Princípios filosóficos do judô aplicado à prática e ao cotidiano

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Princípios filosóficos do judô aplicado à prática e ao cotidiano
Princípios filosóficos do judô
aplicado à prática e ao
cotidiano
* Profa. de Educação Física do Instituto Estadual de Educação
Florianópolis - SC - 1º Dan no Judô - Autora
** Profa. Dra. do Centro de Desportos da Universidade Federal de
Santa Catarina - 2º Dan no Judô – Orientadora
Daiene Silva*
Saray Giovana dos Santos**
[email protected]
(Brasil)
Resumo
Este estudo descritivo teve como objetivo verificar o conhecimento dos judocas de
Florianópolis sobre o histórico, os princípios filosóficos do judô e suas aplicações na
prática e no cotidiano. Participaram do estudo 40 judocas de quatro instituições de
Florianópolis/SC, sendo que 32 eram do sexo masculino e oito do sexo feminino, com
graduação judoística, variando de faixas amarelas a pretas. Como instrumento de
medida utilizou-se um questionário e os dados foram trabalhados quantitativamente
mediante a estatística descritiva (freqüência simples) e qualitativamente, utilizada a
análise do conteúdo. Os resultados indicam que quanto a conhecimentos básicos do
histórico do judô, apenas um pouco mais da metade dos judocas apresentaram
conhecimento; quanto aos princípios filosóficos mais da metade dos entrevistados
demonstraram ter pouco ou nenhum conhecimento. Apenas sete conheciam as máximas
do judô e a maioria relatou que o judô influencia no seu cotidiano. Com base no
conhecimento apresentado pelo grupo, concluiu-se que pouco conteúdo teórico é
trabalhado nos locais de prática, mesmo assim, os praticantes afirmam que a prática do
judô contribui para a sua formação, porém não sabem discernir de que forma.
Unitermos: Judô. Princípios filosóficos. Cotidiano.
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 86 - Julio de 2005
Introdução
Dentre as várias artes marciais, o judô se destaca por seus pressupostos
filosóficos, os quais foram idealizados visando o desenvolvimento do
praticante de maneira integral, indo além da prática de movimentos
complexos e repetitivos, mas sim utilizar desses de maneira a desenvolver
potencialidades intrínsecas dos praticantes.
Por outro lado, enquanto a prática do judô atual mostra-se cada vez mais
competitiva, os senseis (professores) demonstram maior preocupação com os
resultados em competições e acabam deixando de lado os fatores
fundamentais inerentes a citada filosofia. Este aspecto já foi detectado em
um estudo de Santos et al. (1990) no qual encontraram que tanto técnicos
quanto judocas paranaenses eram conscientes da filosofia do judô, porém
não apresentavam conhecimentos sobre a mesma.
Deste modo, na busca da manutenção e ou resgate dos pressupostos
teóricos que fornecem a base para a real contribuição do judô na formação
do praticante é que se justifica este estudo, que foi efetuado com o objetivo
de verificar o conhecimento dos judocas florianopolitanos sobre a filosofia do
judô preconizada por Jigoro Kano. Mais especificamente objetivou-se
identificar o conhecimento dos judocas sobre o histórico, as máximas e os
princípios filosóficos do Judô e, verificar a percepção dos judocas sobre a
aplicação da filosofia do judô durante a prática e no cotidiano.
Material e método
Participaram deste estudo de cunho descritivo, 40 judocas, selecionados
de forma intencional, cuja exigência era de no mínimo dois anos de prática,
sendo que 32 são do sexo masculino e oito do sexo feminino, com média de
idade de 21,25 ± 5,3 anos e com média de tempo de prática de 9,92 ± 5,2
anos.
Como instrumento de medida foi elaborado um instrumento do tipo
questionário, com questões abertas e fechadas, testada quanto a validade
por dois doutores e dois mestres, cujo índice foi de 88% e a clareza, efetuada
por três judocas, obteve um índice de 100%.
O questionário foi aplicado com agendamento prévio, nos locais de prática,
o qual, depois de esclarecido os objetivos do estudo e assinado o
consentimento orientado foi entregue aos judocas para preenchimento
subseqüente e supervisionado, sem auxílio mútuo.
Os dados foram quantitativamente trabalhados mediante a estatística
descritiva (freqüência simples) e qualitativamente, utilizada a análise de
conteúdo.
Resultados e discussão
Entre os judocas que participaram do estudo, nove são faixa preta, 11
faixa marrom, 10 faixa roxa, quatro faixa verde, dois faixa laranja e quatro
faixa amarela. Quanto à performance esportiva, nove participou de
campeonatos em nível municipal, oito de estaduais, dois de sul-brasileiro, 16
de brasileiros, dois de pan-americano e um de mundial.
Para atender os objetivos do estudo, inicialmente questionou-se os judocas
sobre o significado da palavra judô,. As respostas obtidos demonstraram que:
14 não souberam descrever; oito disseram que se trata de uma filosofia de
vida; sete disseram que se trata de uma arte marcial; cinco entendem o judô
como algo prazeroso, como uma arte e algo relacionado com suavidade,
equilíbrio; e, outros cinco vêem como algo que trabalha muito o respeito e a
decisão de seus praticantes.
As respostas obtidas apontam que a maioria não consegue dizer o
significado da palavra judô e os demais a colocam de acordo com o senso
comum, ou seja, demonstram um conhecimento superficial. De acordo com
Alvin (1975), quando Jigoro Kano criou o judô ele definiu objetivos para esta
arte, que não se limitavam a questões práticas, mas sim um judô que fosse
trabalhado como forma de desenvolver o caráter, a moral, autodomínio,
autoconhecimento, respeito mútuo, entre outros.
Dando continuidade, questionou-se os judocas sobre alguns conteúdos
históricos, tais como o nome do fundador, o local e o ano de fundação e
baseado em que pressupostos o judô foi idealizado. Dos 40 judocas que
participaram do estudo, 34 possuem conhecimento do nome do idealizador
do judô - Jigoro Kano; seis não souberam responder. A grande maioria
(33/40) sabe que o judô foi criado no Japão, porém sete dos entrevistados
não opinaram, por outro lado apenas 15/40 sabiam o ano de fundação do
judô, sendo que a grande maioria não respondeu, ou errou a data. Alguns
judocas comentaram que sabiam, porém haviam esquecido. Segundo
Shinohara (2000) e Calleja (1989), o judô teve sua fundação juntamente com
a Kodokan (escola para o estudo do caminho), em 1882 no Japão.
Vale ressaltar que os participantes deste estudo têm no mínimo dois anos
de prática, e, estas questões são conteúdos teóricos básicos, que deveriam
ser ministrados ao primeiro contato, pois saber pelo menos de onde, quando
e quem idealizou é o mínimo para dar significado para a prática que se está
realizando.
Com relação aos pressupostos teóricos que deram base para a criação do
judô, a grande maioria dos judocas (34/40) disse que o judô foi criado a
partir do jiu-jitsu, quatro judocas se omitiram e dois não foram coerentes.
Jigoro Kano realmente utilizou-se do jiu-jitsu para criação do judô, porém é
importante salientar que ele se baseou em vários estilos de jiu-jitsu, os quais
segundo Shinohara (2000, p.49) são: Takeuti Ryu; Shibakawa Ryu; Jiti Shin
Ryu; Yo-Shin Ryu; Sekiguti Ryu; Kito Ryu; Tenshin Shinyo; Kashima Shinyo
Ryu. Dentre estes, os que foram mais utilizados foram o Tenshin Shiro Ryu e
o Kito Ryu.
Na continuidade questionou-se ao grupo sobre máximas deixadas por
Jigoro Kano, cujas respostas estão no Quadro 1.
Quadro 1. Máximas que compõe a filosofia do judô
Observa-se no Quadro 1 que a maioria não tem conhecimento; apenas
sete judocas descreveram (em português) as duas máximas do judô, e quatro
citaram apenas uma "ceder para vencer" - Seyrioku- Zenyo. O alicerce que
levou Jigoro Kano a repensar um novo estilo de jiu-jitsu, foi de elaborar uma
atividade que fosse capaz de explicar e ser útil a todas as atividades
humanas, e Seiryoku Zenyo que significa máxima eficiência com mínimo de
esforço gasto e Jita Kyoei que significa bem estar e benefícios mútuos, são as
máximas deixadas por Jigoro Kano e, se bem aplicados, trazem benefícios
tanto na prática do judô como na vida em geral de seus seguidores
(SHINOHARA, 2000).
Com relação ao conhecimento dos judocas sobre os princípios do judô,
apenas sete judocas descreveram algum princípio, sendo que: cinco judocas
citaram um -"Quem teme perder já está vencido"; dois judocas citaram dois
princípios: "Conhecer-se é dominar-se e dominar-se é triunfar", e "Nunca te
orgulhes de haver vencido um adversário. Ao que venceste hoje, poderá
derrotar-te amanhã. A única vitória que perdura é a que se conquista sobre a
própria ignorância". Oito judocas não citaram nenhum, porém dissertaram
sobre as qualidades que devem estar ligadas diretamente aos praticantes
desta arte marcial, tais como: respeito, educação e caráter. Os demais não
acrescentaram nada.
Além dos três princípios citados, existem mais seis (VIRGÍLIO 1986;
SHINOHARA, 2000), além dos sete dizeres máximos de Jigoro Kano (ARPIM,
1970). Os resultados que demonstram a falta de conhecimento dos judocas
vão ao encontro do estudo de Santos et al. (1990) no qual encontraram que
tanto técnicos e judocas paranaenses são conscientes que o judô possui uma
filosofia, porém não apresentam conhecimentos sobre essa.
Um fator que pode justificar o não conhecimento da filosofia do judô são
as diferenças culturais entre o oriente e o ocidente, sobre o qual Borges
(2003) comenta que pela falta de conhecimento ocorre a confusão entre
espiritualidade e religião, dando margem a diferentes interpretações e não
entendimento, principalmente quando ocorre a falta de embasamento teórico.
Desta forma, é preciso mais que transmissão do aporte prático da
modalidade, é necessário que seja transmitida a base cultural com
pressupostos teóricos, apresentando e demonstrando os significados dos
conceitos, os princípios e as máximas deixadas por Jigoro Kano.
Com o intuito de verificar a aplicação dos princípios judoísticos durante a
prática do judô (treino e competição) e no cotidiano, mediante a percepção
dos judocas, questionou-se os mesmos como se utiliza as máximas do judô
(Jita-Kyoei e Zeiryoru-Zen-yo) durante o treino.
Dos 40 questionados, 22 disseram que utilizam as máximas do judô no
momento da aplicação da técnica, mesmo que apenas sete tenham descrito
as máximas na questão pertinente (Quadro 3) e descreveram que procuram
aproximar-se o máximo da perfeição, procuram aprimorar ao máximo as
técnicas, se preocupam com o oponente e procuram não utilizar muita força,
sendo o mais eficiente possível. Por outro lado, 13 afirmaram que não
utilizam as máximas e cinco se omitiram.
Em seguida, questionou-se sobre a preocupação com seus oponentes
durante o treino; 39/40 disseram que se preocupam, justificaram que não há
treino se não tiver o oponente, ou seja, não tem como se aperfeiçoar; apenas
um respondeu que não, justificando que faz o que sabe de melhor.
Com relação à aplicação da filosofia do judô no cotidiano, 34 judocas
responderam que existe relação e seis disseram que não. Dos que
responderam que sim, justificaram que o judô está ligado diretamente com
suas vidas. Algumas das relações citadas pelos judocas foram: "o judô traz
paz de espírito e serenidade à minha vida"; "um ajuda o outro a não querer
passar por cima do outro"; "estou sempre correndo atrás dos meus objetivos,
força de vontade e paciência para aprender e estar sempre melhorando";
"filosofia de vida"; "caminho suave"; "disciplina e companheirismo"; "ajuda a
manter a calma/disciplina"; "desenvolvimento do meu ser (físico e cabeça)".
Considerações finais
De acordo com os objetivos, com base no referencial teórico e respeitando
as limitações do estudo, conclui-se que:




os judocas florianopolitanos demonstraram pouco conhecimento
sobre dados básicos relacionados ao histórico do judô;
desconhecem os princípios que compõe a filosofia preconizada pela
prática do judô;
parte dos judocas afirmou que utilizam os princípios filosóficos na
prática, mesmo que desconheçam teoricamente os mesmos;
parece que há uma contribuição da filosofia do judô no cotidiano,
principalmente quanto a mudanças de atitudes, no entanto,
algumas das mudanças citadas, poderiam ser adquiridas se os
mesmos estivessem praticando outra modalidade desportiva.
Diante de tais conclusões, percebe-se claramente que a prática do judô em
Florianópolis está direcionada à competição, e, estão sendo esquecidos os
pressupostos teóricos que são fundamentais na formação de judocas
cidadãos, tanto dentro quanto fora do tatame.
Referências bibliográficas
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ALVIM, J. Judô: nague-waza. São Paulo, 1975. 77p.
ARPIN, L. Livro de judô: de pé. Traduzido por Micheline Chistophe.
Rio de Janeiro: Record, 1970. 174p.
BORGES, E. O judô e suas simbologias ocidentais. Disponível em:
http.www.judobrasil.com.br. Acessado em: 24 nov. 2003.
CALLEJA, C. Caderno Técnico-Didático de Judô. Brasília: MEC,
Secretaria de Educação Física e Desportos, 1989.
SANTOS, S. G. dos et al. Estudo sobre a aplicação dos princípios
judoísticos na aprendizagem do judô. Revista da Educação
Física/UEM, n. 1. p. 11-14, 1990.
SHINOHARA, M. Manual de judô. São Paulo, 2000.
VIRGÍLIO, S. A arte do judô. Campinas: Papirus, 1986. 162p.

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