Luís van Seixas

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Luís van Seixas
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A Thisco por Luís van Seixas
I. Contexto e pretexto
Em 1999 já tinha queimado todas as etapas tendo em vista a edição do meu trabalho. Tinha sido finalista do Concurso
Jovens Criadores, contribuído com um tema para um CD da revista ProMúsica e contactado, pessoalmente, A&Rs de
algumas editoras nacionais: o Luís Carlos, da Simbiose; o Rui Miguel Abreu, da Valentim de Carvalho; e… penso que não
existia mais nenhuma para quem, à altura, quisesse fazer música invulgar…
O tempo passou e, como não obtive resposta positiva daquelas, decidi lançar-me na criação de uma editora
independente. Seria, como vim a comprovar, quase como um emprego: intenso, duro. E, ainda que desconfiasse que tal
me iria consumir o pouco tempo e dinheiro de que dispunha, senti que tinha de levar por diante este projecto. Assim,
ainda que tivesse tantas outras coisas mais interessantes para fazer, e que, presumivelmente, iriam mais ao encontro
daquilo a que um português considera prazenteiro, decidi passar os meus tempos livres a correr de um lado para o
outro a tentar encontrar apoios para a edição, a ‘cravar’ o design de uma capa, a tratar de licenciamentos junto da SPA,
a procurar o orçamento mais baixo para a duplicação e a encontrar vias de promoção. Ou seja, propus-me a relegar
para segundo, ou terceiro plano, actividades como desfrutar de uma boa tarde na praia, praticar um desporto ecléctico
ou beber uns copos num qualquer sítio fashion da noite lisboeta.
Paradoxalmente, foi nessa mesma noite, à porta do WIP, que pude falar com o Paulo Brás sobre a Thisco. No ar ficou um
possível apoio da Fonoteca Municipal de Lisboa que, acredito, foi o meu principal trunfo na tarefa de convencer o
Fernando Cerqueira a embarcar comigo nesta aventura. Com a experiência que tinha ganho na SPH, onde havia sido
responsável pela edição de Jimmy O´Rouke, KK Null, Kluk, Merzbow ou Zeni Zeva, o Fernando seria uma peça-chave na
Thisco, criando-lhe um conceito e estabelecendo-lhe um rumo. Soube ainda – e isto não foi menos importante – afastar
a editora das movimentações erráticas das elites culturais e aproximá-la de pessoas que, através da sua criatividade e
esforço, ajudaram a construir a obra que agora se comemora.
II. O conceito Thisco
O conceito Thisco já existia, mas carecia de uma materialização capaz de imbuir cabalmente qualquer espírito atento
que se lhe deparasse. O permanente confronto entre, por um lado, a consciência cognitiva e intransmissível de cada
indivíduo e, por outro, a sociedade de consumo compartimentada e passiva, eram o objecto de estudo do Fernando
Cerqueira, sendo que daí se originaram reflexões íntimas que, através do contacto com autores igualmente inquietos,
resultaram na escrita de poesia anagráfica cujo conteúdo exprimia a multiplicidade do THIS.
As combinações fonéticas e semânticas do THIS actuavam como mantras, e o ciclo rítmico forçava a passagem a outro
estado de consciência. Os CDs conteriam uma dose mais que suficiente da filosofia acultural do Fernando e, claro,
música – uma trilha sonora que foi sendo encontrada de forma gradual e, em regra, por mero acaso e fatalidade
geográfica.
Assim, aos poucos, foram sendo agregados ao nosso cardápio editorial, que já contava com os discos do meu projecto,
Sci Fi Industries, e do projecto que o Fernando mantinha com o Paulo Rodrigues, Ras-Al-Ghul, alguns dos mais
importantes nomes do corpus da electrónica subversiva europeia, e que faziam parte dos conhecimentos do Fernando:
Mimetic, Rapoon, Ah Cama-Sotz, Dither, This Morn-Omina, Phil Von, etc. Presentes nas primeiras compilações,
Thisconnected e Thisoriented, estes nomes afirmariam a determinação da Thisco no contexto editorial mundial, pelo
que esta passou a ser reconhecida, com tudo o que isso tem de bom e de mau, como uma editora europeia sediada em
Lisboa.
Mais tarde, levados pelo sentimento positivo criado pelas primeiras recensões na crítica mundial, começámos a
procurar cá dentro quem sentisse a mesma necessidade criativa, aliada a uma igual sensação de descontentamento
para com o programa da música para a nação.
III. Questão geográfica
As almas criativas nacionais surgiram por via da nossa curta geografia. Eu, como conservador-restaurador, corria o país
de lés a lés, e apenas tinha de ouvir e socializar. O Carlos Nascimento, aka Ghoak, então com apenas dezasseis anos, foime apresentado pelo Carlos Matos na sua loja, a Alquimia, em Leiria; e, mais tarde, nas mesmas circunstâncias, conheci
o Nelson Brites, aka Mikroben Krieg.
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Em Alcobaça, circa 2000, o Samuel Jerónimo negava-se energicamente a editar. Não havia ainda música; havia, sim,
notas, compassos, tempos, e renúncia ao timbre. Só percebi ao que podia soar a sua irrepreensível notação musical
quando, finalmente, alguns anos mais tarde, demos som a uma composição sua no Pod Studio. Mas a sua obstinação
sonora já era notória, e o seu reconhecimento como compositor contemporâneo uma certeza desde a sua estreia. Se é
um erudito ou não, só aos académicos interessa rebater.
O Eurico Coelho, aka L´Ego, estava perto, na sua terra natal, Setúbal, e ainda mais perto nos anseios. A
multidisciplinaridade artística na Thisco nasceu com ele em Ladrões do Tempo, obra-prima do sampling que, com a
participação do grupo Teatro do Mar, se fazia de vídeo-áudio-cénico-performance-arte.
Não sei bem como, mas a mensagem da existência de uma editora independente passou, pelo menos, a quem deveria, o
que sempre nos surpreendeu face à reduzidíssima visibilidade das edições da Thisco na imprensa portuguesa. E de
entre as melhores surpresas que recebemos esteve, certamente, o Rui Bentes, com o projecto shhh… O seu CD promo
logo se me entranhou. Foi um daqueles discos que desejei ter sido eu a produzir, tal como os discos de Begarly Banister
e Ghoak.
Infelizmente, o contrário também aconteceu. O Marco Miranda enviou-me mais do que uma vez o registo Phado, do seu
projecto M-PeX. Senti que estava ali um diamante em bruto a que me permiti polir, apontar na direcção certa e limitar o
espectro rítmico. A combinação de fado e electrónica nunca se tinha ouvido. Daí resultou um best-seller.
IV. a) Tabu quebrado
A legião nacional foi, assim, tomando forma ao ponto de ser imperativo compilar para partilhar - o que fazíamos e as
agruras por que passávamos. Explicar aos artistas que teriam de ser eles a pagar o seu próprio disco era difícil, mas, ao
longo destes dez anos, muitos foram os que aceitaram quebrar o derradeiro tabu, dando-nos o poder para fomentar
uma pequena revolução: editar sob a égide de um único selo, e do conceito Thisco, pagando o autor a sua obra e daí
recebendo a totalidade do valor resultante das vendas.
Mas o derradeiro tabu caminhava lado a lado com a sociedade de informação e o advento das netlabels. Momento
conturbado, aquele, para se erguer uma editora. De que servia então o CD senão como materialização de algo que o
mundo queria ver desmaterializado, virtual? Recorri-me da História para abraçar a razão. O que restava e resta do que
fomos é o que realmente conseguimos deixar como matéria.
Como não se consegue encontrar civilização sem arquitectura, ou cultura sem livros, o registo fonográfico assume-se
como potencial artefacto arqueológico. E, como ainda não encontrei melhor forma de o fazer, fi-lo com a mesma
necessidade com que escrevo estas linhas, o devir, a criação primordial per se.
IV. b) Tabu por quebrar
Outro tabu que nos acompanhou desde o início foi o das vendas. Em tempos conturbados escasseavam as
possibilidades de dar visibilidade a um CD num escaparate. Batemos às portas que nos pareceram óbvias: as lojas de
música alternativa da capital e as redes de distribuição nacional. Aqui deu-se o extraordinário acontecimento de
vermos negados os discos naquelas que, para nós, eram as lojas de referência. «Não é a música que os nossos clientes
procuram», disseram-nos. Não tenho dúvidas de que se sentiram ameaçados pelo fantasma da concorrência. Não havia
necessidade…
Face a este panorama, tiveram especial mérito algumas distribuidoras que connosco trabalharam, em particular a
White Zone, com a qual estabelecemos maior ligação. Mas as grandes superfícies vendem o que querem, não fazem
caridade, pelo que raramente houve espaço para as novidades nacionais.
V. O mainstream
A ausência de estilo é por si só um estilo. Justificação para as incursões de artistas diferenciados no catálogo da Thisco,
pois a razão é a própria música. Elena Horodiniceu surgiu pela mão de Jorge Caldeira, da SPA. Uma senhora que trazia a
cultura musical da Roménia dentro de si, a voz dos irmãos latinos do oriente e respectiva orquestra. Ela quebrou não só
o tabu de se autofinanciar com vista à edição, como rasgou com o ecletismo da electrónica na Thisco. Todavia, não foi
responsável pelo primeiro lançamento antagónico da Thisco. Esse pertenceu ao projecto In Tempus que, apesar de uma
fortíssima corrente política na lírica e de um cancioneiro revolucionário, gerou alguma discordância e incompreensão
devido à sua conotação gótica. Não era, definitivamente, um disco de massas, mas sim uma prova adicional do nosso
desassossego. Neste aspecto, só M-Pex, com Phado, pôde ser classificado como sendo de massas, esgotando todos os
exemplares deixados nas lojas Fnac a cada concerto dado. Mas, ainda assim, sem direito a airplay.
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Com C:\>_Thomar vimo-nos diante da face de uma electrónica mais abrangente e visível. Dança, música experimental e
rock partilhavam o CD, contendo Stereoboy, Peltzer, Zentex e U-Clic. Anteriormente, e em edição própria bipartida,
Slow Soldier e Flat Opak tinham convivido no mesmo espaço/tempo que o então escaldante electroclash, mas a favor
de todas as expectativas confirmava-se que não seria Portugal a gerar a next big thing.
Resumindo: o maior desafio, e aquele que admito não ter sido superado, foi a barreira do reconhecimento. Mesmo com
incursões em sonoridades mais acessíveis, não dispúnhamos de uma estrutura que permitisse dar atenção a críticos,
jornalistas, promotores de eventos e outros agentes que, ao contrário das editoras em Portugal, são mais que muitos. O
envio massivo de pacotes de CDs por via postal absorvia os nossos parcos recursos, e procurávamos, sempre que
possível, fazer a entrega em mão nos momentos em que se nos deparavam em carne e osso. Mas, e depois?
Receberíamos alguma atenção? Não digo uma página numa revista de grande saída, mas uma linha anunciando o
lançamento de um CD faria toda a diferença. Cheguei a telefonar à directora do Blitz para saber por que raio nem uma
palavra tinha sido escrita ao fim de seis edições em CD. Respondeu que quem estava em falta era a pessoa responsável
pela electrónica. E andávamos eu o Fernando a brincar às editoras.
VI. Negro distorcido
O encontro com a composição mais sombria teve sempre lugar na Thisco. Os bracarenses Vortex Sound Tech, com
Tatsumaki, City of Industry, do Barreiro, ou Devhour, de Santo Tirso, percorreram, a par de Sci Fi industries, os
caminhos mais difíceis da electrónica de dança. E, devido à sua ousadia, que os levou a experimentar e levar mais
adiante os padrões canónicos do drum’n’bass e breakbeat, foram obrigados a viver num limbo particular.
Do movimento industrial descobriram-se as novas fileiras de um exército nacional, que não carregava aos ombros a
mesma carga dos pais fundadores. Na sua música, encontra-se hoje a feliz e seguríssima combinação da batida techno e
leads de trance, com as já clássicas vozes distorcidas, mas carece de toda uma filosofia experimental que lhe deu alma.
Ainda assim, não resistimos a dar corpo à produção lusa que no seu sentido mais alargado surgiu em This Is
Industrial.PT. E também não deixámos de congeminar com a associação homónima formas de fuga ao marasmo.
De resto, também outros o fizeram pelos seus próprios meios, dando prática ao conceito do spreader. O projecto Dream
Metaphor saltou para fora da sua zona de conforto, combinando, ao vivo, música, vídeo e expressão corporal; o trio
Structura – um dos mais perseverantes na incorporação de spoken word – privilegiou o contacto com o público em
prestações irrepetíveis; Mikroben Krieg apresentou-se com um vídeo vívido de L´Ego e esplendorosa rebarbadora; e,
finalmente, Thermidor brotou no seu belo e teatral act ambiental, imerso em ficção científica verneana.
Não nego o meu passado imerso em guitarras e atmosferas góticas, pelo que sempre encontrei energia mais do que
suficiente para aturar, não só introspectivos músicos de quarto, mas também uma mão cheia de animais de palco: os
Waste Diposal Machine, de Torres Novas (ou Tomar), cujo CD deixei ir para a fábrica sem que o tivesse ouvido –
loucuras apenas possíveis para quem está aqui, do outro lado; e os F.E.V.E.R., de Lisboa, que teimaram em fazer tudo
diferente e, claro, para melhor. Deixaram-se remisturar ainda antes de lançar o primeiro álbum, quebrando o estigma e
dando conceito renascido ao título rock. Loucura possível só para quem está dentro. Muito dentro.
Por fim, não é possível falar em distorção sem enunciar Merzbow, em Dust of Dreams, e o seu conterrâneo KK NULL,
com Kosmo Incognita. Um passado de guitarras em ambos formatou a concepção de ambientes distorcidos, mas muito
reconhecíveis. Foram álbuns charneira na colocação da Thisco no panorama da electrónica ecléctica. Seja lá isso o que
for.
VII. Colaborar e associar
Foi determinante encontrar pessoas e entidades que estivessem dispostas a colaborar com a Thisco. Para além do
apoio basilar da Fonoteca Municipal de Lisboa, que disponibilizou todos os trabalhos gráficos, de capas a cartazes,
tivemos outros parceiros que nos ajudaram nas despesas restantes e que, por essa razão, importa mencionar: a Sondex,
que realizou praticamente metade das edições em CD, esforçou-se por reduzir o preço das duplicações; a loja
Ultravioleta, e mais tarde a Outra Face da Lua, que ofereceram algum dinheiro em troca do logotipo no verso das capas
e de meia centena de CDs para oferecer aos seus clientes; e a Alquimia, que apoiou a edição de Someareweird, de Ghoak.
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Por intermédio do Luís Lamelas, que nos abordou para editar os seus F.E.V.E.R., repartimos com a Raging Planet, de
Daniel Mackosh, o Electronics. Deste contacto desenharam-se as linhas de Thisagree & Shadow, compilação que saiu
com a Underworld. Seria uma afronta para os leitores da revista, mas uma prova cabal de comprometimento
associativo. Nesta altura, a Thisco já existia sob a forma de associação cultural, e contava com a colaboração de Marcos
Farrajota e da sua Chili com Carne (CCC, para abreviar), na procura de espaços para actividades ‘subversivas’: música,
banda desenhada e tertúlias má-língua q.b. Nasceu daí a edição das antologias aculturais Antibothis, que vão, à data, no
terceiro volume.
Foi já com o estatuto de associação que estabelecemos um protocolo com a Câmara Municipal de Almada. Potenciámos
esse apoio ao longo de dez edições, privilegiando a massa criativa da margem sul com bons resultados até na opinião da
edilidade.
Por fim, no que às colaborações diz respeito, a Connexion Bizarre actuou com promotora de Thermidor, e a associação
IndustrialPT, que tinha muitos pontos em comum com a Thisco, foi nossa parceira na organização de vários eventos em
que se repartiram anseios, custos, triunfos e desaires. Ficaram para a história as edições conjuntas e o desejo de
continuar permanentemente sob a égide do inconformismo.
VIII. O aspecto das coisas
Os nossos CDs são o resultado de algum bom senso e, mais uma vez, de inúmeros factores circunstanciais. Enumeramse assim: 1. O Carlos Proença, autor das primeiras capas, conseguiu cruzar muito bem um design agressivo, quase na
veia do metal, com a busca filosófica da Thisco enquanto conceito. Em Thisconnected, uma chuva de pregos caía, sem
solo à vista, de um céu nublado amarelo ácido. O maxilar inferior de uma caveira era, ainda assim, sinal de alguma
humanidade. Thisoriented, também da sua autoria, era mais gráfico: setas verdes torcidas em enxame colidiam com o
nada, sob o manto do negrume. Havia algumas similaridades com o layout típico da Warp, mas não passavam disso
mesmo, uma vez que não era nosso mote copiar outra editora; 2. O João Diogo pegou na expressão metálica de
Thisconnected e modelou máquinas industriais na forma do antropomorfo que aparece em Thiscology. Os universos
cibernéticos semi-humanizados seriam ainda por si revisitados em Electronic Thisturbance, Kosmo Incognita (NA:
«Brilhantemente!»), Final Cut, etc.; 3. Na mesma veia, Filipe von Geier foi o responsável pelas capas de Electronics, dos
F.E.V.E.R., e da compilação Thisagree & Shadow; 4. Carlos Galvão desenhou as capas dos primeiros discos de Sci Fi
Industries, onde procurou conferir uma atmosfera negra apenas quebrada por apontamentos gráficos e luzes em tons
complementares, de forma a potenciar o choque. É também dele a capa de Thisobidience: These Guys Gone Out!, numa
alusão mais do que evidente a The Sky's Gone Out, dos Bauhaus; 5. Outro Carlos, o Carlos Nascimento, criou a capa do
seu disco de estreia, Someareweird. Outros fizeram o mesmo: L´Ego concebeu a capa do seu Ladrões do Tempo e Miguel
Seixas, aka Flat Opak, de Sloppy Seconds. A proximidade natural do Miguel, levou a que me socorresse deste ilustrador
de créditos firmados em Shock of This Light e New Under the Volt; 6. O Paulo Romão Brás, parceiro da Thisco desde o
primeiro dia, foi o responsável pelas peças de design delicado e de extremo sentido de harmonia que capeiam
6.Factor.ep, Symptom of Thisease e Personal Plot; 7. Samuel Jerónimo confiou o design a outros, mas escolheu por duas
vezes a pintura orgânica e rica de Ricardo Pacheco para Rima e Rondas. Uma escolha que se mostrou acertada e
profícua.
XI. Samizdata e Thiscotronica
Era impossível resistir à combinação fonética e óbvia de Thisco e Electrónica. Os eventos foram recebendo esta
designação e tomaram lugar um pouco por todo o país. De Braga a Lagos, e praticamente por todo o litoral de Portugal
Continental, foram vários os projectos associados à Thisco que mostraram a sua força criativa. Como em tudo o resto,
porém, o interior não se deu a conhecer, excepção mui honrosa feita aos extraordinários povos de Bragança e Leiria,
onde fomos extraordinariamente bem recebidos, muito por força da ligação ao Carlos Matos e à Célia Lopes.
Claro está que as apresentações não eram (ou são) grandiosas e arrebatadoras – um tipo frente a umas máquinas ou a
um PC portátil a rodar botões… –, mas serviram para motivar alguns dos espectadores a abraçar a causa. A Caixa
Económica Operária foi palco de uma série de happenings, de entre os quais destaco a apresentação dos Novembro,
com o seu singular fado electrónico cantado (mais tarde editariam pela Lisboa Records, de Rodrigo Leão); uns
Structura em plena vitalidade e pulmões; M-Pex numa das suas primeiras aparições; e o Dezcalabro, naquela que foi
para mim a ofensiva mais pujante do colectivo Tech-Core-Brokenbeat em Lisboa.
O facto é que só nos apercebemos que a imprensa escrita e a blogosfera se haviam ressentido pela perda de (mais) uma
sala de eventos alternativos na capital, quando fechámos o ciclo. Curiosamente, abandonámos o projecto por via da
repetida inépcia dos média face ao Samizdata. (Se voltar a montar um editora que seja de revistas.)
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O Espaço, um híbrido de bar, galeria e casa particular desconcertante de clientela ébria, foi o refúgio encontrado,
proporcionando noites condizentes com os adjectivos atrás mencionados. A falta de insonorização condicionou
grandemente os concertos. A repetida incapacidade de comunicação da gerência (da uma da manhã para a frente)
forçou a rotura e obrigou ao adiamento do concerto do belga Ah Cama-Sotz. Que fique, ainda assim, registado o esforço
de todos os participantes. Uns por se manterem sóbrios; os outros por não conseguirem viver na sobriedade.
X. Números versus Pessoas
Resta explanar e quantificar do modo mais científico possível, dez anos de edições Thisco.
Sessenta discos em dez anos dá qualquer coisa como um CD a sair para o mercado a cada dois meses. Significa isto que
alguém teve de resolver em sessenta dias todas as burocracias e solucionar todos os entraves à edição em Portugal. E,
como tudo em Portugal, querer fazer algo é um caminho de silvas. Fazer é já uma palavra muito difícil de conjugar;
fazer muito não vem sequer no dicionário. Mais de duzentos artistas nacionais, e perto de setenta estrangeiros, são a
matéria de que se fez este sonho. Números extraordinariamente grandes para uma estrutura tão pequena - dois: o
Fernando Cerqueira, que é a cabeça por trás disto tudo, e eu, que sou os braços.
Dos números e da lógica se conclui que tudo isto só foi possível graças a pessoas que não são números. São mentes
despertas e almas inquietas capazes de olear, no momento certo, a mais enferrujada das rodas. Quando pensávamos em
desistir, alguém trazia um tema novo que merecia edição. Ou então lá surgia um projecto válido com vontade de
trabalhar connosco, ou era o Samuel Jerónimo que concluía mais um disco. Tudo isso nos foi dando algum alento, o
suficiente para nos aguentar mês após mês.
Assim, e para concluir este testemunho, desejo agradecer às seguintes pessoas, pedindo desde já perdão por alguma
inexactidão na enumeração das almas: Carlos Proença, o webmaster e designer dos primeiros CDs, e todos os restantes
artistas gráficos já enunciados; José Cabanilhas, que partilhou da trindade associativa quando recém-criada; Eurico
Coelho; Graciete Claro; Luís Pedro; Luís Lamelas; Diogo Oliveira; Filipe Sousa; David Benasulim; João Alves; Abel
Raposo; Arminda Melo; Jorge Mantas; João Queirós; Paulo Coelho; Jorge Oliveira; Marcos Farrajota; Miguel Melo; Nuno
Faltas; Pedro Morgado; Samuel Melro; e Cristina Gaspar. Todos eles foram associados perfeitos.
Agradeço ainda a todos aqueles que compraram edições da Thisco, em particular àqueles que preferiram gastar um
euro num CD nosso, ou num dos nossos eventos, em vez de seis euros numa qualquer bebida branca.
E a última linha é dedicada ao Paulo Romão Brás e à Alda Gomes, da Fonoteca Municipal de Lisboa. Sem eles não
haveria Thisco.
Um bem-haja a todos!
Thiconnected.
Luís van Seixas
(Músico e editor)
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