O REGISTRO DA INSTITUIÇÃO E A

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O REGISTRO DA INSTITUIÇÃO E A
O REGISTRO DA INSTITUIÇÃO E A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE
FAMÍLIA – CONSIDERAÇÕES LEGAIS
Resumo: O presente trabalho tem por finalidade o estudo do registro da instituição
do bem de família nos moldes da Lei dos Registros Públicos, bem como da
sua impenhorabilidade. Serão abordados os tipos de bem de família
existentes, os beneficiários de tal instituto, sua forma de constituição e
extinção. E ainda, um estudo detalhado do bem de família voluntário
regulamentado pelo Código Civil e do bem de família legal previsto na Lei n°.
8.009/90, observando as possibilidades e as exceções à impenhorabilidade
diante da Constituição Federal. Em destaque, uma abordagem da
contestada inconstitucionalidade do art. 3°, VII, da Lei n°.8.009/90.
Palavras-chave: Bem de família; dignidade da pessoa humana; entidade familiar;
registro público; impenhorabilidade.
Abstract: The present work has for purpose the study of impenhorabilidade of the
good of family, as well as the types of existent species, the beneficiaries of such
institute, the constitution form and the extinction.
And a detailed study of the
voluntary family good regulated by the Civil Code and of the good of legal family
regulated by the Law n°. 8.009/90, besides the possibilities and the exceptions to the
don't pawn of the family good due to the Federal Constitution. In prominence, an
approach of the answered not constitutional of the art. 3°, VII, of the law n°.8.009/90.
Keywords: Good of family; the human person's dignity; family good; registro public;
unseizability.
3.4 Espécies
As duas espécies existentes de bem de família são classificadas pela forma
em que foram constituídas, quais sejam: voluntário (especial ou facultativo)
disciplinado pelo Código Civil e o involuntário (comum ou legal) regulamentado pela
Lei nº 8.009/90.
O bem de família voluntário decorre da vontade dos cônjuges, companheiros
e terceiros em destinar um bem a uma entidade familiar. Pode incidir sobre bens
móveis e imóveis. Os móveis destinados como bem de família são aqueles que
guarnecem a residência podendo atingir também as rendas para sua manutenção.
O bem de família voluntário só se justifica quando o proprietário possuir dois
ou mais imóveis residenciais e deseja optar por um deles visando à proteção de sua
família de futuras oscilações econômicas ou a isenção de execução por dívidas.
O bem de família involuntário independe da vontade dos interessados e
resulta da estipulação legal, por norma de ordem pública, objetivando bem móvel ou
imóvel. O bem imóvel que serve a entidade familiar devedora, os móveis que
guarnecem a residência, desde que estejam quitados e todos os equipamentos de
uso profissional estão livres de penhora.
3.4.1 Do bem de família voluntário
Segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, o bem de família voluntário
tem como características o fato de que1: “depende de ato voluntário do titular, por
escritura pública, testamento ou doação; gera inalienabilidade e impenhorabilidade; referese ao bem imóvel onde a família está residindo e tem duração limitada à vida dos
instituidores ou até a maioridade civil dos filhos”.
O bem de família encontra-se inserido no Código Civil nos artigos 1.711 a
1.722. O art. 1.711 dispõe:
Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou
testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família,
desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo
1
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2 ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p. 809.
da instituição, mantido as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel
residencial estabelecida em lei especial.
Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou
doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou
da entidade familiar beneficiada.
Em consonância ao art. 226 da Constituição Federal, nota-se que o artigo
supracitado permite tanto o homem quanto a mulher constituir bem de família,
atendendo ao princípio de igualdade entre homem e mulher e confere igual
proteção, a fim de constituir bem de família, aos conviventes de união estável, a
família monoparental, ante o status de entidade familiar.
É importante ressaltar que em regra não existe a necessidade de outorga do
cônjuge para a instituição do bem de família, considerando que o instituto não
representa uma alienação ou gravame.
Também é legítimo para instituir bem de família o terceiro, ou seja, uma
pessoa por meio de doação ou testamento institui bem de família a favor de um
terceiro, sendo que será necessária a concordância expressa dos beneficiários.
Essa exigência de anuência expressa decorre do fato de o bem de família se
destinar ao domicílio familiar, pois conforme arts. 1.712 e 1.717 do Código Civil, os
beneficiários que receberem um imóvel como bem de família deverão morar nele.
A instituição do bem de família voluntário por terceiro, exige outorga uxória,
porque neste caso haverá transferência de propriedade.
Além do art. 1.711 elencar os legitimados para a instituição do bem de família,
é importante ressaltar a extensão estabelecida e o valor do bem que será instituído.
O artigo determina que o patrimônio destinado não deva ultrapassar 1/3 do
patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, ou seja, se o patrimônio do
instituidor ultrapassar 1/3 do previsto, a instituição não produzirá seus efeitos,
podendo o bem ficar sujeito à proteção do bem de família involuntário, caso sirva
como residência à família. Tal restrição não se aplica ao bem de família involuntário,
que vigora sem limitação de valor.
Em referência ao art.1.712 do Código Civil, poderá ser instituído bem de
família somente imóvel urbano ou rural. Vejamos:
Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural,
com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos ao
domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será
aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
O requisito básico para a caracterização do bem de família é que o
prédio seja residencial, ou seja, a residência da entidade familiar tem que ser
utilizada como moradia efetiva, permanente. Portanto, não poderá ser constituído por
um terreno, em zona urbana ou rural, nem mesmo um prédio que não tenha a
finalidade de residência efetiva da família, como um comércio, indústria etc. Ao
prédio residencial estão todas as suas pertenças e acessórios.
Por oportuno, é importante destacar que já existem julgados no sentido de
considerarem como bem de família o único bem residencial da entidade familiar que
se encontra locado. A família passa a morar em prédio alugado, seja, por exemplo,
em razão da atual casa não comportar o número de integrantes, com isso o único
bem que foi locado passa a ser fonte de renda para o sustento da família. Nem por
isso, aquele bem perde sua destinação mediata, que é garantir moradia a entidade
familiar.
No mesmo raciocínio o art. 1.717 do Código Civil reitera a proteção ao bem
de família, estabelecendo proibição do imóvel residencial e dos valores mobiliários
terem destinação diversa daquelas previstas no art. 1.712. Assim, como falado
anteriormente o imóvel residencial tem que se destinar ao domicílio da família,
enquanto que os valores mobiliários devem ser aplicados na conservação do imóvel
e no sustento da família. A inovação do artigo é a possibilidade da alienação do
prédio ou dos valores mobiliários, mediante consentimento dos interessados e seus
representantes legais, em caso da existência de menores. Caso os menores não
tenham representantes legais o juiz nomeará um curador. Em qualquer hipótese
deverá ouvir o Ministério Público.
O art. 1.712 se refere também à impenhorabilidade e inalienabilidade das
pertenças e acessórios do prédio residencial. Entende-se que devem ser protegidos
os utensílios essenciais à manutenção do lar, como televisão, fogão, geladeira e
outros. A questão é: quais bens estariam amparados e quais estariam
desamparados pela lei. Em resposta, a jurisprudência tem elencado alguns bens e
equipamentos que são considerados impenhoráveis e que são abrangidos pela Lei
8.099/90: garagem de apartamento residencial (STJ, REsp 222.012-SP e REsp
595.099-RS), aparelho de televisão, equipamentos de som, máquinas de lavar
roupas, geladeira, computador (STJ, REsp 198370-MG), freezer, DVD, arcondicionado (STJ, REsp 277.976-RJ), entre outros.
O dispositivo legal acima mencionado vincula o bem de família móvel ao
imóvel, não podendo o móvel existir isoladamente, nem ultrapassar o valor do imóvel
que visa resguardar.
Ampliando a proteção ao bem de família voluntário, o art. 1.712 admite que
valores mobiliários sejam abrangidos no bem de família, porém, sofrendo algumas
limitações segundo o art. 1.713 do Código Civil: os valores mobiliários, destinados aos
fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em
bem de família, à época de sua instituição.
Deve-se entender como valores mobiliários, por exemplo, as ações,
obrigações, ou outros investimentos que proporcionem rendimentos periódicos
destinados à conservação do imóvel e sustento da família, não podendo sofrer
desvio de finalidade e nem ser convertido para atender outros investimentos. Sendo
assim, existe um vínculo entre a renda proveniente dos valores mobiliários e o
domicílio familiar, qual seja a conservação do imóvel e o sustento da família, sendo
insuscetível de ser atingida por execução de eventual credor.
É importante salientar, que o referido artigo ainda faz menção ao valor
mobiliário destinado a conservação e sustento da família, que não poderá exceder o
valor do prédio instituído em bem de família à época de sua constituição, como
também se faz necessário à vinculação do imóvel constituído ao valor mobiliário que
será gravado.
Os limites de valores estabelecidos no Código Civil fazem discriminação
somente aos valores mobiliários, não atingindo os acessórios e as pertenças. Esses
valores mobiliários, conforme §1º, do art. 1.713, deverão ser individualizados e
discriminados no instrumento de instituição do bem de família na escritura ou no
testamento.
Tratando-se de valores mobiliários que sejam representados em títulos
nominativos, casos de cessão ou de oneração de crédito, o §2º, do art.1.713 do CC,
impõe a instituição dos valores em bem de família nos respectivos livros de registros,
possibilitando a qualquer pessoa o conhecimento da situação atual dos créditos
expressos nos títulos nominativos.
Ao analisarmos o § 3º, do art. 1.713 é preciso estender o raciocínio ao art.
1.718 ambos do CC. O §3º, do art.1.713, traz a possibilidade do instituidor
estabelecer quem deva administrar os valores mobiliários, podendo ser entregues a
instituição financeira ou pessoa de sua confiança.
Independente de quem receba os valores, receberá em custódia na qualidade
de depositário. O administrador dos valores imobiliários estabelecido pelo instituidor,
além de ficar sujeito a regra estabelecida no contrato de depósito (modos de
pagamento) deverá prestar contas dos bens alheios que estão sob sua
administração.
O art. 1.718 visa resguardar os interesses dos beneficiários do bem de
família, sob uma eventual extinção da instituição financeira encarregada de
administrar os valores mobiliários nos termos do § 3º, do art. 1.713. As necessidades
dos destinatários devem ser protegidas, visando sempre à conservação do imóvel
residencial e o sustento da família. Dessa forma, vindo a cessar as atividades da
entidade administradora, os valores mobiliários que haviam sido confiados à
instituição em liquidação será transferida a outra instituição por ordem do juiz. Em
caso de falência, caberá a entrega dos valores segundo as regras relativas ao
pedido de restituição.
No que tange a forma de instituição do bem de família voluntário, reza o artigo
1.714 do Código Civil Brasileiro: “bem de família quer instituído pelos cônjuges ou por
terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis”.
O Código de 1916 exigia que a instituição do bem de família fosse feita
mediante escritura pública, e depois de registrado fosse publicado pela imprensa. O
objetivo de toda essa publicidade era levar o fato ao conhecimento de terceiros e
eventuais credores, possibilitando assim resguardar seus interesses.
O atual Código Civil dispensa a publicação pela imprensa e em seu art. 1.714
estabelece que o bem de família constitui-se pelo registro do seu título no Registro
de Imóveis, deixando a cargo dos eventuais prejudicados o questionamento da
validade ou eficácia da destinação do bem, como também a demonstração da
anterioridade da obrigação do instituidor. O motivo do legislador não prever a
publicidade da escritura pública da instituição do bem de família pela imprensa, não
deve nos remeter a idéia de que a publicação seria desnecessária.
Em face da Lei de Registros Públicos não existia a necessidade da atual
legislação Civil cuidar de tal matéria. Os arts. 261 a 265 da referida lei traz uma série
de atos que compõem um procedimento administrativo. Primeiramente, declara a
destinação do bem como domicílio da família e a isenção à execução por dívida
através da escritura pública. Em seguida, em conformidade ao art. 261 e 262 da Lei
de Registros Públicos, o oficial do registro, após fazer a prenotação, determina a
publicação do edital, com prazo de 30 dias para que eventuais prejudicados
reclamem. Havendo alguma impugnação quanto ao bem a ser instituído, o oficial
devolve a escritura ao instituidor. O instituidor poderá requerer ao juiz que ordene o
registro e da decisão não poderá o reclamante recorrer nos moldes do art. 264, §3º
da Lei 6.015/73.
Ainda de acordo com o art. 264, §2º, ao reclamante é ressalvado o direito de
valer-ser da ação de anulação da instituição ou de promover a execução sobre o
prédio instituído, desde que, no segundo caso, a dívida tenha sido anterior a
instituição, bem como a solução tenha se tornado inexeqüível em virtude do ato de
instituição.
Porém, quando tratar da hipótese de instituição por negócio inter vivos ou
causa mortis de bem de família por terceiro o oficial de Registros de Imóveis deverá
ter um cuidado maior. Por determinação prevista no art. 1.711, parágrafo único, do
CC, o bem de família instituído por terceiro dependerá de aceitação expressa dos
beneficiários para produzir seus efeitos. Em relação à instituição de bem de família
por testamento, o testamenteiro ficará responsável em providenciar os atos
necessários para o cumprimento da vontade do testador.
A inovação do atual Código Civil traz a previsão do testamento, tanto para a
instituição feita por um dos integrantes da família quanto para o terceiro. O
questionamento é: a instituição do bem de família por testamento poderia vir causar
prejuízo aos credores do testador? Para evitar desvio de finalidade e impedir que o
testador faça uso de tal instrumento com o intuito de fraudar os credores, a
legislação possibilita que os credores do espólio habilitem seus créditos no
inventário. Como o testamento só vigora a partir do momento da abertura da
sucessão (com a morte do instituidor) e como as dívidas do espólio são anteriores à
instituição, por isso os créditos dos credores não poderão sofrer efeitos da instituição
testamentária. Sendo assim, os destinatários da instituição somente serão
beneficiados se após o pagamento das dívidas ainda houver sobra de patrimônio.
A citada inovação é criticada por Álvaro Villaça, pois havendo insolvência do
testador, as dívidas que constitui em vida serão aptas a desconstituir o bem de
família. Sendo assim, o argumento do doutrinador é que o mais prudente e mais
razoável seria a instituição em vida, por escritura pública, vez que a própria
constituição de bem de família é um ato de proteção aos beneficiários.
3.4.1.1 Dos limites da impenhorabilidade
O art. 1.715 do CC elenca algumas exceções à regra de que o bem de família
voluntário é sempre impenhorável, senão vejamos: “o bem de família é isento de
execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos
relativos ao prédio, ou despesas de condomínio”.
O principal efeito decorrente da instituição do bem de família é o de torná-lo
impenhorável e isento de execução por dívidas posteriores a sua constituição, não
podendo tal medida ser pretexto para fraudar os credores.
No entanto, consoante o artigo citado acima, existem três hipóteses em que o
bem de família poderá ser penhorado. Primeiramente, a primeira parte do artigo faz
menção às dívidas anteriores à instituição do bem de família. A própria Lei nº.
6.015/73 já previa antes mesmo do advento do atual Código Civil a possibilidade de
o credor promover ação de execução quando se tratasse de dívida anterior e cuja
solvência tornou inexeqüível devido à instituição do bem de família, como
salientamos acima.
Atualmente, a solvência do instituidor é fundamental para a instituição do bem
de família diante da expressa indicação do art. 1.711 do CC quanto à existência de
patrimônio líquido do instituidor. Dessa forma caso haja insolvência do instituidor,
não há que ser instituído validamente o bem de família, conforme exigência implícita
do art. 1.715.
A segunda possibilidade de se penhorar o bem de família instituído refere-se
às dívidas decorrentes de tributos relativos ao prédio, como IPTU e ITR. E por
último poderá ser objeto de execução as despesas condominiais, isso se justifica,
pois a obrigação de pagar as despesas do condomínio é de todos os moradores, e
livrar o bem de família destas despesas levaria o morador a se enriquecer a custa
dos outros. Por isso, o bem pode ser penhorado e alienado.
Uma vez executada as dívidas mencionadas acima, na hipótese de eventual
saldo resultante da execução, se houver, será aplicado em outro prédio como bem
de família, e não sendo possível será convertido em títulos da dívida pública, para
sustento familiar. O parágrafo único, do art. 1.715 ainda traz a possibilidade do juiz
tomar solução diversa, se motivos relevante o aconselharem. Veja:
No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo
existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em
títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos
relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.
Outras hipóteses são previstas para a penhora do bem de família,
excepcionalmente previstas no art. 3º da Lei nº. 8.009/90, sendo que, não se
aplicam ao bem de família voluntário, mas somente ao bem de família involuntário.
3.4.1.2 Da extinção
Apesar da impenhorabilidade e da inalienabilidade existentes no bem de
família, a destinação de um bem ao domicílio familiar é permanente, mas não é
perpétua, podendo ser extinto em variadas situações. Vejamos o art. 1.716 do CC: a
isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges,
ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade.
A impenhorabilidade do bem, segundo o artigo citado acima possui duração
limitada e os efeitos da instituição permanecerão enquanto viver um dos cônjuges ou
conviventes. Assim, a duração do bem de família corresponde à vitaliciedade dos
cônjuges e dos companheiros, podendo, no entanto se estender aos filhos no caso
de falecimento de ambos. Em caso de haver filhos menores, a administração do
bem ficará a cargo do filho mais velho, aquele que possuir maioridade civil. Sendo
todos menores, a administração passa para o tutor. Pode-se observar que o art.
1.716 é um complemento do art. 1.720. Veja:
Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a
administração do bem de família compete a ambos os cônjuges,
resolvendo o juiz em caso de divergência.
Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a
administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do
contrário, a seu tutor.
Em regra e em consonância ao art. 1.720 a administração do bem competirá
a ambos os cônjuges (casamento), aos companheiros (união estável), ou ao pai, ou
mãe, cabeça da prole (família monoparental). Em especial, o parágrafo único, do art.
1.720, prevê outras formas de administração na falta de um dos administradores
elencados no caput.
A jurisprudência tem reconhecido a impenhorabilidade do imóvel ocupado
somente pelos filhos, sendo definida a entidade familiar constituída somente pela
prole como família anaparental. Independente, da espécie que tornou o bem
indisponível, se voluntário ou involuntário, na ausência dos pais, os filhos tornam
uma família e estão a salvo dos devedores.
Em síntese, o benefício sobrevive em vida de ambos os cônjuges, e somente
terminará com a morte de um e de outro, e com a maioridade dos filhos do casal (art.
1.716).
O art. 1.719 prevê outra hipótese de extinção do bem de família por cessação
voluntária.
Caso
constate
que
o
bem
de
família
não
vem
cumprindo
satisfatoriamente as funções e finalidades para as quais ele foi constituído, por
motivos supervenientes que impossibilite a sua manutenção, o bem poderá ser
extinto por requerimento dos interessados, liberando o bem da impenhorabilidade e
da inalienabilidade, ou pedir a sub-rogação dos bens que constituem o bem de
família em outros que permitam resgatar a finalidade originária do bem. Podemos
citar como exemplo, um imóvel rural que foi instituído como sendo domicílio familiar
e posteriormente a família necessita mudar para o centro urbano. Nos dois casos,
extinção e sub-rogação, o juiz ouvirá o instituidor do bem de família e o Ministério
Público.
O art. 1.721 estabelece que a dissolução conjugal, seja pela morte de um dos
cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação ou pelo divórcio
não extingue o bem de família.
Ainda que a sociedade conjugal termine, o bem de família permanecerá.
O que mudará será o administrador do bem de família. Enquanto casados, os
cônjuges eram administradores em conjunto, porém com a dissolução da sociedade
aquele que permanecer no domicílio familiar terá a sua administração, enquanto que
a administração reconhecida do outro cônjuge deixará de existir.
Os arts. 1.714, 1.716, 1.720 e 1.721, todos do Código Civil, apesar de não se
referirem à união estável esta devem ser reconhecidas diante da previsão do art.
1.711. Apesar das referências serem restritivas, nada impede uma interpretação
extensiva aos companheiros.
Segundo o parágrafo único, do art. 1.721, se a sociedade conjugal for
dissolvida pela morte de um dos cônjuges e na época do falecimento de um deles
ficar comprovada a existência única de um bem adquirido pelo casal, poderá o
sobrevivente requerer a extinção do bem de família. Essa previsão do parágrafo
único, do art. 1.721 não é automática. Caso o juiz verifique que a extinção do único
imóvel do casal prejudica os filhos menores, ele poderá indeferir a extinção do bem
protegido.
Por fim, extingue-se o bem de família pela morte de ambos os cônjuges ou
conviventes e pela maioridade dos filhos, sem qualquer motivo de incapacidade
conforme reza o art. 1722.
O dispositivo ora citado atende a sua principal finalidade, que é dar proteção à
família. Com o falecimento dos cônjuges, a prole terá seus interesses resguardados
ainda menores. Quando versar sobre interesse de incapaz a lei determina a
nomeação de curador.
Portanto, a finalidade do bem de família constante no artigo acima, é servir de
moradia e sustento aos filhos incapazes deixados pelo casal falecido.
3.4.2 Do bem de família legal
O bem de família legal, também denominado por alguns autores como
involuntário ou comum, constitui-se independentemente da vontade do proprietário
do bem. É imposto pelo próprio Estado, por norma de ordem pública, em defesa da
entidade familiar. Está regulamentado pelos dispositivos da Lei Especial nº.
8.009/90, específica para o bem de família imóvel ou móvel.
A Lei nº. 8.009/90 surgiu com o intuito de ampliar e tornar mais eficiente à
proteção à família, vez que muitos não possuem condições, ou até mesmo acesso
às informações suficientes para proteger a moradia em que reside.
No entanto, as duas espécies de bem de família coexistem, tanto o bem de
família legal
quanto o bem de família voluntário e nada impede que a
impenhorabilidade prevista nos dois diplomas legais recaia sobre o mesmo bem.
Por se tratar de instituição que não depende da vontade do proprietário do
bem, mas que é imposto pelo Estado, o bem de família legal não requer
formalidades para sua instituição. Pode-se considerar o Estado o próprio instituidor,
pois será ele o responsável em garantir e proteger o bem da entidade familiar.
Sendo assim, presume-se que a instituição não poderá ser feita por terceiros como
ocorre no bem de família voluntário.
Outra diferença que existe entre as duas espécies, é que o bem de família
legal por ser regulamentado por norma de ordem pública não exige registro no
Registro de Imóveis para ter eficácia.
Reza o art. 1º da Lei 8.009/90:
Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade
familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de
dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra
natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses
previstas nesta lei.
Parágrafo Único. A impenhorabilidade compreende o imóvel
sobre o qual se assentam à construção, as plantações, as
benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos,
inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a
casa, desde que quitados.
Um dos requisitos essenciais presente no artigo acima é que o imóvel deve
ser próprio e os móveis devem estar quitados. A exigência da propriedade do bem
não se faz necessária, vez que o imóvel de terceiro não poderia responder pelas
dívidas do devedor.
Conforme parágrafo único do art. 1º, a impenhorabilidade alcança tanto bens
imóveis quanto os móveis que guarnecem a residência, não existindo uma limitação
em relação ao valor ou extensão do bem de família legal que será isento por
eventual execução de dívidas. Diferentemente prevê o bem de família voluntário,
estabelecendo valor que não poderá ultrapassar um terço do patrimônio líquido total
do proprietário na época da instituição.
E ainda, quando o imóvel é próprio, a impenhorabilidade incidirá em móvel e
imóvel. Em complemento ao artigo transcrito o parágrafo único do art. 2º trata da
hipótese do imóvel ser locado. Neste caso a proteção atingirá somente os móveis
quitados que guarnecem a residência e que sejam próprios do locatário.
Nota-se que os artigos acima revelam duas diferenças básicas entre bem de
família voluntário e o bem de família legal. A primeira é que os móveis no bem de
família legal têm a possibilidade de existir isoladamente, sem a necessidade de estar
vinculado a um imóvel. Porém, no bem de família voluntário há a exigência do
vínculo. A outra diferença é que no bem de família legal os móveis compreendem a
mobília e os equipamentos, já no voluntário os móveis são valores mobiliários.
O art. 1º juntamente com o art. 5º ambos da Lei nº. 8.009/90 exige que o bem
de família tenha destinação certa, ou seja, a residência da entidade familiar tem que
ser utilizada como moradia efetiva:
Art. 5º. Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta
Lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo
casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Parágrafo Único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar,
ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a
impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se
outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de
Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.
O parágrafo único, do art. 5º, traz a hipótese em que o proprietário possui
mais de um imóvel. Neste caso será considerado como bem de família aquele que
for de menor valor, ainda que esteja residindo em outro, mais valioso. Por isso se
justifica o bem de família voluntário, pois caso o proprietário queira proteger o imóvel
em que reside ou outro de sua preferência deverá recorrer ao Código Civil, e instituir
o bem de família voluntário, desde que o bem não ultrapasse o valor estipulado de
1/3 (um terço) do patrimônio líquido no momento da instituição.
Como vimos anteriormente à proteção atinge imóvel e móvel, de modo a
proporcionar aos moradores uma vida digna. Porém, o art. 3º da Lei nº. 8.009/90 traz
exceções à impenhorabilidade e em razão do rol ser taxativo, a interpretação deve
ser restrita, não sendo possível a sua ampliação para contemplar hipóteses não
previstas expressamente em Lei.
Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo
de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra
natureza, salvo se movido:
I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria
residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento
destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos
créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo
contrato;
III – pelo credor de pensão alimentícia;
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como
garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para
execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens;
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato
de locação
Apesar da finalidade do bem de família ser proteger a dignidade do devedor,
as exceções que autorizam a penhora surgem com o propósito de garantir a
dignidade do titular do crédito, além de equilibrar os interesses.
O inciso I trata-se de créditos alimentares, pois é a necessidade alimentar do
trabalhador é mais urgente do que a moradia do empregador. Considera-se como
trabalhador da própria residência o empregado doméstico ou aquele que presta
serviços no âmbito restrito do domicílio da família.
Não se equiparam a “empregados da residência” os trabalhadores
terceirizados, os empregados que prestam serviços em condomínios e os
empregados eventuais, como pintor, eletricista, marceneiro etc.
As contribuições previdenciárias que admitem penhora são aquelas devidas à
Previdência Social, não estando incluídas as contribuições devidas a planos de
previdência privada.
O inciso II permite a penhora pelo titular do crédito, quando o devedor obtém
dinheiro proveniente de instituição financeira ou por empréstimo particular, mediante
contrato recíproco, com o fim de adquirir ou construir moradia.
O inciso III visa satisfazer a necessidade principal da vida: o alimento.
Conforme inciso I atender a necessidade da família é mais urgente do que a
proteger a moradia do devedor da pensão alimentícia.
O inciso IV estabelece que os encargos que recaem no imóvel deverão ser
pagos sob pena de penhora. Incluem as cobranças de IPTU, taxas e contribuições,
além disso, a jurisprudência tem admitido à penhora por não pagamento das
despesas.
O inciso V diz respeito à penhorabilidade do bem de família para o pagamento
de dívida garantida com o próprio bem. O casal ou a entidade familiar, em um
contrato mútuo, oferece como garantia real o imóvel residencial da família.
Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvlad existe um relevante
detalhe a ser discutido:
A penhora do bem de família para o pagamento de dívida
garantida com hipoteca, recaindo sobre o próprio bem,
somente é possível se a obrigação foi contraída em favor do
núcleo família. Ou seja, se a dívida não reverteu em favor da
família, como um todo, o bem continua impenhorável, não se
aplicando a exceção2.
O inciso VI em sua primeira parte refere-se ao bem de família que foi
adquirido com produto do crime e por isso, devido à origem ilícita do numerário
ganho para a sua aquisição o bem responderá em sua totalidade. A segunda parte
em contrapartida, se tratar de execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento ou indenização devida por um dos membros da entidade familiar, a
penhora do bem atingirá somente a parte que é devida ao condenado criminalmente,
2
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2 ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2010, p. 823.
uma vez que os demais integrantes da entidade familiar não respondem pela prática
delituosa do condenado.
O inciso VII foi acrescentado ao art. 3º pela Lei nº. 8.245/91 (Lei de Locações
de Imóveis Urbanos) e o seu acréscimo têm gerado polêmica por permitir a penhora
do bem de família do fiador por conta de fiança prestada em contrato de locação de
imóvel urbano.
Existe uma grande controvérsia no referido inciso, pois se o art. 1º da Lei n°.
8.009/90 confere proteção aos móveis e imóveis do locatário, neste caso o devedor
principal, como poderia permitir a penhora do imóvel que serve de moradia para o
fiador e sua família?
Como se vê, existe uma violação ao princípio da isonomia preconizado no
caput, do art. 5º da Constituição Federal, de maneira a tratar desigualmente duas
obrigações que têm o mesmo fundamento, além de infringir a proteção essencial
garantida a todos os seres humanos, o direito a moradia, que por sua vez é requisito
essencial à existência de outros valores fundamentais, como a educação, saúde, a
vida, etc.
Tal inciso é merecedor de diversos posicionamentos doutrinários quanto a
sua constitucionalidade, vejamos alguns argumentos:
Eliane Maria Barreiros Aina, citada na obra de Cristiano Chaves de Freitas e
Nelson Rosenvald3 destaca o seguinte: “inexistem fundamentos para que sejam
tratados de forma diversa pelo legislador, o que vem ocorrendo, uma vez que o
locatário não perderá seu bem de família pela sua própria dívida, mas o seu fiador
sim”.
Flávio Tartuce ainda acrescenta:
(...) a permissão de penhora do bem de família do fiador
locatício agride, frontalmente, ainda a proporcionalidade
constitucional, uma vez que o fiador perde o bem de família e,
em direito de regresso, não conseguirá penhorar o imóvel de
residência do locatário, que é o devedor principal 4.
3
AINA, Eliane Maria Barreiros, 2002, p.124-6. apud. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD,
Nelson. Direito das famílias. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 826.
4
TARTUCE, Flávio, 2008, p.286. apud. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito
das famílias. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 826.
Em regra, a fiança é uma garantia pessoal que não vincula bem específico do
fiador. Contudo, existe uma diferença na fiança locatícia (Lei nº. 8.245/91 – a lei de
inquilinato) que nesse caso, admite a vinculação de um determinado bem imóvel que
terá em sua matrícula gravame de garantia real. Para isso, é preciso que algumas
formalidades específicas sejam obedecidas e que o fiador concorde com a
vinculação do bem que a partir de tal momento terá natureza de direito real.
Assim, considerando o posicionamento de Flávio Tartuce, quando o fiador
perde o seu bem de família em processo de execução, não terá a possibilidade de
exercitar o seu direito de regresso contra o devedor principal uma vez que este
poderá alegar ao fiador a exceção de impenhorabilidade do bem de família. Isso é
possível porque o locatário não vincula bem específico e sobre o mesmo não incide
gravame de garantia real.
Após várias considerações, vale ressaltar que confere ao magistrado em cada
caso em concreto reconhecer, inclusive de ofício, a inconstitucionalidade de tal
dispositivo, com fundamento na dignidade da pessoa humana, na isonomia
constitucional e por defesa ao direito social e moradia.
Nessa mesma temática, decidiu o Supremo Tribunal Federal: PENHORA:
BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR DE CONTRATO DE LOCAÇÃO: inexistência de
violação ao artigo 6º da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 26/200.
Procedente5.
Em julgamento de RE 352.940-4/SP, rel.min. Carlos Velloso, j. 25.4.05, o
Supremo
Tribunal
Federal
teve
a
oportunidade
de
reconhecer
a
inconstitucionalidade do inciso VII, acatando o entendimento aqui defendido e
afirmando que tal inciso não foi recepcionado pelo art. 6º, da Constituição Federal,
em razão ao princípio da isonomia e hermenêutica, em que, onde existe a mesma
razão fundamental, prevalece à mesma regra de direito. Todavia, em julgamento
posterior, a Corte Constitucional por maioria, deliberou em sentido diverso,
retrocedendo no entendimento antes debatido, e entenderam que o inc. VII, da Lei
nº. 8.009/90 é compatível com a Constituição, pois com a aplicação do disposto no
inc. VII facilitaria o acesso à habitação arrendada.
5
STF. N°. do REsp: 407.688. Rel. Min. Cezar Peluso. DJ: 06/10/06.
Posteriormente o Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro na súmula
63, consolidou o entendimento sobre a possibilidade de penhorar o bem de família
do fiador locatício.
Súmula 63, STJ: “cabe a incidência de penhora sobre imóvel único
do fiador de contrato de locação”.
Porém, por não
ser tratar de decisão
prolatada em
controle de
constitucionalidade concentrado, não há efeito erga omnes. Sendo assim, as
instâncias
inferiores
podem
continuar
entendendo
que
tal
dispositivo
é
inconstitucional, e de qualquer forma, se for admitida à aplicação do inc. VII, sua
aplicabilidade somente poderá ocorrer em caso de fiança locatícia.
Por fim, entende-se que o inciso VII não é lógico ao conferir proteção ao bem
de família do devedor principal em detrimento do bem de família do fiador.
Entretanto, há divergências na doutrina e jurisprudências quanto à possibilidade da
penhora do bem de família do fiador locatício.
O art. 2º traz outra exceção à impenhorabilidade não elencada no art. 3º.
Segundo o referido artigo, os veículos de transporte, obras de arte e adornos
suntuosos são suscetíveis de penhora.
Embora a jurisprudência não estabeleça as diferenças entre bens de utilidade
e os supérfluos, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, em geral, que os
eletrodomésticos, televisores, as linhas telefônicas, dentre outros, conservam a
impenhorabilidade, pois fazem parte do dia a dia das famílias e não tem caráter
ostensivo.
Entretanto, se o devedor possuir vários objetos da mesma espécie a
impenhorabilidade recairá apenas naqueles necessários ao funcionamento do lar.
Caso a família tenha mais de um DVD, a impenhorabilidade protege apenas um.
Quanto aos veículos de transporte, segundo Maria Helena Diniz, os que estiverem a
serviço da residência, muito freqüente em propriedades rurais, serão impenhoráveis.
Em análise ao art. 4º da Lei nº. 8.009/90 pedimos a devida vênia para
transcrevermos:
Art. 4º. Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que,
sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso
para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da
moradia antiga.
§1º. Neste caso, poderá o juiz, na respectiva ação do credor,
transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior,
ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução
ou concurso, conforme hipótese.
§2º. Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural,
a impenhorabilidade restringir-se-á à sede da moradia, com os
respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI,
da Constituição, à área limitada como pequena propriedade
rural.
O caput e §1º, do art. 4º pune aqueles que adquirem de má-fé imóvel mais
valioso, no intuito de fraudar credores. Nesse caso, se o imóvel menos valioso se
encontrar em propriedade do devedor, a impenhorabilidade incidirá sobre ele. Mas
caso o primeiro imóvel tenha sido alienado, o juiz poderá anular a venda para que a
impenhorabilidade recaia sobre ele.
O §2º, em conformidade com o art. 649, inc. VIII, do Código de Processo Civil
isenta da penhora a pequena propriedade rural. Contudo, conforme inc. XXVI do art.
5º da Constituição Federal a impenhorabilidade está condicionada a três
pressupostos, quais sejam, o bem tem que ser identificado como pequena
propriedade rural; é imprescindível que seja trabalhada pela família e por último a
dívida tem que ser decorrente da atividade produtiva desempenhada pela família.
Difícil se torna esclarecer o que se deva chamar de pequena propriedade
rural. Ricardo Arcoverde Credie esclarece que tal propriedade não pode ultrapassar
quatro módulos fiscais do município onde estiver situada. Já o conceito de
propriedade familiar no Estatuto da Terra, seria o imóvel rural que direta ou
indiretamente é pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, para garantia
de subsistência e o progresso social e econômico.
Percebe-se que a exigência de que o imóvel sirva para a residência do núcleo
familiar passa a ser mero acidente, vez que a jurisprudência tem reconhecido que
não é excutível a pequena propriedade rural quando a família não tenha condições
físicas ou econômicas de nela habitá-la e, portanto, passa a viver no centro urbano
mais próximo.
Abordando a questão da inalienabilidade, a Lei nº. 8.009/90 não trouxe
nenhum dispositivo quer seja determinando ou restringindo a possibilidade de
alienação. Dessa forma, é possível concluir que o bem fica à livre disposição do
proprietário, podendo sobre ele negociar.
3.4.2.1 Da retroatividade da Lei 8.009/90
Por algum tempo houve uma divisão na doutrina e na jurisprudência quanto à
aplicabilidade da Lei do bem de família legal às penhoras que lhe foram
preexistentes.
A controvérsia foi cessada perante o STJ com o advento da Súmula 205, que
determinou a aplicação da Lei nº. 8.009/90 para o cancelamento das penhoras
realizadas antes do início da vigência da lei.
O entendimento que predominou foi que o direito adquirido do credorexequente não poderia ser violado quanto aos processos atingidos pela
impenhorabilidade do bem de família legal.
Os argumentos favoráveis quanto à retroatividade se resumem pelo fato da
norma ter caráter de ordem pública; a determinação expressa de imediata vigência
presente no art. 6º da Lei Especial e em razão da natureza processual da norma que
determina aplicação imediata.
Consolidando entendimento do STJ, o Tribunal Regional Federal editou a
Súmula 10, nos seguintes termos: Súmula 10. “a impenhorabilidade da Lei nº. 8.009/90
alcança o bem que, anteriormente ao seu advento tenha sido objeto de constrição judicial.”
Assim, a impenhorabilidade decorrente do bem de família legal atinge os
processos em curso quando do advento da lei.
3.4.2.2 Dos beneficiários e a proteção do instituto à pessoa solteira
O rol do art. 226, da Constituição Federal ao enumerar as formas de
constituição da família é meramente exemplificativo, por isso tanto a doutrina como a
jurisprudência tem conferido significado mais amplo ao conceito de bem de família.
Dessa forma, não só a família fundada no casamento, mas qualquer espécie
de modelo familiar contará com a proteção do bem de família, como a união estável,
a família monoparental, as famílias formadas por irmãos, tios e sobrinhos, avós e
seus netos, as viúvas, os solteiros e até mesmo as uniões homoafetivas.
Tal entendimento foi consolidado pela Súmula 364 do Superior Tribunal de
Justiça, que regulamentou definitivamente a questão e ampliou os casos em que
pode usar a proteção do Bem de Família.
Súmula nº. 364 do STJ: “o conceito de impenhorabilidade de bem de
família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras,
separadas ou viúvas”.
Portanto, os sujeitos do bem de família não poderão ter o imóvel onde reside
apreendido judicialmente, em razão da impenhorabilidade constante na súmula
acima.
Sendo assim, o bem pertencente à pessoa solitária está protegido6:
a) seja pela técnica de expansão das garantias decorrentes de
incidência de preceito constitucional, permitindo que se
interprete ampliativamente as normas protetivas do bem de
família;
b) por conta do direito à moradia, reconhecido na Emenda
Constitucional n° 26/00;
c) pela incidência da teoria do patrimônio mínimo da pessoa
humana, tutelando o substrato patrimonial que se precisa para
viver dignamente.
Vale salientar que a dissolução da sociedade conjugal ou da entidade familiar
não extingue o bem de família, e caso à ex-cônjuge ou a ex-convivente esteja
permanecendo no imóvel com os filhos, ainda sim será reconhecido o bem como
impenhorável. Tal entendimento se aplica a viúva, resida ela ou não com filhos, aos
irmãos que vivam juntos e ao solteiro que more sozinho.
6
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2 ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2010, p. 835.
Outra hipótese que merece proteção é do devedor que é titular de dois
imóveis e que mantém uniões paralelas. Neste caso, ambos os imóveis devem servir
de residência para cada família e os bens devem pertencer ao mesmo titular. Assim,
será possível reconhecer que as duas residências estarão resguardadas por uma
eventual penhora.
Também é no todo impenhorável o imóvel indivisível, em que parte é
residencial e outra e comercial. Igualmente não se penhoram o direito de uso, o
direito de habitação e o imóvel do usufrutuário.
3.4.2.3 Da extinção
A lei nº. 8.009/90 não indica a forma de extinção do bem de família legal, mas,
supõe-se que ele deixa de existir automaticamente quando cessar a moradia
permanente no imóvel instituído.
Caso o bem de família não apresente os requisitos necessários determinados
pela lei no momento em que for realizada a penhora, o devedor não poderá opor ao
credor a impenhorabilidade do bem.
3.5 Alegações processuais do bem de família
É possível, a qualquer interessado alegar em juízo a impenhorabilidade
decorrente da Lei nº. 8.009/90, sendo que poderá ser a qualquer tempo ou grau de
jurisdição, inclusive na fase de Recurso Extraordinário ou Especial e ainda que não
pré-questionada.
Além da possibilidade de a impenhorabilidade ser suscitada por qualquer
interessado, poderá ainda ser declarada de ofício pelo juiz quando nos autos
estiverem presentes os requisitos necessários que caracterizem o bem.
Os embargos à execução ou à penhora constituem o meio mais adequado
processualmente para alegar a impenhorabilidade do bem de família, no entanto, é
possível excluir o bem de família da penhora mediante provocação contida em
simples petição atravessada nos autos do processo de execução.
Em qualquer processo de execução a impenhorabilidade será oponível, seja o
devedor solvente ou insolvente e ainda que o devedor seja revel, a proteção ao bem
de família estará assegurada.
3.6 A possibilidade do oferecimento do bem de família voluntário à penhora
O Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo que a proteção decorrente
da impenhorabilidade do bem de família é irrenunciável e mesmo que o devedor
tenha oferecido voluntariamente, o bem de família à penhora durante a execução,
nada impede que a impenhorabilidade seja reconhecida posteriormente, vez que a
norma é de ordem pública.
A partir do entendimento ora apresentado, conclui-se primeiramente que os
embargos à penhora devem ser recepcionados na hipótese de oferecimento do bem
de família e que não é possível presumir má-fé do devedor que ofereceu o bem à
penhora.
Quanto à possibilidade de o devedor oferecer o bem de família
voluntariamente à penhora, existem duas correntes doutrinárias que divergem sobre
o assunto. A primeira alega violação da boa-fé objetiva pelo devedor que, ofereceu
espontaneamente o bem de família à penhora e depois deseja que a
impenhorabilidade seja reconhecida. A segunda corrente por sua vez, defende que a
torpeza do devedor, baseado na boa-fé subjetiva e, por constituir um exercício
essencialmente privado, não pode prevalecer sobre a proteção do bem de família
legal, sendo possível, então, argumentar posteriormente a impenhorabilidade do
imóvel oferecido à penhora pelo próprio devedor.
Vejamos:
(...) a indicação do bem de família à penhora não implica em
renúncia ao benefício conferido pela Lei nº. 8.009/90, máxime
por tratar-se de norma cogente que contém princípio de ordem
pública, consoante à jurisprudência assente neste Superior
Tribunal de Justiça 7.
Assim, em conformidade com a segunda corrente o Superior Tribunal de
Justiça vem afirmando que o direito fundamental a moradia é garantia constitucional,
sendo vedada sua renúncia.
7
STJ. 1ª Turma. N°. do AgRgREsp: 813.546/DF. Rel.Min. Luiz Fux. DJ: 04/06/07.
Considerações finais
Durante todo o trabalho, restou demonstrado que a estrutura da sociedade e
do ser humano sempre foi e continuará sendo o núcleo familiar. Sua função é
efetivamente servir como ambiente propício para a promoção da dignidade e a
realização da personalidade dos seus membros.
Com o passar do tempo, a família evoluiu-se e ganhou novas formas de
constituição. Porém, independente dos novos modelos familiares formados, o
merecedor da tutela estatal continua sendo a pessoa humana.
A Constituição Federal, no intuito de assegurar continuamente a dignidade da
pessoa humana não poderia deixar de tutelar os direitos patrimoniais e garantir um
mínimo patrimonial para uma vida digna. Esse meio assecuratório é o que
chamamos de proteção ao bem de família que poderá ser voluntário (Código Civil)
ou legal (Lei nº. 8.009/90).
O bem de família voluntário regulamentado nos arts. 1.711 a 1.722 do Código
Civil, decorre da vontade do interessado que o constitui por meio de escritura
pública, testamento ou doação, gerando inalienabilidade e impenhorabilidade. Sem
revogar o sistema do bem de família voluntário, o bem de família legal
regulamentado pela Lei nº. 8.009/90, independe de ato de vontade do titular e gera
apenas impenhorabilidade.
Além das duas exceções ora apresentadas em que o bem de família está livre
de penhora, existe também alguns bens excepcionais elencados pelo art. 649 do
Código de Processo Civil que estarão excluídos do cumprimento das obrigações.
Neste raciocínio conclui-se que o nosso ordenamento jurídico não admite a
responsabilização pessoal do devedor por suas dívidas, apenas vinculando o seu
patrimônio.
No entanto, apesar da proteção estatal ser em prol da família e da
preservação de seus bens, tanto o bem de família voluntário quanto o legal prevêem
exceções em que ocorrerá a penhora.
O bem de família voluntário permitirá a penhora, exclusivamente, em casos
de tributo devido em razão do próprio bem ou dívidas de condomínio. No bem de
família legal as hipóteses são mais amplas e estão mencionadas no art. 3º da Lei
n°.8.009/90. Uma que merece ser destacada está elencada no inc. VII do referido
artigo, que prevê a penhora por obrigação decorrente de fiança concedida em
contrato de locação. Por isso, deve ser aceita a crítica de inconstitucionalidade do
inc. ora citado, por violar o princípio da isonomia, tratando duas obrigações que tem
o mesmo fundamento de maneira diversa.
Outra característica do bem de família legal é que por ser norma cogente
(norma de ordem pública), a proteção decorrente da impenhorabilidade do bem de
família é irrenunciável. Por isso, mesmo que o devedor tenha oferecido
espontaneamente o bem de família à penhora na fase de execução, a sua
impenhorabilidade poderá ser reconhecida posteriormente.
Por fim, devemos reconhecer que o instituto do bem de família é uma
exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial, preservando o único bem do
devedor, em reverência ao valor mais elevado que é a dignidade da pessoa
humana.