A justiça e o ótimo

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A justiça e o ótimo
Escola de Governo da Fundação João Pinheiro
TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 41
A JUSTIÇA E O ÓTIMO
Sulamita Crespo Carrilho Machado
(EG / FJP)
Belo Horizonte, outubro de 2007
2
A JUSTIÇA E O ÓTIMO
Sulamita Crespo Carrilho Machado1
Pesquisadora da Fundação João Pinheiro
RESUMO: O artigo apresenta breve evolução da Escola do Direito e Economia, alguns de seus principais
argumentos e comentários comparativos com a tradição do direito continental.
PALAVRAS-CHAVE: Direito e Economia, direito anglo-saxônico, direito continental, justiça, eficiência.
ABSTRACT: The article presents brief evolution of Law and Economic, some of its main arguments and
comments in comparison with civil law.
KEYWORDS: Law and Economics, Common Law, Civil Law, justice, efficiency.
“For the rational study of the law the black-letter man may be
the man of the present, but the man of the future is the man of
statistics and the master of economics”.
Oliver Wendell Holmes, The Path of the Law.
1. Introdução
O movimento do Law and Economics, de origem mais recente no commom law2, ao
chegar ao Brasil, país de tradição jurídica continental3, requer considerações quanto aos
institutos e princípios regentes, dadas as características de cada um dos sistemas jurídicos.
Além, em sendo estudo de interseção de duas áreas de conhecimentos distintas, relevante
tratar de tais pontos através de linguagem acessível que, preservando a terminologia que
lhes é própria, permita a compreensão adequada das matérias.
Por este motivo, o artigo que ora se apresenta destina-se a um público de juristas e
economistas, mas com especial atenção para estes, pela dificuldade quase sempre
mencionada de alcançar o “mundo jurídico”.
Para tanto, será exposta breve evolução, em seguida serão feitos comentários a
alguns dos principais argumentos da Análise Econômica do Direito e, ao final, uma idéia de
justiça conciliadora do ótimo.
1
Professora de Direito, Advogada. Doutora em Filosofia do Direito pela UFMG.
Vide DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo; tradução de Hermínio A. Carvalho.
São Paulo: Martins Fontes.
3
Idem.
2
3
2. Cenário
A aplicação de conceitos econômicos4 ao direito remonta ao pensamento iluminista
e tem no utilitarismo as figuras de Bentham e Mill seus antecedentes mais distantes.
Maquiavel também teria sido um dos precursores de tal iniciativa, na sua origem européia,
portanto, na denominada primeira onda da Law and Economics, quando já haveria a análise
do comportamento humano como resultado de uma escolha racional em termos de relação
entre custos e benefícios.
A evolução histórica da análise econômica do direito também tem representantes na
Escola Histórica e na Escola Institucionalista, entre os anos de 1830 a 1930 na Alemanha,
mas entra em declínio com o avanço da Sociologia.
No entanto, no século XX, as maiores expressões do movimento do Law and
Economics estão na Escola de Chicago entre as décadas de 60 e 70, nos estudos críticos
entre os anos de 1976 a 1983 nos Estados Unidos, na Escola Austríaca e na tendência do
neo-institucionalismo.5
A escola descende da linha do pragmatismo americano, de influências tal como a de
Roscoe Pound, tendo por precursores nomes como Ronald Coase e Guido Calabresi e vai
encontrar seu maior expoente no Filósofo do Direito Richard Posner da Universidade de
Chicago.
O interesse crescente pela análise econômica do direito coincide com um
deslocamento da atenção da Teoria do Direito da Europa Continental para a pesquisa nos
Estados Unidos, tanto pela difusão da língua inglesa e da cultura americana, quanto pela
nova geração das universidades americanas e pelo advento da internacionalização. Por
outro lado, entre os teóricos europeus não há produção equivalente à americana, sendo que
o maior interesse encontra-se entre os advogados e nem tanto entre os economistas. Na
Espanha6, mais do que a importação do modelo, tem interessado suas aplicações, ao passo
que, na Itália, discute-se a noção de eficiência7.
A teoria da L&E é uma aplicação da filosofia pragmática, tem por fundamento uma
4
“Economics as a science may be considered to go back to the late eighteenth century, when Adam Smith
wrote his Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (…).”. (MACKAAY, p. 67.).
5
Mackaay divide a segunda onda do movimento da L&E em cinco períodos: “It will be helpful, in dealing
with the law and economics movement, to distinguish several periods: the beginnings, paradigm proposed
(1958-1973), paradigm accepted (1973-1980), paradigm questioned (1976-1983) and the movement shaken
(from 1983 onwards).”(MACKAAY, p. 71).
6
PASTOR, p. 346.
7
“To begin with, lawyer-economists must still contend with the perenial claim that the notion of efficiency is
politically biased. The choice of efficiency as the reference point or crucial paradigm of value judgment is
regarded with suspicion by those who believe that the law cannot neglect distributive concerns.” ZACCARIA,
Giuseppe. Una Teorie del Pragmatismo Prescritivo. Sulle Jurisprudence di Richard A. Posner, in FURGIULE
(ed.), Diritto Privatto, 1995, I, Il Trasferimento di Propriet, Padova, 451-475, citado por PARDOLESI, p. 246.
No mesmo sentido, BLAUG, Mark. The Methodology of Economics or How Economics Explain. 2. ed.
Cambridge: Cambridge University Press, 1992, e HOVENKAMP, Herbert. Positivism in Law and Economics,
78 California Law Review, 815, 1990.
4
ética liberal e, como método, a microeconomia8. Seu objetivo é alcançar todas as áreas do
direito na perspectiva do common law, considerando as instituições jurídicas como
variáveis do sistema econômico e sua eficiência. Para tanto, parte do postulado da máxima
liberdade segundo o qual não cabe ao Estado punir ou reprimir as idéias pessoais ou os
comportamentos que não causem dano a terceiros e da análise das possíveis soluções para
problemas jurídicos através da consideração das conseqüências previsíveis e nos possíveis
efeitos das mesmas a curto e longo prazos. Seu ponto de partida é o de que as ações dos
juízes implicam em elaborar normas para maximizar a riqueza.
Dentre os temas mais recorrentes na atualidade estão a racionalidade limitada, a
estratégia comportamental, a escolha pública e o papel das instituições e, especialmente no
desenvolvimento do L&E pós-Chicago, a teoria dos jogos e a legal reasoning..
3. Direito e Economia: argumentos e comentários
A seguir, apresentam-se alguns dos principais argumentos da Análise Econômica do
Direito. São mencionados alguns pressupostos teóricos e concepções acerca das noções de
direito, justiça e eficiência relevantes para a compreensão da possibilidade de transposição
e aplicação de institutos para o sistema jurídico continental, do qual o direito brasileiro é
representante.
3.1 Sobre o juiz e a jurisdição
3.1.1 A explicação do comportamento dos juízes é um dos mais importantes e difíceis
problemas enfrentados pela L&E. Os economistas têm dificuldade de desenvolver
uma teoria que explique por que os juízes decidem como se observa e de explicar as
decisões em termos de função de utilidade. A escola da maximização da utilidade pelos
juízes9 considera a influência de variáveis tais como idade do juiz, critérios de
promoção, remuneração, modo de vida e posição política nas decisões e seu padrão de
eficiência. A escola evolucionária10 baseia-se no modelo de litigância para explicar a
eficiência do direito.
8
Rowley a define como “the application of economic theory and econometric methods to examine the
formation, structure, processses and impacto of law and legal institutions”. ROWLEY, Charles K. Public
Choice and the Economic Analysis of Law, in MERCURO, Nicolas (ed.). Law and Economics. Boston:
Kluver Academic Publishers, 123-173, 1989, citado por MACKAAY, Ejan. History of Law and Economics.
Disponível em http://encyclo.findlaw.com. Acesso em 22/08/07.
9
Vide COHEN, Mark A. The Motives of Judges: Empirical Evidence from Antitrust Sentencing, 12
International Review of Law and Economics, 13 f., 1992.
10
Na bibliografia de Paul Rubin: Why is the Common Law Efficient?, 6 Journal of Legal Studies, 51-63,
1977; Decision Making and the Efficiency of Law: A Comment on Rizzo, 9 Journal of Legal Studies, 319334, 1980; Common Law and Statute Law, 11 Journal of Legal Studies, 205-223, 1982; Business Firms and
the Common Law: The Evolution of Efficient Rules, New York, Praeger, 189f, 1983.
5
3.1.2 As instituições e as normas jurídicas, como variáveis do sistema econômico,
afetam o desenvolvimento econômico. A incerteza relacionada à aplicação do direito
devido à discricionariedade do juiz, afeta projetos de investimentos11.
3.1.3 A análise econômica do direito se dá através de pesquisas empíricas sobre os
custos/benefícios e do critério de racionalidade meios/fins, em três fases: a)
identificação de possíveis significados atribuídos a uma disposição; b) antecipação das
conseqüências das interpretações encontradas; c) escolher a solução que comporte os
maiores benefícios.
3.1.4 A decisão interpretativa considera as conseqüências das soluções alternativas;
não existem interpretações ‘logicamente’ corretas, pois a interpretação não é um
processo lógico.
3.1.5 O juiz deve ser livre para julgar de maneira inovadora sempre que houver
maiores vantagens a partir do cálculo custo/benefício, não estando adstrito a julgar
conforme precedentes.
O comportamento do juiz, da perspectiva da decisão judicial, é uma ação interna
que se perfaz através do raciocínio prático em torno do caso sob apreciação12.
O silogismo é uma espécie de raciocínio básico para a atividade jurisdicional e
importa na aplicação de uma norma geral à descrição de uma situação fática, mediante a
verificação do enquadramento lógico do fato na hipótese prevista na norma, a subsunção.
Assim, limita-se a premissas dadas pelas fontes do direito, a saber, legislação, costumes
jurídicos, jurisprudência, princípios gerais, eqüidade e doutrina, os quais, no direito
brasileiro, são estipulados como de observância obrigatória pela Lei de Introdução ao
Código Civil13, e também às premissas dos argumentos fáticos e jurídicos apresentados
pelas partes e outros envolvidos no caso em processo.
Como a sentença deve ser obrigatoriamente fundamentada, o juiz só pode agir
conforme os parâmetros dados pelo próprio direito, justificado por motivos de fato e de
direito.
A utilidade que se observa na sentença é a de dirimir a complexidade do sistema,
colocando fim ao conflito, e a de satisfazer o interesse de ambas as partes, da sociedade e
do sistema, a quem interessam a superação da controvérsia, evitando a continuidade ou
agravamento do litígios e dos danos de sua não resolução. Logo, quando o juiz decide em
torno de determinada idéia que se lhe apresente mais justa, opera segundo critérios lógicos
de Hermenêutica Jurídica, ciência que tem por objeto princípios e métodos de interpretação
jurídica, que vão desde a interpretação de uma norma jurídica em si mesma, em relação às
demais do sistema, face à finalidade social dada pelo valor que tutela, do contexto social de
aplicação, dentre outros critérios. Trata-se de operação lógica complexa, longe das passadas
11
BUSCAGLIA, p. 562-563.
Vide DANTAS, David Diniz. Interpretação Constitucional no Pós-Positivismo:teoria e casos práticos. São
Paulo: Madras.
13
Embora seja assim denominada, presta-se para a interpretação e aplicação tanto ao direito provado quanto
ao direito público.
12
6
propostas de realização de justiça como sentimento.
Com o advento do Constitucionalismo e a inserção de princípios nos textos
constitucionais, como diretrizes de interpretação e aplicação do direito, o raciocínio
também opera por ponderação14, o que exige ainda maior preparo técnico do profissional.
Assim, o juiz não decide apenas a partir da observância estrita da literalidade da lei,
como fonte única e exclusiva, e ainda que opere por intuição, mesmo não sendo esta uma
operação lógica, em nada retira o caráter racional da decisão.
O Civil Law, também denominado direito continental, sistema jurídico romanogermânico, remonta a mais de dois mil anos, quando então surgiram os primeiros tribunais,
as profissões jurídicas, a linguagem forense, a arbitragem e o Direito como Ciência e como
Filosofia. Na Roma Antiga, ocorreu a primeira fundação da Ciência do Direito, com a
criação das instituições jurídicas (critérios formais consolidados pela experiência,
predicatividade e sistematicidade), seguida pela segunda fundação, já no século XVI, com a
Jurisprudência de Cujas, voltada ao aperfeiçoamento da interpretação jurídica. No início do
século XX, o austríaco Hans Kelsen, sob a influência do Círculo de Viena e com o método
da lógica formal, encerra a terceira fundação científica do Direito, afirmando seu caráter
formal, sistêmico, ainda que inexato.
Consoante, a prática jurídica sempre foi informada por consolidado construto
intelectual a que se somou toda a experiência tanto legislativa quanto judicial representada
pelo Corpus Juris Civilis, pela codificação, pelo constitucionalismo e pela produção
internacional de normas jurídicas, num permanente esforço de racionalização, garantia de
predicatividade e universalidade.
3.2 Sobre a justiça
3.2.1 A justiça é um valor ‘subjetivo’, enquanto que a eficiência é ‘objetiva’. De fato,
há apenas duas noções de eficiência aceitas pela Economia (Pareto e Hicks) e há tantas
noções de justiça quantos são os julgamentos individuais. 15
3.2.2 É fácil observar que o sucesso da Análise Econômica do Direito reside em um
postulado epistemológico fundamental que é tomado da teoria econômica. Trata-se da
diferença entre o mundo do ‘ser’ e o mundo do ‘dever ser’, o fato e o valor , os níveis
do positivo e do normativo do discurso.16
Aqui, uma confusão entre valor e norma e também entre valor, em sentido material
_ sempre relativo, condicionado, particular _ e em sentido formal, como universalidade
abstrata, não determinada, ainda que determinável.
14
No Inglês, balancing.
“Justice is a ‘subjective’ value, while efficiency is ‘objective’. Indeed, there are only a couple of notions of
efficiency accepted by the established economic paradigm (Pareto and Kaldor Hicks) and there are as many
notions of justice as judging individuals.” (MATTEI, p. 514.)
16
“It is easy to observe that the success of law and economics lies in one fundamental epistemological
assumption that it hás borrowed from economic theory. This assumption is the difference between the world
of the IS and the world of the OUGHT, the fact and the value, the positive and the normative levels of the
scholarly discourse.” (MATTEI, p. 514.)
15
7
O mundo da natureza, ou mundo do ser, é descrito através de regras do tipo ‘Se A é,
B é’, e seus eventos são necessários, formando elos finitos, em relações causais
materialmente necessárias, de modo que os eventos são previstos como a ocorrerem
sempre, mediante as mesmas condições. O mundo da cultura, do valor prático _ moral e
direito _ umas das muitas construções culturais, assim como a ciência, em geral, ou mundo
do dever ser, não é apenas descrito, mas prescrito, segundo regras do tipo ‘Se A é, B deve
ser; se não-B, então C deve ser’, sendo que seus eventos são atos, que não materialmente
necessários, mas voluntários, ainda que no sentido de uma necessidade formal, compõem
elos infinitos, de modo a criar sempre novas condições, nos termos da relação fatoconseqüência. Assim, pode-se dizer, aquele, o mundo da necessidade; este, o mundo da
liberdade, vale dizer, das possibilidades realizáveis pelo agir humano.
A regra jurídica, como regra cultural, sendo prescritiva, designa comando
autorizativo ou proibitivo. Em outras palavras, como não é apenas descritiva de uma dada
realidade, mas indica o sentido de uma conduta (comportamento teleológico), não é regra
de mera forma, mas de forma e conteúdo. Seu conteúdo é o valor17.
A regra é um instrumento especificador, particularizador, indicador; a norma traduz
o sentido geral da conduta, isto é, o sentido do dever ser, a realidade a ser construída, como
expressão da liberdade, a partir do guia do comportamento, que é o valor. O valor se
localiza entre o ser e o dever ser, não se confunde com eles18.
Isto significa que a razão, legisladora, permite criar uma realidade, como um
construto, realização da autonomia, e não apenas tomar a realidade como um dado,
determinação material.
O direito de cada cultura, o conteúdo material, particular, relativo e condicionado,
traduz uma dada concepção de justiça e, mesmo dentro de uma mesma cultura, em distintos
subgrupos e indivíduos, pode haver concepções variáveis.
A justiça não será valor subjetivo salvo como guia de conduta individual ou de
grupo como e enquanto particularidades, mas não do ponto de vista científico-filosófico,
para o qual se apresenta como objeto formal e, portanto, universal ou, ao menos,
universalizável.
Para o operador do Direito, a aplicação da justiça, como tarefa profissional, implica
em critérios objetivos; são, juntamente com os fatos que analisa, dados, postos, são-lhe
ditos heterônomos. O juiz, como técnico, trabalha com a idéia de justiça em sentido
universal e em sentido relativo, particular, simultaneamente. Como valor universal, afirma
a necessidade de dar a cada um o que se lhe deva ser dado, conforme estatuído,
previamente, na norma: o mérito jurídico. A justiça tem por conteúdo o princípio da
igualdade, que significa tratar desigualmente os desiguais, tratar proporcionalmente. A
partir destes parâmetros básicos, analisa o caso concreto, suas circunstâncias, e afere os
distintos sentidos de justiça, considerando os sujeitos envolvidos, a vontade das partes, o
objeto litigado, o momento do atuar em torno do interesse discutido, o motivo do atuar em
torno do interesse, a conformidade com a lei e a razoabilidade no julgar, que implica em um
meio-termo (nem excesso, nem escassez, condição material do universalizável), na
ponderação de tais elementos.
17
Vide KELSEN, Hans. Teoria Geral das Normas; tradução de José Florentino Duarte. Porto Alegre: SAFE.
Vide HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores; tradução de L. Cabral de Moncada. Coimbra: Arménio
Amado.
18
8
Assim, a justiça é calculada a partir dos paradigmas de universalidade,
proporcionalidade e razoabilidade.
3.3 Sobre o direito
3.3.1 O direito não é algo que possa ser entendido, como usualmente se faz na Análise
Econômica do Direito tradicional, como um conjunto de regras legais. Trata-se de um
fenômeno complexo que pode ser compreendido apenas em se considerando uma
variedade de diferentes níveis nos quais a proposição jurídica se revela.19
3.3.2 O direito não é um conjunto de regras dadas ou uma série de soluções préfabricadas, mas um conjunto de atividades de juízes e advogados destinadas a resolver
casos jurídicos reais.
3.3.3 Normas jurídicas são mecanismos de coordenação da interação social.
O direito continental não considera o direito apenas como um conjunto de leis. Há,
sim, um conjunto de fontes do direito, já elencadas anteriormente, compreendidas em
conexão, tanto em sua origem quanto em sua aplicação. Ficou conhecido como direito
codificado em virtude da prevalência da lei como fonte, mas não é fonte única ou exclusiva.
Por outro lado, o common law também conta com leis escritas e Constituição (USA).
Na tradição continental, parte-se do pressuposto da norma (a qual não se extingue
na literalidade legal), como critério dado, posto e, portanto, a priori, ainda que, em sua
origem, momento genético normativo, tenha surgido do livre debate democrático.
O processo judicial, como seqüência ritualizada de ações, espaço formal de
argumentação válida e métodos de uso deste espaço, visa garantir segurança e certeza e
mesmo a celeridade e simplicidade possíveis, ressalte-se. A decisão judicial é seletiva,
eliminando alternativas, a fim de reduzir a complexidade.
A norma jurídica, seja ela positiva, seja costumeiro-jurisprudencial, é instrumento
de coordenação da interação social, pois permite estabelecer vínculos e controle, o qual não
deve ser entendido apenas em seu sentido negativo, mas, também e, principalmente, em seu
sentido positivo, de constituir um critério prévio, ao menos determinável e, portanto,
predicativo. Uma e outra traduzem sentido objetivo de dever ser, isto é, traduzem a vontade
geral abstrata posta pelo Estado, seja pela via do poder legislativo, seja pela via do poder
jurisdicional, e, ao mesmo tempo, realizam a natureza predicativa da racionalidade humana,
de buscar criar um espaço de possibilidades, o devir, e, assim, permitir a escolha, entre
alternativas, essência material da liberdade e da capacidade de inovar, artificial e
beneficamente, ao mundo.
19
“Law is not something that can be understood (as it usually done in traditional law and economics) as an
aggregate of legal rules. It is much more complex phenomenon that can be understood only by considering a
variety of different levels in which a legal proposition appears.” (MATTEI, p. 513.)
9
3.4 Sobre a eficiência no Direito
3.4.1 O judge made law é mais eficiente que o statute law20.
3.4.2 A noção de eficiência, tal como usada em Análise Econômica do Direito
Comparada, tem característica dinâmica, ligada à noção de mudança legal. 21
3.4.3 Uma instituição, uma norma ou uma lei nunca é eficiente ou ineficiente em
abstrato ou de modo absoluto. A comparação com alternativas concretas é que
permite saber o que é melhor ou pior de acordo com um dado contexto. 22 Uma regra
ineficiente enseja uma perda para uma parte que é maior do que o ganho para a
outra. A regra ineficiente é sujeita a maior seleção e mais provável de ser eliminada
do sistema23.
3.4.4 Dois aspectos, pelo menos, devem ser considerados quanto ao poder legiferante:
primeiro, em que medida deveria haver delegação do poder de normatizar do
legislador à burocracia; e, segundo, em que medida as preferências políticas das
burocracias podem refletir interesses de grupos.
Há posicionamentos contrários no pensamento de Tullock24 e Rizzo25, por exemplo.
Do mesmo modo que a eficiência não existe abstratamente, também a justiça só
pode ser aferida no caso concreto. A justiça é absoluta apenas enquanto idéia, mas, uma vez
contingenciada, só pode ser compreendida como valor relativo, posto que condicionada
pelas circunstâncias da realidade dada.
A eficiência do direito pode ser explicada a partir de várias perspectivas: o Estado
no exercício do poder na função jurisdicional, o Poder Judiciário enquanto instituição, o
tribunal, o órgão colegiado, o juiz singular, a sentença.
Também poder-se-ía dizer da eficiência da norma jurídica, mas já estaríamos no
campo do poder legislativo, na figura do Estado ou de outros agentes burocráticos aos quais
é delegado o poder legiferante, normativo, em geral, apenas regulamentar, os quais são
incumbidos da normalização e da normatização, responsáveis, portanto, pela eficiência
20
Opinião de Hayek e Posner. Cf. The Constitution of Liberty, 1960, e Economic Analysis of Law, 1992,
respectivamente. Bibliografia de Paul Rubin sobre eficiência: Why is the Common Law Efficient?, 6 Journal
of Legal Studies, 51-63, 1977; Decision Making and the Efficiency of Law: A Comment on Rizzo, 9 Journal
of Legal Studies, 319-334, 1980; Common Law and Statute Law, 11 Journal of Legal Studies, 205-223, 1982;
Business Firms and the Common Law: The Evolution of Efficient Rules, New York, Praeger, 189f, 1983.
21
“(...) the notion of efficiency, as used in comparative law and economics, maintains a clearly dynamic
meaning, strictly linked with the notion of legal change.” (MATTEI, p. 513.)
22
“(...) An institution, rule or stete of the world is never efficient or inefficient in an abstract or absolute way.
It may only be so compared with concrete alternatives that may fit better or worse to a given context. (…).”
(MATTEI, p. 512)
23
“(…) inefficient law can sometimes create asymmetric stakes because the inefficient means that there are
deadweight losses that cannot be bargained away in the settlement process. That is, an inefficient rule creates
a loss to one party that is greater that the gain to the other because of future stakes in similar type cases. Thus,
litigation becomes more likely when rules are inefficient, and so inefficient rules are subject to greater
selection pressure, and more likely to be overturned. (…).” (RUBIN, p. 546.)
24
Cf. The Logic of Law, 1971.
25
Cf. The Mirage of Efficiency, 8 Hofstra Law Review, 641-658, 1980.
10
material da norma jurídica. Assim, importa distinguir da eficácia formal, atributo e
competência do legislador (natureza e momento político-genético normativo) e operador
(natureza técnico-jurídica, regulamentar e retificadora), da material, atributo do
destinatário, revestindo, portanto, fato de natureza sociológica ou antropológica.
Quando os indivíduos recorrem a algum sistema de composição de conflitos, a
norma jurídica já foi testada em sua eficiência. Se ela não foi capaz de dirimir conflito de
interesse pela sua mera observância pelo destinatário, traduz um problema cultural,
especificadamente moral, na maior parte das vezes, quando, por simples autonomia os
indivíduos não são capazes de adstringir sua conduta aos limites estabelecidos mesmo
formalmente necessários.
Conseqüentemente, quando a norma jurídica vier a ser compulsoriamente aplicada,
a eficiência ou ineficiência desta traduzirá um problema de origem. O juiz, no direito
codificado, é apenas um aplicador do direito, operador de juízos fáticos, quanto à norma
dada e ao fato, em si. Em outras palavras, a sentença, como norma jurídica individualizada ,
é espelhamento da norma jurídica geral, abstrata, critério prévio, estabelecida pelo seu
criador, o legislador. Ao operador cabe, assim, apenas as especificações regulativas,
concretas.
A atividade legiferante muda de titular e de parâmetros ao longo da história. Basta
lembrar que o legislador da Antigüidade era tradutor da vontade divina e ele próprio
executava as leis e julgava, o que vem a se alterar de maneira significativa ainda na
Antigüidade, em Grécia e Roma, quando tais funções passam a ser exercidas por agentes
distintos, a sugestão de Aristóteles. Com o advento do Estado Moderno, na estrutura
tripartite, com o sistema de freios e contrapesos e, mais recentemente, com a economia de
mercado e a internacionalização, a atividade legisladora, através de processo e técnica
próprios, passa a compor duplo movimento com o modelo de regulação.
Uma norma jurídica bem elaborada evita problemas de interpretação e de aplicação
do direito, permitindo, via de conseqüência, eficiência na decisão judicial. No momento de
normalização e de normatização, há que se observar lacunas, antinomias, dubiedades, que
podem constituir-se em obstáculo para a solução adequada de conflitos. Cabe, assim, ao
operador, enquanto técnico, superar, sistemicamente, tais dificuldades, garantindo a
realizabilidade, dentro de critérios racionais e, portanto, universalizáveis.
Daí, a crítica de eventual ‘politização’ do juiz, que, na verdade, resta atuar como se
legislador fora, vez que este não cumpriu seu papel por completo ou de maneira adequada,
por motivo de quorum, impopularidade, etc. Aqui nasce o risco. Se não pode ser eliminado
de todo, dada a novidade dos eventos, pode ser evitado pela boa legislatura e pela boa
legislação. Tal fator demonstra ainda maior importância na regulamentação, posto que o
processo é mais rígido e, por isso, mais lento, de maneira que é imperioso que a norma
jurídica seja adequada considerando a dificuldade futura em mudá-la.
3.5 Sobre o contrato e o risco
3.5.1 O pressuposto básico da economia que orienta a análise econômica do direito é o
de que as pessoas são maximizadoras racionais de suas satisfações em todas as
atividades que implicam escolha26.
26
POSNER, 2007, p. 473.
11
3.5.2 A liberdade27 deve ser valorizada pela contribuição à prosperidade28.
3.5.3 Interpretar as negociações de interesses e solucionar litígios são as funções do
juiz29.
O contrato, no direito romano, tem natureza moral, como expressão e realização da
liberdade, obedecendo aos princípios de que ninguém é obrigado além da própria vontade e
de que toda vinculação voluntária é legítima, sendo o seu objeto, cláusulas e condições
previamente, livremente discutidos e estabelecidos.
Como instituto moderno, é a garantia contra riscos advindos do abusos do livre
arbítrio. Todavia, na sociedade de massas, com a estandardização das condições de vida, o
contrato de adesão uniformiza unilateralmente cláusulas e condições, havendo uma
predeterminação da vontade30, restringindo a escolha a possibilidades impostas e
convenientes, mormente, mais a uma das partes, a emissora do contrato.
O contrato contemporâneo, além de agregar todas as funções e características
anteriores, ainda é instrumento de distribuição de riscos, uma técnica de previsão a mais em
relação às já existentes.
Todavia, nas hipóteses contratuais nas quais a liberdade de escolha estiver constrita,
a possibilidade de responsabilização também o estará, o que diminui a margem de
segurança, haja vista não se poder falar propriamente de sujeito de direito, mas de um
comportamento ele mesmo objeto do contrato.
A função do juiz contemporâneo constitui-se de uma ação de reconstrução da
vontade das partes, o que é atividade assaz complexa em se observando a nota prévia.
4. Justiça ótima ou ótimo justo?
O que seria a justiça do ponto de vista econômico? Como elaborar uma idéia de
justiça que concilie o princípio da eficiência? Qual seria o ponto de convergência entre a
justiça e o ótimo?
Assim como o valor central da Economia é o ótimo, o do Direito é a justiça.
Representam a perfeição em cada uma das categorias e podem ser compreendidos como
intercorrentes e complementares.
O ótimo designa uma situação fática em dadas condições e não se reveste de
27
A liberdade “é espécie de atividade calculista enquanto uma capacidade suposta e pressuposta de fazer
apostas com riscos mínimos. Não se trata de uma vontade de escolha que se guia pela razão, mas um conjunto
de opções de cálculo, que pode ser implementado (e até substituído por um computador). Como essa
liberdade _ calculista_ não está distribuída, igualmente, entre todos os sujeitos, sua uniformização passa a ser
legalmente garantida, o que explica a proteção aos hipossuficientes.” (FERRAZ JÜNIOR, 2002, p. 124.)
28
“(...) pelo menos nas condições atuais de nossa sociedade, de relativo conforto, a consideração para com a
liberdade individual parece transcender as considerações de natureza instrumental; a liberdade parece ser
valorizada em si mesma e não por sua contribuição à prosperidade _ ou, pelo menos, parece ser valorizada por
razões que escapam ao cálculo econômico. (...).” (POSNER, 2007, p. 509.)
29
POSNER, 2007, p. 477.
30
FERRAZ JÜNIOR, 2002, p. 122.
12
conteúdo valorativo, logo, não significará uma realização necessariamente justa, ainda que
a distribuição seja a melhor realizável segundo o caso (P(Y)={y’€Y:{y’’€Y:y’’>y’, y’’≠
y’}=Ø) . Porém, sempre que houver a consideração da relação custo-benefício informada
pelos valores da igualdade e da liberdade, poder-se-á encontrar um ótimo justo.
A justiça é uma espécie de ótimo, moral, formal, abstrato, o qual, por definição,
subsume ao material, realizável. Sua dimensão econômica está na distribuição razoável e
proporcional dos bens materiais e imateriais, ensejando uma vida digna ao outro, na medida
em que resguarda a igualdade, a liberdade e a universalidade das condições, materiais e
morais, de cada qual e de todos, garantia da segurança. Estejamos no common law ou no
civil law, eis a justiça possível segundo uma perspectiva do Direito e Economia.
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