas que
o fato apresenta, é um fenômeno que se repete no decurso dos séculos e coloca o tema em
destaque nos diferentes contextos do cenário mundial. Razões menos dignificantes para o ser
humano, com freqüência, tornam-se fios condutores dos movimentos migratórios. É pena que
não seja evidenciada a estreita relação entre migrações humanas e progresso dos povos, entre
liberdade de migrar e unidade universal. No período 1934-1971, tempo durante o qual os
êxodos humanos diversificaram-se sobremodo, trataram dessa questão importantes
documentos de papas e da igreja.
Em tal contexto, diante das novas urgências no campo da mobilidade humana, tendo
presente a missão própria e o repetido chamamento da igreja para essas realidades, supomos
ter a congregação scalabriniana feminina se omitido, resultando dessa ausência um gradual
desvio da intenção fundacional, situação ainda hoje difícil de corrigir.
Delimitado o tempo, estabelecida a hipótese e identificados os momentos importantes
da história da congregação no período em estudo, organizamos a matéria em três partes: a
primeira de 1934 a 1948, a segunda parte de 1948 a 1960 e a terceira parte de 1960 a 1971.
Do mesmo modo que no primeiro volume, cada parte é constituída de três unidades na
primeira das quais são abordados aspectos do contexto mundial, da realidade eclesial e em
particular das situações de mobilidade humana, campo próprio da ação apostólica
scalabriniana. As demais unidades tratam da evolução histórica do instituto scalabriniano
feminino.
Objeto de estudo da parte 1 é a caminhada do instituto durante os primeiros 14 anos do
período 1934-1971, que tiveram como pano de fundo dois conflitos mundiais. Uma síntese
conjuntural do entre-guerras ressalta a crise generalizada que levou ao descrédito o
capitalismo liberal e à perda de confiança nas instituições democráticas, fatores que
favoreceram o fortalecimento de regimes totalitários e desencadearam a segunda grande
guerra de 1939-1945, de abrangência mundial. A reorganização internacional no pós-guerra, a
9
ação da igreja durante e depois do conflito bélico, as novas urgências no campo da mobilidade
humana completam o sintético quadro da fase 1934-1948.
Nesses 14 anos a congregação mscs cresceu em número de membros e de obras,
difundiu-se no Brasil e iniciou sua expansão missionária na Itália e nos Estados Unidos,
originando duas novas províncias do instituto. Em 1945, mesmo ano do término da segunda
grande guerra a congregação celebrou seu cinqüentenário de fundação. Três anos depois, em
1948, realizou-se o Terceiro Capítulo Geral do instituto. A 1o de julho desse ano, faleceu no
orfanato Cristóvão Colombo de Vila Prudente, a co-fundadora da congregação scalabriniana
feminina, madre Assunta Marchetti.
A parte 2 analisa a fase 1948-1960. Em flash do contexto mundial de então são
relacionados acontecimentos de meados do século XX, sendo abordados a seguir aspectos da
realidade da igreja às vésperas do concílio Vaticano II, bem como da constituição apostólica
Exsul familia, de Pio XII, documento que trata de modo abrangente a questão da mobilidade
humana. O fenômeno migratório, por sua vez, sofreu modificações ao longo desses 12 anos,
mas manteve-se um fato de grande atualidade.
No ano de 1948 a congregação mscs obteve da igreja o decreto de aprovação como
instituto religioso e aprovação definitiva das constituições. Não obstante essas conquistas e o
crescimento em número de membros e de obras, a história da congregação registra no triênio
1948-1951 o suceder-se de tensões internas que motivaram o afastamento de madre Borromea
Ferraresi e conselho da direção geral do instituto e nomeação de madre Joana de Camargo
como superiora geral. O mandato de madre Joana de Camargo estendeu-se até maio de 1960.
Em sua atividade apostólica no decorrer de 1948-1960, a congregação scalabriniana
feminina afastou-se de maneira gradativa da intenção fundacional, descaracterizando sua
prática pastoral, fator que enfraqueceu a consciência de identidade da irmã mscs. Diante da
mudada realidade migratória e das novas urgências da mobilidade humana no mundo e
mesmo no Brasil onde se concentravam irmãs e obras do instituto, a congregação foi omissa,
não sendo a missão própria o critério principal das suas opções apostólicas.
A parte 3 atém-se aos anos 1960-1971, tempo que abriga a gênese de maiores e mais
complexas transformações, que conduzirão o mundo à terceira revolução industrial,
caracterizada por alta tecnologia, com enorme expressão no campo eletrônico e na
informática, na biotecnologia e na química. Uma retrospectiva histórica mostra a passagem da
guerra fria à coexistência pacífica; a transferência da tensão Leste x Oeste para outra,
identificada como conflito Norte x Sul; o aumento do número de países do terceiro mundo; as
discussões em torno da questão do desenvolvimento dos povos; a rendição da maioria dos
países ao capitalismo internacional. No horizonte delineava-se o fenômeno da aceleração,
aspecto da globalização.
A igreja, inserida nesse contexto em transformação, reavaliou sua missão universal,
revigorou o empenho missionário e a solicitude pastoral, tendo em vista o desenvolvimento
integral do homem e de todos os povos. Na década de 1960, documentos do concílio
ecumênico Vaticano II, mensagens e encíclicas papais alcançaram grande repercussão e
acrescentaram substancial conteúdo ao ensino social da igreja. A 2a conferência do
episcopado latino-americano de Medellín e sua opção pelos pobres constituiu um evento de
extraordinária importância.
A mobilidade humana, tema de freqüentes debates políticos e de destaque na mídia foi
objeto de particular atenção da igreja que, entre outras iniciativas nesse campo, reviu as
normas da Exsul familia relativas à prática pastoral junto aos migrantes, atualizando-as
através do motu proprio Pastoralis migratorum cura do papa Paulo VI e da instrução
10
pontifícia De Pastorali migratorum cura, bem como instituindo uma comissão pontifícia,
hoje Conselho pontifício para a pastoral dos migrantes e itinerantes.
Em fins da década de 1960 também a congregação mscs iniciou um processo de
renovação orientado para uma vida religiosa segundo o espírito do fundador João Batista
Scalabrini e para uma prática pastoral identificada com a intenção da origem, de modo a
interagir melhor no contexto migratório da época e dar maior visibilidade ao carisma
fundacional. Efetivos avanços aconteceram na vida-missão do instituto scalabriniano
feminino a partir da realização do Capítulo Geral Especial, evento ocorrido em duas etapas
entre 1969 e 1971.
Esclarecemos, por fim, que as fontes utilizadas nesta pesquisa foram, sobretudo,
documentos do arquivo geral da congregação mscs, arquivo do Conselho pontifício para a
pastoral dos migrantes e itinerantes, arquivo da congregação dos Religiosos, arquivo geral da
congregação dos padres missionários de são Carlos, scalabrinianos, assim como outros
documentos eclesiais e obras de história que facilitaram a elaboração das sínteses aqui
apresentadas.
Neste segundo volume, da mesma forma que no primeiro, reconhecemos lacunas em
todo o escrito, sendo enormes em nossa percepção aquelas que dizem respeito à prática
pastoral desenvolvida pelas irmãs mscs quase sempre com heroísmo, fruto da potencialidade
do carisma e conteúdo essencial da história da congregação das irmãs missionárias de são
Carlos, scalabrinianas. Só Deus o conhece em profundidade.
11
Parte 1 – 1934-1948
____________________________________
EXPANSÃO MISSIONÁRIA DA CONGREGAÇÃO MSCS
12
Expansão missionária da congregação mscs
Esta primeira parte do segundo volume de história da congregação das irmãs
missionárias de são Carlos, scalabrinianas, aborda o desenvolvimento do instituto no período
1934-1948. O estudo compreende três unidades: aspectos do panorama mundial de então,
expansão missionária da congregação mscs, eventos e passos da sua consolidação na igreja e
no mundo.
Uma síntese conjuntural do entre-guerras, em particular dos anos 30, inclui desilusão
generalizada, tensões internacionais, inflação incontrolada, crises na produção e no comércio,
desemprego em massa, miséria e fome, fatores que desacreditaram o capitalismo liberal,
comprometeram a confiança nas instituições democráticas, favoreceram a ascensão de
regimes totalitários e deflagraram uma nova guerra que alcançou abrangência global em
virtude da europeização do mundo. A reorganização internacional no pós-guerra, a missão da
igreja antes, durante e após o conflito de 1939-1945 e as novas situações de mobilidade
humana completam o cenário mundial desse tempo em estudo.
Entre os anos de 1934 e 1948, enquanto o mundo se envolvia em novo conflito
mundial a congregação mscs viveu uma fase de progresso que se expressou de várias
maneiras: crescimento quantitativo, com admissão de novos membros; difusão apostólica no
Brasil; retorno do instituto à Itália; expansão missionária nos Estados Unidos; aumento do
patrimônio, mediante aquisição de bens imóveis, ampliação e reestruturação de obras já
existentes.
O retorno à Itália ocorreu quando aquele país estava às portas da guerra. Para a
congregação mscs a iniciativa, audaciosa na época, foi de profundo significado histórico e de
vivificante abertura ao carisma. Em poucos anos o instituto contava ali com uma nova
província, hoje presente em vários outros países.
A expansão missionária da congregação mscs nos Estados Unidos aconteceu no início
dos anos 40, já durante a segunda grande guerra e também resultou na criação de nova
província, tendo aberto grandes possibilidades ao instituto, sobretudo em vista de um maior
envolvimento da irmã missionária de são Carlos, scalabriniana, no projeto pastoral de João
Batista Scalabrini.
Em 1945, ano em que cessou o conflito bélico e o mundo começou a se reorganizar, o
instituto scalabriniano feminino celebrou o qüinquagésimo aniversário de fundação. Três anos
depois a congregação realizou seu Terceiro Capítulo Geral. A 1o de julho de 1948 faleceu no
orfanato Cristóvão Colombo de Vila Prudente em São Paulo, madre Assunta Marchetti, cofundadora do instituto. Nesse tempo, visivelmente e largamente protegida pela Divina
Providência, a congregação mscs crescia em número de membros e suas casas multiplicavamse, difundidas em novos espaços pastorais no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos1.
1
CONFALONIERI, Carlo. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 1-7-1964 ( AGSS 1.4.4 ).
13
1.1 Panorama internacional no período 1934-1948
1.1.1 Aspectos do cenário mundial
A guerra de 1914-1918 e a grande depressão dos anos 30, efeito da quebra da bolsa de
valores de New York ocorrida em outubro de 1929, corromperam a ordem econômica,
abalaram em suas bases nações antes poderosas e provocaram mudanças profundas na vida
política, econômica e social de muitos países, conforme matéria abordada no primeiro volume
da história mscs.
Durante a década de 1930, que pode ser considerada um dos períodos mais críticos da
história, muitas potências alteraram de maneira equivocada a sua política externa, o que
produziu anarquia internacional. Em um quadro de inconsistente segurança coletiva optouse pelo rearmamento, romperam-se acordos, formaram-se novas alianças e, em fins dos anos
30, a civilização ocidental estava pronta para ser submetida a outra grande prova da sua
capacidade de sobreviver ao desastre2.
No ano de 1939, apenas três das maiores potências de então, Inglaterra, França e
Estados Unidos, mantinham-se fiéis aos ideais democráticos. Também constituíam
democracias, entre outras, a Suíça, Holanda, Bélgica, Finlândia, bem como as monarquias
escandinavas, os territórios autônomos da comunidade britânica e algumas repúblicas da
América Latina. De outro lado, ditaduras militares governavam a Polônia, Turquia, China e
Japão. Na Rússia afirmara-se o comunismo, enquanto governos autoritários haviam dado
origem ao fascismo italiano e aberto caminho ao nazismo alemão.
As origens do fascismo encontram-se nas condições geradas pela primeira grande
guerra. No decorrer do conflito a Itália mobilizou cerca de cinco milhões de homens. Do
gigantesco envolvimento italiano em uma luta inglória e que custou ao País bilhões de dólares
resultaram, além da perda de vidas humanas, o desemprego e a inflação, o caos econômico e
um suceder-se de decepções que provocaram, sobretudo entre os jovens, uma forte reação
contra o regime vigente. Em tal clima, Benito Mussolini preparou as bases do movimento
fascista e, com o apoio da burguesia industrial e financeira, conseguiu impor o regime político
de que se tornou o líder, concentrando todos os poderes.
Entre as realizações do fascismo italiano relacionam-se, a redução do desemprego e do
analfabetismo, o desenvolvimento industrial e a multiplicação de obras públicas, além do
tratado de Latrão que resolveu a questão romana, reconhecendo o catolicismo como religião
oficial do País e concedendo a independência ao Vaticano. De outra parte, ao fascismo
ligaram-se o crescimento das forças paramilitares, a censura e a perseguição aos órgãos de
imprensa, aos partidos e a líderes de oposição.
O nazismo alemão, por sua vez, também emergiu dos efeitos da primeira grande
guerra sobre a sociedade e a economia da Alemanha. A reação alemã às disposições do
tratado de Versalhes de 1919 que atribuiu às potências centrais a responsabilidade do conflito
mundial impondo-lhes, sobretudo à Alemanha, duríssimas condições de paz manifestou-se de
diferentes modos. O nacionalismo exacerbado e o unitarismo, o totalitarismo e o militarismo,
o racismo e a propaganda repetitiva e de cunho popular, o controle dos meios de
comunicação, da educação, das manifestações artísticas, enfim, da economia, constituíram as
principais características do estado nazista.
2
BURNS, Edward M. História da civilização ocidental. Porto Alegre, Globo, 1974, p. 911.
14
Adolfo Hitler, líder do nazismo, apresentara o programa político e a ideologia do
movimento no livro Minha luta, escrito em parte na prisão após um golpe que visava o poder
na Alemanha. Antimarxista, Hitler contou com o apoio financeiro de capitalistas e, ao sair da
prisão, intensificou sua ação político-partidária, organizou o partido nazista, reestruturou as
forças paramilitares. Através de promessas e de seu programa de revisão das disposições do
tratado de Versalhes atraiu organizações de trabalhadores e um número crescente de adeptos,
sendo favorecido ainda pela influência de industriais e de banqueiros.
Em 1934 Hitler tornou-se chanceler e presidente da Alemanha. Entre as mudanças
operadas no País a partir de então contam-se, a extinção do federalismo alemão e a
substituição da bandeira da república de Weimar pela bandeira do partido, com a suástica
nazista. As grandes empresas nacionais eram protegidas, tendo crescido a indústria bélica.
Judeus, comunistas e liberais passaram a ser perseguidos. Nesse contexto iniciou a expansão
nazista que, somada às contradições da época, à cobiça e sede de poder, levaria o mundo a
uma nova guerra.
Enquanto na Europa impunham-se regimes totalitários e a economia do antigo
continente sofria ainda os efeitos da guerra de 1914-1918, em terras americanas ocorria uma
gradual ascendência dos Estados Unidos como nação capitalista, beneficiada pela crescente
conquista de novos mercados importadores, próximos e distantes e pela ampla penetração de
capital norte-americano, em modo mais expressivo na América Latina.
No início, alvo da expansão econômica norte-americana foram os países da América
Central e do Caribe. Depois da primeira guerra mundial, tendo cessado o predomínio da
Inglaterra sobre as nações latino-americanas, cresceu ali a presença dos Estados Unidos,
favorecendo a hegemonia norte-americana. Alterou-se dessa maneira a estrutura do poder
internacional.
Ponto de partida do imperialismo norte-americano fora o controle político e
econômico exercido pelos Estados Unidos sobre territórios da América Latina e sobre as
Filipinas após a vitória do país na guerra hispano-americana, em fins do século XIX. O fato
significou o ocaso da dominação espanhola na região, um domínio que se estendera por mais
de quatro séculos. Fruto dessa política intervencionista em assuntos internos e externos
adotada pelos Estados Unidos foi, entre outros exemplos, a entrega da zona do canal de
Panamá aos norte-americanos depois de intervenção de fuzileiros, impedindo a reação da
Colômbia quando da independência da região.
Uma efetiva presença norte-americana em terras da América Latina afirmara-se ainda
no decorrer da década de 20, período em que os países situados à margem do Pacífico
alinharam-se aos interesses norte-americanos. Brasil, Uruguai e Argentina, países banhados
pelo Atlântico, também começaram a abrir espaços ao crescente poderio norte-americano.
A política dos Estados Unidos sofreu ao longo do tempo oposição de nações latinoamericanas, inclusive através de movimentos revolucionários que contestavam, seja o
intervencionismo norte-americano, seja a estrutura sócio-econômica que caracterizava a
América Latina. Tais revoluções, de maneira geral não resultaram em mudanças expressivas.
A economia dos países latino-americanos permaneceu agrária preponderando, com o setor
agrícola, a situação de dependência externa. Nos anos 30, porém, a política externa norteamericana passou por uma significativa mudança.
A crise de 1929 afetara o capitalismo mundial, provocara a grande depressão e
abalara também as economias da América Latina resultando, em conseqüência, desemprego,
perda do poder aquisitivo, falências e o comprometimento das exportações. Nesse quadro foi
15
alterada de forma radical a política externa norte-americana, sobretudo em relação aos países
latino-americanos.
Com a substancial modificação, protagonizada em boa parte pelo presidente
Roosevelt, os Estados Unidos adotaram uma nova atitude, passando de uma política de
intervenção militar e econômica para uma política de boa vizinhança que visava, mais do que
tudo, distinguir o país no cenário mundial em base à sua posição, oposta à pregação de Hitler
e à orientação nazista.
A nova política começou a ser posta em prática nos anos 30. Por ocasião da VII
Conferência Interamericana realizada em Montevidéu no ano de 1933, fora assinado o pacto
de não-intervenção e inviolabilidade de territórios, que estabelecia a não intervenção de um
estado nos assuntos internos e externos de outro estado. Nos anos sucessivos os Estados
Unidos deram passos importantes, tais como: a retirada dos fuzileiros do Haiti; o fim do
controle até então exercido pelo país sobre as alfândegas da República Dominicana; a
revogação de direitos especiais dos norte-americanos na ilha de Cuba onde, contudo,
permaneceram na base naval de Guantanamo.
A mudança nas relações dos Estados Unidos com as nações da América Latina
coincidiu com a gradativa aceleração do processo de industrialização em alguns países latinoamericanos como Argentina, México e Brasil. Nos três países a modernização da economia
teve forte impulso na década de 1930. O surto industrial provocou aumento da classe operária
e com ele as lutas pela organização sindical, por melhores condições de trabalho e melhor
qualidade de vida.
O período foi de transição, de uma sociedade agrária tradicional, pré-capitalista, para
uma sociedade industrial-urbana, moderna, capitalista e significou o colapso do estado
oligárquico-elitista. O processo de industrialização e de modernização devia ser acompanhado
de necessária modernização também das instituições políticas. Ao invés, emergiu nesse
contexto o populismo, fenômeno político-social que caracterizou a América Latina a partir
dos anos 30, estendendo-se até os anos 70.
Os regimes populistas, ligados à emergência das camadas populares no cenário
político latino-americano, de maneira geral apresentaram as seguintes características: tensões
sociais, fruto da crise de 1929 e da guerra de 1939-1945, controladas pelo estado;
enfraquecimento das oligarquias e fortalecimento da ação estatal, que passou a manipular as
aspirações das massas populares através de sindicatos dependentes do estado, ou seja, ligados
ao governo; ampla legislação trabalhista de cunho paternalista-personalista; vigilância sobre o
movimento operário mediante concessões que incluiam assistência social, aposentadoria,
direito a férias remuneradas e redução da jornada de trabalho; nacionalização de setores da
economia; discursos anti-imperialistas e nacionalistas; utilização da propaganda como forma
de manipular a classe trabalhadora e as aspirações populares e de fortalecer o culto à
personalidade.
O Brasil, país onde se concentrava a quase totalidade da congregação mscs, integrava
o cenário latino-americano sob regime populista. Em 1940 a população brasileira somou 41
milhões de habitantes e no período que estamos examinando, situado entre 1934-1948, o País
atingiu um expressivo crescimento industrial com o conseqüente aumento da classe operária.
O estado novo, como ficou conhecido o estado brasileiro posterior à revolução de 1930,
compreendeu os 15 anos sucessivos ao movimento revolucionário, período em que o Brasil
foi governado por Getúlio Vargas, identificado com o modelo populista.
Através do ministério do trabalho, indústria e comércio que atuou no campo das
reivindicações sociais, o estado novo regulamentou os sindicatos e a jornada de trabalho,
16
incluído o trabalho das mulheres. A constituição federal de 1934 estabelecera os salários
regionais, a jornada de trabalho de oito horas e o descanso semanal. A constituição de 1937,
que nas questões trabalhistas inspirou-se na carta del lavoro italiana, conferia o direito de
representar a categoria somente ao sindicato reconhecido pelo estado. As greves eram
proibidas. A lei sindical de 1939 submetia os sindicatos à tutela do estado. No dia 1o de maio
de 1940 Getúlio Vargas anunciou a lei do salário mínimo. Com vistas à fixação do mesmo o
País foi dividido em regiões e de acordo com a região ficou estabelecida uma escala variável,
cabendo ao Distrito Federal os índices mais elevados.
No contexto afro-asiático, caracterizado pela luta contra metrópoles européias iniciada
na fase do entre-guerras, adquiriu significado crescente o processo de descolonização. A partir
de 1945 o enfraquecimento da Europa, o sentimento nacionalista, a influência socialista, a
ação da ONU e o princípio de autodeterminação dos povos por ela proposto favoreceram os
movimentos de independência realizados mediante guerrilhas contra as tropas das metrópoles
colonialistas, ou através de negociação entre estas e as respectivas colônias, como se verá na
segunda parte deste volume. A matéria tem estreita relação com o segundo conflito mundial,
assunto que será abordado a seguir.
1.1.2 Segunda grande guerra, 1939-1945
No final da década de 30 o panorama mundial apresentava sinais claros de um novo
conflito, de imprevisíveis conseqüências na história da humanidade. O fascismo na Itália, a
revolução nazista na Alemanha, a formação em 1923 da união das repúblicas socialistas
soviéticas, URSS, significavam mudanças na orientação política e mostravam a divisão que se
acentuava entre nações que optaram por governos fortes e aquelas que mantinham um regime
liberal e defendiam os ideais democráticos, em preocupante degradação. O dasacordo
expressava-se nas restrições feitas às tentativas de garantir a paz, no fracasso de sucessivas
conferências que visavam o desarmamento, na dificuldade de encontar caminhos de
recuperação econômica a partir da crise de 1929. A segunda grande guerra foi o
desdobramento inevitável dessa realidade, tendo-se prolongado por cerca de seis anos, de
1939 a 1945. À parte seus reflexos de dimensões universais, uma pequena parcela da
congregação mscs, presente na Itália desde 1936, testemunhou junto ao próprio cenário bélico
episódios semelhantes a tantos outros que afligiram o mundo nos anos 40.
Iniciada em setembro de 1939 a segunda grande guerra, considerada por alguns
analistas continuidade da primeira, foi a realização de previsível reação beligerante provocada
em boa parte pela conturbada situação política, econômica e social que atingia numerosas
nações após a guerra de 1914-1918.
Às questões de fundo ligadas ao primeiro conflito mundial somaram-se, nos anos 30,
os efeitos da crise de 1929 e a chamada política de apaziguamento, ou seja, a concordância
com abusadas pretensões de alguns países mais fortes que investiam contra outros, menos
poderosos. O medo de novos conflitos internacionais ou a vontade de paz justificavam a
atitude de não-intervenção que desgastou o sentido de segurança coletiva e motivou nações a
priorizarem a própria segurança. A Liga das Nações caiu no descrédito.
Exemplos dessa posição foram, em 1931, a invasão da China pelo Japão que há mais
tempo cobiçava a província da Mandchúria, rica em minérios e de solo fértil, próprio para o
cultivo de soja e de trigo. Outro fato de apaziguamento foi o ataque da Itália à Etiópia em
17
1935. Completada a conquista do Leão de Judá em 1936, mesmo ano do retorno da
congregação mscs à Itália, Mussolini proclamou a fundação do Império Italiano3.
Ao êxito de Mussolini, ainda em 1936 Hitler respondeu com a ocupação da Renânia,
região situada na fronteira da França com Alemanha. A atitude de Hitler provocou imediata
reação da França. Esta, porém, sem a necessária ajuda da Inglaterra que se recusou a tomar
uma medida mais forte, nada pôde fazer, tendo prevalecido uma vez mais a política de
apaziguamento.
Sempre em 1936, Inglaterra e França mantiveram essa posição também quando um
grupo de generais espanhóis, sob a chefia de Franco e com o apoio da Itália e da Alemanha
rebelaram-se contra o governo da Espanha. A Mussolini interessava o controle das ilhas
Baleares, o que lhe facilitaria eventual ataque à Inglaterra, além de outras vantagens sobre a
França na comunicação com o continente africano. Para Hitler um estado ditatorial em
território espanhol significaria o enfraquecimento da França com a qual a Espanha confinava
e facilitaria à Alemanha o acesso às minas de cobre e de ferro na região de Bilbao.
Tais intentos aproximaram os ditadores da Itália e da Alemanha. Em outubro de 1936
Hitler e Mussolini comunicaram a formação do eixo Roma-Berlim. Ambos permaneceriam
em estreita colaboração até a queda de Mussolini, já durante a segunda guerra mundial.
A guerra civil espanhola, que custou a vida de cerca de um milhão de homens,
prolongou-se por três anos e constituiu típico caso de apaziguamento, de dimensões
internacionais, quer pela posição da Itália e Alemanha favoráveis aos insurretos, quer pela
ajuda da Rússia aos legalistas da Espanha. Em abril de 1939 o governo de Franco obteria
reconhecimento diplomático da maioria das potências, entre elas os Estados Unidos.
Nos anos sucessivos ocorreram novos acontecimentos como a anexação da Áustria
pela Alemanha em 1938. No mesmo ano, França e Inglaterra, de alguma forma entregaram a
Tchecoslováquia à Alemanha. A anexação dos Sudetos, territórios tchecos nos quais viviam
minorias alemãs, foi seguida de ocupação da Boêmia, Morávia e Eslováquia pelos nazistas. O
próximo passo de Hitler seria a invasão da Polônia e, com ela, a deflagração da segunda
grande guerra.
O ataque à Polônia foi precedido da assinatura de um acordo da Alemanha com a
União Soviética, fato ocorrido em agosto de 1939. O pacto nazi-soviético, de não agressão e
neutralidade, previa uma duração de cinco anos. Através dele, Hitler visava separar a Rússia
das potências da Europa ocidental, a fim de impedir-lhes uma possível ajuda. O acordo
continha também uma deliberação secreta que estabelecia a posterior divisão da Polônia entre
Alemanha e União Soviética.
A 1o de setembro de 1939 Hitler anunciou o começo das operações militares contra a
Polônia e justificava a ação bélica, acusando o país de hostilidades e perseguições sofridas por
alemães, homens, mulheres e crianças, no corredor polonês. Na verdade, era evidente o
interesse alemão pela Polônia, tendo o partido nazista incluído em seu programa a
reintegração dos territórios que a Alemanha perdera com as deliberações do tratado de
Versalhes, de 1919. De acordo com essas deliberações a parte oriental da Prússia, antigo
estado alemão, ficou separada do resto da Alemanha pelo corredor polonês e o célebre porto
de Danzig foi posto sob o controle da Liga das Nações.
Ao tomar conhecimento do ataque à Polônia, Inglaterra e França já não
contemporizaram, enviaram uma advertência conjunta à Alemanha, exigindo o fim imediato
da agressão. As autoridades alemãs desconheceram o aviso e dois dias depois, a 3 de setembro
3
Ibid., p. 925.
18
de 1939, Inglaterra e França declararam guerra à Alemanha. A campanha alemã contra a
Polônia durou apenas algumas semanas. Derrotado, o País como tal, deixou de existir.
Nos últimos meses de 1939 a Alemanha limitou-se à guerra submarina e a efetuar
incursões aéreas contra bases navais. Chegada a primavera de 1940 o governo alemão,
mediante ataques relâmpago, invadiu a Dinamarca e Noruega, Holanda e Bélgica e, a 11 de
junho estabeleceu em Vichy, na França, um governo partidário chefiado pelo marechal Pétain.
A 14 de junho de 1940, no alto da torre Eiffel tremulava a suástica, símbolo adotado pelo
nazismo. A partir de então o conflito expandiu-se ainda mais. A Itália, aliada à Alemanha,
declarou guerra à França e invadiu a Grécia e Suez, sem o êxito esperado. As tropas de
Mussolini precisaram de ajuda alemã. Hitler aproveitou a ocasião para intervir também nos
Balcãs. Em março de 1941 Sofia, capital da Bulgária, foi ocupada e em abril a Alemanha
invadiu a Iugoslávia e a Grécia. A Inglaterra tentou, sem sucesso, socorrer os gregos.
Ao que tudo indica, a Alemanha não invadiu a Inglaterra, como se esperava, porque
acreditou em forçada capitulação desta, substimando sua armada que era a mais poderosa do
mundo e a RAF, uma força aérea gloriosa, cuja superioridade e importância o primeiro
ministro inglês, Winston Churchill assim resumiu: jamais na história dos conflitos humanos,
tantos deveram tanto a tão poucos4.
Em junho de 1941 o exército alemão deu início à invasão da União Soviética. Hitler
cobiçava as riquezas da Rússia, em especial as terras férteis da Ucrânia, seus minérios e as
jazidas de petróleo na região do Cáucaso. Esse parece ter sido o motivo primeiro da violação
do pacto nazi-soviético assinado pelos dois países em meados de 1939.
Em fins de 1941 o Japão, há cerca de um ano aliado à Alemanha, bombardeou Pearl
Harbor, base naval dos Estados Unidos no Havaí, causando a morte de cerca de 3000 pessoas.
O congresso norte-americano reconheceu o estado de guerra com o Japão que, poucas horas
depois do ataque a Pearl Harbor declarou guerra aos Estados Unidos e à Inglaterra.
Três dias depois, a 11 de dezembro de 1941, Alemanha e Itália declararam guerra aos
Estados Unidos. É de se notar que até 7 de dezembro de 1941 duas guerras eram travadas, a
da Europa que iniciara a 1o de setembro de 1939 com o ataque de Hitler à Polônia; a outra,
mais antiga, ocorria no extremo oriente, entre Japão e China. No momento em que os Estados
Unidos abandonaram a neutralidade e declararam guerra aos seus agressores, o conflito
tornou-se único e global. De um lado as nações do eixo e as que cerraram fileiras a seu lado.
De outra parte os aliados, junto aos quais vários países latino-americanos: Cuba, Panamá,
Honduras, Guatemala, Haiti, Costa Rica e Nicarágua. Em 1942 Brasil e México uniram-se a
eles e nos anos sucessivos, todas as nações do hemisfério ocidental5.
Algumas circunstâncias conferem à participação do Brasil no segundo conflito
mundial uma particular importância. Em 1942, depois que navios mercantes brasileiros foram
afundados no Atlântico, o presidente Getúlio Vargas reconheceu o estado de guerra contra a
Alemanha, Itália e Japão. O primeiro contingente de soldados da FEB, força expedicionária
brasileira, partiu para a Itália em meados de 1944. Os pracinhas da FEB tiveram valoroso
desempenho ao lado dos aliados. No livro de crônicas das irmãs mscs da casa de Piacenza há
inúmeros registros da guerra de 1939-1945, alguns dos quais referem-se à campanha brasileira
na Itália. Em data de 1o de maio de 1945 consta esta matéria:
4
Ibid., p. 945.
Ibid., cf. p. 948-9.
5
19
Recebemos a visita de um capelão militar de Santa Maria, Rio Grande do Sul.
Encontrara-se no seminário de São Leopoldo com diversos alunos da nossa missão de
Nova Vicenza e que hoje são seus companheiros sacerdotes em paróquias vizinhas.
Para a Revma. Madre Superiora foi uma consolação porque constatou que os
primeiros elementos inculcados em seus corações quando freqüentavam nossas
escolas não foram semeados em vão6.
No dia seguinte ao registro, a 2 de maio de 1945, a cronista escreveu que o capitão
Saraiva convidara as irmãs superioras a visitarem a caserna, a fim de levar palavras de
conforto aos soldados. Diversas irmãs acompanhadas de padre Carlo Porrini, scalabriniano
que fora missionário no Brasil, foram apresentadas aos pracinhas da FEB, sendo por eles
acolhidas com belíssimos cantos patrióticos. Das irmãs receberam medalhas e santinhos e a
elas ofereceram, com cortesia e fineza, além de saborosas frutas, um excelente café, bem à
brasileira e outras raridades7. Esses e outros contatos facilitaram às irmãs de Piacenza a
comunicação com a Superiora Geral e demais irmãs no Brasil, dificultada pela guerra.
Outro registro de 4 de junho de 1945 relata que um coronel de São Paulo visitou as
irmãs de Casaliggio, próximo a Piacenza, porque soube que havia ali irmãs brasileiras. Nessa
e em outras circunstâncias as gentilezas de ambas as partes, as manifestações de respeito e de
solidariedade mútuas abriram espaço a momentos confidenciais em que, integrantes da FEB
revelaram o que significava para os soldados brasileiros aquele tempo vivido longe da família,
suas impressões na escalada dos Apeninos, o inverno ali passado, as peripécias, as misérias
constatadas em meio à pobre, mas boa gente italiana8.
No biênio 1941-1942 a grande guerra assinalou o apogeu das nações do eixo e a
situação começou a mudar em favor dos aliados: na frente ocidental os alemães passaram a
ser pressionados pela Inglaterra e Estados Unidos; no leste europeu os russos foram se
impondo sobre o exército alemão; entre fins de 1942 e inícios de 1943 Inglaterra e Estados
Unidos invadiram o território norte-africano; tropas soviéticas lançaram grande ofensiva sobre
Stalingrado, infligindo decisiva derrota ao exército alemão, que perdeu na oportunidade cerca
de 300 mil homens; na Itália tropas inglesas e norte-americanas venceram os fascistas;
Mussolini foi assassinado em setembro de 1943 e a Itália se rendeu; a 6 de junho de 1944, dia
D, aconteceu o exitoso desembarque aliado na costa da Normandia; a 25 de agosto Paris foi
libertada; em maio de 1945 a Alemanha rendeu-se; Hitler suicidou-se horas antes que a
bandeira vermelha dos sovietes fosse hasteada sobre as ruínas da Porta de Brandeburgo9. A
rendição final deu-se a 7 de maio de 1945.
No extremo oriente, ainda em fins de 1941, os japoneses efetuaram ataques relâmpago
contra várias ilhas, entre elas Guam, Midway e Hong Kong. No início de 1942 sucumbiram
Manila, capital das Filipinas, a seguir Singapura, Java, Sumatra, Bornéu, Celébes e Nova
Guiné. A guerra prolongou-se até o lançamento de bombas atômicas sobre as cidades
japonesas de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente, dia 6 e dia 9 de agosto de 1945. Em
caráter oficial, a rendição seria assinada a 2 de setembro de 1945. O ato aconteceu a bordo do
navio de guerra norte-americano, Missouri, tendo o general Douglas Mac Arthur aceito a
rendição em nome dos aliados.
À noite de 14 de agosto de 1945, milhões de pessoas festejaram com desfiles e danças
o fim da guerra, enquanto os mais circunspectos congregaram-se nas igrejas no dia seguinte
6
Libro 1o , 1o maggio 1945. Archivio provincia s. Giuseppe.
Ibid., 2 maggio 1945.
8
Ibid., 4 giugno 1945.
9
BURNS, Edward M. História da civilização ocidental, op. cit., p. 953.
7
20
para agradecer a Deus o fim da terrível provação. E razão de sobra tinham para isso, pois a
mais ruinosa, a mais brutal e arbitrária das guerras havia passado à história10. Basta
lembrar o sacrifício judaico.
O holocausto dos hebreus provoca antes de tudo, o desespero e um sentido de
impotência diante do irreparável. Para Jankélévitch, os crimes contra a humanidade dizem
respeito à própria essência humana. Como todo o crime racista, segundo ele, o antisemitismo é uma grave ofensa ao homem em geral. Os hebreus eram perseguidos porque
eram hebreus e não por causa de suas opiniões ou da sua fé: é a existência mesma que lhes
era negada; eles não eram denunciados por professar uma particular idéia, eram
incriminados pelo fato de ser, de existir11.
1.1.3 Reorganização internacional
Ao término da segunda grande guerra, sobretudo quantos a viram mais de perto e a
ela sobreviveram, tiveram diferentes reações: festejos, ação de graças e depois perplexidade
ante a revelação de atrocidades cometidas como o massacre de hebreus, os efeitos da bomba
atômica e outras nefastas conseqüências do conflito para a história da humanidade. Os mais
obstinados venceram pouco a pouco o desânimo e alguns carismáticos buscaram na esperança
e na solidariedade modos coletivos de reconstrução, caminhos de paz duradoura e formas
novas de reorganização internacional entre elas, o ONU. Criada em 1945, ano cinqüentenário
de fundação da congregação mscs, a Organização das Nações Unidas propunha-se como
objetivo fundamental evitar a ocorrência de nova guerra mundial e tomar as medidas coletivas
oportunas para manter a paz e a segurança internacionais.
Ao optarem pela guerra, já os aliados haviam-se proposto objetivos e planos de paz,
conforme consta na Carta do Atlântico, datada de 14 de agosto de 1941. O documento passou
a ter significado maior quando foi publicada a declaração das Nações Unidas, a 2 de janeiro
de 1942. Naquela circunstância, pela primeira vez, aplicou-se a expressão Nações Unidas. A
declaração foi assinada por 26 nações e depois por outras, confirmando sua adesão à Carta do
Atlântico.
Enquanto a guerra prosseguia, representantes das Nações Unidas encontraram-se em
várias oportunidades para procurar novas estratégias e estabelecer as condições de paz. De
particular importância foram: a declaração do Cairo, novembro de 1943; a declaração de
Teerã, dezembro de 1943; o acordo de Ialta, localidade balneária da Criméia, fevereiro de
1945, que reuniu entre outras personalidades, Roosevelt, Churchill e Stalin; a declaração de
Potsdam, subúrbio de Berlim, de 17 de julho de 1945. Desta conferência participaram Stalin,
Churchill e Harry Truman, que sucedera a Roosevelt como presidente dos Estados Unidos. As
sucessivas conferências e as deliberações tomadas não solucionaram todos os problemas
acumulados durante a guerra e após 1945.
Uma das questões mais críticas dizia respeito à Alemanha. Terminada a guerra, na
condição de ocupado, o País foi dividido em quatro setores: americano, soviético, inglês e
francês. Em 1949 o setor soviético tornar-se-ia a República Democrática Alemã, socialista. Os
outros três setores passariam a constituir a República Federal Alemã, capitalista. Em Berlim,
antiga capital, situada na parte oriental e também dividida em setores, seria construído o
histórico muro, dividindo a cidade em duas partes, até ser derrubado em 1989.
10
Ibid., p. 955-6.
JANKELEVITCH, V. L‟imprescriptible. In: DERRIDA, Jacques. Perdonare. Milano, Raffaello Cortina
Editore, 2004, p. 50 e 83-4.
11
21
Ainda no decorrer da segunda grande guerra e depois de cessado o conflito bélico, em
alguns países mais do que em outros, propagou-se o sentimento internacionalista, ao mesmo
tempo em que o nacionalismo teve notável declínio, formando-se quase que um consenso em
torno da idéia de se criar um novo organismo internacional, em substituição à Liga das
Nações. Na reunião de Ialta, fevereiro de 1945, tratou-se do assunto e estabeleceu-se data e
local de uma conferência das Nações Unidas: seria a 25 de abril desse ano em São Francisco,
Estados Unidos.
A morte inesperada de Roosevelt não impediu a realização do evento na data prevista.
Ainda em 1945 foi assinada a carta da Organização das Nações Unidas. A instituição teria
como principais órgãos, mutuamente relacionados: uma assembléia geral, composta de
representantes de cada estado membro; um conselho de segurança, composto de
representantes dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Rússia, China e França, com direito a
assentos permanentes e representantes de mais seis outros estados, com assentos não
permanentes, a serem escolhidos pela assembléia geral; um secretariado, com função
administrativa, do qual faria parte um secretário geral e numerosos subordinados; um
conselho social e econômico; um tribunal internacional de justiça; um conselho de mandatos,
encarregado de supervisionar os territórios que não tinham um governo autônomo.
A programação contida na carta de São Francisco visava a promoção da paz mundial.
A nova organização atribuía ao conselho de segurança as funções mais importantes, cabendolhe a responsabilidade de manter a paz e a segurança internacionais. O conselho econômico e
social, com mais diversificadas funções, tinha sob sua jurisdição: a organização educacional,
científica e cultural das Nações Unidas, UNESCO; a organização mundial de saúde, WHO; a
organização alimentar e agrícola, a FAO.
Entre outros órgãos especializados da Organização das Nações Unidas destacam-se: a
organização internacional do trabalho, o fundo monetário internacional, a organização
internacional de aviação civil, a união postal universal, a união internacional de
telecomunicações e a organização internacional de refugiados. Uma análise da atuação da
ONU, cujo princípio básico era a igualdade soberana de todos os estados amigos da paz,
considera pouco expressivas as realizações da organização nos primeiros anos de sua
existência12.
Desde o início de sua atuação a Organização das Nações Unidas foi alvo de críticas da
parte de observadores, que chegaram a cogitar a possibilidade de criar uma república mundial,
inspirada na estrutura própria dos Estados Unidos e organizada de modo a não anular as
funções dos governos nacionais. Outros, menos idealistas, preocupados com a expansão da
Rússia, propunham a complementação da ONU através de alianças de caráter militar e
político. O quadro evidenciava a emergência de duas grandes potências, Estados Unidos e
União Soviética, que polarizaram o mundo após a segunda grande guerra.
Em sua política externa o presidente Truman, dos Estados Unidos, mostrava-se
determinado a ajudar qualquer país que tivesse ameaçada a sua independência. Com esse
propósito solicitou e obteve do congresso norte-americano recursos necessários para socorrer,
em um primeiro momento, os governos da Turquia e da Grécia na luta contra o comunismo.
Uma decisão de grande significado foi o plano Marshall, um programa de ajuda
financeira sugerido por George Marshall, secretário de estado norte-americano em discurso
proferido a 5 de junho de 1947 na universidade de Harvard. Marshall afirmou naquela
oportunidade que a política norte-americana não era contra nenhum país, nem contra qualquer
doutrina e que, se os estados europeus chegassem a um acordo quanto ao que necessitavam
12
BURNS, Edward M. História da civilização ocidental, op. cit., cf. p. 984-6.
22
para cobrir as despesas da reconstrução os Estados Unidos veriam o que poderiam fazer
para ajudá-los. A proposta foi recebida com entusiasmo pelas nações européias13.
Dos recursos do plano Marshall podiam usufruir também os países da Europa oriental
já dominados pelos soviéticos, mas Stalin proibiu-os de aceitar tais auxílios. Somente a
Iugoslávia, sob o governo de Tito, aceitou a ajuda norte-americana. Em razão disso, Stalin e
Tito passaram a se estranhar.
Ao que parece, os Estados Unidos estavam mesmo preocupados com a recuperação
econômica da Europa, mas, segundo alguns o governo norte-americano tinha como objetivo
impedir a expansão do comunismo. A Rússia temia um plano conjunto de recuperação e
preferia uma ajuda individual para cada nação européia necessitada. O receio era de que se
tratasse de uma estratégia norte-americana, visando submeter a Europa ao controle dos
Estados Unidos.
Esses aspectos revelam um confronto entre duas potências, Estados Unidos e União
Soviética, identificado com a expressão guerra fria, uma situação que foi se acentuando nas
décadas sucessivas. Alguns analistas consideram o lançamento de bombas atômicas sobre
Hiroshima e Nagasaki a primeira importante ocorrência da guerra fria. Ainda que a vítima
tenha sido o Japão, observadores afirmam que o governo norte-americano pretendia, com
tamanha agressão, advertir a Rússia e dissuadí-la de qualquer ação expansionista.
Independente das intenções de fundo, certo é que no âmbito da guerra fria, em tantas
crises e conflitos posteriores à criação da ONU, tornou-se difícil à Organização das Nações
Unidas, fazer valer suas decisões. Houve avanços mas, em que pesem as tentativas de
reorganização internacional, os homens ainda não conseguiram responder de modo adequado
às legítimas aspirações de igualdade soberana, de paz entre os povos e de unidade universal.
1.1.4 A igreja em meados do século XX
O cenário internacional que se apresentava à missão da igreja em meados do século
XX era de uma sociedade dividida entre degradação e grandeza, carente de uma presença
humanizada, capaz de facilitar à inteira família humana um sentido para a vida e novas razões
de esperança14. A Gaudium et spes ainda não fora escrita, mas a conjuntura mundial, incluída
a situação de ruptura provocada pela posição antimodernista da igreja, mostrava-se por
demais necessitada de tal conteúdo. Era preciso retomar o diálogo e reorganizar também as
relações entre igreja e sociedade moderna, a fim de dar uma nova feição à presença eclesial no
mundo. Nesse contexto, ao pontificado de Pio XI seguiram-se as quase duas décadas de
papado de Pio XII, período em que cresceu o prestígio do pontífice romano, porém, a igreja
permaneceu fechada à mudanças exigidas pelos sinais dos tempos.
Durante o pontificado de Pio XI, exceto nos últimos anos, as relações entre igreja
católica e estado italiano foram de relativa confiança. Por ocasião do ataque à Etiópia, 19351936, entendendo-o de alguma forma como um fato missionário, bispos e clero chegaram a
contribuir na coleta de ouro e prata organizada em favor da Itália. Pio XI, que na encíclica
Quadragesimo anno criticara o socialismo e, em Non abbiamo bisogno, colocara limites ao
fascismo, em 1937 condenou o nazismo e na encíclica Divini Redemptoris, estabeleceu
limites ao socialismo. Em seus últimos meses de vida o Pontífice sofreu muito com a opção
13
14
Ibid., p. 972.
Cf. CONC. ECUM. VAT. II, Constituição pastoral Gaudium et spes sobre a igreja no mundo de hoje.
23
de Mussolini pelo nacional-socialismo. Nas relações com os demais estados, Pio XI procurou
com veemência demover governos e opinião pública, de novos conflitos bélicos.
Ao papa Pio XI, falecido a 10 de fevereiro de 1939, sucedeu o cardeal Eugenio Pacelli
com o nome de Pio XII. O novo Pontífice, que desde 1930 fora secretário de estado,
governaria a igreja até 1958. O início de seu pontificado coincidiu com os anos da segunda
grande guerra durante a qual o Papa procurou manter neutralidade. Enrique Dussel afirma que
Pio XII preocupou-se em salvar as estruturas da igreja no meio de uma Europa destruída,
vendo com bons olhos o triunfo nazista sobre a União Soviética como um mal menor, mas
também compreendendo o perigo totalitário do estado fascista contra a igreja institucional15.
No decorrer do conflito mundial o presidente norte-americano, Roosevelt, teve um seu
representante junto à Sé Apostólica.
Entre as realizações e os méritos de Pio XII, além das incansáveis tentativas do papa,
mesmo que em vão, de impedir a conflagração da segunda guerra mundial, destacam-se a
proteção oferecida a cerca de 5 mil judeus e a outros perseguidos por razões políticas, que
foram abrigados em igrejas e mosteiros romanos, bem como o empenho em salvaguardar da
destruição a cidade Eterna e as obras artísticas da Itália. A antiga abadia de Monte Cassino,
porém, sofreu o bombardeio dos aliados, não sendo poupada à ação destruidora da guerra.
De significado especial foi o serviço de pesquisa e informações relativo à prisioneiros
e dispersos e a instituição de uma comissão pontifícia de caráter assistencial que, no pósguerra, organizou em diversos países da Europa e no extremo oriente, uma obra humanitária
voltada aos exilados e refugiados. No campo das migrações, fenômeno que registrou
expressivo aumento a partir do segundo conflito mundial, Pio XII solicitou a suspensão dos
limites de entradas , estabelecidos por países de imigração. Em 1952, como veremos, através
da Exsul familia o Pontífice regulamentou a assistência espiritual junto aos migrantes.
Uma oportuna atenção foi dada pelo papa Pio XII aos institutos seculares, como nova
forma de apostolado. Em 1947 o Pontífice traçou as normas constitutivas, próprias de tais
institutos, que se multiplicavam na igreja. Três outras ocorrências desse pontificado foram, a
consagração episcopal em 1939, dos primeiros bispos negros, a celebração do ano santo de
1950 e a solene proclamação, a 1o de novembro do mesmo ano, do dogma da assunção da
Virgem Maria ao céu.
No âmbito das ciências eclesiásticas Pio XII manteve-se atento e cauteloso diante da
ameaça de um relativismo dogmático. Na encíclica Humani generis, publicada em 1950 e
considerada intolerante e antimodernista, o Papa censurou a nova teologia, condenou o
evolucionismo e o método histórico-crítico, recomendando o não afastamento da teologia e da
filosofia tradicional da igreja.
De maneira geral, durante os pontificados de Pio XI e de Pio XII, a atuação da igreja
prendeu-se ao momento histórico e, por força das circunstâncias, às vezes em compreensível
detrimento de outras atividades próprias de sua missão no mundo. Diante do socialismonacionalista, do bolchevismo russo, do populismo latino-americano, da obra missionária e do
movimento ecumênico, a igreja assumiu posições que marcaram a sua história em meados do
século XX.
A ação do socialismo-nacionalista teve tristes implicações para a história da igreja em
boa parte dos países da Europa e da Ásia. Na Alemanha, Hitler descumpriu as promessas
feitas, de respeitar tratados e manter relações amistosas com a Sé Apostólica. Propósito do
nazismo era deter a influência da igreja. A imprensa católica passou a ser reprimida,
associações e organizações católicas foram proibidas e dissolvidas, sendo os seus bens
15
DUSSEL, Enrique. História da igreja latino-americana (1930-1985). São Paulo, Paulus, 1989, p. 12.
24
encampados pelo governo. Docentes ligados à congregações e ordens religiosas foram
afastados e seus estabelecimentos de ensino fechados.
Entre os tantos excessos do nazismo consta a instituição de um juramento pró Hitler,
tornado obrigatório aos professores de religião. Aos que se recusavam emití-lo ficava proibido
o ingresso na escola. A juventude foi atingida de maneira mais profunda. De outra parte, as
sucessivas anexações de territórios à Alemanha, resultaram na propagação de hostilidades
nazistas contra a igreja também em outros países. Na Itália, que pagou alto preço pela sua
posição na segunda grande guerra como aliada da Alemanha, terminado o conflito bélico, a
democracia cristã conseguiu reavivar o catolicismo da nação.
Já, na União Soviética, desde Lenin fora adotada uma rígida separação entre igreja e
estado, posição depois continuada no governo de Stalin. No âmbito eslavo-comunista a igreja
foi proibida de exercer atividades beneficentes, ficando o clero sob a dependência financeira
do estado. A recusa em servir de instrumento de propaganda do regime soviético custou à
igreja católica acusações, processos e condenações. O Vaticano chegou a ser acusado de
instigar a guerra. Religião e igreja foram submetidas a uma violenta perseguição.
Tal investida estendeu-se aos vários países da chamada cortina de ferro. Na encíclica
Divini Redemptoris, de 1937, Pio XI condenou com palavras fortes o comunismo ateu. As
relações da igreja do silêncio com o ocidente foram interrompidas. Da igreja das catacumbas
emergiram energias novas, ricas de fé e de perseverança. Submetida a uma sistemática
educação na ideologia marxista a juventude, também na União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, foi atingida de modo mais intenso.
A igreja latino-americana, de acordo com Enrique Dussel, viveu em meados do século
XX duas fases. A primeira, de 1930 a 1945, caracterizou-se como populista nos aspectos
político e econômico. O México, sob o efeito do anticlericalismo ligado à revolução de 1910,
teve um desenvolvimento atípico. No Chile emergiu o modelo conhecido como nova
cristandade, inspirado em Jacques Maritain. Brasil, Argentina e Chile, os mais modernizados,
empreenderam significativa caminhada. Nos demais países da América Latina a igreja
enfrentou o populismo com as „massas‟ cristãs em congressos e encontros de multidões. Na
segunda fase, de 1945 a 1959, a igreja apoiou os populismos com uma posição anticomunista,
típica de guerra fria, afastando-se deles depois. Em fins dos anos 50, reorganizada em nível
nacional e em nível latino-americano, a igreja católica estava preparada para uma necessária
ação renovadora. O Cone Sul continuará sendo o lugar eclesial de maior criatividade nas
décadas sucessivas16.
Na Ásia e na África a ação missionária da igreja sofreu no período em estudo, como
na primeira grande guerra, as conseqüências do conflito bélico. No extremo oriente a partir da
entrada do Japão na segunda guerra, fato ocorrido em 1941 quando o país em rápida
campanha conquistou todo o território sul-oriental e ilhas, as missões sofreram perdas vitais.
Muitos missionários, sacerdotes, religiosos e religiosas foram vítimas da guerra. Terminado o
conflito mundial, na Ásia como na África, cresceu o sentimento nacional e afirmaram-se os
movimentos pela independência. Na India, mediante a ação liderada por Gandhi, pacífica na
forma, chegou-se à independência em 1947.
No oriente médio, na África centro-meridional, no sudeste asiático, enfim, nas
chamadas terras de missão, a Sé Apostólica facilitou a organização das igrejas locais,
enquanto em assuntos políticos, o Vaticano procurou observar rigorosa neutralidade.
O ano de 1948, rico de acontecimentos históricos, foi também o da criação do
conselho mundial das igrejas. A primeira reunião realizou-se em Amsterdam, Holanda e a
16
Ibid., p. 13-4.
25
segunda nas proximidades de Chicago, nos Estados Unidos. Convidada, a igreja católica não
participou dessas conferências mundiais por razões de princípio, mas o concílio Vaticano II
mencionaria os esforços de muitos para alcançar a plenitude da unidade almejada por Jesus
Cristo e exortaria os fiéis católicos a reconhecerem os sinais dos tempos e a participarem
ativamente do trabalho ecumênico17.
1.1.5 Desafios e novas situações no campo da mobilidade humana
Há uma singular afinidade entre movimento ecumênico e fenômeno migratório. A
coincidência tem a ver com unidade universal que é intento do ecumenismo e efeito das
migrações humanas, na medida em que se tornam caminhos efetivos de universalidade. A
aproximação de indivíduos e povos, culturas e economias, resultado das migrações na sua
diversificação, pode contribuir para a unidade da família humana. No período 1934-1948 a
história dos fluxos migratórios mundiais evidencia: restrições impostas à migração por razões
de trabalho; busca de melhores condições de vida; resposta à desocupação; êxodos em
conseqüência de perseguições por motivos de raça, religião, nacionalidade, entre outros;
migrações internas, estimuladas pelo processo de industrialização em diversas nações,
inclusive no Brasil onde se concentrava a quase totalidade das irmãs mscs.
Na fase entre as duas grandes guerras, países que antes haviam sido metas
preferenciais de imigração, passaram a adotar medidas restritivas à entrada de estrangeiros. A
recessão econômica e as restrições mais rígidas, sobretudo aquelas estabelecidas pelos
Estados Unidos, reduziram os movimentos migratórios ou direcionaram os fluxos para outros
países.
Importa ter presente que a política adotada pelo governo norte-americano depois da
primeira grande guerra dizia respeito não apenas ao número de entradas, mas também à
nacionalidade, sendo excluídas na sua quase totalidade as populações afro-asiáticas e
limitadas as quotas relativas aos países da Europa oriental e meridional. Como se verá, em
décadas mais recentes essa política restritiva, adotada por muitos países, resultará em
considerável aumento da imigração em situaçã irregular, hoje numerosa em países
desenvolvidos.
Nos primeiros anos do período 1934-1948 os fluxos migratórios orientaram-se para a
América meridional e central, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, de preferência. A segunda
grande guerra gerou deportações em massa e provocou êxodos de milhares de pessoas,
vítimas de regimes totalitários implantados na Europa na primeira metade do século XX.
Na Europa, durante e após o segundo conflito mundial, civis emigraram de cidades e
povoados para fugir aos bombardeios, mas também forçados pela demolição de suas moradias
e de outras construções, em razão de decretos governamentais e da alteração de fronteiras.
Hitler obrigou milhares de alemães a voltarem à pátria; quando a União Soviética invadiu a
Alemanha oriental, numerosos habitantes do leste alemão migraram para a Alemanha
ocidental; Stalin deportou para a Sibéria alemães estabelecidos às margens do rio Volga; o
governo soviético transferiu cerca de dois milhões de poloneses para a Rússia setentrional;
finlandeses e alemães foram expulsos de territórios anexados pela União Soviética depois da
guerra. Importante foi também a migração de russos que pouco a pouco povoaram a Sibéria.
17
CONC. ECUM. VAT. II, decr. Unitatis redintegratio, 508.
26
No imediato pós-guerra, expulsões de minorias étnicas e êxodos em geral somaram em
torno de 30 milhões de europeus. Um número aproximado de 12 milhões de alemães expulsos
de suas terras pelos poloneses, húngaros e checos necessitavam de um espaço seguro para
reorganizar suas vidas. À igreja cabia incorporar milhões de refugiados católicos. A fim de
facilitar as inevitáveis migrações, como vimos, Pio XII solicitou a suspensão de leis restritivas
estabelecidas por alguns países desde décadas precedentes.
A reconstrução da Europa, por sua vez, exigiu mão-de-obra, o que reduziu os fluxos
europeus para outros continentes e favoreceu as correntes migratórias continentais,
destacando-se aquelas provenientes da Itália, Espanha, Áustria, Hungria e Polônia que se
dirigiram, em cifras maiores, para a França, Alemanha, Bélgica e Suiça. A Itália continuou
sendo país de emigração enquanto a França o era de imigração. Significativos foram os novos
fluxos provenientes de países da África mediterrânea.
Em terras americanas, nos anos sucessivos à segunda guerra, sobressaiu-se a corrente
para os Estados Unidos-Canadá, mas os Estados Unidos constituiram a meta preferencial dos
migrantes latino-americanos. Na Ásia as correntes migratórias de maior expressão foram a
dos chineses, japoneses, indianos, vietnamitas do norte e coreanos que migraram para outras
áreas no próprio continente.
Como efeito de perseguições durante e após os conflitos bélicos cresceu sobremaneira
no mundo o número de pessoas necessitadas de refúgio. Em 1947 foi destaque no Oriente
médio o êxodo de 700 mil palestinos expulsos do território que passou a constituir o estado de
Israel, onde se estabeleceram cerca de 830 mil judeus.
Conforme estabeleceu a ACNUR, Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados, na Convenção de 1951 e segundo constaria no Protocolo de 1967, é reconhecida
como refugiada a pessoa que, em base a fundados motivos, teme perseguições por causa da
raça, da religião, da nacionalidade, da pertença a um determinado grupo social ou político,
que se encontra fora do país de sua própria nacionalidade e que não possa ou não queira, por
esses motivos, valer-se da proteção daquele país. Nas décadas recentes os refugiados são mais
numerosos no continente africano.
Por ser a mobilidade humana matéria de maior interesse para a congregação das irmãs
missionárias de são Carlos é importante ter presente que no período 1934-1948 algumas
décadas distanciavam os institutos religiosos de necessário aggiornamento proposto pelo
Vaticano II. Só depois do Concílio, em vista de uma fidelidade dinâmica ao carisma de
fundação muito recomendada pela igreja, as irmãs mscs estenderiam sua ação missionária aos
migrantes de todas as nacionalidades e, bem mais tarde, se fariam presentes junto a
refugiados, em diversos países.
Nos anos 30 e 40 a migração italiana, a que se liga a origem da congregação
scalabriniana feminina, ainda era o campo de sua ação missionária na igreja. Em razão disso
retomamos o assunto, dedicando aos fluxos migratórios italianos dessa fase uma atenção
particular , até para confrontar os dados e as opções pastorais do instituto na época.
Em boa parte desses anos a política emigratória da Itália seguiu a orientação fascista,
tendo as cifras da emigração baixado de maneira considerável, tanto a destinação a países
europeus, quanto para outros continentes. Cerca de 90 mil italianos deixaram o País entre
1931 e 1935 e menos de 50 mil emigraram no qüinqüênio 1936-1940. Os fluxos, ainda que
reduzidos seguiram duas correntes, uma com destino a países da Europa e outra para além
oceano. Estados Unidos e Argentina somaram maior número de entradas de italianos fora do
continente europeu. Na Europa, a França foi opção preferencial da migração italiana de então.
27
Terminada a segunda grande guerra que abateu as estruturas econômicas mundiais
iniciou, em alguns países europeus com maior vigor, a fase de reconstrução. A Itália retomou
os caminhos da emigração também como alternativa de resposta às preocupações econômicosociais do país e, em particular, para resolver o problema da desocupação. Assim que, nos
anos sucessivos à guerra, desempregados e familiares de italianos já emigrados,
caracterizaram o movimento migratório italiano.
A partir de 1946, França, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, Alemanha e Inglaterra,
integrantes da CEE, comunidade econômica européia foram, além da Suiça, países de maior
destinação de italianos. Já em março de 1947, irmãs mscs passaram a atuar em Hayange, na
França, junto a imigrantes italianos ali estabelecidos.
Na visão de De Gasperi a Europa unificada devia se tornar espaço propício, mais do
que à movimentação de bens ou à expansão industrial e comercial, a quantos buscassem
trabalho fora de seus países de origem. Em campo migratório, a dureza e os aborrecimentos
devidos às muitas formas discriminatórias deviam ser, pelo menos atenuados. A posição
criou um clima de colaboração entre alguns países da Europa e favoreceu melhor tratamento
aos migrantes18.
Fora da Europa as metas preferidas pelos italianos foram, na América do Sul a
Argentina, Venezuela e Brasil, este com cifras menores; na América do Norte, Canadá e
Estados Unidos; Austrália, com cifras mais elevadas a partir de 1949. Nesse ano, cerca de 160
mil italianos deixaram a Itália com destino a outros continentes. O aumento da emigração teve
reflexos sociais positivos e propiciou maior equilíbrio econômico ao País.
Sobre a imigração italiana no Brasil, estatísticas de 1950 mostram que em meados do
século XX havia 44 678 italianos naturalizados, 197 659 italianos de passaporte dos quais
73,5% radicados no estado de São Paulo, sendo mais numerosos na capital e nas cidades de
Campinas e Jundiaí. A presença italiana em outros estados da federação somava 15 742 no
Distrito Federal, então Rio de Janeiro; 9 988 no estado do Rio Grande do Sul; 7 968 em
Minas Gerais; 7 850 no Paraná. Os dados incluem o índice de ancianidade dos italianos:
71,6% tinha mais de cinqüenta anos. O recenseamento de 1960 mostraria uma ligeira
diminuição do índice em razão de novas entradas de italianos no País durante os anos 50. A
posição do Brasil na segunda grande guerra retardou a assinatura de acordos com a Itália, o
que se refletiu no número de entradas de italianos no imediato pós-guerra. Nessa época, o
fluxo indisciplinado dificultou o processo de adaptação dos imigrantes italianos no País19.
Quanto às migrações internas, o fenômeno acentuou-se em muitos países, sobretudo
em decorrência do processo de industrialização. Na Itália, fluxos provenientes do sul, das
ilhas e de outras regiões, estabeleceram-se na Lombardia, Piemonte e Liguria, área
identificada como triângulo industrial do país. Para esses migrantes internos, o novo
ambiente constituiu uma significativa mudança cultural. Numerosos foram também os
italianos que optaram pelo centro da Itália, em particular Roma e arredores da capital. Junto a
muitos radicados em Acília as irmãs mscs realizariam, a partir dos anos 60, uma significativa
ação pastoral.
No Brasil, a história da mobilidade humana assinala uma mudança no decorrer dos
anos 30. O movimento imigratório, predominante até o início da década, teve um considerável
decréscimo enquanto aumentavam as cifras da migração interna. De modo simultâneo crescia
18
ORIZIO, Battista. Contributo ad una storia dell‟emigrazione italiana nel XX secolo. In: Studi Emigrazione –
Centro Studi Emigrazione – Roma. Anno XVIII - Marzo 1981- n. 61, p. 117-8.
19
TRENTO, Angelo. L‟emigrazione italiana in Brasile nel secondo dopoguerra (1946-1960). In: Studi
Emigrazione – Centro Studi Emigrazione - Roma. Anno XXVI – settembre 1989 - n. 95, p. 388-9.
28
a população brasileira e adquiriam maior expressão os processos de urbanização e de
industrialização do País.
Durante a segunda grande guerra, até em razão de acordos internacionais, ocorreu no
Brasil a retirada de milhares de nordestinos que protagonizaram a chamada marcha para
oeste, sendo deslocados para os seringais da Amazônia, a fim de extrair o látex do qual
provém a borracha. As secas que caracterizam o nordeste brasileiro motivaram então, como
em décadas posteriores e com altas cifras, os fluxos de retirantes da região em busca de
sobrevivência. Do fenômeno das migrações internas, sem a devida organização, resultaria a
multiplicação de favelas no Rio de Janeiro, São Paulo e em outras cidades do País, com a dura
realidade que as envolve, abrindo um imenso campo pastoral à Igreja e à congregação mscs,
em especial.
No Rio Grande do Sul ainda na primeira metade do século XX descendentes de
imigrantes alemães e italianos sobretudo, ocuparam o alto Uruguai, situado ao norte do
estado. Completada a apropriação de terras rio-grandenses na região do planalto e encostas,
teve início a migração de colonos para outros estados brasileiros em busca de terras novas, a
começar por Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, em nova marcha para oeste,
significando progresso para o interior do Brasil, mas também riscos, fadigas e privações de
toda sorte para a maioria desses migrantes. A partir dos anos 1970 irmãs mscs estariam
presentes também no centro-oeste e norte do País, junto a migrantes em diferentes situações
de mobilidade humana interna, dando origem a uma nova província da congregação
scalabriniana feminina em território brasileiro.
29
1.2 Difusão apostólica do instituto no Brasil e início da expansão missionária na
Europa
1.2.1 Concentração do instituto no Brasil e percepção de necessários avanços
Quatro decênios depois de sua fundação ocorrida em 1895, o instituto scalabriniano
feminino mantinha no direito próprio o serviço evangélico junto aos emigrados como matéria
referencial de sua missão na igreja, ainda que nem sempre as opções apostólicas se
orientassem por critérios identificados com o projeto original da congregação. As irmãs mscs
integravam 23 comunidades concentradas nos estados de São Paulo e no Rio Grande do Sul,
enquanto alterações verificadas nos fluxos migratórios na fase entre as duas guerras mundiais
propunham uma adequada atualização e uma oportuna redistribuição, tendo em vista as novas
urgências no campo pastoral confiado à instituição. A reformulação das constituições,
aprovadas ad experimentum em janeiro de 1934 e a obtenção do decreto de reconhecimento
pontifício em maio do mesmo ano, tornavam perceptível a necessidade de substanciais
mudanças na vida do instituto.
No ano de 1934 a congregação mscs, ainda sob a dependência da congregação
Consistorial e em regime de visita apostólica, vivia um tempo dos mais propícios de sua
história. Ao longo de todo o período interventivo, a fundação scalabriniana feminina passou
por três momentos vitais: o da reordenação, da consolidação e o da expansão missionária do
instituto. Artífice de exceção nesse tríplice processso foi o cardeal Raffaello Carlo Rossi,
secretário da Consistorial desde julho de 1930 e que, em decorrência da intervenção
pontifícia, orientava o caminhar da instituição.
Em julho de 1934, através de carta a d. Benedetto Aloisi Masella, núncio no Brasil e
visitador apostólico da congregação mscs, o cardeal Rossi expressava ao dignatário profunda
gratidão pelo bem que prodigalizava à instituição scalabriniana feminina e enviava às irmãs
capitulares larga e paterna bênção, junto aos votos de que o Senhor fizesse prosperar sempre
mais a vida religiosa e ativa do instituto20.
A bem sucedida reestruturação fora iniciada em outubro de 1925 por determinação da
congregação Consistorial e realizada, em parte, sob a jurisdição de d. Egidio Lari, auditor da
nunciatura no Brasil e nomeado pela mesma Consistorial, visitador apostólico da congregação
mscs, função que desempenhou com reconhecida competência, até meados de 1931. Em sua
atuação os dois visitadores apostólicos, d.Egidio Lari e d. Aloisi Masella, facilitaram
sobremaneira o renascer do instituto.
O sentido de pertença, fortalecido a partir de 1927 graças à liderança carismática
exercida no interno da congregação mscs por madre Assunta Marchetti e o espírito que
animava as irmãs na fase de preparação do Segundo Capítulo Geral, mostravam uma
instituição mais compacta, com vontade e condições de ampliar seu horizonte missionário.
Preparado no decorrer de 1934, o Segundo Capítulo realizou-se em março de 1935 no
orfanato Cristóvão Colombo de Vila Prudente, em São Paulo e, por solicitação do cardeal
Rossi, foi presidido pelo próprio visitador apostólico, d. Benedetto Aloisi Masella.
20
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Benedetto Aloisi Masella. Roma, 7-7-1934 (Archivio del Pontificio
Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti – Generali – Sezione IX – Suore Scalabriniane. Prot. 514/
25).
30
No momento eletivo, em terceiro escrutínio, o Capítulo elegeu irmã Borromea
Ferraresi superiora geral da congregação para o sexênio 1935-1941. Madre Borromea, que em
1915 integrara o grupo de irmãs pioneiras da missão em Bento Gonçalves onde atuou durante
20 anos como professora e como mestra de noviças desde 1927, exerceria a função de
superiora geral por cerca de 16 anos. Nesse tempo, apesar dos obstáculos superados com fé
provada e incomum energia, seriam concretizados passos decisivos que dariam início a uma
necessária e fecunda internacionalização do instituto scalabriniano feminino.
Em sucessivas votações, as 21 irmãs capitulares elegeram como vigária e primeira
conselheira, irmã Lucia Gorlin; segunda conselheira e secretária geral, irmã Josephina
Oricchio; terceira conselheira e ecônoma geral, irmã Josepha Soares; quarta conselheira e
superiora da comunidade de Vila Prudente, irmã Gemma Magrin. Irmã Angelina Meneguzzi,
superiora provincial de São Paulo, foi confirmada no cargo pela nova direção do instituto,
dias depois da realização do Segundo Capítulo Geral. Outros encargos foram renovados,
como segue: superiora provincial do Rio Grande do Sul, irmã Immaculada Mileti; mestra de
noviças, noviciado de Aparecida, irmã Ignez Oricchio; mestra de noviças, noviciado de Bento
Gonçalves, irmã Maria de Lourdes Martins.
Circunstâncias favoráveis na vida interna do instituto faziam prever um sexênio de
fecundas realizações na caminhada apostólica da congregação. Depois de superados inúmeros
contratempos, como observou o cardeal Rossi em carta à nova direção geral, datada de 31 de
maio de 1935, o instituto havia adquirido melhores condições de perceber a importância de
ampliar a ação pastoral, a fim de cumprir com renovada fidelidade a sua missão na igreja.
Para madre Borromea Ferraresi e companheiras, foi consolador o conteúdo dessa carta de
Rossi, que transcrevemos a seguir:
S. Excia. Revma. D. Aloisi Masella, núncio apostólico, comunicou-me o êxito do
Capítulo Geral ocorrido dia 16 de março próximo passado e a nomeação das novas
superioras do Pio Instituto.
Congratulo-me vivamente com as novas eleitas. O Senhor as escolheu para governar
o Pio Instituto em um momento deveras providencial e direi quase, solene. Enquanto
o Instituto masculino pôde ver realizadas aquelas que eram as santas aspirações do
venerado Fundador, com a introdução dos votos, acolhidos e aceitos com santo
entusiasmo por um grande grupo de jovens e por não poucos veteranos da ação
scalabriniana, o Instituto feminino, depois de tantos sofrimentos e dificuldades, foi
considerado pelo Senhor digno de ter constituições próprias, ajustadas às vigentes
disposições do código de direito canônico e um Conselho Geral que estará, com
certeza, à altura do momento, levando o Pio Instituto àquele grau de perfeição
exigido pelas suas próprias finalidades.
São duas árvores que se unem e se entrelaçam, a fim de dar fecundos frutos de bem
para a salvação de tantas almas. Seja agradecido o Senhor!
À congratulação uno o voto. E o voto mais belo que posso fazer é que seja por todas,
de modo particular, cultivada a vida interior. O venerado Fundador vivia de fé,
esperava tudo de Deus e sentia, por isso, de maneira profunda a necessidade de se
manter em contato com Ele e o seu receio mais forte era o de não se sentir o bastante
próximo. E foi por esse ardente espírito de fé que pôde ver realizadas tantas coisas
santas e belas. Era a grande simplicidade exterior que dava a imagem da dignidade
interior. Fundadas nesse espírito, as obras de caridade e de bem florescerão e serão o
espelho fiel dos sentimentos que animam as Irmãs Missionárias de São Carlos.
Não faltarão dificuldades, mas devemos lembrar que as cruzes são inseparáveis dos
desígnios de Deus; antes, elas virão demonstrar as obras do Senhor.
31
A fiel e escrupulosa observância das constituições, unida a uma perfeita humildade e
obediência, ao espírito de ardente caridade e de zelo operoso seja, hoje e sempre, o
distintivo das Irmãs de São Carlos.
Ao mesmo tempo, tenho a satisfação de comunicar que o Santo Padre envia de
coração uma especialíssima bênção a V. Revma., às suas Conselheiras, às Superioras
Provinciais, ao Conselho Geral cessante - e em modo particular à Madre Marchetti,
que lembra a primeira semente lançada pelo Instituto - a todas as Irmãs que vivem e
operam nas escolas, hospitais, asilos, às Noviças que se preparam no recolhimento,
na oração, para se tornarem as futuras missionárias.
Com sentimentos de particular respeito...21
A carta de Rossi foi um oportuno estímulo para a nova direção geral, que enviou cópia
às comunidades, recomendando às irmãs a leitura e meditação da mesma, a fim de traduzir em
vida os conselhos nela contidos. Na ocasião, madre Borromea exortava a congregação à
observância das constituições e destacava a importância de registrar os acontecimentos de
maior relevo ocorridos no dia a dia das comunidades. Ela própria preservou em diário,
aspectos interessantes do cotidiano do instituto.
A leitura de fatos salientes da congregação mscs mostra como primeiras atividades de
madre Borromea a realização de visitas ao arcebispo de São Paulo, d. Duarte Leopoldo e
Silva, ao núncio, d. Aloisi Masella e às casas do instituto, então concentradas em dois estados
do Brasil, São Paulo e Rio Grande do Sul.
No dia 22 de abril de 1935, em audiência concedida por d. Duarte Leopoldo e Silva,
madre Assunta Marchetti apresentou ao arcebispo a nova superiora geral, madre Borromea
Ferraresi. O encontro não foi nada cordial. Também a visita feita à comunidade do Pari em
agosto daquele ano deixou madre Borromea e irmã Lucia Gorlin, que a acompanhava, mal
impressionadas pelo modo de proceder das irmãs, em particular da parte de duas normalistas,
conforme consta no registro. Na maioria das comunidades, como não podia deixar de ser, a
acolhida foi fraterna e afetuosa.
Em uma entrevista com d. Benedetto Aloisi Masella a nova Superiora Geral tratou,
entre outros assuntos, da compra de uma propriedade em Bento Gonçalves, dada a urgência
de transferir o noviciado da província do Sul para outro local. A proposta apresentada ao
Visitador Apostólico era vantajosa: 150 contos por duas boas casas situadas no Planalto, um
lugar privilegiado, rico em água potável, com 34 hectares, indicado para noviciado, juvenato,
irmãs idosas e doentes. A compra chegou a ser autorizada pelo cardeal Rossi, mas a
congregação Consistorial não sabia que os padres scalabrinianos estavam interessados no
mesmo negócio. Por essa razão, madre Borromea recebeu ordem de suspender as tratativas
referentes àquela aquisição. A posterior desistência dos padres tornou possível às irmãs a
efetivação da compra, mas tal não aconteceu.
A 20 de agosto de 1935, em carta aos superiores regionais da congregação
scalabriniana masculina nos Estados Unidos, o cardeal Rossi comunicava-lhes que também o
instituto das irmãs de são Carlos havia alcançado uma definitiva e segura sistematização.
Depois de referir a revisão das constituições da congregação feminina, sua aprovação pelo
Papa, a acolhida que as irmãs deram ao novo direito próprio, Rossi informava os superiores
sobre o Segundo Capítulo Geral, a composição da nova direção das irmãs e sobre a intenção
do instituto scalabriniano feminino, de fundar uma casa na Itália. O Secretário da Consistorial
transmitia ainda algumas estatísticas da congregação mscs e concluía:
21
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 31-5-1935 ( AGSS, 1.5/5).
32
Tenho certeza que estas notícias serão do agrado de V.P. que já tanto se interessa
pelo desenvolvimento da Pia Sociedade nessa região, na esperança de que, se for
vontade do Senhor, o Instituto feminino possa no futuro fixar suas tendas em qualquer
lugar onde houver necessidade junto às missões do Instituto dos Missionários de São
Carlos...22
Nessa carta aos superiores regionais, como em outros documentos, o Cardeal ressalta
o vínculo profundo que une os dois institutos da família scalabriniana. Homem dotado de
incomum sensibilidade, d. Raffaello Carlo Rossi mostra a realidade da congregação feminina
e destaca quanto o instituto poderá vir a ser. De maneira sutil propõe uma futura ação pastoral
conjunta, de padres e de irmãs de são Carlos, onde se fizesse necessário.
Ao que parece, os dois institutos não ficaram indiferentes à idéia. Em 1941, cinco anos
depois de concretizada a fundação na Itália e graças também à operosa mediação do instituto
masculino, a congregação mscs estenderia sua ação apostólica junto aos padres missionários
de são Carlos nos Estados Unidos.
Durante os primeiros anos da década de 30 a congregação Consistorial limitara a
expansão apostólica do instituto feminino, tendo em vista qualificar o processo formativo das
irmãs, enquanto as novas aberturas autorizadas pela mesma Consistorial entre 1935 e 1941,
quatro na província de São Paulo e nove na província do Rio Grande do Sul como se verá,
favoreceram ainda mais a concentração pastoral da congregação scalabriniana feminina no
Brasil. A situação conferiu maior significado ao início da expansão do instituto na Europa e
nos Estados Unidos, ocorrido no primeiro mandato de madre Borromea Ferraresi.
A primeira fundação do sexênio 1935-1941 foi a de Mirassol, interior do estado de
São Paulo, com o promissor envio de madre Assunta Marchetti àquela missão. A partida de
madre Assunta e três coirmãs, Affonsina Salvador, Catharina Viana e Regina Ceschin,
integrantes da nova comunidade, ocorreu a 30 de junho de 1935. Madre Borromea e outras
irmãs acompanharam-nas até a estação da Luz. Ali as quatro missionárias tomaram o noturno
com destino à Santa Casa de Mirassol, cidade onde a co-Fundadora deixaria marcas
indeléveis de sua extraordinária caridade.
Em meados de 1935 a congregação scalabriniana feminina contava com 120 irmãs e
29 noviças. O aumento de vocações fez crescer o ritmo das novas fundações. Pelos registros
preservados em fatos salientes do instituto, pela leitura do livro de atas das reuniões da
direção geral e de outros documentos constata-se em madre Borromea Ferraresi, entre outras
características de sua ação, dinamismo missionário e tenacidade nos propósitos, aspectos que
facilitaram à congregação mscs maior expansão apostólica.
1.2.2 Antecedentes e passos da fundação na Itália
Depois de celebrado o quadragésimo ano de fundação ocorrida em Piacenza, Itália, a
25 de outubro de 1895, o instituto scalabriniano feminino registra passos importantes em sua
expansão missionária, concretizando uma aspiração alimentada em palavras atribuídas a João
Batista Scalabrini e preservadas como promessa às pioneiras na memória de irmãs mais
22
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera ai Superiori Regionali negli S. U. di America. Roma, 20-8-1935 – minuta
(Archivio del Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti – Prot. 514/25).
33
antigas: Ide confiantes, filhas, mandar-vos-ei depois outras coirmãs e vós retornareis para
formar-vos e consolidar-vos no espírito religioso23. Graças à força do carisma, à persistência
de algumas irmãs e a providenciais mediações, o regresso à Piacenza firmaria raízes e
ampliaria o horizonte missionário da congregação mscs.
O retorno do instituto à Itália foi um sonho acalentado no tempo. A efetivação desse
projeto condicionou-se ao querer de Deus, como expressou madre Assunta Marchetti em carta
à madre Lucia Gorlin, datada de 17 de outubro de 1933 e transcrita às páginas 281-2 do
primeiro volume de história das irmãs mscs. Na carta, madre Assunta solicitava o parecer da
irmã a respeito de uma possível viagem à Itália. Em resposta, dez dias depois, madre Lucia
afirmava que esse fora sempre o seu desejo.
Cerca de três anos antes, em carta a padre Enrico Poggi de 16 de dezembro de 1930 o
cardeal Raffaello Carlo Rossi, já secretário da congregação Consistorial, comunicava que a
abertura de uma casa das irmãs de são Carlos na Itália era um projeto viável, mas não de
imediata realização. No ano seguinte, em carta a madre Assunta Marchetti de 26 de agosto de
1931, padre Poggi escrevia que se o instituto quisesse, de fato, ter uma casa na Itália precisava
do consentimento da Consistorial e que ele continuava disposto a colaborar na iniciativa.
Em outra carta a madre Assunta de dezembro de 1932, padre Enrico Poggi retomava o
assunto, sugerindo à superiora geral alguns procedimentos para garantir o sucesso das
tratativas e indicava uma irmã que, segundo ele, iria de bom grado à Itália, como de fato foi.
Padre Poggi acenava ainda a anterior contato que tivera com madre Assunta em São Paulo.
Naquela oportunidade ficara acertado que ele prepararia casa em Gênova para a futura
fundação, mas no momento padre Enrico entendia ser vantajoso ao instituto aproveitar o
imóvel que lhe oferecia d. Massimo Rinaldi, bispo de Rieti.
Para padre Poggi seria conveniente concretizar a fundação em Rieti, mais próximo a
Roma, onde as irmãs poderiam formar as missionárias de são Carlos, tratar dos assuntos da
congregação e obter, com o tempo, autonomia da Sé Apostólica. Madre Assunta só respondeu
a carta de padre Enrico em fevereiro de 1933, dizendo que a razão principal da demora fora a
doença de padre Faustino Consoni.
Nessa mesma carta a Superiora Geral comunicava a padre Poggi que, tendo padre
Faustino manifestado desejo de ver a sobrinha, irmã Vittorina Consoni, a missionária que
então atuava no Rio Grande do Sul estivera em São Paulo acompanhada de irmã Borromea
Ferraresi e que, na ocasião, em uma audiência das três irmãs com o Núncio Apostólico
trataram, entre outros assuntos, da pretendida fundação na Itália e mostraram ao Visitador sua
carta de dezembro de 1932. D. Aloisi Masella solicitou cópia da carta de padre Enrico Poggi
para enviá-la à congregação Consistorial.
Após agradecer a padre Poggi e pedir-lhe que transmitisse também a d. Massimo
Rinaldi seu profundo reconhecimento, madre Assunta Marchetti concluiu a carta dizendo que
aguardava autorização da Consistorial certa de que, se fosse do agrado de Deus, em breve
poderia revê-lo. Os fatos ligados à história do retorno da congregação mscs à Itália, porém,
evoluíram de modo diverso.
A 16 de março de 1934 d. Benedetto Aloisi Masella encaminhou ao cardeal Rossi o
pedido de licença para as irmãs Carmela Tomedi e Vittorina Consoni visitarem seus
familiares na Itália, que não viam há 35 anos a primeira e há 21 anos a segunda. Um mês
depois o Cardeal autorizou a viagem das duas irmãs, até como oportunidade para tratar do
23
MARTINI, Ettore. Memorie sulla fondazione della Congregazione delle Suore Missionarie di San Carlo –
Scalabriniane ( AGSS 1.4.4).
34
projeto de uma fundação na Itália. De fato, irmãs Carmela e Vittorina, que só viajariam em
julho do ano seguinte, tiveram destacado papel na abertura da missão na Itália.
Meses antes da viagem das irmãs, em carta ao cardeal Rossi datada de 31 de março de
1935, d. Aloisi Masella comunicou ao secretário da Consistorial que a nova superiora geral,
madre Borromea Ferraresi e irmã Lucia Gorlin, há poucos dias, haviam-lhe falado de quanto
era importante para a congregação das irmãs missionárias de são Carlos abrir logo uma casa
na Itália porque, pensavam elas, se tal não ocorresse nesse tempo em que as irmãs italianas
tinham certa influência, mais tarde as irmãs brasileiras poderiam se desinteressar e talvez até
se opor à realização do projeto.
D. Aloisi Masella, que apoiava a proposta, em sua carta ao cardeal Raffaello Carlo
Rossi fazia, entre outras, estas observações: tratando-se de uma congregação italiana e voltada
para o serviço missionário, teria facilidade de recrutar na Itália novas vocações; na Itália,
também haveria mais possibilidade de contar com religiosas melhor preparadas e de
condições sociais mais favoráveis, o que daria maior prestígio à congregação.
Na carta de apresentação das irmãs Carmela Tomedi e Vittorina Consoni ao cardeal
Rossi, escrita em meados de 1935 quando da partida para a Itália das duas religiosas, a
direção geral do instituto manifestava ao secretário da Consistorial seu vivo reconhecimento e
expressava as motivações do firme propósito de fundar uma casa no país de origem da
congregação e da pressa em realizar esse passo:
Sentimos que assim será também mais fácil assimilar um pouco do espírito de nosso
Venerado Fundador, d. Scalabrini e um pouco de italianidade tão necessária, a
introduzir em nossas missões. Ponderado tudo com calma em vista do bem geral e
fundamental de nossa instituição lhe dizemos com sinceridade: creia, Eminência
Revma., se não formos nós, idosas, a fazermos este passo, mais tarde será difícil
porque as jovens não conhecem a Itália e não conhecendo, não a saberão prezar...24
Ainda a 30 de maio de 1935 o cardeal Rossi escrevera a padre Francesco Tirondola,
superior regional dos scalabrinianos da Itália, informando-o da intenção das irmãs
missionárias de são Carlos, de fundar uma casa na terra de origem da congregação e pedindolhe que examinasse diante de Deus a proposta e manifestasse depois seu parecer e o do
conselho, a respeito do assunto. No dia 3 de agosto o Cardeal tornou a escrever ao Padre,
dizendo-lhe não ter recebido a resposta solicitada a 30 de maio e que aguardava comunicação.
Desta vez o cardeal Rossi enviou a padre Tirondola também cópia de uma carta de madre
Borromea e conselho com o insistente pedido, de que fosse possibilitada ao instituto feminino
a fundação de uma casa na Itália.
Em carta de 5 de agosto padre Francesco Tirondola remeteu ao Cardeal o solicitado
parecer, dizendo que a direção dos missionários scalabrinianos considerara com o mais vivo
contentamento o propósito das irmãs de fixar suas tendas também na Itália. Desde que
recebera a comunicação de 30 de maio, escreveu o Superior, convicta da necessidade das
irmãs terem uma casa na Itália, a direção dos padres empenhou-se em estudar um plano para
favorecê-las. Padre Tirondola adiantou ao cardeal Rossi que próximo a Bassano del Grappa
havia boas possibilidades de alguma pia instituição ser confiada às irmãs de são Carlos e que
já sabia de diversas candidatas interessadas em consagrar suas vidas nas fileiras das irmãs
scalabrinianas. A direção dos padres concluiu o parecer com estes votos:
24
FERRARESI, Borromea e Consiglio. Lettera a Raffaello Carlo Rossi. Villa Prudente, 7 Giugno 1935
(Archivio del Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti – Prot. 514/25).
35
... que também para as irmãs, multiplicadas em número e sólidas em santidade, sob a
iluminada dependência da sagrada congregação Consistorial, se realize o programa
confiado pelo Fundador a seus filhos: que tenha uma irmã em toda parte onde houver
um emigrado necessitado de assistência espiritual, moral, civil...25
No segundo semestre de 1935 delinearam-se passos novos no projeto de retorno da
congregação scalabriniana à Itália. O próprio cardeal Rossi solicitava agora a presença na
Itália da Superiora Geral e da Vigária, com certa urgência. As formalidades, os compromissos
de madre Borromea Ferraresi, o inverno europeu retardaram a viagem e a abertura há tanto
tempo esperada.
A 20 de março de 1936 madre Borromea Ferraresi e irmã Lucia Gorlin partiram do
Brasil a bordo do Biancamano, que chegou a Gênova no dia 2 de abril. No porto aguardavaas, comovido, o senhor Giuseppe Poggi, sobrinho de padre Enrico falecido há dois meses e
um primo seu. As irmãs fizeram questão de levar os pêsames, em nome da congregação, aos
familiares do virtuoso benfeitor que residiam em Sarissola e que as receberam com renovada
emoção, lembrando quanto o Padre teria gostado de viver aquele momento junto. No dia 3,
com a família Poggi, participaram de uma celebração eucarística, visitaram o túmulo de padre
Enrico e depois seguiram viagem para Milão, onde reencontraram as irmãs Carmela Tomedi e
Vittorina Consoni, que haviam deixado o Brasil em julho do ano anterior.
Irmãs Carmela e Vittorina, orientadas pelo cardeal Rossi, após visitarem seus
familiares aguardaram a chegada de madre Borromea e irmã Lucia, com vistas à fundação na
Itália. Entre 30 de novembro de 1935 e 30 de abril de 1936 ambas ficaram hospedadas no
Instituto D. Guanella, acolhidas pelas irmãs de nossa senhora da Providência, graças à
recomendação de d. Massimo Rinaldi e padre Francesco Tirondola, conhecidos e muito
estimados pelos superiores daquela instituição.
No dia 4 de abril de 1936 madre Borromea e irmãs Lucia, Carmela e Vittorina
participaram de três celebrações eucarísticas junto à urna de são Carlos no duomo de Milão e
confiaram ao patrono a inteira congregação, benfeitores e a futura missão na Itália. No dia 6
madre Borromea e irmã Lucia viajaram a Piacenza onde tiveram sucessivos encontros com
padre Francesco Tirondola e outros scalabrinianos do Instituto Cristóvão Colombo, casa mãe
dos missionários de são Carlos. Ali conheceram Ettore Martini, providencial benfeitor da
congregação mscs em seu retorno à Itália.
Em Piacenza as irmãs hospedaram-se no instituto das filhas do Sagrado Coração,
visitaram a casa contígua à basílica de San Savino, que depois seria doada ao instituto
scalabriniano feminino. Com indescritível emoção detiveram-se por longo tempo no duomo,
tão caro a João Batista Scalabrini e aos missionários scalabrinianos. O próximo passo seria a
audiência com o cardeal Raffaello Carlo Rossi em Roma, a 15 de abril de 1936.
Nessa data, depois de acolher madre Borromea e irmã Lucia Gorlin com afabilidade e
tratar com vivo interesse de assuntos da congregação mscs, o cardeal Rossi abordou o motivo
principal que determinara a viagem de ambas à Itália, as dificuldades e os avanços para um
efetivo retorno à terra de origem do instituto.
A seguir o Secretário da congregação Consistorial chamou padre Francesco Tirondola
que acompanhara as duas irmãs a Roma e, estando elas presentes, perguntou ao superior dos
25
TIRONDOLA, Francesco. Lettera a Raffaello Carlo Rossi. Bassano del Grappa, 5 Agosto 1935 (Archivio del
Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti – Prot 514/25).
36
padres scalabrinianos o que ficara estabelecido em relação à casa para o instituto feminino em
Piacenza. Padre Tirondola comunicou-lhes que o senhor Ettore Martini deixava à disposição
das irmãs por cinco anos, a casa que estas haviam visitado, situada junto à basílica de San
Savino, mas com algumas condições: assumir o jardim de infância que lá funcionava para
crianças de ambos os sexos, de três a seis anos de idade e o pensionato de senhoras idosas,
então reduzidas apenas a três. Parte da casa, muito espaçosa, seria reservada às irmãs. A
audiência com o Cardeal fortaleceu nas irmãs a esperança de que se realizaria a maior
aspiração, que era a de ter um noviciado na Itália.
A 18 de abril, em audiência com Pio XI, madre Borromea e irmã Lucia viveram outra
experiência memorável: a bênção do papa, extensiva a toda a congregação mscs. Reanimadas,
a 20 de abril retornaram a Piacenza. Obtida a autorização de d. Ersilio Menzani, bispo
diocesano, a 27 de abril de 1936 o instituto scalabriniano feminino, nas mãos da Providência,
passou a ocupar a casa anexa à basílica de San Savino, de propriedade de Ettore Martini e
sócios26.
Foram pioneiras da fundação em Piacenza as irmãs Lucia Gorlin, Carmela Tomedi e
Vittorina Consoni. Irmã Lucia Gorlin, vigária geral da congregação mscs, ficou responsável
dessa primeira casa e de toda a província italiana. Como conselheira e secretária foi nomeada
irmã Vittorina Consoni. Em razão das necessidades da missão, em setembro de 1936 foram
enviadas a Piacenza outras duas missionárias que atuavam na província do Rio Grande do
Sul: irmãs Faustina Bosio e Scalabrina Bacchi. Irmã Faustina Bosio foi nomeada superiora
local e responsável pela formação das jovens aspirantes que começavam se apresentar às
missionárias de são Carlos, scalabrinianas.
No dia 21 de junho de 1936, já de volta ao Brasil, em carta à irmã Lucia Gorlin madre
Borromea Ferraresi afirmava não estar arrependida do passo dado, certa de que o Senhor
abençoaria a obra porque fora empreendida com o coração e a mente voltados para Deus e
para o bem da congregação. Doze anos depois, ao relatar a fundação na Itália, a Superiora
Geral relembraria as aspirações de então e reconheceria a ação de Deus que removeu
obstáculos, guiando-lhes os passos:
Com a graça de Deus realizamos uma profunda e antiga aspiração. A plantinha
transplantada logo ao nascer, sentia necessidade de revitalizar-se no solo pátrio.
Vindas muito prematuras da Itália, as nossas primeiras irmãs aqui se estabeleceram.
A planta cresceu e seus ramos se estenderam. Sentia, porém, no íntimo a necessidade
dos ares nativos para poder se desenvolver com mais vigor. A morte de nosso
venerado Fundador deixou um vazio inextinguível. Sentíamos a necessidade de
assimilar o seu espírito e beber de sua vitalidade, a fim de que nosso espírito fosse
deveras scalabriniano.
Onde adquirir esta formação senão na terra de nosso Fundador, na terra que viu os
seus exemplos, vivificada pelos esforços e pelas fadigas, onde tudo fala de caridade
ardente?
Eram essas a nossas aspirações. E depois, todas as congregações volvem os seus
olhos para o centro da cristandade.
...Deus Nosso Senhor aplanou as dificuldades, guiando-nos os passos...27
26
27
FATOS SALIENTES. Diário de madre Borromea Ferraresi, superiora geral: 1936-1951 ( AGSS 1.12.3 ).
FERRARESI, Borromea. Relazione e resoconto, periodo Marzo 1935 – Dicembre 1947 ( AGSS 1.6.3 ).
37
1.2.3 Mediações do regresso à Itália
Em 1936, sob o impulso perene do carisma, aspirações antigas e recentes levaram a
congregação mscs a abrir caminho à desejada revitalização na terra de origem, como foi
sublinhado acima, visando tornar mais scalabriniano o espírito que identificava o instituto. No
itinerário do regresso à Itália, a seu tempo, Deus providenciou oportunos mediadores que
contribuíram para que a instituição passasse do anseio à concretização do sonho. As
mediações exerceram um papel de profundo significado porque, através delas, estabeleceu-se
uma relação estável que facilitou o desempenho missionário das irmãs em uma ação pastoral
encarnada e autônoma e favoreceu uma fecunda continuidade, apesar dos desafios enfrentados
no decorrer do tempo.
A mais antiga referência ao intencionado regresso da congregação à Itália data, a rigor,
de 25 de outubro de 1895. A exortação-promessa de João Batista Scalabrini no momento da
partida das quatro pioneiras, já citada e presente na memória de algumas irmãs, contribuiu
para alimentar a esperança num possível retorno ao País de origem e perenizar a obstinada
vontade de realizá-lo. Nessa ótica, a mediação de Scalabrini antecipou-se como apelo
profético à fundação de 1936.
Cerca de 12 anos depois de aberta a casa em Piacenza e agora estabilizada a presença
das irmãs missionárias de são Carlos na Itália, em relatório apresentado ao Capítulo Geral de
1948, a direção geral do instituto expressou seu vivo reconhecimento aos agentes especiais da
execução e consolidação do projeto de retorno ao país de origem da congregação: cardeal
Raffaello Carlo Rossi, d. Benedetto Aloisi Masella, padre Francesco Tirondola, padre
Giovanni Sofia, comendador Ettore Martini, além das irmãs Lucia Gorlin e Faustina Bosio.
Não constam na relação os nomes de padre Enrico Poggi e d. Massimo Rinaldi, assim como
de outros benfeitores entre eles monsenhor Pio Cassinari, pároco da basílica de San Savino,
que incentivaram e sustentaram a iniciativa até em pormenores do cotidiano, favorecendo a
afirmação e a expansão do instituto scalabriniano feminino na Itália.
O incentivo dado por padre Enrico Poggi à intenção das irmãs missionárias de são
Carlos de se estabelecerem em território italiano foi persistente e manifestou-se em diferentes
momentos, de diversos modos. A 9 de setembro de 1935, em cartas enviadas à madre
Borromea e à irmã Lucia Gorlin, padre Poggi antecipava-lhes que o cardeal Rossi solicitava a
presença de ambas com urgência na Itália onde, segundo informara-o irmã Vittorina Consoni,
por determinação do mesmo cardeal Rossi seria aberto logo um noviciado da congregação.
Assim que, a direção geral devia destinar já uma irmã competente para assumir a função de
mestra de noviças. A casa, informava ainda padre Enrico, seria aberta em Piacenza e não em
Crespano, como se pensara.
Às boas notícias, padre Poggi incluía válidas sugestões quanto à importância de
clarear os compromissos a assumir com a casa. À irmã Lucia, o Padre comunicava que irmã
Vittorina não tinha mais dinheiro, mas que ele a ajudaria. Benfeitor até o fim, na mesma carta
orientava as irmãs com detalhes, de como deviam proceder se ao chegar em Gênova ele não
estivesse presente ao desembarque. Não estaria. Padre Poggi feleceu a 2 de fevereiro de 1936.
É sugestivo que a morte do Padre tenha ocorrido no momento em que a congregação
mscs estava prestes a fixar suas tendas também na Itália. A notícia do falecimento do
generoso benfeitor, padre Enrico Poggi, foi registrada no livro de ocorrências do instituto a 26
de fevereiro de 1936 e comunicada com pesar, às casas da congregação. Em Vila Prudente a
direção geral mandou celebrar missa de réquiem, cantada, da qual participaram as irmãs da
comunidade e as órfãs do Cristóvão Colombo.
38
Já, a mediação de d. Massimo Rinaldi em favor do retorno da congregação à Itália,
pelo que se sabe, foi resposta a solicitações de irmã Vittorina Consoni, defensora do plano e
destacada protagonista de sua concretização. No início dos anos 30, repetidas vezes a
Missionária escrevera ao Bispo, pedindo-lhe que intercedesse junto à madre Assunta
Marchetti e ao cardeal Rossi para que fosse apressada a abertura de uma missão do instituto
scalabriniano feminino em terra italiana. Presume-se que d. Rinaldi fez quanto pôde. Como
foi dito, o Bispo de Rieti chegou a oferecer às irmãs uma casa em sua diocese. Na evolução
dos fatos, a primeira fundação do instituto na Itália foi em Piacenza e, ao que tudo indica, d.
Massimo Rinaldi teve parte nesse processo.
A participação do cardeal Raffaello Carlo Rossi, de d. Aloisi Masella, de padre
Francesco Tirondola na abertura da casa das irmãs mscs em Piacenza foi decisiva, até em
razão dos encargos de cada um. Em carta a padre Tirondola, de 7 de abril de 1936, o
Secretário da Consistorial comunicou-lhe aspectos da situação do instituto scalabriniano
feminino e resumiu assim as razões da viagem de madre Borromea à Itália:
Objetivo dessa viagem é ver se será possível efetuar a fundação de uma casa do
referido instituto na Itália. A abertura da casa parece necessária porque, recrutando
vocações na Itália poderá com mais facilidade conservar sua fisionomia que é aquela
de assistir os emigrados italianos: fisionomia que poderia pouco a pouco perder,
dadas as presentes e especiais circunstâncias, de absoluta suspensão do movimento
migratório italiano...28
Três semanas depois, a 28 de abril de 1936, em carta a d. Aloisi Masella o cardeal
Rossi comentava um relatório que o visitador apostólico lhe enviara e no qual acentuava o
crescimento numérico, espiritual e cultural da congregação scalabriniana feminina nos últimos
anos. Na oportunidade o Cardeal comunicava ao Visitador:
Ao mesmo tempo, com satisfação participo-lhe que, apenas chegada a revma. Madre
Geral, graças ao solícito e autorizado empenho do padre Superior dos scalabrinianos
foi possível chegar a oportunos acordos e assim ficou estabelecido que, em junho
próximo, as Irmãs Missionárias, sob os mais prometedores presságios, iniciarão a sua
obra na Itália, começando mesmo em Piacenza onde o Fundador lançou as primeiras
bases do Instituto. É a bênção do Senhor que acompanha, é evidente, uma e outra das
congregações scalabrinianas29.
Dois anos antes, em abril de 1934, na ocasião do retorno da Pia Sociedade dos
missionários de são Carlos aos votos religiosos, estando presente o cardeal Raffaello Carlo
Rossi, padre Francesco Tirondola fizera uma resenha da ação desenvolvida pela congregação
scalabriniana masculina nos últimos dez anos e fixara o programa para o decênio 1934-1944.
Este incluía o regresso da congregação das missionárias de são Carlos ao local de sua origem,
a fim de facilitar às irmãs maior desenvolvimento e favorecer a atuação do instituto
scalabriniano feminino junto aos emigrados não apenas no Brasil, mas em outros locais onde
houvesse necessidade.
28
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Francesco Tirondola. Roma, 7-4-1936 (Archivio del Pontificio Consiglio
della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti – Prot. 514/25).
29
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Benedetto Aloisi Masella. Roma, 28 Aprile 1936 (Archivio del Pontificio
Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti – Prot. 514/25).
39
Na realização dessa parte do programa, padre Francesco Tirondola contou com a
generosa colaboração de monsenhor Pio Cassinari, que tornou mais fácil a sistematização das
missionárias de são Carlos em Piacenza ao confiar às irmãs o jardim de infância paroquial.
Mérito de monsenhor Cassinari ainda foi ter sensibilizado, em favor da missão scalabriniana
feminina, o comendador Ettore Martini que militara na ação católica nos tempos de João
Batista Scalabrini e que acolheu as irmãs na casa de sua propriedade, o ex-convento dos
frades Gerolimini, situado na Piazzetta San Savino, 2930.
Incentivado também pela esposa e pelo irmão scalabriniano, padre Giuseppe Martini,
o comendador Martini tornar-se-ia grande benfeitor das irmãs mscs em Piacenza. No ano de
1939 ele doaria o histórico prédio dei Gerolimini às irmãs scalabrinianas. O incomparável
mediador, com seu típico gosto pelas surpresas afetuosas, um dia foi ao cartório e de lá, em
telefonema à superiora irmã Faustina Bosio disse: desde este momento a casa onde moram já
não é minha; é vossa. Além disso, qual instrumento de Deus, o engenheiro Ettore Martini
havia posto à serviço as suas capacidades profissionais e transformara uma grande sala do
imponente edifício em um ângulo de paraíso: uma capela simples em sua essencial
sobriedade, mas grandiosa como uma catedral para quem realiza a escolha mais alta, ou seja,
a consagração total de si a Deus31.
No dia a dia da ampla casa de Piacenza muitos outros benfeitores fizeram-se presença
constante e colaboraram na fundação da futura província italiana. Além da mediação do
cardeal Rossi, de padre Francesco Tirondola, de monsenhor Pio Cassinari e do engenheiro
Ettore Martini, o livro 1o da história da província São José repetidas vezes, com outras
modalidades de apoio às irmãs, quer nos primeiros anos do retorno, quer durante a segunda
guerra mundial, registra a generosa contribuição de Camilo Mangot, fiel secretário de
Scalabrini; de Raffaelle Donadio, ex aluno do orfanato Cristóvão Colombo de São Paulo; de
Carlo Spalazzi, camareiro de confiança de João Batista Scalabrini, entre os mais assíduos.
Em tributo de reconhecimento a direção geral escreveria, em 1947: nossos corações
reconhecidos elevam-se ao céu pelo dom providencial que recebemos na pessoa de Sua
Eminência Revma., o cardeal Rossi, a quem devemos além de todas as deliberações em
assunto de maior importância, a abertura da província da Itália, fato que inunda de alegria e
de confiança os nossos corações scalabrinianos. Com o retorno à Itália a direção geral via
lançada a semente na terra da germinação originária, berço do venerável Fundador e bem
mais próximo o passo gigantesco na direção da Cidade Eterna, sede do cristianismo, sob a
proteção e os auspícios do Cristo visível na terra....
No reconhecimento ao visitador apostólico, d. Benedetto Aloisi Masella, o destaque
seria a sábia direção, as paternas solicitudes que sempre demonstrou para com a
congregação, dirigindo-a em todos os passos, incentivando-a a prosseguir mais na sua
expansão. De padre Francesco Tirondola diria que ele colocou todo seu prestigio, a sua
dedicação e o seu empenho à serviço da obra scalabriniana feminina e que foi sempre pródigo
em ajudar as irmãs, mas em particular durante a grande guerra. Ao comendador Ettore
Martini a direção geral expressaria com essas palavras a sua mais profunda e gratidão:
As nossas irmãs da província da Itália o consideram como enviado providencial de
Deus, o ajudante visível nas horas de angústia. Quando, pelos horrores da grande
guerra européia, Piacenza flagelada, obrigava os seus habitantes a procurarem um
30
MARTINI, Ettore. Memorie sulla fondazione della Congregazione delle Suore Missionarie di S. Carlo –
Scalabriniane, p. 7 (AGSS 1.4.4).
31
MOLINARI, Franco. Sulla strada della fede e della speranza. Provincia San Giuseppe – Storia della
fondazione e suo sviluppo – 1978, p. 23-4.
40
abrigo fora de seus muros, foi este coração paterno que acolheu em seus umbrais as
nossas irmãs fugitivas socorrendo-as em todas as necessidades e só quis por
recompensa aquela que o Pai celeste reserva na sua eternidade àqueles que fazem o
bem aos próprios irmãos32.
Sem menosprezar a contribuição de tantas outras pessoas, pode-se afirmar que a
consolidação do instituto scalabriniano feminino na Itália, incluída a sua posterior expansão,
deve-se à potencialidade do carisma encarnado pelas missionárias de são Carlos, em especial
irmã Lucia Gorlin, bem como às presenças providenciais lembradas com vivo reconhecimento
pela província são José e pela inteira congregação mscs.
1.2.4 Terceiro noviciado da congregação mscs
As pioneiras do retorno da congregação das irmãs missionárias de são Carlos à Itália
acolheram o movimento dinâmico do carisma e, com a contribuição de providenciais
mediadores, deram corpo à aspiração antiga, abrindo um caminho novo ao instituto
scalabriniano feminino. Em Piacenza as irmãs mscs encarnaram o carisma de fundação em
suas vidas, granjearam estima e cresceram de modo progressivo ainda que em meio às
privações e dificuldades, mais sentidas nos primeiros tempos. A continuidade da obra foi logo
assegurada com novas vocações que tornaram realidade a sonhada abertura de um noviciado
na terra de origem da congregação.
A grande aspiração que sustentou o projeto de retorno das irmãs mscs à Itália e que
foi, como se disse, ter um noviciado na terra de origem do instituto, começou a se realizar
ainda em 1935. A 15 de setembro desse ano, em carta à madre Borromea, padre Francesco
Tirondola comunicava-lhe que a direção dos missionários de são Carlos, depois de diligentes
pesquisas e estando o cardeal Rossi de acordo, fixara a atenção em um estabelecimento em
Piacenza, que uma pessoa devota deixava à disposição para honrar a memória de Scalabrini.
Em sua carta, padre Tirondola descrevia aspectos funcionais do prédio e dizia que o mesmo,
quanto lhe parecia, tinha o necessário para ser uma providencial casa de noviciado, até pelas
condições requeridas, que eram de fácil atuação.
Com visão prospectiva, o cardeal Rossi e a direção dos padres missionários de são
Carlos, entendendo a importância desse passo para a história das irmãs mscs, julgavam
conveniente que a Madre ou outra irmã delegada fosse inteirar-se do assunto in loco, a fim de
decidir quanto à concessão proposta. Na mesma carta de 15 de setembro de 1935, padre
Francesco Tirondola tansmitia à Superiora Geral os pontos fundamentais, incluídos os deveres
e os direitos, aos quais ficava subordinada a cessão da casa e dizia que a finalidade do
acordo a ser feito entre o Instituto Scalabrini e a Sociedade Imobiliária de Piacenza seria
cooperar e contribuir para a fundação de um noviciado das irmãs scalabrinianas em
memória do pranteado bispo de Piacenza, d. João Batista Scalabrini33.
A carta de padre Tirondola à madre Borromea confirma as informações que haviam
sido passadas à superiora geral pelo padre Enrico Poggi a 9 de setembro de 1935, como
referimos. Seis meses depois, ou seja, quase na véspera da partida para a Itália de madre
Borromea Ferraresi e irmã Lucia Gorlin, em reunião da superiora geral e conselho, a carta de
padre Francesco Tirondola foi objeto de estudo da direção geral, conforme registra o livro de
32
33
FERRARESI, Borromea. Relazione e resoconto, Marzo 1935 – Dicembre 1947 (AGSS 1.6.3 ).
TIRONDOLA, Francesco. Lettera a Borromea Ferraresi. Bassano del Grappa, 15-9-1935 (AGSS 1.5.5).
41
atas a 12 de março de 1936. No dia 20 de março desse ano a Madre e a Vigária Geral
embarcaram no Conte Biancamano com destino à Itália.
Em dois meses de permanência no País de origem do instituto a Superiora Geral
realizou necessários contatos, conheceu a realidade, em particular a situação do prédio que
depois seria doado à congregação, as condições requeridas e decidiu aceitar a proposta feita
através de padre Francesco Tirondola.
A 29 de junho de 1936, já de volta ao Brasil, madre Borromea apresentou às
conselheiras gerais um relato otimista de sua viagem à Itália: o vasto prédio, anexo à basílica
de San Savino, era adequado ao fim a que se propunham, isto é, abrir um noviciado, tendo em
vista a missão do instituto scalabriniano feminino. A decisão de dar continuidade à escola
paroquial e ao pensionato de idosas, obras iniciadas pelas filhas de Sant‟Ana e que
funcionavam junto à San Savino, visava a manutenção do noviciado que pretendiam abrir em
1937. Após os exames, as filhas de Sant‟Ana retiraram-se e a 1o de junho de 1936 tomaram
posse as irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas34.
As notícias enviadas à madre Borromea pelo padre Francesco Tirondola pouco mais
de dois meses depois que a superiora geral deixara a Itália eram animadoras: cerca de 30
candidatas pediam para serem admitidas na congregação scalabriniana feminina. Padre
Tirondola sugeria providenciar, quanto antes, um programa de aceitação das candidatas e as
constituições do instituto em idioma italiano. De modo discreto comunicava à Superiora que
para manter uma noviça na Itália eram necessárias, na época, cinco liras por dia.
Desde julho de 1936 a casa das irmãs scalabrinianas de Piacenza fora enriquecida com
a presença da primeira aspirante, a jovem Angela Morosin à qual, em setembro do mesmo
ano, juntou-se Albina Loro. Quando, a 4 de novembro, festa de são Carlos, padre Francesco
Tirondola celebrou a primeira missa na capela da nova casa, o zeloso missionário expressou
seu contentamento ao ver que já eram cinco as irmãs e três as aspirantes que integravam a
comunidade: às pioneiras, irmãs Lucia Gorlin, Carmela Tomedi, Vittorina Consoni, haviamse juntado as irmãs Faustina Bosio e Scalabrina Bacchi, chegadas à Itália em setembro; as três
aspirantes eram Angela Morosin, Albina Loro e Natalina Pegoraro. Disse-lhes padre
Francesco, quem sabe quantas vocês serão daqui a 10 ou 20 anos! Também padre Alfonso
Bianchi, sobrinho de Scalabrini, em visita às irmãs alguns dias antes, expressara seus votos de
que o amplo local se povoasse de boas vocações35.
No dia anterior, 3 de novembro de 1936, o bispo de Piacenza d. Ersilio Menzani,
presidira a cerimônia de bênção da nova capela e de uma artística estátua do sagrado Coração
de Jesus, que padre Francesco Tirondola mandara vir de Milão. Participaram da cerimônia,
além das irmãs mscs e das aspirantes, o mesmo padre Tirondola, padre Martini, o engenheiro
Ettore Martini, clérigos scalabrinianos, outros sacerdotes, pensionistas e crianças do jardim de
infância, obra assumida pelas irmãs missionárias scalabrinianas. Na oportunidade, d. Ersilio
Menzani proferiu palavras preciosas, conforme registro no Libro 1o da província san
Giuseppe.
Foram quase sempre os missionários de são Carlos, scalabrinianos, a encaminharem à
piazzeta San Savino as jovens dispostas a consagrarem suas vidas a Deus no serviço
missionário aos migrantes. O crescente número de vocacionadas levou irmã Lucia Gorlin a
solicitar ao cardeal Rossi, em carta de 18 de novembro, sempre em 1936, autorização para
abrir um noviciado da congregação junto à casa de Piacenza. Na mesma época madre
34
35
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral, 1935-1954. Ata n. 86, 29-6-1936 (AGSS 1.12.1).
LIBRO 1o , Provincia San Giuseppe, 4-11-1936.
42
Borromea providenciava a nomeação de irmã Elidia Fanti como mestra de noviças. Irmã
Elidia era, então, assistente da mestra do noviciado são Carlos do Rio Grande do Sul.
Conforme propusera irmã Lucia Gorlin, a 8 de dezembro de 1936 festa da Imaculada,
realizou-se a primeira aceitação de oito postulantes, como que abrindo as portas ao
noviciado são Carlos de Piacenza. A cerimônia foi presidida pelo vigário geral, d. Umberto
Malchiodi que, a par das exortações e conselhos oportunos, fez notar a circunstância
particular do dia, que parecia mesmo programada pelo Senhor como símbolo da solenidade:
a primeira nevada em Piacenza. Na véspera, dia 7, as jovens haviam feito um retiro de
preparação, oportunidade em que padre Tirondola lhes falou do significado dos votos e do
objetivo missionário da congregação mscs36.
Entre janeiro e abril de 1937 outras jovens foram admitidas ao postulantado de
Piacenza. No dia 6 de janeiro foi acolhida Nicolina Fiscarelli, mana de padre Stanislao
Fiscarelli, scalabriniano, mestre de noviços de Crespano. Padre Angelo Corso, reitor do
seminário de Bassano, presidiu a cerimônia. A 11 de fevereiro realizou-se uma nova
admissão. O número de ingressos podia ser bem maior se as condições de manutenção da casa
fossem mais favoráveis. Irmã Vittorina Consoni, que dirigia a escola paroquial aberta a 2 de
outubro com 120 crianças, assumiu a responsabilidade formativa das postulantes até a
chegada de irmã Elidia Fanti, em abril de 1937.
Terminado o tempo de postulantado em base às informações da mestra, irmã Elidia
Fanti e ao parecer de irmã Lucia Gorlin, vigária geral e de irmã Faustina Bosio, superiora
local, nove postulantes foram admitidas ao noviciado: Angela Morosin, irmã Maria Giovanna;
Albina Loro, irmã Francesca; Natalina Pegoraro, irmã Battistina; Antonietta Cavalli, irmã
Angela; Nella Peron, irmã Pia; Pierina Rossi, irmã Giuseppina; Nicolina Fiscarelli, irmã
Stanislaa; Clementina Pin, irmã Carlina; Laura Toso, irmã Ettorina.
A solene cerimônia da vestição realizou-se a 27 de junho de 1937 e foi presidida pelo
cardeal Raffaello Carlo Rossi. As nove postulantes entraram na capela em veste branca, véu e
coroa de rosas, tudo símbolo de pureza, de adeus ao mundo e às suas pompas. Na mão
direita a vela acesa é emblema de fé e afirmação do ato que estão para realizar. Entre os
convidados estavam, além dos padres Francesco Tirondola e Angelo Corso, os clérigos
scalabrinianos e Ettore Martini, feliz e atento à concretização de seu sonho, de ver em um dia
não distante, a grande casa se tornar um noviciado completo. Ao tomar a palavra, entre
tantas coisas, o cardeal Rossi disse que no retorno da congregação mscs à Itália podia-se
constatar como Deus conduz suas obras por caminhos que ele mesmo fixa. O Cardeal
manisfestou sua certeza no futuro da fundação em Piacenza: com esse retorno à Itália, aqui
onde a congregação viu seu nascer, aqui junto ao túmulo do Fundador vocês são as pioneiras
de um grande número de almas destinadas a seguir seus passos37.
Também padre Francesco Tirondola alguns meses antes, em carta a madre Borromea
Ferraresi, expressara sua convicção quanto à importância do noviciado de Piacenza: desse
noviciado as missionárias de são Carlos retomarão na igreja seu lugar de missionárias para
os emigrados38.
36
Ibid., 8-12-1936.
Ibid., 27-6-1937.
38
TIRONDOLA, Francesco. Lettera a Borromea Ferraresi. Piacenza, 28-2-1937 (AGSS 1.5.5).
37
43
1.2.5 Criação da província italiana
Os fatos subseqüentes à chegada das irmãs missionárias de são Carlos à Piacenza
incluíram passos promissores, mas também desafios de toda sorte que dificultaram a trajetória
apenas iniciada. Graças à força do carisma e à colaboração de assíduas e oportunas mediações
as irmãs puderam remover uma após outra as dificuldades que se lhes apresentavam. A
consolidação da presença scalabriniana feminina na Itália implicaria a superação desses
obstáculos e teria na criação da terceira província da congregação mscs um dos seus mais
expressivos momentos.
Os meses sucessivos ao retorno do instituto à Piacenza foram, de fato, árduos para as
irmãs missionárias de são Carlos estabelecidas no histórico prédio da piazzetta San Savino,
29. No livro de ocorrências da Província a cronista registra duas atitudes comuns de parte das
irmãs pioneiras: uma, de contentamento pela ação empreendida que viam confirmada por
Deus através dos avanços feitos e das próprias provações; outra, de preocupação com a falta
de meios e com a necessidade de regularizar a obra.
A carência de recursos foi suprida, pouco a pouco, pela ação de generosos benfeitores.
Além de contribuições em dinheiro e das necessárias reformas realizadas no prédio em que
habitavam, chegaram à nova comunidade desde as âmbulas para a celebração eucarística e
objetos ligados à memória de João Batista Scalabrini, até móveis e imagens como a do
Coração de Jesus que padre Francesco Tirondola mandara buscar em Milão a fim de que,
contemplando-a, as irmãs pudessem alimentar a confiança no Senhor e tudo esperar da
providência divina. A estátua, conforme referimos, foi benta a 4 de novembro de 1936. Na
oportunidade padre Tirondola lembrou que as irmãs, apenas chegadas à Piacenza, igual aos
discípulos de Emaús viveram horas de incerteza, mas transcorridos poucos meses podiam ver
como a comunidade crescia em número e como Deus a tudo providenciava.
A 1o de junho de 1937 as irmãs registraram no livro 1o uma feliz constatação: há um
ano, 1o de junho de 1936, junto ao túmulo de Scalabrini eram somente quatro, incluída a
Superiora Geral; um ano depois já somavam 15 entre professas e postulantes. Não lhes
parecia verdade, contudo, era real. Reconhecidas a Deus, expressavam a certeza de serem
ainda mais numerosas em 1938 porque acreditavam que o Fundador continuaria a abençoálas.
Com efeito, um ano depois, em maior número a comunidade scalabriniana feminina de
Piacenza participaria da cerimônia de transladação dos restos mortais de João Batista
Scalabrini, do cemitério à catedral, sendo aquele 1o de junho de 1938 um dia glorioso e de
grande consolação para a Diocese e, em especial, para toda a família scalabriniana.
Como nos primeiros tempos, apesar das provações, o decênio 1937-1947 seria de
excepcional vitalidade para a congregação das irmãs de são Carlos na Itália. Tal aconteceu
porque as irmãs e os mediadores do retorno, guiados pelo querer de Deus, fizeram cada qual a
sua parte. Uma vez dado o primeiro passo, a fé na providência de Deus, a coragem obstinada,
o anseio de ver crescer o instituto para favorecer a realização de sua missão na igreja,
tornaram-se notas características desse período que foi de construção da província italiana, a
terceira da congregação mscs em ordem cronológica.
Fortalecida a base da futura província, teve início o seu processo de expansão. Em
dezembro de 1938 irmã Lucia Gorlin acompanhou as primícias do noviciado de Piacenza até
Roma, onde passaram a constituir uma nova comunidade junto ao colégio São Carlos, dos
padres scalabrinianos: irmãs Giovanna Morosin, Francesca Loro e Angela Cavalli.
44
Em julho de 1939 outra comunidade foi aberta em Bassano del Grappa, com a
finalidade de prestar serviço aos estudantes scalabrinianos que se preparavam para o
sacerdócio. As oito missionárias de são Carlos, pioneiras em Bassano, foram as irmãs:
Scalabrina Bacchi, Giovanna Morosin, Giuseppina Rossi, Stanislaa Fiscarelli, Eugenia
Colombo, Enrichetta Savoldi, Domenica Gherseni, Ersilia Buscarin. O ritmo de trabalho era
intenso nas duas novas comunidades e sem limites a solicitude das irmãs, mesmo que lhes
pesasse o não estar em outro campo de missão com o qual sonhavam, ou seja, junto a
imigrantes.
Nesse ano de 1939 as irmãs missionárias de são Carlos que integravam as
comunidades italianas passaram a conviver com um novo e triste desafio: a segunda grande
guerra que abalou a Europa e o mundo e que se prolongou até 1945. No livro de ocorrências
da época a cronista revela as incertezas e os horrores do conflito, mas também mostra de
quantos males as irmãs foram preservadas. Os registros mais freqüentes são os alarmes no
cotidiano, as horas passadas em úmido refúgio, as preocupações com as crianças da escola, a
obrigatoriedade de seguir os programas do regime fascista, a Pátria dividida, os sinos das
igrejas transformados em armas, as trincheiras substituindo as flores nos jardins, o pão escuro,
o racionamento de quase tudo, a fome, a censura, a solidão, o isolamento, o desespero das
mães, o medo dos aeroplanos inimigos, os bombardeios, as explosões, a destruição, as vítimas
aos milhares.
Em abril de 1945, enfim, com justificada trepidação as irmãs aguardavam o avanço
das tropas libertadoras, entre elas um contingente da FEB, força expedicionária brasileira com
o qual as missionárias scalabrinianas para os migrantes mantiveram significativos contatos,
tendo inclusive levado palavras de conforto aos soldados brasileiros, então distantes da
família e da Pátria. Em maio de 1945 apenas terminada a guerra, estando ainda interrompidas
as comunicações postais, graças à gentileza do comandante do exército brasileiro foi possível
fazer chegar notícias da comunidade de Piacenza, quer à madre Borromea Ferraresi, no Brasil,
quer às coirmãs do colégio São Carlos, de Roma. As irmãs receberam dos brasileiros também
víveres, tão escassos em Piacenza naquela época. Essas constantes referências à grande guerra
de 1939-1945, registradas junto aos assuntos peculiares da vida comunitária, tinham o intuito
de mostrar às irmãs dos anos futuros outros transtornos que assinalaram o início do regresso
da congregação mscs à Itália.
Poucos meses depois de terminada a segunda guerra mundial, a 8 de setembro de
1945, data da primeira profissão perpétua das irmãs da província italiana, a dolorosa
experiência ainda estava bem presente na memória daqueles que a viveram mais de perto, dia
após dia. O inigualável benfeitor Ettore Martini, em palavras proferidas na oportunidade,
acenou à bárbara destruição que a guerra produziu e à portentosa preservação do prédio da
piazzetta San Savino, 29, que abrigava a comunidade das irmãs missionárias de são Carlos. O
engenheiro Martini referiu o potencial demolidor das bombas lançadas sobre Piacenza,
inclusive aquela que caiu no pátio da escola materna assumida pelas scalabrinianas e que, de
modo inexplicável, não explodiu.
Ettore Martini lembrou também o heroísmo das irmãs em suportar durante anos aquela
situação que se poderia chamar de inferno, não fosse a sólida confiança em Deus que elas
testemunharam, transformando o refúgio em capela, cozinha, sala de refeições, dormitório. As
irmãs, afirmou Martini, tinham consciência de que deviam sobreviver e elas queriam viver
para que seu instituto tivesse vida; sem esse sacrifício a casa teria sido ocupada e saqueada.
Com certeza foi o Senhor que mesmo em plena fase bélica fortaleceu, dia após dia, a obra
iniciada.
45
No dia 3 de novembro de 1941 a Gazzetta Ufficiale do reino da Itália publicara o
decreto régio n. 1167, datado de 20 de setembro de 1941, de reconhecimento da
personalidade jurídica da província italiana da congregação das irmãs missionárias de são
Carlos, scalabrinianas, com sede em Piacenza39. A 21 de dezembro do mesmo ano as irmãs
foram informadas também de que havia sido definida a favor da congregação scalabriniana
feminina a cessão do prédio da San Savino, 29, que habitavam desde 1936. O fato foi
celebrado com um solene Te Deum de ação de graças à divina Providência, por desejo
expresso de Ettore Martini.
Cerca de seis anos depois, em dezembro de 1947, a congregação Consistorial
remeteria à Superiora Geral o decreto relativo à ereção da província italiana da congregação
das irmãs missionárias de são Carlos. Em minuta do cardeal Raffaello Carlo Rossi a respeito
do assunto, consta:
O território da referida Província se estenderá somente à Itália; fica, porém,
estabelecido que até não ser transferida para a Itália a casa generalícia da
Congregação, a Superiora Provincial da Itália regerá como delegada da Superiora
Geral, também as casas da Congregação eretas ou a serem erigidas na Europa40.
Em março de 1947 a província italiana havia aberto a comunidade de Hayange, na
França, onde trabalhavam em elevado número imigrantes italianos. Foram pioneiras em
Hayange as irmãs: Francesca Loro, Tommasina Bizzotto, Filippina Bordignon, Stefania
Costenaro. Apesar da segunda grande guerra ter bloqueado o crescimento numérico da nova
província, sobretudo nos anos 1941-1944, quase uma centena de irmãs a integravam em 1947.
No início desse ano fora possível à congregação mscs enviar oito irmãs italianas aos
Estados Unidos: Giovanna Morosin, Aurelia Bordignon, Bertilla Scola, Imelda Ronzani,
Gabriella Lucietto, Marcolina Campagnolo, Pierina Caeran e Raffaella Chiovini. Esse e
outros envios missionários do instituto favoreceram a consolidação da presença scalabriniana
feminina também naquele País.
39
GAZZETTA UFFICIALE del Regno d‟Italia. Roma- Lunedi, 3 novembre 1941 – Anno XX.
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Borromea Ferraresi (minuta). Roma, Dicembre 1947 (Archivio del
Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Prot.514/25).
40
46
1.3 Avanços e eventos do instituto na década de 1940
1.3.1 Uma oportunidade histórica
A história dos primeiros anos da década de 1940 assinala a emergência dos Estados
Unidos como nação prestes a se tornar uma superpotência no cenário internacional. A
decadente Europa, então em guerra e dominada por regimes totalitários, aguardava que o
mundo novo viesse libertá-la, até como resgate da dívida que tinha com o velho mundo de
onde milhões de emigrantes haviam saído, levando progresso às terras americanas. Em 1941,
convidadas pelos padres scalabrinianos, as irmãs missionárias de são Carlos estabeleceram-se
em Melrose Park, Illinois. Nas duas décadas posteriores ao conflito mundial a supremacia dos
Estados Unidos tornar-se-ia indiscutível. Em tal contexto as irmãs scalabrinianas
consolidariam sua presença naquela grande nação e criariam em território norte-americano a
quarta província da congregação. Resta saber como nos anos sucessivos o instituto
scalabriniano feminino administrou a histórica oportunidade e realizou sua missão no
disputado espaço imigratório dos Estados Unidos e em outras áreas da América do Norte.
A 22 de maio de 1940 madre Borromea Ferraresi escreveu a d. Benedetto Aloisi
Masella uma carta dizendo ter recebido da Itália a comunicação de que o cardeal Raffaello
Carlo Rossi autorizara a abertura de uma casa na América do Norte e que irmã Faustina
Bosio, na época superiora da comunidade de Piacenza e mais três irmãs italianas com ela
destinadas à nova missão, viajariam aos Estados Unidos em junho daquele ano.
Em resposta, menos de uma semana depois, o Núncio e Visitador Apostólico
expressava esses votos: Queira Nosso Senhor que a Congregação Missionária progrida cada
vez mais e que nos Estados Unidos da América do Norte onde em breve será aberta a
primeira casa, as zelosas Irmãs obtenham os melhores resultados41.
O rumo tomado pela segunda grande guerra alterou o projeto acima, de abertura da
primeira comunidade nos Estados Unidos, prevista para junho de 1940 e integrada por irmãs
italianas. Em carta de 12 de setembro desse ano o superior provincial dos scalabrinianos,
padre Beniamino Franch, que solicitara as irmãs para atuarem no colégio Sagrado Coração,
em Melrose Park, propunha à madre Borromea enviar missionárias do Brasil, dada a urgência
do serviço das religiosas naquele seminário. Escrevia padre Franch nessa carta:
Sabemos que as irmãs destinadas a esse trabalho estão se preparando em Piacenza
com o estudo da língua inglesa e iniciaram os procedimentos para os necessários
passaportes. Vendo agora que a guerra continuará por longo tempo e a necessidade é
urgente pensamos em nos dirigir à senhora, a fim de que pondere se não é o caso de
enviar as irmãs necessárias diretamente do Brasil. Escrevemos a esse respeito ao
nosso superior geral, S. Eminência o cardeal Rossi e estamos esperando sua decisão.
Se este projeto for aprovado por V. Maternidade, pedimos-lhe que nos informe logo
41
ALOISI MASELLA, Benedetto. Carta a Borromea Ferraresi. Rio de Janeiro, 28-5-1940 (AGSS 1.5.5).
47
de modo a podermos providenciar as despesas da viagem e as outras coisas
indispensáveis. O convento ficará pronto para a festa de são Carlos...42
Apesar da dificuldade de conseguir logo irmãs no Brasil, madre Borromea concordava
com a proposta de padre Franch. O Núncio e Visitador Apostólico d. Masella, porém, num
primeiro momento desaconselhou a viagem das irmãs porque, segundo ele, a guerra tornava-a
muito perigosa. Ao ser informado da posição de d. Aloisi Masella, padre Beniamino Franch
escreveu à madre Borromea uma carta datada de 3 de dezembro de 1940, na qual dizia não
condividir com o núncio o temor de perigos e que, graças a Deus, América do Norte e
América do Sul estavam em paz, sendo ótimas as relações entre Estados Unidos e Brasil.
Depois de outras considerações padre Beniamino concluía assim a sua carta:
Sentiria que as nossas irmãs scalabrinianas perdessem esta bela oportunidade de se
estabelecerem nos Estados Unidos e desenvolver a sua obra nesta grande nação!
Outras comunidades de irmãs italianas estariam ansiosas por vir. Sua Excia. D. W.
O‟ Brien, bispo auxiliar de Chicago, me falava mesmo na semana passada, de irmãs
vindas de New York que lhe suplicavam de obter a autorização do Arcebispo de se
estabelecerem em Chicago.
Basta; não quero insistir mais, pense, informe-se melhor e caso mudar de idéia, me
comunique logo.
O Senhor abençoe a senhora e todas as irmãs43.
Estabelecer-se nos Estados Unidos no início da década de 1940 seria, sem dúvida, uma
oportunidade histórica para a congregação mscs. O próprio d. Aloisi Masella mudou de idéia
a respeito da viagem das irmãs, do Brasil aos Estados Unidos, considerando-a segura desde
que feita em determinadas embarcações como o Argentina.
Tão logo lhe foi possível madre Borromea destinou quatro irmãs brasileiras para os
serviços de cozinha, lavanderia e refeitório no seminário scalabriniano de Melrose Park: irmã
Caetana Borsatto, superiora; irmã Albertina Vezzaro, assistente; irmã Laura Migliorini para o
serviço da cozinha; irmã Marina Paggi, auxiliar. As três primeiras irmãs integravam a
província do Rio Grande do Sul e irmã Marina a província de São Paulo.
Ao ser informado por madre Borromea Ferraresi da definitiva notícia do envio de
irmãs mscs aos Estados Unidos padre Beniamino Franch, em resposta, escreveu à superiora
geral em janeiro de 1941:
... estamos esperando dia após dia a vinda das irmãs ao nosso seminário; o belo
convento já está concluído, pronto a lhes dar uma linda e cômoda residência. Verá,
Revma. Madre, que tudo vai dar certo para o desenvolvimento das obras do nosso Pai
e Fundador comum, o servo de Deus, d. João Batista Scalabrini44.
A viagem das missionárias foi marcada para abril de 1941. A Superiora Geral
acompanhou-as até o Rio de Janeiro. Viajaram de trem de São Paulo a Santos e daí, por mar,
42
FRANCH, Beniamino. Lettera a Borromea Ferraresi. Melrose Park, ILL., 12-9-1940 (AGSS 1.5.5).
FRANCH, Beniamino. Lettera a Borromea Ferraresi. Melrose Park, ILL., 3-12-1940 ( AGSS 1.5.5).
44
FRANCH, Beniamino. Lettera a Borromea Ferraresi. Melrose Park, ILL., 24-1-1941( AGSS 1.5.5).
43
48
ao Rio. No dia 8 de abril as quatro irmãs partiram da então capital do Brasil a bordo do
indicado vapor Argentina, chegando a New York dia 21 daquele mês. Ali, ainda a bordo do
vapor, foram acolhidas por algumas senhoras da Ação Católica. Padre Ugo Cavicchi,
missionário scalabriniano, ocupou-se das bagagens, depois acompanhou as pioneiras à sua
residência e à tarde, até Chicago, onde foram recebidas por cinco missionários scalabrinianos.
A 22 de abril seguiram em dois automóveis para Melrose Park. Nesse dia as quatro
missionárias scalabrinianas iniciaram suas atividades no seminário Sagrado Coração.
Em telegrama enviado por irmã Caetana Borsatto à madre Borromea consta: Chegadas
destinação contentíssimas lugar satisfaz todas maneiras. Agradecimentos Senhor graças
concedidas. A irmã encarregada de o registrar em Fatos Salientes da congregação acrescentou
esta frase: Senhor, graças vos sejam dadas por terdes protegido durante a viagem marítima,
nestes tristes tempos, as irmãs que embarcaram para o Norte América e de tê-las feito chegar
felizmente ao porto45. Em meados de maio padre Beniamino Franch informava a Superiora
Geral:
Tenho a satisfação de poder lhe comunicar que as irmãs se ambientaram bem neste
mês de permanência nos Estados Unidos. Têm seu confessor ordinário e
extraordinário designados pelo Bispo, obtiveram permissão de ter a santa missa
celebrada em sua capela e a faculdade da bênção eucarística conforme vossas
tradições e costumes. Foram já apresentadas ao Arcebispo de Chicago, d. Stritch. Dia
7 de maio tiveram seu retiro mensal com pregação.
Portanto, se demorei responder, posso lhe dar em compensação estas boas notícias e
acrescento que eu e os meus superiores do seminário Sagrado Coração estamos
satisfeitos com nossas coirmãs46.
Instrumento de Deus, padre Beniamino Franch ofereceu às suas coirmãs da
congregação de são Carlos, em um momento histórico excepcional, essa oportunidade de
expansão missionária. Iniciada com sólidos alicerces, ainda que não sem sacrifícios, aliás,
como na história das migrações em todos os tempos, a nova comunidade tornou-se ponto de
partida da atual província nossa senhora de Fátima. O registro em Fatos Salientes e as
informações contidas na carta de padre Franch oferecem elementos para uma interessante
reflexão sobre aspectos essenciais da vida do instituto na década de 1940.
A comunidade aberta em Melrose Park em abril de 1941 foi um fato importante para
as irmãs de são Carlos, quer pela fecunda atuação missionária ali desenvolvida, quer pelo
campo apostólico que se lhes descortinou, de realização da missão do instituto nos Estados
Unidos e em outros países, como se verá. A cooperação da então nascente província são José,
proposta em 1940 também como alternativa para a manutenção do noviciado de Piacenza e só
possível depois de terminada a segunda grande guerra, facilitaria a difusão da congregação
mscs na América do Norte.
Em um cartão-postal do novo colégio scalabriniano de Melrose Park, Illinois, enviado
de Chicago às irmãs de Piacenza pelo padre Francesco Tirondola e datado de 7 de maio de
1937, o missionário como que antecipara com uma larga bênção a expansão do instituto
scalabriniano feminino nos Estados Unidos, ocorrida poucos anos depois47.
45
FATOS SALIENTES: 1940-1945 ( AGSS 1.12.3).
FRANCH, Beniamino. Lettera a Borromea Ferraresi. Melrose Park, ILL., 14-5-1941 ( AGSS 1.5.5).
47
LIBRO 1o, Provincia San Giuseppe. Piacenza, 1937.
46
49
Padre Tirondola incentivou o desenvolvimento da congregação mscs nos Estados
Unidos. Em carta à madre Borromea, de 22 de janeiro de 1941, informava-a sobre o progresso
das comunidades na Itália, sugeria encaminhar irmãs a uma necessária qualificação
profissional, adiantava-lhe que Ettore Martini doaria às irmãs missionárias de são Carlos
também a casa de campo de sua propriedade e revelava-se outra vez mediador ao recomendar
a padre Beniamino Franch, como escreve, que tivesse paciência e que, não obstante o retardo
causado pela guerra, reservasse para as irmãs scalabrinianas a missão no seminário Sagrado
Coração, em Melrose Park. Afirmava padre Francesco, na carta à Superiora Geral, que
estabelecer-se nos Estados Unidos significaria ajuda financeira e maior desenvolvimento para
o instituto scalabriniano feminino.
1.3.2 Desenvolvimento da congregação mscs nos Estados Unidos
No início da década de 1940, apesar do desafio da segunda grande guerra e de outras
dificuldades de caráter interno, a congregação mscs soube aproveitar a oportunidade que se
lhe ofereceu de expandir sua ação missionária nos Estados Unidos, país emergente, de
economia sólida e de forte atração de fluxos migratórios internacionais. O envio de irmãs
italianas alguns anos depois possibilitaria oportuno reforço à comunidade de Melrose Park,
bem como a abertura de novas casas da congregação nesse importante País de imigração. O
desenvolvimento da missão scalabriniana feminina nos Estados Unidos teve como fatores
fundamentais o desempenho das irmãs mscs ali enviadas, a cooperação dos padres
missionários de são Carlos e a participação de generosos benfeitores, sobretudo da
comunidade ítalo-americana local.
As irmãs missionárias de são Carlos, presentes nos Estados Unidos desde abril de
1941, empenharam-se para que tudo desse certo e mesmo que lhes pesasse a distância e em
alguns aspectos sentissem o isolamento, com fé, espírito de pertença e perseverante
devotamento à missão que lhes fora confiada, contribuíram para o desenvolvimento da obra
scalabriniana naquele país.
Ainda em 1945, conforme consta em relatório da direção geral relativo aos anos de
1935 a 1947, as missionárias scalabrinianas abriram em Melrose Park um jardim de infância
que acolhia em média 55 crianças, o que aumentou os encargos das irmãs. Ao término da
grande guerra, logo a congregação retomou a projeto do envio de irmãs, da Itália para os
Estados Unidos. As motivações eram, além de auxiliar as irmãs pioneiras sobrecarregadas de
trabalho, a possibilidade de novas fundações, tendo em vista realizar a missão do instituto e
assegurar, outrossim, recursos financeiros de que a congregação necessitava.
Em carta datada de 1o de abril de 1946 e endereçada à madre Borromea Ferraresi o
scalabriniano, padre Giovanni Sofia, encarregado de providenciar a documentação das
missionárias de são Carlos a serem enviadas aos Estados Unidos, diz que eram 12 as irmãs da
Itália que se preparavam para a missão naquele país. As práticas arrastaram-se por vários
meses. A 5 de fevereiro de 1947 foi comunicada à Piacenza a autorização para a viagem de
oito missionárias scalabrininas.
Nessa data o livro 1o da história da província são José, que interpreta a iniciativa do
envio de irmãs da Itália aos Estados Unidos como sendo um passo gigantesco de progresso e
vitalidade, registra a emoção vivida pela comunidade de Piacenza na despedida de cinco das
oito irmãs destinadas ao Norte. Os sentimentos eram de gratidão a Deus, de contentamento,
mas também de tristeza: Um vínculo de indissolúvel afeto queria anular toda a idéia de
separação. A ordem de embarque imediato surpreendeu a comunidade: Em apenas uma hora
50
e meia mais ou menos, bagagens-baús e as irmãs estão já na estação à espera do trem direto
que deverá levá-las a Roma. A Superiora e a Mestra de noviças as acompanharam: O
derradeiro adeus é triste, extremamente doloroso, afetuosíssimo. Passados aqueles instantes
que só o coração saberia descrever, o trem partiu, levando as irmãs48.
Foram as seguintes, as cinco missionárias scalabrinianas que partiram de Piacenza
naquele dia: irmã Marcolina Campagnolo, irmã Gabriella Lucietto, irmã Pierina Caeran, irmã
Aurelia Bordignon, irmã Imelda Ronzani. As irmãs Raffaella Chiovini e Giovanna Morosin,
que já se encontravam em Roma, mais irmã Bertilla Scola, completavam o grupo de oito
missionárias enviadas aos Estados Unidos em fevereiro de 1947, significando um substancial
reforço à consolidação da presença scalabriniana feminina, há quase seis anos naquele país.
Irmã Bertilla Scola viajara no dia anterior, 4 de fevereiro, via aérea, em companhia da
vigária geral, irmã Lucia Gorlin. As demais irmãs partiram do porto de Nápoles dia 9 de
fevereiro a bordo do Marine Falcon. Em carta às irmãs de Piacenza escrita na véspera da
partida, 8 de fevereiro, irmã Giovanna Morosin comunicava-lhes que todas já estavam em
Nápoles onde eram hóspedes das irmãs do Bom Pastor, sendo por elas acolhidas com muita
cordialidade. Padre Giovanni Sofia providenciara também um carro pontifício para o
transporte da bagagem e das irmãs em sua chegada à cidade e para o embarque.
A mesma irmã Giovanna, em nome de todas, escreveria logo dos Estados Unidos nova
carta às irmãs de Piacenza, informando-as sobre a viagem e chegada das sete missionárias a
New York. A irmã conta que, ainda em Nápoles, dois órfãos de mãe foram confiados às
missionárias de são Carlos. Com o pai, as crianças emigravam aos Estados Unidos. Igual a
padre José Marchetti e às pioneiras de 1895, desde o embarque as irmãs foram missionárias
entre os migrantes. A chegada a New York ocorreu a 23 de fevereiro, com três dias de atraso,
em razão das péssimas condições climáticas que ameaçaram a segurança da embarcação,
pondo em risco muitas vidas.
Em registro de 13 de março de 1947, o livro de crônicas de Piacenza faz referências a
um diário de viagem das irmãs, de Nápoles aos Estados Unidos, entregue a padre Sofia, no
qual constava que irmã Imelda, a mais jovem delas, na noite que antecedeu ao embarque das
sete missionárias sonhara com um belíssimo cometa. O astro dirigia de modo prodigioso a
embarcação em que viajavam, agitada por forte tempestade marítima. A mesma irmã Imelda,
no diário,concluía: Foi com certeza Maria, Estrela do mar, potentíssima Rainha, que em
momentos tão trágicos nos deu tanta confiança, tanta coragem e que, protegendo de modo
maravilhoso nossa embarcação, dirigiu-a ao porto seguro49.
Seis anos depois da chegada das primeiras quatro irmãs mscs aos Estados Unidos, o
novo envio permitia ao instituto abrir mais uma comunidade nesse país e assumir outras
atividades em Melrose Park. Irmãs Giovanna Morosin, Aurelia Bordignon e Imelda Ronzani
foram enviadas a uma nova fundação próximo a New York, tendo assumido serviços internos
na casa paroquial de Providence, em julho de 1947. Irmãs Pierina Caeran e Gabriella Lucietto
passaram a atuar na paróquia nossa senhora do Carmo, integrando a comunidade de Melrose
Park. Irmã Bertilla Scola passou a integrar a comunidade do noviciado, aberta também em
1947.
Além de assegurar crescente estabilidade à missão do instituto scalabriniano feminino
nos Estados Unidos o envio de oito irmãs italianas, em fevereiro de 1947, criou condições
para aquisição de uma casa em Melrose Park com vistas à abertura, ali, de um noviciado da
congregação. Promissora, nesse sentido, era a disposição de algumas candidatas locais que
48
49
LIBRO 1º. Provincia San Giuseppe, Piacenza, 1947.
Ibid., março 1947.
51
aguardavam ansiosas a possibilidade de serem admitidas no instituto. Superadas não poucas
dificuldades, em meados de 1947 abria-se o caminho do quarto noviciado da congregação
mscs. Já em abril desse ano madre Borromea Ferraresi enviara ao cardeal Raffaello Carlo
Rossi telegrama nestes termos: Parto para a América do Norte em fins de abril sentimos a
necessidade de abrir um noviciado e comprar casa para tal finalidade. Confiamos que V.
Eminência quererá conceder a devida licença. Favoreça enviar resposta à América do Norte.
Abençoe-nos50.
Poucos dias depois, através de carta de 28 de abril de 1947, o cardeal Rossi
assegurava à Superiora Geral seu apoio à abertura de um noviciado da congregação nos
Estados Unidos, porém, comunicava-lhe que antes de dar a aprovação definitiva precisava
saber onde e como fora adquirido o prédio da nova casa de formação e como seria constituída
a comunidade que devia ser formal e de exemplar observância51.
De Melrose Park onde se encontrava, madre Borromea enviou a Raffaello Carlo Rossi
uma carta datada de 15 de junho de 1947, contendo informações solicitadas pelo cardeal em
fins de abril e encaminhando pedidos relacionados à abertura do noviciado nos Estados
Unidos. Comunicou e solicitou a Superiora Geral nessa carta:
Para esta finalidade, adquirimos uma casa que estamos ampliando e adaptando,
situada à rua 37, Division Street, sempre em Melrose Park. E‟ decorosa e suficiente
para umas vinte pessoas. Completamente separada, se não é o ideal para uma casa de
noviciado, de acordo com o parecer de pessoas autorizadas, pode servir muito bem
em um primeiro tempo, até que a Providência oferecer um local e prédio mais
adequados. Se Vossa Eminência julgar oportuno poderá interpelar os reverendíssimos
padres Corso e Pigato que sugeriram, com os padres Franch e Ansaldi, a aquisição
da mesma.
Sua Eminência o cardeal de Chicago, presentes os padres Corso e Pigato, manifestou
sua satisfação pela abertura do noviciado, dizendo que é coisa ótima começar
humildemente como em Belém.
E agora, Eminência, aproveito a oportunidade da presente carta para solicitar: 1- a
dispensa de todo ou de ao menos três meses do postulantado, visto que as aspirantes
estão com nossas irmãs já há alguns anos; 2- dispensa de idade para as duas
aspirantes: Candida Apuzzo com 38 anos e Giuseppina Spinelli com 31. Além disso,
Eminência, no decreto de ereção do noviciado, peço declará-lo anexo àquele de São
Paulo (Brasil) até quando a Superiora Geral se encontrar no Brasil. Assim poderá
delegar a Superiora daqui para receber as profissões. E‟ este o conselho também de
Sua Eminência de Chicago.
Como mestra de noviças, se Vossa Eminência nada tem em contrário, vem proposta
irmã Maria Caetana Borsatto com 36 anos de idade e 15 de profissão religiosa; como
vice-mestra irmã Marina Paggi com 37 anos de idade e 7 de profissão religiosa e
como terceira irmã, Maria Bertilla Scola com 29 anos de idade e 5 de profissão
religiosa. Dado que no presente são apenas cinco as futuras noviças, peço a Vossa
Eminência que a mestra das noviças possa ocupar por algum tempo também o cargo
de superiora da casa.
Na esperança de que, benignamente, quererá acolher estes pedidos, conceder as
solicitadas dispensas e permitir que quanto antes se abra o noviciado...52
50
FERRARESI, Borromea. Telegramma a Raffaello Carlo Rossi. Bento Gonçalves, Aprile 1947 (AGSS 1.5.5).
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 28-4-47 (AGSS 1.5.5 ).
52
FERRARESI, Borromea. Lettera a Raffaello Carlo Rossi. Melrose Park, IL., 15 Giugno, 1947 (AGSS 1.5.5).
51
52
Um mês depois, a 15 de julho de 1947, o cardeal Rossi enviava à madre Borromea a
tão esperada resposta:
... me é grato poder lhe comunicar que o Santo Padre benignamente dignou-se
conceder todos os favores solicitados por V. R., relativos à ereção canônica do
noviciado em Melrose Park, à nomeação da Mestra das noviças e Superiora da casa
do noviciado e à aceitação no mesmo noviciado das primeiras aspirantes.
Com a presente envio-lhe os relativos rescritos que com solicitude levará ao
conhecimento do Exmo. Cardeal Arcebispo de Chicago.
Não me resta que enviar uma larga bênção à senhora, às irmãs e às futuras noviças,
auspício das mais seletas graças do Senhor...53
A carta do cardeal Rossi, favorável aos pedidos de madre Borromea, de abertura do
noviciado de Melrose Park, da nomeação de irmã Caetana Borsatto como mestra e superiora
da casa do noviciado e da aceitação das primeiras candidatas foi recebida com grande
satisfação pela superiora geral e irmãs da congregação mscs. A autorização da abertura de um
noviciado nos Estados Unidos ficaria registrada no relatório de final de mandato, 1935-1947,
como coisa inesperada, como um privilégio inaudito.
A 23 de fevereiro de 1948, em base às informações da mestra, irmã Caetana Borsatto,
a direção geral reunida em Vila Prudente aprovaria a admissão de cinco candidatas ao
noviciado de Melrose Park. Seus nomes estão assim relacionados no livro de atas das reuniões
do governo geral: Candida Apuzzo, Antonieta Palmisano, Joana Luongo, Josefina Spinelli,
Josefina Cutrara54. A presença mscs nos Estados Unidos, agora enriquecida com as primeiras
vocações locais, estabilizava-se de modo progressivo, abrindo ali à congregação já
cinqüentenária imenso campo pastoral identificado com a missão do instituto.
1.3.3 Qüinquagésimo aniversário de fundação do instituto scalabriniano feminino
No dia 25 de outubro de 1945 a congregação das irmãs missionárias de são Carlos
completou 50 anos de fundação. Ao longo de cinco décadas a vitalidade do carisma permitiu
ao instituto consolidar sua presença na igreja e expandir no velho e novo mundo a sua
atividade pastoral. Até por alternar sofrimentos e alegrias, recuos e retomadas, obstáculos e
êxitos, a trajetória seria lembrada com gratidão pela graça do início e sustentada no tempo
pelo Senhor da história. Desde meados de 1945 a congregação mscs empenhou-se na
programação de festividades celebrativas de seu qüinquagésimo aniversário, que se
realizariam em janeiro de 1946.
Em fins de junho de 1945 na sede geral da congregação em Vila Prudente, São Paulo,
madre Borromea Ferraresi reuniu as conselheiras gerais, irmã Fulgência de Mello, irmã Josefa
Soares, irmã Gema Magrin, mais a superiora provincial de São Paulo, irmã Angelina
Meneguzzo, a secretária geral, irmã Bernardina Miele e ainda irmã Conceição Affonso de
André para tratar da celebração do cinqüentenário de fundação do instituto. Entre outros
aspectos dessa sessão extraordinária o livro de atas das reuniões do conselho geral registra:
53
54
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 15 Luglio, 1947 (AGSS 1.5.5 ).
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral, 1935-1954. Ata n. 142, 23-2-1948 (AGSS 1.12.1).
53
... todas movidas de ardor e entusiasmo declaramo-nos prontas a trabalharmos para
a realização de nossa festa, que esperamos poder contar para dezembro ou janeiro e
possivelmente incluirmos também a inauguração do novo colégio em construção no
Pari. Nossa Revda. Madre encarregou irmã Conceição de alguns trabalhos a
respeito, tomando esta os apontamentos necessários. Determinou-se também imprimir
uma revista a fim de publicar nossas missões e campo de nosso apostolado em nossas
diferentes casas da congregação etc. ... escrever-se-há em seguida a todas as casas a
respeito exortando-as a trabalharem para tal fim e solicitando-lhes auxílios
pecuniares segundo suas possibilidades a fim de enfrentar as despezas que nos
incumbe fazer55.
Em circular enviada a todas as casas das duas províncias do Brasil, datada de 30 de
junho de 1945, madre Borromea comunicava às superioras e irmãs os preparativos com vistas
à comemoração do cinqüentenário de fundação do instituto, bem como das bodas de ouro de
madre Assunta Marchetti. A Superiora Geral apelava à generosidade e iniciativas de todas e
solicitava trezentos ou quatrocentos cruzeiros para cobrir os gastos, além de dados históricos
das fundações, fotos das irmãs, dos alunos, das casas.
No início de setembro, em carta a madre Lucia a Superiora Geral informava:
...estamos trabalhando com todas as nossas forças para poder organizar a festa do
cinqüentenário de fundação de nossa amada congregação, a qual deveria ser dia 25
de outubro próximo, mas em razão de certas circunstâncias foi transferida para o dia
20 de janeiro de 194656.
Ainda em setembro, irmã Conceição Affonso de André apresentou à Superiora Geral
uma proposta-síntese de programação do cinqüentenário. Nela constava um tríduo
preparatório e um dia de solenes festejos. Madre Borromea designou uma equipe de irmãs
para auxiliarem na realização do programa: irmã Bernardina Miele, irmã Romilda Cappellini,
irmã Serafina Gasparin, irmã Cesarina Lenzini, irmã Mercedes Gasparini. Responsável pelos
festejos era irmã Conceição Affonso de André. Da comissão organizadora faziam parte, além
das irmãs relacionadas, uma equipe constituída de leigos, em vista também das demais
solenidades ligadas à inauguração do novo prédio do externato Santa Teresinha do Pari, local
da festa jubilar da congregação.
No dia 25 de outubro de 1945, enquanto prosseguiam os preparativos para a
celebração do jubileu de ouro do instituto, a comunidade de Mirassol festejou, comovida, o
50o aniversário de profissão religiosa de madre Assunta Marchetti. Estavam presentes também
madre Borromea Ferraresi, representando toda a congregação agradecida a Deus e à Cofundadora pela sua exemplar fidelidade ao chamado; irmã Bernardina Miele, da comunidade
de Vila Prudente; Isoleta da Penha, uma das primeiras alunas acolhidas no orfanato Cristóvão
Colombo, São Paulo.
Fixada a data e definido o local da celebração do cinqüentenário da congregação
foram expedidos ofícios, participando os festejos do jubileu às seguintes autoridades: Pio XII,
cardeal Raffaello Carlo Rossi, d. Benedetto Aloisi Masella, d. Carlos Carmelo de Vasconcelos
Mota, d. Jaime de Barros Câmara, d. João Becker, d. José Barea, d. Antônio Zattera, d. Ersilio
55
56
LIVRO DE ATAS das reuniões do Governo Geral, 1935-1954. Ata n. 131, 27-6-1945 (AGSS 1.12.1).
FERRARESI, Borromea. Lettera a Lucia Gorlin. São Paulo, 8-9-1945 (Archivio Provincia San Giuseppe).
54
Menzani, d. Ernesto de Paula, d. Antônio Reis, d. Lafayete Libânio, d. Mauricio da Rocha,
padre Francesco Tirondola, padre Beniamino Franch, comendador Ettore Martini, padre
Giovanni Sofia, mons. Antônio Ramalho, mons. Giovanni Cicognani, entre outras.
Impossibilitado de comparecer às festividades, d. Benedetto Aloisi Masella
comunicou ter delegado o abade do mosteiro de São Bento, Domingos Schelhorn, para
representá-lo. O Núncio telegrafou à secretaria de estado do Vaticano, pedindo a bênção do
papa Pio XII sobre a congregação mscs. Em resposta recebeu este radiograma com data de 20
de dezembro de 1945: SUA SANTIDADE ABENÇOA COM SATISFAÇÃO
SCALABRINIANAS
QÜINQUAGÉSIMO
FUNDAÇÃO
DESEJANDO-LHES
CONSOLADORES PROGRESSOS. MONTINI57.
As demais mensagens recebidas foram também portadoras de bênçãos, ricas de
estímulo e de promissores votos. A de d. Raffaello Carlo Rossi dizia ainda: Possam as boas
irmãs scalabrinianas continuar a fazer tanto bem, segundo o espírito de seu venerado
Fundador que as quis para a assistência aos italianos emigrados58.
A segunda grande guerra, mesmo que já terminada, impediu às irmãs representantes
da província da Itália e dos Estados Unidos de participarem dos festejos que se estenderam
por quatro dias, de 17 a 20 de janeiro de 1946. No mais, as festividades do jubileu
transcorreram conforme a programação, gratificando a comissão de honra, a comissão
organizadora, as irmãs todas e os convidados que delas participaram.
Nos três dias precedentes a 20 de janeiro foi realizado solene tríduo dedicado à
criança, à jovem, à família. A programação de cada dia do tríduo constou de duas partes, uma
religiosa, outra recreativa. No dia 18, dedicado à jovem, o programa incluiu a bênção e
entrega da bandeira da congregação mscs à madre Borromea Ferraresi.
Dia 20 de janeiro de 1946, às 9 horas, houve missa pontifical celebrada por d. Antônio
Zattera, bispo de Pelotas, diocese do estado do Rio Grande do Sul, que fora pároco em Bento
Gonçalves e benfeitor da congregação. Às 15 horas, após a cerimônia de bênção do novo
prédio do externato Santa Teresinha, foi executado o hino nacional brasileiro. A seguir, dr.
Miguel Paulo Capalbo saudou as autoridades religiosas e civis, discorrendo sobre a vida de
João Batista Scalabrini que é identificado no programa como fundador canônico da
congregação. Seguiram-se as execuções do hino da congregação, do hino pontifício e, por
fim, houve solene TE DEUM de ação de graças, consagração da congregação mscs ao
puríssimo Coração de Maria e bênção do SS. Sacramento.
Com a finalidade de preservar a memória da celebração do cinqüentenário da
congregação e em homenagem de gratidão à comissão organizadora, a 10 de fevereiro de
1946 no externato Santa Teresinha do Pari, em solenidade especial, foi descerrada uma placa
comemorativa das festas jubilares.
Da mesma forma, o álbum do cinqüentenário preserva no tempo aspectos
significativos do evento. A publicação destaca, entre outros momentos, o da entrega simbólica
da bandeira à congregação mscs na pessoa de madre Borromea Ferraresi, em cerimônia
realizada dia 18 de janeiro de 1946, como vimos. O símbolo do instituto é assim descrito e
interpretado:
Dividida em três partes para nos lembrar a Trindade Santíssima, principal mistério
de nossa fé.
57
58
MONTINI. Cidade do Vaticano. SVAT GHR 17 1 20 (AGSS 1.14.1).
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 3-2-1946 (AGSS 1.14.1).
55
As côres branca, amarela e azul, dividem-na ainda em duas partes. A parte inferior,
branca-amarela, é a terra onde se passa a nossa vida e onde os nossos dias todos
podem ser de merecimentos, já que as lutas aí, são realidades.
E esta terra simbolizada, traz as côres de nossa santa Igreja, para nos dizer que a ela
unicamente devemos servir. Os interesses dela serão os nossos interesses, os seus
problemas serão os que ajudaremos a resolver com ânimo varonil.
A parte superior, da côr do céu, lembra o nosso maior afeto - a nossa bôa Mãe Maria
Santíssima - Lembra seu manto sob o qual estamos desde êste ano, oficialmente
guardadas, pela consagração solene que lhe fez nossa Congregação. Agora, mais do
que nunca somos de Maria.
Este azul nos lembra ainda o céu, onde nos espera a corôa da vitória, se em vida
tivermos empunhado com garbo a Cruz e se esta vida deixou nas poeiras do caminho
um traço indelével „HUMILITAS‟59.
O álbum traz ainda o escudo da congregação e o hino do cinqüentenário. Do escudo,
com música do maestro Francisco Russo, irmã Letícia Negrizzolo, mscs, dá este sentido:
Nosso escudo brilhando, fulgura
Em celeste áureo-níveo pendão,
Conduzindo nossalma à conquista
De divino eternal galardão
Tudo é paz, tudo é luz, tudo é amor,
Na doçura dum véu côr de anil,
Onde a Virgem Senhora corôa
Da humildade o brilho gentil.
Missionárias no campo da Igreja
A trilhar pela senda da cruz,
Procuremos salvar muitas almas
Completando o sofrer de Jesus!
Não buscamos a glória da terra
Que fenece qual pálida flôr;
Trabalhar e sofrer nos atráe
Só por Vós, Uno e Tríade Amor !
Do hino, com música de padre Constantino Tognoni e letra de Hildebrando Affonso
de André, destacamos a última estrofe:
Graças mil à ação divina
Oh! rendamos neste instante
A semente pequenina
Hoje é árvore gigante60.
59
CINQÜENTENÁRIO da congregação das irmãs missionárias de são Carlos Borromeo, scalabrinianas, 18951945 (AGSS 1.14.1).
60
Ibid., CINQÚENTENÁRIO (AGSS 1.14.1).
56
A releitura de documentos do cinqüentenário da congregação mais de seis décadas
depois, celebrado já o centenário de fundação do instituto, pode tornar menos perceptíveis
aspectos como o envolvimento das comunidades e irmãs no evento. Ao invés, chama atenção
a não referência à mobilidade humana, de manifesta atualidade na época, como em nossos
dias. Também durante o Capítulo Geral de 1948 de que trataremos a seguir, não consta nas
fontes por nós consultadas a abordagem do assunto, que é sempre da maior importância para a
congregação mscs.
1.3.4 Terceiro Capítulo Geral, 1948
Em março de 1941, completado o sexênio de madre Borromea Ferraresi, devia ter-se
realizado o Terceiro Capítulo Geral da congregação mscs. Em razão da segunda grande
guerra, que se prolongou até 1945, a congregação Consistorial determinou a permanência da
Superiora Geral e conselho na direção do instituto. Só depois de terminada a guerra, celebrado
o cinqüentenário de fundação da congregação e concluída posterior visita às irmãs residentes
nos Estados Unidos e na Itália, madre Borromea receberia do cardeal Raffaello Carlo Rossi
instruções relativas à realização do Terceiro Capítulo Geral, marcada para março de 1948.
Ainda em outubro de 1940, através de carta enviada ao Abade do mosteiro de São
Bento, em São Paulo, madre Borromea Ferraresi buscara esclarecimentos sobre como
proceder quanto ao capítulo que deveria se realizar em março de 1941 e em relação às
constituições do instituto, que haviam sido aprovadas ad experimentum por sete anos, prazo
que venceria a 13 de janeiro de 1941.
Cerca de três meses depois do contato com o Abade do mosteiro de São Bento a
Superiora Geral manifestou a d. Benedetto Aloisi Masella sua preocupação a respeito do
capítulo e propôs ao visitador uma alternativa:
Estamos preocupadas quanto ao capítulo porque o tempo passa, aproxima-se o mês
de março e nós ainda não iniciamos os trabalhos. Se a dificuldade é que as irmãs da
Itália não podem estar presentes por causa da guerra, não acharia bom que a eleição
fosse feita através de cédulas secretas? E que as cédulas fossem enviadas diretamente
à Nunciatura? Se V. Excia. aprova, pedimos que nos comunique, assim avisaremos
também as irmãs da Itália para que mandem as cédulas via aérea61.
Poucos dias após d. Masella comunicou à madre Borromea que encaminhara ao
cardeal Rossi pedido de prorrogação, por alguns meses, do mandato da direção geral do
instituto e que solicitara ao mesmo orientação sobre o modo como irmã Lucia Gorlin, vigária
geral e outras irmãs scalabrinianas com direito ao voto, residentes na Itália, participariam do
capítulo eletivo da congregação. A 27 de maio de 1941, em carta à Superiora Geral, d.
Benedetto Aloisi Masella informou ter recebido da secretaria de estado do Vaticano um
telegrama comunicando a decisão: Consistorial determina que superioras scalabrinianas
permaneçam no cargo até nova ordem...62.
Um bilhete do cardeal Raffaello Carlo Rossi, datado de 8 de junho de 1941,
completava a informação:
61
62
FERRARESI, Borromea. Lettera a Benedetto Aloisi Masella. S. Paulo, 25-1-1941 (AGSS 1.5.5).
ALOISI MASELLA, Benedetto. Lettera a Borromea Ferraresi. Rio de Janeiro, 27-5-1941 (AGSS 1.5.5).
57
Escrever à madre Vigária que por disposição do Santo Padre o capítulo geral não se
realizará até que perdurarem as presentes circunstâncias. Enquanto, continuem a
governar o instituto aquelas que atualmente o governam. Assegure-se ainda que se o
capítulo se tivesse realizado, ter-se-iam tomado as providências para que também às
irmãs da Itália, com direito ao voto, fosse possibilitado exercitar tal direito63.
A realização do Terceiro Capítulo Geral da congregação foi adiada por sete anos
durante os quais o instituto continuou a se expandir, sobretudo no Brasil. A seu tempo, a
Superiora Geral recebeu do cardeal Rossi as aguardadas instruções a respeito do capítulo, o
terceiro da congregação mscs, a ser realizado em 1948.
No dia 12 de março desse ano d. Carlo Chiarlo, então núncio apostólico no Brasil,
comunicou à madre Borromea Ferraresi ter delegado mons. Vittore Ugo Righi, auditor da
nunciatura, para presidir em seu nome o capítulo eletivo da congregação. Um radiograma
datado de 24 de março de 1948, enviado da cidade do Vaticano pelo cardeal Rossi à Superiora
Geral, confirmava a indicação de mons. Righi como presidente do Terceiro Capítulo Geral do
instituto.
Depois de tudo preparado, seguindo as instruções recebidas de Roma e em base às
constituições da congregação mscs, reuniram-se na sede geral do instituto em Vila Prudente,
São Paulo, as seguintes irmãs capitulares: madre Borromea Ferraresi, superiora geral; irmã
Lucia Gorlin, vigária geral; irmã Fulgência de Melo, 2o conselheira geral; irmã Josefa Soares,
3o conselheira e ecônoma geral; irmã Gema Magrin, 4o conselheira geral; irmã Bernardina
Miele, secretária substituta; irmã Angelina Meneguzzo, provincial da província de São Paulo;
irmã Joana de Camargo, provincial da província do Rio Grande do Sul; irmã Letícia
Negrizzolo e irmã Carolina Grasti, província de São Paulo; irmã Maria de Lourdes Martins e
irmã Ambrosina Pegoraro, província do Rio Grande do Sul; irmã Elídia Fanti, vigária
provincial e irmãs Enrichetta Savoldi e Prassede Carrara, da província da Itália; Irmã
Albertina Vezzaro e irmã Giovanna Morosin, dos Estados Unidos, uma superiora e uma
súdita, conforme instruções do cardeal Rossi, já que as irmãs residentes nesse país não
estavam constituídas em província. Quanto às irmãs residentes na Itália a orientação de Roma
estabelecera que o capítulo geral eletivo fosse precedido da ereção canônica da província
italiana e da nomeação de uma vigária provincial, que permaneceria no cargo até a posterior
nomeação da superiora provincial64.
De acordo com Fatos Salientes nos dias 28 e 29 de março de 1948, em sessão
preliminar, foi apresentado pela direção geral cessante o relatório e a prestação de contas
correspondente ao período de março 1935 - dezembro 1947. No dia 30 de março de 1948,
depois de eleger a secretária do capítulo, irmã Letícia Negrizzolo e as escrutinadoras, irmã
Elídia Fanti e irmã Carolina Grasti, as capitulares reelegeram madre Borromea Ferraresi para
um novo sexênio. Madre Borromea obteve 12 votos; irmã Joana de Camargo, dois votos;
irmã Faustina Bosio, irmã Fulgência de Melo e irmã Letícia Negrizzolo obtiveram um voto
cada.
Para a função de vigária geral o Terceiro Capítulo elegeu irmã Letícia Negrizzolo, que
obteve 14 votos. A seguir, irmã Alice Milani foi eleita 2o conselheira, tendo obtido dez votos.
Como 3o conselheira foi eleita irmã Ursolina Scopel, que obteve nove votos. Irmã Cândida
63
ROSSI, Raffaello Carlo. Roma, 8-6-1941 ( Archivio del Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e
gli Itineranti. Prot. 514/25 – Bilhete).
64
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 21 Novembre 1947 (AGSS 1.6.3 ).
58
Lunelli, eleita 4o conselheira, também obteve nove votos. Por fim, distribuídas as cédulas para
votação da ecônoma geral, resultou eleita irmã Ursolina Scopel com 11 votos.
Apesar das providências tomadas desde a fase preparatória para que tudo desse certo,
foi cometido um erro de procedimento durante a realização do Terceiro Capítulo Geral
Eletivo: madre Borromea Ferraresi não podia ter sido reeleita, uma vez que já havia
governado a congregação por mais de 12 anos sucessivos, a menos que a reeleição fosse
confirmada pela autoridade competente65. O presidente do Capítulo, mons. Righi, encaminhou
depois o pedido de indulto apostólico exigido em tal caso. O cardeal Rossi logo remediou a
situação, confirmando todas as eleições das irmãs scalabrinianas realizadas no dia 30 de
março de 1948.
No decorrer do primeiro semestre desse ano a direção geral da congregação renovou
os governos provinciais, como segue: no dia 23 de abril irmã Maria Nazaré Machado foi
nomeada superiora provincial da província do Rio Grande do Sul, tendo como 1o conselheira
irmã Maria de Lourdes Martins, 2o conselheira irmã Ambrosina Pegoraro e como secretária
irmã Natália Peroni; em reunião realizada a 2 de junho a direção geral nomeou irmã Luiza
Gonzaga superiora provincial da província de São Paulo e as irmãs Maria Bernardina Miele 1o
conselheira e ecônoma, Maria Cesarina Lenzini 2o conselheira e secretária provincial; na
mesma reunião foi nomeada superiora provincial da província da Itália irmã Faustina Bosio,
tendo por 1o conselheira irmã Elídia Fanti e 2o conselheira irmã Lucia Gorlin. Irmã Jacomina
Veronese foi designada para auxiliar na administração.
Em agosto de 1948 irmã Lucia Gorlin foi nomeada superiora provincial da província
da Itália em substituição à irmã Faustina Bosio, que não assumira a função de superiora
provincial, alegando problemas de saúde. Irmã Elídia Fanti passou a ser 2o conselheira,
ficando irmã Faustina Bosio 1o conselheira e ecônoma e irmã Orsolina Ronzani secretária
provincial.
Ainda sobre o erro de procedimento, o scalabriniano padre Giovanni Sofia escreveu à
madre Borromea, dizendo que ele próprio havia orientado a Vigária Geral de como o capítulo
devia proceder se a Superiora Geral obtivesse a maioria dos votos no primeiro escrutínio. Na
carta, datada de 30 de abril de 1948, padre Sofia retomou a orientação que dizia ter dado à
irmã Lucia Gorlin e que deveria ser seguida em eventual reeleição de madre Borromea
Ferraresi:
... após o primeiro escrutínio, sem dizer nada a ninguém, devia-se de imediato
telegrafar ao Cardeal e perguntar-lhe se confirmava a eleição; se não a confirmava,
fazia-se outra eleição e tudo ficava secreto; se a nomeava, fazia-se a proclamação,
cantava-se o „Te Deum‟, comunicava-se a notícia às várias províncias e depois
procedia-se à eleição das conselheiras...66
Em resposta, madre Borromea agradeceu a padre Giovanni Sofia a carta e disse-lhe
que se tivesse sido orientada a tempo, ela mesma teria falado ao Presidente do capítulo para
que se procedesse de acordo com o que estabelecia a praxe. Madre Borromea Ferraresi
iniciava desse modo um novo sexênio de governo que, por circunstâncias adversas, ela não
concluiria.
65
66
SOFIA, Giovanni. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 30 Aprile 1948 (AGSS 1.5.5).
Ibid. (AGSS 1.5.5).
59
A 2 de maio de 1948, em carta a Raffaello Carlo Rossi a Superiora Geral expressou ao
cardeal sua gratidão pelas dispensas concedidas e disse acolher com humildade, junto às
conselheiras, os desígnios de Deus em quem colocava toda a confiança, ao mesmo tempo que
suplicava ao Espírito Santo luz para conhecer sempre mais o plano divino e a força para
realizá-lo em sua totalidade. Madre Borromea relacionou os seguintes assuntos tratados no
Terceiro Capítulo Geral da congregação mscs:
transferência da sede geral para a Itália, quanto possível no decorrer do sexênio,
dentro de três ou quatro anos;
amortização das dívidas contraídas com as novas construções feitas na província do
Rio Grande do Sul e urgência na melhoria das condições físicas do noviciado da
província de São Paulo e Rio Grande do Sul;
construção de novo prédio do colégio Santa Teresa de Ituiutaba, no estado de Minas
Gerais, Brasil;
modificações na Santa Regra, permanecendo a récita diária do Ofício Parvo de
nossa Senhora.
A carta de madre Borromea incluiu pedido de aprovação definitiva das constituições e
manifestou esta aspiração: Repousaremos em um porto seguro, onde não teremos mais nada a
temer quando a sagrada confirmação da Santa Sé vincular de forma incondicional a nossa
Família Religiosa ao coração da mãe Igreja67.
1.3.5 A congregação mscs em 1948
Em agosto de 1948 o papa Pio XII concederia à congregação das irmãs de são Carlos a
esperada aprovação do instituto e a aprovação definitiva das constituições, realizando a
aspiração das irmãs mscs. O dúplice benefício seria obtido em um tempo de relevante
progresso da congregação scalabriniana feminina. Nos 13 anos decorridos entre o capítulo
geral de 1935 e o de 1948 o instituto acrescentou à audaciosa expansão na Itália e nos Estados
Unidos um expressivo crescimento também no Brasil. No desenvolvimento das províncias
brasileiras há de se considerar, além de novas aberturas o progresso de mais antigas
fundações, significando para a congregação um duplo avanço, quantitativo e qualitativo, ao
longo do período 1935-1948.
Pouco a pouco a congregação das irmãs missionárias de são Carlos viu realizar-se a
profética certeza manifestada pelo cardeal Rossi em carta a d. Benedetto Aloisi Masella de 31
de maio de 1935: É um novo ramo que se anuncia florido e exuberante e que junto ao outro
do instituto masculino dará, tenho certeza, frutos fecundos de bem para a salvação de tantas
almas68.
O desenvolvimento da congregação sustentar-se-ia nas numerosas vocações, nessa
época procedentes sobretudo das áreas de colonização italiana do Rio Grande do Sul. Graças a
elas, a presença pastoral do instituto scalabriniano feminino ampliou-se no Brasil durante os
anos 1935-1948, tempo em que ocorreram também as primeiras fundações da congregação na
Itália, Estados Unidos e França.
67
FERRARESI, Borromea. Lettera a Raffaello Carlo Rossi. S.Paulo, 2-5-1948 (AGSS 1.6.3 ).
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Benedetto Aloisi Masella. Roma, 31-5-1935 (Archivio del Pontificio
Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Prot. 514/25).
68
60
Em meados de 1935 o instituto tinha cerca de 30 noviças que se preparavam nos dois
noviciados, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, para assumirem a obra scalabriniana
feminina que contava então com 120 irmãs.
No relatório do período 1935-1947 apresentado ao Terceiro Capítulo Geral de 1948
consta que a Providência, em seus planos inefáveis, sugeriu no momento oportuno ou exigiu
pelas circunstâncias novas fundações que ampliaram o horizonte do instituto e permitiram às
irmãs mscs em diversos campos de apostolado levar a ajuda de Deus a todas as classes dos
necessitados69. Tal generalização, por outro lado, distanciaria o instituto de sua missão
própria, aspecto a ser aprofundado mais adiante.
A primeira comunidade aberta no governo de madre Borromea Ferraresi, como vimos,
foi a de Mirassol na diocese de Rio Preto, interior do estado de São Paulo. As quatro pioneiras
ali chegaram dia 1o de julho de 1935, conforme ata n. 75 das reuniões do governo geral, tendo
assumido a direção da Santa Casa daquela localidade. Sobre essa fundação o relatório 19351947 registra:
Madre Assunta Marchetti, a ex superiora geral, encarnação viva da caridade e da
abnegação, com três irmãs levou aos indigentes de „Mirasol‟ a dedicação materna
com o auxílio material de que necessitavam aqueles pobres. E assim, do céu, os anjos
sorriam à vista daquele espetáculo de caridade e as bênçãos choviam sobre a
congregação, como retribuição de tanto sacrifício e de tanto heroísmo70.
O tempo de permanência de madre Assunta na Santa Casa de Mirassol coincide com
os últimos anos de sua edificante peregrinação missionária. A co-Fundadora morreria 13 anos
depois, no mesmo dia e mês de sua chegada a Mirassol, ou seja, a 1o de julho de 1948.
No decorrer desses anos a província de São Paulo alargou seu espaço pastoral,
assumindo mais fundações, como registra o relatório de 1935-1947:
colégio Santa Teresa, Ituiutaba, no estado de Minas Gerais, obra que a partir de 2
de fevereiro de 1939 passou a ser centro de irradiação de um apostolado fecundo.
Fora fundado a 15 de outubro de 1938.
Hospital Santa Isabel de Jaboticabal, estado de São Paulo, que abriu suas portas aos
indigentes do município. As irmãs de são Carlos assumiram a direção do Santa
Isabel em julho de 1939.
Hospital Santa Ana, Cambará, estado do Paraná. Desde setembro de 1943 a casa de
saúde passou a contar com a solícita presença de irmãs missionárias de são Carlos,
scalabrinianas.
Creche São João Batista da Lagoa, Rio de Janeiro, então capital do Brasil onde a
partir de setembro de 1943, tantas crianças encontraram nas irmãs de são Carlos a
ternura que, pela impiedade das circunstâncias, suas mães não podiam lhes dar. A
casa São João Batista da Lagoa teve solene inauguração, com bênção de d. Jaime de
Barros Câmara e um brilhante discurso proferido pelo dr. Pedro Calmon.
Creche Santo André, em Santo André no estado de São Paulo, idealizada pelo padre
Foscallo e destinada a acolher menores enquanto seus pais e mães trabalhavam.
69
70
FERRARESI, Borromea. Relazione e resoconto, Marzo 1935 – Dicembre 1947 (AGSS 1.6.3 ).
Ibid., Relazione e resoconto, Marzo 1935 – Dicembre 1947 (AGSS 1.6.3).
61
Mantinha jardim de infância e curso primário. Com grande alegria da população as
irmãs de são Carlos passaram a dirigir a obra em janeiro de 1944.
Hospital São José, Ituiutaba, Minas Gerais, 1946, aberto a indigentes necessitados
de heróica dedicação proposta pelo evangelho em todos os tempos.
Hospital São Pedro, Santo André, estado de São Paulo. Em maio de 1947, cerca de
apenas um ano após a fundação, as irmãs mscs retiraram-se em razão de problemas
surgidos com a diretoria do Hospital.
Nunciatura Apostólica, Rio de Janeiro. Em resposta ao convite do núncio d. Carlo
Chiarlo, que a direção geral acolheu como honrosa preferência, a 24 de abril de
1947 as irmãs de são Carlos, scalabrinianas, assumiram a direção dos serviços
internos daquela casa.
No mesmo período, 1935-1947, ocorreram na província do Rio Grande do Sul e todas
em território gaúcho, as seguintes novas fundações:
colégio São Carlos, Caxias do Sul, 1936. Era profunda a aspiração que as irmãs
tinham de abrir um ginásio nessa próspera cidade, onde em 1934 fora fundado o
pensionato D.Bosco. Expressa-a com estas palavras o relatório da direção geral lido
por ocasião do Capítulo de 1948: Quantas lutas e trabalhos os anjos não
registraram nessa empresa! Confiamos que prospere sempre mais para a maior
glória de Deus e das almas.
Hospital São Carlos, Farroupilha. Conforme relatório de 1927-1934,
complementado com a relação das demais atividades realizadas pelo governo geral
até o Capítulo de 1935, a 6 de março desse ano começara a funcionar em
Farroupilha o sanatório Nova Vicenza, sob a direção das irmãs missionárias de são
Carlos. Já, no relatório de 1935-1947 consta a abertura, em 1935, do hospital São
Carlos de Farroupilha onde as irmãs continuavam a se dedicar à cura das feridas
íntimas e externas dos pobres enfermos.
Escola Nossa Senhora de Caravágio, Farroupilha, 1937. A presença das irmãs de
são Carlos junto às crianças da terra de Maria teve como objetivo glorificar a
Santíssima Virgem que ali manifesta quase de modo visível a sua especial
assistência e atrair sobre a congregação suas maternas bênçãos. Lê-se ainda no
relatório de 1935-1947:
Há tempo a Virgem gloriosa vinha ao nosso encontro com inefável ternura e, aos seus
cuidados havíamos confiado a abertura do noviciado de nossa Província. Agora, com
a fundação em sua terra, vínhamos cumprir uma promessa de justa gratidão,
suplicando-lhe que continue a nos assistir71.
Hospital Nossa Senhora Aparecida, Paraí, 1937.
Hospital Nossa Senhora de Lourdes, denominado depois hospital Santo Antônio,
Sarandi, 1938.
Seminário São Carlos, padres scalabrinianos, Guaporé, 1939.
Hospital Del Mese, Caxias do Sul, 1939.
71
Ibid., Provincia dello Stato del Rio Grande do Sul.
62
Hospital Nossa Senhora de Lourdes, Nova Bassano, 1940.
Hospital São João Batista, Nova Bréscia, 1941.
Hospital Brasil, depois Padre Catelli, Anta Gorda, 1942.
Instituto de Clínicas Alto Taquari, Roca Sales, 1943.
Hospital Municipal São Francisco de Borja, Guaporé, 1943.
Escola Sant‟Ana, Paraí. Ao hospital Nossa Senhora Aparecida foi anexada, em
1943, a escola paroquial Sant‟Ana de modo a exercitar as irmãs, como consta no
relatório, à dupla finalidade: sanar os corpos e sanar as inteligências dos
pequenos, dissipando as trevas da ignorância.
Hospital Militar, Bento Gonçalves, 1945.
Escola Paroquial Santa Catarina, Caxias do Sul, 1945.
Casa da Menina, Rio Grande, 1946. A população dessa cidade-porto solicitou com
insistência a presença pastoral das irmãs missionárias de são Carlos. Em resposta,
duas autênticas missionárias, imbuídas do verdadeiro espírito da Ação Católica,
tão preconizada pelo Soberano Pontífice, receberam o encargo de „Assistentes
Sociais‟ e vão desenvolvendo entre os ferroviários sua ação benéfica, registra o
relatório 1935-1947.
Escola Nossa Senhora de Fátima, Caxias do Sul, 1946.
As fundações do instituto no Rio Grande do Sul, em sua maioria localizadas na
encosta do planalto gaúcho, demonstram a solidariedade das irmãs de são Carlos no levar em
conta a realidade espiritual e material daquelas populações ligadas à migração. Os imigrantes
que povoaram a área eram, em sua quase totalidade, provenientes da região do Vêneto, norte
da Itália.
A concentração de obras do instituto no Rio Grande do Sul, de outra parte, continuará
nas décadas de 1950 e 1960 apesar das mudanças então ocorridas no campo da mobilidade
humana, tanto no estado, como no Brasil e no mundo. Madre Borromea Ferraresi
manifestava-se convicta de que a missão da congregação mscs era a assistência aos
emigrados italianos. Ao comunicar a abertura da missão de Hayange na França, como vimos
ocorrida em 1947, a Superiora Geral escreveu:
Com a supressão quase total do movimento emigratório no Brasil as atividades da
Congregação se difundem em outros campos de apostolado. Eis que na França se
oferece oportuna ocasião de exercitarmo-nos na principal obra para a qual foi
fundado nosso instituto religioso: „A assistência aos emigrados italianos‟72.
Além de novas fundações o desenvolvimento da congregação no Brasil impôs ao
longo dos anos sempre melhor qualificação das irmãs e passos novos às obras mais antigas
que se haviam consolidado. No início da década de 1940 os colégios São Carlos de Bento
Gonçalves, Scalabrini de Guaporé, Nossa Senhora de Lourdes de Farroupilha, em especial,
exigiam a abertura de outros cursos e a construção de prédios mais adequados às renovadas
realidades. A respeito do colégio São Carlos de Bento Gonçalves, observava madre
Borromea:
72
Ibid., Francia.
63
... foi a pedra angular da Província do Sul. Modesto no início. Progredindo sempre,
as adaptações tornaram-se insuficientes. Urgia a construção de um edifício que
correspondesse às exigências. Construiu-se, banhado de suores mais ingentes e com
sacrifícios sem medida. As circunstâncias reclamavam a abertura do curso
secundário e inaugurou-se o ginásio „Nossa Senhora Medianeira‟. E‟ hoje a principal
casa da Província, talvez também da Congregação e segue fazendo grande bem a uma
falange de jovens, as quais vão adquirindo com a ciência os santos ensinamentos de
Nosso Senhor73.
73
Ibid., Provincia dello Stato del Rio Grande do Sul. Nota: para conhecer outros aspectos do desenvolvimento da
congregação mscs propomos a leitura do fascículo, Desenvolvimento da Missão nas Américas ( 1895-1975), de
Lia Barbieri.
64
Parte 2 – 1948-1960
______________________________________
APROVAÇÃO DO INSTITUTO E DAS CONSTITUIÇÕES
GRADUAL DISTANCIAMENTO DA CONGREGAÇÃO MSCS DO
PROJETO PASTORAL DE JOÃO BATISTA SCALABRINI
65
Aprovação do instituto e das constituições
Gradual distanciamento da congregação mscs do projeto pastoral de João Batista
Scalabrini
O período em estudo nesta parte dois do segundo volume da história das irmãs
missionárias de são Carlos, scalabrinianas, situa-se entre os anos de 1948-1960 e, como na
parte um, desenvolve-se em três unidades: flash do contexto mundial em meados do século
XX, com destaque à realidade eclesial às vésperas do concílio Vaticano II e particular realce à
constituição apostólica Exsul familia, de Pio XII; aprovação do instituto e aprovação
definitiva das constituições da congregação mscs, crise interna no decorrer do triênio 19481951 e nomeação de nova direção geral; outros passos e gradual desvio da finalidade original
do instituto scalabriniano feminino.
No decorrer de 1948-1960, enquanto a sociedade humana ainda refazia-se do abalo
provocado pela segunda grande guerra, acentuava-se a polarização do mundo sob a proteção
de duas superpotências emersas do conflito bélico: Estados Unidos e União Soviética. O
confronto entre ambas, conhecido como guerra fria, alternou momentos ora mais, ora menos
críticos. De modo paralelo, teve início o processo de descolonização que levou ao surgimento
na Ásia e na África de dezenas de novos países os quais, junto aos da América Latina onde já
se evidenciava a desintegração dos regimes populistas, passaram a constituir o chamado
Terceiro Mundo. A situação de subdesenvolvimento desses países dificultou seu nãoalinhamento com os Estados Unidos ou com a União Soviética.
Em tal contexto transcorriam os dez últimos anos do pontificado de Pio XII, tempo em
que o papa continuou a alertar sobre a ameaça do comunismo e sua gradativa infiltração no
mundo. No interno da igreja católica, crescia o anseio de renovação contido ao longo de
décadas. Ao papa Pio XII, em outubro de 1958, sucedeu João XXIII. O novo Pontícife, já no
mês de janeiro de 1959, anunciou a convocação de um concílio ecumênico que marcaria
sobremodo a história da igreja.
Uma atenção especial foi dada pelo papa Pio XII à mobilidade humana. As tendências
do fenômeno migratório em meados do século XX, sobretudo o das massas de refugiados no
pós-guerra, explicam as razões e a importância da constituição apostólica Exsul familia de Pio
XII, datada de 1o de agosto de 1952.
Nessa época de mudanças profundas em âmbito mundial, a congregação obteve da
igreja o decreto de aprovação como instituto religioso e a aprovação definitiva de suas
constituições, fato que respondeu à aspiração, mais vezes expressa pelas irmãs mscs. A fase,
por outro lado, registra um suceder-se de tensões internas na congregação, ocorridas no triênio
1948-1951, que culminaram com o afastamento de madre Borromea Ferraresi do governo do
instituto, sendo nomeada superiora geral, madre Joana de Camargo. Na história da
congregação mscs o episódio destoa ainda mais, considerado o momento pelo qual o instituto
scalabriniano passava.
Madre Joana de Camargo, junto a um novo conselho geral, completou o sexênio de
madre Borromea Ferraresi iniciado em 1948 e interrompido em meados de 1951. Suspenso o
66
capítulo geral que devia acontecer em 1954, madre Joana foi confirmada na função até o
Quarto Capítulo Geral, realizado em 1960. Independente da crise interna e de suas óbvias
conseqüências, a década de 1950 continuou a ser de visível crescimento para a congregação,
manifestado também na criação da província dos Estados Unidos. No Brasil, o instituto
distanciou-se do migrante, o que resultou em gradativa descaracterização da sua atividade
pastoral.
67
2.1 Flash do contexto mundial em meados do século XX
2.1.1 Polarização e não-alinhamento
Depois da segunda grande guerra ocorreu substancial mudança na esfera política
internacional, conseqüência de dupla atração exercida por duas ideologias, uma orientada para
o capitalismo, outra para o comunismo. O profundo antagonismo entre os dois sistemas, o
capitalista, tendo à frente os Estados Unidos, nação que emergiu do segundo conflito bélico
na condição de maior potência mundial e o socialista, liderado pela Rússia, então segunda
potência do globo, acentuou a disputa dos dois blocos pela conquista de mais áreas de
influência. Um mundo assim polarizado, sob a ascendência dos Estados Unidos e da União
Soviética, favoreceu e até forçou o alinhamento dos países menos desenvolvidos com uma ou
outra das duas potências hegemônicas. Essa questão foi tema de conferência realizada em
Bandung, Indonésia, em 1955.
Para manter e fazer jus à supremacia de que desfrutavam e cumprir as obrigações
decorrentes da posição hegemônica, Estados Unidos e União Soviética entenderam necessário
adequar sua política externa, usando estratégias que visavam conter avanços do opositor e
ampliar a própria área de influência.
Ainda no ano de 1947, conforme vimos na parte um, o presidente norte-americano
Harry Truman em breve discurso ao congresso estadunidense, acentuara a expansão do
comunismo na Europa oriental e declarara que os Estados Unidos deviam auxiliar qualquer
país que tivesse ameaçada a sua independência.
Naquela circunstância, uma das preocupações de Truman era a pressão da Rússia
contra a Grécia e a Turquia países cuja independência, na percepção do presidente norteamericano, era essencial à preservação da integridade do oriente médio. Convicto disso
Truman solicitou e obteve do congresso a aprovação de um projeto de lei que garantiu a verba
necessária ao envio de armas e ajuda econômica aos dois países. Na verdade, além do receio
de que a Rússia se expandisse até o Mediterrâneo estavam em jogo, então como hoje, os
interesses petroleiros ingleses e norte-americanos no oriente médio74.
É inegável que o plano Marshall como programa de recuperação da Europa no
imediato pós-guerra, do mesmo modo que a doutrina Truman, contribuiu para manter nações
e pontos estratégicos sob a influência norte-americana. Por outro lado, também não se pode
negar que através do plano Marshall, além de garantir seu próprio desenvolvimento, os
Estados Unidos pretendiam contribuir, de maneira efetiva, para assegurar ao mundo uma paz
duradoura.
Já a Rússia, ao emergir do conflito bélico de 1939-1945 na condição de segunda
potência mundial, comportou-se de maneira diferente em sua política externa no pós-guerra.
Em um primeiro momento o País precisou de tempo para reconstruir quanto fora destruído em
seu próprio território: à parte as perdas humanas, cidades e povoados, fábricas e ferrovias
completavam um quadro de devastação.
74
BURNS, Edward M. História da civilização ocidental, op. cit., p. 972-3.
68
Assim que, pode parecer razoável supor que algumas singulares atitudes tomadas
pela Rússia no trato com as demais nações sejam atribuídas em certa medida às terrificantes
perdas que sofreu durante a guerra. Segundo Burns a Rússia, ressentida por ter sido
obrigada a fazer tão grandes sacrifícios, tornou-se presa da obsessão da segurança como
meta a ser atingida sem levar em conta o que isso pudesse custar aos seus vizinhos. Uma
atitude de desconfiança caracterizou a política externa russa, até porque convinha que a
população acreditasse que seu país corria perigo iminente de um ataque por parte das
potências capitalistas75.
O modelo soviético conseguiu se impor na Europa oriental onde os governos seguiram
uma orientação favorável ao socialismo. Em determinados momentos alguns países como a
Polônia, Hungria e mais tarde a Tchecoslováquia ofereceram resistência, propondo outras
formas de consolidação do socialismo. O bloco socialista expandiu-se com as novas adesões
na Ásia e na África em decorrência do processo de descolonização, como veremos, levado a
efeito nesses continentes a partir de 1945.
Em 1949, após revolução liderada por Mao Tsé-tung, a China também optou pelo
socialismo, embora posteriores tensões tenham levado à quebra nas relações entre soviéticos e
chineses. Na América Latina, apenas Cuba aderiu ao bloco socialista depois de revolução
realizada sob a liderança de Fidel Castro, de seu irmão Raul Castro e de Che Guevara que, a
1o de janeiro de 1959, pôs fim à ditadura de Fulgêncio Batista. Na década de 1970 duas outras
tentativas de projeto socialista irão marcar a história latino-americana: a de Salvador Allende,
no Chile e a de Augusto César Sandino, na Nicarágua.
Do outro lado estava o bloco capitalista que a partir da segunda grande guerra teve os
Estados Unidos como sua superpotência. A ajuda econômica garantida pelo plano Marshall,
que permitiu a necessária recuperação da Europa ocidental, evitou que ali outros países
optassem pelo socialismo. Da mesma forma o apoio econômico dado pelos Estados Unidos à
Alemanha ocidental e ao Japão, contribuiu para conter o avanço socialista nesses países mais
que outros atingidos pela guerra de 1939-1945 e que, pelas suas posições estratégicas,
convinha ter como aliados.
No decorrer do período 1948-1960 e nesse contexto assim polarizado, as comunidades
da congregação das irmãs de são Carlos no seu ainda pequeno âmbito, localizavam-se em
países alinhados ao bloco capitalista. No Brasil, país onde se concentrava o maior número de
irmãs mscs, em outubro de 1945 fora deposto o presidente Getúlio Vargas e nas eleições de
dezembro do mesmo ano os brasileiros haviam eleito presidente, o general Eurico Gaspar
Dutra. Seu governo caracterizou-se pelo alinhamento do País com os Estados Unidos.
Em 1947 realizou-se no Brasil, na cidade de Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, a
Conferência Interamericana de Manutenção da Paz e Segurança da qual participaram
representantes de todos os países americanos. Naquela circunstância foi assinado o tratado de
Assistência Recíproca que previa a intervenção dos Estados Unidos e de tropas de outros
países onde a paz e a segurança fossem ameaçadas. Todo o continente americano constituía,
então, área de influência dos Estados Unidos e integrava o bloco capitalista.
Nas relações internacionais pós-guerra, posto de lado o nacionalismo como doutrina
política que privilegia o interesse nacional, passou a se impor o internacionalismo, crescendo
a convicção da necessidade de se estabelecer uma nova forma de organização internacional
em lugar da Liga das Nações. A expansão da idéia internacionalista levou à Carta do
Atlântico que pedia a criação de um organismo sólido e estável de segurança universal, daí a
75
Ibid., p. 974-5.
69
ONU e outros órgãos com variedade de funções tais como: UNESCO, WHO, FAO, já citados
em anterior abordagem.
Apesar das tentativas de organização, tendo em vista a paz mundial e o progresso dos
povos, constata-se ao longo dos anos que a família humana está longe de alcançar a sonhada
unidade universal. Ainda em abril de 1949 foi instituída a OTAN, Organização do Tratado do
Atlântico Norte, uma aliança militar que reunia Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha,
Noruega, Dinamarca, Islândia, Portugal, França, Itália, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e
depois a Grécia, Turquia e Alemanha ocidental.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte estabelecia que a ação bélica contra
qualquer um dos estados membro seria considerada uma agressão a todos e, como tal,
revidada com enérgica prontidão. À criação da OTAN, a União Soviética respondeu com o
Pacto de Varsóvia, aliança também de caráter militar que reunia países da Europa oriental.
Outra forma de organização internacional surgida nessa época foi a Comunidade
Européia do Carvão e do Aço, que começou a vigorar em agosto de 1952. O plano foi
proposto pelo ministro francês, Robert Schuman, das relações exteriores. Idéia de Schuman
era instituir uma autoridade supranacional e submeter a ela as indústrias do carvão, do ferro e
do aço da Europa ocidental. A iniciativa foi um passo importante na trajetória histórica que
precedeu à atual União Européia. Os países que integravam a organização em 1952 eram:
França, Alemanha ocidental, Bélgica, Luxemburgo, Holanda e Itália.
Os fatos pareciam comprovar a observação: na medida em que o conflito Estados
Unidos x União Soviética é ideológico e de aniquilação mútua, o mundo teria de se
posicionar entre um e outro, formando áreas de influência e blocos diplomáticos76. De acordo
com analistas seria vã, pois, qualquer tentativa de evitar o alinhamento com um ou outro dos
dois blocos.
Na verdade, nem todos pensavam assim. Em 1955 realizou-se a Conferência de
Bandung, na Indonésia, reunindo países que trataram da possibilidade do não-alinhamento. Os
participantes proclamaram neutralidade, manifestando firme disposição de permanecerem
afastados de discussões e disputas que, segundo foi expresso naquela circunstância, não lhes
diziam respeito.
2.1.2 Guerra fria: confronto Estados Unidos x União Soviética
O confronto entre Estados Unidos e União Soviética a partir do qual acentuou-se a
polarização do mundo, agrupando de um lado nações de ideologia capitalista e de outro,
nações de orientação marxista, suscitou controvérsias, propagou mitos, gerou tensões e
ameaças de um conflito nuclear, de conseqüências inimagináveis. Não obstante os esforços de
governos bem intencionados, depois da segunda grande guerra e ainda que de outra forma, a
humanidade continuou a respirar ares de guerra. Convencionou-se chamar de guerra fria esse
novo modo de enfrentamento, que caracterizou as relações internacionais em meados do
século XX.
A rigor, quando terminou o segundo conflito mundial, já as relações da Rússia com os
Estados Unidos continham uma subentendida oposição, que logo se expressaria em
progressiva animosidade. O fato de a União Soviética ter produzido em 1949 a sua primeira
bomba atômica originaria uma particular conseqüência. Desde então, tamanho era o poderio
76
BARROS, Edgard Luiz de. A Guerra Fria. São Paulo, Atual. Campinas, Ed. da Universidade Estadual de
Campinas, 1988, p. 5.
70
militar dos Estados Unidos e da União Soviética, que evitavam se destruir passando a se
chocar diplomaticamente em locais onde não haveria risco de conflito nuclear. Esta seria a
equação básica para as relações internacionais.... No confronto entre as duas superpotências
a propaganda intensa tornou-se arma poderosa a incutir na respectiva população a verdade
oficial envolta em mitos, visando sobretudo divulgar o perigo que a outra potência
representava para o mundo77.
Um aspecto da guerra fria em torno do qual não há consenso entre os historiadores diz
respeito ao tempo do conflito: quando teve início e se acabou, quando isso ocorreu? Mesmo
que seja difícil precisar seu início, autores admitem que a guerra fria pode ter começado assim
que, terminada a segunda grande guerra, a Rússia deixou clara a intenção de estender seu
domínio sobre a Romênia, Iugoslávia, Bulgária e Polônia, países que pelo acordo de Ialta, de
1945, haviam sido incluídos na esfera de influência soviética. Para as potências ocidentais,
porém, isso significava tão somente a possibilidade de a Rússia estabelecer relações de
amizade com esses países.
Para outros autores, a primeira ocorrência de guerra fria foi o lançamento de bombas
atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, fato que teria como objetivo primeiro advertir a União
Soviética que ainda não produzia tais armas, mas que tinha na época o maior exército do
mundo. O recado seria esse: às tentativas de expansão militar soviética, os Estados Unidos
responderiam com arsenais nucleares.
Um discurso de Churchill quando em visita aos Estados Unidos inquietou o povo
americano, mais que tudo com a descrição feita pelo ex-primeiro ministro inglês da cortina de
ferro, que separava o mundo oriental do ocidental, apresentando-a como divisor entre
democracias e governos totalitários e conclamando o país à defesa do mundo livre. O discurso
de Churchill precedeu o de Truman ao congresso norte-americano, solicitando recursos
destinados a socorrer a Grécia e a Turquia, a fim de impedir o avanço da União Soviética na
área.
A doutrina Truman, elaborada com o propósito de deter a expansão soviética,
constituiu para alguns o início formal da guerra fria. Também na percepção dos russos a
doutrina Truman, como o plano Marshall, eram estratégias de guerra fria contra a união das
repúblicas socialistas soviéticas.
No biênio 1947-1948 o conflito entre as democracias ocidentais e a União Soviética
acentuou-se sobremaneira. Em 1947, uma minoria comunista apoderou-se do governo na
Hungria, aliando o país à união das repúblicas socialistas soviéticas. Em fevereiro de 1948 os
comunistas tomariam o poder na Tchecoslováquia.
Em setembro de 1947, comunistas influentes da Rússia, Romênia, Bulgária,
Iugoslávia, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, França e Itália reunidos na Polônia, haviam
fundado o Cominform, agência comunista de informações. O nome era uma camuflagem, pois
não se tratava de uma agência de informações, mas de uma união de todos os partidos
comunistas importantes da Europa com o fim de combater o „imperialismo dos Estados
Unidos‟78.
No final da década de 1940 aconteceu um dos momentos mais críticos da primeira fase
da guerra fria e dizia respeito à Alemanha. Depois da segunda grande guerra, conforme
referimos, o País fora dividido em quatro setores de ocupação: o americano, o francês, o
inglês e o soviético. Em 1948 o governo dos Estados Unidos planejou unir os setores norteamericano, inglês e francês em um estado único.
77
78
Ibid., p. 5.
BURNS, Edward M. História da civilização ocidental., op. cit., p. 976.
71
Naquela circunstância cogitou-se, inclusive, concretizar anterior projeto britânico que
pretendia constituir uma União Européia Ocidental formada pela Grã-Bretanha, França,
Bélgica, Luxemburgo e Holanda, com o apoio militar dos Estados Unidos. O governo norteamericano entendia que a recuperação da Europa condicionava-se, em boa parte, ao
desenvolvimento e à utilização dos abundantes recursos do Ruhr, sobretudo e que um forte
estado alemão ocidental seria um baluarte contra a expansão da Rússia79.
Aos soviéticos, é óbvio, não interessava tal organização pelo poder de atração que
esse estado teria sobre a zona oriental por eles controlada e porque, do ponto de vista russo,
havia sempre o perigo de ser ele transformado em base de operações para um ataque ao
território soviético. Na tentativa de impedir a projetada organização de um estado forte na
Alemanha ocidental os soviéticos bloquearam Berlim, antiga capital da Alemanha, situada na
parte oriental e também dividida em setores. O bloqueio não teve o resultado que os
soviéticos esperavam. Por essa razão, em 1961 seria construído o famoso muro de Berlim que
dividiu a cidade em duas partes e a cortina que separava o Oriente do Ocidente cerrou-se
com mais força do que nunca80.
Em 1949 o setor soviético da Alemanha tornou-se a República Democrática Alemã,
socialista. Os três outros setores constituíram a República Federal da Alemanha, capitalista. A
reunificação do País seria uma questão de tempo, enquanto o muro de Berlim teria uma
derrubada histórica em 1989.
A guerra fria, em sua primeira fase, registra um segundo momento de maior
gravidade: a guerra da Coréia que, em 1945, fora tomada aos japoneses pelos russos e norteamericanos, sendo dividida em duas áreas de ocupação. Propósito era anexar, depois de um
plebiscito, o norte à União Soviética e o sul aos Estados Unidos, porém, tropas da Coréia do
Norte invadiram a Coréia do Sul. Os Estados Unidos intervieram com rapidez e a China
intrometeu-se, ampliando o conflito. Diante da ameaça de um confronto maior houve um
acordo entre as potências, ficando a Coréia dividida em duas, Coréia do Norte e Coréia do
Sul, à espera também de futura reunificação.
Um terceiro grave episódio de guerra fria ocorreu logo após a revolução cubana de
1959 quando, através de acordos com o governo de Cuba, a União Soviética iniciou ali a
construção de plataformas para lançamento de mísseis. O presidente dos Estados Unidos,
John Kennedy, ordenou o bloqueio de Cuba, advertindo a União Soviética: a ilha seria
invadida se os mísseis não fossem retirados. O mundo viu-se como que diante da
autodestruição. O governo soviético optou, então, pela retirada dos mísseis.
A guerra fria teve, outrossim, sérios reflexos no interno de muitas nações, de modo
particular no âmbito das duas superpotências. Nos Estados Unidos foi organizado pelo
senador McCarthy um comitê encarregado de investigar casos de infiltração comunista no
país. Censura, acusações e condenações vitimaram inúmeras pessoas, incluídos cientistas,
escritores, atores e diretores de cinema.
Na União Soviética, entre as vítimas incontáveis da repressão, a chamada igreja do
silêncio tornou-se referência. Aos protestos da igreja católica, impedida de exercer atividades
que lhes eram próprias, despojada de seus direitos e incitada à divisão, os governos soviéticos
responderam com manobras, enganos, hostilidades, processos e violenta perseguição,
suportada com heroísmo e admirável perseverança.
Na década de 1960 a guerra fria entrou em uma nova fase durante a qual as
provocações foram deixadas de lado e o choque entre capitalismo e socialismo encontrou
79
80
Ibid., p. 976.
Ibid., p. 976-7.
72
outro jeito de se expressar. As relações entre União Soviética e Estados Unidos passaram a se
orientar pela coexistência pacífica, mas o processo de descolonização afro-asiática, que
ocorria de modo paralelo a essa evolução, ampliou o conflito entre o norte rico e o sul, sempre
mais pobre.
2.1.3 Processo de descolonização afro-asiática
Na mesma época em que as relações entre os Estados Unidos e a União Soviética
começavam a se caracterizar pela “coexistência pacífica”, na maioria das regiões afroasiáticas intensificava-se a luta contra as metrópoles européias iniciada depois da primeira
grande guerra, resultando em dezenas de novos países de economia dependente, que
mudariam o cenário mundial. Nesse tempo a preferência pelo poder nacional sobre os
interesses de grupos, quer no próprio país, quer em outras nações enfraquecera na Europa,
enquanto na Ásia e na África onde a idéia do estado autônomo sob a forma nacional
desenvolveu-se mais tarde, a aspiração de independência incitava o processo de
descolonização, que apresentava dupla tendência: o da guerrilha contra a metrópole e o da
negociação entre a metrópole e a colônia.
Uma visão global do processo de independência de regiões afro-asiáticas no pósguerra mostra como a opção pelo acordo, estimulado pelos Estados Unidos, visava garantir a
permanência do novo país no bloco capitalista, o que o mantinha dependente da economia da
ex-metrópole. A opção pela luta armada contra a metrópole, de outra parte, quase sempre
orientava a nova nação para o bloco socialista.
Independente dos caminhos seguidos, os êxitos obtidos pelas colônias afro-asiáticas
sobre as metrópoles européias devem-se, entre outros fatores, à decadência da Europa como
efeito dos dois conflitos mundiais; à autodeterminação dos povos, defendida pela Organização
das Nações Unidas; à influência marxista, que também estimulava as colônias a determinarem
o seu destino, o que as aproximava ao bloco socialista; ao nacionalismo, expresso mais como
um ideal libertador e democrático do que um culto do poder nacional81.
A partir de 1945 diversas regiões asiáticas alcançaram bons resultados em suas lutas
pela emancipação, influenciando outras a lhes seguirem os passos. Decorridos apenas cinco
anos, em 1950, India, Paquistão, Sri Lanka, Filipinas e Indonésia já se haviam emancipado.
Em dois desses países, Filipinas e India, atuaria depois a congregação mscs. No ano de 1947 a
India conseguiu se impor após entendimento com suas províncias muçulmanas e mediante
negociações com o governo britânico, sendo declarada independente e constituída de dois
estados: India e Paquistão.
No pós-guerra o nacionalismo foi ainda vencedor no sudeste asiático, onde em 1948
eclodiram movimentos revolucionários, tendo os nativos das Indias Orientais Holandesas, em
particular os da ilha de Java, se rebelado contra a dominação holandesa e proclamado a
república da Indonésia. A ONU interferiu, pressionando os holandeses a concederam a
independência, o que foi feito, mesmo que a Holanda tenha mantido por mais alguns anos o
domínio econômico no arquipélago.
As vitórias dos movimentos pioneiros tiveram logo reflexos na Birmânia e na Malásia,
que também conseguiram se libertar da dominação estrangeira. Já, na Indochina, que
compreendia o Vietnã, Laos e Camboja, a situação tornou-se mais complexa. Ali, a luta pela
libertação enquadrou-se em contexto de guerra fria. Até o início da segunda grande guerra a
81
Ibid., p. 981.
73
região era colônia francesa. Durante o conflito mundial a Indochina foi ocupada pelos
japoneses, sendo depois retomada pela França. O Vietnã iniciaria a luta pela independência.
Ho Chi Minh liderou o movimento de libertação, derrotando os franceses em 1954.
Acordos de paz celebrados em Genebra determinaram a divisão do Vietnã em duas partes,
prevendo-se a reunificação do território após eleições gerais. O Vietnã do Norte, tendo Hanoi
por capital e sob a liderança de Ho Chi Minh, adotou o socialismo.
O Vietnã do Sul, com capital em Saigon e sob a liderança de Ngo Dihn Diem, contava
com o apoio dos Estados Unidos. O temor de que o socialismo se expandisse pelo sudeste
asiático levou os norte-americanos a pressionarem Ngo Dihn Diem a não respeitar o acordo
de Genebra relativo às eleições previstas. Por essa razão foi formada a Frente de Libertação
Nacional, iniciando uma guerra que se prolongaria por cerca de 20 anos, envolvendo também
o Laos e o Camboja. Os vietnamitas venceram, mas a luta não cessou. O Vietnã do Norte
avançou sobre o Vietnã do Sul e o venceu. O País foi reunificado, consolidando-se ali o
socialismo.
No oriente médio, Iraque, Iêmen, Arábia Saudita e Irã iniciaram seu processo de
descolonização antes da segunda guerra mundial. Em 1946, Síria e Jordânia também
decidiram a sua emancipação. Kuwait e Iêmen do Sul chegariam à independência na década
de 1960. A criação do estado de Israel, em 1948, problematizou mais que outras a região do
oriente médio.
O reconhecimento do novo estado de Israel na Palestina pelas Nações Unidas foi uma
vitória do nacionalismo, à parte os conflitos decorrentes da posição dos árabes, contrários à
existência de um estado judaico naquela área. Razões históricas apresentadas de ambos os
lados têm dificultado o entendimento quanto à posse legal do território. Na percepção dos
judeus, cabe-lhes o direito ao local de onde, na antiguidade, foram expulsos pelos romanos.
Para os palestinos, que contam com o apoio dos árabes, cabe-lhes o direito sobre o
território em questão, uma vez que permaneceram no local quando da expulsão dos judeus.
Desde a criação do estado judaico em 1948, de onde foram obrigados a se retirar, os
palestinos vivem na situação de refugiados em países vizinhos, ou em outras áreas ocupadas
por Israel nos anos 60.
A complexidade da região tem envolvido, ao longo dos anos, não apenas palestinos
que querem reconstruir ali seu país e israelenses que defendem seu direito sobre o território,
mas outros países e outros interesses, multiplicando os conflitos no oriente médio. Em 1956,
França, Inglaterra e Israel ocuparam o Sinai e o canal de Suez, nacionalizado pelo presidente
Nasser, do Egito. A partir de então tornou-se mais perceptível a dupla influência: da União
Soviética, no apoio aos árabes e dos Estados Unidos, no respaldo à Israel. A ONU enviou
tropas para guarnecer a zona do canal de Suez. Em décadas recentes, guerras sucessivas ainda
deixariam explosiva a situação no oriente médio.
Já, na história da descolonização africana o Egito foi a primeira nação a obter sua
emancipação, fato que ocorreu na fase entre as duas guerras mundiais. Nas duas décadas
sucessivas à segunda grande guerra, cerca de 30 novos países mudaram o mapa político da
África. Entre eles, relacionam-se a África do Sul e o Congo, países nos quais atuaria mais
tarde a congregação das irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas. Angola e
Moçambique, nações para onde também seriam enviadas irmãs mscs, tornaram-se
independentes na década de 1970.
Visto na sua globalidade, o processo de descolonização africana mostra a
complexidade maior de alguns movimentos, sobretudo o da Argélia, o do Congo e de Angola.
A libertação da Argélia, colônia francesa, foi dificultada pela oposição de algumas empresas
74
que ambicionavam manter ali promissoras vantagens econômicas. Os argelinos organizaram a
Frente de Libertação Nacional, optando pelo movimento de guerrilha, com atuação no campo
e nas cidades. Depois de dura repressão, diante de incontida revolta da população, a Argélia
conseguiu sua independência.
O território do Congo belga fora domínio pessoal do rei Leopoldo II da Bélgica até
1908, ano em que o vendeu ao governo belga. Quando, porém, o governo da Bélgiga
concedeu a independência ao país, faltou clareza nas negociações o que gerou na ex-colônia
uma guerra civil entre as tribos que ali habitavam. Um corpo de paz enviado pela ONU
envolveu-se no conflito e a luta acabou enquadrada no confronto leste x oeste, ou seja, na
perspectiva da guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética, como em outras regiões.
Nos anos sucessivos a situação do Congo teria outros desdobramentos, como se verá.
Em Angola, a luta pela emancipação foi uma das últimas a acontecer em território
africano, ocorrendo nesse país o processo de descolonização mais complexo porque, além do
enfrentamento com Portugal, ex-metrópole, o conflito interno envolveu três grupos de
guerrilheiros com propensão diversa e contando todos com apoio externo. Essa luta será
também aprofundada a seu tempo.
Aos elementos acima, relativos à descolonização africana, é oportuno acrescentar uma
referência a Leopold Sedar Senghor, 1906-2001, poeta e durante 20 anos presidente do
Senegal, país que se tornou independente da França em 1960. Senghor, que criou o termo
negritude deixou, sobretudo através da poesia, um substancial contributo à sociedade humana,
no despertar a consciência e o orgulho da pertença à raça negra; no reavivar o espírito
africano em harmonia com outras raças e culturas; no dar visibilidade à África, sua cultura e
seus valores morais e espirituais.
Diante da situação mundial de meados do século XX, de confronto entre os Estados
Unidos e a União Soviética, de lutas que envolviam o processo de descolonização afroasiática, do quadro de fome e miséria comum em muitos países onde crianças buscavam
alimento nas lixeiras, apesar das revolucionárias inovações científicas, sobretudo no campo da
física e na medicina, era de se esperar que a filosofia, a literatura e as artes se
caracterizassem pelo pessimismo e pela desorientação, acompanhados em alguns casos pelo
desespero e em outros pela ardente procura de uma via de escape, até porque, certas
influências culturais foram, em si mesmas particularmente responsáveis pelo caos
predominante na época82.
Enquanto para um bom número de pensadores de então os fatos ao seu redor podiam
justificar uma atitude pessimista, não foi essa a posição de Senghor que, na expressão poética
e na ação política, manifestou uma diferente percepção e ousou acreditar no potencial de um
inteiro continente. Também o papa João XXIII, em sintonia com um novo tempo, indicaria à
igreja o caminho do diálogo com a humanidade necessitada de mais sólida esperança.
2.1.4 A igreja na véspera do concílio Vaticano II
Quando Angelo Roncalli, eleito papa a 28 de outubro de 1958 em um conclave que
teve a duração de três dias, surpreendeu o mundo com o anúncio de próxima celebração de
um concílio ecumênico, longe de uma saída paliativa para aquele momento histórico, o novo
pontífice pressentiu o nascer de um dia luminoso para a inteira família humana e uma ampla
aliança entre o céu e a terra. Ao contrário dos profetas da miséria, que só anunciam
82
Ibid., p. 991.
75
infortúnios, o papa João XXIII expressou ardente confiança em um futuro melhor para a
humanidade e revelou-se convicto do caráter pastoral da missão da igreja no mundo83. O
anúncio do concílio Vaticano II pelo Papa, aconteceu a 25 de janeiro de 1959, cerca de três
meses depois de sua eleição. O importante evento eclesial será aprofundado na parte três deste
segundo volume de história mscs. No presente estudo abordamos aspectos da realidade da
igreja na véspera do Concílio, que compreenderá dez sessões realizadas em quatro fases, entre
outubro de 1962 e dezembro de 1965.
No período 1948-1960, que precedeu a realização do concílio Vaticano II, a história da
igreja enquadrou-se no complexo contexto mundial de então, que foi de profundas
transformações decorrentes dos acontecimentos assinalados acima: a polarização opondo
Estados Unidos e União Soviética, duas potências hegemônicas, capitalista a primeira, de
ideologia marxista a segunda. O confronto entre os dois blocos, que passou à história sob a
expressão guerra fria, deixou pairar ao longo de anos, preocupantes indícios de um conflito
nuclear, capaz de destruir o planeta.
Em alguns países houve nessa época a instalação de regimes identificados com a
democracia, uma busca maior do bem-estar do povo, a opção por novos padrões de
comportamento na esfera social e significativos avanços no processo de emancipação da
mulher. Ao mesmo tempo, notáveis progressos no campo da ciência e da tecnologia
continuaram a maravilhar o mundo. De modo paralelo cresceu a consciência política da
população que passou a ter uma atitude mais crítica, às vezes de descrédito na força de
instituições antes confiáveis, entre elas a própria igreja católica.
Na Ásia e na África o processo de descolonização resultava em dezenas de novos
países, a maioria subdesenvolvidos. Junto a outros da América Latina, de emancipação mais
antiga, esses novos países passavam a integrar o terceiro mundo. Ao conflito da guerra fria
que caracterizava a relação leste x oeste somava-se agora outro, o do norte rico, contra o sul
sempre mais pobre. Essa realidade preocupava a igreja. A um mês da abertura do concílio
Vaticano II, em mensagem radiofônica de 11 de setembro de 1962, o papa João XXIII
afirmaria: pensando nos países subdesenvolvidos, a igreja se apresenta e quer realmente ser
a igreja de todos, em particular, a igreja dos pobres84.
Além de deixar às claras a questão da pobreza, predominante no terceiro mundo e para
a qual de muitas maneiras a igreja mantinha-se voltada, havia no contexto de descolonização
onde se intensificara a atividade missionária outro chamamento: o da inculturação da fé, que
exigia uma nova atitude dos pregadores do evangelho em terras de missão.
Na União Soviética e em outros países de orientação marxista preocupavam as
perseguições, as condenações, a imposição do silêncio, enfim, o sofrimento de católicos por
causa da sua fé e de sua fidelidade à igreja. Para alguns bispos seria dificultada a participação
ao concílio Vaticano II. Fiéis de alguns países, como a Albânia, sequer tomariam
conhecimento da realização de um concílio ecumênico em Roma, nos anos 60.
Em âmbito latino-americano, no decorrer da década de 50, verifica-se da parte da
igreja um gradual distanciamento do populismo, que foi perdendo consistência. Aos governos
populistas sucederam governos desenvolvimentistas, tidos como aparentes democracias. O
modelo exigiu capital financeiro e tcnologia importada, criando dependência do capitalismo
europeu e norte-americano. Nesse mudado quadro político assumiram o poder, Juscelino
83
JOÃO XXIII. Discurso Gaudet mater ecclesia, 11-10-1962: n. 64, n. 63 , n. 41. In: Vaticano II: mensagens,
discursos e documentos. Tradução Francisco Catão. São Paulo, Paulinas, 1998. Título original: Enchiridion
Vaticanum.
84
JOÃO XXIII. Mensagem radiofônica, 11-9-1962. In: Vaticano II: mensagens, discursos e documentos, op.cit.,
n. 25 l.
76
Kubitschek, 1956, no Brasil; Arturo Frondizi, 1958, na Argentina; Lopes Mateos, 1958, no
México; Betancourt, 1959, na Venezuela.
Na igreja latino-americana de então, identificada como de nova cristandade, a Ação
Católica teve particular expressão, assumindo posições de vanguarda e abrindo horizontes
novos no campo eclesial. Do modelo italiano idealizado pelo papa Pio XI e caracterizado por
suas raízes paroquiais, passou-se para o modelo belga-francês, voltado aos diferentes setores
da sociedade: juventude estudantil católica, JEC; juventude universitária católica, JUC;
juventude operária católica, JOC; juventude agrária católica, JAC; juventude independente
católica, JIC. Cada setor tinha uma coordenação em nível nacional.
Essa experiência bem sucedida inspirou a criação das conferências episcopais em nível
nacional. Na unificação dos episcopados nacionais distinguiram-se, entre outros, d. Hélder
Câmara, do Brasil e d. Manuel Larraín, do Chile. Em 1955, quando da realização da I
Conferência do Episcopado Latino-Americano no Rio de Janeiro, foi criado o CELAM,
conselho episcopal latino-americano que organizou a igreja em nível de América Latina85.
A criação do CELAM, que precedeu ao concílio Vaticano II, foi um fato importante na
história da igreja, vindo a ser um instrumento de reflexão sobre a realidade latino-americana e
mundial, o que facilitou a integração entre as conferências episcopais, favoreceu maior
consciência eclesial e, de diferentes modos, preparou o caminho de participação criativa na
efetivação de mudanças que se impunham na igreja e no mundo, quer no campo pastoral, quer
na esfera social.
Nos anos 50, outros eventos marcaram a história da igreja no Brasil: em fevereiro de
1954 realizou-se no Rio de Janeiro o I Congresso Nacional dos Religiosos que contou com a
presença de padre Arcádio Larraona, na época secretário da congregação dos Religiosos e que
presidiu o congresso. Objetivo era atualizar e vitalizar a vida religiosa no Brasil. Nessa
oportunidade, no dia 11 de fevereiro, foi fundada a CRB, conferência dos religiosos do Brasil,
que teve seus estatutos aprovados pela congregação dos Religiosos em março de 1955. O bem
sucedido Congresso Internacional dos Religiosos realizado em Roma no ano de 1950, bem
como a criação da CNBB, estimularam a nova iniciativa brasileira, que recebeu amplo apoio
da congregação dos Religiosos e da igreja do Brasil e que teria pela frente uma caminhada
fecunda.
Dos diferentes movimentos de renovação, já em ato no interno da igreja, resultavam o
aprofundamento dos estudos bíblicos, a participação mais ativa dos fiéis na liturgia, a
superação do ritualismo, a abertura de espaço maior aos leigos, em especial à Ação Católica
que, conforme vimos, apresentava um dinamismo específico, voltado às encíclicas de cunho
social, com iniciativas proféticas e oportunos reflexos nas comunidades eclesiais e na
sociedade em geral.
Esses aspectos sinalizavam uma nova vitalidade eclesial, assim que, enquanto tensões
e conflitos caracterizavam as relações internacionais, fatos novos atenuavam as preocupações
da igreja nos últimos anos do pontificado de Pio XII. O Papa conhecia os problemas que o
mundo enfrentava, propunha soluções, lembrava aos leigos o direito e o dever que tinham de
opinar no que dissesse respeito ao bem da igreja, recomendando-lhes que o fizessem através
de instituições por ela estabelecidas.
Como foi observado, Pio XII tinha convicção de que a igreja necessitava de profundas
mudanças, harmonizadas com o tempo, mas foi-lhe dificultada a atuação de medidas
adequadas ao momento histórico. De resto, sabe-se que as forças do bem e do mal
85
BEOZZO, José Oscar. História da Igreja no Brasil. In: História da Igreja. Porto Alegre, Instituto de Pastoral
de Juventude, 1979, cf. p. 71.
77
permanecem no tempo, como na véspera do concílio Vaticano II e depois de sua realização,
frustrando expectativas de muitos.
2.1.5 Constituição apostólica Exsul familia
Medida providencial, entre inúmeras tomadas pelo papa Pio XII durante seu
pontificado, foi a constituição apostólica Exsul familia, datada de 1o de agosto de 1952 e tida
como a “carta magna” da pastoral da mobilidade humana. O documento, adequado àquele
contexto histórico, retoma e sintetiza a percepção do magistério da igreja a respeito da
migração, uma realidade para a qual o Papa voltou-se com particular solicitude, estabelecendo
normas pastorais que deviam orientar a atividade missionária junto aos migrantes. A posterior
revisão e promulgação de novas normas originaria outros importantes documentos adaptados
às novas exigências do tempo, tendo em vista maior eficácia na ação pastoral junto aos
migrantes em diferentes situações de mobilidade. A Exsul familia, porém, continuaria sendo
referência em razão do múltiplo significado da constituição apostólica. A partir desse
documento o fenômeno migratório passou a ser considerado não apenas como preocupação
diante dos perigos que representava, mas também como fator de unificação universal .
Depois da segunda grande guerra a Europa, sobretudo, estava imersa em questões
políticas, econômicas e sociais que levaram à retomada de grandes fluxos migratórios, como
ocorrera em épocas precedentes. É significativo que naquele momento, em 1952, a igreja
como que avançou na reflexão sobre os efeitos das migrações, percebeu melhor a sua
complexidade e começou destacar o potencial contido no fato migratório.
Essa visão histórica, sem conotação fatalista, expressara-a João Batista Scalabrini em
seus escritos. O Bispo de Piacenza via a emigração italiana como um bem para aqueles que
emigravam e para os que permaneciam no País porque aliviava-o da super-população, vale
dizer, um bem individual e coletivo, mas considerava-a também um mal sobretudo porque, no
caso italiano, não havia uma política adequada que regularizasse e orientasse a migração.
Nesse aspecto e em outros, Scalabrini antecipou-se ao estado e à igreja com propostas
objetivas, visando o positivo do fenômeno migratório:
Graças, ainda, ao seu profundo sentido da história sabia bem como a civilização
humana foi se formando, justo através das várias formas de mobilidade. Podia
também aceitar as opiniões daqueles que viam na emigração uma válvula de
segurança para a Itália, um meio para incrementar as relações comerciais e culturais
e coisas semelhantes. Enfim, como cristão não podia não ser „providencialista‟
enquanto Deus, criador e senhor do universo, através do mesclar-se tumultuado de
povos, vai realizando a unificação do gênero humano em Cristo86.
Uma retomada do caminho percorrido pela igreja no âmbito da mobilidade humana
antes da constituição apostólica Exsul familia de 1952, de Pio XII, impõe como ponto de
partida um aceno retrospectivo, ainda que brevíssimo, à contribuição de João Batista
Scalabrini nesse campo e que notabilizou o bispo de Piacenza:
Ano de 1887:
86
MARIN, Umberto. Tutto a tutti. Beato G. B. Scalabrini. Postulazione Generale dei Missionari Scalabriniani. p.
54-5.
78
janeiro, propõe à Sé Apostólica a instituição de uma associação de sacerdotes para
atuarem junto aos emigrados;
fevereiro, apresenta à Propaganda Fide o projeto da associação para a assistência
espiritual aos imigrantes italianos na América;
junho, publica L‟emigrazione italiana in America, o primeiro de seus escritos sobre
a emigração;
novembro, funda a congregação dos missionários de são Carlos para os emigrados
italianos;
Ano de 1888:
maio, visita o imperador do Brasil d. Pedro II, de passagem por Milão, a fim de
recomendar- lhe os emigrados; convida madre Francisca Cabrini a atuar junto aos
emigrados em New York;
novembro, publica o opúsculo, Il disegno di legge sulla emigrazione italiana;
Ano de 1889:
março, entrega em Codogno o crucifixo missionário a madre Francisca Cabrini e
seis companheiras que partem para os Estados Unidos;
abril, fica decidida a fundação de uma associação de patronato para os emigrados;
maio, é instituída em Piacenza, em caráter oficial, a Associação de Patronato São
Rafael para a emigração italiana;
Ano de 1890:
dezembro, com aprovação da Sé Apostólica, promove um encontro internacional
em Lucerna, a fim de tratar da assistência aos emigrados transoceânicos;
Ano de 1891:
janeiro, profere uma conferência em Gênova sobre a emigração e inicía a missão no
porto;
fevereiro, profere conferência sobre a emigração, em Roma;
março, profere conferências sobre a emigração, em Florença e Turim; envia filhas
de sant‟ Ana em missão junto a imigrantes em New York;
abril, profere conferência sobre a emigração, em Milão;
Ano de 1892:
abril, profere conferência sobre a emigração, em Lucca;
maio, profere conferência sobre a emigração, em Palermo;
outubro, profere conferência sobre a emigração, em Treviso;
dezembro, profere conferência sobre a emigração, em Pisa;
Ano de 1894: setembro, reformula o estatuto da São Rafael;
Ano de 1895: outubro, funda a congregação das irmãs missionárias de são Carlos,
scalabrinianas;
Ano de 1898: setembro, profere a conferência L‟Italia all‟estero, em Turim;
79
Ano de 1899: abril, participa do XVI Congresso Católico Italiano de Ferrara, ocasião em que
apresenta L‟emigrazione degli operai italiani;
Ano de 1901: julho-novembro, realiza visita pastoral às missões scalabrinianas nos Estados
Unidos;
Ano de 1904: junho-outubro, realiza visita pastoral às missões scalabrinianas no Brasil; envia
uma carta a Pio X, escrita em São Paulo e datada de 22 de julho desse ano, na
qual expõe ao pontífice a idéia de uma congregação especial para a assistência
religiosa aos migrantes de todas as nacionalidades;
Ano de 1905: fevereiro, propõe à Sé Apostólica a instituição de um organismo central para a
assistência a todos os emigrados católicos; maio, apresenta à Sé Apostólica um
memorial com vistas à instituição de uma congregação ou comissão central pro
emigratis catholicis.
A atuação do Bispo de Piacenza em favor da migração italiana e da mobilidade
humana em geral constituiu um chamamento ao estado e à igreja e teve gradativos reflexos no
campo político e eclesial. Scalabrini denunciou a passividade do governo de seu País e
mostrou a urgência de um envolvimento de todos os setores da sociedade, dada a abrangência
do fenômeno migratório italiano.
Quanto à igreja Leão XIII, durante seu pontificado, recomendara aos salesianos
enviados à América Latina em 1875 que se dedicassem também aos italianos ali emigrados.
Aos bispos repetiu oportunas exortações para que acompanhassem em caráter temporário ou
permanente os fiéis, então já numerosos, que emigravam ao exterior.
Uma ação mais decidida de parte da igreja começou no decorrer do biênio 1887-1888.
Além das iniciativas pioneiras de João Batista Scalabrini, uma breve carta pastoral sobre a
emigração, de d. A. Sarto bispo de Mantova, publicada no ano de 1887, teve a sua
importância. De particular significado foi a obra de d. Geremia Bonomelli, bispo de Cremona,
voltada à assistência aos operários italianos na Europa e Levante. Conhecida como Opera
Bonomelli, a instituição distinguiu-se por suas realizações também no campo social, o que
acarretou posteriores problemas à fundação. Extraordinária, outrossim, foi a contribuição de
numerosas congregações e ordens religiosas masculinas e femininas, bem como de
instituições leigas empenhadas em obras missionárias junto aos emigrados italianos e de
outras nacionalidades.
Foi escrito que a vocação da igreja italiana à assistência aos emigrados, por mérito
sobretudo da intervenção de Scalabrini e do amigo Bonomelli, resultou de uma profunda
inclinação pastoral que mostrou respeito pela cultura das massas campesinas. Afirmou-se
também que a linha pastoral de Scalabrini no específico cuidado para com os emigrados, era
claramente contra qualquer forma de separatismo, como resultava das explícitas normas que
orientavam seus missionários a se inserirem na específica realidade de cada diocese87.
As intuições de Scalabrini em âmbito migratório foram, de fato, originais e modernas,
como escreveu ainda Gianfausto Rosoli, acrescentando:
Era sua convicção que as colônias dos emigrados, no contexto de uma livre
colonização nas Américas, pudessem manter os próprios caracteres culturais e
religiosos, dando origem a uma verdadeira e própria igreja local dos imigrados,
87
ROSOLI, Gianfausto. La Chiesa di fronte al secolare fenomeno dell‟emigrazione. In: Per una pastorale dei
migranti. Contributi in occasione del 75o della morte di mons. G. B. Scalabrini. Roma, Direzione Generale dei
Missionari Scalabriniani, 1980, p. 53 e 51.
80
organicamente coligada com aquela de partida e com aquela de chegada, mas com
peculiaridades e exigências próprias88.
Sintetizamos a seguir as principais iniciativas eclesiais no campo da mobilidade
humana, considerando os cerca de 50 anos que precederam a constituição apostólica Exsul
familia de Pio XII, ou seja, o período 1905-1952 a começar pelo pontificado do papa Pio X
durante o qual a igreja estabeleceu algumas bases que favoreceram a ação pastoral junto aos
migrantes.
A migração foi objeto de especial preocupação de Pio X, até porque o êxodo italiano
atingiu em seu tempo cifras não mais registradas na história do País. Em 1908, mesmo ano da
fundação em Turim da Italica Gens, federação de forças católicas com vistas à assistência aos
emigrados italianos transoceânicos, o Pontífice recomendava a instituição de comitês
diocesanos com dupla função: tutelar os migrantes e garantir as necessárias informações aos
familiares dos mesmos. Dessas exigências religioso-sociais deviam se ocupar as paróquias.
Em 1912 foi criado pelo papa Pio X o Serviço Especial de Emigração, primeiro
organismo oficial da Sé Apostólica voltado à assistência espiritual dos migrantes e originado
de memorial propositivo apresentado por Scalabrini ao cardeal Merry del Val, secretário de
estado, em maio de 1905. Anexo à então congregação Consistorial, o Serviço Especial de
Emigração tinha competência mundial. A Consistorial passou a concentrar iniciativas no
âmbito da mobilidade humana. Como consta no primeiro volume de história mscs, ocupava-se
inclusive dos missionários e das missionárias de são Carlos, em razão da atividade pastoral
desenvolvida por eles junto aos migrantes.
Outra importante iniciativa de Pio X foi a fundação, em 1914, de um colégio que tinha
por objetivo preparar sacerdotes para atuarem no campo migratório. Localizado em Roma, o
estabelecimento começou a funcionar somente depois da primeira grande guerra, 1914-1918,
sob a denominação de Pontifício Colégio da Emigração. Em fins de 1914 foi instituído o dia
nacional da emigração, uma celebração que a Exsul familia tornaria universal.
Significativa diligência da igreja durante o pontificado de Bento XV foi a instituição,
em 1920, do Prelado para a emigração italiana. Liberado de empenhos próprios de uma
diocese, o prelado dedicar-se-ia à assistência espiritual dos fiéis em situação de mobilidade,
ocupando-se também da seleção e preparação de sacerdotes a serem enviados em missão junto
aos imigrantes em diferentes países do mundo.
A intensificação e diversificação da mobilidade humana a partir da segunda grande
guerra, 1939-1945, levou a congregação Consistorial a tomar algumas providências, mas
esperava-se da igreja universal um documento que sublinhasse a realidade do fenômeno, sua
atualidade, importância e amplitude e estabelecesse diretrizes eclesiais para uma apropriada
ação pastoral junto aos migrantes e refugiados, sempre mais numerosos.
Após o conflito mundial o papa Pio XII, com freqüência, conclamou os povos à ajuda
mútua e à solidariedade para com milhares de seres humanos que, em diferentes situações,
procuravam em outras terras trabalho e uma nova pátria para viver com dignidade. Nesse
contexto, a 1o de agosto de 1952, foi publicada a Exsul familia, constituição apostólica que
reuniu em código princípios fundamentais, norteadores no exercício da pastoral das
migrações. O documento está organizado em duas partes: a primeira resume as principais
intervenções da igreja no campo migratório. A segunda estabelece normas referentes à
assistência espiritual junto aos migrantes.
88
Ibid., p. 50.
81
Como conteúdo a Exsul familia mostra uma percepção universal da igreja, dá ênfase
ao direito natural de emigrar e à justa distribuição das riquezas. Como instrumentos pastorais
o documento recomenda a instituição de paróquias nacionais e pessoais se julgadas
convenientes, confiadas a sacerdotes da mesma língua ou nacionalidade, autorizados pela
congregação Consistorial. A esta, a constituição apostólica destina um papel fundamental.
Chama atenção a abertura a um sadio e moderado pluralismo, ao contrário de anterior
propensão de alguns bispos de países de imigração que julgavam conveniente uma
assimilação imediata de parte do imigrante, da cultura própria do país de acolhida. Como
lacunas, a Exsul familia limita os cuidados pastorais aos migrantes, apenas até a segunda
geração e não evidencia o contributo de religiosos e leigos no campo específico da mobilidade
humana.
O documento pontifício de 1952 teve, na avaliação de Gianfausto Rosoli, uma grande
importância conceitual e operativa a nível de igreja, mesmo sem conseguir a esperada
abertura da parte de muitos bispados. Segundo Rosoli, a partir da Exsul familia as igrejas
européias iniciavam mais facilmente um caminho comum89.
Fruto da constituição apostólica de Pio XII, entre tantos, foi o gesto dos bispos da
então província eclesiástica do Rio Grande do Sul, no Brasil que, reunidos em Porto Alegre
nos dias 27 e 28 de janeiro de 1953, decidiram constituir o Secretariado Católico de
Imigração como resposta ao documento papal, de agosto de 1952. Padre Paolo Bortolazzo,
scalabriniano, passou a celebrar a missa em italiano na igreja da Piedade, no início. Em 1957
foi adquirido um terreno na Barros Cassal, 220, onde hoje se localiza o CIBAI, Centro ItaloBrasileiro de Assistência aos Imigrantes. Em 1959 d. Vicente Scherer constituiu, ali, paróquia
pessoal.
89
Ibid., p. 64-5.
82
2.2 Conquistas e nova crise interna
2.2.1 Decreto de 15 de agosto de 1948
Enquanto a igreja universal, solidária com as novas situações de mobilidade humana
acolhia a Exsul familia de Pio XII e respondia com solicitude pastoral ao documento
pontifício, a congregação das irmãs missionárias de são Carlos refazia-se de uma crise interna
que levara ao afastamento da superiora geral, da direção do instituto. O novo momento difícil
sucedeu a um período de prosperidade, ainda que subsistissem na instituição preocupações e
incertezas, próprias de questões não resolvidas de modo adequado. Um retrospecto dos
primeiros 50 anos de história da congregação mscs mostra o multiplicar-se de fundações,
tornadas núcleos propulsores de desenvolvimento e fecundos de apostolado, tendo
contribuído para a crescente afirmação do instituto na igreja. Em 1945 fazia falta à
consolidação da instituição e era aspiração maior das irmãs missionárias de são Carlos, a
aprovação definitiva das constituições e a aprovação da congregação. O duplo benefício foi
concedido ao instituto scalabriniano feminino em agosto de 1948.
Desde a fase de programação das festividades celebrativas do cinqüentenário de
fundação da congregação mscs madre Borromea Ferraresi, superiora geral, antecipara à
autoridade competente a expectativa das irmãs missionárias de são Carlos na circunstância do
áureo jubileu: a aprovação definitiva das constituições do instituto.
Essa aspiração das irmãs mscs só seria concretizada três anos depois. No decorrer
desse tempo, em outras oportunidades a solicitação foi renovada com insistência. Quando, no
início de 1946, correu a notícia de que d. Benedetto Aloisi Masella em breve deixaria o Brasil,
retornando à Itália, a Superiora Geral apressou-se em lhe manifestar sua apreensão e fez-lhe
veemente pedido:
...agora que nossa Congregação começava, com a sua sábia e ótima direção, a
expandir os seus ramos onde a missão nos chama, tememos que com a partida de V.
Eminência venha a diminuir o seu desenvolvimento. Por caridade, Eminência, não
nos abandone, procure nos deixar alguém que ame a nossa amada Congregação e
providencie o bom andamento e o progresso da mesma. O desejo de todas nós é
espontâneo de continuar com a mesma direção.
Por isto, Eminência, imploramos de modo veemente que nos recomende à Sua
Eminência o cardeal Raffaello Carlo Rossi, a fim de que nossas Santas Regras
venham a ser aprovadas definitivamente para evitar tantos sofrimentos e temores
passados em relação à continuidade de nossa amada Congregação.
Agradecendo-lhe infinitamente tudo quanto fez por nós e que continuará a fazer no
além mar, não podendo recompensá-lo como merece, recorreremos ao Senhor para
que Ele recompense dignamente V. Eminência por tudo...90.
90
FERRARESI, Borromea. Lettera a Benedetto Aloisi Masella. S. Paulo, 5-1-1946 (AGSS 1.5.5 ).
83
Antes da aprovação definitiva das constituições julgou-se conveniente efetuar
mudanças possíveis, que a experiência de 12 anos sugeria. Orientada a fazê-lo, no segundo
semestre de 1946 madre Borromea Ferraresi reuniu diversas irmãs constituídas em autoridade
e juntas, por consenso, propuseram algumas alterações no direito próprio do instituto. D.
Raffaello Carlo Rossi confiou ao padre Giovanni Sofia, scalabriniano, o encaminhamento de
tais modificações.
A 28 de abril de 1947 o cardeal Rossi informava, através de carta à Superiora Geral,
que a revisão das constituições estava sendo ultimada e que em breve as irmãs missionárias de
são Carlos, scalabrinianas, obteriam a aprovação definitiva das mesmas e a aprovação do
instituto. O Cardeal lembrava que desde a aprovação das constituições ad experimentum pelo
papa Pio XI a congregação tornara-se de direito pontifício, dependendo diretamente da
sagrada congregação Consistorial. D. Raffaello Carlo Rossi comunicava ainda: a Visita
Apostólica de parte do Exmo. Núncio está encerrada; a congregação, portanto, deve
governar-se conforme as normas estabelecidas pelo direito canônico para os institutos de
direito pontifício...91.
Quase sete meses depois, em novembro de 1947, o cardeal Rossi comunicou à
Superiora Geral que as constituições já haviam sido examinadas e atualizadas, mas era
necessário ainda que as irmãs participantes do próximo capítulo geral tomassem
conhecimento das mudanças e que depois se notificasse a congregação Consistorial acerca das
observações feitas.
De acordo com minuta datada de 23 de julho de 1948, duas solicitações foram feitas
pelas irmãs: a permanência da recitação diária do ofício de Nossa Senhora e a supressão do
decreto de reconhecimento pontifício de d. Benedetto Aloisi Masella, de 19 de maio de 1934,
porque o mesmo continha a expressão a pedido de padre José Marchetti. Segundo a minuta,
ambas as solicitações podiam ser levadas em consideração, permanecendo a recitação
cotidiana do ofício de Nossa Senhora e omitindo-se o decreto da nunciatura, de 1934,
substituindo-o pelo decreto da congregação Consistorial, de aprovação do instituto e
aprovação definitiva das constituições.
Na verdade a segunda solicitação foi feita depois de realizado o capítulo geral de
março de 1948. Em carta de 4 de junho desse ano, madre Borromea Ferraresi pediu ao cardeal
Raffaello Carlo Rossi, em nome das irmãs capitulares cuja maioria ainda se encontrava em
São Paulo, que fossem supressas do decreto as palavras, a pedido de padre José Marchetti.
Um dia depois, em carta a padre Giovanni Sofia a Superiora Geral solicitou ajuda ao
scalabriniano, visando conseguir a referida supressão e justificava: de outro modo, os
parentes não nos deixarão em paz quanto ao Fundador92. Sabemos que a congregação mscs
convivia então, como hoje, com diferentes posições em relação à paternidade da fundação do
instituto.
Durante o processo de revisão das constituições das irmãs de são Carlos veio à tona o
modo não comum de aprovação das mesmas pelo papa Pio XI 13 anos antes, a 13 de janeiro
de 1934. Um comentário sobre o assunto, em minuta datada de 16 de janeiro de 1947, refere
um precedente semelhante, em que a congregação de Propaganda Fide concedeu „ex
Audiência‟ a aprovação das constituições de determinadas irmãs sem o decreto de louvor que
se deveria fazer contemporaneamente. Tal decreto não foi mais repetido porque considerado
supérfluo. O documento de 16 de janeiro de 1947 esclarecia: o Santo Padre, na realidade,
não aprova nunca constituições de congregações religiosas de direito diocesano; a
aprovação ad experimentum ad septennium é concedida só às constituições de irmãs que se
91
92
ROSSI, Raffaello Carlo. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 28 Aprile 1947 (AGSS 1.5.5 ).
FERRARESI, Borromea. Lettera a Giovanni Sofia. São Paulo, 5-6-1948 (AGSS 1.5.5 ).
84
entende elevar a regime de direito pontifício. A minuta continha ainda a observação: Nem
importa o fato de que as constituições das nossas irmãs fossem compiladas segundo o regime
diocesano. A aprovação do Santo Padre as eleva ipso facto, diria, ao regime pontifício. A
minuta orientava, enfim, quanto à revisão e sugeria que o trabalho preparatório fosse feito
por mons. Roberto Sposetti que na congregação dos Religiosos presidia a comissão
encarregada do exame e aprovação das Regras dos religiosos93.
A revisão das constituições das irmãs missionárias de são Carlos Borromeo,
scalabrinianas, foi feita mesmo por mons. Roberto Sposetti. Depois de seguir a tramitação de
praxe, em audiência concedida ao cardeal secretário da congregação Consistorial, Raffaello
Carlo Rossi, a 7 de agosto de 1948 o papa Pio XII aprovou o instituto e aprovou as
constituições com algumas emendas e acréscimo, conforme exemplar conservado no arquivo
da Consistorial.
O decreto de aprovação do instituto e de aprovação definitiva das constituições é
datado de 15 de agosto de 1948. O dia 15 de agosto tem um significado especial para a
congregação das irmãs missionárias de são Carlos porque lembra também o aniversário de
nascimento e onomástico de madre Assunta Marchetti. A Co-fundadora falecera no orfanato
Cristóvão Colombo de Vila Prudente em São Paulo 45 dias antes, a 1o de julho de 1948.
Rafaello Carlo Rossi, cardeal secretário da congregação Consistorial morreria em casa
scalabriniana, Crespano del Grappa, a 17 de setembro de 1948, cerca de 40 dias depois da
aprovação do instituto e das constituições das irmãs de são Carlos. As duas congregações
scalabrinianas, dos padres e das irmãs de são Carlos, têm para com o cardeal Rossi uma
dívida de gratidão impagável. Sucedeu-o como secretário da congregação Consistorial o
cardeal Adeodato Giovanni Piazza, nomeado depois cardeal Protetor da congregação mscs.
O fato de não constarem no decreto de aprovação do instituto e de aprovação
definitiva das constituições certos elementos históricos como a data de fundação da
congregação e o nome do Fundador preocupou a Superiora Geral e irmãs. Madre Borromea
Ferraresi, inclusive, manifestou a padre Giovanni Sofia a sua preocupação. O Padre justificou
o conteúdo do texto, observando que o mesmo seguia um modelo igual para todas as
congregações, não se detendo nos aspectos históricos de cada uma.
Independente dessa nota, aliás sintomática, o decreto de 15 de agosto de 1948 foi
acolhido com manifestações de gratidão e de júbilo que irromperam da alma scalabriniana,
como expressa madre Borromea em carta ao cardeal Rossi, de 3 de setembro de 1948:
Os mais férvidos hinos de gratidão brotaram espontâneos de nosso coração e
elevaram-se até o trono do Altíssimo, em agradecimento pelo favor inestimável da
aprovação de nossas Santas Regras há tanto tempo desejadas.
Te Deum laudamus!... Magnificat!...
A mais profunda aspiração da alma scalabriniana foi realizada; e como protesto de
perene reconhecimento, abraçaremos com mais entusiasmo religioso esta nossa
amantíssima Regra, expressão da santíssima vontade de Deus a nosso respeito.
E a quem, senão a V. Emcia. Revma. devemos este bem? A dedicação de V. Emcia.
Revma. para com nossa amada Congregação foi sempre assinalada e agora é
coroada com o maior triunfo...
93
MINUTA, 16 Gennaio 1947 (Archivio del Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti.
Generali – Sezione IX – Suore Scalabriniane. Prot. 514/25 ).
85
A nossa alma exulta ao sentir-se vinculada de modo irrevogável à santa madre Igreja;
a nossa frágil pequena barca presa com segurança a esta Âncora bendita de
salvação; o nosso destino é colocado diretamente sob o paterno olhar do Sumo
Pontífice, nosso chefe, condutor e pai.
Agradecendo infinitamente o grande favor de ter mudado o decreto na aprovação
definitiva das Santas Regras onde se verá com clareza a origem de nossa Fundação; o
privilégio de ser considerada Congregação pontifícia; ainda a permanência da
recitação diária do ofício de nossa querida Mãe celeste a fim de que continue a
dispensar sobre nossa família religiosa a sua maternal assistência...94
2.2.2 Tensões e conflito interno
O decreto de aprovação do instituto scalabriniano feminino e aprovação definitiva das
constituições, datado de 15 de agosto de 1948 e recebido com manifestações de justificado
contentamento, garantiu à congregação solidez, mas não eliminou todas as dificuldades e
tensões que levaram a um conflito interno, com desvio de energias em desserviço à missão. O
cenário internacional, então caracterizado pelo aumento do número de estrangeiros sobretudo
na Europa, nas Américas e na Austrália conclamava a congregação mscs a ser, como devia
por mandato, pátria para os migrantes. Ao invés, já nos primeiros anos do sexênio 1948-1954,
desencontros originaram um momento crítico, opondo superiora geral e conselho, situação
que motivou a renúncia das conselheiras gerais e determinou o afastamento de madre
Borromea Ferraresi da direção geral do instituto, em meados de 1951. Cerca de um ano
depois, a Exsul familia, constituição apostólica do papa Pio XII, convocava as instituições
criadas para a emigração a cumprirem de modo pleno o mandato a elas confiado e a
empenharem todas as suas energias para alcançar o objetivo proposto, a saúde das almas95.
A determinação da congregação Consistorial comunicada à madre Borromea Ferraresi
através de carta do cardeal Raffaello Carlo Rossi, de 28 de abril de 1947, já referida e segundo
a qual a congregação das irmãs missionárias de são Carlos Borromeo, scalabrinianas, devia
retomar o governo de si própria depois de longo período sob regime de visita apostólica,
significou para o instituto evidentes vantagens, mas não o preservou de nova intervenção
cerca de quatro anos depois.
Em março de 1948 a congregação mscs realizara seu capítulo eletivo no qual madre
Borromea Ferraresi, superiora geral há 13 anos, fora reeleita para o mesmo serviço, por mais
um sexênio. Na avaliação de d. Vittore Ugo Righi, auditor da nunciatura apostólica no Brasil
e que presidiu o capítulo, na eleição da superiora geral e das conselheiras gerais pareceu-lhe
claro que as irmãs capitulares tiveram como verdadeira e única aspiração a glória de Deus e
o maior bem da congregação. Em seu relatório d. Righi afirma que na reeleição de madre
Borromea as irmãs levaram em conta a sábia e prudente experiência do passado e quiseram
circundar a Superiora Geral reeleita com irmãs novas, a fim de garantir um governo novo e
mais eficiente administração da congregação96.
A louvável intenção das 17 irmãs capitulares, a disposição de cada irmã eleita de
realizar uma eficiente administração, os posteriores indultos concedidos para regularizar a
reeleição de madre Borromea, superiora geral há mais de dois sexênios e a eleição de três
94
FERRARESI, Borromea. Lettera a Raffaello Carlo Rossi. São Paulo, 3-9-1948 (AGSS 1.5.5 ).
PIO XII. Constituição apostólica Exsul familia, Castel Gandolfo, 1-08-1952, n. 295 (XLIV ).
96
RIGHI, Vittore Ugo. Lettera a mons. Carlo Chiarlo, nunzio apostolico in Brasile. Rio de Janeiro, 3 marzo
1948 (Archivio del Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Generali - Sezione IX Suore Scalabriniane. Prot. 514/25 ).
95
86
irmãs, Maria Letícia Negrizzolo, Alice Milani e Ursulina Scopel, sem a idade canônica
exigida para compor o conselho geral, não isentaram a nova direção do instituto de tensões
que levaram à renúncia destas e ao afastamento da superiora geral, bem antes de completar o
sexênio 1948-1954.
Uma leitura de documentos ora disponíveis possibilita um relativo conhecimento desse
conturbado período da história do instituto. Em maio de 1948, em duas circulares enviadas
respectivamente às irmãs e às superioras da congregação, madre Borromea Ferraresi
mostrava-se preocupada com a responsabilidade que sentia pesar em seus ombros e revelava
certa perplexidade diante das crescentes dificuldades do dia a dia, mas contava também com o
apoio de todas, esperando encontrar em cada irmã um Cireneu com disposição de ajudá-la,
como escreveu, na difícil subida ao Calvário. Recomendava às irmãs respeito e amor filial às
superioras, amor às co-irmãs e às constituições, união profunda com Cristo e a constante
invocação de Maria. Às superioras lembrava a importância de um permanente bom exemplo
às irmãs e o dever de dar a elas do transbordar da própria espiritualidade. Propunha a cada
irmã superiora ser forte e, ao mesmo tempo, suave na animação da comunidade.
A situação interna da congregação apresentava na época sinais de descontentamento.
Um suscinto relato sem data, referente ao ano de 1948 e assinado por irmã Elena Maria
Zanatta, focaliza um pouco a realidade de então. Afirma irmã Elena que muitas irmãs não
gostaram da reeleição de madre Borromea. Em tal clima foi proposto dividir a congregação.
As irmãs descontentes passariam a se chamar Filhas de são Carlos. A idéia partiu de Caxias
do Sul e foi divulgada através de cartas expedidas a outras comunidades do Rio Grande do
Sul. Intenção era solicitar à Sé Apostólica um visitador canônico que encaminhasse a divisão.
Conforme irmã Elena Maria Zanatta algumas cartas chegaram a Roma e o visitador nomeado
foi o scalabriniano padre Francesco Prevedello, reitor do seminário de Guaporé, Rio Grande
do Sul.
Um relatório de padre Francesco Prevedello enviado à congregação Consistorial em
dezembro de 1949 comprova que fora confiado ao scalabriniano, pela mesma Consistorial,
um encargo e instruções que diziam respeito às irmãs scalabrinianas. Em sua exposição,
depois de afirmar que nada havia de alarmante capaz de abalar a unidade das missionárias de
são Carlos na província do Rio Grande do Sul, padre Prevedello admite certa insatisfação
entre as irmãs, motivada por vários fatores entre os quais a transferência da ex-provincial do
Sul, madre Joana de Camargo, para a comunidade de Bassano del Grappa, Itália.
A decisão da Superiora Geral e conselho, de transferir madre Joana, foi mal
interpretada e contestada por irmãs que preferiam a sua permanência no Rio Grande do Sul.
Nesse episódio, como em outras atitudes consideradas transgressivas nas comunidades, irmãs
de mais rigorosa observância entenderam comprometido o espírito religioso e
responsabilizaram as superioras pela incapacidade e pouca energia no desempenho da própria
função.
O aspecto de fato inquietante, pertinente à situação do instituto nos primeiros anos do
sexênio 1948-1954 e que padre Francesco Prevedello trata de modo objetivo, é o das relações
entre as superioras da província do Sul, entre direção geral e direção provincial, entre
Superiora Geral e conselheiras gerais.
A superiora provincial do Sul, madre Maria Nazaré Machado, era também superiora
da comunidade do colégio Nossa Senhora Medianeira, serviço que limitava em parte o tempo
a ser dedicado à Província, o que alimentava descontentamentos no interno das comunidades.
Outro fator de divergência foi, em boa parte, o local do noviciado da província do Rio
Grande do Sul. Na época a casa do noviciado, bem como a sede provincial, localizavam-se
87
em Bento Gonçalves. Ainda em 1935 a então superiora provincial, madre Imaculada Mileti,
propusera à Superiora Geral a compra de uma grande propriedade situada no chamado
Planalto, sempre em território bento-gonçalvense, pensando também em novo local para o
noviciado: é esplêndido, que belas fontes de água, quanto terreno para o noviciado, juvenato,
para irmãs idosas e doentes!...Vá ao Rio de Janeiro e fale com o Núncio para pedir a licença
necessária... Se o Senhor nos abençoa, como esperamos, em poucos anos poderemos pagá-lo.
Este pedido de madre Imaculada foi transcrito em carta da nunciatura apostólica ao cardeal
Rossi. Na carta consta que madre Borromea foi ao Rio de Janeiro apresentar ao Núncio a
proposta da superiora provincial do Rio Grande do Sul, com a qual concordava97.
Cerca de 15 anos depois continuava vivo o desejo de muitas irmãs do Sul, de que o
noviciado fosse transferido para outro local mais saudável e que oferecesse melhores
condições à formação das noviças. Em março de 1949, madre Borromea Ferraresi solicitou à
congregação Consistorial autorização para a compra de um terreno situado no atual município
de Casca e adequado também à casa de formação. Em carta-resposta de 26 de abril daquele
ano o cardeal Adeodato Giovanni Piazza, secretário da Consistorial, condicionava a
autorização à certeza de que a compra seria feita sem contrair novas dívidas.
Mais que aspirações legítimas e manifestações de insatisfação de numerosas irmãs, é
incontestável que pesava a questão das relações, sobretudo entre madre Borromea Ferraresi e
conselho, que se tornaram tensas no decorrer do triênio 1948-1951. O mesmo padre Francesco
Prevedello cita uma carta a ele enviada pelas quatro conselheiras gerais na qual afirmavam
não terem tido até então nenhuma ação em comum com madre Borromea e que as propostas
feitas por elas durante reunião de conselho em defesa de seus pontos de vista causavam
desgosto à superiora geral, que lhes atribuía intenções de insubordinação98.
Outras fontes, como o livro de atas das reuniões da direção geral, confirmam
desacordos entre Superiora Geral e conselho. Na ata de 25 de julho de 1949, consta que madre
Borromea abordou conteúdo de cartas recebidas de três conselheiras gerais quando se
encontrava no Sul com irmã Ursulina Scopel, conselheira e ecônoma geral, para tratar da
transferência do noviciado. Nas cartas as conselheiras gerais apoiavam aspirações da
província do Sul a respeito do noviciado e protestavam contra decisões tomadas sem ter
comunicado com o conselho. A ata, de n. 154, registra que madre Borromea contestou
informações não reais e que após, dando continuidade à reunião, trataram do local do
noviciado, mas sem chegar a um consenso, persistindo a divergência de opiniões entre
Superiora Geral e conselho. Nessa ata não consta a assinatura de madre Borromea Ferraresi.
Oito meses depois, em reunião de 24 de março de 1950, a direção geral voltou a tratar
do novo local para o noviciado da província do Sul. Na oportunidade a Superiora Geral
apresentou ao conselho a sugestão de padre Francesco Tirondola, com a qual ela concordava,
de transferir o noviciado para Guaporé no prédio em que funcionava o ginásio Scalabrini,
suprimindo ali o internato e talvez o curso primário. As conselheiras concordavam com a
proposta desde que essa transferência tivesse caráter provisório e propunham a venda
imediata das casas e da chácara do noviciado de Bento Gonçalves para poder investir logo na
compra de um terreno e na construção de novo prédio para o mesmo noviciado. Também
nessa ata, de n. 159, não consta a assinatura da Superiora Geral.
97
ALOISI MASELLA, Benedetto. Lettera a Raffaello Carlo Rossi. Rio de Janeiro, 21-6-1935 (Archivio del
Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Generali – Sezione IX – Suore Scalabriniane.
Prot. 514/25 ).
98
PREVEDELLO, Francesco. Lettera a Adeodato Giovanni Piazza. Guaporé, 20 Dicembre 1949 (Archivio del
Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Generali – Sezione IX – Suore Scalabriniane.
Prot. 514/25 ).
88
Por esses registros e outros documentos constata-se que a posição da direção geral era
unânime quanto à necessidade de transferir o noviciado. A divergência entre Superiora Geral
e conselho era quanto ao local da nova casa. Alternativas possíveis: Bento Gonçalves, em área
do Planalto, como preferiam o bispo diocesano, d. José Barea, o pároco, padre Luís
Mascarello e a população bento gonçalvense; Casca, como propunham padres scalabrinianos
entre eles o provincial, padre Rinaldo Zanzotti, que garantia assistência espiritual para sempre
e como queria a comunidade local já mobilizada em torno da iniciativa, disposta a colaborar
na construção do prédio; Guaporé, sugestão de padre Francesco Tirondola, quase efetivada,
mas em caráter provisório; Caxias do Sul, posição defendida pelas conselheiras gerais que
contavam com o apoio dos padres capuchinhos e que, afinal, prevaleceria. A transferência do
noviciado, de Bento Gonçalves para Caxias do Sul efetivar-se-ia em meados da década de
1950.
E‟ positiva a disputa por uma casa de formação. Equivocado pode ser o modo de
sustentar as preferências. Documentos conservados demonstram que a transferência do
noviciado da província do Sul, de Bento Gonçalves para Caxias do Sul, envolveu pessoas bem
intencionadas, gerou preocupações, frustrou expectativas e provocou descontentamentos que
podiam ser contornados. Também a tensão entre Superiora Geral e conselho, não sendo
possível evitar, melhor teria sido resolvê-la em foro interno e impedir que provocasse a
interrupção do sexênio 1948-1954.
2.2.3 Afastamento de madre Borromea Ferraresi
A seqüência de atritos no interno da congregação das irmãs missionárias de são
Carlos, que rompeu a continuidade do sexênio 1948-1954, pode dar a impressão de um
instituto incapaz de afrontar de modo adequado os contratempos comuns do cotidiano,
acostumado a recorrer à instância superior, com dificuldade de autogestão. Parece simplista
afirmar que tensões periféricas geraram um conflito humilhante para uma instituição religiosa,
que demonstrava audácia na expansão missionária e que, há pouco tempo, fora agraciada com
decreto de aprovação como instituto de direito pontifício e aprovação definitiva de suas
constituições. Depois de décadas permanece a interrogação: houve motivo mais profundo, um
foco principal, causador do conflito que determinou o afastamento de madre Borromea
Ferraresi da direção geral da congregação scalabriniana feminina em meados de 1951?
No decorrer do triênio 1948-1951, mais vezes, conselheiras gerais do instituto
recorreram à congregação Consistorial, expondo dificuldades encontradas no desempenho de
seus encargos em âmbito de direção geral. Diante dos repetidos apelos a Consistorial solicitou
e obteve de fontes diversas, informações sobre a situação interna da congregação mscs e a seu
tempo, com cautela, tomou as providências que julgou oportunas.
Em carta de 15 de abril de 1950 o cardeal Adeodato Giovanni Piazza pediu à madre
Borromea Ferraresi que recomendasse a todas as superioras e irmãs uma diligente observância
das constituições; determinou, entre outras urgências, que se efetivasse a transferência do
noviciado da província do Rio Grande do Sul para outro local mais saudável, que assegurasse
às noviças uma apropriada assistência espiritual; ordenou que a Superiora Geral apressasse a
viagem à Itália programada para aquele ano e que, nessa viagem, se fizesse acompanhar de
uma irmã escolhida pelo conselho geral entre as conselheiras gerais. A conselheira escolhida
foi irmã Maria Letícia Negrizzolo.
Madre Borromea, acompanhada de irmã Letícia, partiu de São Paulo no dia 12 de
setembro de 1950. Após o percurso marítimo Santos-Nápoles, ambas chegaram a Roma no
89
dia primeiro de outubro. A viagem, quer na ida e quer na volta foi um martírio para a
Superiora Geral, como se lê em sintético manuscrito, ao que tudo indica, inédito.
Documentos que se conservam no arquivo do Conselho pontifício para a pastoral dos
migrantes e itinerantes revelam que a congregação Consistorial vinha recebendo informações
em desabono de madre Borromea, das quais ela passou a tomar conhecimento a 10 de outubro
em contatos feitos em Roma e, sobretudo, por ocasião de duas audiências que teve com o
cardeal Piazza a 14 e 17 de outubro de 1950. Nesses dias a Superiora Geral foi informada de
que as conselheiras gerais haviam dado as demissões porque, entre outros motivos, a madre
não levava em consideração suas posições. Com permissão do Secretário da Consistorial
madre Borromea manifestou por sua vez o que, segundo ela, teria provocado o desagrado das
conselheiras.
No relato da audiência com o cardeal Piazza, de 17 de outubro de 1950, madre
Borromea afirma ter evitado fazer nessa circunstância acusações às conselheiras, porém, em
carta datada de 25 de junho de 1951, endereçada ao secretário da congregação Consistorial ela
falará da consternação provada, não por dever dar a demissão, que por graça de Deus estava
conformada à Sua santa vontade, mas pelo modo como se comportaram as conselheiras antes
mesmo de seu retorno de Roma, ocorrido em dezembro de 1950. Na carta a ex Superiora
Geral usará expressões fortes como hipocrisia e astúcia no relatar a maneira de proceder das
conselheiras gerais99.
É ainda a correspondência que se conserva no arquivo do Conselho pontifício para
pastoral dos migrantes e itinerantes relativa à congregação mscs, triênio 1948-1951, que
permite conhecer causas expressas e passos do processo de afastamento da Superiora Geral da
direção do instituto. Os motivos, determinantes, constam em carta de 21 de agosto de 1950
enviada ao cardeal Piazza, assinada pelas quatro conselheiras gerais da congregação: o grande
desinteresse de madre Borromea Ferraresi pelos problemas do instituto; estes, segundo as
conselheiras, a madre os apresentava como queria, deixando-as mal informadas; a falta de
lealdade da superiora geral e sua resistência em acolher sugestões dadas pelas conselheiras;
enfim, a impossibilidade de se porem de acordo, levava as conselheiras gerais a pedirem
demissão. Na avaliação destas, a situação da congregação era precária, quer no aspecto da
disciplina, quer na administração. Sempre conforme as conselheiras, ao contrário do que
pensava madre Borromea, naquele momento era inoportuna a transferência da sede geral da
congregação para a Itália, proposta pelo cardeal Raffaello Carlo Rossi em 1948.
De posteriores comunicações de conselheiras gerais e de outras pessoas consultadas a
respeito do impasse, a congregação Consistorial obteve mais informações que confirmavam o
estado de inquietação no governo da congregação mscs. A situação, como se lê em minuta de
27 de novembro de 1950, era atribuída mais que tudo ao modo independente de proceder que
madre Borromea parecia ter em relação ao conselho, dificultando uma dinâmica interação
entre os membros da direção geral do instituto.
Diante da circunstância, ouvida também a congregação dos Religiosos, a Consistorial
entendeu necessário intervir, convidando madre Borromea Ferraresi a demitir-se e aceitando
as demissões apresentadas em bloco pelas conselheiras gerais. Antes de atuar essas medidas,
em carta de 4 de dezembro de 1950, a congregação Consistorial informou o núncio apostólico
no Brasil, d. Carlo Chiarlo sobre a realidade no interno da congregação scalabriniana feminina
e sobre os possíveis procedimentos, entre eles o encaminhamento de consultas, tendo em vista
99
FERRARESI, Borromea. Lettera a Adeodato Giovanni Piazza. São Paulo, 25 Giugno 1951 (Archivio del
Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Generali – Sezione IX – Suore Scalabriniane.
Prot.514/25 ).
90
a nomeação de nova direção geral para o instituto. Na mesma carta o secretário da
Consistorial, cardeal Piazza, convidou o Núncio a expressar o seu parecer a respeito.
A resposta de d. Carlo Chiarlo ao cardeal Piazza, em carta de 29 de dezembro de 1950,
também confirma as anteriores informações chegadas à congregação Consistorial. Entre as
pessoas consultadas pelo Núncio figuram frei Venâncio de Alfredo Chaves, então ministro
provincial dos padres capuchinhos do Rio Grande do Sul e padre João Meneguzzi, vigário
geral da diocese de Caxias do Sul. Este, em sua resposta a d. Chiarlo fazia referências muito
positivas à ex superiora provincial, madre Joana de Camargo, que poucos meses depois seria
nomeada superiora geral da congregação mscs. Passado cerca de um mês, em carta de 25 de
janeiro de 1951, a congregação Consistorial agradecia a d. Carlo Chiarlo as informações
enviadas quanto ao governo de madre Borromea e comunicava ao núncio ter deliberado
convidar a superiora geral a demitir-se.
O motivo do afastamento de madre Borromea Ferraresi da direção geral da
congregação mscs, que emerge de correspondência relativa ao seu modo de proceder nos três
primeiros anos do sexênio 1948-1954 e que aparecerá expresso em documento da
congregação Consistorial, EX AUDIENTIA, datado de 26 de maio de 1951 é que ela, superiora
geral desde 1935, no triênio 1948-1951 governou sozinha sem levar em conta o conselho
geral e que apesar de todos os avisos e as recomendações, as coisas não mudaram100.
A afirmação suscita questionamentos: por que, depois de 13 anos de bem sucedida
gestão, madre Borromea Ferraresi teria tido uma súbita e imprevista mudança de
comportamento? Poder-se-ia avaliar o conflito como sendo típico caso de choque de
gerações? Teriam pesado a formação, diferentes pontos de vista em questões essenciais, os
títulos? Foi apropriado o modo de obter as informações chegadas à Consistorial? Como a
superiora geral, madre Borromea Ferraresi, viveu os últimos meses de seu mandato?
A principal fonte consultada para saber dos passos e sentimentos de madre Borromea
Ferraresi nesse período foi o seu diário e, com mais precisão, o registro de seu dia a dia no
espaço de tempo compreendido entre 26 de janeiro e 18 de junho de 1951, quando se
encontrava em visita às comunidades da província do Rio Grande do Sul. Durante esses quase
cinco meses, quando em Roma já fora deliberado convidar a Superiora Geral a demitir-se,
esta confiou ao diário os bons momentos vividos no aconchego de acolhedoras comunidades,
a começar por aquela do hospital São Manuel de Porto Alegre, mas também registrou
inesperadas reações como na chegada a Bento Gonçalves, à casa do noviciado onde, ao
contrário de outras vezes, a irmã que a recebeu ficou sem jeito, enquanto outras mostraram-se
desapontadas e perturbadas com sua visita.
Tais reações, é óbvio, eram sintomáticas e seriam melhor entendidas a partir de
dolorosas informações que lhe foram transmitidas no decorrer das visitas às comunidades da
província do Sul. Entre as notícias que causaram à madre Borromea perplexidade e
sofrimento maior foram, ao que parece: o envio à província do Rio Grande do Sul de uma
conselheira geral como visitadora e delegada da Madre Geral, sem que esta soubesse e antes
mesmo de seu retorno de Roma ocorrido a 21 de dezembro de 1950; a propagação entre as
irmãs de que a Superiora Geral estava muito doente, perdeu a memória, ficou caduca; a
divulgação de que em sua estada em Roma a Superiora Geral foi repreendida com severidade
pelo cardeal Adeodato Giovanni Piazza.
100
PIAZZA, Adeodato Giovanni. S. Congregatio Consistorialis. EX AUDIENTIA diei 26 Maii 1951 (Archivio
del Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Generali – Sezione IX – Suore
Scalabriniane. Prot. 514/25 ).
91
Junto a desabafos o diário de madre Borromea contém outras manifestações: senti
muito, mas não guardo rancor nem antipatia porque também Nosso Senhor foi desprezado
pelas suas criaturas. Aceitarei esta humilhação pelo amor de Deus. Chamam atenção ainda
outros acenos no diário, como a não comunicação de que d. José Barea, bispo da diocese de
Caxias do Sul, prometera o terreno para o noviciado. Madre Borromea Ferraresi lamenta não
ter sido informada disso. Conforme vimos, o Bispo defendia a permanência do noviciado em
Bento Gonçalves.
Mesmo desacreditada a Superiora Geral viveu naqueles meses ocorrências felizes em
quase todas as comunidades da província do Sul. A festa da páscoa de 1951, um dia cheio de
alegria, ela a celebrou em Roca Sales junto às três comunidades, hospital Roque Gonzales,
colégio São José e instituto de Clínicas Alto Taquari, reunidas em um só pensamento. Como
este, outros relatos de madre Borromea questionam a informação passada ao cardeal Piazza
segundo a qual no interno da congregação mscs continuava a decair o espírito religioso,
enquanto triunfava a desordem e a insubordinação101.
Ainda que colhidos aqui e ali os fragmentos do diário de madre Borromea Ferraresi
adicionam elementos válidos para uma interpretação que procura conhecer a parcela de
verdade contida nos diferentes pontos de vista, causadores dos fatos ligados a esta página
menos gloriosa da história das irmãs missionárias de são Carlos Borromeo, scalabrinianas.
O persistir da crise entre Superiora Geral e conselho determinou a já prevista e
anunciada intervenção da Consistorial. Conforme documento EX AUDIENTIA, de 26 de maio
de 1951, o cardeal Adeodato Giovanni Piazza pediu e o Papa autorizou a congregação
Consistorial:
1. a aceitar as demissões de todas as conselheiras gerais;
2. a convidar madre Borromea Ferraresi a demitir-se e após, a aceitar a eventual
demissão. No caso em que a Madre Geral não quisesse dar a demissão, conceder a
faculdade à congregação Consistorial de substituí-la;
3. a nomear a Rev. madre Joana de Camargo (ex superiora provincial, atual
superiora no colégio Scalabrini de Bassano) superiora geral até o próximo
capítulo geral ( abril 1954);
4. a confirmar as conselheiras gerais propostas pela nova superiora geral102.
O pedido de demissão de madre Borromea Ferraresi tem data de 21 de junho de 1951 e
foi testemunhado por d. Antonio de Siqueira, bispo auxiliar de São Paulo e responsável pelos
religiosos, que o assinou dia 26 de junho de 1951. Um comunicado da secretaria de Estado de
Sua Santidade, n. 233887/C de 30 de junho de 1951, endereçado a d. Giuseppe Ferretto,
assessor da congregação Consistorial e assinado por J. B. Montini informou à mesma
Consistorial o recebimento de telegrama do Núncio Apostólico no Brasil que justificou o
retardo com documento de demissão de madre Borromea Ferraresi porque a mesma se
encontrava em visita às comunidades no sul do Brasil.
A ex Superiora Geral seria impedida de permanecer no Brasil como era sua aspiração.
Ao lhe ser possibilitada a escolha entre Estados Unidos e Itália ela optou pelos Estados
Unidos, mas não obteve o visto para esse país por ser italiana. Foi então transferida para a
101
DIÁRIO de madre Borromea Ferraresi. Visita às casas do Rio Grande do Sul, 26 de janeiro a 18 de junho de
1951 ( AGSS, 1.12.3 ).
102
PIAZZA, Adeodato Giovanni. S. Congregatio Consistorialis. EX AUDIENTIA diei 26 Maii 1951.
92
comunidade de Bassano del Grappa, Itália, desempenhando ali por alguns anos o encargo de
superiora local. Madre Borromea Ferraresi era cardíaca e, tendo-se agravado seu estado de
saúde, levaram-na à Piacenza onde faleceu no dia 29 de abril de 1957. Deixou às irmãs
edificante exemplo de obediência, serenidade e espírito de oração.
Em correspondência de 30 de maio de 1951 a congregação Consistorial justificava ao
Núncio Apostólico no Brasil o porque do processo de intervenção no instituto scalabriniano
feminino. Intenção era fazer cessar a situação difícil e não isenta de graves perigos para o
progresso da mesma congregação religiosa103.
O caminho progressivo que a congregação scalabriniana feminina precisava retomar
com nova vitalidade era o da sua missão na igreja, como seria o apelo da Exsul familia,
constituição apostólica do papa Pio XII, de agosto de 1952. Enquanto as situações de
mobilidade humana se internacionalizavam, a congregação mscs ainda concentrava no Brasil
seu potencial de ação, distanciando-se do projeto pastoral de João Batista Scalabrini.
2.2.4 Nomeação de nova direção geral
A situação crítica vivida pela congregação mscs durante os primeiros anos do sexênio
1948-1954 dificultou o progresso da instituição em aspectos essenciais de sua vida-missão na
igreja. Uma avaliação do instituto em meados do século XX mostra maior preocupação com a
realidade interna e menor atenção às exigências do carisma em sua dimensão missionária.
Para isentar a instituição de mais graves danos, como justificou o cardeal Piazza, após
cauteloso processo e com notada firmeza, a congregação Consistorial determinou o
afastamento de madre Borromea Ferraresi da direção geral do instituto. Adeodato Giovanni
Piazza, na qualidade de secretário da Consistorial e nomeado a 12 de abril de 1949 cardeal
protetor da congregação scalabriniana feminina, forçou a renúncia de madre Borromea,
nomeou madre Joana de Camargo superiora geral, aceitou as demissões das quatro
conselheiras eleitas em março de 1948 e confirmou os quatro nomes propostos pela nova
superiora geral para comporem o conselho. A nova direção geral do instituto devia completar
o sexênio 1948-1954. Madre Joana de Camargo seria depois confirmada para o sexênio 19541960.
A nomeação de nova direção geral resultou de múltiplas sondagens, em parte
realizadas de modo simultâneo ao processo de demissão de madre Borromea Ferraresi e
centradas no nome da ex superiora provincial do Rio Grande do Sul, a então superiora da
comunidade de Bassano del Grappa, madre Joana de Camargo. Na citada carta de 25 de
janeiro de 1951 o cardeal Piazza comunicara a d. Carlo Chiarlo a cogitada nomeação de
madre Joana de Camargo para suceder à madre Borromea Ferraresi. Naquela oportunidade o
Cardeal pedira ao Núncio que, de forma muito reservada e sem manifestar as intenções da
consulta, solicitasse às quatro conselheiras gerais e às duas superioras provinciais do Brasil
informações sobre madre Joana, em particular sobre suas qualidades de liderança. A resposta
à cautelosa investigação foi pontual e decisiva, confirmando de maneira geral anteriores
referências favoráveis ao nome já pensado pela congregação Consistorial.
Junto à documentação enviada em anexo ao cardeal Piazza no início de abril de 1951,
d. Carlo Chiarlo resumiu o que disseram as seis irmãs consultadas. De quanto informaram
unânimes cinco delas, madre Joana de Carmargo distinguia-se pelo espírito de piedade e pelo
103
PIAZZA, Adeodato Giovanni. Lettera al Nunzio Apostolico in Brasile. Roma, 30 Maggio 1951(Archivio del
Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Generali – Sezione IX – Suore Scalabriniane.
Prot. 514/25 ).
93
zelo na observância das constituições. Enquanto para umas madre Joana era líder ativa,
vigilante, suave e enérgica ao mesmo tempo e de larga visão no administrar negócios, para
outras ela fora no passado indiscreta, precipitada no tomar decisões e em dar crédito a
conversas sem antes averiguar a verdade. Irmã Maria Gonzaga Cristoforo, na época superiora
provincial de São Paulo, em sua resposta ao Núncio afirmava conhecer muito pouco madre
Joana de Camargo e por isso entendia ser melhor não passar informações incertas, só de ouvir
falar.
Em base aos informes recebidos o Secretário da congregação Consistorial traçou em
um ângulo da própria carta de d. Carlo Chiarlo esses próximos passos:
1. convide-se a Madre Geral a demitir-se;
2. aceitem-se as demissões de todas as conselheiras gerais;
3. como nova superiora geral seja nomeada madre Joana de Camargo, superiora em
Bassano;
4. S. Exa. D. Anenore – que deve ir amanhã a Bassano a interrogue, se aceita –
Pergunte quais conselheiras entende ter.
5. A nova geral e seu conselho permanecerão no cargo até o próximo capítulo geral104.
Madre Joana de Camargo permaneceu em Bassano del Grappa até meados de junho de
1951.
Em fatos salientes daquele período está registrado que no dia 18 de junho ela recebeu
de sua superiora provincial, madre Lucia Gorlin que se encontrava em Roma para a cerimônia
de beatificação de Pio X, um lacônico telegrama nestes termos: Parta imediatamente para
Roma. Viajou dia 19 e apresentou-se à Provincial. Madre Lucia comunicou-lhe que no dia
seguinte, 20 de junho, devia apresentar-se ao cardeal Adeodato Giovanni Piazza. Conta madre
Joana que o Cardeal interrogou-a, recomendou-lhe sigilo e pediu-lhe que retornasse dia 21.
Na segunda audiência o cardeal Piazza fez-lhe outras perguntas e depois foi-lhe ordenado que
providenciasse o passaporte para o Brasil.
Dia 23 de junho de 1951 madre Joana de Camargo apresentou-se pela terceira vez ao
cardeal Adeodato Giovanni Piazza, oportunidade em que foi nomeada superiora geral da
congregação das irmãs missionárias de são Carlos Borromeo, scalabrinianas. Para formalizar
aquele momento foi chamada irmã Giuseppina Rossi, superiora da comunidade mscs de Roma
e que a acompanhara até a sede da congregação Consistorial também nas precedentes
audiências, aguardando-a na sala de espera. Nesta circunstância, na presença do cardeal
Piazza, de seu secretário e de outro prelado, ajoelhada, irmã Giuseppina Rossi beijou a mão
de madre Joana de Camargo, prestando ato formal de obediência.
Consta ainda em fatos salientes que a carta de nomeação foi-lhe entregue dia 28 de
junho em nova audiência com o cardeal Adeodato Giovanni Piazza. Madre Joana de
Camargo, nomeada superiora geral até o próximo capítulo que deveria se realizar em 1954,
retornou ao Brasil, tendo chegado ao Rio de Janeiro dia 1o de julho de 1951.
Conforme fora orientada apresentou-se ao núncio, d. Carlo Chiarlo, entregou-lhe
correspondência da congregação Consistorial e permaneceu alguns dias na comunidade mscs
104
CHIARLO, Carlo. Lettera a Adeodato Giovanni Piazza. Rio de Janeiro, 6 Aprile 1951 (Archivio del
Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Generali – Sezione IX – Suore Scalabriniane.
Prot.514/25 ).
94
junto à nunciatura apostólica. Por ordem do Núncio viajou depois para São Paulo, chegando à
Vila Prudente dia 9 de julho. Madre Borromea Ferraresi, ex superiora geral, encontrava-se em
Santo André. Presentes as quatro conselheiras gerais, apresentou a elas a seguinte declaração,
assinada por d. Carlo Chiarlo:
Por meio desta declaração, faz-se presente às casas e obras pertencentes ao Instituto
das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo, scalabrinianas, de que tendo a
Rev.ma madre Maria Borromea Ferraresi apresentado as demissões de superiora
geral do sobrecitado Instituto, a Sagrada Congregação Consistorial aceitou tais
demissões e nomeou a Rev.ma madre Joana de Camargo para nova superiora geral
do mesmo Instituto até completar o tempo da convocação do próximo capítulo geral.
A Sagrada Congregação Consistorial aceitou também as demissões das conselheiras
gerais, reservando-se o poder de nomear outras para substituí-las.
Rio de Janeiro, 27 de junho de 1951105.
Irmã Letícia Negrizzolo, ex vigária geral, leu a declaração à comunidade que se
reunira no refeitório. As irmãs prestaram, como de costume, ato de obediência. Em carta ao
cardeal Piazza, de 12 de julho de 1951, madre Joana escreveu que ficou comovida diante da
receptividade das irmãs, todas elas conformadas às disposições dos superiores maiores. A 9
de outubro, respondendo a uma pergunta do mesmo cardeal Piazza, de como as irmãs haviam
recebido a determinação da Consistorial, madre Joana confirmaria que a troca da direção
geral foi aceita com sentimentos de atenciosa submissão e respeito106.
A carta de nomeação de madre Joana de Camargo continha orientações gerais,
inclusive quanto ao novo conselho geral. Para a composição do mesmo, madre Joana deveria
apresentar à congregação Consistorial o nome de quatro irmãs que tivessem os requisitos
necessários ao desempenho de tal função, podendo ser indicadas também as conselheiras
demissionárias. Sempre conforme orientação recebida, a nova Superiora Geral deveria
consultar as irmãs mais idosas, a fim de informar-se, ouvir seus pareceres quanto a nomes
possíveis que entendesse apresentar à Consistorial para compor o conselho geral do instituto.
Ainda na Itália madre Joana de Camargo consultara madre Lucia Gorlin. Nas duas
províncias do Brasil consultou diversas irmãs idosas, fazendo-se acompanhar da ex secretária
geral, irmã Alice Milani. Do parecer de maioria das irmãs consultadas resultaram as seguintes
indicações enviadas ao cardeal Adeodato Giovanni Piazza dia 18 de agosto de 1951: irmã
Maria Faustina Bosio, conselheira provincial, Itália; irmã Bernadete Ugatti, superiora de
comunidade, Rio de Janeiro; irmã Maria Nazaré Machado, superiora provincial, Rio Grande
do Sul; irmã Maria Paulina Miotto, Rio Grande do Sul.
A congregação Consistorial aprovou os nomes da relação enviada, porém, irmã
Faustina Bosio, alegando problemas de saúde recusou-se a assumir a função. Proposto a
aprovado o nome de irmã Maria Regina Ceschin, o novo conselho ficou assim constituído:
irmã Maria Bernadete Ugatti, vigária geral; irmã Maria Nazaré Machado, segunda
conselheira; irmã Maria Regina Ceschin, terceira conselheira e ecônoma geral; irmã Maria
Paulina Miotto, quarta conselheira e secretária geral.
A nova Superiora Geral e conselho propuseram-se acompanhar de perto o andamento
de cada comunidade e de cada província, através de avisos, exortações e conselhos,
105
106
CHIARLO, Carlo. DECLARAÇÃO. Rio de Janeiro, 27 de junho de 1951 (AGSS 1.5.6 ).
CAMARGO, Joana. Carta a Adeodato Giovanni Piazza. São Paulo, 9 de outubro de 1951 (AGSS 1.5.6).
95
aproveitando as ocasiões que se apresentassem tais como visitas, exercícios espirituais, a viva
voz ou por cartas e intercâmbio de correspondência com as superioras provinciais, superioras
locais, mestras de noviças e irmãs todas, na medida do possível.
Entre 1952-1954 madre Joana de Camargo realizou visitas às casas do instituto,
seguindo instruções recebidas da congregação Consistorial. Durante o período de visita às
comunidades da Europa, em audiência com o cardeal Piazza, a superiora geral falou-lhe do
capítulo que deveria se realizar em 1954. Na circunstância o Cardeal recomendou-lhe não
tomar nenhuma iniciativa nesse sentido, mas aguardar comunicação da Consistorial.
Preocupada, em março de 1954 madre Joana de Camargo antecipou-se à Consistorial
com pedido para retardar de alguns meses o capítulo geral que se previa celebrar em abril
desse ano e que marcaria a conclusão de um sexênio complicado na evolução histórica do
instituto.
A resposta do cardeal Piazza em carta reservada, de 24 de março desse ano, foi
objetiva: o assunto estava sendo estudado pela congregação Consistorial; madre Joana de
Camargo e o conselho geral deviam prosseguir em sua missão e deixar de lado a preparação
do capítulo até recebimento de novas instruções de Roma; a Consistorial, naquele momento,
buscava informações sobre as conselheiras gerais, sua idoneidade e a conveniência ou não de
permanecerem no serviço por outro sexênio. Caso a Superiora Geral entendesse oportuna a
substituição de uma ou de outra das quatro conselheiras devia levar ao conhecimento do
cardeal Piazza o nome de eventuais candidatas.
Na mesma data, 24 de março de 1954, o cardeal Piazza escreveu ao Núncio Apostólico
no Brasil carta reservada, comunicando-lhe que a congregação Consistorial estava pensando
em confirmar madre Joana de Camargo para o sexênio 1954-1960 e solicitava seu parecer.
Também padre Francesco Milini, na época vigário geral da congregação scalabriniana
masculina, foi consultado a respeito.
As respostas foram enviadas com presteza. Madre Joana, em carta de 27 de março,
agradecia a solicitude do cardeal Piazza para com a congregação mscs e propunha, se Sua
Eminência julgasse oportuno, substituir irmã Maria Nazaré Machado por irmã Maria Cesarina
Lenzini e alterar assim a precedência do conselho geral: irmã Maria Bernadete Ugatti
continuaria vigária geral; irmã Maria Regina Ceschin ficaria segunda conselheira; irmã Maria
Paulina Miotto, terceira conselheira; irmã Maria Cesarina Lenzini seria quarta conselheira
geral.
No mesmo dia, 27 de março, padre Francesco Milini expressava parecer favorável a
que madre Joana de Camargo continuasse na direção geral da congregação scalabriniana
feminina. Por sua vez, o núncio d. Carlo Chiarlo, em base a conversação tida com duas
conselheiras gerais e algumas superioras que haviam participado de recente congresso dos
religiosos realizado no Rio de Janeiro, escrevia ao cardeal Piazza a 30 de março que o
governo de madre Joana de Camargo parecia-lhe até então profícuo e que, em eventual
capítulo, a grande maioria das irmãs votaria em madre Joana enquanto contra ela talvez
votassem uma ou outra das antigas simpatizantes de madre Borromea Ferraresi107.
A decisão da Consistorial foi comunicada à madre Joana de Camargo pelo núncio d.
Carlo Chiarlo em carta de 11 de maio de 1954:
107
CHIARLO, Carlo. Lettera a Adeodato Giovanni Piazza. Rio de Janeiro, 30 Marzo 1954 (Archivio del
Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Generali – Sezione IX – Suore Scalabriniane.
Prot. 514/25).
96
Tenho a honra de comunicar oficialmente à senhora e às suas conselheiras que a
congregação Consistorial, em virtude de especiais faculdades recebidas do Santo
Padre, decidiu suspender a celebração do capítulo geral que devia se realizar no
corrente ano e confirmou a senhora como Superiora Geral por um sexênio, conforme
as constituições.
Da atual direção geral, ademais, são confirmadas a vigária geral, irmã Bernadete
Ugatti e as duas conselheiras, irmã Regina Ceschin e irmã Paulina Miotto; como
quarta conselheira é nomeada irmã Cesarina Lenzini.
Portanto, a direção geral das Irmãs Missionárias de São Carlos para o sexênio 19541960 fica assim constituída:
Superiora geral, madre Joana de Camargo
I conselheira e vigária geral, M. Bernadete Ugatti
II conselheira e ecônoma, M. Regina Ceschin
III conselheira, M. Paulina Miotto
IV conselheira, M. Cesarina Lenzini
Ao dar-lhe a comunicação acima, apresento-lhe minhas congratulações e invoco as
bênçãos do Senhor para um sempre mais fecundo governo; renovo-lhe os sentimentos
de minha religiosa estima...108
A 25 de maio desse ano madre Joana de Camargo informava o cardeal Adeodato
Giovanni Piazza ter recebido a comunicação oficial, agradecia uma vez mais à Sua Eminência
a constante diligência e pedia-lhe que abençoasse a inteira congregação mscs.
Uma circular foi enviada a todas as casas do instituto, comunicando às irmãs que a Sé
Apostólica reconfirmara madre Joana de Camargo superiora geral para o sexênio 1954-1960,
suspendendo a realização do capítulo geral, que deveria ser o quarto a celebrar-se na
congregação. Em fatos salientes constam registros de cartas e telegramas recebidos,
felicitando a Superiora Geral pela reconfirmação. Poder-se-ia questionar a suspensão do
capítulo geral naquele momento da história do instituto scalabriniano feminino necessitado,
então, de uma reflexão profunda sobre a sua missão na igreja e no mundo.
2.2.5 Gestão de madre Joana de Camargo, 1951-1960
A nomeação de nova direção geral em meados de 1951, alternativa para superar a crise
que inquietava o instituto scalabriniano feminino há cerca de três anos e a confirmação para
um novo sexênio, determinada pela congregação Consistorial e comunicada em carta de 11 de
maio de 1954, estendeu a gestão de madre Joana de Camargo até 1960. Em nove anos de
mandato a Superiora Geral priorizou a observância regular, reflexo de uma época de forte
configuração piramidal, caracterizada pela centralização e uniformização, pela insistência em
necessária disciplina e rigorosa obediência às orientações do magistério da igreja. Em tal
contexto madre Joana de Camargo viu crescer o número de membros do instituto, mas, fez
falta uma reinterpretação da identidade da irmã mscs, à luz da Exsul familia, constituição
apostólica do papa Pio XII, de agosto de 1952. Em sua maioria as irmãs missionárias de são
Carlos, scalabrinianas, formadas nessa época, distanciaram-se do migrante como destinatário
preferencial de sua missão na igreja.
108
CHIARLO, Carlo. Carta a Joana de Camargo. Rio de Janeiro, 11 de maio de 1954 (AGSS 1.5.6 ).
97
Antes mesmo de reunir pela primeira vez as irmãs do conselho geral, triênio 19511954, madre Joana de Camargo estabeleceu como prioridade a disciplina religiosa no interno
da congregação mscs. A 3 de outubro de 1951, em carta ao cardeal Adeodato Giovanni Piazza
a nova Superiora Geral escreveu: O primeiro e maior problema que nos esforçaremos para
resolver será o afervoramento na disciplina religiosa. Contamos que isso atrairá abundantes
graças do Senhor sobre todos os interesses da amada Congregação109.
Na primeira reunião da nova direção geral, realizada a 19 de novembro de 1951,
madre Joana de Camargo lembrou às conselheiras a igual responsabilidade quanto aos atos do
governo e exortou-as à unidade e à cooperação para maior eficiência no serviço que lhes era
confiado. A 8 de dezembro, na circular em que comunicou a todas as irmãs a composição do
conselho geral nomeado pela Sé Apostólica, a Superiora Geral voltou a pedir união,
recomendou paz e ordem, mas acentuou o chamamento à observância da regra e à obediência
aos superiores:
União e paz, minhas caras filhas! E paz não é possível sem ordem, nem ordem alguma
pode haver sem regra. E vossa regra vós a tendes. Sede exatas em observá-la até ao
escrúpulo. Somente então haverá paz entre todas, quando cada uma ocupar fielmente
o lugar que lhe for indicado pela Providência110.
Esta insistência pela fiel e íntegra observância da regra visava, como expressou a
própria madre Joana em circular de 7 de agosto de 1953, que todas as irmãs se imbuíssem
cada vez mais do espírito da mesma. Em particular exortava as irmãs à prática da caridade,
vínculo capaz de unir num só coração e uma só alma, como se lê no capítulo décimo das
constituições então em vigor.
Nas informações passadas à congregação Consistorial em março de 1954 o núncio
apostólico d. Carlo Chiarlo afirmou que esse modo de animação permitiu corrigir
irregularidades, fez cessar o mal-estar generalizado que havia no interno do instituto, tornou
possível retomar iniciativas interrompidas, enquanto madre Joana foi conquistando a
confiança de quase todas as irmãs.
A confirmação de madre Joana de Camargo como superiora geral para o sexênio
1954-1960 significou a continuidade dessa maneira de exercer o serviço da autoridade na
congregação. Unidade, disciplina religiosa, obediência, observância exata das constituições
permaneceram apelos freqüentes, manifestados com diligência em circunstâncias diversas,
como em visitas às comunidades e nos retiros anuais, à viva voz e por escrito.
Em 1955, ano da celebração do 60o aniversário de fundação do instituto scalabriniano
feminino, em circular de n. 6, a Superiora Geral propunha a cada irmã que fizesse aquilo que
o coração lhe sugerisse para agradar ao Coração de Jesus. Escrevia, “a festa é nossa”,
recomendando que se fizesse uma novena em preparação ao evento e que no dia 25 de
outubro fosse cantado um vibrante Te Deum de ação de graças, a fim de que o mesmo se
traduzisse no futuro em vida religiosa mais perfeita, mais unida à eucaristia e mais conforme
às constituições da congregação.
O zelo pela observância das constituições foi expresso com maior radicalidade em
dezembro de 1955, quando as superioras da congregação foram submetidas a um meticuloso
109
110
CAMARGO, Joana. Carta a Adeodato Giovanni Piazza. São Paulo, 3 de outubro de 1951 (AGSS 1.5.6 ).
CAMARGO, Joana. Circular às irmãs. São Paulo, 8 de dezembro de 1951 (AGSS 1.5.6 ).
98
exame de consciência. Em carta que acompanhava o extenso documento, madre Joana
escreveu às superioras das comunidades:
Minhas filhas, é nas senhoras que depositamos toda nossa confiança pelo motivo
mesmo de terem sido nomeadas superioras. Portanto, exortamos a tornarem-se dignas
dessa mesma confiança das superioras maiores, dando sempre bom exemplo, por
meio da exata observância regular, pela sua piedade, pelo cumprimento de todos os
seus deveres religiosos. Lembrem-se sempre que as súditas, principalmente nestes
tempos, embora elas não sejam observantes, exigem que suas superioras o sejam. E
como sabem dizer: minha superiora não observa tal ponto da santa regra; minha
superiora exige, mas não pratica...111
A vigilância de madre Joana de Camargo deduz-se ainda de uma lista de avisos a
todas as irmãs retirantes, anexa a uma carta datada também de 1o de dezembro de 1955 e na
qual a superiora geral fazia, entre outras, estas recomendações às irmãs:
Filhas caríssimas, procurai aproveitar das graças de Deus pois nestes dias Ele as
derrama com grande abundância no meio de vós, basta que cada uma corresponda à
bondade divina. E como responder? Observando exatamente o horário estabelecido,
ficando bem recolhidas dentro de vós mesmas. Deus e minha alma! O resto deve ficar
lá fora num cantinho, esperando para depois do retiro. Deveis fazer um exame
minucioso para ver se não há algo a remediar referente à observância da santa regra,
à obediência a ao respeito para com os superiores, à piedade, à união com Deus, à
vida comum...112
Cópias do exaustivo questionamento às superioras e das numerosas recomendações às
irmãs, proibitivas na sua maioria e conservadas no arquivo geral da congregação mscs,
permitem constatar elementos ainda válidos e mudanças ocorridas em conseqüência de uma
diferente compreensão da vida consagrada. Boa parte desse conteúdo permanece na
lembrança e até no estilo de vida de irmãs formadas naquele período e constitui matéria de
história oral do instituto passada às gerações mais novas, em especial nos momentos de lazer
comunitário.
Madre Joana de Camargo aproveitava os acontecimentos do dia-a-dia para incentivar
as irmãs à observância regular. A 13 de maio de 1958, em razão do falecimento do cardeal
Adeodato Giovanni Piazza, por deliberação do papa Pio XII que atendeu solicitação da
direção geral mscs, o novo secretário da congregação Consistorial, cardeal Marcello Mimmi,
foi nomeado cardeal protetor do instituto, com os mesmos poderes que tivera o cardeal
Piazza. Ao comunicar às irmãs a notícia madre Joana, que se encontrava em Roma, voltou a
recomendar-lhes um renovado propósito de exata observância das constituições e de pronta
submissão aos superiores, na unidade, no espírito de sacrifício e de oração como, escrevia ela,
exortava o Papa em suas audiências.
Outra freqüente recomendação de madre Joana em sua correspondência às irmãs era o
do amor filial a Maria. Em circular de 14 de setembro de 1952 ela dizia ser Nossa Senhora a
verdadeira madre geral e que na Mãezinha do céu as irmãs deviam depositar toda sua
esperança. Na circular citada, de 25 de outubro de 1955, pedia às irmãs que renovassem a
111
112
CAMARGO, Joana. Carta às superioras. São Paulo, 1o de dezembro de 1955 ( AGSS 1.5.6 ).
CAMARGO, Joana. Carta às irmãs “retirantes”. São Paulo, 1o de dezembro de 1955 (AGSS 1.5.6 ).
99
consagração ao puríssimo Coração de Maria porque, afirmava, sem a Mãe Santíssima é
impossível chegarmos ao Filho Jesus. A 14 de novembro desse ano, por sugestão da superiora
provincial da província de São Paulo, irmã Ana Facchin, a direção geral mandou celebrar mil
santas missas para obter a proclamação do dogma da mediação de Maria.
Em 1958, ano da celebração do centenário das aparições de Lourdes, propôs à
congregação mscs para o mês de outubro, junto a outras iniciativas: oferecer ao Papa um
ramalhete espiritual de preces e sacrifícios que fosse fruto da participação de todas as irmãs;
reavivar o hábito de abster-se de doces e de frutas aos sábados como sempre se fizera no
instituto; renovar a consagração da congregação ao puríssimo Coração de Maria, feita em
1945 na celebração do cinqüentenário de fundação do instituto e que, segundo madre Joana,
devia ser repetida cada ano. Essa homenagem à Maria tinha, entre outras intenções
enumeradas pela Superiora Geral, obter da Virgem graças e favores para a congregação, em
especial que transformasse cada irmã mscs em uma religiosa verdadeira, cumpridora de todos
os deveres, amante da observância das santas constituições e de seus votos, submissa às
legítimas superioras e unida a Nosso Senhor...113.
No relatório de final de mandato, 1951-1960, madre Joana de Camargo atribuiu a
Deus e à terna proteção de Maria, medianeira de todas as graças, o quanto fora possível
realizar e recordou a audiência que tivera com o cardeal Piazza a 23 de junho de 1951 quando,
reconhecendo-se limitada para assumir o encargo proposto, Sua Eminência lhe assegurou que
não seria ela a dirigir a congregação, mas Nossa Senhora. Madre Joana afirmou que, de fato, a
Virgem Maria suavizou cada vicissitude ao longo de nove anos e obteve de Deus uma
prodigiosa expansão do instituto.
113
CAMARGO, Joana. Circular n. 11. São Paulo, 19 de setembro de 1958 ( AGSS 1.5.6 ).
100
2.3 Crescimento quantitativo e descaracterização pastoral do instituto
scalabriniano feminino
2.3.1 Evolução histórica e desvio pastoral da congregação mscs na década de 1950
Três aspectos, entre outros, caracterizaram os quase nove anos de mandato de madre
Joana de Camargo: a primazia dada à observância das constituições e o rigor em coibir a
indisciplina no interno do instituto; firmeza e freqüentes exortações à submissão aos legítimos
superiores; crescimento quantitativo dos membros e das obras da congregação scalabriniana
feminina. Mesmo quando em maio de 1960, eleita já a nova direção geral, madre Joana
escreveu às irmãs agradecendo-lhes a colaboração e pedindo desculpa se alguma vez fora
severa com elas, a ex superiora geral aproveitou a ocasião para recomendar uma vez mais a
todas, que se mantivessem na observância das constituições até nos mínimos detalhes e na
docilidade e submissão às ordens dos superiores. Nos escritos, como na história oral, esse
assunto aflora e é ressaltado no relatório da direção geral 1951-1960, documento que
relaciona as obras do instituto, desde as mais antigas às novas aberturas e destaca o
movimento de cada uma no ano de 1959. Na década de 1950 as irmãs mscs, em maior número
incorporadas às províncias de São Paulo e do Rio Grande do Sul, em sua ação apostólica
foram perdendo o contato direto com a realidade migratória, campo de sua missão na igreja.
No relatório 1951-1960, após referir a nomeação de madre Joana de Camargo ocorrida
a 23 de junho de 1951 no edifício da congregação Consistorial em Roma e a posterior
composição do conselho geral, bem como a confirmação da superiora geral para o sexênio
1954-1960, comunicada pelo núncio apostólico no Brasil d. Carlo Chiarlo em carta de 11 de
maio de 1954, a direção geral dedicou considerável espaço à figura do cardeal protetor, a
núncios apostólicos, a bispos e sacerdotes ligados às obras da congregação mscs. A cada
nome citado expressou homenagem de gratidão.
A Adeodato Giovanni Piazza, secretário da Consistorial e nomeado cardeal protetor
do instituto scalabriniano feminino a 12 de abril de 1949, o relatório prestou homenagem
póstuma, lembrando a sua bondade, a firme orientação e o empenho pelo bem da congregação
mscs, demonstrados desde a nomeação até a última audiência concedida a 17 de outubro de
1958, inclusive sua atenção para com as irmãs missionárias scalabrinianas quando o cardeal
visitou o Brasil no ano de 1954.
Na história mscs a nomeação de um cardeal protetor foi resposta à aspiração expressa
pelo instituto de poder contar, como outras congregações, com tal figura junto à cúria romana.
Interpretado por alguns como discriminação de gênero esse protetorado tivera em outros
tempos, de fato, pouco de honroso. Colocado ao lado de superioras gerais como medida de
precaução, o cardeal protetor as vigiava para que cumprissem bem os seus deveres. O poder
que ele exercia, autorizava-o até a depor a superiora geral em caso de faltas consideradas
graves114.
Ao então cardeal protetor da congregação mscs, Marcello Mimmi que sucedera a
Adeodato Giovanni Piazza, a direção geral cessante registrou no relatório 1951-1960 filial
114
ROCCA, Giancarlo. Donne Religiose. Contributo a una storia della condizione femminile in Italia nei secoli
XIX-XX. Roma, Ed. Paoline, 1992, cf. p. 83-4.
101
homenagem de submissão e um vivo reconhecimento pela benevolência com que orientava o
instituto, assumindo ele próprio a responsabilidade em momentos de indecisão, em já dois
anos de seu protetorado115.
O mesmo relatório presta a seguir homenagem e agradece a sábia orientação recebida
do núncio apostólico no Brasil, mons. Armando Lombardi e do ex núncio cardeal Carlo
Chiarlo que, por sua vez, sucedera a d. Benedetto Aloisi Masella, elevado ao cardinalato em
1946. Dos três núncios apostólicos no Brasil a congregação mscs recebeu particular atenção.
De d. Aloisi Masella, núncio entre 1927 e 1946 e de quem o instituto scalabriniano feminino
obteve o decreto de reconhecimento datado de 19 de maio de 1934, faz sentido registrar aqui
aspectos de sua dinâmica atuação no Brasil.
Na qualidade de núncio apostólico no País, d. Benedetto Aloisi Masella visitou quase
todos os estados brasileiros. Foi de seu tempo o decreto de Pio XI, de 16 de julho de 1930,
que declarou nossa senhora Aparecida padroeira do Brasil. D. Aloisi Masella teve decisiva
participação na construção do colégio Pio Brasileiro de Roma, inaugurado em 1934. Em
1939, sempre em seu tempo de núncio apostólico no País, realizou-se o Concílio Plenário
Brasileiro. Em 1955 retornou ao Brasil como legado papal ao XXXVI Congresso Eucarístico
Internacional realizado no Rio de Janeiro.
Depois de outras homenagens e agradecimentos a bispos e sacerdotes, benfeitores
especiais da congregação mscs, o relatório de final de mandato resumiu quanto fora realizado
pela direção geral, a fim de assegurar a observância das constituições e a disciplina religiosa
no interno do instituto, ou para comemorar eventos como o ano scalabriniano na ocorrência
do cinqüentenário de morte de João Batista Scalabrini e o 60o aniversário de fundação da
congregação, ambos celebrados em 1955. Nestas duas circunstâncias, através de circular, as
irmãs foram exortadas a imitar as virtudes do Fundador e a abnegação e o amor das pioneiras
para com a congregação.
Enfoque principal do relatório 1951-1960, como não podia deixar de ser, foi o
desenvolvimento das obras do instituto, relacionadas por província e reunidas em dois blocos
a começar pelas mais antigas, referindo a seguir as fundações do período 1951-1960. De todas
foi elaborada breve síntese histórica constando, inclusive, dados relativos à comunidade de
irmãs. Em cada obra relacionada distinguiu-se o movimento da mesma no ano de 1959.
Neste ítem transcrevemos em seqüência as fundações ocorridas no período 1948-1951,
ou seja, nos três primeiros anos do sexênio 1948-1954, que foi interrompido com o
afastamento de madre Borromea Ferraresi. São, portanto, continuidade das fundações já
relacionadas no ítem 1.3.5 deste segundo volume da história da congregação mscs.
Na província de São Paulo, entre 1948 e 1951 foi aberta apenas a comunidade do
Instituto Cristóvão Colombo, seção masculina, no Ipiranga, cidade de São Paulo, a 1o de
outubro de 1950. Nesse local e nessa data, na verdade, aconteceu o retorno de irmãs
missionárias de são Carlos à primeira missão do instituto scalabriniano feminino. Uma
comunidade de irmãs mscs atuara ali até sua transferência para Vila Prudente, seção feminina,
ocorrida a 4 de agosto de 1904, conforme consta no relatório da direção geral 1951-1960, à
página 8.
Na província do Rio Grande do Sul, durante o período 1948-1951, ocorreram cinco
novas fundações:
hospital Nossa Senhora Aparecida, Muçum, 4 de junho de 1948;
colégio São Luís, Casca, 4 de julho de 1948;
115
RELATÓRIO 1951-1960, p. 4 (AGSS 1.6.4 ).
102
hospital Nossa Senhora do Rosário e um jardim de infância, Serafina Corrêa, 1 o
de março de 1950;
hospital São Manuel, Porto Alegre, 26 de setembro de 1950;
seminário São Rafael, Casca, 1o de abril de 1951.
Já, a província da Itália somou às fundações em Piacenza, Roma, Bassano del Grappa
e Hayange referidas em ítem anterior, mais quatro comunidades, abertas antes do afastamento
de madre Borromea Ferraresi:
Asilo Infantil, Sala al Barro, comune di Como, Itália, 4 de fevereiro de 1950;
Instituto Cristóvão Colombo, Piacenza, Itália, 10 de julho de 1950;
Missão Católica Italiana, Lucerna, Suiça, 13 de outubro de 1950;
Asilo Infantil, Presina, Padova, Itália, 17 de dezembro de 1950.
Na província dos Estados Unidos, criada pela congregação Consistorial no ano de
1954 como se verá, o relatório 1951-1960 cita a abertura de duas novas comunidades no
triênio 1948-1951:
Seminário São Carlos, em State Island, New York, a 1o de agosto de 1949;
asilo Vila Scalabrini, Melrose Park, 1o julho de 1951.
Esta data, na verdade, integra já o período de madre Joana de Camargo. Na
comunidade de Vila Scalabrini estabeleceu-se depois, em caráter provisório, a sede da
província dos Estados Unidos.
As novas aberturas, relacionadas como fundações feitas durante o mandato de madre
Joana de Camargo na província de São Paulo, foram dez:
cúria diocesana, Santo André, São Paulo, comunidade fundada a 25 de janeiro de
1955;
hospital São Vicente, Guarapuava, Paraná, comunidade aberta a 20 de agosto de
1955;
asilo infantil Nossa Senhora da Paz, cidade de São Paulo, 4 de setembro de 1955;
escola regional Nossa Senhora de Belém, Guarapuava, Paraná, 3 de janeiro de
1956;
colégio Nossa Senhora Auxiliadora, Cascavel, Paraná, 18 de março de 1957;
hospital São Vicente, Vera Cruz Paulista, São Paulo, 22 de fevereiro de 1958;
instituto Sagrada Família, Arroio Trinta, distrito de Videira, Santa Catarina, 9 de
julho de 1958;
asilo São Vicente, Itatiba, São Paulo, 19 de julho de 1959;
hospital e maternidade São José, Itapuí, São Paulo, 31 de dezembro de 1959;
hospital São Roque, Arroio Trinta, distrito de Videira, Santa Catarina, 15 de
fevereiro de 1960.
103
Duas comunidades foram supressas na província de São Paulo entre 1951-1960: a da
creche São João Batista da Lagoa na cidade do Rio de Janeiro, em 1954 e a da Nunciatura
Apostólica na mesma cidade do Rio de Janeiro, em 1955.
Na província do Rio Grande do Sul, as fundações feitas durante o mandato de madre
Joana de Camargo foram onze:
escola Nossa Senhora de Fátima, Caxias do Sul, onde irmãs mscs atuavam desde
1946, sendo a comunidade local instituída a 1o de dezembro de 1952;
Instituto de Menores, Pelotas, 19 de março de 1953;
colégio São Carlos, Santa Vitória do Palmar, 1o de abril de 1953;
educandário Dom Luiz Guanella, Porto Alegre, 19 de março de 1953;
juvenato São Carlos, Bento Gonçalves, 7 de março de 1955;
hospital Nossa Senhora de Fátima, Flores da Cunha, 30 de março de 1957;
hospital beneficente São Domingos, São Domingos, então distrito de Casca, 30 de
maio de 1958;
casa de retiros espirituais Betânia, Caravágio, distrito de Farroupilha, 29 de janeiro
de 1959;
casa Madre Assunta Marchetti, Porto Alegre, 3 de janeiro de 1959;
hospital Cristo Redentor, Porto Alegre, 20 de junho de 1959;
colégio São João Batista, Vespasiano Corrêa, distrito de Guaporé, 1o de agosto de
1959.
Na província do Rio Grande do Sul foram supressas: a comunidade da creche
Bernardina Arnoni, de Santa Vitória do Palmar e a escola São Carlos, bairro Santa Catarina de
Caxias do Sul, a primeira em 1952 e a segunda em 1954.
A província da Itália, que já contava com oito fundações, foi nesse período
enriquecida com as seguintes quatro novas aberturas:
Missão Católica Italiana, Péronnes-les-Binche, Bélgica, 13 de novembro de 1952,
“destinada exclusivamente à assistência das famílias de emigrados italianos que se
dedicavam ao penoso trabalho das minas de carvão”;
Missão Católica Italiana, Marselha, França, 28 de novembro de 1953;
asilo Vila Scalabrini, Fontenay-Trisigni, França, 24 de novembro de 1954;
aspirantado D. Scalabrini, Casaliggio, Piacenza, 15 de agosto de 1958.
O relatório inclui a casa Madre Assunta, de Acilia, Roma, estabelecida em um imóvel
adquirido em meados de 1958 com vistas à transferência da sede geral da congregação mscs a
ser ali instalada e onde, a 31 de agosto de 1959, foi instituída uma comunidade formada de
quatro irmãs da província italiana, sendo duas delas estudantes. No mês de outubro desse ano
foi aberto no local também um asilo infantil com 45 alunos matriculados.
Ainda na província da Itália durante o período 1951-1960 foram fechados dois
pensionatos, um em Emmembrucke na Suíça e outro em Maastricht, na Holanda. Ambos
haviam sido abertos a 1o de julho de 1951. No primeiro, as irmãs atuavam junto a operárias
italianas e consta no relatório que a casa foi fechada, sobretudo por falta de assistência
espiritual, sendo que as irmãs deviam caminhar mais de um quilômetro a pé, em meio à neve
104
alta para assistir a Santa Missa e receber a Santa Comunhão, entre outros inconvenientes.
No pensionato de Maastricht as irmãs mscs desenvolviam sua missão junto a jovens italianas,
operárias em uma fábrica que depois foi fechada. Por essa razão as jovens retornaram à Itália
e as irmãs deixaram a Holanda. A supressão ocorreu em 1952116.
Nos Estados Unidos durante os anos de 1951 a 1960 a congregação mscs assumiu
nova missão na paróquia scalabriniana de St. Michael Convent, Chicago, dia 24 de agosto de
1952. Cerca de quatro meses depois, a 26 de dezembro do mesmo ano, foi instituída ali nova
comunidade. A obra, que começou com um pequeno asilo infantil, desenvolveu-se nos anos
sucessivos. Em 1959 as irmãs dirigiam o maternal, o asilo infantil e a escola elementar,
cuidavam da igreja paroquial, visitavam as famílias italianas e atuavam como catequistas na
paróquia e no presídio local. Na província dos Estados Unidos, no ano de 1951, foi supressa a
comunidade de Providence, Rhode Island.
Uma estatística incluída no relatório de final de mandato de madre Joana de Camargo
mostra o crescimento quantitativo de membros do instituto entre 1951-1960, período em que
houve na congregação mscs 344 aceitações, 318 vestições religiosas, 247 profissões
temporárias e 167 profissões perpétuas. Em maio de 1960 eram 627 as irmãs missionárias de
são Carlos, scalabrinianas. O quadro de irmãs mscs, por província, apresentava então esses
números:
província
irmãs de votos
perpétuos
irmãs de votos
temporários
noviças
Postulantes
São Paulo
121
46
17
15
Rio Grande do Sul
258
75
43
-
Itália
77
9
6
-
Estados Unidos
34
2
1
-
Sede geral
5
Durante o mandato de madre Joana de Camargo faleceram 17 irmãs mscs, entre elas
madre Borromea Ferraresi e madre Lucia Gorlin. Madre Borromea faleceu a 29 de abril de
1957 e madre Lucia, a 24 de março de 1958. Para outras informações referentes ao
desenvolvimento das obras da congregação mscs na década de 1950 sugerimos uma leitura na
íntegra do relatório 1951-1960, que se conserva no arquivo geral da congregação: AGSS 1.6.4
Um assunto crucial na evolução histórica do instituto scalabriniano feminino, de que
abordaremos a seguir alguns aspectos e que pela sua importância precisa ser aprofundado, é o
do processo formativo da irmã mscs desde o início da congregação até os anos 50,
considerando sua adequação ao apostolado próprio, confiado pela igreja à instituição e em
nome da qual deve ser exercido nas diferentes circunstâncias de tempos e lugares.
2.3.2 Formação da irmã mscs
O instituto scalabriniano feminino é um entre numerosos surgidos nos séculos XIX e
XX, reconhecidos depois como congregações religiosas, que mantiveram a vida comunitária,
mas não a rígida clausura monástica e que adquiriram solidez, desenvolvendo atividades
116
Ibid., p. 46.
105
apostólicas inseridas em diferentes realidades sociais. A congregação mscs seguiu esse novo
modelo em que a vida comunitária, a perpetuidade dos votos e uma atividade pastoral própria,
passaram a constituir elementos característicos que pressupõem um caminho formativo
imprescindível para uma adequada preparação dos membros. Uma leitura de documentos do
arquivo geral e constatações feitas no interno das comunidades da congregação mostram
lacunas e questionam o processo formativo do instituto ao longo dos anos. Circunstâncias
ligadas ao período fundacional dificultaram à instituição desenvolver, desde o início, um
processo regular de formação da irmã missionária scalabriniana. Na verdade, a facilitação a
seu tempo da realização das diversas etapas formativas e de uma apropriada preparação
religioso-apostólica constituíram possibilidades tardias para muitas missionárias de são
Carlos. Reunimos aqui alguns aspectos relativos à formação da irmã mscs no período anterior
ao concílio Vaticano II, pondo em evidência os anos cinqüenta.
Em que pese a emoção que assinalou o ato de fundação do instituto a 25 de outubro de
1895, o início da congregação foi marcado pela informalidade. Não foi encontrado decreto
inerente ao fato e requerido pela práxis canônica de então. As irmãs pioneiras que assumiram
a missão junto aos órfãos acolhidos no Cristóvão Colombo do Ipiranga, em São Paulo, a rigor,
não haviam feito o postulantado nem o noviciado e as constituições começavam a ser
compiladas. Longe de pôr em discussão a excepcional qualidade do serviço das primeiras
irmãs, entendemos que a graça do início, continuada no tempo, pressupõe adequada
preparação de formadoras e de formandas117. Da primeira formadora da congregação mscs,
irmã Maria Franceschini, sabemos pouco até porque sua vida, ainda que intensa, foi breve.
Maria Stella Regina Franceschini nasceu a 14 de março de 1873, filha de Paolo e
Cesira Franceschini. Tinha 20 anos quando ela e sua companheira Maria Angela Larini, de 18
anos, conheceram padre José Marchetti. O futuro Co-fundador do instituto chegou à pequena
paróquia de Compignano onde Maria Stella e Maria Angela nasceram e cresceram, em
meados de 1893. Ali padre Marchetti somou aos seus encargos a orientação espiritual das
duas jovens, que manifestaram sua opção pela vida consagrada. Para lhes favorecer melhor
preparação, padre José Marchetti enviou-as a um convento das irmãs Hospitaleiras em
Florença. Em fins de outubro de 1895, já servas dos órfãos e dos abandonados no exterior,
embarcaram como grupo pioneiro no Fortunata Raggio com destino ao Brasil. A 8 de
dezembro iniciaram o serviço missionário no orfanato Cristóvão Colombo do Ipiranga que,
um ano depois, abrigava cento e oitenta órfãos. Estavam assim organizadas: Carolina
Marchetti, superiora das servas; Assunta Marchetti, ecônoma da casa; Angela Larini,
enfermeira; Maria Stella Regina Franceschini, responsável pela formação das postulantes.
Passados cerca de dois anos, a 24 de outubro de 1897, véspera do segundo aniversário
de fundação do instituto, cinco irmãs emitiram a profissão perpétua: Assunta Marchetti, Maria
Stella Regina Franceschini, Angela Larini, Camilla Dal Ri e Maria Bassi. Duas das cinco
irmãs, Camilla Dal Ri e Maria Bassi, tirolesas recrutadas pelo padre José Marchetti e por ele
admitidas como postulantes, foram as primícias da ação formativa de irmã Maria Stella
Regina Franceschini. Do grupo pioneiro não professou Carolina Marchetti, por razões que
exigiram seu retorno temporário à Itália no início de 1897.
O scalabriniano padre Faustino Consoni, que em março de 1897 sucedera a padre José
Marchetti na direção do orfanato Cristóvão Colombo do Ipiranga, São Paulo, por delegação
obtida de João Batista Scalabrini recebeu a profissão perpétua das cinco irmãs. Padre Consoni
obteve também a faculdade de receber outras noviças, desde que tivessem os requisitos
exigidos pelo direito eclesiástico e pelo direito próprio.
117
JOÃO PAULO II. Exortação apostólica Vita consecrata, 1996, cf. n. 65-71.
106
Na história mscs desse período tem importância particular a abertura, em abril de
1898, de um noviciado em Piacenza situado à rua Nicolini 45, defronte ao instituto Cristóvão
Colombo, casa mãe dos missionários de são Carlos, scalabrinianos. Em depoimento atribuído
à irmã Carmela Tomedi consta que o próprio bispo João Batista Scalabrini, com freqüência,
dava instruções às noviças que chamava de colombinas, animando-as e exortando-as a se
formarem boas missionárias118.
A formação da irmã missionária de são Carlos, scalabriniana, nos primeiros anos do
instituto, afora a iniciativa de Piacenza centralizou-se em São Paulo, antes no Ipiranga, depois
em Vila Prudente e a partir de 1920 em Aparecida, interior do estado de São Paulo. Só em
1927 foi aberto em Bento Gonçalves, no estado do Rio Grande do Sul, o segundo noviciado
da congregação, transferido para Caxias do Sul a 7 de março de 1955, depois de demorada
disputa. O terceiro noviciado do instituto scalabriniano feminino foi aberto em Piacenza em
1936. Em Melrose Park, Estados Unidos, a congregação mscs teve instituído seu quarto
noviciado no ano de 1947.
O recrutamento de novos membros, no início, foi reduzido. Em junho de 1899, depois
de cinco dias de retiro espiritual, três postulantes foram admitidas à vestição e iniciaram a
etapa do noviciado: irmã Maria das Dores, brasileira; irmã Clarice Baraldini, italiana; irmã
Angelina Meneguzzo, nascida no Brasil de pais italianos. Em setembro desse ano foi admitida
como postulante a jovem italiana Teresa Montagnoli que, por motivo de saúde, logo retornou
à família. Em 1901 uma nova postulante, Lucia Gorlin, chegou ao orfanato Cristóvão
Colombo do Ipiranga, São Paulo, proveniente do Rio Grande do Sul, mas nascida na Itália.
Como ela, alguns anos depois, inúmeras filhas e netas de imigrantes italianos radicados no sul
do Brasil se tornariam irmãs missionárias de são Carlos.
A esse breve retrospecto somam-se os contratempos criados quando da tentativa de
fusão com as apóstolas do sagrado Coração de Jesus, fato que condicionou a ação formativa
da congregação mscs nos primeiros anos do século XX. A 15 de fevereiro de 1903 as
postulantes Teresa Montagnoli que fora readmitida e Lucia Gorlin receberam o véu das irmãs
apóstolas. A desistência de irmã Maria Bassi resultou desse clima desfavorável. Nos anos
sucessivos à separação dos dois institutos, ocorrida em 1907, outras dificuldades impediram o
crescimento quantitativo de membros da instituição scalabriniana feminina.
A superação de tantos imprevistos foi possível graças à fé, fortalecida e testemunhada
nas contínuas provações e à qualidade do serviço evangélico enraizado na história, da qual
fluiam renovados apelos. As servas dos órfãos e dos abandonados no exterior tinham
consciência de que sua resposta à missão abraçada comportava uma devida formação a ser
complementada. Também o fundador, João Batista Scalabrini, lhes teria assegurado que se a
experiência resultasse positiva retornariam à Itália para fazer o noviciado regular.
A indispensável presença pastoral das servas junto aos órfãos em São Paulo tornou
inviável seu retorno à Itália o que levou Scalabrini a determinar, em agosto de 1900, que fosse
possibilitado às pioneiras um período de recolhimento, uma espécie de noviciado, para
aprimorarem sua formação119. João Batista Scalabrini entendia que a irmã missionária de são
Carlos precisava se formar no verdadeiro espírito de Jesus Cristo e que a etapa do noviciado
era o tempo favorável para avançar nesse aprendizado essencial120.
118
MARTINI, Ettore. Memorie sulla fondazione della Congregazione delle Suore Missionarie di San Carlo –
Scalabriniane, p. 2 (AGSS 1.4.4).
119
SCALABRINI, Giovanni Battista. Lettera a Faustino Consoni. Piacenza, 8-8-1900. In: FRANCESCONI,
Mario. Giovanni Battista Scalabrini vescovo di Piacenza e degli emigrati (1839-1905). Roma, Città Nuova,
1985, p. 1072.
120
SCALABRINI, Giovanni Battista. Lettera a Rosa Gatorno. Piacenza, 27-9-1899 (AGS 3024/4).
107
Outro noviciado elas o fariam dez anos mais tarde, em razão de novas dificuldades
surgidas: as tensões resultantes da fusão do instituto das missionárias de são Carlos com o das
irmãs apóstolas do sagrado Coração de Jesus; a morte de João Batista Scalabrini dia 1o de
junho de 1905; a posição do superior geral dos missionários de são Carlos, padre Domenico
Vicentini, de não envolvimento com a questão das irmãs; a solicitada intervenção de d. Duarte
Leopoldo e Silva, arcebispo de São Paulo, que a 22 de setembro de 1907 tornou possível um
acordo entre irmãs de são Carlos e irmãs apóstolas, desfazendo a malograda fusão.
Depois da separação das duas instituições, a necessidade de apoio às irmãs mscs
motivou novas disposições de d. Duarte. Em abril de 1910 o Arcebispo de São Paulo nomeou
a irmã belga, Fulgência Huysmans, da congregação de são Vicente, superiora e mestra de
noviças das irmãs de são Carlos e padre Lourenço Hubbauer, redentorista, como seu delegado
e diretor espiritual das mesmas irmãs. Uma determinação de d. Duarte foi a de que todas as
irmãs mscs fizessem novo noviciado com a duração de um ano.
Passados seis meses o Arcebispo fez visita canônica às irmãs, interrogou-as, ouviu-as,
dispensou dos votos irmã Maria das Dores e, levado em conta o parecer de irmã Fulgência e
de padre Lourenço, concedeu às demais irmãs autorização de fazerem pública profissão
perpétua. A cerimônia realizou-se a 1o de janeiro de 1912 na capela do orfanato Cristóvão
Colombo de Vila Prudente, São Paulo. Na circunstância receberam o anel, um símbolo que
distingue ainda hoje a irmã mscs. De acordo com o livro de atas das profissões perpétuas,
1912-1934, que confere com a relação nominal conservada no arquivo da cúria metropolitana
de São Paulo, professaram na ocasião seis irmãs: Assunta Marchetti, Camilla Dal Ri, Carmela
Tomedi, Antonietta Fontana, Angelina Meneguzzo e Lucia Gorlin. O livro de matrícula da
congregação inclui irmã Clarice Baraldini.
No dia 4 de novembro de 1912, em uma dependência do orfanato Cristóvão Colombo
de Vila Prudente foi inaugurado o noviciado da congregação mscs. A partir de então outras
candidatas, em bom número alunas do mesmo orfanato admitidas como postulantes, fariam ali
o seu noviciado conforme estabeleciam as novas constituições aprovadas por d. Duarte
Leopoldo e Silva a 16 de abril de 1914.
O conteúdo das constituições de 1914 destacava além da espiritualidade, o significado
e a vivência dos votos em um caminho formativo de forte chamado a aspectos disciplinares. A
formação nessa época e nas décadas sucessivas concentrava-se na etapa do noviciado, com
duração de dois anos. A mestra de noviças devia formar as irmãs para a vida religiosa com
palavras, mas sobretudo com uma exemplar observância regular. Seu modo de proceder seria,
de acordo com as constituições, a mais convincente lição de vida. No segundo ano de
noviciado era permitido às noviças aplicarem-se também aos estudos literários, tendo em
vista a preparação para um melhor desempenho nas diferentes obras apostólicas da
congregação.
Após a fase mais intensiva do noviciado a ação formativa da irmã mscs era
complementada através dos retiros mensais e do retiro anual, de leituras comunitárias, de
exortações e do exemplo da superiora local, de preleção da superiora geral e provincial
quando das visitas às comunidades, de celebrações e eventos religiosos em geral. As
constituições, em seu n.39, estabeleciam que as irmãs destinadas ao ensino se preparassem
antes de entrar na sala de aula, que fossem metódicas e inclusive, para maior uniformidade
metodológica, que programassem reuniões mensais, a fim de trocar idéias, partilhar
observações e experiências sobre assuntos de educação. Estava insinuado aqui um modo de
formação permanente.
Poucas irmãs mscs freqüentaram cursos profissionalizantes ou de ensino superior antes
dos anos cinqüenta. Em determinadas circunstâncias algumas recomendações nesse sentido
108
fizeram-se ouvir, entre elas a de padre Domenico Vicentini, superior geral dos scalabrinianos.
Informado sobre o início da presença pastoral das irmãs de são Carlos no sul do Brasil,
escreveu padre Vicentini em carta a padre Marco Simoni: Muito agrada a notícia da ida de
nossas irmãs a Bento Gonçalves; cuidem que sejam bem preparadas porque têm a
concorrência das irmãs de são José que, parece, fazem muito bem e que estão presentes em
mais lugares do Rio Grande do Sul121.
Um preparo melhor da irmã mscs continuaria a ser preocupação nas décadas
sucessivas, inclusive da parte de d. Benedetto Aloisi Masella. Em 1943 o instituto, ainda sob
intervenção pontifícia, encaminhou ao Núncio dois pedidos de novas aberturas. D. Aloisi
Masella autorizou uma e considerou inoportuna a outra, alertando sobre a conveniência de
oportunizar a algumas irmãs um aperfeiçoamento nos estudos, com obtenção de diplomas,
conforme as novas exigências do estado brasileiro relativas ao ensino.
Entre a recomendação de padre Domenico Vicentini e a orientação de d. Aloisi
Masella transcorreram quase três décadas, tempo durante o qual a congregação mscs teve suas
constituições reformuladas, adaptadas ao código de 1917. Aprovadas ad experimentum em
1934 as novas constituições mantiveram um caminho formativo fixado mais no postulantado
e noviciado, voltado para a ascese e insistente quanto a aspectos disciplinares. Como modelo
propunham Jesus Cristo, manso e humilde de coração. De acordo com o n. 57 do novo texto
estabelecia que as noviças do segundo ano poderiam atuar nas obras do instituto, mas em
caráter excepcional, por motivo grave e em vista de sua formação. Sabe-se que nem sempre
foi assim. Em determinadas circunstâncias aconteceram envios de noviças do segundo ano a
comunidades de missão, em detrimento da formação das jovens.
Nas comunidades cabia à superiora local zelar pela observância das constituições,
exortar e corrigir as irmãs. Ao menos duas vezes por mês ela ou alguém idôneo devia dar
instruções sobre doutrina cristã às irmãs e pessoas ligadas ao serviço da casa. As constituições
determinavam ainda que toda a comunidade tivesse ao menos duas vezes por mês uma
conferência espiritual, de preferência feita por sacerdote aprovado pelo ordinário do lugar.
Ainda que sem usar a expressão permanente as constituições de 1934-48 em vigor até 1971,
aliás, como as de 1914, deixavam subentender a importância da formação continuada. A
formação permanente como um processo contínuo e de maior abrangência seria uma
conquista posterior ao concílio Vaticano II.
Nos anos cinqüenta a pressão em favor de mais adequada formação da irmã mscs
intensificou-se, quer em relação à vida espiritual e comunitária, quer quanto à preparação
acadêmica dos membros do instituto. E‟ de setembro de 1955 uma carta do cardeal secretário
da Consistorial e protetor da congregação, Adeodato Giovanni Piazza à madre Joana de
Camargo, dizendo-se impressionado e preocupado com os freqüentes casos de abandono do
instituto. O Cardeal questionava a qualidade da formação das noviças mscs e as motivações
que as levavam a ingressar na congregação. Em sua carta advertia sobre a necessidade de
exercitar o espírito de sacrifício e de observar com maior rigor as constituições. Exortava as
superioras a darem o bom exemplo e a todas as irmãs recomendava que mantivessem o fervor
inculcado nas casas de formação122. E‟ de se observar que as duas cartas exortativas de madre
Joana de Camargo, enviadas às superioras e às irmãs retirantes e referidas no item 2.2.5 deste
volume, são de dezembro de 1955.
Além do chamamento à necessária formação para a vida consagrada havia, então, um
apelo em favor também do aprimoramento intelectual dos religiosos, a fim de lhes facilitar
121
VICENTINI, Domenico. Lettera a Marco Simoni. Roma, 5-4-1915 (Arquivo dos Missionários de São Carlos,
scalabrinianos. Ipiranga-SP).
122
PIAZZA, Adeodato Giovanni. Lettera a Joana de Camargo. Roma, 22-9-1955 (AGSS 1.5.6 ).
109
melhor desempenho pastoral. Ora eram bispos, ora sacerdotes que alertavam sobre a
importância para o catolicismo de uma formação teológica dos religiosos. No Brasil, país de
maior concentração de irmãs mscs a legislação estatal, por sua vez, pressionava escolas e
hospitais particulares e ao mesmo tempo favorecia o acesso a cursos de aperfeiçoamento no
campo da educação e da saúde.
A esta fragmentada abordagem do percurso formativo da congregação mscs, que até
1950 oportunizou só para algumas irmãs a freqüência a cursos universitários, é justo
acrescentar que pouco a pouco, em razão de mudadas circunstâncias, foi dada a outras e em
maior número essa possibilidade. Na década de 1950, porém, ainda era atribuição das
superioras indicar nomes de irmãs e determinar o curso que as mesmas fariam. No relatório de
final do mandato madre Joana de Camargo e conselheiras gerais afirmam ter feito quanto foi
possível para elevar o nível de instrução das irmãs.
O relatório 1951-1960, de fato, contém um elenco de cursos freqüentados, diplomas,
certificados e registros obtidos por irmãs mscs nesse período. A esse incremento intelectual
somaram-se outras iniciativas, como a aquisição de uma casa em Porto Alegre, no Rio Grande
do Sul, destinada de modo exclusivo à formação de irmãs. Denominada casa Madre Assunta
Marchetti, a nova comunidade foi aberta a 3 de janeiro de 1959 e passou a acolher irmãs
estudantes da província do Sul, de diferentes áreas de formação. Proporcionar à irmã mscs
adequada formação significou, para a congregação, possibilidade de melhor desempenho de
sua missão na igreja.
Pena que na época formadoras e formandas do instituto scalabriniano feminino, quanto
se sabe, tenham ignorado a constituição apostólica Exsul familia, distanciando-se da realidade
migratória. Dada a essencialidade da questão surpreende que a Consistorial, atenta a outros
aspectos, não tenha alertado a direção geral a respeito do desvio e orientado a congregação
mscs a repensar a sua identidade, mediante um caminho formativo de fidelidade à inspiração
original.
Uma análise mais recente reconhece que persiste na congregação uma certa
improvisação e uma insuficiente atualização do serviço de formação123. Mesmo que
atenuado, sobretudo a partir do concílio Vaticano II, o despreparo é visível e soma-se à
inevitável limitação humana. Sem dúvida, entre a situação de emergência que caracterizou o
período fundacional e a proposta formativa contida nos princípios e orientações para a
formação da irmã mscs, documento elaborado no decorrer do sexênio 1995-2001 e
promulgado a 26 de maio de 2002, a congregação mscs progrediu, mas é necessário avançar
mais.
A plena configuração do estilo de vida da congregação scalabriniana feminina
resultará de profunda identificação, de mente e de sentimentos, com a missão do instituto
reconhecida como própria por todas as irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas.
2.3.3 Alternância de bons e mais difíceis momentos
No decorrer da década de 1950 as irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas,
como todo grupo humano ligado por comum opção de vida e com um projeto apostólico
específico, experimentaram a alternância de momentos de maior progresso, tranqüilidade e
certeza e outros de menos frutuosa trajetória, desavenças e indecisões. Ao percorrer a
123
DECIMO CAPITULO GERAL - 2001. Análise da realidade atual da congregação. Documento n. 1, p. 27
(AGSS 1.6.11).
110
geografia da presença pastoral da irmã mscs no período 1951-1960 constatam-se passos
novos, mas também ausências que detiveram o desenvolvimento do instituto no campo
missionário que lhe foi designado na igreja. Nesse aspecto, conforme vimos, faltou repensar a
identidade da irmã missionária scalabriniana em base à multiplicidade que então se
manifestava no âmbito da mobilidade humana, lugar em que a congregação devia encarnar o
carisma através de dinâmica fidelidade, condição para frutificar nas mudadas circunstâncias
do tempo.
Ao ser confirmada como superiora geral para o sexênio 1954-1960 madre Joana de
Camargo deu continuidade ao estilo de governo por ela exercitado entre 1951-1954 quando
completou o sexênio interrompido com o afastamento de madre Borromea Ferraresi. Nesse
triênio, profícuo na avaliação do núncio d. Carlo Chiarlo, madre Joana remediou situações
irregulares, retomou iniciativas que estavam paralisadas, pôs fim àquele mal-estar
generalizado que reinava e conquistou pouco a pouco a confiança das suas irmãs124.
Em seu serviço de governo, que se estendeu por quase toda a década de 1950, madre
Joana de Camargo exigiu sempre das irmãs minuciosa observância das constituições e uma
irrestrita submissão às superioras. Com freqüência e firmeza a Superiora Geral exortou
superioras e irmãs, possibilitou à maioria uma relativa formação religiosa e facilitou para
algumas a necessária qualificação profissional. Na medida do possível favoreceu melhores
condições às obras da congregação no Brasil. O instituto scalabriniano feminino era um dos
183 existentes nesse País quando da realização do Congresso Nacional de Religiosos. O
evento teve lugar na cidade do Rio de Janeiro de 7 a 13 de fevereiro de 1954 e dele
participaram também duas conselheiras gerais e algumas superioras da congregação das irmãs
de são Carlos. Naquela circunstância, no dia 11 de fevereiro foi fundada a CRB, conferência
dos religiosos do Brasil.
No ano de 1954 a congregação mscs viveu outros bons momentos como o da
instituição da província dos Estados Unidos, assunto que será abordado no ítem 2.3.4.
Particular significado teve a presença do cardeal Adeodato Giovanni Piazza no Brasil onde,
na qualidade de enviado papal, presidiu o Congresso Mariano de São Paulo realizado em
setembro de 1954. Madre Joana, conselheiras e irmãs scalabrinianas assistiram a abertura do
congresso em que foi celebrante o cardeal d. Jaime de Barros Câmara. Adeodato Giovanni
Piazza, cardeal protetor do instituto, visitou nessa oportunidade obras e casas dos padres
scalabrinianos, bem como alguma obra e os noviciados da congregação mscs no Rio Grande
do Sul e em São Paulo.
A visita ao noviciado do Sul ocorreu em agosto de 1954. Estavam presentes também
madre Joana de Camargo e irmã Regina Ceschin, conselheira e ecônoma geral. Após ser
saudado por uma noviça, o cardeal Adeodato Giovanni Piazza manifestou seu contentamento
com as obras da congregação na província do Rio Grande do Sul.
No dia 8 de setembro do mesmo ano, conforme consta em Fatos Salientes, o cardeal
Piazza visitou o noviciado de Aparecida do Norte. Ali, entreteve-se por cerca de meia hora
com irmãs e noviças, animando-as a seguirem sempre o espírito do santo fundador,
Scalabrini. Depois de saudado por uma noviça, recebeu um ramalhete espiritual e um buquê
de rosas que mandou colocar aos pés de N. Senhora. O Cardeal agradeceu e disse que iria
relatar tantas coisas bonitas ao Santo Padre, principalmente iria dizer que ficou edificado
vendo a devoção que o povo brasileiro tem para com N. Senhora Aparecida e que falaria ao
124
CHIARLO, Carlo. Lettera a Adeodato Giovanni Piazza. Rio de Janeiro, 30-3-1954 (Archivio del Pontificio
Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Prot. 514/25).
111
Papa das obras scalabrinianas no Brasil. Afirmou que Scalabrini continuava a assistir as
congregações que fundara e que esperava vê-lo em breve subir às honras dos altares...125.
Ainda na província de São Paulo, a 10 de setembro de 1954, d. Adeodato Giovanni
Piazza esteve no Pari, sendo recebido por irmãs, alunas e numerosa população e onde assistiu
a uma programação artística em sua homenagem. A visita ao Pari ficou perpetuada em
mármore. No dia seguinte, em Jundiaí, o cardeal Piazza abençoou a primeira pedra do novo
prédio do noviciado da província de São Paulo.
Outro momento feliz para o instituto foi a condecoração, com medalha de ouro,
conferida pelo núncio apostólico d. Carlo Chiarlo à irmã Ana Facchin, evento registrado em
Fatos Salientes a 11 de agosto de 1954. A homenagem expressou um vivo reconhecimento às
irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas, pela solicitude e dedicação prestadas à
nunciatura apostólica no Brasil. A medalha foi entregue de forma solene pelo Núncio à irmã
Ana, então superiora da comunidade e, quanto se sabe, primeira irmã a ser condecorada na
história da congregação mscs.
Em meio a esses e outros acontecimentos, às vezes mais e às vezes menos favoráveis,
sempre atenta à orientação da Consistorial, madre Joana de Camargo resolveu questões
pendentes como a do noviciado da província do Rio Grande do Sul, transferido de Bento
Gonçalves para a cidade de Caxias do Sul em março de 1955. Na mesma cidade foi
estabelecida também a sede provincial, antes em caráter provisório junto ao colégio São
Carlos e depois em ala situada no mesmo prédio do noviciado.
Outra proposta paralisada que madre Joana retomou e começou a concretizar foi a da
transferência da sede geral, sugerida há mais tempo pela congregação Consistorial, que agora
voltava a propor com maior insistência. Para efetivá-la, em junho de 1958 a direção geral
adquiriu um imóvel em Acília, Roma, onde nos primeiros anos atuou uma comunidade da
província italiana, já referida. A transferência da casa geral para Acília ocorreria somente em
1961.
Em nove anos de mandato de madre Joana de Camargo, o instituto scalabriniano
feminino viu crescer seu patrimônio material mediante novas aquisições, reformas,
ampliações, construções e até doações como a do colégio nossa senhora de Belém, da cidade
de Guarapuava, no estado do Paraná, feita pela congregação das servas do Espírito Santo.
Quase sempre o desenvolvimento das obras, de modo particular no Brasil, resultou de
exigências do estado, o que favoreceu as instituições da congregação scalabriniana feminina
nesse país.
Atenta ao progresso material do instituto, a seu modo, a Superiora Geral manteve-se
constante no zelo pelo crescimento espiritual das irmãs. Em diferentes circunstâncias sugeriu
a retomada coletiva de antigos hábitos de mortificação, incentivou práticas tradicionais como
a do ramalhete espiritual, repropôs iniciar toda a correspondência com V.J.M.J., ou seja, Viva
Jesus, Maria, José!.
No campo apostólico, a congregação mscs tornou-se mais conhecida e a maior
visibilidade da sua ação pastoral resultou em pedidos de novas aberturas no Brasil, em outros
países da América Latina, na Europa e nos Estados Unidos. Apelos de presença chegaram do
Chile e da Argentina propondo a atuação das irmãs mscs junto a imigrantes italianos ali
estabelecidos. Foi de junho de 1954 a solicitação de abertura da missão efetivada em Paris
junto à senhoras idosas, de nacionalidade italiana. A resposta negativa a tantos pedidos,
alguns mais insistentes, constituiu uma das dificuldades enfrentadas nessa época. Outro
125
FATOS SALIENTES: 1951-1956. Dia 8-9-1954 (AGSS 1.12.3 ).
112
obstáculo, motivo de descontentamento e de preocupação era o despreparo das irmãs e as
cobranças decorrentes de tal situação.
O período 1951-1960 da história da congregação mscs foi marcado também por um
número progressivo de perdas. Faleceram no decorrer desses anos, além de madre Borromea
Ferraresi e madre Lucia Gorlin, outras irmãs entre as quais madre Imaculada Mileti, irmã
Angelina Meneguzzi, irmã Clarice Baraldini, que na urna mortuária as irmãs viram
rejuvenescida e a noviça Josefa Verona que nos últimos dias de vida, apesar das fortes dores,
repetia a jaculatória Jesus, eu te quero bem! Esses e outros exemplos enriqueceram o
patrimônio espiritual do instituto.
Na alternância diversificada dos fatos e não obstante a vigilância de madre Joana de
Camargo, não faltaram no interno da congregação ocorrências incomuns, como supostos
fenômenos místicos dos quais foi protagonista irmã Leocádia Petroski e envolvimentos no
caso, que foram reprimidos com inusitada dureza, conforme consta no livro de atas das
reuniões da direção geral e em outros documentos da época.
A ata n. 322, de 9 de setembro de 1958, registra que na reunião da direção geral desse
dia falou-se de deixar consignada na ficha de irmã M. Alice Milani e companheiras de
rebelião, uma nota referente aos subterfúgios e desobediência às legítimas autoridades. Já na
ata de 27 de setembro do mesmo ano consta a justificativa dada à irmã Leocádia Petroski, que
resume o posterior desdobramento do fato:
Madre Alice Milani, por ter dado crédito e fomentado as suas idéias de supostas
visões sobrenaturais, ensinou-lhe a maneira de fazer subterfúgios e trabalhou contra
os legítimos superiores da congregação e por esse motivo está retida na Itália pela
Santa Sé, após ter sido demitida do cargo de mestra de noviças pelo Sr.Cardeal
Protetor126.
Nessa punição, aplicada à madre Alice e não às suas companheiras de rebelião,
considerou-se a particularidade de ter sido ela superiora provincial e desempenhar, na época, a
função de mestra de noviças.
O exílio de madre Alice Milani na Itália prolongou-se por cerca de um ano e nove
meses, de agosto de 1958 a maio de 1960. Sem contestar, com exemplar submissão às
determinações dos superiores, nesse período madre Alice permaneceu em Piacenza sob a
dependência da superiora provincial da província italiana, irmã Elisa Spinelli. A esta, madre
Joana de Camargo recomendou uma rígida vigilância sobre a irmã, enviando-lhe as seguintes
instruções: revistar suas malas, a fim de ver se continham papel para escrever, uma vez que
devia pedí-lo cada vez, como de costume; sair sempre acompanhada de uma irmã entre as três
indicadas pela própria superiora geral; trabalhar na comunidade, nunca no asilo infantil, nem
na portaria ou no oratório com os jovens127. Por outro lado, madre Joana pediu à Provincial
que não deixasse faltar o necessário à irmã durante sua permanência na Itália.
Durante esse tempo madre Alice escreveu à Superiora Geral diversas cartas inclusive,
pedindo-lhe perdão. Em junho de 1959, recuperada de uma intervenção cirúrgica a que fora
submetida em fevereiro desse ano, obteve uma audiência com o cardeal Marcello Mimmi que
lhe disse, em tom paternal: o que aconteceu já não existe mais e nem será lembrado, quem
126
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral - sexênio 1954-1960. Atas de 9-9-1958 e 27- 9- 1958 (AGSS
1.12. 1 ).
127
CAMARGO, Joana. Cf. Lettera a Elisa Spinelli. São Paulo, 14-9-1958 (AGSS 1.5.6 ).
113
não pode errar?128. Em carta à Superiora Geral datada de 5 de abril de 1960 o Cardeal
autorizou o retorno de madre Alice ao Brasil.
Consideramos importante o depoimento de irmã Maria das Dores Marcarini, relativo a
essa página da história mscs. Nele madre Alice Milani é lembrada como irmã de postura
impecável, de personalidade marcante, possuidora de bondade e firmeza, tendo-se
distinguido pelo zelo e vida de oração, pela profunda devoção à santíssima Mãe do Senhor e
ao sacrifício perpétuo do Cristo eucarístico. Afirma irmã das Dores que madre Alice
procurava deixar o Cristo viver nela e que removia qualquer obstáculo, a fim de participar
todos os dias da celebração eucarística. No mesmo documento irmã das Dores escreve que
madre Alice e ela eram muito amigas, tinham uma confiança mútua, ligada à espiritualidade
na configuração com Jesus Cristo, então orientada a 'ser para Cristo uma humanidade de
acréscimo' conforme Isabel da Trindade. Escreve ainda irmã das Dores que por volta de 1953
madre Alice era superiora provincial e ela, superiora e diretora do colégio nossa Senhora
Medianeira, de Bento Gonçalves, tempo em que teve na comunidade religiosa uma irmã
agraciada com experiências místicas. Era irmã Leocádia Petroski, ou irmã Rosa Maria
Petroski, nome civil da religiosa. Esclarece irmã Maria das Dores: irmã Leocádia me votava
grande confiança, deixava-me ao par do que lhe acontecia. Eu tive a oportunidade de
presenciar daquilo que sofria, bem como suas grandes alegrias... Madre Alice também foi
testemunha muitas vezes dessas experiências místicas de irmã Leocádia Petroski. Bem,
depois dessas alegrias, veio o caminho da Cruz. Mas o Senhor nos deu forças, à irmã
agraciada, à madre Alice e a mim 129.
E‟ de se observar que os tempos são sempre outros e que, passados cinqüenta anos
daquele episódio, lembra-se muito o quanto madre Alice Milani significou de bem para a
congregação mscs e para a igreja. No ano de 1971 ela seria eleita superiora geral do instituto,
desempenhando essa função até outubro de 1983.
2.3.4 Fundação da província dos Estados Unidos
O decurso do tempo, muitas vezes condição para corrigir situações equivocadas, é
fundamental no encadeamento de fatos que constituem o processo histórico, quer de um
instituto religioso, quer da sociedade humana em geral. Na história da congregação das irmãs
missionárias de são Carlos o bem sucedido início da missão nos Estados Unidos fez entrever
ali uma promissora expansão do instituto. Como vimos em matéria precedente o espírito de
mútua colaboração entre irmãs e padres scalabrinianos favoreceu, na década de 40, o
desenvolvimento da missão scalabriniana feminina nos Estados Unidos, o que levou a propor
a fundação de uma província mscs naquele país. Este passo histórico, ainda que precedido de
perda de oportunidade considerada única, concretizou-se em 1954.
A tendência a maior progresso e estabilidade da congregação mscs nos Estados Unidos
em fins dos anos 40 pode-se deduzir também da intenção referida em carta de madre
Borromea Ferraresi a padre Armando Pierini, c.s., de janeiro de 1948, de abrir uma casa para
italianos idosos em Melrose Park. A então Superiora Geral dizia ser consoladora a notícia de
que o Cardeal de Chicago consentia em deixar à congregação das irmãs de são Carlos um
terreno e asilo que se pretendia fundar. Madre Borromea assegurava que não faltariam irmãs
para a obra, mas precisava antes conhecer as condições da proposta, a fim de apresentá-la no
capítulo geral que se realizaria em março daquele ano.
128
129
MILANI, Alice. Carta a Joana de Camargo. Piacenza, 5-7-1959 (AGSS 1.5.6 ).
MARCARINI, Maria das Dores. Carta a Lice Maria Signor. Farroupilha, 7-11-2007.
114
Três meses depois, em carta de 12 de abril de 1948, o scalabriniano padre Salvatore
transmitia à Superiora Geral mais informações sobre a abertura do asilo: fora constituída uma
comissão encarregada de levar adiante o plano que contava com a adesão de todos os padres
scalabrinianos; estavam programadas várias iniciativas com o objetivo de angariar fundos
para começar a construção do asilo; haviam sido iniciadas as práticas relativas à aquisição do
terreno; o asilo era visto como oportunidade de maior desenvolvimento da congregação das
irmãs de são Carlos nos Estados Unidos. Comunicava ainda padre Salvatore: a casa dos
idosos seria construída atrás do noviciado; o Cardeal de Chicago mantinha a decisão de dar
toda a propriedade às irmãs que assumissem o asilo; uma vez aberta a casa, cabia às irmãs
levar adiante a obra; quanto a isso não havia necessidade de maiores preocupações uma vez
que o governo e o Catholic Charities Bureau passariam uma quantia mensal para cada idoso;
muitos idosos, em especial os de sexo masculino, teriam direito à pensão.
Na realidade, as irmãs missionárias scalabrinianas não assumiriam o asilo de Melrose
Park. Em carta a madre Borromea, sem data e que se presume ser de março de 1951, padre
Armando Pierini comunicava que em abril a casa para idosos italianos estaria em condições
de acolher os primeiros residentes e que o cardeal Stritch aceitara que as irmãs scalabrinianas
assumissem os serviços de Villa Scalabrini. Escrevia ainda o Padre: eu fiz o possível a fim de
que as suas irmãs pudessem ter a casa para os idosos. Sinto dizê-lo, parece-me que a senhora
não cooperou o bastante. Acrescentava padre Pierini: sei que nem mesmo a senhora pode
fazer milagres, mas uma ocasião como esta será difícil que se apresente outra vez...130. Vale
lembrar aqui a crise no interno da congregação scalabriniana feminina que nessa época
afastou madre Borromea Ferraresi da direção geral do instituto.
A perda de ocasião propícia em um tempo favorável sugere uma reflexão sobre o
processo histórico do instituto, às causas e às conseqüências de fatos, ainda que tenham
ocorrido há mais de meio século. No caso do asilo para idosos italianos nos Estados Unidos,
mesmo que a congregação scalabriniana feminina tenha perdido a oportunidade de se tornar
proprietária da obra conforme a proposta original, tem sido sem medida a doação e
indiscutível o significado pastoral da presença das irmãs mscs junto aos residentes de Villa
Scalabrini, em Melrose Park.
Uma carta de 15 de abril de 1948 enviada pelo scalabriniano irmão Francesco Roti a
madre Borromea, assinada também pelo superior provincial, padre Giuseppe Bolzan e por
irmã Caetana Borsatto, oferece dados concretos acerca da colaboração prestada pelos
missionários de são Carlos às irmãs em Melrose Park, mostra o relativo progresso do instituto
scalabriniano feminino nos Estados Unidos, destaca a disponibilidade das irmãs mscs e o
relacionamento entre os missionários das duas congregações scalabrinianas que atuavam
nesse país. Escreve irmão Francesco a madre Borromea:
Assim que recebi sua carta levei ao conhecimento do Padre Provincial sua solicitação
e com carta-pedido da Superiora daqui, padre Franch generosamente antecipou mil
dólares sobre o salário das duas irmãs à seu serviço, dinheiro que ele pagava
mensalmente; este foi expedido logo por telegrama e sem dúvida, será recebido a
tempo.
A gentil irmã Albertina certamente me dá mais crédito do que eu tenha direito ter,
pelo fato de que segui sempre as ordens dos meus superiores e se alguma vez parece
que eu tenha feito alguma coisa, foi sempre seguindo ordens recebidas.
130
PIERINI, Armando. Lettera a Borromea Ferraresi. Melrose Park, Ill., s. d. (AGSS 1.5.5).
115
Padre Pigato encarregou-me de ajudar na compra e construção do Noviciado e de
fazê-lo do melhor modo. Na ajuda financeira foram sempre os padres scalabrinianos
e até agora nenhum outro contribuiu materialmente.
Para que a senhora, Revma. Madre, tenha uma idéia exata de quanto os nossos
padres fizeram, notifico o que segue:
foi através dos nossos padres que o Sr. John Chiaro, 12 North 5 th. Ave. Maywood,
Illinois, ofereceu o seu serviço de arquiteto grátis, bem como o Sr. Domenico Amici,
toda a escavação para os alicerces, também grátis. Seu endereço é 1209 14 th. Ave.
Melrose Park, Ill., se por acaso a senhora deseja mandar umas linhas de
agradecimento.
Para a viagem do Brasil a Melrose Park ....................................... $ 2.000.00
Gasto para preparar o Noviciado provisório ......................................1.900.00
Soma recolhida para a viagem Roma-Melrose Park .........................2.400.00
Contribuição em dinheiro ..................................................................2.000.00
Mobilia da casa ................................................................................ 2.000.00
Terreno doado .................................................................................. 4.000.00
14.300.00
Total empréstimo para o Noviciado .................................................17.000.00
31.300,00
Por um terreno igual àquele que a Pia Sociedade deu às Irmãs e que nós estimamos
em $ 4.000.00, hoje pede-se a soma de $ 30.000.00.
Nosso padre Girometta está pagando cerca de $ 40.000.00 por um convento mais ou
menos das mesmas dimensões do Noviciado.
Vês-se, então, que a propriedade que pertence às Irmãs tem um valor superior a $
40.000.00 com uma dívida de $ 17.000.00.
Além do mais, foi prestado serviço ao Noviciado, levando de automóvel as postulantes
à escola em Elmhurst por um ano. O irmão Stefano, junto com os noviços e
seminaristas, ajudou com trabalho no Noviciado. Um dos nossos padres foi capelão
nos anos passados e ainda continua.
Como a senhora sabe, eu passei mais de meio século na América e posso dizer que as
irmãs scalabrinianas fizeram e continuam a fazer um progresso nunca superado por
nenhum outro instituto religioso nos poucos anos que estão aqui.
As irmãs, de sua parte, foram sempre corteses e quando se apresentou a
oportunidade, fizeram também mais do que era de seu dever. Nas cifras acima
elencadas não está incluído seu salário, pago mensalmente conforme os usos do País.
Fazemos votos e esperamos que quando a casa dos idosos estiver pronta as irmãs do
Servo de Deus, d. Scalabrini, venham a se distinguir pelo zelo, operosidade, doação
completa para o bem das almas131.
Os elementos contidos na carta de Francesco Roti testemunham momentos ricos de
cooperação e complementaridade vividos na década de 40 pelas duas congregações
scalabrinianas nos Estados Unidos. O reconhecimento de madre Borromea, expresso em carta
131
ROTI, Francesco. Lettera a Borromea Ferraresi. Melrose Park, 15 Aprile 1948 (AGSS 1.5.5).
116
dois meses depois por motivo de viagem da superiora geral, confirma aspectos essenciais que
mostram como foi construída a quarta província da congregação mscs:
... caríssimo irmão Francesco, aqui entre nós falamos dos revdos. padres e do senhor,
do que fizeram e fazem para nosso bem espiritual e material e, digo a verdade,
quando penso também sozinha, comove-me ver quanto se interessam por nós em todos
os modos. Se no passado tivessemos tido pessoas assim interessadas a nosso respeito,
nesse momento estariam bem mais alargadas as nossas obras. Somos-lhe e lhe
seremos sempre reconhecidíssimas...
Foi muito bom o ter-me dado por escrito porque são documentos também para as
futuras coirmãs dos benefícios que temos recebido de tantas pessoas queridas.
A respeito daqueles dois senhores, escrevi-lhes uma carta de agradecimento.
Obrigada por ter-me advertido. Queira, irmão, agradecer a todos os padres, bem
como ao irmão Stefano e ao senhor, caríssimo irmão, o bom Deus o recompense
largamente...132
O espírito que irmanava missionários e missionárias de são Carlos e que sustentou em
seus primórdios a presença das irmãs nos Estados Unidos, em força do carisma scalabriniano
contribuiu para promover a vocação missionária do instituto feminino e abrir horizontes à
universalidade da missão que lhe foi confiada pela igreja.
Em 1950, a distância geográfica preocupava a direção geral da congregação mscs. Em
reunião de 1o de julho desse ano, ausente madre Borromea Ferraresi que se encontrava em
visita à província do Rio Grande do Sul, tratou-se da fundação da província da América do
Norte. O assunto voltava a ser abordado nesse dia porque uma decisão tomada a respeito em
reunião de 24 de março tivera um consenso apenas verbal, não tendo sido ratificada mediante
votação secreta. Da reunião de 1o de julho autorizada por madre Borromea e presidida pela
vigária geral, irmã Letícia Negrizzolo, foi registrada esta reflexão das conselheiras gerais:
Não obstante, tendo em vista o pequeno número de irmãs e a escassês de vocações, foi
intimamente comentado o que visa de vantagem, designando para aquela longínqua
região, uma responsável entre as irmãs. Encarregar-se-ia, pelo próprio ofício, de
manter a vigilância assídua sobre cada comunidade e sobre cada irmã em particular,
oferecendo, por conseguinte, oportunidades práticas de se lhe dirigirem, nas suas
necessidades. Estreitaria a união entre os membros e conservaria a uniformidade de
espírito que perigaria desvirtuar-se sem o imediato controle dos superiores maiores.
Todas estas formalidades levariam a estreitar a união com a Madre Geral que seria
levada ao corrente dos acontecimentos com mais fidelidade. A decisão foi tomada a
escrutínio secreto, as votantes unânimes concordaram na dita ereção...133.
Seriam necessários ainda alguns anos para que se efetivasse a fundação da província
dos Estados Unidos. No dia 4 de novembro de 1954, conforme registro em fatos salientes a
então superiora geral, madre Joana de Camargo, comunicou o fato às irmãs:
132
133
FERRARESI, Borromea. Lettera a Francesco Roti. São Paulo, 17 Giugno 1948 (AGSS 1.5.5).
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral, 1935-1954. Ata de 1o de julho de 1950 (AGSS 1.12.1).
117
Sendo um dia muito solene para a nossa congregação, a revma. Madre Geral achou
conveniente escolhê-lo para manifestar às irmãs a grande graça que ultimamente
alcançou a nossa congregação. A Santa Sé houve por bem erigir uma outra província,
a dos Estados Unidos, leu, pois o documento vindo da Sagrada Congregação
Consistorial em pleno refeitório e em seguida apresentou a neo-eleita superiora
provincial, irmã Idalina Baratter que foi chamada propositalmente dos Estados
Unidos a fim de receber as ordens referentes ao cargo. Foi saudada por todas com
uma salva de palmas134.
2.3.5 Quarto Capítulo Geral, 1960
A evolução histórica do instituto scalabriniano feminino previa para 1954, mesmo ano
de fundação da província dos Estados Unidos, a realização de capítulo que devia eleger nova
direção geral da congregação para o sexênio 1954-1960. A confirmação de madre Joana de
Camargo no serviço de governo do instituto por mais seis anos, determinada pela congregação
Consistorial, suspendeu a celebração do evento. Concluído o sexênio, em maio de 1960 o
Quarto Capítulo Geral reuniu representantes das quatro províncias do instituto e elegeu madre
Idalina Baratter superiora geral por seis anos, 1960-1966. O capítulo de 1960, realizado no
início de uma década rica de acontecimentos que assinalaram a história da sociedade humana,
foi registrado como um marco na história da congregação mscs.
A celebração do Quarto Capítulo Geral foi precedida de realização dos capítulos
domésticos e dos capítulos provinciais, de acordo com o direito próprio e instruções da
Superiora Geral que constam em circular de 14 de novembro de 1959. Com a finalidade
expressa de obter de Deus a graça do bom êxito do capítulo, a circular estabelecia que fossem
feitas em todas as comunidades da congregação seis novenas: ao divino Espírito Santo, ao
sagrado Coração de Jesus, a nossa senhora Imaculada, a são Carlos, a são José, ao fundador
João Batista Scalabrini. Solicitou-se fazer em cada novena um dia de jejum e três
mortificações ou sacrifícios para atrair as bênçãos de nosso Senhor sobre tão importantes
trabalhos. Foi pedido também a cada comunidade que mandasse celebrar duas missas, uma
em louvor ao Espírito Santo e outra em sufrágio das irmãs falecidas. A todas as irmãs foi
recomendada a mais terna caridade, uma para com as outras, a fim de alcançar a graça de
cumprir em tudo a vontade de Deus135.
O Quarto Capítulo Geral eletivo, precedido ainda de um retiro pregado pelo
scalabriniano padre Mario Rimondi e que teve como enfoque o espírito do fundador, João
Batista Scalabrini, realizou-se no dia 13 de maio de 1960 na creche nossa senhora da Paz, na
cidade de São Paulo, tendo participado do mesmo 17 irmãs capitulares: os membros da
direção geral, madre M. Joana de Camargo, irmã M.Bernadette Ugatti, irmã M. Regina
Ceschin, irmã M. Paulina Miotto, Irmã M. Cesarina Lenzini; província de São Paulo, a
superiora provincial irmã M. Serafina Canal e as delegadas, irmã M.Gonzaga Cristofaro e
irmã M. José Vasconcellos; província do Rio Grande do Sul, a superiora provincial irmã M.
Romilda Cappellini e as delegadas, irmã M. Egídia Riboldi e irmã M. Augusta Chini;
província da Itália, a superiora provincial irmã M. Elisa Spinelli e as delegadas, irmã M.
Stanislà Fiscarelli e irmã M. Caterina Zambello; província dos Estados Unidos, a superiora
provincial irmã Idalina Baratter e as delegadas, irmã M. Jesuina Peroni e irmã M. Hortência
da Costa.
134
135
FATOS SALIENTES: 1951-1956, p. 43 v e p. 44 (AGSS 1.12.3).
CAMARGO, Joana. Circular referente ao capítulo geral. S. Paulo, 14-11-1959 (AGSS 1.6.4).
118
O evento foi presidido por d. Vicente Marchetti Zioni, então bispo auxiliar e assistente
eclesiástico das religiosas da arquidiocese de São Paulo que abriu a sessão, dando início ao
momento eletivo do capítulo. Depois de eleitas as duas escrutinadoras, irmã M. Serafina
Canal e irmã M. Romilda Cappellini, bem como a secretária do capítulo, irmã M. Cesarina
Lenzini, procedeu-se à eleição da superiora geral que teve o seguinte resultado: irmã M.
Idalina Baratter - 10 votos, irmã M. Elisa Spinelli - 5 votos, irmã M. Serafina Canal - 1 voto,
irmã M. Regina Ceschin - 1 voto.
Irmã M. Idalina Baratter, eleita superiora geral por maioria absoluta de votos, foi
felicitada pelo presidente do Quarto Capítulo Geral, d. Vicenti Marchetti Zioni. O Bispo
convidou madre Idalina a ocupar o lugar de honra, a fim de receber o obséquio das capitulares
que, beijando-lhe as mãos, prestaram homenagem e preito de obediência à nova superiora
geral. A seguir, ao canto do Te Deum dirigiram-se à capela para a bênção com o Santíssimo.
Apesar da formalidade, a presença do sobrinho de madre Assunta e padre José Marchetti
revestiu a circunstância de uma atmosfera familiar.
Natural do estado do Rio Grande do Sul, madre Idalina Baratter nasceu no dia 3 de
maio de 1914. Ao ser eleita Superiora Geral tinha 27 anos de profissão. Nos primeiros tempos
atuou na província do Rio Grande do Sul, como professora, diretora de escola e superiora de
comunidade. Em 1948 foi transferida para os Estados Unidos onde cativou a quantos a
conheceram, tendo desempenhado também a função de superiora local e de primeira superiora
provincial da província ali fundada em 1954.
O conselho geral para o sexênio 1960-1966 ficou assim constituído: irmã M. Elisa
Spinelli, vigária geral; irmã M. Serafina Canal, segunda conselheira; irmã M. Justina Barbieri,
terceira conselheira e secretária geral; irmã M. Egídia Riboldi, quarta conselheira e ecônoma
geral.
Na história oral como em registros de comunidades consta que houve profunda
sintonia das irmãs com o capítulo de 1960. No livro de crônicas da comunidade de Acília, por
exemplo, em data de 15 de maio de 1960 está escrito que as irmãs receberam com uma
explosão de alegria a comunicação de Piacenza de que madre Idalina Baratter fora eleita
superiora geral e que todas foram à capela agradecer ao Senhor o dom singular e pedir-lhe
que concedesse à madre luz, força e coragem no desempenho de tão árdua missão136.
Ao comunicar em carta de 14 de maio de 1960 o resultado da eleição ao secretário da
congregação Consistorial, d. Marcello Mimmi, madre Idalina Baratter e conselho expressaram
ao cardeal protetor filial submissão, pedindo-lhe ajuda e a bênção. Em resposta à madre
Idalina o Cardeal destacou os sentimentos de filial e devota submissão expressos na carta e
assegurou-lhe a proteção, as diretivas e o interesse da Consistorial, afirmando que a mesma
acompanhava com particular benevolência e desvelo a vida e as obras das irmãs de são
Carlos. D. Marcello Mimmi dizia estar certo de que madre Idalina saberia orientar suas irmãs
para uma sempre mais fiel e generosa correspondência ao ideal da vida religiosa e
missionária segundo o espírito do instituto e as leis da santa igreja, como também não
deixaria de zelar pelo bom andamento e o desenvolvimento, já tão confortador, das
províncias e casas da congregação137.
Do desenvolvimento da congregação mscs durante os dois mandatos de madre Idalina
Baratter, de que trataremos na terceira parte deste segundo volume, adiantamos que foi
relevante em alguns aspectos, até em decorrência das novas perspectivas eclesiais e das
transformações pelas quais passava a sociedade humana em geral, na década de 1960.
136
137
FATTI SALIENTI della casa di Acilia: 1959-1969. Libro 1o, dia 15-5-1960, p. 18.
MIMMI, Marcello. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 27 Maggio 1960 (AGSS 1.5.7).
119
Parte 3 – 1960-1971
____________________________________________________
PERSPECTIVA DE MUDANÇAS NA VIDA-MISSÃO DO INSTITUTO
120
Perspectiva de mudanças na vida-missão do instituto
O período 1960-1971, de surpreendentes transformações ocorridas na história da
humanidade, foi crucial em alguns aspectos e original em outros, quer como conseqüência
previsível de um processo de mudanças já em ato, quer como gênese de um tempo novo que
lhe conferiu um fascínio todo próprio, dando-lhe uma particular importância sobretudo pelos
reflexos significativos na vida da igreja, inclusive na evolução histórica da congregação das
irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas.
Uma retrospectiva histórica ressalta a passagem da guerra fria para a coexistência
pacífica em que o choque entre capitalismo e socialismo se faz mais brando; cresce o número
de países do terceiro mundo, com reduzida expressão política e em visível condição periférica
no contexto mundial; aumenta a dívida externa dos países menos desenvolvidos; a tensão
Leste x Oeste, de cunho geopolítico, cede espaço ao conflito Norte x Sul, de natureza
econômica.
A época é de maior consciência das desigualdades sociais e de dependência econômica
e tecnológica dos países considerados subdesenvolvidos. Intensificam-se as discussões em
torno do desenvolvimento dos povos, evidenciando-se a complexidade da questão. De modo
gradativo verifica-se o fenômeno da mundialização da economia capitalista. Mesmo sendo um
sistema envolto em contradições e incapaz de gerar justiça social, a maioria dos países
submetem-se ao capitalismo internacional.
Os anos 1960-1971 abrigam a gênese de ainda maiores transformações que levarão o
mundo à terceira revolução industrial, de alta tecnologia, considerada por sua vez o motor do
desenvolvimento e que terá maior expressão no campo da eletrônica e informática, na
biotecnologia e na química. Da inovação tecnológica resultará a aceleração, faceta importante
da globalização, fenômeno este interpretado como etapa da mundialização capitalista e
gerador também de maléfica desigualdade entre as nações.
Nesse complexo mundo a igreja como que redescobre a sua missão universal e redobra
o empenho missionário pelo desenvolvimento integral do homem e de todos os povos. Na
década de 1960, o ensino social da igreja é enriquecido de substanciais documentos do
concílio Vaticano II, mensagens e encíclicas papais que tiveram grande repercussão
internacional. Medellín, com sua opção pelos pobres, foi um evento extraordinário para a
igreja latino-americana e para a igreja em geral.
No âmbito da mobilidade humana as notáveis mudanças ocorridas desde períodos
precedentes repercutiam nos debates políticos, tendo o tema conquistado mais espaço na
imprensa mundial. A nova realidade suscitou de parte da igreja católica atenção particular
como se pode constatar em documentos do concílio Vaticano II e nos oportunos acenos à essa
temática feitos em outros documentos de cunho social, sobretudo na Pacem in terris de João
XXIII e na Populorum progressio de Paulo VI. Dessa caminhada progressiva resultou a
revisão das normas da Exsul familia, de Pio XII, relativas à pastoral junto aos migrantes e que
foram atualizadas através do motu proprio Pastoralis migratorum cura do papa Paulo VI e da
instrução De Pastorali migratorum cura, da congregação dos Bispos, de agosto de 1969. No
ano seguinte Paulo VI instituiu a Comissão pontifícia para a pastoral das migrações e do
121
turismo, transformada no ano de 1989 no Conselho pontifício para a pastoral dos migrantes e
itinerantes, que reporta ao projeto de João Batista Scalabrini apresentado ao papa Pio X em
1905.
Em tal contexto, marcado por transformações profundas, a congregação mscs viveu
momentos celebrativos e progrediu em alguns aspectos, decorrência das novas perspectivas
eclesiais e das mudanças que caracterizaram a sociedade da época. O período 1960-1971
compreende os dois mandatos de madre Idalina Baratter durante os quais ocorreram, entre
outros fatos, a transferência da sede geral de São Paulo para Acília na Itália e a passagem do
instituto, até então dependente da congregação dos Bispos, à dependência direta da
congregação dos Religiosos, de acordo com o direito comum. Avanços mais consistentes, de
renovada fidelidade ao carisma, verificar-se-iam a partir do Capítulo Geral Especial realizado
em duas etapas entre 1969 e 1971.
122
3.1 Complexidade conjuntural e seus reflexos na evolução histórica da
congregação mscs no decorrer do período 1960-1971
3.1.1 Retrospectiva 1960-1971
No decorrer do período 1960-1971 as relações entre Estados Unidos e União Soviética
confirmaram a tendência à mudança, perceptível já nos anos 50, tendo-se encaminhado para a
coexistência pacífica, uma nova atitude considerada por alguns historiadores como a segunda
fase da guerra fria. A mudança, na verdade, conseguiu apenas abrandar em determinadas
circunstâncias o choque permanente entre capitalismo e socialismo. Nessa época os países do
chamado terceiro mundo adquiriram maior expressividade do ponto de vista quantitativo, mas
continuou irrelevante a sua força política, anulada pela dependência econômica, fator que
agigantava de ano para ano os seus problemas econômico-sociais. A tensão nas relações entre
os tres mundos intensificou-se, aumentou o endividamento dos países subdesenvolvidos,
caracterizados pelas desigualdades sociais e baixos indicadores sócio-econômicos, de
economia dependente quer financeira, quer tecnológica, reduzidos à condição periférica e
submissos ao capitalismo internacional. Tal situação produziu o conflito Norte X Sul, de
natureza econômica, permeado por sua vez pelo confronto entre Leste x Oeste, de cunho
geopolítico, envolvendo as duas superpotências, Estados Unidos e União Soviética.
Marcada pela idéia da coexistência pacífica, proposta que visava transferir para a área
econômica a oposição entre as duas superpotências, a década de 60 viu crescer de maneira
considerável a Alemanha Ocidental e o Japão, fator que associou os dois países aos Estados
Unidos. Essa parceria, além de ajudar a conter a expansão do socialismo resultou, nos anos
70, na comissão trilateral constituída pelos Estados Unidos, Alemanha Ocidental e Japão,
tendo como objetivo adotar um modo estratégico comum, capaz de subjugar os países do
terceiro mundo, aliás, expressão esta que hoje não faz sentido usar. Nas décadas sucessivas o
conflito continuaria a se manifestar, permanecendo os países menos desenvolvidos como que
prisioneiros da luta entre o bloco capitalista e o comunista, incapazes de satisfazer as
necessidades básicas de inteiras populações.
A realidade internacional durante o período 1960-1971 evidenciou, com novos
disfarces, o ativo confronto entre capitalismo e socialismo, duas forças que polarizavam o
mundo e que o propósito de coexistência pacífica de alguma forma dissimulava. As
demonstrações concretas de colaboração como foi a instalação de telefone vermelho ligando
Moscou a Washington para eventuais emergências foram insignificantes e incapazes de anular
o conflito ideológico e suas manifestações, até violentas, como a invasão norte-americana no
Vietnã do Sul, em 1962.
Nesse quadro político e sócio-econômico internacional, apesar da boa vontade de
alguns governantes, o resultado de suas iniciativas limitou-se à alternância de previsões
sinistras e de frustradas esperanças. Sinal positivo para a humanidade foi a posição da União
Soviética e dos Estados Unidos contrária à deflagração de nova guerra mundial mesmo que o
conflito bélico, evitado porque capaz de mútua destruição, tenha por vezes se tornado para
muitos um temível presságio. Outros acontecimentos do período, como as guerras de
libertação nacional na Ásia e na África ligadas ao processo de descolonização, resultaram na
formação de novos estados nesses dois continentes.
123
Nos anos 60 surgiram na Africa cerca de uma dezena de novos países. Nessa década,
apenas as colônias de Portugal, entre elas Angola, resistiam à descolonização. Nos anos 70
Angola teria um processo de emancipação de maior complexidade em razão do conflito
interno entre três diferentes grupos de guerrilheiros que contavam com apoio externo: o
MPLA, movimento popular de libertação de Angola, que receberia ajuda da União Soviética
através de Cuba; a FNLA, frente nacional de libertação de Angola e a UNITA, união nacional
pela independência total de Angola, que contariam com o apoio dos Estados Unidos através
da Africa do Sul. A ajuda recebida pelos guerrilheiros em luta contra o colonialismo de
Portugal comprovaria a continuidade do embate ideológico entre capitalismo e socialismo
soviético, opondo Leste x Oeste e que passava a se interpor na guerra dos ricos contra os
pobres, ou seja, no conflito de caráter sócio-econômico designado Norte x Sul. A expressão é
um tanto imprópria uma vez que o hemisfério sul mostra algumas realidades sócioeconômicas enquadradas como Norte, enquanto no hemisfério norte existem situações de
pobreza, até em razão das desigualdades sociais e do elevado número de imigrantes que
buscam ali melhores condições de vida.
Também no Oriente Médio aconteceram importantes fatos nos anos 60. Enquanto o
Kuwait e Iemen se emancipavam a questão entre israelenses e palestinos teve outros
desdobramentos, uma vez mais sob a dupla influência dos Estados Unidos em apoio ao
expansionismo de Israel e da União Soviética, próxima aos árabes que por sua afinidade
mantêm-se solidários aos palestinos. Em 1967 ocorreu a guerra dos seis dias vencida por
Israel, sendo ocupados o Sinai, as colinas de Golã e Jerusalém, deixando sempre mais
complicada a situação. Nos anos 70 a interminável questão do Oriente Médio recrudesceria,
inclusive com o boicote do fornecimento de petróleo aos países achegados a Israel o que
agravaria a crise, refletindo-se em todo o mundo ocidental.
E meio à abrangente realidade geopolítica e sócio-econômica internacional,
envolvendo centro e periferia do mundo, o período 1960-1971 registra sucessivos episódios e
momentos de maior importância histórica tais como:
o governo de John Fitzgerald Kennedy, integrante do partido democrático, eleito
presidente dos Estados Unidos em 1960 e assassinado a 22 de novembro de 1963 em
Dallas, no Texas.
A continuidade da desestalinização iniciada por Nikita Kruschev, que sucedera a
Stalin e que mudou em profundidade a política soviética.
As mudadas relações internas e externas da União Soviética e as decorrentes
divergências no interno do bloco socialista, em particular o conflito sino-soviético de
cunho ideológico, que teve reflexos políticos e econômicos, distanciando China e
Rússia.
A coexistência pacífica que aproximou soviéticos e norte-americanos, mas que não
extinguiu os conflitos entre o bloco socialista e o bloco capitalista.
A fracassada invasão da Baía dos Porcos, iniciativa de John Kennedy em 1961 e
que visava devolver aos Estados Unidos a hegemonia em Cuba, desfeita com a vitória
de Fidel Castro em 1959.
O ultimato de John Kennedy que exigiu a retirada dos mísseis soviéticos instalados
em Cuba e o recuo de Kruschev que ordenou o desmonte das rampas de lançamento de
mísseis na ilha.
124
A construção em 1961 do muro de Berlim que dividiu a cidade e que tinha como
objetivo fazer cessar o enorme fluxo de refugiados da Alemanha Oriental para a
Alemanha Ocidental.
A expulsão em 1962 de Cuba da OEA, organização dos estados americanos e o
isolamento imposto desde então ao país.
Os movimentos de guerrilhas difundidos em diferentes países da América Latina.
A morte do guerrilheiro e líder da revolução cubana Che Guevara na Bolívia, em
outubro de 1962.
A Aliança para o Progresso, uma programação de ajuda econômica estabelecida
por John Kennedy, a fim de conter outros movimentos revolucionários na América
Latina.
A revolução cultural chinesa, 1966-1976, movimento de expurgos no interno do
governo, que iniciara como tentativa de integração entre trabalho manual e intelectual
e que suscitou o entusiasmo revolucionário na China.
As continuadas tensões no Vietnã, no Oriente Médio e na África.
A independência da Argélia em 1962.
A Primavera de Praga na Tchecoslováquia governada por Alexander Dubcek, que
encaminhou o país à oportunas reformas, buscou humanizar o socialismo, estimulou a
criatividade artística e científica, dando apoio quer aos operários, quer a estudantes e a
intelectuais.
A invasão da Tchecoslováquia em agosto de 1968 pelas tropas do Pacto de
Varsóvia, ação ordenada por Moscou e que sufocou a tentativa de liberalização do
socialismo nesse país.
O governo de Lyndon Johnson, 1964-1968, que se distanciou da União Soviética e
envolveu os Estados Unidos na guerra do Vietnã, tendo enviado àquela região da Ásia
mais de 500 mil soldados.
A política intervencionista dos Estados Unidos e a reação da opinião pública norteamericana contra a guerra do Vietnã.
A intervenção militar de Johnson na República Dominicana para defender a
hegemonia dos Estados Unidos no continente latino-americano e resguardar o
território de novos avanços socialistas.
As crescentes manifestações estudantis e populares, contrárias à guerra do Vietnã.
A revolução estudantil de 1968 ocorrida em vários países do mundo e motivada em
boa parte pela falta de perspectivas políticas, sociais e culturais.
O sempre mais atuante movimento negro contra o racismo, sobretudo nos Estados
Unidos, sob a liderança de Martin Luther King, pacifista que adotou a doutrina de
Mahatma Gandhi e sua proposta de desobediência civil e de não violência.
Os assassinatos, em 1968, de Martin Luther King e de Robert Kennedy irmão de
John Kennedy, este por um palestino em protesto contra o apoio dado pelos Estados
Unidos a Israel.
O poderio nuclear da China comprovado na explosão da primeira bomba atômica
do país em 1964 e da bomba de hidrogênio em 1967.
125
A ruptura nas relações da China com a União Soviética, motivada pela acusação do
partido comunista chinês de que Kruschev e os soviéticos estavam se afastando das
idéias originais do marxismo.
Avanços na ciência médica, em especial a descoberta dos antibióticos, que
possibilitaram considerável diminuição nas taxas de mortalidade, aumentando o
crescimento vegetativo em todo o planeta.
O programa espacial da União Soviética que permitira a entrada em órbita do
primeiro satélite artificial, o Sputnik, no ano de 1957 e que colocava o primeiro
cosmonauta, Iuri Gagarin, em órbita ao redor da Terra no ano de 196l. O avanço nesse
campo dos Estados Unidos, país que levou o homem à Lua em 1969, façanha
contestada por alguns como sendo farsa, ainda em nossos dias.
A aproximação da China aos Estados Unidos e o ingresso do país na ONU, em
1971.
A ocorrência de guerras civís como a de Biafra, Nigéria, 1967-1970, que causaram
a ruína social e econômica de muitas nações.
A formação do estado livre do Congo, que teve como primeiro ministro Patrice
Lumumba, considerado o símbolo da luta pela libertação da África e que foi
assassinado em 1961 por mercenário da província mineradora de Katanga.
Outras lutas internas ocorridas nos anos 60 no Congo, país que em 1971 passou a se
denominar República do Zaire e que, anos mais tarde, adotaria o nome de República
Democrática do Congo.
O avanço do processo de integração das economias da União Européia mediante a
supressão das tarifas aduaneiras, fato ocorrido em 1968.
A atuação de políticas desenvolvimentistas e gradual descrédito das práticas
populistas na América Latina.
Política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil nos anos
de 1956-1961, a construção de Brasília e o papel dos retirantes nordestinos na
construção da nova capital do país.
A marcha da família com Deus pela liberdade e o golpe militar no Brasil, de 31 de
março de 1964.
O crescente individamento dos países subdesenvolvidos.
De subdesenvolvimento passou-se a falar a partir da segunda guerra mundial. A
expressão criada com propriedade por políticos norte-americanos, referia-se à situação de
fome e pobreza existentes no mundo e alertava quanto ao crescente aumento da população dos
países pobres da África, Ásia e América Latina e sobre a necessidade de encontrar alternativas
de ajuda.
No período 1960-1971, ora em estudo, prevaleceu a concepção de que existiam três
mundos: o primeiro, formado pelos países capitalistas desenvolvidos, sob área de influência
dos Estados Unidos; o segundo, reunindo países socialistas sob a influência da União
Soviética; o terceiro congregava países capitalistas subdesenvolvidos e países socialistas não
ligados ao bloco soviético. A maioria das nações latino- americanas que se haviam tornado
independentes no século XIX e os novos estados resultantes do processo de descolonização
afro-asiática, integravam o terceiro mundo. Falava-se também de um quarto mundo, formado
pelos migrantes e por quantos viviam em situação de mobilidade humana.
126
3.1.2 A questão do desenvolvimento humano e econômico dos povos no espaço
geográfico mundial durante o período 1960-1971
Desde a segunda grande guerra a sociedade humana vem adquirindo maior
consciência das profundas diferenças entre os países, sobretudo na esfera social, cultural e
econômica. Das desigualdades existentes, um tema que passou a centralizar a atenção do
mundo, ocupam-se organismos internacionais, governos e instituições. Discutem-se hoje
estratégias de desenvolvimento, elaboram-se teorias para explicar as causas do
subdesenvolvimento, classificam-se os países em grupos como sendo desenvolvidos alguns,
emergentes outros, subdesenvolvidos a maioria, considerando o processo de industrialização,
o padrão econômico, o nível tecnológico, as condições sociais de cada um. Na década de
1960, enquanto socialismo e capitalismo em conflito Leste x Oeste submetiam nações às suas
respectivas zonas de influência, aflorava já a oposição Norte x Sul ou seja, entre países
desenvolvidos e países subdesenvolvidos. A nova realidade passou a multiplicar os debates
acerca do desenvolvimento, uma questão que se apresenta sempre mais complexa no espaço
geográfico mundial.
O crescente predomínio do capitalismo, sistema sócio-econômico que gerou
desigualdades no mundo quer no interno de cada país e quer entre as nações, propõe uma
breve retomada da sua dinâmica evolução no tempo-espaço a partir de fins do século XV até a
década de 1970. É costume distinguir quatro etapas no processo de desenvolvimento do
capitalismo: a primeira, do capitalismo comercial; a segunda, do capitalismo industrial; a
terceira do capitalismo financeiro e a quarta, do capitalismo informacional. Esta ocorre depois
da segunda grande guerra e evidencia-se a partir dos anos 1970.
A decadência do feudalismo, de sua estrutura econômica, social, política e cultural,
predominante na Europa ocidental durante a Idade Média, levou à formação do capitalismo,
sistema que se expandiu primeiro no ocidente e depois se espalhou pelo mundo. Em sua
primeira etapa o capitalismo compreende o período situado entre as grandes navegações e a
revolução industrial do século XVIII.
A expansão marítima européia de fins do século XV e a conseqüente descoberta de
novas terras, a apropriação e exploração de vastos territórios, diversificaram as mercadorias e
intensificaram a atividade comercial. O acúmulo de capital resultante da comercialização
explica a expressão capitalismo comercial que designa a primeira fase do processo de
desenvolvimento do sistema capitalista.
Na época a economia orientava-se pela doutrina mercantilista que defendia a
intervenção do governo nas relações comerciais. O mercantilismo visava aumentar a
influência do estado nacional e garantir a sua prosperidade. Critério para avaliar a riqueza e o
poder de um país era a quantidade de metais preciosos que o mesmo possuía.
O mercantilismo foi essencial no desenvolvimento do capitalismo porque, através do
comércio lucrativo, fruto da exploração das colônias, favoreceu à burguesia européia
acumulação de capital, fator que por sua vez tornou possível a revolução industrial. Com ela
o comércio deixou de ser o elemento principal do sistema capitalista, iniciando então a etapa
do capitalismo industrial.
A utilização da máquina facilitou a transformação da natureza, possibilitou o aumento
da produção de mercadorias, multiplicou o lucro, gerou mudanças na relação de trabalho.
Nesse aspecto o regime de escravidão, próprio da etapa do capitalismo comercial, cedeu lugar
ao trabalho assalariado, até para favorecer maior consumo de bens produzidos. A intervenção
127
do estado na economia abriu espaço à livre concorrência que consolidou o liberalismo como
nova doutrina econômica que permaneceria como ideologia capitalista.
A terceira etapa no processo de desenvolvimento do capitalismo teve início em fins do
século XIX. A fase caracterizou-se pelo crescimento de indústrias, casas de comércio, bancos
e uma forte concentração e centralização de capitais. Os bancos passaram a financiar a
produção, alguns incorporaram indústrias, outros foram criados para servir de suporte às
mesmas. A dificuldade de distinguir o capital industrial, agrícola e comercial, do capital
bancário motivou a denominação, capitalismo financeiro.
No decorrer dessa etapa houve um expressivo avanço na siderurgia, na indústria
mecânica e na petroquímica. A descoberta da eletricidade, além de favorecer as indústrias,
melhorou a qualidade de vida das pessoas. O uso progressivo do motor a combustão interna e
a resultante utilização de combustíveis derivados de petróleo refletiram-se sobremodo na
indústria automobilística e aeronáutica, inovando e expandindo os meios de transporte.
Essa fase do capitalismo, que coincidiu com a expansão imperialista européia na
África e na Ásia, distinguiu-se ainda por uma obstinada concorrência, visando garantir
mercados consumidores, matéria prima e novos investimentos que levaram à formação de
grandes corporações entre as quais a Nestlé, a Siemens, a Coca-Cola, a General Electric, a
Fiat e a General Motors, empresas das mais internacionalizadas do mundo e, exceto as duas
últimas, todas de fundação anterior à congregação mscs.
No pós-segunda grande guerra, compreendido em especial o período 1960-1971,
acentuou-se a mundialização da economia capitalista comandada por corporações
multinacionais. A época foi de gestação das profundas transformações pelas quais o mundo
iria passar, sobretudo a partir do final dos anos 1970, quando o capitalismo atingiu a fase
informacional, caracterizada pela crescente importância do conhecimento, que nada mais é do
que a informação organizada e sistematizada138.
O capitalismo informacional decorre da revolução técnico-científica ou terceira
revolução industrial, ainda em curso. A primeira revolução industrial foi movida a carvão, a
segunda a petróleo e eletricidade, enquanto a terceira é impulsionada pelo conhecimento. Sem
deixar de ser industrial e financeiro o capitalismo, na quarta etapa do seu processo de
desenvolvimento, não pode dispensar o conhecimento:
Não por acaso as primeiras indústrias, da era das chaminés, desenvolveram-se em
torno das bacias carboníferas e atualmente as instituições típicas da revolução
informacional, as chamadas indústrias limpas, estão próximas a universidades e
centros de pesquisas, onde se desenvolvem os tecnopolos. Nesses centros industriais,
típicos da terceira revolução industrial, há grande concentração de indústrias de alta
tecnologia: informática, telecomunicações, robótica e biotecnologia, entre outras. O
tecnopolo do Vale do Silício, nos Estados Unidos, em torno da universidade de
Stanford, foi o primeiro a se formar...139
Antes que a terceira revolução industrial e o processo de globalização descortinassem
essa nova realidade para o mundo, caracterizada por mudanças profundas na economia, o
conflito Leste x Oeste chegava ao fim e começava a se manifestar outro antagonismo de
caráter econômico que dividiu o planeta em Norte-Sul, como vimos, acentuando a oposição
138
MOREIRA, João Carlos & SENE, Eustáquio de. Geografia Geral e do Brasil: espaço geográfico e
globalização. Ed. reformulada. São Paulo, Scipione, 2004, p. 174.
139
Ibid., p. 174.
128
entre países desenvolvidos ou países ricos e países subdesenvolvidos ou países pobres. O
limite, a rigor, não é a linha do equador que divide o globo em dois hemisférios, norte e sul.
Ao norte do equador, na verdade, predominam países industrializados e de avançada
tecnologia, com mais equilibrada distribuição de renda entre a população. No hemisfério sul,
ao invés, a predominância é de países não industrializados, com uma renda per capita em
geral muito concentrada. É esse o fator que determina as diferenças de indicadores sociais,
como taxa de natalidade e de mortalidade, esperança de vida e índice de analfabetismo, entre
países desenvolvidos e países subdesenvolvidos.
Sabe-se que o subdesenvolvimento afeta a vida da maioria da população mundial,
sobretudo dos povos de ex colônias da América Latina, Asia e Africa, que apresentam baixos
índices de desenvolvimento humano e econômico, sendo em maior ou menor grau,
dependentes do ponto de vista financeiro e tecnológico. Razões externas e muito mais causas
internas explicam o subdesenvolvimento: a falta de investimentos no campo social, em
particular na educação e na saúde, a aplicação de recursos públicos em obras não prioritárias,
o desvio das funções próprias do estado, a corrupção generalizada e a impunidade constituem
entraves maiores ao desenvolvimento de um país.
3.1.3 A missão universal da igreja e o desafio do desenvolvimento de todos os
povos
As décadas de 1950 e 1960 evidenciaram dois aspectos ligados à questão do
desenvolvimento humano e econômico dos povos: a gradativa mundialização da economia
capitalista e a gênese de mais profundas transformações econômicas, que determinariam a
partir da década de 1970 a terceira revolução industrial e a globalização, por sua vez, geradora
de ainda maior desigualdade entre as nações. Nesse contexto a igreja, que já em 1891 através
da Rerum Novarum tratara da questão social decorrente da industrialização, assumiu uma
nova atitude diante dos desafios da mudada realidade. Ao estabelecer como objetivo do
concílio ecumênico Vaticano II, 1962-1965, a renovação da igreja em vista de sua missão
universal o papa João XXIII propôs a tríplice abertura: ao mundo contemporâneo, em razão
das modernas exigências da família humana; à causa do ecumenismo e de mais plena
universalidade; aos pobres, para que a igreja se tornasse de fato o espaço de todos. Na década
de 1960, documentos conciliares, novas encíclicas papais e eventos como a conferência de
Medellín, enriqueceram sobremaneira o ensino social da igreja, desencadearam oportuno
processo de renovação, abriram um repensado horizonte à ação evangelizadora universal da
igreja.
A encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, de 1891 e quarenta anos depois a
Quadragesimo anno de Pio XI, indicando caminhos para mais justa ordem social mostram a
solicitude da igreja através do tempo, a fim de preservar a dignidade de todos os seres
humanos. Persuadida de formar „um grupo histórico e uma comunidade espiritual‟ em
caminho com toda a humanidade, mesmo convicta de que o mistério da história humana
permanece incompreensível até o fim dos tempos a igreja procura, em sua relação com o
mundo e através de todos os seus membros, contribuir para tornar mais humana a família
dos seres humanos e sua história140.
140
CONC. ECUM. VAT. II, Const. Past. Gaudium et spes sobre a igreja no mundo de hoje, n. 1443-4. In:
Vaticano II, mensagens, discursos e documentos. São Paulo, Paulinas, 1998. Título original: Enchiridion
Vaticanum. Tradução: Francisco Catão.
129
Na década de 1960 transformações em curso ressaltam os desafios do
subdesenvolvimento. A igreja, peregrina com a humanidade e consciente de seu papel de
fermento da história, apropria-se do tema desenvolvimento, procura se exprimir de maneira
mais adequada aos tempos, constata que os desequilíbrios econômicos e sociais ocorrem
tanto entre os diversos setores, agricultura, indústria e serviços, como entre regiões diversas
de uma mesma nação ou estado, percebe o conflito Norte x Sul e adverte que o fosso cada dia
maior entre as nações ricas e os outros países pode se tornar uma ameaça à paz141.
Dessa percepção da igreja falam documentos conciliares como a Gaudium et spes e,
além de outros documentos eclesiais, três encíclicas publicadas no decorrer dos anos 1960: a
Mater et magistra, de 1961; a Pacem in terris, de 1963; a Populorum progressio, publicada
em 1967.
Na Mater et magistra o papa João XXIII aborda a questão do desenvolvimento e
exorta as nações mais desenvolvidas do ponto de vista econômico a auxiliarem aquelas em
desenvolvimento, a fim de reduzir as desigualdades e contribuir para a formação de uma
comunidade dos povos e para unidade universal.
Dois anos depois da publicação da Mater et magistra o papa João XXIII retoma o
tema do desenvolvimento em nova encíclica, a Pacem in terris, pondo em evidência a questão
da paz, anseio profundo de todos os homens de todos os tempos. Em uma época de guerra fria
e de fabricação de gigantescos armamentos que implicavam em gastos enormes e impunham
sacrifícios pesados aos cidadãos o Papa recomendava o desarmamento e propunha que
recursos subtraídos à corrida armamentista fossem destinados ao desenvolvimento
econômico-social de nações mais necessitadas de ajuda até porque, afirmava, não se assegura
a paz senão com o equilíbrio de forças... Diante dos problemas de então o Papa escrevia que
naquela conjuntura histórica, como exigência do bem comum universal fazia-se necessária a
instituição de uma autoridade pública, também universal, criada mediante acordo de todos e
capaz de preservar a igualdade jurídica e a dignidade própria de cada nação142.
A 4 de outubro de 1965 em discurso proferido na Assembléia das Nações Unidas e
inserido nos atos do concílio Vaticano II o papa Paulo VI referiu a repercussão favorável que
a Pacem in terris tivera na ONU. O Papa expressou satisfação também pelas ressonâncias
positivas no âmbito da Organização das Nações Unidas, então ainda acreditada e passando
por um bom momento, à proposta pela causa da paz que fizera em Bombaim na India em
dezembro de 1964, de destinar a países em desenvolvimento pelo menos parte dos recursos
provenientes de possível redução do armamento, proposição que agora renovava143.
Um documento ainda mais substancial sobre a questão do desenvolvimento é a
encíclica de Paulo VI, a Populorum progressio publicada em 1967, que repercutiu de maneira
extraordinária e duradoura, permanecendo como referência no ensino social da igreja.
Na introdução da Populorum progressio Paulo VI afirma que o desenvolvimento dos
povos, em especial das nações mais pobres, é acompanhado com atenção pela igreja. O Papa
refere o concílio Vaticano II e a nova consciência suscitada pelo evento acerca das exigências
do evangelho e da obrigação da igreja de estar à serviço de todos os homens, também no
aprofundar o tema do desenvolvimento e incentivar uma ação solidária abrangente naquele
momento que considera decisivo na história da humanidade; retoma as grandes encíclicas e
mensagens de seus predecessores sobre esse assunto, os quais não deixaram de cumprir o
dever que lhes incumbia de projetar nas questões sociais do seu tempo a luz do evangelho;
141
Ibid., n. 1460, 1462, 1536.
JOÃO XXIII. Carta encíclica Pacem in terris, 1963.
143
VATICANO II: mensagens, discursos e documentos. op. cit., n. 389.
142
130
chama atenção para a universalidade da questão social e para a situação dos povos da fome
que se voltam para os povos da opulência; lembra viagens e as constatações feitas in loco, de
problemas ligados ao subdesenvolvimento; comunica a criação da comissão pontifícia Justiça
e paz, em resposta ao desejo expresso pelo concílio Vaticano II de que a Sé Apostólica
contribuísse de modo concreto à causa das nações menos desenvolvidas; apela a todos os
homens de boa vontade a se empenharem em uma ação organizada para o desenvolvimento
integral do homem e para o desenvolvimento solidário da humanidade144.
Na primeira das duas partes em que se divide, diante do crescente desequilíbrio entre
países ricos e países pobres, do choque de civilizações e conflito de gerações a Populorum
progressio orienta para um humanismo total, significando o desenvolvimento integral do
homem todo e de todos os homens. Em base à sua visão cristã a segunda parte afirma que o
desenvolvimento integral do homem passa pelo desenvolvimento solidário da humanidade,
asseverando por fim, que desenvolvimento é o novo nome da paz145.
Em sua parte conclusiva a encíclica Populorum progressio convoca todos os católicos,
os cristãos e os crentes, os homens de boa vontade e os homens de estado, os pensadores e os
sábios a se empenharem pela causa do desenvolvimento verdadeiro, aquele que resulta de
economia partilhada na fraternidade e cujo fruto é a paz.
Depois do concílio ecumênico Vaticano II e da Populorum progressio aconteceu a II
conferência geral do episcopado latino-americano realizada em Medellín na Colômbia, em
1968 e que teve como tema a Presença da igreja na atual transformação da América Latina à
luz do Concílio. Em época de profundas transformações, de avanço no processo de
mundialização da economia, de manifesta preocupação da igreja com a questão do
desenvolvimento, de anseios de libertação e de justiça social, a conferência de Medellín
constituiu um fato eclesial relevante. Segundo alguns, o concílio Vaticano II chegou à
América Latina através de Medellín, com seu potencial criativo e mobilizador, vindo a ser
como que a tradução do Vaticano II para a igreja latino-americana146.
Na América Latina era sentida por muitos a urgência de mudanças no âmbito sócioeclesial. Nessa tarefa, entre outras figuras de relevo três nomes se destacaram pela
compreensão daquele momento histórico e pela ação profética desenvolvida: d. Manuel
Larraín, do Chile, que foi presidente do CELAM entre 1963-1966; d. Oscar Romero de El
Salvador e d. Helder Câmara do Brasil. Graças a eles e a tantos outros a igreja deixou de ser
uma instituição à margem da história latino-americana, que ficava na defensiva diante dos
acontecimentos externos, transformando-se em protagonista histórico partindo da vida real,
política, econômica, cultural e religiosa do povo dos pobres explorados147.
A sintonia da igreja com a realidade da vida de todos os povos, a insistência por um
desenvolvimento integral de cada homem e o interesse pelo desenvolvimento solidário da
inteira família humana, expressos de diferentes modos com renovado vigor no decorrer da
década de 1960, ressaltam sua estrutura carismático-profética da qual é parte integrante
também a obra scalabriniana, realizada junto a populações em mobilidade.
144
PAULO VI. Carta encíclica Populorum progressio. 2 ed. São Paulo, Ed. Paulinas, 1967, n . 3-5.
Ibid., n. 10, n. 42, n. 43.
146
FREITAS, Maria Carmelita de. Conjuntura eclesial latino-americana e vida religiosa. In: Vida religiosa e
nova consciência eclesial.Caminhada pós-conciliar na América Latina. Conferência dos religiosos do Brasil –
CRB- Rio de Janeiro, 1988, p. 60.
147
DUSSEL, Enrique. História da igreja latino-americana, 1930-1985. 2 ed. São Paulo, Paulus, 1989, p. 68.
Tradução: Eugenia Flavian.
145
131
3.1.4 Novas correntes migratórias e renovado comprometimento eclesial com a
mobilidade humana
A inexistência de um conflito direto entre as superpotências no período 1960-1971 não
significou ausência de tensões mundiais, nem a interrupção de disputas que visavam manter e
conquistar mais áreas de influência. O fato tornou ex-colônias da Ásia e da África sobretudo,
lugar de violentas guerras que originaram milhares de prófugos e refugiados políticos. A essa
realidade, além das incontáveis cifras relativas às migrações internas, começaram a se somar
novas correntes internacionais de migração em massa que levaram milhares de pessoas a
deixarem seus países em busca de melhores condições de vida. As gradativas mudanças no
campo da mobilidade humana, a amplitude do fenômeno, a vulnerabilidade da maioria dos
migrantes motivaram a igreja católica que se vê ela própria peregrina sobre a terra, a rever
conceitos e a inovar sua prática pastoral à luz da universalidade da sua missão no mundo.
A dependência econômica, financeira e tecnológica, que em maior ou menor grau
caracteriza os países subdesenvolvidos e que vem aumentando no mundo pós-guerra fria
gerou no período 1960-1971 constante instabilidade, tensões e novos fluxos migratórios.
Decorrência da crescente desigualdade entre países ricos e países pobres, o fenômeno
migratório foi relevante nessa época pelas elevadas cifras apresentadas e pela perversidade de
muitas situações, mas constituiu um fator de progresso e de enriquecimento, conseqüência
também dos diferentes aspectos culturais como idioma, religião e costumes em geral que a
mobilidade humana põe em contato.
O fato da congregação mscs ter considerado até fins dos anos 1960 como seu campo
pastoral próprio a migração italiana, justifica abordar aqui as correntes migratórias a partir da
transformação ocorrida nesse período na Itália, quando dados novos passaram a inverter uma
tradicional característica do país que, de área de emigração, começava a se tornar polo de
atração de imigrantes. A mudança teve particular importância histórica para a obra
scalabriniana uma vez que, em base às novas tendências da mobilidade humana, à luz dos
documentos da igreja e graças ao dinamismo do carisma, estendeu sua missão apostólica aos
migrantes de todas as nacionalidades.
O espaço então descortinado à atividade pastoral scalabriniana era imenso e
diversificados os fluxos migratórios, entre os quais contavam-se ainda milhares de italianos,
sendo agora mais numerosos os provenientes do sul da Itália. À parte a migração interna
orientada para a Lombardia, Piemonte, Liguria e para o centro do País, Roma em particular, o
movimento migratório italiano na década de 1960, além de constituir um fato meridional
manteve a preferência por outros países europeus necessitados de mão-de-obra como a Suíça
e sobretudo os da comunidade econômica européia, criada em 1957. A instituição da CEE,
sob a liderança de grandes estadistas, Alcide De Gasperi da Itália, Konrad Adenauer da
Alemanha e de Robert Schuman da França, suscitou grande expectativa de melhora nas
condições de vida dos imigrantes. Quando da liberação das fronteiras, em 1969, a destinação
de imigrantes italianos aos países da CEE mantinha-se expressiva, enquanto ocorria uma
gradual redução do fluxo para a Suíça. Nesse contexto a realidade vivida no continente
europeu continuava dura para a maioria dos imigrantes.
Outros aspectos a considerar no movimento italiano da década de 1960 são: a
irregularidade, o acentuado declínio e por outro lado o caráter permanente da emigração
transoceânica; a temporaneidade da emigração na Europa; o elevado número de mulheres e de
jovens, integrando o fluxo emigratório; a crescente concorrência sofrida no mercado de
trabalho europeu, no qual a mão-de-obra italiana devia competir com imigrantes de outras
proveniências, sempre mais numerosos.
132
À competição por mercado de trabalho somava-se a situação de inferioridade a que
eram submetidos os trabalhadores imigrantes, não só os italianos, na Europa de então.
Despreparados antes de emigrar, pouco ou nada acrescentavam à sua qualificação profissional
durante a permanência no exterior. Muitos emigravam sem a família, deixando os filhos aos
cuidados de outros familiares. Desconheciam o idioma local, moravam em locais insalubres,
sujeitavam-se a duros trabalhos. Retornar ao país de origem, proporcionar um futuro melhor
aos filhos e envelhecer com dignidade era o sonho da maioria.
As correntes migratórias surgidas no mundo a partir da segunda grande guerra tiveram
especial importância para a congregação das irmãs missionárias de são Carlos Borromeo,
scalabrinianas, também porque motivaram, em 1971, a reinterpretação do carisma herdado de
João Batista Scalabrini que já a seu tempo tivera clara percepção da universalidade do fato
migratório.
Ainda que o fluxo transoceânico de migrantes europeus tenha diminuído entre 1961 e
1970, cerca de 4 milhões deixaram então a Europa, estabelecendo-se em países de além-mar.
De acordo com dados da UNESCO, nesses anos, 1 353 600 europeus se estabeleceram na
Austrália; 156 500 migraram à Nova Zelândia; 955 100 foram para o Canadá; 1 132 200
preferiram os Estados Unidos; 228 300 optaram pela África do Sul e 357 300 estabeleceramse em países da América Latina.
Importante ainda, nos anos 1960, foi o movimento migratório no interno da Europa.
No início da década, só em Berlim antes da construção do muro, 3 milhões de alemães
haviam migrado da parte oriental para o lado ocidental da cidade. No decorrer do decênio em
torno de 8 milhões de migrantes, provenientes em maior número do sul e do leste europeus,
estabeleceram-se na parte ocidental do continente. Calcula-se em 450 000 o número de turcos
que deixaram sua terra, fixando-se de preferência na Alemanha. Foram numerosos também os
migrantes procedentes da Hungria e da Polônia que, por razões políticas, migraram para
outros países.
Na mesma época, em menor número, africanos, asiáticos e latino-americanos
migraram para a Austrália, Canadá e Estados Unidos. No ano de 1965 foram mais numerosos
os migrantes asiáticos que se estabeleceram no Canadá e nos Estados Unidos. Entre os que
optaram pelos Estados Unidos, milhares eram provenientes da India, das Filipinas e de Hong
Kong.
No continente africano, sempre no período ora em estudo, além da intensa mobilidade
interna houve grande fluxo de norte africanos para a Europa. Em concomitância, manteve-se
significativo o movimento de retorno de europeus de ex colônias da África e da Ásia, de
nacionalidade francesa, holandesa, portuguesa, bem assim belga e italiana em menor número.
A América Latina, que recebera milhões de europeus em épocas anteriores, continuou
a acolher imigrantes também de outros continentes. Por sua vez os latino-americanos
conheceram elevadas cifras da migração no interno de seus países, viram crescer a migração
entre um país e outro no próprio continente e aumentar o êxodo para os Estados Unidos,
sobretudo. Em precedência, foram os milhares de prófugos provenientes de Cuba e de Porto
Rico. Nos anos sessenta emigraram para os Estados Unidos cerca de 450 000 mexicanos,
muitos dominicanos e numerosos colombianos148.
Os dados referidos, mesmo que incompletos, dão uma idéia da amplitude das
migrações e de seu persistir no tempo, tanto como mobilidade interna quanto internacional.
Constata-se na década de sessenta o delinear-se de um novo perfil da sociedade humana, cada
148
Storia della congregazione scalabriniana. Roma, Centro Studi Emigrazione, 1982, v. VI, dal 1941 al 1978,
cf. p. 3-6. Collana Sussidi – 8. A cura di Mario Francesconi.
133
vez mais caracterizada pelo pluralismo étnico-cultural. Ganham realce, entre outros aspectos,
os desafios e as mudanças resultantes do fato migratório; a mão-de-obra migrante tanto a
menos quanto a mais qualificada, sempre fator de desenvolvimento econômico das nações; o
maior progresso cultural e científico dos povos que a mobilidade humana põe em contato; o
valor das diferentes culturas na obra evangelizadora da igreja.
Em resposta à sua missão universal, no contexto histórico do decênio 1960-1970, a
igreja católica manifestou de diferentes modos e em múltiplas ocasiões o seu
comprometimento com a realidade migratória mundial, tema que passou a ocupar uma
posição mais central nos documentos eclesiais.
Na encíclica Pacem in terris, de abril de 1963, João XXIII defendia o direito de
emigrar e de imigrar. O Papa afirmava a respeito: quando legítimos interesses o aconselhem,
deve ser-lhe permitido transferir-se a outras comunidades políticas e nelas domiciliar-se. Por
ser alguém cidadão de um determinado país, não se lhe tolhe o direito de ser membro da
família humana, ou cidadão da comunidade mundial. Ao abordar, no mesmo documento, a
questão dos prófugos políticos o papa João XXIII recordava que se lhes devem reconhecer os
direitos de pessoa e que tais direitos não desaparecem com o fato de terem eles perdido a
cidadania do seu país. O Papa expressava profunda amargura ao contemplar o fenômeno que
assumia, então, enormes proporções e ocultava inúmeros e lancinantes sofrimentos149.
O decreto Christus dominus do concílio Vaticano II, de outubro de 1965, recomendava
que fosse desenvolvida uma pastoral especializada para os inúmeros migrantes, estrangeiros e
exilados, marinheiros, aeroviários, nômades e outros, incluídos os que viajam de férias150. Já
a constituição pastoral Gaudium et spes fala das profundas mudanças provenientes do grande
número de pessoas levadas a emigrar151.
Na Populorum progressio, de março de 1967, Paulo VI exortava à caridade universal,
falava de crise de fraternidade entre os homens e entre os povos, insistia no dever de
acolhimento e nomeava os trabalhadores emigrados: Deve-se o mesmo acolhimento aos
trabalhadores emigrados que, economizando para aliviar um pouco a família que na sua
terra natal ficou na miséria, vivem em condições por vezes desumanas152.
As citações acima, algumas entre tantas, comprovam que nos documentos do concílio
Vaticano II e no ensino social da igreja a matéria relativa ao fenômeno migratório vinha sendo
retomada, indicando convicção quanto à sua importância e comprometimento eclesial com a
nova realidade. Ainda nos anos sessenta, diante das mudadas circunstâncias históricas e na
sua catolicidade, a igreja entendeu necessária uma atualização da Exsul familia, conforme
consta no motu proprio Pastoralis migratorum cura do papa Paulo VI e na instrução De
Pastorali migratorum cura da congregação dos Bispos, de agosto de 1969.
A oportuna reformulação da matéria sobre o complexo fenômeno migratório
estabeleceu normas, tendo em vista atualizar e dar um aspecto peculiar, como que um novo
rosto, à pastoral a ser desenvolvida junto a todas as pessoas em situação de mobilidade.
Menos de um ano depois da nova formulação, a 19 de março de 1970, o papa Paulo VI
instituiu a Comissão pontifícia para a pastoral das migrações e do turismo, um organismo
central encarregado inclusive de coordenar a ação pastoral das conferências episcopais no
campo da mobilidade humana. Com a constituição apostólica Pastor Bonus, de 28 de junho
de 1988 a Comissão pontifícia foi transformada no Conselho pontifício para a pastoral dos
149
JOÃO XXIII, enc. Pacem in terris, 1963.
CONC. VATICANO II, decr. Christus dominus, n. 18.
151
CONC. VATICANO II, const. Gaudium et spes, n. 6.
152
PAULO VI, enc. Populorum progressio, n. 66, n. 67, n. 69.
150
134
migrantes e itinerantes. O organismo tem contado também com a colaboração de missionários
e missionárias das congregações scalabrinianas.
135
3.2 Mudanças e eventos comemorativos na vida- missão do instituto no decorrer
da década de sessenta
3.2.1 Primeiro mandato de madre Idalina Baratter, 1960-1966
No período 1960-1971, que compreendeu dois mandatos de madre Idalina Baratter,
aconteceram na vida-missão da congregação scalabriniana feminina mudanças importantes,
destacando-se a transferência da sede geral de São Paulo para Acília, Itália, bem como a
passagem do instituto à dependência direta da congregação dos Religiosos. Em meados dos
anos sessenta ocorreram quatro eventos celebrativos: 70o aniversário de fundação do instituto;
50o de presença da congregação no Rio Grande do Sul; 25o de fundação da província da Itália;
25o de presença mscs nos Estados Unidos. Às mudanças e eventos somaram-se o aumento
expressivo de novos membros, melhor preparação profissional das irmãs e novas fundações.
No campo da missão própria, apesar da nova realidade migratória mundial, do concílio
Vaticano II e dos documentos eclesiais relativos à temática, faltou um avanço audacioso
naquele momento histórico.
O primeiro mandato de madre Idalina Baratter iniciou no dia 13 de maio de 1960 e
prolongou-se até o Capítulo Geral de 1966 quando, a 6 de maio desse ano, a então superiora
geral foi reeleita por mais um sexênio que se estenderia até outubro de 1971. No mesmo dia
13 de maio de 1960, conforme referimos em 2.3.5, foram eleitas as quatro conselheiras gerais
para o sexênio 1960-1966: irmã Maria Elisa Spinelli, vigária geral; irmã Maria Serafina
Canal, segunda conselheira geral; irmã Maria Justina Barbieri, terceira conselheira e secretária
geral; irmã Maria Egídia Riboldi, quarta conselheira e ecônoma geral.
No dia seguinte, 14 de maio de 1960, sob a presidência de madre Idalina Baratter nova
superiora geral, reuniram-se as irmãs capitulares na creche Nossa Senhora da Paz em São
Paulo, a fim de tratarem de assuntos de interesse da congregação mscs. A ata, que registra as
questões abordadas no dia 14 e nos três dias sucessivos, resume as preocupações, dificuldades
e aspirações de irmãs das quatro províncias do instituto e mostra aspectos interessantes,
característicos de uma realidade em mudança. A direção geral cessante, inclusive, expressou
naquela circunstância a sua preocupação com a introdução do modernismo e secularismo nas
comunidades.
Outros motivos de preocupação diziam respeito à observância das constituições em
geral, à clausura em particular, à censura ou controle de correspondência, ao reduzido número
de vocações provenientes de escolas da congregação. Questionou-se nessa ocasião o diário
íntimo elaborado pelas superioras e que desde então foi supresso, permanecendo a
obrigatoriedade de registrar os fatos salientes das comunidades.
Entre as dificuldades registradas constam o despreparo de superioras locais no
desempenho de sua missão; a difícil delimitação das atribuições da superiora local e da
diretora de escola; a falta de necessária qualificação profissional, sobretudo das irmãs
enviadas em missão a hospitais; os insuficientes recursos humanos para uma resposta efetiva à
ânsia de renovação espiritual.
Numerosas e diferenciadas eram as aspirações das irmãs mscs no início da década de
sessenta. Entre outras expressas, destacamos: melhor qualificação profissional; anseio de mais
liberdade no âmbito de atuação apostólica; retorno ao nome de batismo; recitação do ofício e
136
demais orações em idioma vernáculo; mudanças no livrete de orações; simplificação do
exame de consciência à noite; retiro inaciano para irmãs com dez anos de profissão; noções de
língua italiana; tradução da vida de são Carlos para o português; elaboração da história da
congregação; criação de um jornal da congregação; modificações no hábito; mais abertura
quanto à visita aos familiares, à participação a celebrações de casamentos e de batizados;
celebração eucarística em sufrágio dos pais e dos irmãos; permissão de usar relógio de pulso e
até salto alto para irmãs de baixa estatura. Em boa parte essas aspirações não foram
concretizadas nos anos sessenta.
Por sua vez, as províncias levaram ao Quarto Capítulo Geral também reivindicações e
pedidos: a província de São Paulo obteve a abonação de dívida que tinha com a casa geral no
valor de Cr$ 1 184 432,00 ou seja, um milhão cento e oitenta e quatro mil, quatrocentos e
trinta e dois cruzeiros; a província do Rio Grande do Sul apresentou a proposta de nomeação
de uma procuradora, com residência em Porto Alegre; a província da Itália, conforme
propusera, passou a contar com uma representante no conselho geral; as irmãs residentes nos
Estados Unidos sugeriam a construção do prédio do noviciado153.
O Capítulo Geral de 1960 aprovou ainda a proposta de dar a cada província da
congregação um titular, nossa senhora ou um santo, escolhido pelas irmãs da respectiva
província. O resultado, como segue, seria comunicado por madre Idalina Baratter em circular
de 4 de janeiro de 1962: província de São Paulo, nossa senhora Aparecida; província do Rio
Grande do Sul, Imaculada Conceição; província da Itália, São José; província da América do
Norte, nossa senhora de Fátima154.
Importante empreendimento da nova direção do instituto foi a transferência da sede
geral da congregação mscs, de São Paulo para Acília, assunto que abordaremos a seguir. Da
nova sede onde se encontrava, em data de 8 de abril de 1961, madre Idalina Baratter solicitou
ao santo padre João XXIII a nomeação de novo cardeal protetor em razão da morte do cardeal
Marcello Mimmi ocorrida a 6 de março desse ano. A Superiora Geral propôs ao Papa o nome
do cardeal Carlo Confalonieri. Cerca de um mês depois, a 9 de maio de 1961 o cardeal
Tardini comunicou à madre Idalina Baratter que o papa João XXIII nomeara o cardeal Carlo
Confalonieri Protetor das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo para os emigrados
italianos - Scalabrinianas. Em carta de 27 de maio a Superiora Geral expressava ao novo
Cardeal Protetor da congregação mscs satisfação pela nomeação e solicitava-lhe fixar a data
para a tomada de posse, só ocorrida a 2 de fevereiro de 1962.
Logo no dia seguinte, a 3 de fevereiro de 1962, mediante circular de n. 7 madre Idalina
informava as irmãs sobre a cerimônia de posse realizada na pequena capela da nova sede geral
do instituto e descrita por ela como uma comovente solenidade da qual participaram, além da
direção geral outras irmãs da província da Itália, sacerdotes e clérigos. No decorrer da
cerimônia padre Raffaele Larcher, superior geral dos padres scalabrinianos, leu o breve
pontifício de João XXIII, de nomeação do cardeal protetor Carlo Confalonieri e proferiu um
belíssimo discurso em nome da Superiora Geral e da congregação das irmãs missionárias de
são Carlos, scalabrinianas. A seguir as irmãs, em ordem de precedência, de joelhos, prestaram
ato de obediência ao novo cardeal Protetor, que seria o último na história da congregação
mscs155.
Um anterior momento de grande emoção, vivido pela direção geral a 7 de março de
1961, foi a audiência privada com o papa João XXIII durante a qual o pontífice quis saber do
153
LIVRO DE ATAS do Quarto Capítulo Geral de 1960. Ata dos trabalhos do capítulo geral após as eleições, 1417 de maio de 1960 (AGSS 1.12.2 ).
154
BARATTER, Idalina. Circular n. 6. Acília, 4 de janeiro de 1962 (AGSS 1.5.7 ).
155
BARATTER, Idalina. Circular n. 7. Acília, 3 de fevereiro de 1962 (AGSS 1.5.7 ).
137
instituto e do Fundador que disse ter conhecido em pessoa. Congratulou-se com a
transferência da sede geral e expressou seus votos de progresso para a congregação mscs. A
bênção do santo Padre ao final da audiência foi extensiva a todas as irmãs, às obras e aos
benfeitores do instituto scalabriniano feminino.
O relatório de final do sexênio, que resume as realizações da direção geral nos
primeiros anos da década de sessenta, destaca a feliz coincidência, a maior que se poderia
esperar: o concílio ecumênico Vaticano II considerado o acontecimento do século, cujo
reflexo se prolongará no futuro, na história da igreja, da humanidade, da vida religiosa.
Nesse clima de otimismo a Superiora Geral e conselho exortavam cada irmã a uma eficaz
colaboração quanto às mudanças emanadas do Vaticano II. Tal reforma, adiantava a direção
geral, será atuada pela igreja com o método por ela desejado e que pouco a pouco fará
conhecer à autoridade competente, a fim de que o ensinamento do concílio possa chegar
inalterado a todos os membros do instituto e produzir frutos de santidade e de apostolado156.
Ao estabelecer a sede do instituto em Acília no início da década de sessenta a direção
geral foi como que envolvida pela atmosfera de então, de maior comunhão eclesial, que
favoreceu avanços em determinados aspectos na vida da congregação mscs. Eventos
históricos, que ressaltavam a catolicidade da igreja, tornaram-se repetidos apelos também à
universalidade da missão do instituto.
Prioridade da direção geral continuou a ser, como na década precedente, a observância
das constituições. Madre Idalina e conselho procuraram manter as irmãs informadas a respeito
do andamento geral da congregação mediante envio de circulares, de correspondência diversa
e através das visitas canônicas realizadas conforme estabelecia o direito próprio.
Os registros comprovam, outrossim, preocupação e empenho da direção geral em
favorecer a necessária formação das irmãs. No relatório do período 1960-1966 madre Idalina
e conselho afirmam ter procurado dar todo o incremento possível à preparação religiosa e
cultural das irmãs. De fato, os dados mostram numerosas conclusões de curso e novos
ingressos, quer em universidades, quer em outros campos de formação de interesse do
instituto e das obras apostólicas e ele confiadas157.
Além da freqüência a cursos regulares as irmãs foram incentivadas a aperfeiçoarem
seus conhecimentos através de participação a cursos de religião, liturgia e de atualização em
geral, a fim de desempenharem com maior competência a missão assumida. Por sua vez, os
apelos da época estimulavam e exigiam sempre mais adequada preparação profissional.
Em 1966, ao final do primeiro mandato de madre Idalina Baratter, o número de
membros do instituto scalabriniano feminino totalizava 624 irmãs de votos perpétuos, 205
irmãs de votos temporários, 87 noviças, 17 postulantes. No decorrer do sexênio 1960-1966
faleceram oito irmãs mscs. Como congregação de porte médio, com expressiva força jovem e
com uma missão própria de notável atualidade, o instituto apresentava boas perspectivas de
ainda maior desenvolvimento nos anos sucessivos. No campo apostólico, em nosso entender,
esse tempo propício devia ter levado a congregação mscs também a uma renovada presença
pastoral no âmbito da mobilidade humana.
156
157
RELATORIO do governo geral, sexênio 1960-1966, p. 3-4 (AGSS 1.6.5 ).
Ibid., p. 67-71.
138
3.2.2 Transferência da sede geral da congregação mscs de São Paulo para Acília,
Itália
A transferência da sede geral da congregação das irmãs missionárias scalabrinianas de
São Paulo para Acília concretizou-se após demorado processo, exigiu empenho e
generosidade de tantos e, mesmo em se tratando de uma aquisição modesta em razão dos
poucos recursos do instituto, constituiu um marco em sua evolução histórica. Ainda que
situada em região periférica e com limitadíssimas condições de conforto, a nova sede geral
tornou-se uma conquista preciosa porque depois de quase setenta anos de história a
congregação passou a ter um endereço seu, em imóvel de sua propriedade, mas também
porque a nova residência, centralizadora da animação da vida-missão das irmãs mscs,
favoreceu de muitos modos o instituto scalabriniano feminino, descortinando em especial
oportunas perspectivas de expansão missionária.
Os antecedentes da transferência da sede do instituto de São Paulo para Acília, à parte
a antiga aspiração das irmãs mscs de terem a casa geral situada em local mais conveniente,
incluem outros projetos de mudança como o do núncio apostólico no Brasil, d. Benedetto
Aloisi Masella, proposto ao cardeal Rossi a 25 de março de 1936. Nessa época, segundo d.
Masella, a difícil situação criada entre a congregação das irmãs de são Carlos e d. Duarte
Leopoldo e Silva sugeria transferir o noviciado e a sede geral do instituto para outra
localidade não sujeita à jurisdição do então arcebispo de São Paulo. A proposta era
estabelecer o noviciado em Sorocaba e caso desse certo, transferir para essa cidade do interior
do estado de São Paulo também a sede geral do instituto. Em Sorocaba, escrevia d. Masella ao
cardeal Rossi, o bispo d. Aguirre que conheceu padre Marchetti irmão de madre Assunta e
creio também d. Scalabrini, é homem de piedade, de boa índole e a meu pedido daria logo
ajuda e apoio às missionárias de são Carlos. Outrossim, as irmãs scalabrinianas poderiam
ter como diretor espiritual um bom padre beneditino ou franciscano e desse modo as noviças
adquiririam bom espírito158. Em um primeiro momento a congregação Consistorial chegou a
aprovar o projeto apresentado pelo Núncio, mas o mesmo não foi efetivado.
Uma proposta posterior consta em cartas de padre Giovanni Sofia à madre Borromea.
Na primeira, escrita em fins de 1948, o scalabriniano propôs à Superiora Geral a aquisição de
um terreno situado em Roma, em território da paróquia de são Pancrácio, Monteverde, uma
zona não central, mas bonita e muito salubre159. Ao ser-lhe comunicada a impossibilidade da
compra em razão de seu custo elevado, padre Sofia escreveu segunda carta à Superiora Geral
datada de 20 de fevereiro de 1949, insistindo e lembrando o compromisso de transferir dentro
do tempo estabelecido a sede em Roma, segundo quanto lhe fora ordenado pela congregação
Consistorial160.
Cerca de cinco meses depois, em julho de 1949, padre Giovanni Sofia voltou a insisitir
no assunto relativo à transferência da sede geral:
Visitando a casa de Piacenza o Exmo. Cardeal Piazza constatou que é muito bonita e
muito grande. Há lugar também para a madre geral e para o seu conselho. Lembre o
encargo que lhe foi dado de transferir a casa geral para a Itália, primeiro à Piacenza
158
ALOISI MASELLA, Benedetto. Lettera a Raffaello Carlo Rossi. Rio de Janeiro, 25 Marzo 1936 (Archivio
del Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Prot.514/25).
159
SOFIA, Giovanni. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 6-12-1948 (AGSS 1.5.5).
160
SOFIA, Giovanni. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 20-2-1949 (AGSS 1.5.5).
139
e depois Roma, assim que puder adquirir uma sede decorosa. Planeje as coisas de
modo que tal disposição possa ser executada o mais rápido possível161.
Apesar dessas e de outras tentativas, cinco anos depois a sede geral permanecia em Vila
Prudente, São Paulo, enquanto no Brasil e na Itália irmãs levantavam a questão da casa mãe
da congregação, que vivera outra recente crise interna da qual resultara o afastamento de
madre Borromea Ferraresi da direção do instituto.
Em carta a Adeodato Piazza, de 7 de março de 1954, madre Joana de Camargo então
superiora geral e que se encontrava em Roma solicitava ao cardeal protetor da congregação
mscs um esclarecimento a respeito: Não temos nenhum documento que comprove a Casa Mãe
de nossa congregação. As irmãs da Itália dão este nome à casa do noviciado de Piacenza. As
irmãs do Brasil, em especial as mais anciãs, não concordam com isso, pelo motivo de não ter
sido aquela a residência das primeiras irmãs. Suplicamos à Vossa Eminência um
esclarecimento162. Como resposta e em forma de apontamento, o cardeal Piazza esclareceu:
Por quanto pude inferir dos documentos existentes junto a esta S. C. parece-me de
todo infundado falar de Casa Mãe das Irmãs de S.Carlos na Itália. Ainda que as
primeiras Irmãs da Congregação tenham professado nas mãos do Servo de Deus d.
Scalabrini em Piacenza, todavia não tiveram ali casa alguma até 1936. Nos poucos
dias que as primeiras Irmãs passaram em Piacenza foram hóspedes das Irmãs de S.
Ana e dois dias depois da profissão partiram para S. Paulo.
A primeira casa na qual residiram em S.Paulo foi o orfanato Cristóvão Colombo
fundado pelos scalabrinianos no Ipiranga. Com a ereção da seção feminina do
orfanato em Vila Prudente, também em S. Paulo, 1904, as Irmãs transferiram-se para
o novo prédio que se tornou a sua verdadeira e principal sede no Brasil. Quando
foram aprovadas pelo Arcebispo de S. Paulo como congregação religiosa diocesana
tinham ali inclusive o noviciado. Até hoje Vila Prudente é também sede da casa geral.
Portanto, ainda que Vila Prudente não seja a primeira sede das Irmãs de S. Carlos
em ordem de tempo, porém pelos motivos acima expostos pareceria responder mais
aos requisitos de Casa Mãe. Nem me parece que possa haver qualquer dificuldade
pelo fato da casa de Vila Prudente pertencer aos scalabrinianos, pois que foi dado o
uso às Irmãs pelo comum objetivo combinado desde a fundação do Orfanato163.
Em nota manuscrita, no mesmo documento e datada de 26 de março de 1954, o
Cardeal afirma que casa mãe é uma simples questão histórica, ao passo que casa geral é uma
questão jurídica.
Entre 1955 e 1958 a congregação Consistorial continuou a insistir na transferência da
sede geral do instituto para a Itália, quer através do cardeal Adeodato Piazza e quer depois,
através do cardeal Marcello Mimmi. A Consistorial, inclusive, antecipou a autorização de
compra de um imóvel para essa finalidade, ficando a congregação mscs com o compromisso
de fazer a seu tempo o pedido por escrito. Após anos de pesquisa e até de esperança de doação
que não aconteceu, apresentou-se uma ocasião considerada favorável. Tratava-se de uma
propriedade à venda localizada em Acilia, no caminho de Óstia.
161
SOFIA, Giovanni. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 6-7-1949 (AGSS 1.5.5).
CAMARGO, Joana. Lettera a Adeodato Piazza. Roma, 7-3-1954 (AGSS 1.5.6 ).
163
PIAZZA, Adeodato. Appunto circa da Casa Madre delle Suore di S. Carlo. 24-26 Marzo 1954 (Archivio del
Pontificio Consiglio della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Prot. 514/25).
162
140
Assim que foi informada dessa possibilidade, madre Joana de Camargo quis conhecer
in loco terreno e casa. No início de maio de 1958 determinou a aquisição do imóvel,
incumbindo irmã Maria Elisa Spinelli, superiora provincial da província da Itália, de se
ocupar dos trâmites relativos à compra. A 24 de junho de 1958 irmã Elisa, Luigia Spinelli
como representante legal, encaminhou à autoridade italiana competente o pedido de
reconhecimento da personalidade jurídica da sede geral do instituto scalabriniano feminino.
Nos primeiros dias de julho de 1959, superadas novas dificuldades e com o importante
auxílio prestado pelo scalabriniano padre Giacomo Danesi, irmã Maria Giustina Cavalli, por
delegação da representante legal irmã Maria Elisa Spinelli, assinou o contrato de compra do
imóvel. Para a aquisição, a província dos Estados Unidos contribui com a soma de 50 000
dólares164. Em data de 16 de janeiro de 1960 a gazeta oficial da república italiana publicaria o
reconhecimento da personalidade jurídica da sede geral da congregação das irmãs
missionárias de são Carlos, scalabrinianas.
A 15 de julho de 1959 madre Joana de Camargo solicitou ao cardeal Valerio Valeri, do
vicariato de Roma, autorização para abrir uma casa religiosa em Acilia, Via dei Monti di San
Paolo, n. 55, onde passaria a funcionar uma escola infantil e onde, em futuro próximo,
estabelecer-se-ia a casa geral do instituto scalabriniano feminino, na época ainda no Brasil165.
Aspectos interessantes dos antecedentes e dos primeiros tempos vividos em Acilia
pelas irmãs mscs da província italiana, que souberam tornar gracioso um ambiente rústico e
desprovido de quase tudo, foram registrados com sensibilidade histórica por irmã Maria
Prassede Carrara, nomeada superiora da comunidade. A presença das irmãs pioneiras, seu
exemplo de fé, espírito de sacrifício e de doação produziram junto aos irmãos da paróquia S.
Leonardo da Porto Maurizio de Acilia, imediatos frutos de bem166.
Pouco mais de um ano depois de aberta a comunidade, a 31 de outubro de 1960, a
nova superiora geral madre Idalina Baratter solicitou por escrito ao cardeal Marcello Mimmi,
secretário da congregação Consistorial e protetor da congregação mscs, permissão de
transferir a sede geral de São Paulo para Acilia. O cardeal Protetor aprovou plenamente a
proposta de transferência para Roma da casa geral do instituto167.
A partir de então a direção geral organizou-se, providenciou as passagens para as
irmãs e a expedição das bagagens. Como despedida da casa geral no Brasil foi programada
uma missa de ação de graças na capela de Vila Prudente, celebrada no dia 26 de dezembro de
1960 pelo padre Isidoro Bizzotto, diretor do Orfanato e que contou com a participação das
irmãs da direção geral, exceto irmã Elisa Spinelli que já retornara à Itália, da direção geral
cessante, da direção provincial de São Paulo, da superiora provincial do Rio Grande do Sul e
de numerosas outras irmãs das comunidades mais próximas.
Poucos dias antes, em circular de n. 3 datada de 15 de dezembro de 1960, madre
Idalina Baratter expressara sentimentos de gratidão a Deus pelos benefícios recebidos e
deixara registrado também um afetuoso agradecimento ao Brasil, país onde o instituto
prosperou e que abrigou em seu solo durante tantos anos a sede geral da congregação mscs.
Na circular a Superiora Geral comunicava às irmãs a visita que junto à irmã Egídia Riboldi,
conselheira geral, faria à província dos Estados Unidos, bem como a partida para Roma das
duas outras conselheiras gerais, irmã Serafina Canal e irmã Justina Barbieri. A viagem destas
seria marítima. De fato, ambas embarcaram no porto de Santos, São Paulo, no Frederico C, a
164
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral: 1954-1960. Ata n. 322 , 1958 (AGSS 1.12.1).
CAMARGO, Joana. Lettera a Valerio Valeri. São Paulo, 15-7-1959 (AGSS 1.5.6).
166
FATOS SALIENTES da casa geral, 1959-1967 (AGSS 1.12.3).
167
MIMMI, Marcello. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 23 novembre 1960 (AGSS 1.5.7).
165
141
3 de janeiro de 1961. No mesmo navio seguiram nessa oportunidade os arquivos e pertences
da casa geral da congregação mscs168.
Após uma viagem bem sucedida, no dia 16 de janeiro irmã Serafina Canal e irmã
Justina Barbieri desembarcaram no porto de Gênova depois de refazer, ao inverso, o trajeto
percorrido pelas irmãs pioneiras em 1895. As duas irmãs detiveram-se alguns dias em
Piacenza. As bagagens, ao invés, entre as quais estava o arquivo do instituto, foram expedidas
de Gênova para Acilia.
É eloqüente, de modo especial, a transferência do arquivo geral da congregação das
irmãs missionárias scalabrinianas à sua própria sede, na Itália. Em 1895 as primeiras irmãs
mscs deixaram o País com uma história quase toda a construir. Agora o instituto possuía já
uma rica história a custodiar169. Afinal, a congregação é a sua própria história.
Os sucessivos momentos ligados à transferência da casa geral de São Paulo para Acilia
incluíram a organização da nova sede onde a 21 de janeiro de 1961 chegaram sem problemas
todas as bagagens, cada uma trazendo intacto o Agnus Dei colocado antes da expedição em
São Paulo; a recepção à madre Idalina Baratter e irmã Egídia Riboldi chegadas ao Fiumicino e
à Casa Madonna Assunta, Acilia, dia 1o de fevereiro; a primeira reunião da direção geral na
nova sede, realizada a 4 de fevereiro, sempre em 1961; a audiência, nessa mesma data,
concedida à Superiora Geral e conselho pelo cardeal Marcello Mimmi, secretário da
congregação Consistorial e protetor da congregação mscs; o envio da circular n. 6 a todas as
comunidades, agradecendo às irmãs as orações, comunicando-lhes o bom êxito das viagens e
a chegada à nova sede geral170.
Na visita que fez à casa geral no dia 2 de fevereiro de 1962 o cardeal Carlo
Confalonieri, novo secretário da congregação Consistorial e protetor da congregação mscs,
deixou escrita esta mensagem:
Le più ampie ed elette Benedizioni di Dio accompagnino e fecondino ognora più le
attività apostoliche delle Suore Missionarie di San Carlo Borromeo – Scalabriniane,
particolarmente dedicate all‟assistenza degli Emigranti, e santifichino la Casa
Generalizia aperta in Acilia sul sacro suolo di Roma, centro della Cattolicità.
2 Febbraio 1962 – Festa della Purificazione di Maria Ssma.
Carlo Card. Confalonieri
Protettore171.
A localização da sede geral do instituto scalabriniano feminino em solo romano
facilitou à direção geral e a outras irmãs da congregação a freqüência a cursos e a participação
a eventos tais como: as comemorações do 10o ano da publicação da Exsul familia realizadas
em dois momentos, a 4 de agosto de 1962 na basílica de Santa Maria Maior, com missa
celebrada pelo cardeal Carlo Confalonieri e a 5 de agosto na basílica de São Pedro, com missa
e audiência do papa João XXIII, que contaram com a presença em Roma de milhares de
emigrantes e refugiados de todas as partes do mundo; reuniões de superioras maiores, entre
outras aquela realizada em Rocca di Papa a 20 de maio de 1962; a celebração eucarística de 6
168
BARATTER, Idalina. Circular n. 3. São Paulo, 15-12-1960 (AGSS 1.5.7).
JOÃO PAULO II. Vita Consecrata, 1996, cf. 110.
170
FATOS SALIENTES da casa geral, 1959-1967 (AGSS 1.12.3).
171
CONFALONIERI, Carlo. Termo de visita, 2-2-62. In: TERMOS DE VISITAS de 1942 a 1977 (AGSS
1.12.8).
169
142
de outubro de 1962 que reuniu religiosas na basílica de Santa Maria Maior para rezar pelo
feliz êxito do concílio ecumênico Vaticano II; a procissão de penitência de 7 de dezembro do
mesmo ano, também para implorar a bênção de Deus sobre o Concílio; o encerramento do
Vaticano II, dia 8 de dezembro de 1965172.
Essa proximidade favoreceu a comunhão eclesial, possibilitou maior percepção da
catolicidade da igreja e mostrou à irmã mscs a atualidade e a universalidade da sua missão,
quer quanto às novas situações de mobilidade humana, quer quanto à outra importante
dimensão do carisma scalabriniano que lembra a todos os seres humanos, romeiros ou não, a
condição de caminhantes para uma pátria comum.
3.2.3
Passagem do instituto à dependência direta da congregação dos Religiosos
Poucos anos depois da transferência da sede geral da congregação das irmãs
missionárias de são Carlos, scalabrinianas, de São Paulo para Acilia, por proposta da
congregação Consistorial da qual o instituto scalabriniano feminino dependia há quase
quarenta anos, o papa Paulo VI determinou a passagem do mesmo à dependência direta da
congregação dos Religiosos, de acordo com o direito comum, tendo em vista o bem maior do
referido instituto.
A dependência dos missionários e das missionárias de são Carlos, scalabrinianos, da
congregação Consistorial hoje congregação dos Bispos, conforme vimos no primeiro volume
de história da congregação mscs, liga-se ao motu proprio do papa Pio X datado de 15 de
agosto de 1912, documento em que o santo padre confiou àquela congregação pontifícia o
cuidado espiritual dos emigrados e que, em decorrência, ocupava-se dos missionários
scalabrinianos que desenvolviam sua missão junto aos emigrados italianos. Foi em razão
dessa atribuição que a 15 de outubro de 1925 a Consistorial interpôs-se em conflito interno do
instituto scalabriniano feminino, regularizando-o e disciplinando-o no decorrer de longo
período interventivo.
Após a reordenação e posterior aprovação pelo papa Pio XII em audiência concedida
ao cardeal Rossi a 7 de agosto de 1948, a congregação mscs continuou dependente da
Consistorial. Em carta à madre Borromea Ferraresi, de 6 de dezembro desse ano, na qual
padre Giovanni Sofia informava a superiora geral a respeito do cardeal Adeodato Piazza,
novo secretário da congregação Consistorial, que sucedia ao cardeal Rossi, o coirmão
scalabriniano afirmava: as missionárias de são Carlos são as únicas irmãs que dependem de
tal sagrada Congregação173.
A dependência direta do instituto scalabriniano feminino da congregação Consistorial
traduzia-se em sentimentos de filial e devota submissão, da parte das irmãs. A Consistorial,
por sua vez, assegurava à congregação mscs, com a sua proteção, oportunas diretrizes e
empenho em seguir com particular benevolência e atenção a vida e as obras das irmãs de são
Carlos174.
A comunicação à superiora geral madre Idalina Baratter de que, por proposta da
própria congregação Consistorial o papa Paulo VI em audiência de 14 de setembro de 1963
determinara a passagem da congregação mscs à dependência direta da congregação dos
Religiosos foi feita pelo cardeal Carlo Confalonieri em dois momentos: a 25 de junho de
1964, em audiência concedida à Superiora Geral, acompanhada na circunstância pela vigária
172
FATOS SALIENTES da casa geral, 1959-1967 (AGSS 1.12. 3) .
SOFIA, Giovanni. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 6-12-1948 (AGSS 1.5.5).
174
MIMMI, Marcello. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 27 Maggio 1960 (AGSS 1.5.7).
173
143
geral, irmã Elisa Spinelli. Menos de uma semana depois, em carta datada de 1o de julho de
1964 o cardeal Confalonieri confirmou a passagem e resumiu os quase quarenta anos de
dependência do instituto scalabriniano feminino, da congregação Consistorial. Em razão de
seu significado transcrevemos a seguir, na íntegra, a carta do cardeal protetor Carlo
Confalonieri à madre Idalina Baratter.
Roma, 1o de julho de 1964
Reverendíssima Madre,
Como já comunicado a viva voz, por ocasião do encontro do dia 25 p.p., apresso-me a
informar a V.M.Revma. que, por proposta desta sagrada Congregação, o santo Padre
na audiência de 14 de setembro p.p., para o maior proveito espiritual das religiosas
dependentes desse instituto, dispôs que a congregação das irmãs missionárias de são
Carlos, até agora sob a dependência deste sagrado “Dicastero”, passe à dependência
direta da sagrada congregação dos Religiosos, de acordo com o direito comum.
V.M. bem conhece como este sagrado “Dicastero” - ao qual Pio X, de f. m., com
“moto proprio” de 15 de agosto de 1912 confiou os cuidados espirituais dos
emigrados e que, por tal título, se ocupava dos missionários de são Carlos para os
emigrados italianos no exterior, scalabrinianos - a 15 de outubro de 1925 propôs-se
regularizar e disciplinar também a congregação das irmãs de são Carlos.
A dependência da congregação deste sagrado “Dicastero” tornou-se completa
quando a 13 de janeiro de 1934 este mesmo “Dicastero” aprovou “ad experimentum
ad septennium” as novas regras e constituições do instituto, que se tornou assim de
direito pontifício.
Pio XII, enfim, na audiência concedida ao pranteado nosso predecessor cardeal C.
Rossi a 7 de agosto de 1948, dignava-se benignamente aprovar o instituto e aprovar
de modo definitivo as constituições, com algumas mudanças e emendas conforme o
exemplar que se conserva no arquivo desta sagrada Congregação.
Nos últimos vinte anos, protegida de maneira visível e largamente pela divina
Providência e sob a paterna e sábia direção e proteção dos nossos predecessores, os
eminentíssimos cardeais Carlo Rossi, Adeodato Piazza e Marcello Mimmi, essa
congregação viu multiplicarem-se os membros e as casas religiosas, mais de 90,
distribuídas no Brasil, na Europa e na América do Norte, com uma sede geral própria
em Roma.
Como resulta do último detalhado relatório enviado por esse conselho geral em 1960,
só no decênio 1951-1960 o instituto registrou 344 aceitações, 318 vestições
religiosas, 247 profissões temporárias e 167 profissões perpétuas.
Com o objetivo, agora, de multiplicar e ao mesmo tempo, de assegurar de forma
sólida os copiosos frutos em bem da igreja que há anos este instituto oferece, e
resultando sempre mais difícil a este sagrado “Dicastero”, em razão do crescente
desenvolvimento do instituto, acompanhar de modo eficaz, com os meios mais
adequados e idôneos, sua vida espiritual e sua organização, propusemos à augusta
consideração do santo Padre a providência acima, providência que não deixará de
exercer um benéfico influxo na vida do mesmo instituto.
A tal intento o santo Padre aprovou que essa congregação venha de agora em diante
a depender diretamente, conforme o direito comum, da sagrada congregação dos
Religiosos.
Solicito, portanto, a V. M. Revma. queira fazer, assim que lhe for possível, os
oportunos contatos com a referida Congregação, à qual este sagrado “Dicastero”
apressou-se em comunicar a augusta disposição do santo Padre.
144
Com o objetivo de permitir a essa sede geral de conservar os dados históricos
principais da origem e do desenvolvimento jurídico dessa congregação, me apraz
enviar-lhe, em pacote à parte, cópia dos documentos principais conservados junto aos
arquivos desta Secretaria.
Invocando sobre V.M. e o seu conselho geral, bem como sobre todos os membros
desse instituto e as atividades que atraem as copiosas bênçãos divinas, valho-me da
circunstância para professar-me com sentimentos de distinto obséquio
dev. mo no Senhor
C. Card.Confalonieri, secr175.
Cabia, pois, à direção geral do instituto scalabriniano feminino fazer os devidos
contatos com a congregação dos Religiosos, à qual já fora comunicada pela própria
congregação Consistorial a determinação do santo Padre referente à mencionada passagem,
bem como a retirada de cópia de documentos conservados na congregação Consistorial, de
interesse da congregação das irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas.
A seleção de documentos históricos sobre a origem e o desenvolvimento jurídico do
instituto, conservados junto ao arquivo da congregação Consistorial, foi feita pelas
conselheiras gerais, irmã Elisa Spinelli e irmã Egídia Riboldi, dia 7 de agosto de 1964176.
Cópia dos documentos selecionados foi entregue à congregação mscs no dia 23 de setembro
do mesmo ano.
No dia 14 de outubro desse ano madre Idalina Baratter, por sua vez, na qualidade de
superiora geral da congregação das irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas, escreveu
ao cardeal Ildebrando Antoniutti, prefeito da congregação dos Religiosos, dizendo ter
recebido de Sua Eminência Reverendíssima o cardeal Carlo Confalonieri, comunicação de
que o santo Padre determinara a passagem do instituto à dependência direta dessa
congregação pontifícia. A Superiora Geral adiantou que, de acordo com o conselho geral,
havia aderido de boa vontade à augusta disposição do Papa e solicitava ao cardeal Prefeito da
congregação dos Religiosos uma breve audiência, através da qual faria um primeiro
contato177.
Consta em fatos salientes da casa geral que a primeira audiência da Superiora Geral
com o cardeal Ildebrando Antoniutti ocorreu no dia 5 de dezembro de 1964 e que, a partir
dessa data, a congregação mscs passou da Consistorial à sagrada congregação dos
Religiosos, conforme disposição do santo padre, o papa Paulo VI178.
Após as formalidades de praxe madre Idalina Baratter, em circular de 8 de dezembro
de 1964, comunicou às irmãs da congregação as novas disposições da igreja e afirmou ter
aceito, sem exitar, a determinação do Papa. A circular reafirma que a 5 de dezembro desse
ano a congregação mscs passou, de modo oficial, à dependência da congregação dos
Religiosos e que nesse dia, acompanhada de irmã Elisa Spinelli, a Superiora Geral tivera a
primeira audiência com o cardeal Ildebrando Antoniutti, prefeito da mesma congregação. Sua
Eminência, escreve madre Idalina na circular, as recebeu com paternal interesse, expressou
votos de contínuo progresso para o insituto, santidade para seus membros e abençoou todas as
irmãs mscs. Na mesma circular, em que exprime gratidão pelos grandes e inúmeros benefícios
175
CONFALONIERI, Carlo. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 1o luglio 1964 (AGSS 1.5.7).
FATOS SALIENTES da casa geral, 1959-1967 (AGSS 1.12.3).
177
BARATTER, Idalina. Lettera a Ildebrando Antoniutti. Roma – Acilia, 14Ottobre 1964 (AGSS 1.5.7).
178
FATOS SALIENTES da casa geral, 1959-1967 (AGSS 1.12.3 ).
176
145
recebidos da Consistorial, madre Idalina declara: depois de Deus, é à sagrada congregação
Consistorial que devemos a sobrevivência de nossa congregação179.
Ainda que sob a dependência direta da congregação dos Religiosos, a direção geral da
congregação mscs continuou a contar com a benevolência do cardeal Carlo Confalonieri, na
qualidade de cardeal protetor do instituto. De sua parte o instituto scalabriniano feminino,
repetidas vezes e de diferentes modos manifestou reconhecimento ao Cardeal. Por ocasião de
seus jubileus de 50 anos de ordenação sacerdotal e 25o aniversário de sagração episcopal o
instituto ofereceu ao cardeal Carlo Confalonieri, um florilégio espiritual de 9 dias de preces
de cada irmã da inteira congregação180. Foi ele o último cardeal protetor da congregação
mscs, em razão de nova legislação que suprimiu a figura dos cardeais protetores de
congregações religiosas.
3.2.4 Setuagésimo aniversário de fundação do instituto scalabriniano feminino,
1895-1965
Depois da passagem do instituto scalabriniano feminino à dependência direta da
congregação dos Religiosos o cardeal protetor, Carlo Confalonieri, participou de outros
momentos especiais para a congregação mscs, entre eles o de 19 de junho de 1965, quando da
consagração do altar e bênção da nova capela da sede geral em Acilia, dedicada a são Carlos
Borromeo. Outra significativa participação do cardeal Carlo Confalonieri ocorreu em outubro
do mesmo ano, quando da comemoração do setuagésimo aniversário de fundação do instituto.
Nessas circunstâncias, como o haviam feito em outras os seus antecessores, o cardeal Protetor
manifestou sua estima pela congregação e enalteceu o meritório apostolado desenvolvido
pelas irmãs mscs junto aos imigrantes italianos e seus descendentes em diversos países do
mundo. Também a mensagem do cardeal Ildebrando Antoniutti, prefeito da congregação dos
Religiosos, enviada por ocasião do 70o ano de fundação do instituto, evidenciou a missão das
irmãs scalabrinianas junto aos emigrados e exortou-as à fidelidade ao Fundador mediante uma
renovada ação apostólica.
A fidelidade ao espírito do Fundador e ao seu projeto apostólico constitui sempre o
modo mais apropriado de celebrar cada ano o aniversário de fundação do instituto. Os
cardeais “protetores” da congregação mscs, conforme se constata em documentos de arquivo,
tiveram todos bem presente a benemérita missão do instituto scalabriniano feminino. O
cardeal Raffaello Carlo Rossi, por ocasião do cinqüentenário da instituição, escrevera em sua
mensagem:
me é grato participar com o pensamento, da sua festa comemorativa e enviar a minha
bênção. Possam as boas irmãs scalabrinianas continuar a fazer tanto bem, segundo o
espírito do seu venerado Fundador que as quis para assistir aos italianos emigrados.
Agora, então, que a instituição retornou à Itália de onde as primeiras irmãs partiram,
não resta que desejar uma retomada sempre maior, da atividade missionária...181
Cinqüenta anos depois da fundação, diante das novas situações de mobilidade humana,
era tempo de retorno à intenção da origem para readquirir o impulso do início e corrigir
desvios acumulados em atividades pastorais assumidas pela congregação ao longo de décadas.
179
BARATTER, Idalina. Circular n.10. Roma, Acilia, 8 de dezembro de 1964 (AGSS 1.5.7).
FATOS SALIENTES da casa geral, 1959-1967 (AGSS 1.12.3).
181
ROSSI, Raffaello C. Lettera a Borromea Ferraresi. Roma, 3 febbraio 1946 (AGSS 1.5.5).
180
146
Os votos formulados pelo cardeal Rossi em fevereiro de 1946, de uma retomada sempre
maior da atividade missionária própria do instituto, continham uma precisa indicação que, em
nosso entender, foi pouco considerada justo nos vinte anos posteriores quando, conforme
escreveu o cardeal Confalonieri em julho de 1964, visível e largamente protegida pela divina
Providência a congregação mscs viu multiplicarem-se os membros e as casas religiosas, mais
de 90, distribuídas no Brasil, na Europa e na América do Norte.
Os registros conservados em atas dos capítulos gerais realizados pelo instituto em
1948 e em 1960, não incluem reflexões sobre a realidade migratória mundial e sobre o
apostolado próprio da congregação. Pode-se concluir que se tais capítulos foram omissos em
assuntos tão importantes o instituto de modo geral, na época, não se colocava a questão da
fidelidade à missão. O tema, ao invés, tornar-se-ia muito presente depois do concílio Vaticano
II.
As decisões tomadas pelo Quarto Capítulo Geral realizado em maio de 1960, relativas
à formação espiritual e intelectual das irmãs mscs, bem como a preocupação manifestada
pelas capitulares quanto à mais perfeita observância regular e ao bom andamento e
desenvolvimento das casas do instituto foram elogiadas pelo cardeal Marcello Mimmi., então
cardeal protetor da congregação mscs182.
Em carta de 18 de julho de 1960 o Cardeal expressava satisfação pelo progresso do
instituto, como pudera constatar através de relatório enviado pela direção geral, referente ao
período 1951-1959. Assegurava o cardeal Marcello Mimmi o apoio da congregação
Consistorial, a fim de que o instituto scalabriniano feminino continuasse a „ viver, florescer e
crescer ‟ no espírito religioso e nas obras de apostolado183.
No decorrer de toda a década de 1960 como se verá, antes e depois da passagem do
instituto à dependência direta da congregação dos Religiosos, não faltaram à congregação
mscs oportunidades de maior expansão apostólica. Além de 12 novas fundações feitas no
primeiro mandato de madre Idalina Baratter houve outros pedidos de presença pastoral das
irmãs scalabrinianas: no Brasil, Suíça, Canadá, França, Inglaterra, Estados Unidos, Itália,
inclusive na Sardenha e que não foram assumidos.
Em documentos dessa época, enviados pela Secretaria de Estado de Sua Santidade ou
pelas congregações pontifícias, a Consistorial e a dos Religiosos em particular, as irmãs
scalabrinianas eram identificadas como missionárias de são Carlos para os emigrados
italianos. A direção geral, por sua vez, em determinadas circunstâncias também de modo
explícito teve presente a missão própria do instituto. Em 1961, ao aprovar por unanimidade a
abertura de nova comunidade em Winterthur, Suíça, madre Idalina Baratter e conselho
consideraram que aquela missão favorecia de perto os imigrantes italianos184.
A 25 de outubro de 1965, já muito menos missionárias junto aos imigrantes italianos,
as irmãs scalabrinianas celebraram o setuagésimo aniversário de fundação do instituto. Em
carta ao cardeal Ildebrando Antoniutti, de 2 de outubro desse ano, madre Idalina Baratter
expressara o desejo de celebrar de maneira conveniente o significativo aniversário e solicitara
ao cardeal prefeito da congregação dos Religiosos um pensamento e a bênção apostólica que
enviariam através de circular a toda a congregação fundada há 70 anos, tendo como
finalidade a assistência aos italianos emigrados185. A breve mensagem do cardeal Antoniutti,
182
MIMMI, Marcello. Lettera a Idalina Baratter (minuta). Roma, 23-6-1960 (Archivio del Pontificio Consiglio
della Pastorale per i Migranti e gli Itineranti. Prot. 514/25).
183
MIMMI, Marcello. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 18-7-1960 (AGSS 1.5.7).
184
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral: 1960-1967. Ata n. 393, 1961 (AGSS 1.12.1).
185
BARATTER, Idalina. Lettera a Ildebrando Antoniutti. Roma- Acilia 2 ottobre 1965 (AGSS 1. 5.7).
147
com data de 25 de outubro de 1965 e que transcrevemos, inicia com uma afirmação
contestável e conclui com oportuna exortação:
Às irmãs scalabrinianas que há 70 anos acompanham os emigrados pelas estradas do
mundo e distribuem os tesouros da caridade nas famílias, nas escolas, nos hospitais,
nas missões, envio a minha cordial bênção com vivas satisfações pelo bem realizado e
com votos de que se mantenham fiéis ao espírito e aos ensinamentos de seu Fundador,
em um apostolado sempre mais ativo, generoso e fecundo186.
A mensagem do cardeal Antoniutti foi precedida pela do cardeal Carlo Confalonieri de
7 de outubro, Festa del Rosario 1965, na qual o cardeal protetor escreveu:
Há setenta anos do nascimento das irmãs missionárias de são Carlos Boorromeo, por
obra do ilustre e tão benemérito bispo de Piacenza d. João Batista Scalabrini, é digno
e prazeroso voltar o olhar à esplêndida e ainda que cristãmente silenciosa floração de
bem, que no Brasil por primeiro e sucessivamente em outras terras do Novo e do
Antigo Mundo confortou as vicissitudes dos emigrados italianos, a eles e a seus filhos,
espalhando os tesouros da caridade que Cristo Jesus acendeu sobre a terra; nisso
encontramos motivo para agradecer o Senhor por todos os inestimáveis dons
concedidos e dar às boas irmãs o atestado de estima sincera e profunda por terem
sido sábias e decididas ministras; entendendo aqui recordar - com a lembrança da
sagrada congregação Consistorial – as predileções dos cardeais protetores que nos
têm precedido em nosso humilde serviço; sobre todas as diletas religiosas e sobre as
suas obras, bem como sobre o futuro que se abre com ainda mais amplas prospectivas
de ação e de santificação, as mais efusivas celestes bênçãos187.
As mensagens acima continham elementos provocativos para a congregação
scalabriniana feminina em meados da década de 1960. A questão da fidelidade ao carisma
originário do instituto, quer na dimensão da espiritualidade, quer na sua dimensão apostólica,
precisava ser aprofundada. Nas últimas décadas, na verdade, em muitas das suas opções
pastorais a congregação mscs distanciara-se da intenção do Fundador. A comemoração do
setuagésimo aniversário do instituto revelou uma história rica de bem realizado e mostrou,
outrossim , quanto se fazia necessária a atualização proposta pelo concílio Vaticano II.
3.2.5 Outros eventos e novas fundações da congregação mscs no sexênio 19601966
Durante o primeiro mandato de madre Idalina Baratter, que compreendeu o sexênio
1960-1966, a congregação scalabriniana feminina comemorou outros importantes eventos no
âmbito das suas províncias. Nesse período a evolução histórica do instituto, em particular nas
províncias brasileiras, evidenciava sempre mais a necessidade de retomar a intenção
originária e pôr em foco as diferentes situações de mobilidade humana que caracterizavam a
época. As novas fundações reforçaram a concentração de obras, sobretudo no estado do Rio
Grande do Sul. Mesmo diante da mudada realidade migratória no Brasil e no mundo a missão
186
187
ANTONIUTTI, Ildebrando. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 25 ottobre 1965 (AGSS 1.5.7).
CONFALONIERI, Carlo. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 7 ottobre 1965 (AGSS 1.5.7).
148
própria, nesse sexênio, não constituiu a motivação central da maioria das opções apostólicas
da congregação.
A celebração do setuagésimo aniversário de fundação do instituto, em 1965, foi
também comemorativa dos 70 anos de fundação da província nossa senhora Aparecida. No
mesmo ano ocorreu o cinqüentenário da missão scalabriniana feminina no Rio Grande do Sul.
Quatro anos antes, em 1961, a província italiana celebrara o 25o aniversário do retorno da
congregação à Itália e abertura do noviciado em Piacenza. Em 1966 a província nossa senhora
de Fátima comemorou o 25o aniversário da presença mscs nos Estados Unidos.
Setenta anos depois de memorável início em 1895 a província paulista, agora
província nossa senhora Aparecida, constituía-se de 28 comunidades, duas das quais fundadas
no decorrer do sexênio 1960-1966, uma em Brasília e outra em Jundiaí, esta no interior do
estado de São Paulo. No contexto brasileiro da época milhares de migrantes internos,
sobretudo nordestinos, estabeleceram-se em Brasília e em São Paulo, abrindo vasto campo
apostólico às irmãs missionárias scalabrinianas.
A abertura de uma comunidade em Brasília resultou de aspiração das duas províncias
do Brasil, a de São Paulo e a do Rio Grande do Sul. A motivação, ainda que justificada, não
era por certo a presença ali de numerosos migrantes internos e de outras nacionalidades.
Brasília tornara-se há pouco a capital do Brasil transferida do Rio de Janeiro, cidade litorânea,
para o interior do país. A construção da nova capital ocorreu no governo de Juscelino
Kubitschek, 1956-1960. A cidade foi inaugurada em abril de 1960. Com sua política
desenvolvimentista o presidente Kubitschek implantou no Brasil o plano de metas, tendo em
vista o crescimento econômico do país. O programa de desenvolvimento previa investimentos
maciços em todos os setores da vida nacional.
A política que caracterizou o plano de metas, resultou também na concentração ainda
maior de indústrias na região sudeste do Brasil, atraindo numerosos trabalhadores, sobretudo
nordestinos. Nas décadas de 50 e 60 muitos deles estabeleceram-se em São Paulo onde se
tornaram operários do setor industrial. A transferência da capital para a região central do País
acentuou o fenômeno da migração interna. A cidade de Brasília, em especial, foi construída
em boa parte graças à contribuição dos candangos, ou seja, operários em geral migrantes de
procedência nordestina.
Sobre a fundação de uma obra mscs em Brasília, ocorrida em 1961 e onde a província
nossa senhora Aparecida abriria a escola são Carlos, o relatório de final de sexênio 1960-1966
fala de vivo desejo das irmãs das duas províncias brasileiras de terem uma casa na nova
capital do Brasil. Por ocasião de visita canônica feita à província de São Paulo madre Idalina
Baratter e irmã Egídia Riboldi ecônoma geral, dirigiram-se à Brasília com essa finalidade.
Como consta em síntese no mesmo relatório, a Providência que guiava seus passos as
conduziu ao Revdo. padre Veloso Guimarães, pároco da paróquia „Santa Cruz‟ em Brasília.
Obtiveram dele promessa de um terreno e mais tarde, durante a novena de Natal, a
confirmação definitiva. O terreno de 15 000 metros quadrados foi adquirido pelo valor de 1
800 000 cruzeiros, moeda brasileira em vigor na época188. No local foi aberto logo um
pensionato, sendo a comunidade pioneira constituída de três irmãs: madre Joana de Camargo,
ex superiora geral, irmã Maria Augusta Peixoto e irmã Maria Adelaide de Oliveira. A
fundação tem data de 3 de maio de 1961.
Ainda na província nossa senhora Aparecida houve em 1965 a transferência da sede
provincial, do Pari na capital paulista para Jundiaí. A construção de um prédio em Jundiaí fora
iniciada há mais de dez anos, em 1954, durante o mandato de madre Joana de Camargo.
188
RELATÓRIO do governo geral cessante, 1960-1966. p. 24 ( AGSS 1.6.5).
149
Intenção era estabelecer no local a casa do noviciado da província paulista. Em razão de
contratempos os trabalhos ficaram interrompidos. Ao ser retomada a construção decidiu-se
transferir para a nova casa a sede provincial. A 30 de agosto de 1965 madre Maria Josélia de
Medeiros, superiora provincial e conselheiras passaram a residir no edifício ainda inacabado,
enquanto prosseguiam os trabalhos de conclusão da casa, que foi inaugurada a 8 de setembro
desse ano. Além de sede provincial, tornou-se casa de repouso para irmãs idosas e doentes,
aspirantado e local de cursos diversos. Em novembro desse ano determinou-se transferir para
o mesmo prédio, por um ano, de fevereiro de 1966 a fevereiro de 1967, também o noviciado,
até ser restaurada a casa de formação de Aparecida do Norte.
Outro significativo jubileu celebrado pela congregação em 1965 foi o cinqüentenário
da presença de irmãs mscs no estado do Rio Grande do Sul. A nova missão, iniciada em 1915,
tornou-se fonte de renovada vitalidade para a congregação scalabriniana feminina. Dela
originaram-se duas províncias do instituto, Imaculada Conceição e a Cristo Rei que seria
instituída no decorrer do segundo mandato de madre Idalina Baratter.
Ao celebrar seu 50o aniversário de fundação a província Imaculada Conceição
constituía-se de 47 comunidades, mas a realidade migratória já não era considerada quanto
devia em seu projeto apostólico. Na publicação comemorativa do cinqüentenário, que contém
a síntese de cada obra então existente na província, a migração, aspecto essencial na história
da maioria das fundações sulinas do instituto, está de todo ausente189.
Às 42 comunidades que integravam a província no início do mandato de madre Idalina
Baratter somaram-se cinco outras fundações, todas no estado do Rio Grande do Sul, cada uma
a seu tempo autorizada pela direção geral, ou porque havia disponibilidade de membros, ou
em razão de insistência da parte dos responsáveis pelas obras, que solicitavam a colaboração
das irmãs. Foram as seguintes as novas fundações da província Imaculada Conceição no
sexênio 1960-1966:
hospital São Luiz, Vespasiano Correa, município de Muçum, fundação de 27 de
outubro de 1960;
casa de saúde Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre, fundação de 6 de
fevereiro de 1962;
hospital Santa Lúcia, Casca, fundação datada de 2 de março de 1963;
lar da velhice São Francisco de Assis, Caxias do Sul, fundação de 3 de agosto de
1964;
hospital Nossa Senhora de Fátima, Caxias do Sul, fundação datada de 7 de abril de
1965.
A província da Itália, a terceira do instituto scalabriniano feminino em ordem de
fundação, celebrou em 1961 o seu jubileu de prata. Para comemorar o evento a 8 de dezembro
desse ano as irmãs haviam pensado, em um primeiro momento, declarar d. João Batista
Scalabrini patrono da província italiana. Como o Fundador ainda não era canonizado as irmãs
elegeram são José patrono da província, então constituída de 13 comunidades, sendo a de
Winterthur já mencionada, a de fundação mais recente190.
Foram quatro as novas fundações da província são José durante o sexênio 1960-1966:
Casa da Criança Italiana, Winterthur, Suíça, fundada a 15 de setembro de 1961;
189
PROVÍNCIA CRISTO REI. Uma aborgagem sócio-pastoral. Porto Alegre, Renascença, 1993, p. 25. Equipe
responsável, Maria Ana Cauzzi, Edi Maria Eidt, Lice Maria Signor.
190
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral: 1960-1967. Ata n. 402 (AGSS 1.12.1).
150
asilo infantil Ridolfi, Avasinis di Trasaghis, Udine, Itália, fundação de 30 de junho
de 1962, assumida pela província com esperança de novas vocações locais à vida
religiosa scalabriniana feminina;
Missão Católica Italiana, St. Gallen, Suíça, comunidade fundada a 27 de
novembro de 1963;
casa de saúde Villalba, Bologna, Itália, uma clínica nova e bem equipada, onde as
irmãs mscs passaram a atuar no dia 1o de setembro de 1965.
No ano de 1966, ainda durante o primeiro mandato de madre Idalina Baratter, também
a província nossa senhora de Fátima comemorou importante evento: 25o anos de presença
missionária da congregação mscs nos Estados Unidos. Com justa satisfação, depois de
superados muitos obstáculos, as irmãs puderam ver concluído o novo edifício para a sede
provincial e noviciado, além de outras atividades da província, constituída então de seis
comunidades. A de fundação mais recente era a Missão Católica de San Conrado em Los
Angeles, na Califórnia, em data de 12 de novembro de 1963.
Desde meados de 1965, entre celebrações de eventos históricos, novas fundações e
empenhos próprios da vida-missão do instituto, a direção geral começou também a preparar o
Quinto Capítulo Geral Eletivo que seria realizado no mês de maio de 1966 em Acilia, na sede
geral da congregação scalabriniana feminina. Mesmo que restaurada, a casa não era
suficiente. Pensou-se muito, se ampliar ou procurar uma outra casa maior e mais no centro.
A segunda alternativa era a aspiração da direção geral, mas na época as condições econômicas
do instituto não o permitiram. Decidiu-se, pois, ampliar e melhorar o que já existia191. Foi
essa mais uma realização de madre Idalina Baratter e conselho no sexênio 1960-1966.
191
RELATÓRIO do governo geral cessante, 1960-1966, p.10-11 (AGSS 1.6.5).
151
3.3 Resposta da congregação mscs ao concílio ecumênico Vaticano II
3.3.1 Quinto Capítulo Geral, 1966
Setenta anos depois de sua fundação a congregação das irmãs missionárias de são
Carlos, scalabrinianas, ainda que por demais distanciada do migrante, vivia uma fase de
progresso e de reconhecida solidez como instituição religiosa de direito pontifício. Nos
últimos trinta anos de sua história, apesar dos contratempos ocasionados pela grande guerra
de 1939-1945 e pelo conflito interno do início da década de 1950, a congregação mscs
crescera em número de membros e de obras, sendo a sua presença pastoral cada ano mais
solicitada por instituições e igrejas locais em diferentes países do mundo. O instituto
scalabriniano feminino, agora sob a dependência direta da congregação dos Religiosos, sem
maiores imprevistos externos e internos e no prazo estabelecido pelas constituições, preparou
e realizou em maio de 1966 o Quinto Capítulo Geral Eletivo que reelegeu madre Idalina
Baratter superiora geral para o sexênio 1966-1972. Documentos emanados do concílio
ecumênico Vaticano II nortearam as irmãs capitulares em suas reflexões. O decreto Perfectae
caritatis, sobretudo, orientaria as deliberações de madre Idalina Baratter no decorrer de seu
segundo mandato.
A história do capítulo geral de 1966 ressalta entre outros, dois aspectos significativos:
a sua seqüência regular, ou seja, seis anos depois de celebrado o anterior, conforme
estabeleciam as constituições do instituto. Por circunstâncias diversas nunca antes a
congregação mscs conseguira celebrar dois capítulos gerais de modo ininterrupto. O capítulo
de 1966 foi também o primeiro a se realizar na nova sede geral do instituto em Acilia, Roma.
A direção geral do sexênio 1960-1966, como que precavida diante do inusitado em
matéria de capítulos gerais, a 3 de julho de 1965 foi à congregação dos Religiosos, a fim de
obter informações a respeito. Foi-lhe assegurado que a única exigência era proceder conforme
determinavam as constituições do instituto.
Em base à orientação recebida a Superiora Geral e conselho passaram a preparar o
Quinto Capítulo Geral da congregação mscs mediante os seguintes passos:
envio a todas as comunidades do instituto, de circular datada de 24 de outubro de
1965, estabelecendo as orações a serem feitas para implorar de Deus o bom êxito
do capítulo geral. A circular continha também instruções quanto ao modo de
realizar os capítulos locais e provinciais.
Indicação da data dos capítulos locais, 8 de dezembro de 1965, mesmo dia do
encerramento do concílio ecumênico Vaticano II, bem como da data dos capítulos
provinciais fixada para o dia 10 de janeiro de 1966. De comum acordo com o
pregador do retiro, padre G. B. Andretta assistente geral adjunto da união
internacional dos superiores maiores, ficou estabelecida a data de 7 de maio de
1966 para a realização do capítulo geral eletivo.
Convocação das delegadas ao capítulo geral, feita através de carta de 4 de
fevereiro de 1966.
152
Envio a cada uma das comunidades do instituto, de lista contendo o nome de todas
as irmãs capitulares.
Convite ao cardeal Carlo Confalonieri para presidir o Quinto Capítulo Geral
Eletivo, convite que o cardeal protetor da congregação mscs aceitou, propondo
apenas mudança de horário, da manhã para a tarde de 7 de maio.
Audiência com o vigário geral de sua santidade o papa Paulo VI, cardeal Luigi
Traglia, a quem por direito cabia presidir a assembléia capitular, expressando o
desejo de que o momento eletivo do Quinto Capítulo Geral fosse presidido pelo
cardeal protetor do instituto, Carlo Confalonieri, o que foi de pronto atendido192.
Ainda na fase de preparação do capítulo a direção geral enviou um ofício ao revmo.
mons. Mario Nasalli Rocca, mestre de câmara de sua santidade o papa Paulo VI, solicitando
uma audiência com o pontífice entre 10 e 25 de maio para as irmãs capitulares em número de
18 e que estão assim relacionadas em carta de 10 de fevereiro de 1966, enviada pela Superiora
Geral às comunidades da congregação:
Madre M. Idalina Baratter – superiora geral
Madre M. Joana de Camargo – ex superiora geral
Madre M. Elisa Spinelli – vigária geral
Madre M. Serafina Canal – II conselheira geral
Madre M. Justina Barbieri – III conselheira e secretária geral
Madre M. Egidia Riboldi – IV conselheira e ecônoma geral
Província Nossa Senhora Aparecida – São Paulo
Madre M. Josélia Medeiros – superiora provincial
Irmã M. Maurília Silva – I delegada
Irmã M. Letícia Negrizzolo – II delegada
Província Imaculada Conceição – Rio Grande do Sul
Madre M. Natália Peroni – superiora provincial
Irmã M. Alice Milani – I delegada
Irmã M. Ursulina Scopel – II delegada
Província San Giuseppe – Itália
Madre M. Prassede Carrara – superiora provincial
Irmã M. Carlina Pin – I delegada
Irmã M. Ofelia Martignoni – II delegada
Província Our Lady of Fatima – USA
Madre M. Caetana Borsatto – superiora provincial
Irmã M. Anne Consolo – I delegada
Irmã M. Marcolina Campagnolo – II delegada193
O Quinto Capítulo Geral foi organizado em três momentos: sessões preliminares;
eleição da superiora geral e conselho; sessões posteriores à eleição da nova direção geral. Em
ata das sessões preliminares, que se estenderam de 29 de abril a 6 de maio de 1966, constam:
a chamada das capitulares, tendo uma por uma apresentado o título de convocação; a
apresentação do relatório da direção geral cessante, seguida da leitura dos relatórios das
províncias, em ordem de fundação.
192
193
Idem, p. 72.
BARATTER, Idalina. Carta às superioras e irmãs. Acilia, 10 de fevereiro de1966 (AGSS 1.5.7).
153
Os dias 3, 4 e 5 de maio foram de retiro, pregado pelo padre G. B. Andretta s.j. que
orientou as irmãs capitulares, considerando o espírito da congregação e as constituições do
instituto, em base ao evangelho e aos documentos pontifícios, em especial aqueles emanados
do concílio ecumênico Vaticano II.
No dia 6 de maio prosseguiram os trabalhos preliminares com prestação de contas das
heranças das Irmãs, exortação da Superiora Geral às capitulares e para não abusar do tempo
ao Eminentíssimo Cardeal Carlo Confalonieri antecipou-se a eleição das escrutinadoras e da
secretária do capítulo. Resultaram eleitas as irmãs Maria Caetana Borsatto e Maria Alice
Milani como escrutinadoras e irmã Maria Prassede Carrara como secretária do Quinto
Capítulo Geral Eletivo da congregação mscs194.
Dia 7 de maio de 1966, à tarde, na sede geral do instituto scalabriniano feminino em
Acilia, presentes as 18 irmãs capitulares, presente também padre Antonio Perotti,
scalabriniano que atuava na congregação Consistorial, sob a presidência do cardeal Carlo
Confalonieri protetor da congregação mscs, teve início o Quinto Capítulo Geral Eletivo que
reelegeu em primeiro escrutínio, com maioria absoluta de votos – 11 – madre Idalina Baratter
superiora geral para um segundo sexênio.
Às 17 horas e 15 minutos do mesmo dia 7 de maio procedeu-se à eleição do conselho
geral. Irmã Maria Elisa Spinelli foi eleita primeira conselheira e vigária geral, tendo obtido
no primeiro escrutínio a maioria absoluta de votos. De sucessivos escrutínios resultaram
eleitas: irmã Maria Egidia Riboldi, segunda conselheira geral, 12 votos; irmã Maria Natália
Peroni, terceira conselheira geral, 11 votos; após três novos escrutínios o capítulo elegeu irmã
Maria Serafina Canal quarta conselheira geral. Seguiram-se dois outros escrutínios para a
eleição da secretária e da ecônoma geral, resultando eleitas irmã Maria Egidia Riboldi como
secretária e irmã Maria Natália Peroni como ecônoma geral do instituto.
Dois dias depois, a 9 de maio, a secretária do capítulo irmã Maria Prassede Carrara
comunicou à congregação dos Religiosos o resultado das eleições. Em resposta à
comunicação escrita de irmã Prassede o secretário da mesma congregação dos Religiosos,
mons. Paolo Philippe, felicitou madre Idalina Baratter pela sua eleição como superiora geral e
expressou firme confiança de que ela se empenharia com todas as forças para que a vida
religiosa, inspirada no decreto Perfectae caritatis do concilio Vaticano II , viesse a florescer
sempre mais entre as suas irmãs195.
Em seu segundo mandato seria grande o empenho de madre Idalina Baratter e do
conselho geral na orientação das irmãs mscs a uma vida inspirada no decreto Perfectae
caritatis do concílio Vaticano II. Diferentes interpretações do documento, de outra parte,
tornar-se-iam motivo de preocupação e de tensões, também no interno do instituto
scalabriniano feminino.
Entre os dias 9 e 21 de maio em sessões posteriores ao momento eletivo do capítulo
foram apresentadas às capitulares, quer pela direção geral, quer pelas representantes de cada
província, questões e propostas das quais resultaram numerosas deliberações do Quinto
Capítulo Geral de 1966. Realizado em uma época de expressivas transformações o capítulo
revelou inquietações, inovou em alguns aspectos e deixou para trás antigos usos no cotidiano
do instituto.
Preocupações comuns entre as irmãs capitulares eram: a vivência das diretivas do
concílio Vaticano II no dia-a-dia das comunidades mscs; o aprimoramento da formação das
194
ATAS das eleições do governo geral, 1966. Ata das sessões preliminares do capítulo geral de 1966. Roma, 6
de maio de 1966 (AGSS 1.6.5).
195
PHILIPPE, Paolo. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 20 de maio de 1966 (AGSS 1.5.7).
154
irmãs, em especial das junioristas; a intensificação da animação vocacional; a preservação da
memória histórica do instituto; o fortalecimento da unidade entre as irmãs; um conhecimento
maior das diferentes realidades da congregação.
As reivindicações relacionadas em ata incluem: a participação das irmãs na escolha
das superioras provinciais; casa de férias para as irmãs da província; possibilidade de falar
com o confessor fora do confessionário; permissão de vestir penhoar no quarto, em caso de
doença; uso de relógio de pulso; visitas mais freqüentes à família; comparecimento a
banquetes junto a familiares, a coqueteis de formatura e ordenações sacerdotais.
Exemplos de pequenas mudanças entre outras ocorridas depois do capítulo de 1966
foram: a dispensa do beijo do anel da superiora, mas conservou-se o costume de beijar o
crucifixo da superiora da comunidade, de manhã e de noite; permissão de fazer a meditação e
a leitura espiritual individualmente, porém no mesmo lugar e mesmo horário; introdução de
leitura em comum e comentada, sobre a sagrada escritura, documentos pontifícios e santa
regra, duas vezes por semana; desobrigação, para as noviças, de pedir as licenças de
joelhos196.
Sobre a missão própria, consta em ata uma observação feita pela província Aparecida,
que considera o fim da congregação algo bem determinado e específico nas constituições,
dando margem à possibilidade do instituto poder se ocupar livremente também dos emigrados
de outras nacionalidades197. O assunto será retomado pela Superiora Geral em janeiro de
1967 ao dar início à fase de preparação do Capítulo Geral Especial, como se verá.
Ao comunicar às irmãs da congregação as deliberações do Quinto Capítulo Geral
Eletivo de 1966 madre Idalina Baratter esclareceu que as mudanças referentes ao direito
próprio, de acordo com o parecer da congregação dos Religiosos, foram deixadas para mais
tarde, quando da revisão total das Constituições198.
No relatório de final de mandato a direção geral citaria como normas emanadas do
Quinto Capítulo Geral de 1966, as seguintes:
vida de piedade.
Formação das postulantes, noviças e junioristas.
O desmembramento da província „Imaculada Conceição‟.
A construção de um túmulo aos co-fundadores, madre Assunta e padre
José Marchetti.
Elaboração e divulgação dos dados históricos da congregação.
Algumas outras normas relativas à disciplina religiosa e à observância
regular, que não tiveram a aprovação da S. Sé...199
3.3.2 Criação da província Cristo Rei
O desmembramento da província Imaculada Conceição citado no relatório da direção
geral, período 1966-1971, foi anunciado às irmãs da congregação através de circular n. 19, de
30 de novembro de 1966. A divisão da província do Rio Grande do Sul em duas fora
apresentada como uma necessidade ao Quinto Capítulo Geral e solicitada à Sé Apostólica pela
196
ATAS das eleições do governo geral, 1966. Atas do trabalho do capítulo geral após as eleições. Acilia, 21
Maio 1966 (AGSS 1.6.5).
197
Idem, atas do trabalho do capítulo geral após as eleições.
198
BARATTER, Idalina. Circular n. 18. Roma-Acilia, 17 de agosto de 1966 (AGSS 1.5.7).
199
RELATÓRIO do governo geral cessante, 1966-1971, p.1 (AGSS 1.6.5 ).
155
Superiora Geral após a realização do mesmo. De posse do rescrito n. 123 da congregação dos
Religiosos, de 25 de novembro de 1966, foi criada a província Cristo Rei, quinta da
congregação mscs em ordem de fundação. As raízes históricas da nova província remontam
ao ano de 1915 quando foi aberta a primeira missão scalabriniana feminina no Rio Grande do
Sul, cuja história compreende três períodos: 1915-1941, caracterizado pela ação pastoral
desenvolvida junto a imigrantes italianos e seus descendentes; 1941-1965, anos de perda
gradativa da originalidade da missão própria; 1965 em diante, tempo que inclui a criação da
província Cristo Rei e seu desenvolvimento no Rio Grande do Sul, no Brasil e no exterior.
A abertura da missão no Sul do Brasil constituiu um marco na história da congregação
mscs, pela intrepidez da apostólica façanha dadas as circunstâncias da época, mas muito mais
pelos resultados que envolveram o feito. Iniciada com destemor e identificada com a missão
que a igreja confiou ao instituto, a atividade pastoral da irmã mscs no Rio Grande do Sul
durante o primeiro quarto de século distinguiu-se por notável vitalidade.
Criado o Regional Sul em meados de 1926 a missão passou depois a constituir a
segunda província da congregação. A sua substancial contribuição tornou possível ao instituto
scalabriniano feminino empreender em 1936 o sonhado retorno à Itália e abrir no ano de 1941
uma comunidade nos Estados Unidos. Desses dois importantes passos originaram-se as
províncias da Itália e dos Estados Unidos.
No período 1941-1965 o migrante tornou-se cada vez mais ausente do projeto
apostólico das comunidades da província sulina que, de outra parte, continuou a se expandir.
Cinqüenta anos depois de iniciada, a missão havia-se difundido, crescera em número de irmãs
e de obras e estava prestes a colher um dos mais significativos, entre „tantos louros‟: a
criação de nova província, por ela gerada200.
O fato constitui matéria do terceiro período da expansão missionária do instituto no sul
do Brasil. A celebração do cinqüentenário da presença mscs no Rio Grande do Sul, ocorrida
em 1965, coincidiu com o ano do encerramento do concílio ecumênico Vaticano II. Este
evento, que despertou uma nova consciência eclesial, provocou mudanças também no âmbito
da província Imaculada Conceição e da inteira congregação das irmãs missionárias de são
Carlos, scalabrinianas. A criação da província Cristo Rei ligou-se a esse contexto.
As razões e os antecedentes da criação de nova província no Rio Grande do Sul
constam em sucessivos documentos, como na circular da Superiora Geral datada de 6 de
junho de 1966 e enviada às irmãs da Imaculada Conceição. À província, que ficara privada
de sua superiora provincial irmã Natália Peroni eleita conselheira e ecônoma geral, madre
Idalina Baratter comunicava:
Em vista do grande número de religiosas e de casas, a província do Rio Grande,
dentro em breve, será dividida. Esta divisão foi aconselhada pela sagrada
congregação dos Religiosos.
Desta forma, as caras irmãs ficarão melhor atendidas em suas justas necessidades,
pelas próprias madres provinciais. A santa madre igreja está sempre pronta vir ao
encontro e ajudar as filhas, sobretudo quando fôsse para o bem espiritual de cada
uma.
200
PROVÍNCIA CRISTO REI. Uma abordagem sócio-pastoral, op.cit., p. 28-9.
156
Até que a sobredita divisão não fôr concretizada, o governo geral houve por bem
nomear superiora provincial, interina, na pessoa da irmã M. Alice Milani. O atual
conselho provincial também ficará interino até novas determinações201.
A 30 de agosto de 1966 em carta à madre Alice Milani, depois de abordar diversos
outros assuntos, a Superiora Geral voltou a referir o desmembramento da província Imaculada
Conceição, cujo âmbito geográfico limitava-se então ao território do estado do Rio Grande do
Sul:
Cara Madre Alice, pediríamos o favor de nos mandar um pequeno mapa do Rio
Grande com as divisões dos respectivos municípios e nesses localizar as cidades onde
a congregação possue as casas. Bem feitinho, porque será apresentado à Santa Sé,
para efetuar a divisão da Província. O tamanho do mapa poderá ser de 40 ou 50
centímetros202.
Três meses depois, na circular n. 19 de 30 de novembro de 1966 acima referida, madre
Idalina Baratter comunicava o início da visita canônica que faria às comunidades e informava
a toda a congregação que a província Imaculada Conceição seria desmembrada em 1967:
Avisamos, outrossim, que a primeira província visitada será a da Imaculada
Conceição, Rio G. do Sul, cujos trabalhos exigem com urgência nossa presença, pois,
a sobre citada província, no próximo ano, será desmembrada, já estamos de posse do
beneplácito da Santa Sé para esse trabalho203.
Transcrevemos a seguir os termos do “beneplácito da Santa Sé” datado de 25 de
novembro de 1966:
Vigore facultatum a SS..mo Domino Nostro concessarum, Sacra Congregatio Negotiis
Religiosorum Sodalium praeposita, attentis expositis benigne adnuit pro gratia iuxta
preces, servatis ceteris servandis.
Contrariis quibuslibet non obstantibus.
Datum Romae, die 25 novembris 1966.
JoB Verdelle Sub.
G. Milanyk. Sub a Studiis204.
No relatório da direção geral, sexênio 1966-1971, está escrito que o desmembramento
da província do Rio Grande do Sul fora aconselhado pela congregação dos Religiosos na
201
BARATTER, Idalina. Carta circular. Acilia-Roma, 6 de junho de 1966. Arquivo da província Imaculada
Conceição. In: PROVÍNCIA CRISTO REI. Uma abordagem sócio-pastoral, op. cit., p. 30-1.
202
BARATTER, Idalina. Carta a Alice Milani. Acília-Roma, 30 de agosto de 1966. Arquivo da província
Imaculada Conceição. In: PROVÍNCIA CRISTO REI. Uma abordagem sócio-pastoral, op.cit., p. 31.
203
BARATTER, Idalina. Circular n. 19 (AGSS 1.5.7).
204
SACRA CONGREGATIO DE RELIGIOSIS. Rescrito n. 123, Prot. 18.846/66, 25 novembre 1966.
157
ocasião da passagem do instituto à dependência direta daquela congregação pontifícia. O
relatório registra também que durante o Quinto Capítulo Geral de 1966 foi apresentada a
necessidade de dividir a referida província para poder atender melhor as necessidades e as
solicitações das comunidades e dos membros. Consta ainda que a 11 de fevereiro de 1967,
tendo já o rescrito n. 18846/66 da s. congregação dos Religiosos, foi criada a nova província,
com sede em Passo Fundo, que recebeu o nome de „Cristo Rei‟205.
Em solicitação formal endereçada ao Beatíssimo Padre, com data de 9 de novembro
de 1966, madre Idalina Baratter justificava a necessidade da divisão em duas da província
Imaculada Conceição porque, escrevia a superiora geral, a mencionada província do Rio
Grande do Sul conta com 474 irmãs, 46 casas e cerca de 70 noviças206.
No momento da divisão, 256 irmãs passaram a integrar a nova província. À ela foram
incorporadas as seguintes 23 casas:
Guaporé, escola normal d. Scalabrini, hospital municipal Manuel Francisco
Guerreiro, seminário são Carlos;
Porto Alegre, casa madre Assunta, hospital Cristo Redentor, hospital N. S. da
Conceição, hospital são Manuel, hospital Mãe de Deus, instituto de menores d.
Guanella;
Roca Sales, ginásio são José, hospital Roque Gonzales, instituto de clínicas Alto
Taquari-ICAT;
Nova Bréscia, escola normal rural Sagrado Coração de Jesus, hospital são João
Batista;
Anta Gorda, escola santa Teresinha, hospital padre Catelli;
Serafina Correa, hospital e escola N. S. do Rosário;
Casca, ginásio são Luiz, seminário são Rafael, hospital santa Lúcia, hospital são
Domingos;
Sarandi, hospital santo Antônio;
Bento Gonçalves, escola normal N.S.Medianeira.
Esse quadro foi modificado quando o hospital Mãe de Deus voltou a integrar a
província Imaculada Conceição. Segundo circular de 11 de fevereiro de 1967, ficou também
estabelecido que as três casas de formação, noviciado, juniorato e madre Assunta, em um
primeiro momento, pertenceriam às duas províncias. Para uma distribuição eqüitativa, na
divisão da província Imaculada Conceição em duas, levaram-se em conta os centros de
vocações e os aspectos culturais e econômicos das casas. A escola normal N.S.Medianeira de
Bento Gonçalves, pioneira da missão mscs no Rio Grande do Sul, passou a fazer parte da
nova província para facilitar às irmãs o acesso ao magistério e a freqüência à faculdade207.
Nos primeiros meses a neoprovíncia teve como sede provisória a escola normal d.
Scalabrini de Guaporé. A direção provincial, nomeada por um triênio, ficou assim constituída:
irmã Ester Chini, superiora provincial; irmã Dina Menegat, primeira conselheira e secretária
provincial; irmã Olga Cecilia Pasqual, segunda conselheira e ecônoma provincial.
205
RELATÓRIO do governo geral cessante, 1966-1971, p. 3 (AGSS 1.6.5).
BARATTER, Idalina. Lettera a Paolo VI. Acilia, Roma, 9 novembre 1966 (AGSS 1.5.7).
207
BARATTER, Idalina. Carta circular. Caxias do Sul, 11 de fevereiro de 1967. Arquivo da província
Imaculada Conceição. In: PROVÍNCIA CRISTO REI. Uma abordagem sócio-pastoral, op.cit., p. 36.
206
158
O nome da nova província resultou de consulta feita às irmãs da mesma, que assim se
manifestaram: Cristo Rei, 99 votos; Sagrado Coração de Jesus, 73 votos; São Carlos, 23
votos; Nossa Senhora Medianeira, 20 votos; Scalabrini, 10 votos; Mãe de Deus, 9 votos;
Espírito Santo, 3 votos; Nossa Senhora de Caravágio, 1 voto. A direção geral acatou a
manifestação das irmãs, determinando que seu nome seria “Cristo Rei”.
A 12 de dezembro de 1967 a sede da província Cristo Rei foi transferida da escola
normal d. Scalabrini de Guaporé para o Instituto São Carlos, localizado na cidade de Passo
Fundo, estado do Rio Grande do Sul, em uma propriedade adquirida pelo valor de Cr$ 120
000 000 - cento e vinte milhões de cruzeiros. Além da sede provincial, intenção era construir
ali a casa do noviciado e do juniorato da então mais nova província da congregação mscs.
Desde o início a província Cristo Rei caracterizou-se por um peculiar dinamismo
missionário que ampliaria sobremaneira o campo pastoral da irmã mscs. De fato, a nova
província logo estendeu sua ação missionária à região Centro-Oeste do Brasil, ao Paraguai e,
em anos mais recentes, passou a atuar no continente africano, além de colaborar em outros
importantes projetos apostólicos desenvolvidos pela congregação scalabriniana feminina em
diversos países do mundo.
3.3.3 Setuagésimo quinto aniversário de fundação do instituto scalabriniano
feminino
Nos três anos sucessivos à criação da província Cristo Rei a congregação mscs voltouse para dois importantes acontecimentos de sua história: a realização do Capítulo Geral
Especial e a comemoração de seu setuagésimo quinto aniversário de fundação. Em base à
orientação da igreja pós-conciliar e a determinações do capítulo de 1966 a direção geral
indicou às irmãs, comunidades e às províncias então em número de cinco, passos e formas de
celebração dos dois eventos. Para a solenização do ano jubilar, além de exortações às irmãs e
de oportunas incumbências que envolveram todas as comunidades e as obras, foi confiada a
cada província uma particular tarefa, a fim de avivar o amor à congregação com vistas ao
momento festivo, mas também ao futuro do instituto. De modo geral, a programação do ano
jubilar denota um novo interesse por alguns componentes fundamentais da identidade da irmã
missionária de são Carlos, scalabriniana.
O convite à celebração do jubileu e sua programação constam em circular de madre
Idalina Baratter, de 6 de junho de 1970, enviada às comunidades da congregação, entendendo
envolver todas as irmãs e pessoas relacionadas às obras do instituto. Na circular a Superiora
Geral exortava as irmãs à reflexão pessoal e comunitária sobre a espiritualidade de João
Batista Scalabrini. Madre Idalina sugeria que se falasse também aos alunos, pais, professores,
funcionários, doentes, asilados e pessoas ligadas às irmãs, do Fundador e de seu espírito.
A circular de 6 de junho de 1970 estabelecia ainda que em cada comunidade fosse
colocado em lugar de honra um quadro de João Batista Scalabrini e que todas as
comunidades elaborassem o histórico da própria casa e em cada província o histórico da
própria província, para completar o histórico geral da congregação. Os escritos deviam ser
enviados à sede geral até 31 de maio de 1971208.
Esse pedido da Superiora Geral de coletar os dados históricos de cada comunidade e
obra reporta às determinações do Quinto Capítulo Geral, comunicadas a toda a congregação
208
BARATTER, Idalina. Circular n. 28. Acilia-Roma, 6-6-1970 (AGSS 1.5.7).
159
por madre Idalina Baratter a 9 de agosto de 1966. A XV deliberação estabelecia que cada
comunidade tivesse um pequeno arquivo, reunindo os documentos seguintes:
O comprovante da ereção canônica da comunidade.
A crônica da fundação.
As escrituras da propriedade.
Os contratos.
O registro em livro de entrada e saída.
Livro dos fatos salientes, constando também uma pequena ata da posse da superiora
e saída da cessante, com assinatura de ambas.
Livro de atas de renovação dos santos votos das irmãs junioristas, com as
respectivas assinaturas.
Circulares recebidas dos superiores maiores e outros documentos importantes.
O inventário dos móveis, imóveis, utensílios de valor, obras, com a respectiva baixa
quando deixam de aparecer209.
Em base a outras determinações do Quinto Capítulo Geral a circular de 6 de junho de
1970 assinalava específicas tarefas para cada uma das cinco províncias do instituto:
Província N.Sra. Aparecida – S. Paulo: biografia de madre Assunta Marchetti.
Construção do túmulo dos co-fundadores, madre Assunta e padre Marchetti.
Província Imaculada Conceição – Rio Grande do Sul: tradução e impressão do
livro da espiritualidade de d. Scalabrini, em português depois de obter o nula
obsta do autor, padre Mario Francesconi.
Província São José – Itália: na casa provincial, inauguração, no dia da abertura do
ano jubilar, de uma placa de mármore, marco indelével para a data comemorativa,
sendo a cidade de Piacenza o berço da congregação.
Província N. Sra. de Fátima – Estados Unidos: em o noviciado Bishop Scalabrini,
colocação de busto do Fundador em lugar de honra.
Província Cristo Rei – Rio Grande do Sul: tradução em português e impressão da
biografia de padre José Marchetti, após obter o nula obsta do autor210.
Além disso foi proposto a cada província a sua própria programação comemorativa do
dia 25 de outubro de 1970, que devia incluir uma celebração eucarística de ação de graças em
todas as comunidades. Foi também solicitado que no decorrer do ano jubilar se fizessem
preces pela beatificação do fundador, João Batista Scalabrini.
No seu todo, as atividades programadas constituíram momentos de retorno às origens
do instituto, caracterizando-se por repetidos apelos ao aprofundamento da espiritualidade de
Scalabrini, à divulgação da vida e obra do fundador e dos co-fundadores, madre Assunta e
padre José Marchetti, à elaboração da história de cada casa, província e da inteira instituição.
“A divulgação das notas históricas da congregação deu um toque especial à celebração do 75o
aniversário” de fundação do instituto scalabriniano feminino211.
209
BARATTER, Idalina. Determinações do Quinto Capítulo Geral, 1966. Acilia, 9-8-1966 (AGSS 1.5.7).
BARATTER, Idalina. Circular n. 28. Acilia-Roma, 6-6-1970 (AGSS 1.5.7).
211
RELATÓRIO do governo geral cessante, 1966-1971, p. 4 (AGSS 1.6.5).
210
160
A historicidade é dimensão fundamental da identidade das pessoas e das instituições.
Cada ser humano liga-se a um preciso tempo, envolve-se com realidades contextuais, com
mudanças e conquistas de seu momento histórico. O mesmo ocorre com um instituto. A perda
da consciência histórica anuvia a identidade, deixa vazios, descaracteriza. Para um instituto
religioso, tal perda torna-o como que desertor de suas raízes históricas, vale dizer, do
patrimônio herdado de um passado que não se pode cancelar.
O carisma de uma congregação religiosa, quer na dimensão da espiritualidade, quer no
aspecto da missão, necessita se exprimir em formas novas que o próprio espírito sabe indicar
no transcurso do tempo. A desatenção às suas manifestações torna inconsistente a identidade e
enfraquece a pertença que se expressa também por meio de sinais como as atividades acima,
comemorativas do 75o aniversário da congregação mscs.
Paralelo às iniciativas realizadas naquela circunstância entendemos que faltou uma
aprofundada reflexão também sobre a caminhada apostólica da congregação, de modo a
provocar um efetivo redimensionamento das obras mediante um projeto apostólico que
focalizasse as mudanças ocorridas no campo da mobilidade humana e os renovados
chamamentos da igreja, relativos às migrações da época.
Nesse âmbito, apesar da atualização pós-conciliar contida no motu proprio Pastoralis
Migratorum Cura e na instrução De Pastorali Migratorum Cura, de agosto de 1969, a
resposta da congregação mscs à realidade das migrações humanas, como hoje um dos grandes
desafios da sociedade de então, continuava inexpressiva em fins da década de 1960.
No início de 1971, fruto de uma incomum trajetória, as províncias Imaculada
Conceição e Cristo Rei estenderiam a presença pastoral das irmãs missionárias de são Carlos
ao centro-oeste do Brasil, junto a migrantes internos, reaproximando de alguma forma o
instituto scalabriniano feminino à intenção fundacional de 1895.
3.3.4 Renovação pós-conciliar: reflexos na missão e no estilo de vida das irmãs
missionárias de são Carlos em fins da década de 1960
À realização das atividades programadas para o ano jubilar e às ocupações de rotina da
direção geral durante a segunda metade da década de 1960 somaram-se implicações ligadas a
novas aberturas e outras preocupações decorrentes do processo de renovação pós-conciliar
proposto pela igreja às congregações religiosas. Nesse período o zelo pela vida espiritual,
pela disciplina e a observância regular foi redobrado em razão de diferentes visões no interno
do instituto, que dificultaram uma pontual e adequada renovação no campo apostólico e no
estilo de vida das irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas212.
As fundações de novas comunidades autorizadas pela direção geral durante o
qüinqüênio 1966-1971 foram, na província Imaculada Conceição, a do hospital Mãe de Deus
e a do colégio São Jerônimo, ambas no estado do Rio Grande do Sul, a primeira em Porto
Alegre, a segunda na cidade de São Jerônimo e que seria supressa anos depois. Nesse período,
a título de experiência, foram abertas também as comunidades Betânia e João XXIII,
desmembradas do colégio São Carlos de Caxias do Sul. Em uma relação fornecida pelo
arquivo geral consta, outrossim, a abertura em 1971 da comunidade do hospital Nossa
Senhora dos Navegantes em Torres, litoral do Rio Grande do Sul.
Quanto à história do hospital Mãe de Deus, seu início foi marcado por desencontros
ocorridos ainda em 1964, tendo de um lado a direção geral preocupada com o custo do
212
RELATÓRIO do governo geral cessante, 1966-1971, p. 4 (AGSS 1.6.5).
161
empreendimento e de outra parte irmã Jacomina Veronese, procuradora da província do Sul,
convicta da importância da iniciativa e determinada a levar adiante um projeto para o qual
assegurava subsídios do governo federal.
Dada a insistência de irmã Jacomina a direção geral autorizou a compra de terreno
com a condição de que a mesma só fosse efetuada quando tivesse toda a importância dos
auxílios dos poderes públicos em mãos. Diversas comunicações foram feitas no decorrer de
1964 relativas ao Mãe de Deus, confirmando a decisão de madre Idalina e conselho de eximir
o instituto da responsabilidade do custo da obra. Um momento mais crítico ocorreu em
outubro desse ano. Em uma síntese retrospectiva registrada em ata de 2 de fevereiro de 1965
consta que irmã Natalia Peroni, superiora provincial do Sul, através de carta datada de 14 de
outubro de 1964, assim informava a Superiora Geral:
Madre, aparecendo um extraordinário negócio e não sendo possível adiar a
oportunidade, realizamos a compra de um terreno em Porto Alegre, tendo já
construída a primeira e a segunda chapa de um grandioso hospital. A compra ficou
em noventa milhões de cruzeiros. Irmã Jacomina já tem conseguido uma certa
quantia de auxílios... E a compra será paga com auxílios. Caso não alcançarmos,
será posta à venda com grande vantagem...213
Diante do fato novo a direção geral enviou ao Brasil irmã Egidia Riboldi, então
conselheira e ecônoma geral, para constatar in loco a situação. Depois de contatos feitos irmã
Egidia comunicou à madre Idalina e às demais conselheiras o seu parecer: na opinião da
ecônoma geral, retroceder seria pior porque prejudicaria a reputação de todo o instituto
scalabriniano feminino.
Em base às informações de irmã Egidia Riboldi, em dezembro de 1964 após estudar e
muito refletir, madre Idalina e conselho decidiram autorizar a compra. Sempre segundo o
relato registrado na ata de 2 de fevereiro de 1965, em carta à irmã Egidia a Superiora Geral
assim se expressou: Estamos em grande perplexidade, porém, sendo como a senhora nos diz
em sua carta, de dois males devemos escolher o menor e é o de consentirmos na compra. A
escolha do mal menor resultaria, na verdade, em um grandioso hospital214.
No âmbito da província são José no período 1966-1971 foi aberta uma comunidade em
Catânia na Sicilia, tendo as irmãs mscs assumido ali uma escola materna e atividades ligadas
à pastoral paroquial e à catequese, na esperança de conseguir novas vocações para a província
italiana. Aberta a 30 de setembro de 1966 a comunidade foi fechada em agosto de 1970 por
incompatibilidade entre o pároco e as irmãs215.
De acordo com dados fornecidos pelo arquivo geral da congregação, no ano de 1971
foi autorizada a abertura da comunidade Santa Chiara em Duisburg-Oberhausen, na
Alemanha. As irmãs da província italiana assumiram ali a pastoral das migrações como
principal missão. No mesmo ano a província são José abriu uma comunidade em Sannicandro
Garganico, Foggia, na Itália, supressa em 1972.
A província nossa senhora de Fátima, por sua vez, abriu a 19 de setembro de 1966 a
comunidade de Villa Rosa Rest Homme em Mitchellville-Maryland, na arquidiocese de
Washington. A instituição destinava-se a acolher anciãos ítalo-americanos, aspecto levado em
213
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral: 1960-1967. Ata n. 507 (AGSS 1.12.1).
Ibid., ata n. 507, 2-2-1965.
215
RELATÓRIO do governo geral cessante, 1966-1971, p. 35 (AGSS 1.6.5).
214
162
consideração pela Superiora Geral e conselho no autorizar a abertura da comunidade,
solicitada ainda no sexênio 1960-1966.
Na província Cristo Rei foram abertas duas comunidades no ano de 1967: a do
Instituto São Carlos na cidade de Passo Fundo, estado do Rio Grande do Sul e uma
comunidade no seminário São Carlos dos padres scalabrinianos, na mesma cidade de Passo
Fundo.
Um fato original foi a expansão do instituto na região Centro-Oeste do Brasil no início
da década de 1970. Consideramos como precedentes da presença scalabriniana feminina nessa
região brasileira alguns importantes fatores tais como: o clima suscitado pelo concílio
Vaticano II; a compreensão maior da dimensão missionária da vida consagrada; a ação
solidária de sacerdotes, de irmãs e de leigos com igrejas locais necessitadas de forças
evangelizadoras; o contato com realidades de pobreza e marginalização, em boa parte ligadas
às migrações internas no Brasil; os cursos promovidos pelo COM, centro de orientação
missionária de Caxias do Sul, que facilitaram mais clara consciência da dimensão eclesial da
vocação religiosa e a conseqüente adesão a um efetivo engajamento pastoral; a iniciativa de
alguns bispos daquela região que visitaram comunidades e obras apostólicas no Rio Grande
do Sul, sensibilizaram irmãs e jovens que se tornaram pioneiras da nova expansão missionária
da congregação mscs.
Nesse contexto em meados de 1970 as superioras provinciais, irmã Mafalda
Seganfredo da província Imaculada Conceição e irmã Ester Chini da província Cristo Rei,
visitaram diversas dioceses de Goiás, estado que integra a extensa região Centro-Oeste do
Brasil, a fim de conhecer melhor aquelas realidades. Em fevereiro de 1971, superadas
algumas dificuldades, foi concretizada a abertura de cinco missões em diferentes dioceses
goianas:
Gurupi, diocese de Porto Nacional, missão assumida pela província Cristo Rei a
11 de fevereiro de 1971.
Crixás, diocese de Rubiataba, missão assumida pela província Imaculada
Conceição a 12 de fevereiro de 1971.
Heitoraí, diocese de Goiás, missão assumida pela província Imaculada Conceição
a 20 de fevereiro de 1971.
Palmeiras de Goiás, na diocese de São Luiz de Montes Belos, também assumida
pela província Imaculada Conceição a 20 de fevereiro de 1971.
Itapirapuã, diocese de Goiás, a segunda assumida pela província Cristo Rei, esta
no dia 21 de fevereiro de 1971.
No relatório da direção geral do período 1966-1971 consta a autorização de abertura
de apenas uma casa de missão, quer para a província Imaculada Conceição, quer para a
província Cristo Rei. Em ata de reunião da mesma direção geral que tratou da abertura da
missão de Palmeiras de Goiás está escrito que, em vista da insistência da direção provincial da
Imaculada Conceição, após sérias reflexões e estudos, considerando a instabilidade dos
membros e evasão dos mesmos foi feita a votação da qual resultou um voto a favor de abrir e
quatro votos contra. A mesma ata contém ainda este registro, não claro: Para abrir a missão
de Palmeiras de Goiás foi-lhe comunicado que a 2ª missão seria aberta para o próximo
ano216.
216
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral: 1966-1971. Ata n. 615 (AGSS 1.12.1).
163
Evidencia-se, de modo geral, que a renovação proposta pela igreja pós-conciliar
provocou diferentes reações entre as irmãs do instituto. No campo apostólico a maioria das
novas fundações acima relacionadas resultaram de iniciativas das províncias, quando não de
aspiração de alguma irmã, muito mais que de um projeto apostólico da congregação mscs.
No âmbito comunitário, de outro lado, a busca às vezes apressada de um novo estilo
de vida gerou tensões no interno do instituto. Entre as manifestações mais controversas e em
alguns casos provocativas destacaram-se o uso do traje civil e a opção por pequenas
comunidades. A questão do hábito religioso originou séria discordância que se prolongou no
tempo.
Em dezembro de 1967, através de circular n.21, a Superiora Geral comunicou a todas
as irmãs da congregação a aprovação pela Sé Apostólica, em caráter provisório, de novo
modelo de hábito, determinando inclusive o tipo de tecido e três cores possíveis. A mudança
era facultativa e cabia à comunidade estabelecer o dia da troca para aquelas que optassem pelo
novo modelo. As irmãs eram convidadas a fazerem um tríduo de orações em preparação a
essa mudança. Na circular madre Idalina Baratter advertia as irmãs e as exortava a seguirem
as diretrizes do concílio ecumênico Vaticano II: cuidem dos falsos profetas que vêm cobertos
de pele de ovelha para lhes falar em nome do Concílio, mas que do Concílio têm só a pele e o
resto é filosofia própria ou de alguém217.
Sucessivas circulares de madre Idalina Baratter e alguns episódios registrados em
Fatos Salientes da casa geral mostram como a questão do hábito tornou-se motivo de
prolongada tensão, envolvendo sobretudo as duas províncias do Sul, Imaculada Conceição e
Cristo Rei.
Já, a 6 de novembro de 1967 realizara-se uma reunião da Superiora Geral com as três
superioras provinciais do Brasil, a fim de tratar da simplificação do hábito. Consta em Fatos
Salientes que em razão de divergências foi proposto de mandar à Santa Sé um modelo
provisório e que, sob pressão das duas provinciais do Rio Grande do Sul, foi dado licença de
usar o hábito de côr cinza azulado nos lugares quentes.... Naquela circunstância madre
Idalina pedira às provinciais que aguardassem até o Capítulo Geral Especial, o que não foi
aceito218.
Ainda em fins de 1967 madre Idalina Baratter, superiora geral e irmã Egidia Riboldi,
agora conselheira e secretária geral, reunidas com as superioras provinciais do Rio Grande do
Sul trataram inclusive do uso do traje civil, bem como de bolsa e sapatos de salto. Para a
direção geral essas licenças, ainda que concedidas a título de experiência, dependiam da Sé
Apostólica, na época, Santa Sé. A posição foi contestada pelo então Secretário da conferência
dos religiosos, CRB-Porto Alegre, envolvido na questão para contentar algumas irmãs.
Outros registros falam de envolvimento, até forjado, de bispos; de licenças obtidas por
coação; de contatos da direção geral com a congregação dos Religiosos, buscando
esclarecimentos e orientação; de carta de exortação às superioras provinciais do Sul; do
procedimento das mesmas, considerado passível de deposição; de relatório datado de 16 de
dezembro de 1968 e enviado à Sé Apostólica sobre a gravosa situação das duas províncias
sulinas219.
De contatos da direção geral com a congregação dos Religiosos resultou a circular n.
22, de janeiro de 1968. Nesse documento madre Idalina Baratter referia a circular n. 21 que
tratava do modelo do hábito religioso com frontino e pregas no busto, aprovado pela Sé
217
BARATTER, Idalina. Circular n. 21. Jundiaí, 13 de dezembro de 1967 (AGSS 1.5.7).
FATOS SALIENTES da casa geral, 1959-1967 (AGSS 1.12.3).
219
Ibid., FATOS SALIENTES da casa geral, 1959-1967 (AGSS 1.12.3).
218
164
Apostólica. A Superiora Geral justificava a retomada do assunto e afirmava: fomos obrigada
dar licença para hábito sem frontino, por experiência. Isto fizemos sem poder consultar o
nosso Conselho e sem pedir a necessária licença à Santa Sé, somente da qual podem partir
ordens e licenças válidas. A licença de fazer experiência sem o frontino concedida por madre
Idalina foi considerada nula pela Sé Apostólica, sendo por isso retirada. Na circular n. 22 as
irmãs foram também advertidas: os senhores bispos não têm autoridade alguma de conceder
licença para usar outros hábitos e tanto menos o traje civil...220.
Diferente seria o teor do decreto relativo ao hábito religioso da congregação mscs,
divulgado na circular n.27 de 2 de fevereiro de 1970, após concluída a primeira etapa do
Capítulo Geral Especial: Cada província estude a questão do hábito religioso, levando em
consideração as diferentes regiões, neste tempo serão feitas experiências e na segunda etapa
do Capítulo serão trazidos os resultados das mesmas221.
Um relatório posterior ao decreto capitular acima transcrito, datado de 17 de
novembro de 1970 e assinado pelas irmãs Elisa Spinelli e Natalia Peroni, enviado à
congregação dos Religiosos após visita canônica às províncias do Brasil realizada por ambas
na qualidade de delegadas da Superiora Geral, detém-se ainda em boa parte de seu conteúdo,
na questão do hábito.
O relato confirma diferentes percepções ligadas ao contexto de mudanças próprio da
década de 1960 no qual se insere o processo de renovação pós-conciliar a que foram
chamados todos os institutos religiosos. No seu todo o escrito espelha aspectos do clima da
primeira etapa do Capítulo Geral Especial da congregação mscs que incluiu divergências no
modo de pensar, dificuldades de diálogo, desconfianças e tensões, mas também ricos
momentos de fraternidade.
No citado relatório as posições das provinciais e delegadas das duas províncias
sulinas, foram interpretadas como sendo reflexos de secularização e atribuídas a idéias
avançadas, incutidas em cursos de renovação. De acordo com o relato, tais cursos foram
ministrados por sacerdotes tão progressistas que suscitaram nas irmãs idéias de excessiva
abertura para o mundo e de intolerância da autoridade, com desvalorização da consagração
e dos valores a ela conexos e a afirmação da personalidade e da feminilidade222.
À parte as suas limitações, tanto nas duas províncias do Rio Grande do Sul quanto nas
demais províncias do instituto scalabriniano feminino a atualização pós-conciliar, na verdade,
incluiu mudanças bem mais substanciais do que a de um controvertido modo de vestir. O
Capítulo Geral Especial marcaria a história da congregação mscs, favorecendo um processo
de renovação aberto a uma dinâmica continuidade no tempo.
3.3.5 Preparação e realização do Capítulo Geral Especial
Os últimos anos do mandato de madre Idalina Baratter foram dedicados sobretudo à
preparação e realização do Capítulo Geral Especial, tema que completa este segundo volume
de história da congregação mscs. O Capítulo Especial foi realizado na sede geral do instituto
scalabriniano feminino em Acilia-Roma em duas etapas, a primeira estendeu-se de 26 de
agosto de 1969 a 10 de janeiro de 1970 e a segunda de 21 de junho a 12 de outubro de 1971.
Este tempo incluiu a realização do Sexto Capítulo Geral eletivo, antecipado de maio de 1972
220
BARATTER, Idalina. Circular n. 22. Acilia-Roma, 12-1-1968 (AGSS 1.5.7).
BARATTER, Idalina. Circular n. 27. Acilia-Roma, 2 de fevereiro de 1970 (AGSS 1.5.7).
222
SPINELLI, Elisa & PERONI, Natalia. Relazione Sacra Congregazione. Acilia-Roma, 17 novembre 1970
(AGSS 1.5.7).
221
165
para outubro de 1971. O Capítulo Geral Especial teve como objetivo uma adequada
renovação das constituições do instituto e foi, a seu modo, a aplicação do concílio ecumênico
Vaticano II na vida religioso-apostólica da congregação das irmãs missionárias de são Carlos,
scalabrinianas.
O importante evento foi precedido de uma fase de preparação coordenada pela
Superiora Geral e conselho e que envolveu todas as irmãs do instituto. Apenas oito meses
após a realização do Quinto Capítulo Geral, através de circular de 17 de janeiro de 1967,
madre Idalina Baratter comunicava que a congregação das irmãs missionárias de são Carlos,
como todas as demais, realizaria o seu Capítulo Geral Especial conforme as normas do
concílio Vaticano II.
Para esse trabalho, que a Superiora Geral afirmava ser de muita importância e de
grande responsabilidade, era solicitada a colaboração de cada irmã. Madre Idalina pedia e
determinava específicas orações para o feliz êxito do Capítulo Especial; recomendava
vivamente às superioras que adquirissem os documentos conciliares e facilitassem a cada irmã
a leitura dos mesmos; comunicava o posterior envio de outras diretivas e questionários a
serem respondidos em base aos documentos do concílio ecumênico Vaticano II e às
experiências das irmãs; exortava sobretudo para que esse importantíssimo trabalho fosse
realizado com verdadeiro e consciente espírito de união fraterna e de um autêntico desejo
construtivo, com caridade, numa única inspiração, para a maior glória de Deus e o bem da
Congregação223.
Na fase de preparação do Capítulo Especial, para motivar os membros da congregação
a uma ativa e responsável participação ao evento a Superiora Geral, através de outras
circulares voltou a convidar cada irmã à oração, à reflexão individual e comunitária, ao estudo
de textos conciliares, ao aprofundamento do espírito do Fundador. Em circular de 28 de
fevereiro de 1968, madre Idalina Baratter repetia que o Capítulo Geral Especial visava a
renovação e a adaptação prescritas pelo Concílio mediante o decreto Perfectae caritatis,
documento no qual as irmãs encontrariam os princípios orientativos para esse árduo trabalho
e delicada empresa224.
Como na circular de 17 de janeiro de 1967, a de 28 de fevereiro de 1968 incentivava a
leitura, estudo e meditação dos documentos conciliares que expressavam o pensamento e as
diretrizes da igreja, vale dizer, a vontade de Deus a ser seguida pela congregação mscs. A
Superiora Geral exortava as irmãs a refletirem sobre a gravidade e importância do trabalho
que tinha em vista renovar o instituto, sobretudo para o bem de todas as irmãs presentes e
futuras225.
Instrumento adequado, capaz de dar maior abrangência à participação das irmãs e
possibilitar a cada uma oportunas sugestões seria o questionário já referido na circular anterior
e para o qual madre Idalina recomendava agora a colaboração fraterna, o respeito à liberdade
de expressão e às sugestões de todos os membros do instituto. As respostas deviam ser
compiladas em duas vias e remetidas, uma à sede geral, outra à sede da respectiva província
da irmã, até agosto de 1968. Cerca de 90% das irmãs responderam o questionário,
manifestando a intenção de fidelidade ao carisma e de mais fraterna comunhão no interno do
instituto.
Em nova circular de n. 24 e datada de 15 de novembro de 1968 madre Idalina Baratter
determinava o dia 26 de dezembro desse ano para a realização do capítulo doméstico em todas
223
BARATTER, Idalina. Circular n. 20. Acilia-Roma, 17 de janeiro de 1967 (AGSS 1.5.7).
BARATTER, Idalina. Circular n. 23. Acilia-Roma, 28 de fevereiro de 1968 (AGSS 1.5.7).
225
Ibid., circular n. 23.
224
166
as comunidades e estabelecia a data de 2 de fevereiro de 1969 para a celebração dos capítulos
provinciais. Nessa fase de preparação do Capítulo Geral Especial realizaram-se em todas as
províncias da congregação encontros de estudo organizados por comissões provinciais
designadas para isso.
Cinco dias depois, na circular n. 25 em que tratava da questão do hábito religioso,
madre Idalina advertia as irmãs: É desejo da igreja que a renovação seja feita, mas é também
vontade firme da mesma igreja que a renovação seja feita na ortodoxia226.
A grande aspiração expressa pela Superiora Geral na circular de 15 de novembro de
1968, era o renascimento e a renovação do instituto dentro do espírito conciliar e das
diretivas genuínas da igreja. Para realizar esse intento Madre Idalina pedia que cada
comunidade mandasse celebrar duas missas, uma ao Espírito Santo e outra pelas irmãs
falecidas. Exortava ainda as comunidades a fazerem antes do Capítulo Geral Especial nove
dias de vigília bíblica com precisas intenções, assim indicadas:
1. para pedir a docilidade ao Espírito Santo, luz e guia da renovação;
2. para maior valorização teologal dos santos votos;
3. para uma eficaz valorização da vida interior;
4. para avivar as virtudes teologais, sobretudo a fé;
5. para uma sábia e justa orientação da vida comunitária;
6. para viver a Eucaristia como vínculo de união;
7. para a formação religiosa em vista do aprofundamento da vida batismal;
8. para maior assimilação do espírito do venerável Fundador;
9. intenção livre, porém, sempre para o feliz êxito do Capítulo Especial227.
A 28 de fevereiro de 1969, através de circular n.26, a Superiora Geral comunicava a
todas as irmãs o resultado dos capítulos provinciais em que foram eleitas as delegadas das
províncias, assim relacionadas:
Província de São Paulo: irmãs M. Letícia Negrizzolo, M. Cesarina Lenzini e M.
Maurília P. da Silva.
Província de Caxias do Sul: irmãs M. Lia Barbieri, M. Vanda Rosset e M.
Teresângela Giongo.
Província da Itália: irmãs M. Albina Bianchin e M. Dionisia Barbisan.
Província dos Estados Unidos: irmãs M. Agostina Cutrara
Chiovini.
e M. Raffaella
Província de Passo Fundo: irmãs M. Arlinda Guisso, M. Zenaide Alessi e M.
Cecília Signor.
As irmãs delegadas das províncias em número de 13, junto aos membros de direito, ou
seja, a Superiora Geral, as quatro conselheiras gerais e as cinco superioras provinciais,
participariam do Capítulo Geral Especial a se realizar na sede geral da congregação mscs em
Acilia, Roma, com início marcado para o dia 26 de agosto de 1969. A circular n. 26
comunicava ainda o nome das irmãs designadas para a comissão central, constituída dos
seguintes membros: irmãs M. Letícia Negrizzolo, M. Lia Barbieri, M. Prassede Carrara, M.
226
227
BARATTER, Idalina. Circular n. 25. Acilia-Roma, 20 de novembro de 1968 (AGSS 1.5.7).
BARATTER, Idalina. Circular n. 24. Acilia-Roma, 15 de novembro de 1968 (AGSS 1.5.7).
167
Raffaella Chiovini, M. Arlinda Guisso e as mestras das junioristas, M. Idina Perin de São
Paulo, que não participou por motivo justificado, M. Alice Milani do Rio Grande do Sul e M.
Teresa Ferrario da Itália228.
Os trabalhos da comissão pré-capitular iniciaram a 7 de abril de 1969 na sede geral da
congregação e constaram de reuniões, consulta a peritos, pesquisas e estudos relativos às
diretrizes conciliares, à realidade migratória no contexto mundial de então, ao carisma de
fundação e à história do instituto scalabriniano feminino.
Nesse período pré-capitular a comissão central contou com a assessoria de dois
scalabrinianos, os padres Giacomo Danesi e Mario Francesconi. Padre Danesi, vigário geral
da congregação dos missionários de são Carlos, abordou entre outros assuntos o fenômeno da
mobilidade humana, distinguindo as migrações internas como sendo também campo pastoral
scalabriniano.
Padre Mario Francesconi, historiador da congregação scalabriniana masculina,
desenvolveu temas relativos à vida e obra de João Batista Scalabrini e evidenciou as figuras
de padre José Marchetti e de madre Assunta Marchetti, co-fundadores da congregação das
irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas. Depois do aprofundamento histórico padre
Francesconi deteve-se no estudo do espírito do fundador, João Batista Scalabrini.
A comissão pré-capitular contou ainda com a assessoria de padre Gerardo Ruitz,
claretiano, que em base às diretrizes conciliares orientou as irmãs a respeito das atribuições da
direção geral e do Capítulo Geral Especial e advertiu-as quanto à necessidade de agir com
sabedoria de modo a unir o antigo ao novo em uma dinâmica fidelidade ao evangelho, à igreja
e ao espírito do Fundador. Padre Ruitz sugeriu o seguinte esquema de redação para o
documento base a ser elaborado pela comissão:
1o - fim da congregação
2o - Formação dos membros
3o- Vida Religiosa
4o - Formas de Apostolado
5o- Governo e administração
Durante quatro meses a comissão central ateve-se à elaboração de documento a ser
apresentado às capitulares como subsídio, podendo ser complementado, modificado e até
mesmo sofrer eventual rejeição de parte das mesmas. Concluído o trabalho pré-capitular,
conforme fora estabelecido, a 26 de agosto de 1969 na sede geral do instituto teve início a
primeira etapa do Capítulo Geral Especial. Os primeiros dias foram de preparação espiritual,
com breve retiro pregado pelo padre Gerardo Ruitz.
Na sessão plenária de abertura do Capítulo Geral Especial a presidente, madre Idalina
Baratter, exortou as irmãs capitulares à responsabilidade e convidou cada uma a buscar a
renovação autêntica em base às diretrizes da igreja, tendo em mira as vitais exigências da
congregação. Seguiu-se a votação para a escolha das secretárias do Capítulo, sendo eleitas por
unanimidade irmã Alice Milani e irmã Teresa Ferrario, ambas não capitulares, a fim de
facilitar a estas uma participação mais ativa nas sessões plenárias. Como escrutinadoras foram
eleitas entre as capitulares as irmãs Dionisia Barbisan e Teresângela Giongo.
Depois desses procedimentos iniciais as irmãs passaram ao estudo individual e em
grupo do documento base elaborado pela comissão pré-capitular. Assunto que suscitou
prolongadas discussões entre as capitulares e ocupou um tempo considerável foi o regimento
228
BARATTER, Idalina. Circular n. 26. Acilia-Roma, 28 de fevereiro de 1969 (AGSS 1.5.7).
168
do Capítulo. As imprevistas divergências motivaram a elaboração de novo regimento do
Capítulo Geral Especial.
O projeto de regimento fora elaborado pela direção geral e submetido à análise das
irmãs desde o início do Capítulo. A demora em sua aprovação impedia um regular
desenvolvimento dos trabalhos capitulares. À pedido da Presidente o Capítulo então elaborou
e votou um novo regimento, indispensável ao bom funcionamento da assembléia capitular.
Outro assunto de maior importância abordado nos primeiros dias de realização do
Capítulo Especial referia-se a um ponto controverso na história do instituto, relativo à
paternidade da fundação. A questão foi levantada com propriedade e para responder a uma
dúvida posta ao longo de décadas e esclarecer outros aspectos da trajetória histórica da
congregação o Capítulo contou, em diferentes momentos, com a valiosa presença de padre
Mario Francesconi.
Em sua intervenção de 4 de setembro de 1969 padre Francesconi admitiu a dificuldade
de interpretar determinados fatos que assinalaram o início da história da congregação
scalabriniana feminina. Conhecedor do assunto, o Padre poude dissipar as dúvidas que foram
apresentadas e afirmou que a congregação foi fundada como emanação da congregação dos
missionários de são Carlos. Para comprovar a posição apresentou às irmãs fotocópia de
importantes documentos da história das congregações scalabrinianas. De especial significado
foi esta outra afirmação de padre Francesconi: os destinatários de nossa missão são os
emigrantes, vistos à luz particular da pobreza, do abandono, aqueles pelos quais ninguém se
interessa229.
Essa nova consciência da missão scalabriniana na igreja e no mundo contida na
afirmativa de padre Mario Francesconi e suscitada na vida-missão do instituto scalabriniano
feminino a partir do Capítulo Geral Especial tornaria o evento um divisor de águas na
caminhada histórica da congregação das irmãs mscs.
Em meados de outubro, sempre durante a primeira etapa do Capítulo Especial e em
sucessivas palestras, padre Francesconi retomaria o assunto, missão específica, asseverando
que a volta às fontes e a realização do carisma do Fundador aconteceriam na medida em que
as obras do instituto fossem de preferência a favor dos migrantes mais pobres e
abandonados. O Padre fez notar a contradição nas constituições então em vigor e que,
segundo ele, foi motivada pela intenção de salvar o fim da congregação e todas as obras já
existentes quando da elaboração das mesmas. Garantiu, por outro lado, que irmãs e obras não
voltadas de modo direto ao migrante são justificadas em vista da necessidade de subsistência
da congregação e da formação de seus membros. Em sessão de 14 de outubro reafirmou ser
importante a fidelidade ao carisma do Fundador ao qual a congregação não pode renunciar.
Faz-se mister, contudo, voltar ao fim, de maneira gradativa, sem abandonar as obras, antes
dar-lhes uma abertura que permita atingir o fim específico230.
Já o assessor do Capítulo Geral Especial, o canonista claretiano padre Gerardo
Escudero, em dias ininterruptos orientou as irmãs quanto ao estado de espírito que devia
animar cada uma, bem como a respeito do método a seguir no trabalho de revisão do direito
próprio. Padre Escudero insistiu em que as normas elaboradas fossem impregnadas do
evangelho e tivessem em vista o bem da congregação, obtido através de uma adequada
renovação dos membros, conforme as diretrizes do Concílio e num contínuo retorno às fontes
evangélicas e ao espírito do Fundador. Recomendou empenho em tornar presente na
congregação o espírito do Fundador, de maneira viva e dinâmica. Afirmou que o carisma do
229
230
RELATÓRIO do Capítulo Geral Especial, 1969-1971, p. 2-3 (AGSS 1.12.2 ).
Ibid., p. 16-7.
169
Fundador vem transmitido aos membros como um legado que deve ser desenvolvido,
enriquecido e adaptado às circunstâncias sempre atuais e que práticas novas não emanadas
do espírito perdem a autenticidade231.
De acordo com a orientação recebida de padre Escudero a 10 de setembro de 1969
foram formadas as seguintes comissões de estudo: fim da congregação, formação, vida
religiosa, apostolado, governo e administração. Cada capitular, de modo espontâneo, podia se
inscrever em uma ou duas comissões que ficaram assim constituídas:
Fim: Irmãs Dionisia Barbisan, Raffaella Chiovini, Prassede Carrara, Amantina
Seganfredo, Caetana Borsatto, Zenaide Alessi e Serafina Canal.
Formação: Irmãs Albina Bianchin, Dionisia Barbisan, Cesarina Lenzini, Bertilla
Scola, Lia Barbieri, Vanda Rosset e Elisa Spinelli.
Vida Religiosa: Irmãs Amantina Seganfredo, Egidia Riboldi, Maurília Pereira da
Silva, Natália Peroni, Letícia Negrizzolo, Teresângela Giongo, Augusta Chini,
Caetana Borsatto e Bertilla Scola.
Apostolato: Irmãs Cesarina Lenzini, Zenaide Alessi, Arlinda Guisso, Maurília
Pereira da Silva, Raffaella Chiovini, Lia Barbieri, Josélia Medeiros, Teresângela
Giongo, Letícia Negrizzolo, Vanda Rosset, Cecília Signor e Dionisia Barbisan.
Governo e Administração: Irmãs Egidia Riboldi, Letícia Negrizzolo, Natália Peroni,
Amantina Seganfredo, Serafina Canal, Prassede Carrara, Josélia Medeiros,
Augusta Chini, Caetana Borsato, Cecília Signor, Zenaide Alessi, Vanda Rosset e Elisa
Spinelli232.
A partir de então o trabalho das comissões de estudo, tendo em vista a reformulação
das constituições da congregação mscs seguiu esta metodologia: cada comissão estuda o
respectivo assunto e apresenta propostas às demais comissões antes de submetê-las ao
plenário. A secretária de cada comissão comunica por escrito à assembléia capitular o
trabalho de seu grupo. Desse intercâmbio resultam oportunas intervenções, tornando-o
enriquecedor. No momento da votação, cada norma é examinada, discutida e depois votada.
Os casos polêmicos são encaminhados para ulterior reestudo, visando o consenso das
capitulares.
Desse empenho coletivo que se prolongou até 10 de janeiro de 1970 resultou um
projeto de Constituições e Diretório a ser levado ao conhecimento da Santa Sé e de todas as
irmãs do instituto. Antes do encerramento da primeira fase do Capítulo Geral Especial o
projeto foi confiado a uma comissão encarregada da redação final, tendo também outras
atribuições estabelecidas pelo mesmo capítulo, sendo formada pelas irmãs Egidia Riboldi, Lia
Barbieri e Albina Bianchin e integrada ainda pelos peritos, padre Giacomo Danesi e padre
Mario Francesconi.
A 2 de fevereiro de 1970, através de circular n. 27, a Superiora Geral comunicava às
irmãs a conclusão da primeira etapa do Capítulo Geral Especial ; solicitava a cada uma o
estudo do projeto de novas constituições e do diretório, bem como de questões não resolvidas
pelo Capítulo: a admissão e demissão de membros, votos ou promessas, administração;
divulgava três decretos votados para aplicação ad experimentum: vida de oração, hábito
religioso a que já acenamos, governo da congregação. Na mesma circular madre Idalina
231
232
Ibid., p. 3.
Ibid., p. 5 e 6.
170
Baratter inseriu algumas deliberações capitulares relacionadas a anteriores, emanadas do
Capítulo Geral de 1966, das quais destacamos quatro:
é abolido o beijo do crucifixo da superiora. De manhã as irmãs, em cordialidade
recíproca, se saudam com a expressão usada no respectivo lugar.
Todas podem livremente retomar o nome civil ou de batismo, precedido pela
palavra „irmã‟. As que decidirem fazê-lo comunicarão à respectiva superiora
provincial. Esta, por sua vez, enviará a relação à direção geral que se encarrega
de informar as províncias.
Quanto ao uso do anel ser na mão direita ou esquerda, está em estudo.
Para a récita do Ofício Divino ficou estabelecido usar os textos aprovados pelas
respectivas nações.
Quanto às orações vocais a Superiora Geral observava que desde 1966 haviam sido
reduzidas, a fim de deixar mais tempo disponível para a oração pessoal, na convicção de que
não poderá haver renovação verdadeira, conforme o pensamento genuíno da Igreja,
diminuindo o tempo consagrado à oração, senão tornando-a mais viva e mais fecunda233.
Do mesmo modo as capitulares haviam-se manifestado a respeito da oração. Todas
reconheciam a necessidade de estabelecer nas constituições e no diretório um período de
tempo destinado à oração individual. Propunham que as atividades assumidas pelas irmãs
facilitassem essa prática. Com satisfação constataram através da consulta ampla a aspiração
da maioria das irmãs mscs, de que a oração fosse mais pessoal e consideraram esse desejo
muito importante para a renovação do instituto scalabriniano feminino234.
Antes da conclusão da primeira etapa, a 9 de dezembro de 1969 as capitulares
pronunciaram-se também a respeito da data e local da segunda etapa do Capítulo Geral
Especial. Quanto ao tempo fixou-se o início para junho de 1971, julgando oportuno não
exceder entre a primeira e a segunda etapa o intervalo estabelecido pela igreja. A opção por
Roma como local levou em consideração, entre outros aspectos, eventual necessidade de
recorrer à Santa Sé, a possibilidade de consultar o arquivo geral e de contar ali com peritos
qualificados, sobretudo para assuntos referentes ao carisma e à missão própria da
congregação.
Outro assunto levantado na sessão de 9 de dezembro de 1969 foi o da conveniência de
fazer coincidir a segunda etapa do Capítulo Geral Especial com o capítulo eletivo, previsto
para maio de 1972. Consultadas a respeito, as capitulares optaram por deixar esta decisão à
Superiora Geral e conselho. Pouco mais de um mês depois da conclusão da primeira etapa, em
reunião da direção geral realizada a 15 de fevereiro de 1970, madre Idalina Baratter e
conselho, unânimes, manifestaram-se a favor da antecipação, até porque se tornaria muito
custoso fazer outro capítulo só alguns meses depois235.
A 25 de novembro de 1970 madre Idalina Baratter encaminharia ao cardeal Ildebrando
Antoniutti, prefeito da congregação dos Religiosos, o pedido de antecipação do capítulo
eletivo do instituto. Em resposta à Superiora Geral datada de 19 de dezembro desse ano
consta esta orientação da congregação dos Religiosos, que seria seguida a seu tempo pela
direção geral: é suficiente que durante a segunda etapa do Capítulo Especial, fixada para o
233
BARATTER, Idalina. Circular n. 27. Acilia-Roma, 2 de fevereiro de 1970 (AGSS 1.5.7).
RELATÓRIO do Capítulo Geral Especial, 1969-1971, p. 31 (AGSS 1.12.2).
235
LIVRO DE ATAS das reuniões do governo geral: 1966-1971. Ata n. 603 (AGSS 1.12.1).
234
171
mês de junho de 1971, a senhora apresente as próprias demissões. Se estas forem aceitas, o
Capítulo torna-se automaticamente eletivo e poderá proceder à renovação dos cargos236.
Concluída a primeira etapa do Capítulo Geral Especial, madre Idalina Baratter e
conselho, a equipe intercapitular e as irmãs da congregação passaram a se ocupar da segunda
etapa que teria início dia 21 de junho de 1971. Enquanto as irmãs do instituto, orientadas
pelas capitulares, realizavam quanto lhes fora solicitado na circular n. 27 a comissão
intercapitular desempenhava a sua função, que incluía a elaboração de síntese das respostas a
serem enviadas à sede geral pelas cinco províncias.
Na época, a congregação mscs contava com 891 irmãs. Sobre esse total, 807 irmãs
pronunciaram-se a respeito do projeto das novas constituições do instituto. Da província
Aparecida, sobre o total de 216 irmãs, 182 pronunciaram-se na ocasião; da Imaculada
Conceição, sobre 255 irmãs, 236 responderam; da província são José que contava com 108
irmãs, pronunciaram-se 87; da província de Fátima que tinha então 49 irmãs, 43 responderam;
da província Cristo Rei que somava 263 irmãs, 259 pronunciaram-se na oportunidade. As
capitulares deram grande importância à expressiva participação das irmãs e levaram muito em
conta as suas contribuições.
Apesar do empenho da direção geral, das capitulares e da maioria das irmãs houve um
imprevisto na caminhada intercapitular. Concluída a primeira etapa fora apresentada cópia
dos atos do Capítulo Geral Especial à Santa Sé que a solicitara, tendo a mesma depois de
algum tempo alertado acerca de lacunas de natureza jurídica existentes no texto. Era
necessário recorrer a um perito e reformular o projeto das constituições.
Informados pela direção geral a respeito do parecer da Santa Sé os assessores do
Capítulo Especial, padre Mario Francesconi e padre Giacomo Danesi, indicaram o
dominicano padre Benito Gangoiti, professor de teologia e filosofia do direito na universidade
Santo Tomás de Roma, perito de reconhecida competência, para a reformulação do projeto.
Com a colaboração dos padres Francesconi e Danesi e considerando as contribuições das
irmãs, padre Gangoiti reelaborou o projeto das constituições do instituto scalabriniano
feminino.
Cumpridos dessa forma os passos da fase intercapitular, no dia 21 de junho de 1971 na
sede geral da congregação em Acilia, Roma, presentes as mesmas capitulares da primeira
etapa, teve início a segunda fase do Capítulo Geral Especial. Após um retiro espiritual
pregado pelo scalabriniano padre Giuseppe Piccolo, madre Idalina Baratter declarou o reinício
oficial dos trabalhos do Capítulo e apresentou à assembléia capitular o projeto das
constituições reelaborado pelo padre Benito Gangoiti.
Às 21 horas do dia seguinte, 22 de junho, padre Gangoiti apresentou os princípios
fundamentais por ele seguidos na reformulação do texto e que deveriam orientar as capitulares
quanto às decisões a serem tomadas em matéria legislativa; convidou as irmãs a trabalharem
num clima fraterno, de liberdade e aberto ao diálogo; recomendou evitar a exortação
excessiva, tendo em vista dar às constituições maior equilíbrio teológico-jurídico; indicou o
esquema a seguir: leis fundamentais, normas constitucionais e ordenações; sugeriu o estilo
próprio da lei, que é o imperativo. Depois do necessário aprofundamento e de outros
oportunos esclarecimentos, as capitulares dedicaram-se ao trabalho intenso que se prolongou
até 6 de julho. No dia 7 de julho de 1971, reunidas em assembléia, iniciaram a votação do
novo texto das constituições da congregação mscs.
Nesse início da segunda fase do Capítulo Geral Especial dedicado ao estudo e à
votação das normas, processo que seguiu o esquema indicado pelo padre Benito Gangoiti, ou
236
HUOT, D. M. Lettera a Idalina Baratter. Roma, 19 dicembre 1970 (AGSS 1.5.7).
172
seja, leis fundamentais, normas constitucionais e ordenações, o clima entre as irmãs foi de
tranqüilidade e busca da vontade de Deus. Tanto o Perito quanto as capitulares tiveram
presente as sugestões das irmãs da congregação e procuraram chegar a um consenso. A
maioria das normas votadas recebeu 23 votos positivos, que representava a totalidade das
capitulares.
Algumas questões foram muito discutidas e reestudadas, resultando em modificações
que asseguraram uma redação mais completa e adequada ao texto das novas constituições.
Além da norma n. 38 relativa ao hábito religioso e a de n. 60 que estabelecia o tempo
destinado à leitura espiritual, entre outras mais, uma proposta de norma que suscitou
demorado debate foi a dos vínculos temporários ou promessas. Era necessária a distinção
entre dúvida quanto à opção de vida e maturidade para assumir os votos. Por fim foi
formulada nova norma, de n. 137, incluída nas ordenações a título de experiência.
É importante salientar que durante todo o Capítulo Geral Especial as capitulares
mostraram particular preocupação com a fidelidade ao carisma, sobretudo com a missão
própria do instituto. Nessa matéria, em uma das suas muitas intervenções, padre Gangoiti
asseverou que a fidelidade dinâmica se expressa na busca constante de novas formas de
apostolado, que a missão do instituto na igreja é atualíssima, que grande é o seu carisma de
fundação e se tornará mais atual quando desaparecerem as fronteiras237.
No decorrer do processo de estudo e votação das normas relativas ao apostolado da
congregação scalabriniana feminina, o setor de pastoral catequética se impôs como exigência
de fidelidade à intenção do Fundador. Para as capitulares, a catequese devia animar toda a
ação apostólica do instituto. Por sua vez, os setores de educação cristã, pastoral da saúde e
serviço social, abriram amplo espaço à mobilidade humana.
À temática relativa ao setor de educação cristã o Capítulo Geral Especial incorporou a
situação de tantos migrantes marginalizados, para os quais a ação educativo-apostólica das
escolas scalabrinianas podia e precisava se voltar, a fim de responder de maneira efetiva ao
projeto apostólico de João Batista Scalabrini. Da mesma forma, ao setor de pastoral da saúde
foi confiada a assistência a migrantes doentes, onde quer que atuasse como enfermeira a irmã
missionária de são Carlos, scalabriniana.
O setor de ação social, que agora aparecia como novidade nas constituições do
instituto, não o foi na intenção fundacional. A inclusão da assistência aos anciãos e aos órfãos,
aliás, respondeu à vontade das irmãs, de maior fidelidade à missão. A intenção primigênia de
fato, voltou-se de preferência para os excluídos da sociedade. O projeto sócio-pastoral
scalabriniano realizou-se em contextos migratórios, em muitos casos na complementaridade
quando exigida a presença masculina e feminina, concretizando-se através de igrejas,
orfanatos, escolas, hospitais, asilos e outras instituições de interesse dos migrantes. Desde a
origem, movidos pelo mesmo ideal, os missionários e missionárias scalabrinianos realizam a
sua missão junto a órfãos e a milhares de seres humanos que a persistência do movimento
migratório continua a dispersar pelo mundo.
O parêntese digressivo reporta à votação da norma n.18 das leis fundamentais,
oportunidade em que padre Benito Gangoiti se deteve em um elemento introduzido no texto
das constituições, relativo ao vínculo que liga missionários e missionárias scalabrinianos.
Justificava padre Gangoiti naquela circunstância:
237
RELATÓRIO do Capítulo Geral Especial, 1969-1971. p. 49-50 (AGSS 1.12.2).
173
É um caso típico exortativo e é segundo o espírito do Fundador. Exprime sua origem
comum com a congregação masculina, com a qual a congregação feminina tem um
ideal comum, embora com linhas, competências e jurisdições próprias. Agir de
maneira diferente seria deturpar a natureza. A natureza da realidade é a única razão
que nos leva a esta afirmação. Um objetivo comum, um Fundador comum,
logicamente conduz a uma amizade especial as duas famílias religiosas238.
Algumas décadas depois essa reflexão, ampliada e aprofundada, levaria à certeza de
uma única família scalabriniana, integrada por três institutos: a congregação dos padres
missionários de são Carlos, scalabrinianos; a congregação das irmãs missionárias de são
Carlos, scalabrinianas; o instituto das missionárias seculares scalabrinianas. As três
instituições reconheceriam, no tempo, as implicações peculiares da hereditariedade e o
significado mais profundo da comum herança.
A renovação proposta pelo concílio ecumênico Vaticano II a todos os institutos
religiosos, visando o bem da igreja, incluía fidelidade à índole própria de cada um. Isto
significava reconhecer e manter fidelidade ao espírito do fundador e às sãs tradições,
elementos constitutivos do patrimônio do instituto239.
O conteúdo acima, indicado pelo decreto conciliar Perfectae caritatis, foi mais vezes
recomendado pela direção geral às irmãs e retomado pelas capitulares, conscientes da
essencialidade e das exigências desse princípio geral da renovação proposta aos institutos
religiosos pela igreja. Mesmo sabendo que o processo de renovação a que aspiravam apenas
começara e que o caminho a percorrer comportaria inevitáveis desafios em razão das
circunstâncias que envolveram a origem e a evolução histórica do instituto, as capitulares
apostavam no êxito da caminhada empreendida pelo Capítulo Especial, demonstraram
entusiasmo e renovada esperança diante do futuro, que consideravam promisssor.
No dia 26 de julho de 1971 essa atmosfera de otimismo sofreu um pequeno abalo ao
ser comunicada à assembéia capitular a decisão da Superiora Geral e conselho, de antecipar o
capítulo eletivo. De acordo com os encaminhamentos já referidos e procedendo segundo a
orientação da Santa Sé, madre Idalina Baratter e conselho apresentaram às capitulares, em
caráter oficial, as suas demissões. Perplexa, a assembéia pediu tempo para rezar e refletir,
analisar o fato e consultar peritos na busca de necessária orientação.
Depois de tudo ponderado decidiram recorrer uma vez mais a padre Benito Gangoiti,
que desde o término do capítulo legislativo se encontrava na Espanha. Sob a orientação do
Perito a 11 de agosto de 1971, através de votação secreta, as irmãs concordaram com a
antecipação do capítulo geral eletivo, mediante condições transformadas em disposições
capitulares, como consta em circular da Superiora Geral e assinada por todas as capitulares:
1. que o governo geral cessante permaneça no cargo até a eleição do novo governo
geral;
2. que esta eleição seja feita de acordo com as novas constituições ou nossas leis, isto
é, do Capítulo Geral Especial, iniciado aos 21 de junho de 1971, em Acília- Roma;
238
239
Ibid., p. 50.
Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre a renovação da vida religiosa Perfectae caritatis, 708.
174
3. portanto, a partir desta data, 11 de agosto de 1971, ficam promulgadas e entram
em vigor as normas das novas constituições ou das nossas leis que se referem à
eleição do governo geral e ao próprio governo geral240.
A mesma circular explicava o motivo porque o Capítulo Geral Especial se tornaria
também capítulo eletivo; determinava a eleição de outras delegadas, de acordo com a norma
210 das novas constituições que concedia às províncias Aparecida, Imaculada Conceição, São
José e Cristo Rei a participação de mais uma delegada ao capítulo eletivo; orientava quanto à
apuração dos votos relativos às novas delegadas, a ser feita pelo conselho provincial e outra
irmã por ele indicada; estabelecia que a irmã, eleita capitular, estivesse presente na sede geral
da congregação no dia 25 de setembro de 1971; propunha às irmãs o envio de sugestões que
julgassem oportunas.
Na ata n.1, de 25 de setembro de 1971, relativa aos trabalhos preliminares do capítulo
geral especial e eletivo, consta a comunicação de madre Idalina Baratter às capitulares
segundo a qual, no dia 6 de outubro, sob a presidência do cardeal Carlo Confalonieri, prefeito
da congregação Consistorial e protetor da congregação mscs, realizar-se-ia o Sexto Capítulo
Geral Eletivo do instituto scalabriniano feminino.
Os dias que precederam à eleição de nova superiora geral e conselho foram dedicados,
em boa parte, à apresentação dos relatórios da direção geral, qüinqüênio 1966-1971 e dos
relatórios das províncias. No decorrer das sessões, às vezes cansativas, mais do que cobranças
pela falta de diálogo, houve acertos como a regularização de novas aberturas e sobretudo
partilha e enriquecimento mútuo. Ainda na sessão de 26 de setembro madre Idalina Baratter
comunicara à assembléia o nome das quatro novas delegadas ao capítulo eletivo: irmã Alice
Milani, província Aparecida; irmã Clarência Dall‟Agnol, província Imaculada Conceição;
irmã Teresa Ferrario, província são José; irmã Dina Menegat, província Cristo Rei.
No dia 6 de outubro, como fora estabelecido, sob a presidência do cardeal Carlo
Confalonieri, realizou-se a eleição de nova direção geral para o sexênio 1971-1977, que ficou
assim constituída: superiora geral, madre Alice Milani; primeira conselheira geral, irmã
Serafina Canal; segunda conselheira geral, irmã Dina Menegat; terceira conselheira geral,
irmã Teresa Ferrario; quarta conselheira geral, irmã Ligia Mânica. Em dois posteriores
escrutínios irmã Dina Menegat seria eleita secretária geral e irmã Ligia Mânica, ecônoma
geral, ambas para o mesmo sexênio, 1971-1977.
No dia seguinte à eleição da nova direção geral, sob a presidência de madre Alice
Milani, as capitulares reunidas em assembléia trataram das disposições a serem emanadas do
Capítulo Geral Especial e Eletivo e que foram organizadas em quatro blocos: oração, fim da
congregação, governo da congregação e administração e economia.
Entre as 16 disposições então emanadas foi dado particular relevo à sexta, relativa ao
fim específico do instituto. As capitulares julgavam necessário que as irmãs da congregação
fossem sensibilizadas a encarnar o espírito do Fundador e o fim específico do instituto. Este,
segundo elas, precisava de impulso e vitalidade. Em razão disso foi proposto elaborar as
biografias de madre Assunta e de padre José Marchetti, bem como a história da congregação
mscs. Da reflexão resultou a sexta disposição do Capítulo Geral Especial e Eletivo assim
elaborada:
240
BARATTER, Idalina.Circular n. 30. Acília-Roma, 12 de agosto de 1971 (AGSS 1.5.7).
175
Que os governos geral, provinciais e todas as comissões se proponham como primeira
e fundamental tarefa impulsionar e concretizar o fim específico. Entre outros meios
indicam-se os seguintes:
1.
2.
3.
4.
5.
o estudo das constituições,
o conhecimento do espírito do Fundador,
o estudo das biografias de madre Assunta e padre José Marchetti,
a história da congregação,
a ilustração e a informação contínuas do problema migratório241.
Ao tratarem da oração, capitulares propuseram que as preces comunitárias feitas na
capela iniciassem com uma súplica mais teológica, sendo a sua formulação confiada a padre
Mario Francesconi e depois apreciada pelo Capítulo. É da autoria de padre Francesconi a
oração que substituiu a comunhão espiritual então em uso na congregação. Estabeleceu-se
que a nova súplica seria rezada antes dos atos comuns na capela, exceto na oração da manhã.
Também foi elaborada por ele a oração específica da congregação, a ser recitada cada manhã
pelas comunidades242.
Em sessão de 12 de outubro de 1971 foi escolhida, entre várias apresentadas, a sigla da
congregação: mscs, missionárias de são Carlos, scalabrinianas. Feita a significativa escolha as
capitulares expressaram reconhecimento à direção geral cessante que por longos anos e em
tempos difíceis, com intensa dedicação, levaram a bom termo a realização do Capítulo Geral
Especial e Eletivo.
No decorrer desse evento foram elaboradas as novas constituições do instituto
scalabriniano feminino, impregnadas de profundo espírito evangélico, conciliar e fundacional
as quais, por disposição capitular, entrariam em vigor no dia de Natal, a 25 de dezembro de
1971. A opção pelos migrantes de todas as nacionalidades e em qualquer situação de
mobilidade, de preferência os mais pobres e abandonados, foi consensual, sendo ponto de
convergência, de eloquente unanimidade.
Ainda em sessão de 12 de outubro após a recitação do salmo 8 e um canto à Virgem
Aparecida, padroeira do Brasil, cuja festa é celebrada nesse dia, foi concluído o Capítulo
Geral Especial e Eletivo da congregação das irmãs missionárias de são Carlos,
scalabrinianas243.
Mediante o processo de renovação proposto pelo concílio ecumênico Vaticano II e
atuado no instituto a partir do Capítulo Geral Especial a irmã missionária de são Carlos,
scalabriniana, adquiriu nova consciência da sua identidade, tendo a congregação mscs se
tornado mais ela própria, o que resultou em maior visibilidade do carisma scalabriniano na
igreja e no mundo.
241
LIVRO DE ATAS do Capítulo Geral Especial e Eletivo, 1969-1971. Ata n. 13 (AGSS 1.12.2 ).
Ibid., ata n. 9 e ata n. 10 (AGSS 1.12.2).
243
Ibid., ata n. 14 (AGSS 1.12.2).
242
176
CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS
Apesar do sonho de um mundo sem fronteiras, sem confins, sem passaportes de
nenhum gênero, sem muros de proteção, no período 1934-1971 como em todos os tempos,
essa aspiração esteve longe de se realizar. Ao contrário, confirmou-se a convicção de João
Batista Scalabrini de que a mobilidade humana seria um fato de grande importância no
decorrer do século XX, compreendendo migrantes de várias nacionalidades. O seu projeto
pastoral a todos contemplava244.
Desmentida a transitoriedade do fenômeno migratório a obra scalabriniana continua
sendo verdadeira profecia para toda a igreja. Na prática pastoral que lhes é própria,
missionários e missionárias scalabrinianos sentem-se um pouco como o coração da Igreja
Peregrina, aquela que está à caminho desde sempre e que nos acontecimentos das infinitas
migrações vê o perpetuar-se do primeiro Exodo, aquele que leva da escravidão à
liberdade245.
Neste estudo constatamos que no decorrer de 1934-1971 a congregação mscs
testemunhou com maior ou menor intensidade esse ideal de vida. Consideramos positiva a
expansão missionária do instituto ocorrida entre 1934 e 1948, sobretudo pelas razões que
motivaram o retorno à Itália e a abertura das primeiras comunidades nos Estados Unidos. Já
nas décadas de 1950 e 1960, justo quando a congregação scalabriniana feminina mais crescia
em número de irmãs a sua ação apostólica, salvo exceções, foi omissa e inoperante no campo
que lhe é próprio.
O desvio verificado nas opções apostólicas do instituto, ainda hoje difícil de corrigir,
deveu-se às circunstâncias do tempo que era outro. A visibilidade do carisma scalabriniano
pode ter sido ofuscada, mas não lhe foi tirada a potencialidade. Em fins da década de 1960 a
congregação mscs passou a responder com renovada energia ao chamamento da igreja, de
retorno às origens da instituição.
À distância de algumas décadas evidencia-se a mudança significativa ocorrida na
congregação das irmãs missionárias de são Carlos, scalabrinianas, depois do concílio
ecumênico Vaticano II. A realização do Capítulo Geral Especial, uma proposta da igreja pósconciliar, intensificou a vontade coletiva de viver segundo o espírito do fundador, João Batista
Scalabrini e dos co-fundadores, padre José Marchetti e madre Assunta Marchetti, na
fidelidade à missão do instituto, identificada com a intenção da origem.
Assim que, para a congregação das irmãs missionárias de são Carlos e para as demais
instituições scalabrinianas, toda a situação de mobilidade humana longe de ser um simples
acontecimento carrega em si o apelo de um carisma vivo naquele fato, determinado como por
desígnio superior. Ainda que situadas em um preciso horizonte histórico as realidades
migratórias transcendem as contingências de tempo-espaço e interpelam cada missionário
scalabriniano. E mesmo que desapareçam as fronteiras nacionais a missão scalabriniana, em
força de seu caráter carismático, será capaz de respostas proféticas, de permanente atualidade.
244
GUGLIELMI, Silvano. Un nuovo Esodo. Beato G. B. Scalabrini -Vescovo di Piacenza e Padre degli emigrati
(1839-1905). Piacenza, postulazione generale dei Missionari Scalabriniani, 1997, p. 5-6.
245
Ibid., p. 5-6.
177