Educar para a cidadania

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IX Encontro
Nacional Metodista
de Educadores
Educar para a cidadania
Educating for citizenship
Regina Alcântara de Assis
Doutora em Educação – Columbia University (USA)
Ex-Secretária de Educação do Rio de Janeiro (RJ)
R e s u m o
Em sua fala no IX Encontro Nacional Metodista de Educadores, Regina Alcântara de Assis fala sobre as Diretrizes
Curriculares Nacionais e na sua importância uma educação para a cidadania. Os princípios éticos, políticos e estéticos
utilizados na elaboração das Diretrizes são abordados pela autora, que explicita a importância de se levar em conta, na
elaboração de propostas pedagógicas, aspectos como a diversidade cultural, a autonomia e a solidariedade.
Unitermos: diretrizes curriculares; diversidade cultural; princípios éticos; autonomia
Synopsis
The National Curricular Guidelines and their importance in education for citizenship are the main subject of this article.
The ethical, political and aesthetic principles used in preparing the Guidelines are also covered, as well as the importance of taking into account, in the preparation of teaching proposals, aspects like cultural diversity, autonomy and
solidarity.
Terms: curricular guidelines; cultural diversity; ethical principles; autonomy
Resumen
Las Directrices Nacionales Curriculares y su importancia para la ciudadanía son el principal tema de este artículo. Los
principios éticos, políticos y estéticos utilizados en la elaboración de las Directrices se abordan también, al igual que la
importancia de tener en cuenta, en la elaboración de las propuestas pedagógicas, aspectos como la diversidad cultural,
la autonomía y la solidaridad.
Términos: directrices curriculares; diversidad cultural; principios éticos; autonomía
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ostaria de esclarecer o lugar de
que falo. Falo do lugar da professora por opção. Do lugar daqueles que,
como nós, acreditam que a educação,
se não for o melhor, é um dos caminhos
para re-humanizar a humanidade. E
isso passa pela espiritualidade na
educação. Eu sou católica, mas tenho
uma visão ecumênica e acho que os
metodistas têm esse dom de trabalhar
com delicadeza e energia a questão da
espiritualidade, a concepção da
relação do ser humano com a re-ligação, o religare ao mais transcendente.
Desse lugar da professora que,
como outros colegas, na Câmara de
Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação – CNE, receberam a
incumbência de relatar as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a
Educação, gostaria de refletir sobre
nossas responsabilidades,
sobre
nossas alegrias e nossos prazeres.
Gostaria de falar sobre esse ofício de
resguardar a capacidade de ser humano na entrada do terceiro milênio e,
oxalá, sempre, pois a ação exercida
pela educação passa para as outras gerações. A boa palavra, a boa semente,
a boa escrita são coisas que
permanecem. Assim, é nesse espírito
que gostaria de discutir a importância
das diretrizes nessa perspectiva de ser
humano.
A elaboração das Diretrizes foi um
esforço coletivo, um dos maiores desafios nacionais que já enfrentei.
Quando era secretária municipal do
Rio de Janeiro, acreditava que não
haveria nada mais difícil. A cidade
mantém a maior rede pública
municipal de ensino do País, com 1.033
escolas, 40 mil professores e cerca de
700 mil alunos. No entanto, quando
fomos incumbidos de escrever as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica, encaramos um desa-
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fio bem maior. Afinal, são 5.500 municípios em todo o Brasil. É uma grande
diversidade, ainda bem; mas infelizmente,
também
uma
enorme
desigualdade. E esse é um dos grandes
desafios que temos que enfrentar neste
terceiro milênio: a busca da igualdade
na diversidade; a igualdade de
oportunidades num país ainda muito
desigual, injusto nas oportunidades
educacionais que oferece à sua
população, principalmente às famílias
de baixa renda.
Para dar continuidade ao meu raciocínio, é importante deixar bem clara a diferença entre Parâmetros e
Diretrizes Curriculares Nacionais. A
Lei de Diretrizes e Bases da educação
consagra uma decisão da maior importância sob o ponto de vista educacional, que é a de definir o Brasil
como um país que não terá um currículo nacional. Desse modo, foi
conferida a cada unidade da federação, a cada secretaria estadual ou municipal e, mais do que isso, a cada
equipe de cada unidade escolar, a autonomia para elaboração de suas próprias propostas pedagógicas e
curriculares. Ora, isso coloca nas
mãos de nós, educadores, uma independência oficializada pela lei, que
nunca tivemos. Seja no sistema público ou privado, cada equipe pedagógica tem o direito de definir quais as
influências teóricas que deverão iluminar as suas práticas pedagógicas,
através das propostas curriculares.
Por outro lado, o MEC definiu os
chamados Parâmetros Curriculares
como uma contribuição aos sistemas
brasileiros de ensino, no sentido de
orientar suas práticas pedagógicas,
mas sem obrigatoriedade. Eles são
uma contribuição feita pelo governo
federal para um país onde, em muitos
lugares, devido à desigualdade, não há
Cada escola tem
autonomia para
elaboração de suas
próprias propostas
pedagógicas e
curriculares
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pessoal qualificado, o material é escasso e a distância de universidades, centros de pesquisa e bibliotecas é grande.
É importante que isso fique claro.
Os Parâmetros são uma contribuição;
no entanto, trazem um recorte teóricometodológico. Já as Diretrizes CurricuAs Diretrizes
lares Nacionais, estas sim, são
Curriculares Nacionais
são mandatárias por
mandatárias por força de lei, mencioforça de lei
nadas pela LDB como aquelas que orientarão, obrigatoriamente, as práticas
pedagógicas dos 5.500 municípios braA estética, muitas
sileiros.
vezes, está ausente das
Por isso é tão desafiador escrever práticas pedagógicas,
que se tornam
essas Diretrizes – porque cabe ao Conselho Nacional de Educação defini-las cansativas e monótonas
para toda a Educação Básica,
composta pela Educação Infantil e pelo
Ensino Fundamental, e para o Ensino
Médio.
Coube-me, então, a responsabilidade de escrever as Diretrizes para
a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, contando, para isso, com
a colaboração de colegas como o
professor Almir de Souza Maia e a
professora Guiomar de Melo, ex-aluna do Colégio Piracicabano que escreveu as Diretrizes Curriculares
para o Ensino Médio.
Princípios éticos, políticos
e estéticos da educação
Agora, podemos partir para uma reflexão que, eu imagino, seja feita por
vocês educadores a cada manhã, que
diz respeito ao papel da escola, ao
papel das instituições metodistas.
Iniciamos, então, uma análise de qual
seria o nosso trabalho num país com
múltiplas religiões, com múltiplas
etnias e com múltiplas situações
culturais, econômicas e sociais.
Depois de debater muito e ouvir
muitos educadores pelo país, definimos que é preciso dizer de onde sa-
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Nosso trabalho como
educadores exige que
definamos o que é
trabalhar autonomia,
solidariedade e
responsabilidade
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ímos e para onde queremos caminhar com os nossos alunos e professores. A partir daí, decidimos
trabalhar com um conjunto de princípios éticos, políticos e estéticos.
A estética, muitas vezes, está ausente das práticas pedagógicas, que se
tornam cansativas e monótonas. Nós
quisemos, com a normatização, definir a escola como um lugar onde o
prazer, a beleza e a alegria têm que
estar presentes, de uma forma múltipla, diversa. Trabalhamos, então,
com a concepção de quem somos
nós, educadores, quem são nossos
alunos e quem queremos que eles
sejam, nessa trajetória de entrada no
mundo da cidadania plena.
O caminho pela escola é um caminho que abre portas para a cidadania plena, isto é, para o exercício
de direitos e deveres, da democracia
tão recente. Por isso, achamos necessário definir certos princípios éticos
que, para nós, são sagrados. O primeiro deles é o princípio da autonomia, ou seja, cada um com o direito
de pensar a partir da sua própria capacidade de perceber o mundo, da
sua cultura, da sua história, da sua
trajetória. O segundo é o princípio da
solidariedade; afinal não estamos
sós, fazemos parte de uma nação.
Assim, a ética, necessariamente, se
complementa com os princípios da
autonomia e da solidariedade.
Se temos professores, diretores e
alunos autônomos e solidários, certamente teremos pessoas muito mais
responsáveis, que de fato assumam
que ser humano é se importar, é olhar
o lado do outro. O nosso trabalho
como educadores – e isso precisa ficar
explicitado nas nossas práticas
pedagógicas, através da definição de
uma proposta curricular – exige que a
gente defina o que é trabalhar a autoAno
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mos que considerar o direito a uma
vida digna, na qual a convivência seja
prazerosa, respeitosa e feliz, mas onde
haja limites e critérios de convivência
pré-estabelecidos. Para que isso seja
possível, é necessário que se faça a escolha pela ordem democrática. Claro
que ainda falta muito para que possamos viver esse ambiente de democracia. No entanto, se não fizermos a
nossa parte como educadores discutindo, dentro das escolas, o que é política, o que é convivência democrática,
o que são direitos e deveres, isso vai
tardar mais ainda. É um conjunto de
ações que fará do Brasil um país mais
humano, mais fraterno, mais democrático; um país onde todos tenham de
fato direitos iguais.
Finalmente, a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais foi guiada
também por um conjunto de princípios
estéticos, que são os princípios da sensibilidade, da criatividade e do acolhimento à diversidade cultural. A partir
deles, verifica-se como as propostas
pedagógicas, na constituição de conhecimentos e valores, trabalham com
uma pedagogia da sensibilidade, do
dom da leveza – de que fala Ítalo
Calvino em seu livro “Seis Propostas
para o Próximo Milênio” – de perceber
o ponto de vista de 30, 40 alunos. É a
sensibilidade que vai permitir que a
criatividade não seja apenas uma
moda, mas um comportamento real de
professores e alunos. E é isso que vai
proporcionar a possibilidade de acolhimento da diversidade cultural que
existe em cada sala de aula. A questão
da diversidade cultural e a exigência
de sensibilidade por parte dos educadores, para que eles possam recriar
práticas pedagógicas a cada ano letivo, é imprescindível.
Falamos, então, do conjunto de
princípios que compõem a Primeira
nomia, a solidariedade, a responsabilidade e, em conseqüência, a opção
pelo bem comum. E isso significa trabalhar os princípios éticos desde as decisões que parecem prosaicas,
pequenas, cotidianas, até decisões
maiores, que têm a ver com o próprio
regimento das escolas e dos grêmios Para uma convivência
escolares, que são uma das mais prazerosa e respeitosa,
é necessário que se
importantes instituições dentro da esfaça a escolha pela
cola, pois reumanizam o ambiente e
ordem democrática
levam os alunos a viverem a própria
situação da cidadania, do voto, da
vitória, da derrota e da manutenção do
desejo da maioria e da busca do bem
comum.
O segundo conjunto são os princípios políticos. Esses princípios são
consagrados na Constituição Federal
de 1988 em seu Estatuto da Criança e
do Adolescente. O problema da
violência contra a criança e o
adolescente que é perpretada em casa
é cada vez mais sério neste país. A
violência é punida pela lei; antes disso, no entanto, é importante que as escolas tenham refletido junto com os
pais, mostrando que as crianças têm
direitos. As crianças brasileiras que
não vêem o reconhecimento de seus
direitos ao carinho, ao acolhimento, à
saúde e à educação com qualidade
farão atos contra a sociedade e cometerão infrações. Na medida em que esses direitos forem respeitados e que
problemas como trabalho precoce,
gravidez precoce, prostituição infantil
e adolescente, violência, drogas, Aids
e doenças sexualmente transmissíveis
sejam realmente enfrentados por nós
A questão da
na escola, em casa e na comunidade, diversidade cultural e
a exigência de
esse quadro de barbárie será
sensibilidade por
revertido.
parte dos educadores
Temos que lidar com esses direitos
é imprescindível
e deveres da cidadania através de nossas práticas pedagógicas explicitadas
em nossas propostas curriculares. TeRevista de Educação do Cogeime
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Diretriz Curricular Nacional, cujo objetivo principal é iluminar a maneira
de cada equipe pedagógica, de cada
professor criar e recriar suas
propostas pedagógicas.
A questão da identidade
A Segunda Diretriz Curricular Nacional trabalha a questão da identidade de alunos, de professores e das
próprias instituições escolares. Nossas salas de aula têm alunos que trazem raízes africanas, européias,
asiáticas, indígenas; nós temos a capacidade de entender nossa feminilidade ou masculinidade e, ao
mesmo tempo, nossa herança étnica. Como isso se expressa nas nossas práticas, de que maneira somos
capazes de perceber isso na presença de nossos alunos?
A questão da identidade se manifesta através de aspectos relacionados
ao gênero, por exemplo. Insisto em que
não são questões referentes a sexo
porque não se trata apenas da
diferença biológica, mas também da
cultural. As pessoas – alunos e
professores – têm preferências sexuais
e essa questão, assim como o
homossexualismo, deve ser abordada
nas escolas.
Outra questão diz respeito à afirmação, feita muitas vezes, de que o
povo brasileiro não é racista. Na
verdade, há muito racismo no país; vêse muito pouco a manifestação e o
orgulho da herança africana em nossas
escolas. Os livros de história, os
brinquedos e os cartazes não reconhecem a importância do raízes africanas
para o Brasil.
Vemos, ainda, o desprezo e a ignorância em relação aos povos indígenas.
Também foram escritas as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educa-
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ção Índígena, o que resultou na realização de uma audiência pública com
os povos indígenas no CNE. Felizmente, hoje já está definida legalmente a
possibilidade de educação bilíngüe e
trilíngüe para as populações indígenas.
Mas a diversidade não diz respeito
só à Língua. Refere-se, também, à cultura que é passada na História, na Geografia, nas Ciências. É essa visão
étnica das nossas propostas pedagógicas que vai nos tornar mais humanos, mais brasileiros. O que é ser
brasileiro? Qual a História do Brasil
que nós contamos? Quais os conhecimentos das Ciências que nós trabalhaJoão Ubaldo Ribeiro
mos? Que reconhecimento nós damos
reconstitui a época das
à força dessas populações de etnias vainvasões holandesas e
mostra quem somos de
riadas na constituição do povo
verdade
brasileiro? João Ubaldo Ribeiro, em seu
livro “Viva o povo brasileiro”,
reconstitui a época da invasão holandesa na região Norte do País e, ao mesmo tempo, mostra quem somos de
A questão da
identidade se manifesta verdade – uma mescla que inclui
negros, europeus, indígenas e, mais reatravés de aspectos
relacionados ao gênero centemente, asiáticos. De que maneira
isso se expressa em nossas práticas?
Como são reconhecidas as formas eficazes usadas por outras populações
brasileiras para resolverem seus
problemas e conviverem entre si? É a
essas questões que a identidade se refere. As Diretrizes Curriculares
Nacionais insistem que esse é um aspecto importantíssimo a ser levado em
conta na definição de currículos e
práticas pedagógicas.
Educação e cidadania
No conceito de paradigma curricular. Não se trata de um modelo de
grade curricular, mas sim de uma indicação do que não pode faltar em nenhum currículo brasileiro. Qualquer
que seja a proposta curricular adequa-
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seu estado, que está dentro de seu
país, que está dentro de seu continente e assim por diante deve ser
trabalhada com os alunos. Nosso
planeta é frágil e o equilíbrio ecológico – da natureza e dos seres humanos com a natureza – depende da
adoção dessa postura. Temos que
reumanizar nossas práticas pedagógicas a partir dessa visão; sem isso,
como já se prevê, o futuro dos nossos filhos e dos nossos alunos será
difícil. É preciso que discutamos, no
interior das escolas, a delicadeza da
vida nesse planeta e a nossa responsabilidade.
Finalmente, outro aspecto trabalhado por todas as Diretrizes Curriculares diz respeito à gestão
democrática de qualidade das nossas
escolas. Como vocês administram
suas escolas? Há múltiplas formas de
se avaliar a eficácia do nosso trabalho. Mas é importante refletir sobre
quais são as estratégias que utilizamos para gerir as equipes de trabalho que reunimos. Esse conjunto de
diretrizes é o que nos inspira, nesse
final/início de século e de milênio, a
reumanizar nosso trabalho e tornálo melhor, mais prazeroso e com efeitos visíveis não só em nossa
comunidade mas, aos poucos, em
nosso país.
da, não se pode deixar de fora o
paradigma curricular que veremos a
seguir. Esse é o desafio: a base comum
nacional, determinada pela LDB e composta pela língua materna, a Língua
Portuguesa, a Matemática, as Ciências,
Nosso planeta é frágil
a Geografia, a História, a Educação Are o equilíbrio
tística, a Educação Física e a Educação ecológico depende da
Religiosa tem, necessariamente, que adoção dessa postura
interagir com aspectos da vida cidadã,
ou seja, com questões ligadas à saúde,
à sexualidade, à vida familiar e social,
ao mundo do trabalho, ao mundo da
ciência e da tecnologia, ao meio ambiente, à cultura e às linguagens artísticas e tecnológicas.
Portanto, o paradigma definido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais
não é a única forma de se elaborar um
currículo, mas é que o Conselho Nacional de Educação, após consultar
uma ampla gama de educadores brasileiros, definiu como a melhor maneira para que os educadores possam
organizar suas propostas curriculaEsse conjunto de
res, articulando conhecimentos e va- diretrizes é o que nos
inspira, a reumanizar
lores com a vida cidadã.
nosso trabalho
Um outro aspecto importante diz
respeito ao planejamento, ao desenvolvimento e à avaliação da prática
pedagógica das escolas. Não há como
dizer que uma prática é de qualidade se ela não for avaliada. Externamente, já existem o SAEB – Sistema
de Avaliação da Educação Básica e o
ENEM – Exame Nacional do Ensino
Médio. Além disso, no entanto, é importante que os sistemas criem suas
ferramentas de avaliação interna.
As Diretrizes Curriculares Nacionais ressaltam, ainda, que a educação tem que se preocupar com o local, o regional e o global. Somos
partes de uma galáxia, de um universo infinito. Essa visão holística de
que somos indivíduos dentro de uma
pequena aldeia, que está dentro de
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Propostas para o próximo
milênio
Concluindo, gostaria de retomar as
“Seis Propostas para o Próximo Milênio” feitas por Ítalo Calvino. Elas me
parecem muito interessantes, porque
tratam do que se espera que os seres
humanos sejam capazes de ser e de fazer no próximo milênio. Calvino escreveu esse livro num momento de grande perplexidade. Ele dedicou sua vida
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à literatura e, antes de falecer (esse livro resultou do texto de seis conferências que ele faria na Universidade de
Harvard), se perguntava se, no terceiro
milênio, os livros desapareceriam por
causa da informática, da televisão e da
tecnologia. Suas palavras nos levam a
concluir que não – o livro jamais desaparecerá, assim como a escola e nós,
professores, jamais desapareceremos.
Claro que nós e as escolas nos transformaremos. O que Calvino coloca é
que precisamos ter mais leveza na maneira de ser, de conviver e de trabalhar.
Leveza não significa superficialidade, mas delicadeza, sensibilidade no
trato consigo mesmo. Aqueles de nós
que já ultrapassaram a barreira dos
50 anos sabem o quanto é importante
ter paciência com nós mesmos. Precisamos ter a sensibilidade de saber
conviver com os próprios limites e
também com as próprias capacidades. Depois dos 40, dos 50 anos, a gente perde o medo. Para mim, isso é uma
vantagem, pois nos estimula a realizar, ainda que tenhamos outros medos e peçamos a Deus para que nos
dê uma boa saúde e que mantenha
nossa capacidade de trabalhar e de
nos transformar.
Estamos educando as gerações
do terceiro milênio, que vai precisar
dessa leveza e sensibilidade para viver e conviver bem. Ao mesmo tempo, neste final de milênio, leveza e
sensibilidade exigem rapidez, já que
nosso mundo se caracteriza pela necessidade de resolver muitas coisas
rapidamente. No entanto, vamos ter
que resguardar uma coisa muito importante, que é a exatidão – ou seja,
nós não podemos, nesse caminho de
leveza e rapidez, ser superficiais.
Nossos alunos têm que fazer escolhas com muita rapidez. A vida não
vai esperar por eles com esperou por
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As companhias
telefônicas importam
mão-de-obra, num
país que sofre de
desemprego
Um lugar como a
UNIMEP é
importantíssimo para
o país nesse momento
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nós, os mais velhos, que tivemos
mais tempo para fazer opções. O Brasil da nossa juventude é muito diferente do Brasil da juventude de
nossos filhos. As opções têm que ser
feitas com exatidão e rapidez mas,
por outro lado, temos que ser capazes de fazer visível para os alunos a
qualidade daquilo que produzimos.
Quem dá valor à educação no Brasil? Só agora começamos a ver um número maior de pessoas dizendo que
sem educação não há solução, porque
isso está começando a doer no bolso
do empresariado e a prejudicar a capacidade de competitividade do país
no mundo globalizado. Está ocorrendo a privatização de vários serviços
públicos e vivemos um dilema – não
existe, no Brasil, um número suficiente de pessoas capacitadas a gerir e a
trabalhar, sob o ponto de vista técnico, com várias das novas tecnologias
de comunicação telefônica, por exemplo. As companhias telefônicas importam mão-de-obra, num país que sofre
de desemprego. Isso acontece porque
ainda não tivemos a capacidade de
antecipar o que vem por aí.
Um lugar como a UNIMEP é importantíssimo para o país nesse momento,
exatamente para antecipar esses passos, esses caminhos. Quando falamos
na possibilidade de, com a exatidão,
fazer visíveis as nossas capacidades,
é disso que estamos falando – educar
para a competência, fazem com que
nossa educação tenha valor e que
nossos alunos, além de conhecerem,
serem e conviverem, possam adaptar
aquilo que aprenderam às novas
exigências do mundo do trabalho e da
sociedade brasileira.
Outra situação é que vivemos num
Brasil múltiplo e, por isso, as Diretrizes Curriculares se referem a um país
com diversidade étnica, política, es-
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tética, espiritual. Nós precisamos, no
âmbito de nossas atividades pedagógicas, ter competência de dar à luz
essa multiplicidade. A multiplicidade
é uma questão sobre a qual poderíamos discutir horas, porque ela traz
dentro de si aquilo que anunciamos
quando começamos a discutir a identidade – a variedade de situações e de
modos através dos quais as pessoas
aprendem. Uma conseqüência prática
disso é que os cursos de Pedagogia e
as licenciaturas precisam formar educadores que tenham todas essas capacidades. O novo educador brasileiro que se exige para essa educação é
aquele que conhece muito de psicologia do desenvolvimento e de antropologia cultural e tem uma formação
em filosofia e em princípios espirituais (seja qual for a denominação religiosa à qual pertence), além de conhecer as áreas da informática e da
comunicação de massa.
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Encerro dizendo o seguinte: este
país tem um caminho. Eu acho que
grandes passos foram dados nesses
últimos anos por nós e por órgãos governamentais. A criação do FUNDEF
– Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e a definição das
Diretrizes são importantíssimas nesse sentido. Gostaria de terminar com
uma frase de Sêneca, um pensador latino, que dizia: “não há ventos favoráveis para quem não sabe aonde
vai”. Eu acredito que todos sabemos
para onde vamos. Muitas vezes, no
entanto, vamos precisar de um timoneiro experiente e com capacidade de
gestão. Uma iniciativa com esta, o Encontro Nacional de Educação, mostra isso – vários timoneiros experientes, trazendo outros para lhes dizer:
“escutem, o curso dos ventos nos
leva para lá, mas que tal se modificarmos um pouco a rota e fizermos
uma nova opção?”.
A criação do FUNDEF e
a definição das
Diretrizes foram
importantíssimas
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