Mundo sem forma_Moneo - Companhia dos Cursos
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Mundo sem forma_Moneo - Companhia dos Cursos
PARADIGMAS FIM DE SÉCULO ♦ Fragmentação e compacidade na arquitetura recente Rafael Moneo As décadas passam rapidamente. E se as usamos como unidades de tempo para refletir as mudanças na cultura e, portanto, na arquitetura, tem que se reconhecer que nos encontramos no fim dos anos 90. Que interesses prevaleceram ao longo desta década? Poder-se-ia dizer que esta tem sido uma década dominada pela fragmentação. É certo que fragmentação é um conceito demasiado amplo. E sou também consciente da atração que resulta hoje a visão fragmentada da realidade, quando as ciências são incapazes de estabelecer um modelo unitário com o qual contemplar a natureza e quando a sociedade nos força mais e mais a uma diversidade que parece tornar inevitável a referência a um mundo fragmentado, rompido. Fragmentação é hoje para nós uma metáfora, que em termos de forma nos ajuda a descrever a realidade que nos rodeia e, portanto, vendo as coisas deste modo, alguém se sentiria inclinado a dizer que uma arquitetura fragmentada reflete o mundo contemporâneo, caindo uma vez mais na inevitável armadilha do zeitgeist para justificar nosso trabalho. Entende-se a atração que tem a metáfora. O mundo ao nosso redor é heterogêneo e rompido. Nada sugere unidade. Os escritores em seus textos e os pintores em suas telas e construções se concentram em mostrar-nos um panorama decomposto e desconjuntado, no qual se captura uma realidade fragmentada. Por que os arquitetos deixariam de fazer o mesmo? De outra parte, com lentidão, mas com constância, essa fragmentação parece haver se dissolvido em uma atmosfera mais geral que reclama um mundo sem forma, caracterizado pela fluidez, pela ausência de limites, pela constante mudança, onde a ação é mais importante que qualquer outra qualidade. A ação tem passado a ser um valor em si mesmo. Algo que não necessita de uma representação específica. Como resultado de tal endeusamento da ação, a cena arquitetônica tem se convertido em algo indiferente, inclusive me atreveria a dizer, em algo que conscientemente renuncia aos atributos. A fantasia hoje nos leva a um mundo no qual a forma como categoria está ausente. Como conseqüência, a arquitetura contemporânea se define a si mesmo como algo rompido, descontínuo, quebrado e fragmentado, ou, no pólo oposto, como algo inapreensível, instável, fluido e sem forma. A cena é imprecisa e pouco definida. Não somente no sentido figurado, mas no sentido mais literal, a arquitetura parece interessar-se hoje, tanto por formas rompidas e fragmentadas como por texturas, artifícios, reflexos. Inclusive a idéia do edifício enquanto tal está hoje submetido à discussão. ORIGENS DA IDÉIA DE FRAGMENTAÇÃO As origens da fragmentação são incertas. Algumas pistas acerca do que se poderia entender por forma rompida foram vistas no trabalho de artistas como Giulio Romano, ou, mais tarde, em obras de arquitetos como Fischer Von Erlach em um projeto como Kariskirche. Porém, para nossos propósitos, a primeira mostra clara de fragmentação a encontramos nos desenhos de Piranesi para o Campo Marzio. Neles há um claro entendimento do que significa a destruição daquela unidade tão deliberadamente perseguida desde o Renascimento. Muitas vezes se tem insistido que o que Piranesi buscava era a liberação da forma. Taufuri escreveu preciosas e luminosas páginas sobre Piranesi e não creio que seja preciso competir com o que ele disse. Assim é que citarei a Piranesi em sua descrição dos desenhos do Campo Marzio. “O encontro dos organismos imersos em um mar de fragmentos formais dissolve, inclusive, a memória longínqua da cidade como lugar da Forma”. Frente a qualquer das versões da cidade e, portanto, da arquitetura como natureza, Piranesi enfatiza sua artificialidade produzindo uma colisão de formas e figuras que de modo algum podem ser entendidas como um todo orgânico. “A exasperada articulação e deformação das composições já não pertencem a um ars combinatória. O encontro das macaquices geométricas já não está regulado por uma harmonia preestabelecida”. O que Piranesi pretende é enfatizar o nascimento de um arquiteto que trabalha mais além do significado, fora de qualquer que seja sistema simbólico e alheio à mesma arquitetura. Piranesi descobriu o que Taufuri chamou de “autoridade da 1 linguagem”. O objetivo é mostrar “a absoluta arbitrariedade da escrita arquitetônica, sua condição específica que a faz ser por completo alheia a qualquer origem natural”. A idéia de coerência, a idéia de forma orgânica, fica demolida de uma vez por todas. IDÉIA DE FRAGMENTAÇÃO NO SÉC.XIX Para bem ou para mal, o século XIX esqueceu o programa de Piranesi. Seu positivismo levou à busca de regras e normas, abandonando aquela ansiosa persecução de liberdade formal que aparecia na obra de Piranesi. Os teóricos da arquitetura se sentiram atraídos pelas normas e regras de composição e, como resultado, a arquitetura do século XIX pode ver-se hoje como uma coleção de tipos. Tão somente alguns arquitetos ingleses se interessaram pelo pitoresco, sendo ali onde a idéia de fragmentação sobreviveu. Porém, naquele pitoresquismo, era realidade uma indulgente valorização das qualidades visuais que prevalecia, dando lugar a uma arquitetura na qual a massa dos edifícios se rompe e se fragmenta, numa intenção de aproximar-se da diversidade da natureza que, de outra parte, distanciava-se de qualquer tentação de mostrar, no construído, a força da autoridade ou de poder. IDÉIA DE FRAGMENTAÇÃO NO SÉC.XX A fragmentação volta a aparecer com renovada energia no começo do século XX. De novo os pintores serão os mais sensíveis a essa corrente. Pode-se falar em fragmentação em muitas das obras da primeira vanguarda, em obras cubistas, construtivistas, neoplásticas, dadaístas, etc. A visão unitária que proporcionava uma teoria orgânica da forma e a que dava força ao uso da perspectiva como único instrumento de representação ficou, então, definitivamente abandonada pelos pintores. Os arquitetos, imediatamente, seguiram seu exemplo e daí que ninguém pode se surpreender se usamos o termo fragmentação quando falamos de Le Corbusier, Rietveld, ou inclusive de alguns projetos de Mies. Como Robin Evans tem assinalado, os trabalhos de arquitetos como Scharoun e Aalto seriam completamente incompreensíveis sem a idéia de fragmento. Portanto, pode-se dizer que o modernismo, que terá seu apogeu nos anos 50, convertendo-se na linguagem das instituições, se serviu da fragmentação, ainda que fosse de uma maneira escondida e camuflada. A fragmentação aparece de uma maneira tangível em algumas obras de Louis Kahn, como o Monastério das Dominicanas, e mais tarde será um discípulo seu, Robert Venturi, quem nos ensina a apreciar, na arquitetura que nos rodeia, as anomalias e os encontros, as colisões e as rupturas. IDÉIA DE FRAGMENTAÇÃO NOS ANOS 70-80 Cabe dizer que a questão da fragmentação entrou no discurso acadêmico contemporâneo, em 1981, com o livro Collage City, de Colin Rowe e Fred Koetter. Coincidindo com alguns pontos do texto de Venturi e conhecedores provavelmente do trabalho dos arquitetos italianos associados à tendência, Rowe e Koetter celebram a anomalia e se concentram na ruptura das normas estabelecidas pela modernidade ortodoxa. Os olhos de Rowe são, sem dúvida, os olhos de alguém que desfruta da paisagem da história: é nela onde arquitetura está inevitavelmente carregada de significado ideológico, respondendo com ele às instâncias da sociedade. O que Rowe aprendeu da história, do panorama da história que se abria diante de seus olhos, logo começou a converter-se em material utilizável nas escolas. A fragmentação que Rowe nos havia ensinado a ver na planta da cidade antiga se converteu em instrumento: os arquitetos começaram a fantasiar com a idéia de que era possível manipular o tempo. A fragmentação, portanto, como paradigma da ficção de poder fazer e manipular a história. Muito populares nos anos 70, as técnicas historicistas de Rowe e Koetter ficaram rapidamente esquecidas nos anos 80. Obviamente, quem via a fragmentação direta e literal como um novo evangelho, estava reagindo aos excessos do pósmodernismo. Logo, a fragmentação se estendeu a uma nova versão do modernismo precoce. Críticos como Bruno Zevi haviam continuamente reclamado a ruptura da caixa, cuja construção era tarefa da maior parte dos arquitetos naqueles anos. E sobre aqueles arquitetos interessados na fragmentação se voltaram os olhos dos estudantes e críticos que buscavam escapar do pós-modernismo. Provavelmente ninguém representava essa atitude melhor que Frank Gehry. Não creio que seja exagerado dizer que os anos 80 e princípios dos 90 têm estado dominados por essa poderosa figura. De outra parte, a fragmentação encontraria um aliado nos filósofos franceses, que com o construtivismo estavam intentando 2 desmantelar a consciência canônica do texto escrito. A metáfora da necessária destruição do texto para chegar a possuí-lo, algo que está na mesma base da ação de ler, foi rapidamente absorvida por alguns arquitetos e teóricos que pensaram que poderiam usar a etiqueta de construtivistas, a fim de designar a nova tendência arquitetônica. Desde os anos 80, a deconstrução que, em nossa simplificada terminologia, significa fragmentação, aflorou como uma nova ideologia estética e como um novo procedimento arquitetônico que se consolidou ao longo da última década até converter-se em algo próximo a uma maneira de fazer. FINS DOS ANOS 80 E ANOS 90 Porém, junto a esta tendência que leva à fragmentação, apareceu ao final dos anos 80 um novo movimento. A iniludível atração de um mundo sem forma caracteriza este fim de século. O poder de prescindir da forma é um novo modo de estar neste mundo. As origens de tal atitude não há que se buscar no Renascimento ou na Ilustração, como ocorria com a fragmentação. Esse novo modo de ver as coisas é, em verdade, característica destes últimos anos, quando a comunicação eletrônica, a informação global e a imagem virtual parecem haver eliminado o interesse que homens e mulheres tinham nas formas e em sua representação. A forma sugere algo congelado, estático, uma ordem estabelecida que limita nossa conduta e daí que acaba sendo inútil e autoritária. O mundo atual reclama ação e não necessita, como o passado, um cenário iconográfico ao redor de nós. Somente a ação conta, e isso é válido e pertinente em quaisquer que sejam as circunstâncias. O processo de globalização tem trazido consigo a perda de valor daquilo que até agora temos chamado de específico. A indiferença e a disponibilidade prevalecem. Viver é hoje a experiência contínua da eleição. A forma, ao contrário, está relacionada com o permanente, obstaculizando o potencial que encerra o futuro e daí que haja caído em desgraça. Uma vez mais são os pintores que enfatizaram esse enfoque. Pintores tais como Fautrier e Dubuffet, Twombly e Fontana, levaram até o limite as experiências visuais e táteis da vanguarda. A busca de um objeto com entidade própria ia a desaparecer em seus trabalhos. Em suas obras, todavia, a pintura estava concebida como uma tela, mas nem a vontade de reinventar formas nem a condescendência com qualquer que fosse a representação aparece. Falam mais sobre informação, de uma certa presença da matéria, do incontrolável da mente, da falta de referência, da ignorância dos limites, etc. Insistem sobre a questão do incompreensível, e de que qualquer intenção de defini-lo através da representação não tenha sentido. A pintura é algo privado que se gera fazendo-se uso da atitude, fica absorvida por um mundo invadido pela presença da memória, um mundo que faz sua aquela incomunicabilidade que os pintores tratavam de refletir em suas telas. Ainda que haja algumas intenções de fazer arquitetura utilizando esses princípios – algo assim pretenderam fazer os situacionistas – me parece que tem sido somente ao finalizar os 80 e durante os 90, quando a tentação de seguir esse caminho se tem feito sentir. Como os arquitetos têm feito sua essa estética? Por um lado, poderíamos falar de uma arquitetura que ignora o objeto, a iconografia, os elementos estruturais, etc., e que tão somente lhe preocupa criar condições físicas que favoreçam a vida e a ação. Daí ter sentido falar de uma arquitetura como paisagem, que potencializa a mobilidade sem interferir com a vida. Tal arquitetura faz suas questões que já apareceram na obra dos mega-estruturalistas, mas, em última palavra, é indefinível, imperceptível. Tratase mais de recriar artificialmente uma topografia alternativa. De algum modo, e, apesar da consciência de que só a artificialidade conta, há nessa atitude um desejo oculto de encontro com a natureza. Porém, o arquiteto responsável de tal arquitetura desfruta com o nada, com um mundo sem forma, dado que ela, como dissemos, não é necessária e ainda mais pode ser qualificada como anacrônica no mundo de hoje. A arte mais recente e o solo das galerias têm-se convertido na nova tela, onde os objetos descontextualizados se convertem em protagonistas. Na arquitetura sem forma de hoje em dia, um manipulado plano horizontal é dotado de uma certa articulação que sugere a proteção que oferecia a arquitetura antiga, antecipando uma vida alheia a qualquer convenção preestabelecida. Devido ao fato de que a arquitetura não é de modo algum comunicação, se tem abandonado a obrigação de inventar linguagens. A arquitetura, hoje, pretende estar viva, ignorando qualquer referência a conceitos tais como linguagem, maneira ou estilo. Alguns discípulos de Rem Koolhaas, 3 hoje presentes no mundo, parecem sentir-se atraídos per essa tendência, difundida amplamente através das revistas de arquitetura. Porém, há outros modos de dissolver a arquitetura em uma construção sem forma. Seria conveniente recordar como os pintores dos anos 50 redescobriram o valor estético da matéria. Se alguns arquitetos em busca da arquitetura sem forma identificaram seu trabalho com o que se pode chamar de “arquitetura como paisagem”, outros, atraídos pelas experiências dos minimalistas, se inclinaram pelo abandono da forma, propondo a construção de volumes prismáticos, onde somente sua materialidade se faz presente. A solução de qualquer programa de arquitetura, em um inócuo envoltório prismático, se converte em esforço deliberado para rechaçar qualquer compromisso com uma forma específica. Se Taufuri diz sobre o silêncio que se produz deixando as coisas falarem por si mesmas, aqui e agora nós podemos falar do silêncio real que traz consigo a muda condição das formas primárias. Nos encontramos tão próximos às origens, que a obra enquanto tal não existe. A construção passa a ser o único meio de expressão. A continuidade entre forma e matéria se converte em uma questão substancial e a transição do material à quase existente forma é a cerimônia que esses arquitetos celebram. Dá-se, então, prioridade à pele. A superfície prevalece. A arquitetura enfatiza as artificiais e levianas superfícies que refletem todo o potencial do desenho. Essa arquitetura brilhante, envidraçada, na qual nos vimos refletidos ao negar qualquer identidade formal ao volume construído, desaparece na percepção. Algumas das mais valiosas obras recentes pertencem a essas meritórias intenções. Mencionarei a obra de Herzog e De Meuron para ilustrar. Uma vez que temos chegado a esse ponto, de haver descrito as duas tendências arquitetônicas que têm caracterizado dos anos 90, deveria perguntar-me: são esses os dois únicos modos de fazer arquitetura? Essa é uma questão que gostaria de responder com os projetos que citarei agora. Sou consciente do impacto que o zeitgeist tem em todo o nosso trabalho. Temos aprendido através da história da arte como estabelecer uma certa continuidade entre todas as atividades humanas e que, na verdade é forçoso reconhecer, qualquer manifestação das artes visuais em um determinado período de tempo não é alheio aos interesses daqueles momentos. Porém, tal reconhecimento não implica em uma única direção, um só modo de proporcionar testemunho da realidade na qual nos encontramos. Dito isso, gostaria de manifestar que não pretendo, de modo algum, voltar idéia de uma forma orgânica. Temos aprendido a ver a arquitetura e as cidades com olhos menos condescendentes, capazes de apreciar a diversidade do mundo ao nosso redor, diversidade que impede de fazer uma descrição unitária do mesmo. Apesar de estar falando da forma, não tenho em mente um sentido orgânico, platônico, da forma. A dificuldade que implica pensar na imanência da forma e, portanto, na impossibilidade de considerar um processo de criação através de arquétipos, é algo que os arquitetos têm consciência, algo que temos apreendido e aceitado. Todavia, a presença da forma é necessária para qualquer construção. O conceito de “formatividade”, usado pelo filósofo italiano Pareysson, me parece crucial para entender como se constrói uma obra de arquitetura. Deve-se destacar o compromisso que o projetista tem com qualquer arquitetura, entendendo-se que tal compromisso implica referendar sua plena responsabilidade no que faz, o que nos leva a insistir em uma liberdade que prevalece sobre qualquer tentação de determinismo. Porém, o exercício da liberdade não pode acontecer em um mundo no qual não aparecesse a forma. Dito de outro modo, a presença da forma é garantia de liberdade para o arquiteto. Esse é o ponto que gostaria de insistir hoje. A arquitetura pode ser manipulada com liberdade, sem nos ver dominados pelos fortuitos resultados a que leva a fragmentação indiscriminada, sem terminar na plana e simples arquitetura como paisagem, a qual parece ser a meta de quem persegue um mundo sem forma ao nosso redor. Em outras palavras, talvez seja possível uma arquitetura que não esteja fragmentada e que não tenha ficado reduzida à condição de nova topografia. Há lugar para um mundo arquitetônico liberado de simetrias, partidos, eixos autoritários... E todos aqueles mecanismos a que os teóricos da Beaux Arts trataram de transformar em ciência articulada. Que os arquitetos desfrutam de liberdade dentro dos limites da disciplina visual a que chamamos arquitetura é algo que gostaria de demonstrar através dos meus projetos. 4 Em todos eles, tenho tratado de responder às condições específicas do lugar e do programa, com ajuda de mecanismos puramente arquitetônicos. Cada um deles oferece uma idéia de forma que aceita os limites ditados pelas circunstâncias, comprometendo-se com algumas respostas arquitetônicas previstas, que abrem a porta à exploração de mecanismos mais precisos. ARQUITETURA COMPACTA Todos os projetos têm em comum um certo gosto pelo compacto. Essa noção de arquitetura compacta não é nova. Construir mantendo as restrições de um perímetro mais ou menos regular sempre foi uma meta perseguida pelos arquitetos: quem constrói sabe que encerrar um volume maior em uma superfície menor é sempre desejável. Há sempre uma recompensa formal quando se trabalha em termos de uma economia intrínseca. Assim tem ocorrido sempre, tanto no presente como no passado. Na arquitetura romana, é fácil encontrar exemplos em que uma estratégia planimétrica leva a considerar o uso do espaço interior com aparente esquecimento do perímetro, criando-se um mosaico de elementos autônomos que desafia a composição com mecanismos convencionais. A arquitetura muçulmana oferece, também, preciosos exemplos de arquitetura compacta. Os perímetros das cidades muçulmanas são capazes de absorver a mais diversa arquitetura, ajustando figuras regulares sem seguir a tirania dos eixos perspectivos. Mais tarde, um arquiteto como Scamozzi, mostra também, com clareza, como uma superfície regular é capaz de ser decomposta em toda uma série de figuras definidas por paredes e pátios, janelas e escadas, salas e dormitórios, obtendo com uma admirável contigüidade e continuidade o espaço sem respeitar um partido previamente estabelecido. E, em tempos recentes, Terragni nos oferece admiráveis exemplos de arquitetura que satura a planta, dando uso aos espaços intersticiais e sempre disposta a provocar episódios arquitetônicos atraentes. O compacto, portanto, não é um descobrimento, mas sim um modo antigo de entender a arquitetura. O compacto é uma maneira de responder a uma realidade de fio duplo: por um lado, o edifício urbano e, por outro, um mundo interior autônomo. Daí que minhas propostas arquitetônicas tenham sido concebidas primeiramente para responder de maneira apropriada às condições da construção urbana na qual se inserem. Todos esses projetos procuram ser respeitosos com o lugar e pretendem fazer parte dele, se bem que criando uma nova percepção do que eram as condições prévias. Pensando desse modo, a ninguém surpreenderá que essas massas construídas sejam o resultado de um processo de divisão e não de agregação. Porém, todos esses edifícios mantêm viva a realidade interior, realidade na qual, em meu modo de ver, se manifesta a animação de tudo aquilo que se constrói. MUSEU DE BELAS ARTES DE HOUSTON O Museu de Belas Artes de Houston é um exemplo claro da atitude mencionada acima. Não via nenhum outro modo de operar naquele lugar que não fosse o fazer uso intensivo do solo que dispúnhamos. Houston é uma cidade que não permite outra percepção dos edifícios que não seja aquela que proporciona o automóvel e, em meu entender, esse fato não oferecia a oportunidade de considerar-se o Museu como um objeto a ser abordado a pé por quem caminha pela cidade. O edifício, assim, se divide em toda uma série de compartimentos e espaços conectados mediante um fio condutor oculto, a que confiamos o movimento dos visitantes. O Museu explora o telhado tanto para potencializar seu perfil como para proporcionar luz nas galerias dispostas abaixo dele. CENTRO CULTURAL DE DON BENITO No Centro Cultural de Don Benito, o compacto volta a aparecer como resultado de um uso intenso do solo. Com efeito, se sobrepôs cinco pisos, conseguindo proporcionar luz natural à maior parte deles mediante um sistema de lanternins. PREFEITURA DE MURCIA Na Prefeitura de Murcia, um edifício fecha o espaço de uma praça singular, aceitando ser um prisma estrito e regular. Não obstante, o edifício se rompe mantendo o perímetro regular, enfatizando o conjunto fragmentado de pilares que nos é apresentado como uma versão renovada dos velhos retábulos (painel que enfeita um altar) espanhóis, embora à margem de qualquer ordem tradicional. MUSEU DE ARTE MODERNA E ARQUITETURA DE ESTOCOLMO No Museu de Arte Moderna e Arquitetura de Estocolmo, o conjunto de salas que se levantam na Ilha de Skeppsholmen mantém 5 o caráter de pavilhão que têm as construções existentes e se dispõem sobre o terreno com grande liberdade. As salas formam, literalmente, pacotes, dando lugar a peças compactas associadas com cada uma das coleções do Museu, ao mesmo tempo em que proporcionam ao edifício a escala adequada. Obviamente, conviver com os edifícios existentes em Skeppsholmen e manter intacto o perfil da cidade de Estocolmo era o que se pretendia aqui. ♦ Texto para uso no ateliê do Trabalho Final de Graduação da FAU-PUCRS, extraído da Revista El Croquis n°98, p.198-202. Também publicado na Revista Arquitectura Viva n° 66, mayo-junho 1999, p.17-24. Tradução livre, inclusive com inserções de sub-títulos adicionais, do professor Renato Menegotto. KURSAAL DE SAN SEBASTIÁN No Kursaal de San Sebastián tem que se falar de arquiteturas compactas, fragmentadas e minimalistas ao mesmo tempo, o que faz com que a explicação tenha um maior grau de sofisticação. Por outra parte, tem que se reconhecer que aqui o material desempenha um papel importante. Não obstante, no meu entender, nesse projeto se oferece uma alternativa tanto para a fragmentação como ao minimalismo. Um primeiro olhar nos levaria a pensar que se trata de uma estrutura fragmentada; porém, uma avaliação mais apurada nos faz ver que os possíveis fragmentos ficaram consolidados e encontraram seu lugar, tendo como meta a obtenção dos espaços que estávamos buscando. Nada é fruto do azar. De outra parte, podemos falar do compacto quando observamos como tão generoso programa ficou absorvido em volumes limpos. Sua simplicidade nos levaria a falar também em minimalismo. E concluo. Vejam-se os documentos e as imagens para mostrar mais claramente o compromisso com uma arquitetura que tem fé tanto no uso dos princípios como nos mecanismos de que se tem servido ao longo do tempo. Em minha opinião, uma das obrigações das escolas é ajudar os estudantes a descobrir tais mecanismos e princípios através do conhecimento do que a arquitetura é e tem sido. Porém, me dou conta que tenho dito obrigação quando deveria ter dito prazer. Estou seguro de que o estudo da arquitetura fascina tanto ao leitor como a mim. Espero que a apresentação do meu trabalho mostre a inevitável atração que sinto pelas questões que considero estejam no coração de toda a arquitetura. 6