Medievalidade, Carnavalizaça o e o pate tico em Retablillo de don

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Medievalidade, Carnavalizaça o e o pate tico em Retablillo de don
Medievalidade, Carnavalizaçao e o
patetico em Retablillo de don Cristóbal
Medievalidade, carnivalization and pathetic in Retablillo de don Cristóbal
Carlos Henrique Lopes de Almeida1
RESUMO: O presente trabalho tem como propósito o estudo da obra Retablillo de don Cristobal, do
autor espanhol Federico García Lorca, considerado pelos críticos como um dos mais importantes
escritores da geração de 27. A sua produção contempla vários gêneros, bem como uma ampla gama de
temas, relacionados à cultura popular espanhola, as inquietudes existenciais do ser humanos e a
opressão vivida pelas minorias. O nosso estudo prioriza uma obra escrita para o teatro guiñolesco, na
qual traçar-se-á uma analise que rastreia a presença de imagens da Idade Média, presença da
carnavalização e do patético como artifícios na configuração do drama lorquiano. Desenvolveram-se
para tanto, estudos bibliográficos da obra em questão e autores como Bakhtin(1987), Burke(1995),
Calderón (2000), Porra (1981), Marchand (2010) entre outros.
PALAVRAS-CHAVE: drama, comédia, patético, medievalidade, carnavalização.
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ABSTRACT: The present paper aims the study of the work named Retablillo de don Cristobal, by the
Spanish author Federico García Lorca, who is considered by the critics as one of the most important
writers from the Generation of ‟27. His production contemplates several literary genders, as well as a
wide range of themes, related to the Spanish popular culture, the existential anxieties of the human
been and the oppressions lived by the minorities. Our study prioritizes one work written to the guignol
theatre in which it shall be traced a analyzes that tracks the presence of some images in Middle Ages,
presence of carnavalization and presence of the pathetic as gimmick for the configuration in Lorcas‟
drama. For that, it has been developed bibliographical studies of the work in question and authors such
Bakhtin(1987), Burke(1995), Calderón (2000), Porra (1981), Marchand (2010) among others.
KEYWORDS: drama, comedy, pathetic, carnavalition, middle age.
“El teatro es uno de los más expresivos y útiles instrumentos para la educación de un
país y el barómetro que marca su grandeza o su desmayo. Un teatro sensible y bien
orientado en todas sus ramas, desde la tragedia al vodevil puede cambiar en pocos
años la sensibilidad de un pueblo; y un teatro destrozado, donde las pezuñas
sustituyen a las alas, puede achabacanar y adormecer a una nación entera.” (Federico
García Lorca)
O presente estudo visa apresentar o reconhecimento de algumas imagens medievais
presentes na obra Retablillo de Don Cristobal de Federico García Lorca, bem como a
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presença da carnavalização no processo de configuração e escolha da matéria popular,
utilizada pelo autor na elaboração da obra em tela. Ainda nessa proposta, realizar o
rastreamento de algumas das figuralidades que comprovem a presença dos recursos patéticos.
A aproximação entre o contexto da obra lorquiana com essas categorias utilizará o viés da
comedia e dos personagens presentes em um teatro construído com vistas à reformulação do
abismo que separava o teatro da participação e interação do espectador.
No início do século XX, o teatro espanhol apresentava três rumos: o teatro popular,
cujos gêneros menores enfocavam o caráter cômico dos fatos que se davam na realidade,
mediante o uso de palavras e nomes próprios que sugerissem confissões para o riso, e uma
segunda direção, mais comportada, que atendia aos interesses do público burguês, pois não
representava um foco de oposição ou de questionamento às diretrizes políticas e econômicas
que se orquestravam na sociedade e estavam pautados nos interesses de uma minoria. A
terceira inclinação, a compor esse cenário, era a comédia poética, apoiada em preceitos
históricos, estes criavam a sensação de um distanciamento dos embates, um pouco diferente
da postura da vertente anterior.
Nesse contexto surgiu uma das figuras artísticas mais representativas do século XX, o
escritor espanhol Federico García Lorca, que deu cor à linguagem de suas obras artísticas
capaz de traduzir a mistura da matéria popular em dimensões mais gerais aos traços mais
específicos de minorias eclipsadas e da cultura andaluz. Aliado a tudo isso, tons que
propiciaram uma profunda reflexão através do gênero teatral lorquiano. Outro aspecto,
merecedor de destaque, refere-se a sua força inspiradora e a presença de temas e artifícios das
obras lorquianas, retomados em escritos de outros dramaturgos com diferentes percepções da
relação estabelecida entre autor e público, uma vez que segundo Calderón
A finales del siglo XIX, los modernistas y noventayochistas arremetieron contra el
teatro mercantil, realista y chabacana que aún seguiria acaparando los escenarios
durante el primer tercio del siglo XX. Estas críticas no iban dirigidas tan solo a los
empresários, ávidos de benefícios, sino también a los autores, sometidos al mal
gusto de um público indiferente y mal acostumbrado y, sobre todo, a los “cómicos”
faltos de cultura y formación dramática (2000, p. 187).
E assim, segundo o excerto anterior, temos um cenário histórico que priorizou
subgêneros cômicos que atendiam aos critérios econômicos e políticos das classes
dominantes, da mesma forma que iam ao encontro das vontades dos grupos que formavam a
pequena burguesia, técnicos, comerciantes e empregados. Em detrimento desse público, o
teatro se limitava a cumprir a função de entretenimento, uma mera distração para os que viam
e buscavam nos espetáculos a reprodução da realidade e dos valores burgueses.
Diante desse quadro, Lorca surge com uma proposta inovadora e com a necessidade de
encontrar um projeto diferente da atonia das fórmulas dominantes naquele período cuja
produção lançava mão de um olhar pouco atento às mudanças e aos conflitos sociais, com
obras imersas em uma concepção meramente descritiva, evitando explorar situações de
enfrentamento e provocações, uma espécie de marasmo.
O olhar lorquiano, atento a essas especificidades, requereu do autor espanhol uma
atitude que redimensionasse o alcance das suas obras, marca compartilhada com outros
escritores cuja produção priorizou obras experimentais. Essa iniciativa, na maioria das vezes,
foi protagonizada por intelectuais despreocupados em atender aos gostos do público burguês,
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numa busca pela inovação em que se deixava de lado a comedia de salão ao dar uma
roupagem diferente nas estruturas tradicionais aplicadas no teatro, tais como o cenário,
personagens, temas e até mesmo a unidade aristotélica.
As modificações não estavam circunscritas apenas às obras teatrais, mas também
visavam alcançar um público diferente daquele, que até então, esperava encontrar nos
espetáculos, figuras, imagens e realidades típicas do mundo burguês nas quais pudessem
identificar-se. Entre as primeiras renovações propostas, certamente uma das mais importantes,
apareceu na inserção da cultura popular vista pelo escritor espanhol, segundo Madrigal Neira
García Lorca, siguiendo esta corriente, consideraba la cultura popular esencial para
la renovación de las artes. Él pensaba que en lo tradicional se encontraba la raíz del
arte y que partiendo de lo popular se podía llegar a un entendimiento universal
(2001, p. 63).
As raízes populares passaram a ocupar um lugar de destaque nas suas produções,
contrapondo-se ao gosto da comedia burguesa, que na ótica do autor foi uma das motivações
para o declínio e estagnação do teatro no período de transição entre os séculos XIX e XX. A
maneira de mudar essa realidade aconteceu ao oferecer alternativas que combatiam os
convencionalismos teatrais, e ofereciam uma proposta criativa e inovadora, que deixava o
teatro, exclusivamente de entretenimento, para encabeçar um teatro dirigido a um público
reflexivo disposto a participar e interagir no espetáculo.
Um dos principais instrumentos que ditará esse novo rumo serão os títeres, com
características hiperbólicas na composição de suas personagens, de tom grotesco nos seus
gestos, no vocabulário provocador e carregado de escatologias. Aliados às figuralidades
presentes no imaginário social que eram reconhecidas pelo povo em função de sua recorrência
nas obras e histórias formadas no decorrer do tempo na cultura popular, tais como o velho
opressor, a jovem bela sonhadora e a mãe ditadora e negociante, esse gênero trazia outra
característica que se contrapunha ao tradicionalismo burguês, uma sobrecarga de motivo
popular misturada ao folclore do povo andaluz que serviu como inspiração para o teatro de
cachiporra, no qual podemos encontrar as raízes de Don Cristobal, um homem tipicamente
andaluz, corajoso, que se mete em confusões facilmente, e que resolvem os seus pleitos com
alguma arma, segundo Porras (1981, p. 47) resolvia todos os seus problemas com os seus
inimigos e desafetos mediante pauladas com a sua cachiporra.
Essa mudança no cenário teatral carregada de propostas inovadoras, como já foi
apontado, transpirava ao mesmo tempo ares de uma época do medievo que fora recuperada
como um acessório ou pretexto na proposta estética e ideológica de muitos movimentos
literários no decorrer da história, entre os quais se destacam as contribuições consideráveis na
literatura de informação e registro que os europeus constituíram em terras do Novo Mundo
nos séculos XVI e XVII. Do mesmo modo, uma forte presença nas inspirações do movimento
romântico devido ao seu tom exótico, e um pouco mais adiante nas suas colaborações
aparecem os períodos próximos da transição para o século XX.
Segundo Lopez Estrada (s/d, p. 191), as leituras do período medieval foram
fundamentais na elaboração da tessitura de obras do modernismo, isso fica evidente nas
produções do poeta nicaraguense Rubén Darío, quando o autor recupera temas e símbolos do
universo religioso, característicos desse período, e os amalgama na sua produção poética.
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A obra lorquiana também promove essa fusão, no entanto com características que
recuperam a dinâmica carnavalizadora realizada no fim da Idade Media, quando as
representações eram acompanhadas por uma espécie de dualidade que segundo Bakthin
Todos os ritos e espetáculos organizados à maneira cômica apresentavam uma
diferença notável, uma diferença de princípio, poderíamos dizer, em relação às
formas do culto e às cerimônias oficiais sérias da Igreja ou do Estado feudal [...]
pareciam ter construído, ao lado do mundo oficial, um segundo mundo e uma
segunda vida (1981, p. 4).
Na obra guiñolesca do autor espanhol, essa dualidade evidencia-se na desconstrução
da versão burguesa, vista como a oficial e dominante, por meio da adaptação do tema e da
interação que o espectador passou a ter durante a representação. Dessa forma, fica ainda mais
forte a ideia da oposição impulsionada pela dualidade entre o popular e o clássico, causando
em alguns trechos da obra Retablillo de don Cristobal a confirmação da inversão de valores
dominantes, ou seja, uma atitude dessacralizadora que Soares (2005, p. 71) classifica como a
subversão cultural ou inversão da imagem do mundo.
No centro da obra aparecem os personagens principais, dando vida ao tema que é
destaque no desenvolvimento do texto dramático em análise e, ressurge em outras produções
do autor espanhol, o amor entre duas pessoas com uma diferença de idade considerável, el
viejo y el amor. Temática que reflete a carnavalização, pois “celebra os esponsais e combina o
sagrado e o profano, o elevado e o baixo” (BAKTHIN, 1981, p. 106) no contexto dos dois
personagens, de um lado, don Cristobal personifica o baixo, por meio de suas características
extravagantes e governadas pelo instinto. No outro lado, doña Rosita, jovem, bela e cheia de
vontades a espera de um casamento.
Cabe destacar que, embora seja um tema recorrente em toda a história da literatura,
desde os períodos mais antigos aos mais atuais, o tratamento atribuído na obra lorquiana se
aproxima do tratamento aplicado pela idade média, dado à ótica cômica da qual se constroem
a relação entre as personagens don Cristobal, doña Rosita e Madre. A aproximação entre os
dois primeiros é facilitada pela terceira personagem, uma mãe interesseira que visava a sua
satisfação e interesses econômicos, com um perfil muito perecido ao da Celestina,
personagem da obra de Fernando Rojas, herança intertextaual da medievalidade, uma espécie
de velha alcoviteira que realiza as aproximações com fins econômicos e favorecimentos
pessoais.
O relacionamento entre o velho, don Cristobale a jovem doña Rosita, trás à tona a
relação que servirá de pretexto para levar adiante a burla de um amor que deve ser
prioritariamente vivido pelos jovens, mas nesta situação a condição da figura masculina
contraria os preceitos do que é esperado como o ideal para a relação com a jovem Rosita.
A figura do velho apaixonado, é vista como ridícula e repugnante, é um tema muito
recorrente e favorável para a percepção das circunstâncias que refletem segundo Bakhtin (
1987, p. 5) uma dualidade dos „cultos sérios‟, ou seja, existe um correspondente na esfera dos
cultos cômicos, convertendo esses modelos em instrumentos de burla e blasfêmia no
desenvolvimento da comedia. Essa explicação atesta a descrição do matrimonio, ritual
sagrado da igreja, carregado de burla, bem como do casal e as estratégias utilizadas por don
Cristobal com a mãe e a sua pretendida.
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Nessa mesma direção aparece a figura do médico que na peça cura os males das
pessoas, enfermo, mediante o uso de violências, gestos fortes e grosseiros, como podemos
constatar a seguir:
CRISTÓBAL.
Pues yo te voy a curar.
Pero no lo contarás.
ENFERMO. (Agresivo.) Buenos días, buenos días, buenos días, buenos días, buenos
días, buenos días.
CRISTÓBAL. (Dándole con la porra.) Buenas noches. Te agarré. Saca el cuello.
ENFERMO. No puedo, don Cristóbal.
CRISTÓBAL. (Dándole un golpe.) Saca el cuello.
ENFERMO. ¡Ay!, mi carótida.
CRISTÓBAL. Más cuello.
ENFERMO. ¡Ay!, mi carótida.
CRISTÓBAL. Más cuello. (Golpe.) Más cuello, más cuello, más cuello.
O médico propõe um tratamento que acontece por meio de pancadas no pescoço do
doente, outro aspecto que chama a atenção é a forte necessidade de se impor, reafirmando a
sua autoridade com a repetição de Buenas noches, enquanto que o enfermo teima dizendo
Buenos días. As cenas que envolvem don Cristobal, na maioria das vezes estão caracterizadas
e protagonizadas por pancadarias, atitudes e movimentos associados ao baixo corporal e
material, discutidos por Bakhtin na sua obra A Cultura popular na Idade Média e no
Renascimento: o contexto de François de Rabelais.
Esse quadro reflete o espírito cômico da Idade Média, priorizando o espetacular em
detrimento do literário, cabe esclarecer que isso se deve ao destaque que vemos nos gestos,
pois os personagens durante as cenas agem enfatizando o gestual, mediante atitudes bruscas,
gestos insinuantes e escatológicos, próprios das festas populares de rua celebradas na Idade
Média.
A imagem do médico satirizada sempre esteve presente no repertorio popular, segundo
Burke (1995, p. 110), bem como ligada à cura que esteve durante a idade média associada aos
espetáculos realizados nas feiras e praças, espaços populares nos quais apareciam pessoas
com ofícios muito particulares, entre os quais estão os Tiradentes, assim como outros que
vendiam ervas e formulas para a cura. Burke (1995, p. 119) ainda assevera que desde muito
tempo a cura sempre caminhou paralelamente à diversão, além de representar uma espécie de
dramaturgia social, espécie de encenação pública envolta em rituais, algo que podemos
perceber na atualidade em cerimonias religiosas distribuídas pelo mundo, relacionadas à
promessas e demonstrações de gratidão pela realização de alguma cura.
Outra representação medieval que pode ser identificada na obra lorquiana, são as
influencias dos poemas fesceninos presentes nos cantos satíricos e obscenos no período
medieval, embora os primeiros registros do gênero tenham acontecido na idade antiga, foi no
período medieval a sua popularização, um contexto muito propício para a sua integração ao
cenário cultural, as principais características são temas ligados à sexualidade, cantada em uma
linguagem chula e carregadas de humor com aparente ingenuidades. Uma estrutura muito
semelhante podemos encontrar na forma como a mãe de doña Rosita oferece sua filha a don
Critobal
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MADRE.
Yo soy la madre de doña Rosita
y quiero que se case,
porque ya tiene dos pechitos
como dos naranjitas
y un culito
como un quesito,
y una urraquita
que le canta y le grita.
Y es lo que digo yo:
le hace falta un marido,
y si fuera posible, dos.
Ja,ja,ja,ja,ja.
A mãe de doña Rosita caracteriza a sua filha enfatizando as zonas erógenas e os
órgãos sexuais, mediante palavras chulas e analogias que suavizam o efeito dessas
construções, como aparece nas analogias pechitos-naranjitas, culito-quesito, urraquita que
canta y le grita com a genitália feminina, todos esses recursos aparentam uma espécie de
suavização com reflexos de ingenuidades.
Quanto ao tom patético presente na configuração da estrutura do drama lorqueano,
deve-se compreendê-lo em um primeiro momento como mais um recurso na aproximação do
espectador com o drama apresentado. Nesse sentido, o patético funciona como um
procedimento pragmático (MARCHAND, 2010), importante na sintonia com o espectador,
uma vez que a sua aplicação na obra visa proporcionar uma reflexão estética e, ao mesmo
tempo, despertar sensações no público, a partir dos tons patéticos marcados nas características
dos personagens e nas situações vividas por eles.
A mentira e o engano são peças fundamentais na elaboração da relação entre doña
Rosita e don Cristobal, o velho acredita ter conseguido os seus propósitos ao fazer um grande
negócio com a compra da donzela por “Una onza de oro de las que cagó el moro, una onza
de plata de las que cagó la gata, y un puñado de calderilla de las que gastó su madre cuando
era chiquilla.[...] Cuenta con la mula (LORCA, 2005). A sorte de don Cristóbal muda
posteriormente, revelando-se o tom patético, em virtude das escapadas e frivolidades
protagonizadas pela sua infiel esposa. Essa teia de traições coloca a figura do homem rude,
autoritário, controlador e valente numa condição ridícula e de total ignorância, já que todas as
vezes ele quase descobre as investidas sexuais da sua companheira.
O patético nessa situação ganha força diante dos apuros em que se envolve doña
Rosita quando esconde seus amantes, essa atitude, além de determinar o viés cômico e jocoso
do texto dramático, favorece a interação do espectador, pois ele conhece e percebe o
comportamento da esposa infiel, enquanto que don Cristóbal alheio a tudo isso, sempre acaba
sendo enganado. Diante dessa cena de humor, o espectador protagoniza o riso de
superioridade e reflexão, que diferencia o público do velho enganado.
O estudo das obras do teatro lorquiano permite a compreensão de uma proposta que
rompeu com os moldes tradicionais do inicio do século XX, promovendo e divulgação a
valorização da cultura popular. O projeto de Lorca constitui uma possibilidade de acesso para
um amplo público, assim como na linguagem dos seus textos construiu uma oportunidade
para reflexões que pensassem a participação e a reflexão de seus espectadores. Essa
aproximação entre o público e a obra, somente aconteceu em função de imagens recuperadas
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de um contexto que revelou cores da cultura popular e figuralidades que conseguiram
representar e, ao mesmo, ser cumplices, de modo a garantir o reconhecimento e o riso a partir
de algumas situações vividas pelos personagens destacados nesse estudo.
A importância do estudo das imagens medievais, carnavalizadas e o tom patético
lorquiano se legitima, pelo entendimento que, apesar de ser uma obra escrita no século XX,
idealizada para bonecos não significou a ausência de um espaço de reflexão sobre as relações
humanas e seus conflitos, matéria principal do gênero drama. Muito pelo contrario, foi um
instrumento eficaz na atualização e na resposta de algumas demandas percebidas pelo escritor
espanhol.
O reconhecimento de algumas figuras herdadas do período medieval, mostrou a força
de alguns dos elementos que povoaram obras artísticas nesse momento da história, mediante a
recorrência de alguns temas e personagens que traduzem a importância da cultura popular, a
sua continuidade ou influências na obra El Retablillo de don Cristóbal
Nesse sentido, a carnavalização surge como um dos artifícios legitimadores utilizados na obra analisada - na elaboração e aproximação da matéria cultural, propiciando
um espaço adequado para as inversões e dessacralização que agiram como uma espécie de
projeção naturalizadora, na qual o publico encontrasse semelhanças que o identificasse.
Federico García Lorca utiliza o patético como um mediador na configuração da
relação entre os espectadores e a representação do texto dramático, por meio da organização
das cenas e dos diálogos com o público de modo a construir uma proximidade e transparecia
muito características do ambiente no qual se constitui a cultura popular.
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Referências
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Recebido em 15 de abril de 2015
Aprovado em 20 de junho de 2015
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