judeus no rio REJ - Congregação Judaica do Brasil

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judeus no rio REJ - Congregação Judaica do Brasil
JUDEUS CARIOCAS NO RIO DOS OITOCENTOS
Reginaldo Jonas Heller *
Resumo: Esta comunicação tem o propósito de adicionar “um ponto ao conto”
na história dos judeus no Rio de Janeiro, sugerindo caminhos para uma pesquisa mais
substantiva, enfocando sua presença na capital do Império e nos primeiros anos da
República sob o prisma do estudo das migrações e suas conseqüências nas
transformações identitárias. Neste mesmo período, os judeus imigraram também para
outras regiões do País, mormente para a Amazônia, onde construíram a primeira
comunidade judaica organizada no Brasil. Um tema que tratei em monografia
específica sobre “Os judeus do Eldorado” (HELLER, 2006).
Palavras-chave: judeus cariocas, Rio Imperial, imigração e identidade.
A presença de judeus na cidade do Rio de Janeiro durante o século XIX é, ainda,
um capítulo de nossa história a ser mais bem escarafunchado. A capital do Império e da
República, nos seus primeiros anos, nada tinha que lembrasse os tempos coloniais ou da
modernidade urbana implantada pelo Prefeito Pereira Passos. Um de seus maiores
cronistas, o jornalista Luiz Edmundo, assim definiu a cidade naquela época: “O Rio de
Janeiro do começo do século, com menos de 600 mil habitantes, já não lembra mais,
em 1901, a ‘Cafraria Lusitana’ dos primeiros decênios da centúria anterior.” E, sem se
referir diretamente aos judeus, retratava a cidade de uma forma tal que a presença deles
deveria ser, de alguma forma, marcante, especialmente os do Norte da África, então a
maioria:
Quando muito lembrará certas cidades do sententrião africano, as da orla do
Mediterrâneo, Tanger, Alexandria ou Ora, com a sua população descalça e mal vestida, as suas
toscas lojas de comércio, de toldozinho esgarçado à frente e o homem de feição árabe, ao
fundo, vendendo a mercadoria. (LUIZ EDMUNDO, 1938/1984: 1).
Sobre essas gentes, prossegue o cronista: “para os moradores, os portugueses
são os abacaxis ou os galegos; chamam-se carcamanos ou malachetas aos italianos. Os
alemães são chucrutas, os sírios, turcos, ... É uma babel enorme!” (idem.:134).
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E resumindo a impressão que um estrangeiro teria ao aportar na cidade, completa: “O
Rio da época ainda é um miserável povoado, sem grandes hotéis de luxo, sem
numerosas carruagens e, sobretudo, sem conforto e sem chique”. (idem: 295).
Talvez, a diferença esteja, exatamente, na formação social da cidade: nos
setecentos colonial, fechada; nos oitocentos, aberta à imigração. Assim, se o Rio de
Janeiro já, antes, em meados do século XVIII, havia sido cenário para a existência de
uma comunidade de cristãos-novos, geralmente vindos de Portugal, e de tal modo
encorpada que chamou a atenção dos familiares da Inquisição à época, no final do
século seguinte a presença de judeus era proporcionalmente irrisória. Mas, certamente,
em melhores condições para se organizar e criar instituições comunitárias, jamais
imaginadas por seus antecessores “de nação”. A “comunidade cristã-nova”, (sic),
vivendo no Rio de Janeiro em torno de 1750, representava no mínimo 6% da população
total e 24% da população branca de aproximadamente 20 mil pessoas (GORENSTEIN
E CALAÇA, 2002:101).
Livres da discriminação pela “mancha de sangue”, praticamente desapareceram,
como as “dez tribos”, num processo praticamente irreversível de assimilação. Mais de
um século depois, a incipiente comunidade judaica que, então, se organizava no Rio de
Janeiro, somava apenas alguns poucos milhares, representando um percentual mínimo
em relação a população total da cidade. Mas, ao contrário de antes, esses judeus
imigrados buscaram no seu novo habitat uma nova forma de ser judeu.
Os números estimados para a população judaica na Província são contraditórios:
o The American Israelite, um jornal judaico publicado em Cincinatti, Estados Unidos,
contava, em 1890, apenas 200 judeus no Rio de Janeiro. Uma outra estimativa dá conta
de uma imigração de 500 judeus entre os anos 1840 e 1880. Ambos os cálculos parecem
não corresponder à documentação existente. Já o Allgemeine Zeitung des Judenthums,
editado na Alemanha, afirmava existir, em 1903, três mil judeus (AZJ, 16-1-1903 IN
WOLFF,1979; 30).
João do Rio, como era conhecido o jornalista Paulo Barreto, que, como Luiz
Edmundo, tanto se notabilizou por sua crônica da cidade, escreveu no jornal Gazeta de
Notícias em 1904, mais tarde transformado no livro “As Religiões do Rio” que “o Rio
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tem uma vasta colônia semita ligada à nossa vida econômica... cerca de quatro mil
famílias... dez mil judeus... Há judeus franceses, quase todos da Alsácia e Lorena,
marroquinos, ingleses, turcos, árabes...” (WOLFF, 1979: 31). Naquela mesma época, a
população do Rio de Janeiro passara de 520 mil, em 1890, para 810 mil em 1906. Ou
seja, a participação dos judeus não passava de 1,3%, na melhor das hipóteses
(BENCHIMOL, 1985: 601).
Na verdade, os números da publicação alemã e do jornalista brasileiro parecem
mais coerentes com os levantamentos feitos pelo casal Egon e Frieda Wolff através dos
processos de naturalização de judeus no século XIX, bem como dos diferentes registros
de trânsito e imigração, casamentos e óbitos, testamentos, notícias e anúncios saídos na
imprensa.
Desde o início da imigração de judeus para o Brasil Independente, a cidade do
Rio de Janeiro foi uma das duas principais portas de entrada. A outra foi Belém. Antes
de 1808, essa hipótese era impossível, uma vez que era vedada a presença de judeus em
todo o Império Português. Apenas, após o Tratado de Amizade com a Inglaterra, em
1808, chegam à então sede do reino os primeiros comerciantes judeus a quem foram
estendidos os mesmos privilégios inicialmente destinados aos cristãos não católicos. Os
súditos de Sua Majestade podiam, assim, entrar no Brasil, fossem quais fossem suas
opções religiosas. Além destes, há registros de viajantes, a maioria a negócios, que
transitaram pela capital do Império ainda antes da Independência.
O mais antigo registro da presença de um judeu no Brasil, ainda antes da
Independência, é o de Leon Cohn, inglês, que aqui se estabeleceu definitivamente. Seu
filho, Francisco Leão é citado, em 1849, como coronel da Guarda Nacional. John
Samuel, também inglês, teria sido o segundo, aqui aportando em 1816. Mas já em 1810
funcionava no Rio a firma judeu-inglesa Samuel & Philips (WOLFF, 1999). E nessa
leva vieram representantes comerciais, ingleses, franceses e alemães. Aqui ficaram uns;
outros retornaram aos países de origem e, alguns poucos seguiram para outros destinos
na América do Sul ou do Norte. Eram judeus sefarditas ingleses ou franceses e
ashquenazitas alemães ou russos.
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JUDEUS SEFARDITAS E ASHQUENAZITAS
Mas se nas primeiras décadas do Brasil Independente, a predominância entre os
imigrantes judeus era de sefarditas ingleses e franceses, geralmente, homens de
negócios e representantes de firmas comerciais européias, já a partir de meados do
século, aqui chegaram, em maior número, os imigrantes asquenazitas e marroquinos.
Assim, considerando o levantamento feito com base nos processos de naturalização,
esta primeira leva de imigrantes que se arrastou por mais de três décadas a partir da
Independência, ou seja, até meados da década de 1850, teve, inicialmente, uma
predominância sefardita, sucedida por uma crescente imigração de asquenazitas.
Do total de 267 processos relativos a residentes na cidade do Rio de Janeiro
durante todo o século XIX, apenas 30 ocorreram antes de 1880, o que indica a presença
de muitos outros judeus residentes na cidade embora cidadãos de outros países. E
daquele total, os judeus ingleses, franceses, alemães, russos, romenos e húngaros
somaram, em conjunto 66 processos de naturalização.
Os demais processos de naturalização são relativos em sua esmagadora maioria a
judeus que emigraram do Magreb (norte da África, especialmente do Marrocos) cuja
presença maior passa a ser mais intensamente registrada ao longo das três últimas
décadas do século XIX. Daqueles mesmos 267 processos, 163 referem-se a estes
sefarditas marroquinos, aqui aportados neste período. Um movimento semelhante
ocorreu no Norte, para onde se dirigiram os judeus marroquinos em busca do Eldorado.
Os demais 33 processos analisados não indicam o país de origem ou fazem-no com
imprecisão. Ainda, daquele total de processos levantados e analisados, quase 45% (118)
foram apreciados na última década do século XIX; 32% (85), na década anterior.
Esses números servem unicamente como amostragem estatística para a análise
do perfil da comunidade judaica do Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX.
Não podem ser considerados como números indicativos do quantitativo efetivo desta
mesma comunidade. Isto porque muitos judeus que para cá vieram não se
naturalizaram; constituíram famílias com filhos e esposas nascidos no Brasil e, portanto,
não necessitavam de naturalização; ou seguiram para outros estados, especialmente, São
Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco onde foram registrados. Abraham Roth,
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que veio em 1857, acabou se estabelecendo em Alegrete no Rio Grande do Sul, ou Isaac
Amzalak que chegou em 1828 e Jomtob Serfaty no Rio, em 1845, que logo foram para a
Bahia. Há o caso de Isaac Benlisha, no Rio em 1846 que reemigrou para Valparaíso no
Chile (WOLFF, 1987). Da mesma forma, não estão incluídos os muitos judeus oriundos
do Marrocos que emigraram para Belém, lá se naturalizaram e depois vieram, eles
próprios ou seus descendentes, ou outros que por lá entraram no país, para o Rio de
Janeiro. Entre eles, José Sicsú e alguns de seus filhos, que já ao final do século estavam
no Rio.
Mas, afinal, quem eram esses judeus que por aqui aportaram ao longo do século
XIX. Por que saíram de seus países? Por que vieram para o Brasil e especificamente
para o Rio de Janeiro? Que faziam? Enfim, qual o perfil desta comunidade? Tem sido
muito comum a um observador leigo – e essa tem sido uma das mais trágicas
estereotipações da história das sociedades – homogeneizar os grupos sociais como se
houvesse tipos étnicos padronizados. Ao se reduzir a escala da observação, pode-se
constatar uma diversidade de tipos dentro de um mesmo grupo social. São os subgrupos,
caracterizados pela diferença de status, de pertinência (sub-grupal, nas várias redes de
afinidade – econômicas familiares ou cultural), sem falar nos muitos casos que não
chegam a se enquadrar em nenhum dos padrões sociais por mais restrito que seja.
Dessa forma, por exemplo, superpõe-se à já consagrada classificação dos judeus
entre ashquenazitas (originários da Alemanha e do leste europeu) e sefarditas
(originários da Península Ibérica), a diferenciação entre judeus ricos e pobres, dando
origem à diversidade profissional e à diferença de status na sociedade maior; ou de
judeus religiosos e não religiosos, os quais incorporam as tradicionais forças sempre
presentes
na
judeidade
ocidental,
constituídas
pelas
tendências
centrífugas/
assimilacionistas e centrípetas/ conservadoras.
Ilustrativo dessa associação de status com origem é o fato de as principais
casas comerciais de propriedade de judeus no Rio pertenceram, à época, aos judeus
sefarditas ingleses e franceses e a ashquenazitas, principalmente alemães e austríacos.
Esses dois grupos constituíam a elite econômica da comunidade. Eram corretores de
fundos públicos, altos funcionários de empresas estrangeiras, comerciantes por atacado,
importadores de produtos finos e manufaturados e exportadores de produtos tropicais
(café, em especial). Eram comerciantes estabelecidos nas principais ruas da cidade, com
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joalherias, magazines e algumas indústrias leves. Entre algumas destas famílias de
maior destaque estavam os Hime, os Bloch (franceses), os Dreyfus, Ornstein e muitos
outros listados em detalhes pelo casal Wolff.
Em 1855, certamente já havia a possibilidade de reunir um “minian” (grupo de
10 judeus, número mínimo necessário para a realização de um serviço religioso
completo). Muitos deles acumulavam duas nacionalidades tão logo tiveram seus
processos de naturalização aprovados. Elkim Hime, Isey Levy, George Hudson,
Sigmund Jacobson, a maioria inglesa, descendia de antigas famílias sefarditas que
saíram de Portugal ou da Espanha e foram para Inglaterra fugindo da Inquisição. Os
judeus ingleses e holandeses que no início da Idade Moderna integraram-se no nascente
mercantilismo e um insinuante pré-capitalismo, especialmente no que se passou a
chamar Sistema Atlântico, perceberam, no início do século XIX, as novas
oportunidades de negócios que se ofereciam no rastro do Tratado de 1808. Entre
algumas destas firmas estavam Ornstein & C.; J. Dreyfus & C.; LEVY Frères & C.;
Samuel Irmãos & C.
Elkim Hime era corretor de gêneros alimentícios desde antes de 1843; Isey Levy
chegou em 1838 e era editor. Samuel Keller, por exemplo, e Joseph Levy, este um
boticário que aqui vivia em 1837, voltaram para Inglaterra. As áreas residenciais,
também, eram mais afastadas do centro nervoso e, à época, insalubre do centro da
cidade. A preferência era por Laranjeiras, Catete e Botafogo, na zona sul, ou Engenho
Velho, Engenho Novo e São Cristóvão, na então zona norte da cidade.
Devemos lembrar que até a Reforma Pereira Passos, o quadrilátero localizado
entre a Praça da Aclamação (hoje, Praça da República), até o Paço Imperial, ou da
Saúde até a Lapa, era tido como foco das principais epidemias na cidade. E os judeus
não estavam imunes a esse risco. Levantamento de óbitos entre judeus no período que
vai de 1892 e 1906 revela que dos 180 casos considerados, 20, ou 11% eram
decorrentes de febre amarela ou tifóide (WOLFF, 1979: 373).
A maioria dos judeus sefarditas marroquinos ou do Magreb residia nestes bairros
mais pobres do centro da cidade. Essa imigração, numa escala bem maior do que aquela
dos ingleses, alemães e franceses não se deu no rastro da expansão comercial européia.
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Eles foram expelidos por guerras e perseguições em seus países de origem. Também,
buscavam a “fortuna” no novo mundo e para isto aceitavam a grande barganha que se
lhes oferecia. Para eles, no dizer de Bernardo Sorj, “a modernidade implicou numa
barganha na qual recebia a igualdade de direitos e abria mão de suas instituições
jurídicas e de vida comunitária diferenciada” e autônoma (SORJ, Bernardo IN SORJ,
Bila: 1997; 19). Uma negociação encetada, primeiramente, na Holanda e Inglaterra e
consagrada na França pós-Revolução.
E, de fato, apesar de algumas restrições, como as limitações para
estabelecimento de “casas de oração” e criação de cemitérios próprios, o cotidiano
desses imigrantes não era afetado pelo fato de professarem uma religião diferente
daquela oficial de Estado, ou carregarem consigo os traços de uma outra etnia.
Ao contrário do que aconteceu algumas vezes no Norte, onde ocorreram
manifestações violentas contra os comerciantes judeus, a convivência na sociedade local
carioca era mais pacífica. O clima de tolerância era evidente até na postura oficial, salvo
exceções ocasionais. É notório, hoje, o interesse que o Imperador nutria pelas coisas
hebraicas.
Os alsacianos e os de Lorena vieram, em grande número, após a guerra francoprussiana (1870) em que aqueles dois territórios franceses foram perdidos para a
Alemanha. Os judeus franceses que lá viviam emigraram em massa. Muitos
marroquinos vieram “expelidos” pela guerra hispano-marroquina de 1869/70, embora
ainda antes muitos deles buscassem no Novo Mundo novas oportunidades econômicas e
uma condição civil alternativa àquela de “dimmi” prevalecente no mundo islâmico. Ao
contrário dos demais países do Magreb, dominados pela França, foi o Marrocos
espanhol que experimentou um fluxo de emigração mais acentuado. Esse processo foi
bem explicado por Sarah Leibovici:
“É sabido que, entre os judeus marroquinos, emigraram, sobretudo, os do norte – o
que será zona de protetorado espanhol – movimento que chegou a ser hemorragia na última
década do século XIX, particularmente em Tetuan... Buscar a fortuna no Novo Mundo foi,
então, o sonho de muitos. Não poucos realizaram, apesar das dificuldades e perigos em vários
países da América do Sul”. (LEIBOVICI, 1992:241).
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Assim, a grande maioria dos judeus que imigraram para o Brasil – e, também,
para a Argentina e Venezuela – no último quarto do século XIX tinham origem no
Marrocos, especialmente, nas áreas sob protetorado espanhol. Antes, alguns judeus
ainda guardando na memória uma identidade portuguesa chegaram ao Brasil recém
independente, como o já citado Isaac Amzalak ou Arão Benjamim, nascido em 1793,
negociante nos Açores em 1825, e que emigrou para o Brasil em 1835 com mulher e
três filhos. Seu irmão, José, chegou logo depois, em 1838. Portanto, muitos imigrantes
que vieram na primeira metade do século XIX eram marroquinos portadores de
passaportes portugueses ou espanhóis o que, de certa forma, acabou gerando algumas
distorções nos estudos sobre a imigração no período. Gladys Ribeiro, por exemplo,
afirma que foram 5.439 imigrantes de outras nacionalidades, quando é bem possível que
o número seja bem maior. (RIBEIRO, 2002).
A GRANDE BARGANHA IDENTITÁRIA
Alguns cronistas enfatizam o papel da Aliança Israelita Universal na promoção
da emigração de judeus marroquinos. Isso é fato, mas não especificamente em relação à
América do Sul. Aquela entidade, criada por judeus franceses para difundir os novos
ideais liberais entre as comunidades judaicas dos países periféricos, produziu uma
efetiva ocidentalização da judeidade magrebiana no século XIX e induziu muitos a
emigrarem para as regiões sob domínio francês, como Oran, Tunis e Argélia, e até para
a própria França.
Mas a análise daquela amostragem aqui já referida revela que um grande número
destes imigrantes chegados na segunda metade do século XIX não passou pelos bancos
escolares da AIU. Eram analfabetos nas línguas latinas – apenas sabiam escrever em
hebraico ou, eventualmente, em árabe, como foi o caso de Mordejai Hamram que como
muitos outros, assinavam seus pedidos por rogo a terceiros – e através do perfil
profissional da mesma amostragem percebe-se o baixo nível educacional da maioria. A
esmagadora maioria era constituída de mascates, vendedores ambulantes, empregados
do comércio e pequenos comerciantes.
Ainda não tinham sido “ocidentalizados” e, já, o processo de mutação identitária
começava antes do embarque em um dos portos de emigração, seja em Tetuan,
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Gibraltar, ou outro qualquer. “A partida de um jovem judeu, vestindo à moda judeumarroquina, com um caftan sobre o solidéu e levando ao ombro um grande fardo, foi a
imagem familiar para os moradores da judiaria... Antes de embarcar, compravam um
terno flamengo, inquiriam informações sobre a viagem...” e o país de destino, o solidéu,
abaixo do chapéu (LEIBOVICI, 1992:224).
Iriam aprender o português na prática diária, embora a dificuldade fosse
amenizada pelo conhecimento prévio do ladino, um dialeto judeu-espanhol do século
XV – que conservavam de seus ancestrais saídos da Península Ibérica com a expulsão.
Alguns, de origem portuguesa, voltaram a Portugal antes de vir para o Brasil.
De certa forma, a imigração destes judeus marroquinos para a América do Sul –
e no nosso caso, para o Brasil – seguiu padrões muito semelhantes aos verificados nas
demais correntes imigratórias de diferentes etnias. Especialmente, em relação aos
próprios portugueses que vieram para o Brasil no período colonial. Liberdade religiosa,
direitos civis e, sobretudo, a busca de fortuna eram os principais motores da emigração.
A descrição feita por Sheila de Castro Faria para o período colonial, se encaixa
perfeitamente neste caso:
“Podemos imaginar que um dos principais motivos que levaram homens comuns
europeus a abandonar suas famílias e terras de origem foi a busca de fortuna na América (...) a
decisão de abandonar o lugar de origem e de escolher determinada região no século XVIII, se
dava, pelo que se pode perceber, por estarem ali pessoas conhecidas. Em séculos anteriores,
provavelmente, a aventura do desconhecido era maior, mas, mesmo assim, informações prévias
e algum conhecimento precediam a decisão de migrar e a opção por determinada área... De
maneira geral, a tentativa de enriquecimento era o motivo que levava à imigração” (FARIA,
1998:163).
Deve-se destacar, também, uma particularidade desta corrente imigratória
durante o século XIX: ao contrário de outras registradas no período, a imigração de
judeus foi, como expresso por Sheila de Castro Faria, uma jornada individual ou
familiar, nem organizada , nem mulada pelo governo imperial.
A grande maioria daqueles imigrantes, ossem eles sefarditas do norte da África,
ou ashquenazitas europeus, era constituída de jovens. Dos 267 casos de naturalização
estudados, 124 ou 46,5% se situava na faixa etária entre 21 e 30 anos; 65 casos, ou
24,5%, entre 31 e 40 anos; e 24, entre 41 e 50 anos. Eram raros os casos de pessoas
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mais velhas emigrarem na tentativa de um recomeço de vida. E certamente, a idade no
momento da imigração era ainda menor, posto que, conforme a legislação em vigor,
apenas aqueles que já se encontravam no País há algum tempo, variável de dois a quatro
anos, poderiam dar entrada nos processo de naturalização.
Assim, no caso dos marroquinos, muitos aproveitavam a oportunidade para se
evadirem do serviço militar no Marrocos, buscar fortuna e, de maneira concreta,
transmudar sua identidade tradicional para uma outra, mais cosmopolita sob a bandeira
de uma nova cidadania. Sob este aspecto, a influência da AIU poderá ter sido decisiva,
mas devemos considerar, também, uma nova mentalidade que surgia nos domínios
coloniais franceses no norte da África em relação à noção de cidadania que aflorara com
os ventos revolucionários. De qualquer forma, a modalidade de deslocamento pouco
diferia dos padrões existentes para a imigração de outras etnias. “Vinham recomendados
a parentes ‘brasileiros’, dedicando-se aos negócios, ou seja, à rede de distribuição
comercial de retalhos: caixeiros e pequenos comerciantes” (SERRÃO, Joel IN:
RIBEIRO, 2002).
De fato, mal desembarcavam no porto do Rio de Janeiro, sem falar a língua,
eram recebidos por parentes que aqui já estavam instalados, amigos ou recomendados
que os abrigavam nas pensões e estalagens/ hospedarias onde se concentravam os
imigrantes marroquinos. As mais conhecidas nas últimas décadas daquele século eram a
estalagem da Rua do Lavradio 17/27, ou do hotel na mesma rua nº. 98, a estalagem da
Rua Visconde do Rio Branco 46, Senado 35/36, Inválidos, Senador Pompeu, Núncio
3/13, Hospício, além de quartos alugados em casas nos muitos endereços do centro da
cidade. Todos próximos uns dos outros, de forma que poderiam formar uma
comunidade informal e que, de resto, seria a origem daquela outra que, no século
seguinte, se concentraria nas imediações da Praça 11, Cruz Vermelha e Santana.
A grande maioria vinha ainda solteira. Muitos se casavam por aqui, outros
mandavam vir sua noiva do Marrocos. Do total de casos estudados, 118 declararam-se
solteiros e 85, casados. Entretanto, a não referência ao estado civil em 25 casos
pressupõe serem estes de solteiros, posto que a naturalização era mais facilmente
concedida aos casados.
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BABEL SOCIAL: ENTRE A TRADIÇÃO E A ASSIMILAÇÃO
Se a esmagadora maioria destes jovens trabalhava como mascates, volantes e
ambulantes, havia entre os imigrantes judeus, tanto ashquenazitas como entre os
marroquinos, alguns poucos mais qualificados. Henrich Baruch, no Rio desde 1881, se
apresentava como “artista” embora estivesse empregado na fábrica Rink. Ou Isaac
Aligua, natural de Tanger, que entrou por Recife e que, também se dizia artista. Moritz
Janca Agramont, com passaporte francês, chegou ao Rio naquele mesmo ano e era
professor de música. O já citado Isaac Amzalak, comerciante na Bahia, proveniente de
Portugal, voltou ao Rio onde dirigia os serviços religiosos sem, contudo, exercer
formalmente sua formação rabínica. Havia os intérpretes, como Rosa Kornman, de
Odessa (Rússia), 27 anos, no Brasil desde 1867, mãe solteira de dois filhos ou Jacob
Aligua, que chegou ao Brasil aos 16 anos e era intérprete no cruzador Niterói, da
Armada Nacional. O boticário já referido antes e o coronel da Guarda Nacional, filho de
Leão Cohn, ão outros dois exemplos. Na área militar havia, ainda, Elias Liverman, com
passaporte turco, mas de origem não identificada, que aos 24 anos era foguista do
couraçado Solimões. Há, ainda, o inusitado caso de um combatente na Guerra do
Paraguai, Jayme Bassi, que, aos 70 anos, foi aceito na Armada Nacional.
Entre as mulheres, a maioria era doméstica, mas existiam, também, mulheres
solteiras ou mães solteiras que trabalhavam para fora. Além da já citada Rosa Kornman,
Sarah Attila (ou Atela), no Brasil desde 1878 (ou 1882, pois há divergências em seus
documentos) sobrevivia como lavadeira e engomadeira. Havia, ainda as filhas de
rabinos como Hahia Levy, filha do rabino Eliezer Dabella; Rachel, filha do rabino
Baruch de Keltz; ou Sarah, filha do rabino Mordechai, todas tidas como personalidades
femininas daquela incipiente comunidade.
Uns poucos já se dedicavam, nas últimas duas décadas do século XIX à
deprimente atividade de tráfico e exploração de mulheres. Eram indivíduos isolados
que, de certa forma, anteciparam em algumas décadas à formação de organizações
clandestinas judaicas destinadas ao tráfico de mulheres que atuavam na Europa, Brasil e
Argentina, como a Zwi Migdal (LARGMAN: 1993; KUSHNIR: 1999). Menajem Cajji
(Cagi), de 43 anos, marroquino, era conhecido pela Polícia por sua atividade, motivo
pelo qual viajava sucessivas vezes ao Marrocos. Salamão Azerrad, de 50 anos, teve seu
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pedido de naturalização indeferido pelos mesmos motivos. Apesar das boas referências
do chefe de Polícia, no seu processo consta o parecer do chefe da 1ª seção do Interior,
no qual afirma “ter sido demonstrado que grande número de súditos de Marrocos, sob
pretexto de mascatear, entrega-se a degradante comércio e a baixas especulações”
(WOLFF, 1987).
Não eram apenas alguns marroquinos que se dedicavam a estas “baixas
especulações”. São acusados em seus respectivos processos os ashquenazitas Natan
Blum, Aron Topelberg, Melich Cahem ou Karmeling e o inglês Maximilian Geier, este
último, inclusive, estabelecido com uma relojoaria e ourivesaria na Rua da Carioca 75.
Também foram fichadas na Polícia suas parceiras, como Paulina Kupper, da Rússia,
Leontine Spiegel, austro-húngara, a marroquina Lola Abitbol, oficialmente “modista”,
todas pelo meretrício ou cafetinagem.
É bem possível que tais casos tivessem dado origem à portaria reservada
contrária à naturalização de marroquinos: “sendo o suplicante filho de marroquino
naturalizado brasileiro, consulto se a ele se estende ou não a medida tomada pelo
governo de não conceder naturalização a marroquinos”, diz o oficial da imigração em
despacho a seu superior, tendo por base “o aviso cercado e reservado” de 8-11-1886,
recomendando-se que não naturalizassem marroquinos “por não serem reputados como
brasileiros que vão a país de seu nascimento”. Outros documentos estendem a
recomendação a todos os “hebraicos” (WOLFF, 1987).
Alguns poucos judeus tão bem se aclimataram aos novos trópicos que logo se
familiarizaram com os padrões sociais dominantes: uns adquiram escravos, outros se
assimilaram inteiramente, casando-se com famílias cristãs da elite. Samuel Levy, no
Brasil desde 1856, era comerciante e dono de escravos em Cachoeiro de Itapemirim.
Em seu testamento não escondeu sua condição étnica, mas deixou sua herança às duas
escravas e os dois filhos que teve com elas. Também Adelaide Marks, que enviuvou de
Salomão Marks, em 1883, recebeu no inventário dois escravos. Ao contrário dos judeus
que imigraram para a Amazônia, não há registro no Rio de Janeiro de judeus que
tenham se dedicado a terra, como agricultores ou donos de fazendas de gado e engenhos
de açúcar.
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O caso de Henrique Nathan é típico do “emergente” da época. Inglês, em 1850
casou-se com a rica viúva Dª. Preciosa Perpetua Vieira de Albernaz, moradora no
Engenho Velho, em cerimônia oficiada pelo padre João Alves Caetano Fernandes
Pinheiro. O noivo era filho de José e Esther Nathan, típicos nomes judeus.
Um dos problemas mais graves para essa população judia no Rio de Janeiro era
a falta de instituições comunitárias, especialmente, um cemitério próprio. Afinal, as
duas principais condições para o estabelecimento de uma comunidade judaica
minimamente organizada sempre foram o direito a um local para realizar os serviços
religiosos e um local para enterrar seus mortos. De resto, ficou famosa a petição do
rabino Menashe Ben Israel ao Lorde Protetor Cromwell para que aceitasse o retorno dos
judeus à Inglaterra, mediante a autorização para a criação daqueles dois espaços.
Apesar do virtual monopólio da Santa Casa de Misericórdia e de algumas poucas
outras ordens religiosas, ainda, não está muito claro, e este seria objeto de estudo mais
aprofundado, as razões para a inexistência de cemitérios no Rio de Janeiro até a virada
do século. Pois, em Belém, já em 1848, um primeiro judeu, que também aqui chegara
com a Independência, inaugurava o cemitério comunitário, “da Soledade” em terreno
anexo ao cemitério católico. Queremos crer que a comunidade de Belém desde muito
antes era mais bem organizada do que a do Rio de Janeiro. E a ausência de instituições
formais organizadas impedia a constituição de um cemitério diferenciado.
Um dos aspectos mais difíceis da vida cotidiana dos judeus no Brasil do século XIX
era a morte. (...) A dificuldade maior estava no fato de os cemitérios públicos, constituídos a
partir da década de 1850, serem de uso exclusivo dos católicos. Os seguidores de “culto
diverso do da religião do Estado” até podiam ter cemitérios particulares, desde que autorizados
pelo governo. Só que, para que esses cemitérios particulares fossem constituídos, era preciso
que houvesse uma comunidade responsável tanto por sua criação quanto por sua constituição.
Em meados do século XIX, não havia comunidades judaicas suficientemente estabelecidas no
Brasil que fossem capazes de gerir sozinhas, seus cemitérios. Resultado: os judeus não tinham
onde ser enterrados. (GRINBERG, 2005: 209).
Ficou famoso na crônica dos judeus cariocas do século XIX, o caso de
Benjamim Benatar, finalmente enterrado num espaço diferenciado dentro do cemitério
da Santa Casa de Misericórdia na cidade de Vassouras onde morreu. Daquele
levantamento de óbitos entre 1892 e 1906, a esmagadora maioria dos mortos foi
enterrada no cemitério São Francisco Xavier, na ala dedicada aos protestantes. Uns
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poucos, no novo cemitério São João Batista e a elite sefardita e ashquenazita no
cemitério inglês na Gamboa. Entre estes estão Elkin Hime, Ethel Hime, Francês Hime,
Charles e Frank Steinberg e May Irene Wertheimer.
Na década de 1870 foi criada a União Israelita do Brasil destinada
fundamentalmente às atividades sociais de amparo e proteção, especialmente aos novos
imigrantes, mas, também, aos carentes, liderada, nos primeiros tempos, pelos judeus
ashquenazitas. Até então não havia qualquer instituição, nem a comunidade era suprida
de qualquer serviço seja funeral, dietético (kashrut) ou rabínico. Os “hazanim”
(oficiantes) nos serviços improvisados eram escolhidos entre os mais dotados dos
participantes.
Aparentemente, como já mencionado acima, a comunidade judaica do Rio de
Janeiro ainda apresentava, em meados do século XIX, uma organização improvisada.
Como afirma Keila Grinberg, no Rio de Janeiro, capital do Império, “não existiam
condições consideradas mínimas para o exercício da religião, como a presença de um
recitador de preces (hazan)... de um rabino e de um (shochet) responsável pelo abate de
animais segundo a tradição judaica” (GRINBERG, 2005:210). Isey Levy, um judeu
inglês que vivia na cidade já há algum tempo, solicitou, em 1839, autorização para
oficiar o casamento de sua irmã, Frances, com o também inglês Elkin Hime, uma vez
que inexistia na cidade um rabino para tanto. Na carta que enviou ao rabino-chefe de
Londres, Solomon Herschell, ele relata as carências da comunidade local e nela afirma
que “os poucos yehudim (judeus) no Rio de Janeiro não estão ainda em condições de
formar uma congregação”. (WOLFF, 1999:220).
A União Israelita Shel Guemilut Hassadim, criada majoritariamente por
sefarditas marroquinos, além da efêmera Sociedade Israelita do Rio Português,
surgiram, também, em meados do século, sendo a data da fundação da primeira está, até
hoje, sujeita a alguma polêmica. Em todas essas instituições que acabaram se tornando
sinagogas, os registros históricos ainda são nebulosos, tendo o casal Wolff feito a
melhor apreciação de suas fundações.
Mesmo antes da inauguração das sinagogas, os serviços religiosos das grandes
festas – Rosh Hashanah (Ano Novo) e Iom Kipur (Dia do Perdão) – eram realizados em
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salões improvisados, alugados no centro da cidade, como, por exemplo, na Rua do
Hospício (hoje Buenos Aires) ou Alfândega e Primeiro de Março. Apenas na primeira
metade do século seguinte com a construção do Grande Templo, Rua Tenente Possolo
(Cruz Vermelha), essas sinagogas de comunidades de origem viriam a se estabelecer em
suas cercanias.
CONCLUSÃO
Dissemos, antes, que o principal motivo para a imigração era a promessa de
enriquecimento. No norte, a busca do Eldorado. No sul, a fortuna rápida no Novo
Mundo. E, de fato, Izaque Joseph Pinto, de 30 anos, lisboeta, chegou em 1827 ao Rio,
declarando explicitamente para a Policia que viera “fazer fortuna”. Mas, nem todos os
casos tinham essa idéia exclusiva. Aliás, é desta época a imigração de muitos judeus
portugueses, alguns aqui citados, como uma espécie de prolongamento do fluxo de
cristãos novos da época colonial.
Apesar dos documentos de naturalização serem escritos numa linguagem padrão,
fica evidente aquela barganha de que fala Bernardo Sorj. Por exemplo: “convencido de
quanto se empenha o Governo de V.M.I. em chamar ao país os cidadãos de outras
nações que ao aumento da população reúnam o maior número de indústria e artes
nesse Império, não hesita um momento em esperar que VMI lhe mande passar a sua
carta.”. Ou ainda: “tendo firme intenção de continuar a residir no Império e adotá-lo
por sua pátria”; e, no caso da República, o texto reflete aquela negociação: “desejando
gozar de todas as prerrogativas de cidadão que lhe concedem as leis aqueles que
acompanharam a brilhante proclamação de 15 de novembro de 1889, tanto que não foi
fazer declaração alguma por ter adotado esta República como sua pátria”; ou ainda:
“desejando adotar a República dos Estados Unidos do Brasil por sua pátria”. Ou como
Moritz Abraham, um alemão, estabelecido na Rua da Carioca, em 1881, que,
explicitamente, afirmou: “fixando desde logo residência nesta corte tem aí tido filhos
que são brasileiros e por isso quer o suplicante adotar por sua a pátria deles”.
(WOLFF, 1987).
A imigração, portanto, embutia um duplo objetivo: a fortuna, agora viável num
mundo cada vez mais interligado e, que, hoje, chamamos “globalizado” – e uma nova
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forma de ser judeu e que se expressava na condição cidadã. Para tanto, a transformação
da identidade era inevitável. Ela foi barganhada, tanto com a cidadania, como com a
fortuna; tanto com o Estado Nacional, como com o cosmopolitismo capitalista que se
expandia avassaladoramente. A constituição de organizações comunitárias será um
sintoma evidente das forças centrípetas que sempre atuaram dentro da judeidade. Mas,
por outro lado, as tendências assimilacionistas tornaram-se mais poderosas com a
modernidade. Neste caso, os exemplos de casamentos mistos induzidos pelo fascínio do
novo “status” social e econômico marcaram, também, os novos tempos. É o caso de
Henrique Nathan já mencionado acima.
O espaço reservado é limitado e partilhado e, dessa forma, impossível
aprofundar o tema. Fica essa comunicação como uma indicação de roteiro para uma
pesquisa mais detalhada onde se possa compreender melhor a forma pela qual a
mentalidade e os novos valores surgidos com a modernidade atuaram sobre as decisões
de emigrar, alem, é óbvio, dos fatores concretos e materiais de expulsão e atração. Na
monografia em que tratei da imigração para a Amazônia, tentei perceber como as novas
condições de vida do imigrante influenciam a transformação de sua imagem e sua
identidade. Tanto lá, como no Rio de Janeiro, fica evidente a tentativa de escamotear
fronteiras étnicas antes muito visíveis, seja pela naturalização de nomes e vestuário, pela
língua e apropriações culturais, sem que se sentissem despojados de sua memória e
identidade tradicional.
Essa é uma questão que, estou certo, ainda será desenvolvida nos estudos que
virão por aí. Como se dá o processo de adaptação daquela identidade e seus elementos
constitutivos (memória, língua, religião e costumes) face à nova realidade e à presença
de um novo “outro”. Como, frente à ação deste, o sujeito reage e interage. Nesse
processo de negociação propiciado pelas novas condições políticas e econômicas,
alternam-se as tradicionais tendências centrífuga e centrípeta, ora propiciando uma troca
ou um hibridismo, ora conduzindo a uma total aculturação ou assimilação.
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* Reginaldo Jonas Heller – jornalista, graduado em Comunicação (UFRJ), em História Social
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