Tertúlia Musical Dialógica: Algumas contribuições da

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Tertúlia Musical Dialógica: Algumas contribuições da
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
DEPARTAMENTO DE PESQUISAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA MÚSICA
DE HEITOR VILLA-LOBOS PARA OS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Sabrina Justino Pires da Silva
SÃO CARLOS – SP
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
DEPARTAMENTO DE PESQUISAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA MÚSICA
DE HEITOR VILLA-LOBOS PARA OS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Sabrina Justino Pires da Silva
Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao
Departamento de Pesquisas e Práticas Pedagógicas
como parte dos requisitos para a obtenção do título de
Padagoga.
Orientadora: Profª. Drª. Fabiana Marini Braga
SÃO CARLOS – SP
2011
Em especial, dedico este trabalho
À minha mãe Zilda, pelo apoio, por sempre esperar mais
de mim e pelos sábios conselhos.
Ao meu pai Arnaldo, por não desistir de mim e por me
provar que transformações são possíveis.
Ao meu irmão Lineu, pelos risos e por me fazer sentir o
amor.
AGRADECIMENTOS
É com grande satisfação que agora agradeço a todos/as que ajudaram, de alguma maneira,
esse meu sonho se tornar realidade. A vocês que estiveram presentes, de alguma forma,
compartilhando a minha vida, minhas felicidades e tristezas, minhas conquistas, manifesto
minha gratidão através de algumas poucas palavras.
Agradeço primeiramente a Deus, ele que está em nossas vidas em todos os momentos, nos
trazendo certezas e consolo, a ele todo meu amor.
Agradeço aos meus pais pelo apoio, confiança, pelos conselhos, por estarem sempre ao meu
lado em todos os momentos, e por não desistirem de mim, a vocês todo o meu amor e
gratidão.
Ao meu irmão Lineu, pelos risos e desenhos nos finais de semana, por me fazer rir mesmo
quando a correria do dia a dia me desesperava, a você todo o meu amor e sorrisos.
Aos meus avós paternos pelos apoios nos momentos de necessidade, por se orgulharem de
mim em tudo que faço, a vocês todo meu amor e reconhecimento.
Aos meus avós maternos, que mesmo não estando mais aqui, conheço suas histórias, agradeço
por me ajudarem a almejar mais e dar o máximo de mim, a vocês todo meu amor e carinho.
Aos meus tios, tias, primos e primas, em especial minha tia Letícia por ser um exemplo de
luta e por sempre estar me dizendo para não desistir e esperar o máximo de mim, a vocês todo
meu amor e ternura.
Agradeço também as pessoinhas da “Bolha” que me acompanharam nesses anos de
graduação, agradeço os risos, as aprendizagens, as boas conversas, os conselhos, os almoços e
jantares, as caminhadas, os apoios, aos “unos”, aos trabalhos juntos/as e por serem o
“fundão”, vocês são inesquecíveis, a vocês todo meu amor e bem-querer.
Agradeço também aos meus amigos/as e conhecidos/as da cidade de Araras, que mesmo
longe, neste último ano de graduação, e mesmo com tão poucas conversas e encontros me
enriqueceram com suas falas e sorrisos tranqüilizantes, agradeço por estarem aqui mesmo
estando longe, a vocês todo meu amor e fidelidade.
Agradeço aos amigos/as e conhecidos/as de Leme, por me proporcionarem um novo
recomeço, por me ajudarem a encontrar a paz no turbilhão de confusões e desilusões, e por
me ajudarem a descobrir que amizade, amor e carinho encontramos em todos os lugares, basta
querermos, a vocês todo o meu amor e afeição.
Agradeço a turma da Pedagogia 2008, pelas discussões, diálogos e formação coletiva e rica
que tivemos juntos/as, a vocês todo o meu amor e boas lembranças.
Agradeço as “meninas” com quem morei nesses quatro anos de graduação e em especial as
companheiras da “rep our”, por me acompanharem em algumas madrugadas em claro, por não
me deixarem sozinha e por serem uma família para mim, a vocês meu amor e abraços.
Agradeço as pessoas do Niase, por mostrarem força de vontade e por me ajudarem a ver que
as transformações são possíveis, por me ajudarem a sonhar e a ver que os sonhos não ficam
somente na utopia, mas podem se tornar realidade. Todos/as são ótimas pessoas, agradeço
todas as aprendizagens, a vocês todo o meu amor e fé.
Agradeço também a professora Fabiana pela paciência, compreensão e pelos diálogos;
agradeço a transformação da nossa relação, a você todo o meu amor e esperança.
Agradeço as Comunidades de Aprendizagem da cidade de São Carlos, em especial a EMEB
Antonio Stella Moruzzi por abrir as portas e contribuir para minha formação e, de uma
maneira especial, agradeço a sala do 1º ano de 2010 da professora Gisele, vocês alimentaram
o meu fascínio pela profissão que escolhi seguir, a vocês todo meu amor e respeito.
Agradeço à todos/as que passaram por minha vida musical, as pessoas dos corais que
participei, aos professores/as de música, aos que me ofereceram oportunidades, aos que
estiveram ao meu lado tocando, cantando e ensinando, a vocês todo meu amor e
aprendizagens.
“Se nada ficar dessas páginas, algo, pelo menos, esperamos que
permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na
criação de um mundo em que seja menos difícil amar.”
(FREIRE, 2005, p. 213)
RESUMO
O objetivo central desse trabalho foi relacionar algumas obras clássicas orquestrais de Heitor
Villa-Lobos com a Aprendizagem Dialógica, relação feita na atividade da Tertúlia Musical
Dialógica, para os anos iniciais do ensino fundamental.
Esse Trabalho de Conclusão de Curso, é uma pesquisa bibliográfica, cujo os principais
autores estudados foram: Paulo Freire, Ramón Flecha e Paulo Renato Guérios; com o
propósito de responder a questão de pesquisa: Como a Tertúlia Musical Dialógica pode ser
desenvolvida a partir de alguns clássicos orquestrais de Heitor Villa-Lobos, nos primeiros
anos do ensino fundamental?
No primeiro capítulo é feita uma exposição das bases teóricas que serão utilizadas, é feita
também a explicação de alguns conceitos chave e a metodologia da Tertúlia Musical
Dialógica. No segundo capítulo justificamos a escolha do maestro Heitor Villa-Lobos e
relatamos, sucintamente, um pouco de sua vida e as transformações de suas obras.
No terceiro capítulo, fazemos o entrelaçamento das obras escolhidas de Villa-Lobos, com os
princípios da Aprendizagem Dialógica, a fim de analisar as potencialidades de superação da
atividade da Tertúlia Musical Dialógica, ou seja, a conquista do diálogo igualitário, a boa
convivência e solidariedade, as transformações de posturas no mundo, a positividade da
igualdade das diferenças, o sujeito como criador de sentido e a importância de uma outra
forma de dimensão instrumental dialógica, etc. Todas essas possibilidades, como propósitos e
objetivos, sendo que o instrumento de estudo são as músicas e, de certa forma, a vida de
Heitor Villa-Lobos.
Nas considerações finais é feito um panorama geral do trabalho e a exposição dos desafios e
potencialidades que tal atividade proporciona para os primeiros anos do ensino fundamental.
Palavras-chaves: Tertúlia Musical Dialógica, Aprendizagem Dialógica, Heitor Villa-Lobos.
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................ 09
Capítulo 1 – Tertúlias Musical Dialógica – Marco Teórico.................................................... 14
1.1. A origem da Tertúlia Musical Dialógica............................................................. 14
1.2. Bases Teóricas da Tertúlia Musical Dialógica..................................................... 16
1.3. A Metodologia da Tertúlia Musical Dialógica..................................................... 23
Capítulo
2
–
Clássicos
Musicais:
Um
recorte
a
partir
de
Villa
Lobos....................................................................................................................................... 26
Capítulo 3 – Entrelaçando os Clássicos orquestrais de Heitor Villa-Lobos com os princípios
da Aprendizagem Dialógica.................................................................................................... 38
3.1. Diálogo Igualitário............................................................................................... 38
3.2. Inteligência Cultural............................................................................................. 40
3.3. Transformação.......................................................................................................42
3.4. Dimensão Instrumental......................................................................................... 43
3.5. Criação de Sentido................................................................................................ 44
3.6. Solidariedade......................................................................................................... 45
3.7. Igualdade de Diferenças........................................................................................ 46
Considerações Finais – Sim! As desigualdades podem ser superadas ao soar de uma
nota...........................................................................................................................................48
Referências Bibliográficas..................................................................................................... 50
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INTRODUÇÃO
Meu interesse pelo tema foi uma ideia que foi sendo moldada, transformada e
repensada com o tempo. O tema escolhido é formado por três grandes áreas o que perpassam
o recorte do estudo.
Começarei descrevendo meu interesse pela música, que é uma das três grandes áreas.
Penso na música como sendo parte da nossa vida desde quando nascemos e até antes do nosso
nascimento, pois no ventre materno podemos ouvir e sentir o som, a música. Sempre
‘enxerguei’ a música como algo além do físico, que toca onde os nossos olhos não vêem e
isso a torna um instrumento fascinante para relaxar, refletir, sentir e também trabalhar.
Eu cresci num ambiente e em uma família tanto por parte de pai como por parte de
mãe, onde as pessoas sempre conviveram com música, seja com meu tio que trabalhava em
uma rádio e tinha coleção de discos de vinil, ou com minha mãe que limpava a casa ouvindo
músicas dos anos 70 e 80 (me admirava o prazer que ela sentia em escutar uma fita k-7 do
cantor Elton John, e quando escutava, cantava junto e algumas vezes me colocava em cima de
seus pés e dançava comigo). Outro bom convívio com a música eram as rodas de samba e
pagode que os irmãos de minha mãe faziam quando nos reuníamos para alguma festividade
em família. E tudo isso me encantava. Quando pequena via minha avó e minha mãe irem para
a igreja aos domingos cantar na missa e eu sempre as acompanhava, estar em contato com a
música me agradava de uma maneira sensacional, sentia-me completa e tranquila.
Quando completei oito anos de idade, minha mãe já fazia aulas de teclado e por
curiosidade resolvi fazer aulas junto com ela. A partir disso, meu gosto pela música foi se
aprimorando cada vez mais e logo estava tocando muitas músicas. Infelizmente minha mãe
saiu das aulas, mas eu continuei e aprendi a ler partituras, e a ter gosto ao deslizar meus dedos
pelas grandes teclas do teclado. Frequentei essas aulas por mais ou menos dois anos e depois
mudei de professora, e com essa fiz mais um ano e meio de aulas, depois não pude mais estar
tendo aulas por dificuldades financeiras. Nessa época estava com onze anos, e como me
negava a me afastar da música eu resolvi entrar para o coral da igreja que minha família
frequentava, sempre ia às missas. Depois que fiz a primeira comunhão, que é um sinal, uma
passagem que estabelece um vínculo muito grande e um compromisso com a religião seguida
(desde que a pessoa faça a escolha de que quer esse vínculo) eu resolvi assumir mais
firmemente esse compromisso com a religião, eu queria, então entrei para o coral da igreja.
Permaneci no coral da igreja por longos dez anos, comecei somente cantando, depois
comecei a tocar teclado e cantar e com o passar do tempo me tornei a responsável e
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coordenadora do coral. Até que no final de 2010, minha família resolveu mudar de cidade e
esse meu vínculo com o coral se desfez, é claro que as lembranças ficaram e são todas muito
boas.
Acho importante ressaltar que nesses dez anos que estava envolvida com o coral da
igreja eu também fiz outras coisas relacionadas à música, com o propósito de aprimorar o meu
“tocar teclado” e também a minha voz. Uma das atividades que realizei foi participar do coral
da escola em que estudava dos 11 aos 15 anos, foram bons momentos, de muitos
aprendizados. Voltei a fazer aulas de teclado por dois anos e meio, com outro professor.
Também frequentei o coral municipal da cidade de Leme dos 15 aos 17 anos (Leme é uma
cidade que fica 15 minutos da minha cidade natal: Araras. Atualmente, Leme é a cidade em
que meus pais e eu residimos), além da minha participação no coral, fiz aulas de canto por um
ano com um maestro de Leme. Foram ótimos tempos. Tudo isso só me fez gostar mais da
música.
Atualmente, não pertenço a mais nenhum coral, não faço mais aulas, entretanto,
quando sinto que preciso, quando estou com vontade, sento da frente do teclado e toco, canto
e sinto, e é muito bom. Sempre estou ouvindo músicas e procuro saber e me informar sobre as
composições/músicas/musicistas que se foram, que estão sendo, que estão se lançando e
especialmente aquelas composições/músicas/musicistas que de alguma maneira permanecem
através dos tempos como algo que entra nós, penetra na alma e é transmitida para nossos
pensamentos e atitudes durante a vida toda.
Outra grande área que faz parte da escolha do tema do presente trabalho é a área da
Educação. Posso começar afirmando que a educação faz parte da nossa vida, pensando nos
processos de ensino e aprendizagem que temos desde o nosso nascimento. A escola é o lugar
por excelência, em que as pessoas vão para adquirir o conhecimento instrumental, por isso é
um espaço muito prezado e importante socialmente.
Sempre soube que gostaria de atuar, profissionalmente, na área de humanas,
entretanto, até se ter certa maturidade para fazer essa grande escolha, tive dificuldade em
decidir uma profissão. Em 2008, passei no vestibular da UFSCar, em Licenciatura em
Pedagogia, queria ser Pedagoga, Professora, Educadora. Após passar no vestibular e até antes
de passar, eu, assim como outras pessoas, somente “queremos” e não refletimos sobre o nosso
“querer” estar em determinada profissão, só começamos a ver e a sentir o que queremos
realmente quando estamos vivenciando o nosso desejo que se tornou realidade. Hoje, estando
no último ano da graduação de Licenciatura em Pedagogia posso dizer que o caminho
percorrido foi muito rico e sei porque estou aqui agora, escolhi ser Pedagoga porque acredito
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no poder de transformação social que a escola pode proporcionar para as pessoas e para a
sociedade.
Seguindo esse pensamento de mudança social através da educação e sobre minha
caminhada na estrada da Pedagogia, não posso deixar de citar que durante esses quatro anos
de graduação, tive a oportunidade de estar conhecendo e participando ativamente do Niase
(Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa, pertencente à UFSCar).
Participar do Niase fez toda a diferença na minha formação profissional, me estimulou
a acreditar na educação, a sonhar e a agir para a superação das mazelas sociais e a realização
de um mundo melhor, proporcionou-me vivências que me construíram e transformaram de
uma maneira positiva. E foram nessas vivências que eu tive contato com a Tertúlia Musical
Dialógica e pude participar dessa atividade em uma escola. Apenas esclarecendo de uma
maneira bem sucinta, a Tertúlia Musical Dialógica é uma das atividades que acontecem nas
escolas que são Comunidades de Aprendizagem. CA é uma proposta social e educativa que
tem como principais objetivos a superação do fracasso escolar, a melhoria da qualidade de
ensino e a maior participação da comunidade dentro da escola.
A atividade da Tertúlia Musical Dialógica é muito rica nos processos de ensino e
aprendizagem, é uma atividade que melhora a convivência em sala de aula, e valoriza todas as
falas, de todas as pessoas, dando vez de fala para aqueles/as que pouco participam, existe uma
troca muito grande de falas o que desenvolve a criação de sentido e o diálogo igualitário, tudo
isso, potencializa, uma transformação de convívio e de vivência muito grande. Tal atividade
será melhor aprofundada no seguinte capítulo do Trabalho.
Fazendo, finalmente, o encontro dessas três grandes áreas, nos vemos frente a frente
com uma atividade extremamente potencializadora e superadora, para ser realizada em sala de
aula, por ser uma atividade que aborda todos os aspectos citados no parágrafo anterior. Então,
estabelecendo algumas conexões entre essas áreas surge a questão de pesquisa:
Como a Tertúlia Musical Dialógica pode ser desenvolvida a partir de alguns clássicos
orquestrais de Heitor Villa-Lobos, nos primeiros anos do ensino fundamental?
Com os seguintes objetivos: identificar quais são os clássicos orquestrais dentro das
obras de Villa-Lobos; Relacionar os princípios da Aprendizagem Dialógica a partir desses
clássicos orquestrais; Identificar as potencialidades e os desafios que tal atividade apresenta
para os primeiros anos do ensino fundamental.
Tendo em vista estes objetivos, desenvolveu-se aqui, então, uma pesquisa
bibliográfica, na qual foram consultadas as obras de Flecha (1997), Paulo Freire (2005)
Guérios (2003), Girotto (2007), Marini (2007), a saber: Compartindo palavras, Pedagogia do
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Oprimido, Heitor Villa Lobos e o ambiente artístico parisiense: convertendo-se em um
músico brasileiro, Tertúlia Literária Dialógica entre crianças e adolescentes: conversando
sobre âmbitos da vida, Comunidades de Aprendizagem: Uma Única experiência em dois
países (Brasil e Espanha) em favor da participação da Comunidade na Escola e da melhoria
da qualidade de ensino. Tais estudos configuram-se por ser a principal base teórica da
pesquisa.
No decorrer do trabalho, elaborou-se a leitura e o fichamento crítico das obras citadas.
Na seqüência, o estudo focalizou alguns clássicos das obras de Villa-Lobos, bem como nos
princípios da aprendizagem dialógica, conceito chave da Tertúlia Musical Dialógica, que é o
objeto de estudo deste trabalho. A escolha desse maestro compositor foi feita pela sua grande
contribuição para a música erudita brasileira, pois antes de Villa-Lobos não existia a música
erudita brasileira, o que existiam eram reproduções “abrasileiradas”. Portanto, Heitor VillaLobos é considerado o fundante da música erudita brasileira no período contemporâneo, o
primeiro, o iniciante. Entretanto, neste trabalho não serão utilizadas todas as obras deste
grande musicista, sendo selecionadas somente algumas músicas orquestradas, que segundo
minhas vivências em Tertúlias Musicais Dialógicas e o auxílio da orientadora, foram
consideradas adequadas para serem trabalhadas nos primeiros anos do ensino fundamental.
Para desenvolver tal pesquisa, este trabalho de conclusão de curso será composto por
três capítulos e uma conclusão.
No primeiro capítulo, são descritas e explicadas as bases teóricas e os princípios da
Aprendizagem Dialógica, conceito chave da Tertúlia Musical Dialógica. No segundo capítulo,
cujo título é: Clássicos Musicais: um recorte a partir de Villa-Lobos; é feita a definição do
que são os clássicos universais na música, e é descrito também um pouco da vida e das obras
de Heitor Villa-Lobos.
Ainda, no segundo capítulo, é feito um breve estudo e comparação sobre a linguagem
musical dialógica e os outros tipos de linguagem, esclarecendo porque este tipo de linguagem
é importante de ser desenvolvida não somente nas crianças, mas em todas as pessoas.
No terceiro e último capítulo do trabalho, cujo título é: Entrelaçando os clássicos
orquestrais de Heitor Villa-Lobos com os Princípios da Aprendizagem Dialógica; como o
próprio nome já diz, será feita uma descrição (baseada na teoria) de como os princípios
podem ser vivenciados a partir da Tertúlia Musical Dialógica. Como se pode superar as
dificuldades apresentadas em sala de aula, na escola e fora dela. Também serão apresentados
os desafios que podem ser enfrentados (teoricamente).
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Na conclusão deste trabalho, apresentamos as impressões, os benefícios e as
contribuições que a pesquisa, até esse dado momento, nos permitiu traçar para se trabalhar a
Tertúlia Musical Dialógica em sala de aula com os primeiros anos do ensino fundamental.
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CAPÍTULO 1 - TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA: MARCO
TEÓRICO
_____________________________________________________
“Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia
humanizadora, em que a liderança revolucionária, em lugar de
se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase
“coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica
permanente.” (Freire, p. 63)
Neste capítulo, trataremos de abordar a origem da Tertúlia Musical Dialógica e
quando esta chegou ao Brasil, pontualmente na cidade de São Carlos. Após apresentada a
origem da Tertúlia Musical Dialógica, faremos uma descrição panorâmica da sociedade atual
explicitando o motivo pelo qual a Tertúlia Musical Dialógica se faz importante para a
superação das desigualdades presentes nesta sociedade.
Na seqüência, serão demarcadas as bases teóricas da Tertúlia Musical Dialógica, bem
como sua metodologia, escolhida como instrumento e espaço pedagógico para o
desenvolvimento deste trabalho nos anos iniciais do ensino fundamental.
1.1. A ORIGEM DA TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA
A atividade da Tertúlia surgiu em 1978 na Escola de Educação de Pessoas Adultas de
La Verneda1 de Sant-Martí Barcelona, Espanha. A Tertúlia é uma atividade cultural e
educativa que utiliza os clássicos universais (clássicos da literatura, da arte ou da música) para
dialogar de forma igualitária, utilizando como base os princípios da Aprendizagem Dialógica,
portanto, é possível afirmar que o propósito da atividade não consiste em descobrir nem
analisar aquilo que o autor, ou autora, de uma determinada obra quer dizer em seus textos,
mais sim gerar um espaço de diálogo e reflexão” (SILVA, 2008, p. 34). Atualmente, essa
atividade, que teve origem na EJA e depois, por demanda dos/as professores/as passou a ser
realizada nas salas de aula das escolas que são Comunidades de Aprendizagem, é
desenvolvida em diversos países inclusive no Brasil. Em São Carlos as Tertúlias Dialógicas
tiveram início em 2002 e são acompanhadas e desenvolvidas pelo Niase2 (Núcleo de
Investigação e Ação Social e Educativa), especialmente na EJA e nas escolas que são
Comunidades de Aprendizagem.
1
A Escola de Educação de Pessoas Adultas La Verneda, fica na Espanha. É uma comunidade de aprendizagem,
que conta com o apoio do CREA.
2
O Núcleo de Investigação e Ação Socieal e Educativa pertence a Universidade Federal de São Carlos e foi
Criado em 2002 pela professora doutora Roseli Rodrigues de Mello, após fazer seu pós-doutorado na Espanha,
juntamente com o CREA.
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Antes de continuar, devemos deixar claro que a Tertúlia Musical Dialógica surge da
Tertúlia Literária Dialógica, e utiliza de seus princípios e metodologia, diferenciando-se
apenas no objeto de estudo reflexivo e dialógico, que neste caso é a música.
As músicas utilizadas neste trabalho são “músicas clássicas” que podem ser
trabalhadas nos primeiros anos do ensino fundamental, e tem por objetivo dialogar e refletir
sobre os princípios da Aprendizagem Dialógica. Diante dos propósitos e metodologia da
Tertúlia Musical Dialógica, é necessário definir e esclarecer as motivações e positividades que
nos levaram ao seu estudo, que são: por que a música é o objeto de estudo da Tertúlia Musical
Dialógica? O que entendemos por ‘clássicos’ da música? Por que é importante refletir e
dialogar sobre os princípios da Aprendizagem dialógica nos anos iniciais do ensino
fundamental? Tais questionamentos compõem os capítulos de estudo deste Trabalho de
Conclusão de Curso.
Esclarecendo as motivações e positividades, escolhemos a música como objeto de
estudo porque ao longo do tempo e ao longo da vida, a música é sempre uma redescoberta do
que se foi, do que se é e do que se pode ser. Sabemos que o ser humano se utiliza de várias
linguagens para “ser e estar” no mundo, linguagens que expressam e comunicam. Junto com
as diferentes linguagens (fala, escrita, libras) está linguagem musical que segundo Girotto
(2008) é uma das formas das pessoas se relacionarem e enredarem seus envolvimentos com
mundo, ou seja, ao ouvir e sentir a música os/as participantes tem a oportunidade de relatar e
reviver
“experiências intensas, complexas e significativas como os acontecimentos
na vida de cada pessoa, as lutas sociais, os manifestos, os amores e as dores,
assim como acontece nas aventuras e histórias contadas pelos livros e esse
leitor pode compartilhar com outras pessoas, dando sentido pessoal a cada
trecho.” (GIROTTO, 2008, p. 41)
Diante disso, podemos afirmar que o contato e conhecimento com a música, na
atividade da Tertúlia Musical Dialógica, contribui para que todos/as os/as participantes
reflitam e dialoguem sobre diversas ideias, expectativas, sonhos, opiniões, enfim, encarem o
mundo com criatividade e acabem por almejar, consensuar e concretizar a transformação da
sociedade.
Pensando, finalmente, na música como instrumento da atividade, afirmamos que sendo
uma arte universal e que ultrapassa o físico humano, a música atinge os sentimentos das
pessoas, independentemente de cor, raça, sexo, idade, escolaridade entre outros “Marcadores
físicos /sociais”. É exatamente por conta dessa particularidade da música, que a Tertúlia
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Musical Dialógica se torna uma atividade com um potencial de transformação muito grande e
que incentiva o diálogo e o respeito entre os/as participantes.
Sabemos que nossa sociedade está em constante transformação, “transformações que
vêm ocorrendo como conseqüência da revolução tecnológica (baseada na tecnologia da
informação /comunicação), da formação de uma economia global e de um processo de
mudança cultural.” (GIROTTO, 2008, p. 20) Tal sociedade se pauta no sistema capitalista que
coloniza as pessoas e, consequentemente, as relações entre elas. A partir dessa colonização
das relações, vemos e vivemos em uma sociedade que multiplica as desigualdades, injustiças
e preconceitos, desvalorizando a solidariedade, igualdade e justiça. Diante dessa sociedade,
somos chamados a pensar como agir para melhorar esse espaço social que compartilhamos. A
Tertúlia Musical Dialógica é uma das ações que podem ser utilizadas para a superação da
desumanização social.
As mazelas sociais que vivenciamos hoje são frutos dos muros antidialógicos que
reforçam as mesmas. Os principais muros antidialógicos podem ser classificados em três
tipos:
•
Culturais: desqualificam a maioria da população como incapazes de se
comunicar com os saberes dominantes. Uma minoria seleta constrói as teorias
dos déficits para dissuadir o conjunto da sociedade do intento de tomar em suas
mãos o protagonismo cultural.
•
Social: excluem os muitos grupos da evolução e produção de conhecimentos
válidos. Classismo, sexismo, racismo e edismo encerram determinadas
experiências educativas dentro de alguns setores de posição social, gênero,
etnia ou idade; queda excluindo o resto.
•
Pessoais: apartam a muitas pessoas do desfrute da riqueza cultural de seu
entorno. As histórias de vida de muitas pessoas e, principalmente, como se
relatam si mesmas essas histórias geram auto-exclusão de muitas práticas
formativas.
Muitos estudos, pesquisas e ações vêm sendo desenvolvidos para derrubar tais muros
antidialógicos, assim como disse anteriormente a Aprendizagem Dialógica e a Tertúlia
Musical dialógica são algumas dessas ações. No sub-capítulo que se segue, iremos descrever
as bases teóricas que orientam a aprendizagem dialógica e as atividades que são alicerçadas
por ela.
1.2. BASES TEÓRICAS DA TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA
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A base teórica utilizada pela Tertúlia Musical Dialógica é a Aprendizagem Dialógica,
que foi elaborada pelo Centro Superador das Desigualdades (CREA), pertencente à
universidade de Barcelona, Espanha. A aprendizagem dialógica foi criada com base no
conceito de dialogicidade de Paulo Freire e, também, na teoria da Ação Comunicativa de
Habermas, conceitos teóricos que:
“nos podem ajudar a construir alternativas para a construção de espaços mais
dialógicos, onde pessoas e grupos possam: refletir sobre suas vidas, aprender
conjuntamente - cada qual expressando e apoiando-se na própria experiência
de vida - transformar suas interações e recriar sentidos para suas vivências,
respeitando e sendo respeitado em suas escolhas, num clima de
solidariedade.” (GIROTTO, 2007, p. 19)
A dialogicidade é um dos conceitos principais na teoria freiriana, lembrando que Paulo
Freire, segundo GIROTTO (2007, p. 28), é um autor dialógico e progressista e que
desenvolveu sua teoria preocupando-se com a com a transformação social, com a educação e
conscientização, com a democratização, por isso, Freire entende o diálogo como ‘prática da
liberdade’. Viver isolado não permite o diálogo, a interação, e o diálogo, segundo Freire
(2000 e 2003), é a própria história, é o estar no mundo, se dialogamos estamos refletindo
sobre esta historicidade, sobre o nosso eu no mundo, por isso que o diálogo é entendido como
“prática da liberdade”.
Diante disso, podemos afirmar que o sujeito aprende e ensina ao longo da vida, as
limitações preconceituosas impostas pela sociedade capitalista da informação não devem
impedir o desenvolvimento pessoal, intelectual e social dos seres humanos, seres que estão
com o outro, com o mundo, ou seja, estão sendo a cada momento em comunhão.
Agora focamos na Teoria da Ação Comunicativa elaborada por Habermas (1987, apud
Marini, 2007). A Teoria da Ação Comunicativa faz parte da área das ciências sociais e
educativas, e contribui para “organizar as relações humanas na base do diálogo e do
consenso.” (MARINI, 2007)
Então, é necessário que se reconstrua e amplie a teoria crítica da sociedade, pois
precisamos criar caminhos de superação para as desigualdades sociais. Na realidade em que
estamos as pessoas tendem a utilizar a racionalidade instrumental, por isso Habermas
elaborou sua teoria, na qual afirma que existem quatro tipos de ação, são elas: a ação
teleológica, ação normativa, ação dramatúrgica e a ação comunicativa. Nos parágrafos que se
seguem faremos a exposição desses quatro tipos de ação.
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A Ação teleológica, também chamada de Ação Estratégica é uma ação que “pressupõe
relações entre um sujeito e um mundo objetivo, definido pelo autor como totalidade dos
estados de coisas existentes produzidas mediante uma certa intervenção no mundo.”
(HABERMAS, 1987a, p. 122 apud MARINI, 2007, 37), que segundo Flecha é quando a
pessoa escolhe os melhores meios para se conseguir um fim, o que implica na obrigação e
convencimento das pessoas envolvidas, deixando de lado o consenso, o diálogo, as diferenças
(sociais, intelectuais, físicas) durante a interação.
Portanto, dizemos que
“a ação estratégica tem base em ao menos dois sujeitos que atuam com vistas
a obter um determinado fim, e que realizam seus propósitos orientando-se por
e influindo sobre as decisões de outros sujeitos. Assim, o resultado desta ação
depende também de outros sujeitos, os quais se orientam no sentido de
conseguir seu próprio êxito e só se comportam cooperativamente na medida
em que isso possa encaixar-se em seu cálculo egocêntrico de utilidades.”
(HABERMAS, 1987,p. 126 apud MARINI, 2007, p. 38)
A segunda ação apresentada por Habermas é a Ação regulada por normas, que na
explicação de Flecha (1997) é a ação em que as pessoas pertencem a um grupo em que atuam
de acordo com valores comuns, segundo as mesmas regras e não agem sozinhas/os. Segundo
Marini (1997) estas normas são válidas para todos e todas que acham válidas tais normas, o
que dá origem ao “mundo social”, esse mundo social é o lugar onde tais normas entram em
rigor, contudo as normas só vigoram se são reconhecidas e vivenciadas por todos/as, e quando
são racionalmente justificáveis. Entretanto, a autora, com base em Habermas (1987), deixa
claro que os valores culturais não são levados em consideração na construção e cumprimento
dessas normas. Por isso podemos dizer, que todas as relações que as pessoas estabelecem com
o mundo estão sujeitas a dois tipos de interpretação a primeira é se as ações estão de acordo
com as normas vigentes e a segunda é se as novas normas que as pessoas querem impor
segundo suas necessidades estão justificadas devidamente e se podem ser aceitas todos/as ou
não.
A próxima ação apresentada por Habermas é a Ação Dramatúrgica, ação em que as
pessoas são atores/as no mundo, e estão diante de um público que é formado por outras
pessoas desses espaços, por isso, segundo Gabassa (2009), o principal conceito nessa ação é a
‘auto-encenação’, ou seja, as pessoas tem um determinado comportamento diante do público.
Então, segundo Marini (2007) a ação dramatúrgica acontece em dois mundo, um em que o
sujeito é o ator e outro mundo em que o sujeito é o espectador, por isso
18
19
“é possível entender que a escala da auto-escenificação aborda desde a
comunicação sincera das próprias intenções, desejos e estados de ânimo, até a
manipulação cínica das impressões que o sujeito desperta nos demais. Uma
ação dramatúrgica que fosse avaliada somente a partir de critérios do êxito
que se busca, transformar-se-ia, assim, numa ação estratégica na qual os
participantes não seriam somente agentes “racionais com objetivos a fins”,
mas também oponentes capazes de manifestações expressivas.”
(HABERMAS, 1987, p. 135 apud MARINI, 2007, p. 41)
A quarta e última ação apresentada por Habermas é a ação comunicativa. O autor
repensa e positiviza a ideia de razão e racionalidade, idéias que apareceram com o processo de
modernização. Segundo Girotto (2007), Habermas busca superar a razão instrumental pela
razão comunicativa, ou seja, as relações interpessoais deixam de ser realizadas por um ator
solitário, assim, a linguagem utilizada seria a linguagem ilocucionária, que tem como
principal objetivo comunicar e avaliar as pretensões de validez.
Portanto,
“Somente o conceito de ação comunicativa pressupõe a linguagem como um
meio de entendimento sem mais abreviaturas, em que falantes e ouvintes se
referem, desde o horizonte pré-interpretado que o seu mundo da vida
representa, simultaneamente a algo no mundo objetivo, no mundo social e no
mundo subjetivo, para negociar definições da situação que podem ser
compartilhadas por todos. Este conceito interpretativo de linguagem é o que
se sobressai às distintas tentativas da pragmática formal.” (HABERMAS,
1987a, p. 137-138 apud MARINI, p. 41)
Segundo Flecha (1997), a Teoria da ação comunicativa de Habermas é vista como uma
maneira de organizar as relações humanas com base no diálogo e no consenso. Por isso, os
termos de verdade, veracidade e retitude, mencionados por Habermas (MARINI 2007) se
fazem tão importantes para estabelecer o diálogo igualitário, o que Freire chama de “palavra
verdadeira”. A partir do momento que estabelecemos uma relação de interação com o/a
outro/a estamos além das palavras, estamos, sim, num processo de ensino aprendizagem que
pretende compreender, internalizar e dialogar com o/a outro/a para a construção do próprio
“eu”, portanto, se o/a outro/a faz parte do meu “eu”, e se a interação e diálogos verdadeiros
são mais intensos quando existem diferentes pessoas envolvidas, então concluímos que o
espaço da Tertúlia Musical Dialógica é um espaço rico para superação das injustiças e
desigualdade que vivemos em nossa sociedade.
Após a explicação da Dialogicidade e da Teoria da Ação Comunicativa, entramos
agora no conceito da Aprendizagem Dialógica elaborado pelo CREA. A Aprendizagem
Dialógica é composta por sete princípios: Diálogo Igualitário, Inteligência Cultural,
19
20
Transformação, Dimensão Instrumental, Criação de Sentido, Solidariedade, Igualdade de
Diferenças.
Detalhando os princípios:
DIÁLOGO IGUALITÁRIO
Para Flecha (1997) o diálogo igualitário acontece quando todos/as são ouvidos, suas
ideias e argumentos escutados, independente das posições que ocupam na sociedade.
Levando a realidade e a aplicação do diálogo igualitário para a sala de aula Flecha
afirma que tanto professor/a quando estudantes aprendem, pois cada um/a constrói suas
contribuições de acordo a validez dos argumentos, é importante destacar que o diálogo
igualitário implica também na reflexão critica das pessoas que estão interagindo. Diante dessa
proposta, vários teóricos das ciências sociais elaboraram teorias sobre relações/interações
humanas baseadas no diálogo e no consenso; são exemplos: Habermas, Freire, Becky e
Giddens. Diante da Sociedade da informação que vivemos.
Para Flecha (1997) os estudos de Habermas sobre a existência de quatro tipos de ações
nos ajuda a repensar as práticas e as relações educativas, tais ações exemplificamos
anteriormente neste mesmo capítulo, então reforçaremos a ideia de ação comunicativa, que
“se refere a uma interação em que os sujeitos capazes de linguagem e ação
engajam uma relação interpessoal com medidas verbais e não verbais [...] O
conceito central é a interpretação referida na negociação de situações
suscetíveis de consenso.” (FLECHA, 1997, p. 17)
Por isso, Flecha (ibid.) afirma que o diálogo igualitário está ligado diretamente à ação
comunicativa, pois os diversos comentários e contribuições são de extrema importância para a
superação de propostas educativas não igualitárias.
INTELIGÊNCIA CULTURAL
“A inteligência cultural pressupõe uma interação onde diferentes pessoas estabelecem
uma relação com meios verbais (ação comunicativa). Assim chegam a entendimentos nos
âmbitos cognitivo, ético, estético e afetivo.” (FLECHA, 1997, p. 21) O autor ainda diz que
todas as pessoas têm a capacidade de participar de diálogos, e que suas habilidades possam se
manifestar em diferentes espaços, pois as pessoas têm a capacidade de desenvolver diversos
tipos de inteligência, nos diferentes espaços.
Contudo, nos diferentes espaços, inclusive nas escolas, estamos afogados/as com a
predominância da cultura dominante que considera somente o seu jeito de agir e pensar como
20
21
válido na sociedade, ou seja, consideramos inteligentes aqueles que pertencem à cultura
dominante, e as pessoas de outras culturas são desprovidas de inteligência é o que Flecha
(1997) chama de muros anti-dialógicos que já citamos anteriormente, indo um pouco mais à
fundo o autor indica três passos para a superação dos muros antidialógicos:
1.
2.
3.
Auto-confiança Interativa: diz respeito ao reconhecimento, por parte do
grupo das riquíssimas capacidades já demonstradas em outros espaços;
Transferência Cultural: a descoberta da possibilidade de demonstrar a mesma
inteligência cultural em um novo contexto acadêmico;
Criatividade dialógica: constatação da aprendizagem gerada a partir das
interações com as outras pessoas. (FLECHA, 1997, p. 25 citação)
Portanto, é necessário que se supere a ideia da valorização da cultura dominante; uma
alternativa é a Aprendizagem Dialógica. Então, a inteligência cultural é um meio de interação
no qual o diálogo igualitário (reflexivo e crítico) tem que estar presente para garantir a
participação de todos/as nos diferentes espaços sociais, pois são nos diferentes espaços e na
diversidade de pessoas, de ideias, de histórias de vida que potencializamos a inteligência
cultural. Vale ressaltar que as pessoas terem convencimento e consciência de que sua
inteligência, capacidades/habilidades são importantes para a própria vida e para a vida do/a
próximo/a e, também, que as pessoas tenham a oportunidade de demonstrar, falar o que
sabem.
TRANSFORMAÇÃO
O princípio da transformação é “criado” para superar a ideia de que a escola é somente
reprodutora da cultura dominante. Pensando na transformação a partir do diálogo igualitário e
da inteligência cultural, podemos vislumbrar a escola não só como reprodutora, mas também,
e principalmente como, transformadora da realidade social apresentada. A transformação das
relações e do entorno faz com que apareçam mais movimentos solidários e em prol da
igualdade social, como é o caso da Comunidade de Aprendizagem. Nesse sentido, Gabassa
(2009, pg. 72) afirma que “as pessoas que participam de processos como esses acabam por
transformar o sentido de sua existência, e com isso, também transforma o seu entorno.”
DIMENSÃO INSTRUMENTAL
De acordo com Gabassa (2009), a Aprendizagem Dialógica defende o instrumental, ou
seja, “a aprendizagem instrumental de conhecimentos e habilidades que são considerados
necessários para essa sobrevivência” (FLECHA, 1997, pg 33 apud GABASSA, 2009, p. 13).
21
22
Tanto propostas conservadoras como progressistas encaram o diálogo como desnecessário,
desvalorização do ensino e do técnico, entretanto, segundo Flecha (1997) a aprendizagem
dialógica não se opõe à aprendizagem instrumental, pois considera necessário que todos/as
possuam esses instrumentos.
O mesmo autor, também afirma que o diálogo igualitário e reflexivo é imprescindível
na dimensão instrumental, porque nas relações com diferentes pessoas estamos aprendendo
novos “instrumentos”, ou seja, novas formas de viver a vida, o dia-a-dia na escola, no
trabalho. E a reflexão é feita para analisar a importância e a prática da utilização do
instrumental.
CRIAÇÃO DE SENTIDO
De acordo com Flecha (1997) vivemos em uma sociedade que deseja controlar tudo o
que é “SER” humano, desde o físico, estético, até o mais íntimo de nosso ser. Para esse
controle, a sociedade faz uso do dinheiro e do poder, ferramentas que são usadas da pior
maneira, dificultando uma vivência solidária. Para que a vida não se transforme nisso, Flecha
(1997) afirma que é necessário superar essa visão, uma forma é a partir da aprendizagem
dialógica, diálogo e relações. A aprendizagem dialógica “se baseia no princípio fazendo frente
aos reducionismos anti-humanistas que consolidam a atua colonização sistêmica da vida
cotidiana” (ibid, 1997, p. 36)
De acordo com Flecha, é necessário que as próprias pessoas estabeleçam suas relações
a partir da linguagem, do diálogo do “ver o outro e se ver”, ou seja, a auto-criação de sentido.
O ensino se faz importante espaço para essa transformação de sentido, ao invés de ser um
lugar que faz calar deve ser um lugar de falar pois,
“não há oposição entre diálogo pedagógico e cotidiano, e sim a colaboração e
enriquecimento mútuo [..] o sentido de compartilhar palavras em grupo ajuda
a recriar continuamente o sentido global de suas vidas [...] criam uma nova
vida com outras pessoas com quem tens uma relação horizontal.” (p. 37)
As pessoas podem recriar suas vidas, suas histórias a partir das relações que
estabelecem.
SOLIDARIEDADE
22
23
De acordo com Flecha (1997), o princípio da Solidariedade vem para reforçar a ideia
de que a aprendizagem dialógica e todos os seus princípios não devem acontecer senão para
todas as pessoas.
Portanto, para a sociedade estruturalista e pós-estruturalista a melhor opção não era a
liberdade de diálogo, mas sim uma ditadura para aqueles/as que que não faziam parte das
camadas sociais privilegiadas. Contudo, Habermas e Freire propõem um novo tipo de viver
em sociedade, se fazer práticas educativas, uma prática que reforça a solidariedade ao invés
do poder. Tais práticas propostas por Habermas e Freire afirmam que “democracia, igualdade,
paz e liberdade sexual são mais desejáveis que ditadura, desigualdade, guerra ou violência, e
que a educação tem que trabalhar a favor das primeiras e contra as segundas” (FLECHA,
1997, p. 39)
Por fim, Flecha (1997) diz que, vivendo a aprendizagem dialógica, o coletivo constitui
a própria solidariedade, ou seja, a comunidade é um espaço solidário, a escola é um espaço
solidário, assim como o ambiente de trabalho, de lazer, etc. A aprendizagem dialógica é um
novo modo de ver e viver o/no mundo.
IGUALDADE DAS DIFERENÇAS
A igualdade das diferenças é o valor fundamental que deve orientar a aprendizagem
dialógica
“a aprendizagem dialógica se orienta na igualdade das diferenças afirmando
que a verdadeira igualdade inclui o mesmo direito de toda pessoa a viver de
forma diferente. Nesta perspectiva, que Freire denomina unidade na
diversidade, nunca se criticam as formas limitadas de igualdade sem defender
ao mesmo tempo outras más conseqüências, e nunca se defende a diversidade
sem promover simultaneamente a equidade de pessoas e coletivos
diferentes.” (FLECHA, 1997, p. 42)
Ou seja, a igualdade das diferenças é o direito de todos/as de serem diferentes. A
diversidade potencializa a aprendizagem, a transformação, a criação de sentido, a inteligência
cultural. Respeitar, aceitar, conviver e enxergar as diferenças entre as pessoas é caminhar para
a transformação social que esperamos.
Esses são os princípios da Tertúlia Musical Dialógica. Nesse último sub-capítulo
vamos descrever a metodologia da Tertúlia Musical Dialógica.
1.3. A METODOLOGIA DA TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA
23
24
Seguindo a base teórica metodológica citada acima o presente sub-capítulo descreve a
metodologia de trabalho, ou seja, o “como se faz” as Tertúlias Musicais Dialógicas nos anos
iniciais do ensino fundamental.
Vale ressaltar que a escola não precisa ser uma Comunidade de Aprendizagem para
que a tertúlia musical dialógica aconteça nas salas de aula e fora delas, basta que se sigam os
princípios da aprendizagem dialógica. A tertúlia musical acontece uma vez por semana e tem
duração de mais ou menos duas horas.
Primeiramente, é escolhida uma música, que possa ser considerada clássica, pois um
dos objetivos das tertúlias é que os/as participantes tenham contato e conheçam músicas assim
consideradas. A escolha tem que feita de acordo com o público alvo, de modo que gere
diálogo entre as/os participantes. Feita a escolha da música é feita a procura da letra da
música, pois todos e todas têm que ter a música para acompanhar, fazer destaques e a letra
também é vista como um documento a ser arquivado. É aconselhável que se faça uma
pesquisa sobre a música: (a) compositor/a, (b) cantor/a, (c) em que ano foi lançada, (d) se teve
regravações.
Após a pesquisa é feita uma busca pelo áudio da música que pode ser: (a) em fita k-7,
(b) em disco de vinil, (c) cd, (d) DVD, (e) áudio em mp3, (f) tocada ao vivo.
Feito isso, nos concentramos agora na atividade prática, porque o que destacamos
acima são os preparativos para a atividade. Para dar início à atividade da tertúlia musical
dialógica todos e todas se sentam em círculo. É importante que antes de se iniciar a atividade
a pessoa que estiver coordenando relembre os princípios da atividade que são: (a) existem
duas maneiras de participar uma é ouvir e a outra é falar, (b) se duas pessoas ou mais se
inscrevem para falar ao mesmo tempo, tem preferência a pessoa que ainda não falou ou que
falou menos, (c) respeitar as falas de todos e todas.
Relembrados os princípios dá-se início à atividade. Vale ressaltar que é recomendável
que se realize a atividade com a presença de um ou mais voluntários/as de modo a auxiliar na
atividade. Sentados/as em círculo coloca-se a música para ser ouvida, em seguida distribui-se
a letra da música para os/as participantes e uma pessoa (de preferência a pessoa que estiver
coordenando ou algum/a voluntário/a) faz a leitura do nome da música, do/a compositor/a,
do/a cantor/a e lê a letra da música. Ouve-se a música novamente e faz-se a leitura, só que
desta vez a leitura é feita conjuntamente (nos anos iniciais, a leitura em grupo auxilia na
alfabetização). Destaco aqui que, durante a tertúlia, duas pessoas assumem papéis importantes
para que a atividade aconteça, uma pessoa será a mediadora e a outra pessoa escreverá (com o
recurso que estiver disponível no momento) os destaques e falas feitos durante a tertúlia.
24
25
Dando continuidade, após ouvir e ler a música, a tertúlia passa para o momento dos destaques
e falas das pessoas que estão participando, lembrando que “O propósito da atividade não
consiste em descobrir nem analisar aquilo que o autor, ou autora, de uma determinada obra
quer dizer em seus textos, mas sim gerar um espaço e reflexão” (SILVA, 2008, p. 34). A
tertúlia musical tem duração de mais ou menos duas horas, como citei anteriormente, as
pessoas que querem fazer algum destaque ou falar sobre o que pensou ou sentiu durante a
música deve se inscrever, (levantando a mão e, se for o caso, dizer o seu nome) o/a
mediador/a inscreve as pessoas, lembrando que uma das regras da tertúlia musical dialógica é
que tem preferência para falar quem ainda não falou ou quem falou menos.
Passadas duas horas (às vezes menos, às vezes mais, tudo depende do combinado
anteriormente pelo grupo) encerram-se as inscrições e a pessoa que ficou responsável por
escrever, os destaques e as falas, realiza, neste momento, a leitura destes, encerrando, dessa
forma, a tertúlia musical dialógica.
No capítulo seguinte, abordaremos o que são os clássicos da música e porque
escolhemos as obras clássicas de Heitor Villa-Lobos como objeto de estudo teórico desse
Trabalho de Conclusão de Curso.
25
26
Capítulo 2
.............................................................................
Clássicos Musicais: um recorte a partir de VillaLobos
“É na formação das artes de um país, que existe a cega necessidade
imprescindível de colher os principais motivos na sua própria natureza,
como fizeram as grandes nações que mais se distinguem pela sua maneira
própria de ser, algumas delas chegando mesmo a dominar o espírito artístico
universal implantando sugestivamente um Belo que nada de comum com o
Belo de outros povo de temperamentos completamente opostos. É verdade
que nestes casos resulta sempre num curioso fenômeno de condições e
paradoxos. Por exemplo, (sem ironia) no Brasil veneram com eloquência os
feitos da Grécia/Roma antiga e ridicularizam as façanhas dos nossos
primitivos selvagens. [...] É isso que se chama talvez, modernamente
esnobismo” (A Noite, 9/1/1926 – Entrevista de Heitor Villa-Lobos)
Como já foi dito nos capítulos anteriores, vivemos hoje em uma Sociedade da
Informação, que, na maioria das vezes, não é igualitária e nem solidária, mas que o tempo
todo nos bombardeia com uma quantidade colossal de informações. Essas informações são de
todos os tipos, podemos citar a música como exemplo, segundo Albin (2003), estamos
vivendo num momento em que a pluralidade de ritmos, gêneros, talentos e fontes é muito
grande, e aberta ao público, ou seja, estamos na era da cultura em massa, entretanto não
podemos nos esquecer daqueles/as que tanto contribuíram para a história musical brasileira,
não podemos nos esquecer daqueles/as que deram o primeiro passo, que fundaram gêneros
musicais em nosso país. Neste trabalho de conclusão de curso iremos retratar o fundante da
música erudita brasileira no período contemporâneo, ou seja, o maestro e compositor Heitor
Villa-Lobos. Falaremos um pouco da história de Villa-Lobos e de como sua música erudita
foi transformada após sua ida à Paris, em 1923, pois foi após essa viagem que Villa-Lobos
começou a se dedicar intensamente na produção da música erudita de caráter nacional.
Para falar um pouco sobre a vida de Villa-Lobos e sobre sua “transformação” como
maestro e compositor brasileiro, utilizaremos o artigo de Paulo Renato Guérios, que faz uma
sucinta, porém satisfatória, projeção da vida de Villa Lobos.
Heitor Villa-Lobos nasceu em março de 1887, no Rio de Janeiro, um período de fortes
mudanças em nosso país e da formação de um novo sistema de Governo, estávamos a um
26
27
passo da proclamação da República. Tais mudanças tiveram grande impacto sobre as artes,
entre elas a música.
Ressaltamos aqui que Heitor Villa-Lobos é o fundante da música erudita
contemporânea no nosso país. Até 1842, a música erudita em nosso país era utilizada somente
pela igreja cristã católica e era composta por mestres-capelas. Contudo, em 1841, Francisco
Manuel da Silva 3solicitou que se criasse um Conservatório Imperial, esse acontecimento
demonstrava o desejo de se ter e de se fazer a música em e da nossa terra, além disso, a
criação de tal conservatório poderia colocar o Brasil como sendo uma das nações mais cultas
da época. Entretanto, Guérios (2003) destaca que as apresentações no Conservatório Imperial
não eram nem um pouco nacionais, pois se restringiram a versões traduzidas de óperas
internacionais que na maioria das vezes eram interpretadas por estrangeiros, o que fazia com
que a pronúncia das óperas cantadas fosse menos “nacional”.
Todavia, com o passar do tempo, precisamente quando a direção do Instituto Nacional
de Música4 foi assumido por Leopoldo Miguéz5, em 1890, houve uma grande mudança na
estética musical, o diretor Leopoldo queria acabar com o conservadorismo musical e realizar
apresentações mais modernas. Para Leopoldo Migués a estética moderna era a estética alemã
de Wagner6 e também a francesa de Saint-Saëns7. Segundo Leopoldo Migués o
conservadorismo é a insistência em privilegiar os cantos líricos italianos. Foi nesse ambiente
de transformações nacionais, políticas, sociais e musicais que Heitor Villa-Lobos nasceu, num
emaranhado de estilos e estéticas musicais, em uma disputa entre o conservadorismo e a
modernidade, entre a antiguidade e a modernidade, todas essas informações iriam fazer parte
da formação pessoal e musical de Heitor Villa-Lobos.
Podemos dizer que Heitor Villa-Lobos iniciou desde cedo seu contato com a música, o
pai de Villa-Lobos, Raul, teve o privilégio de ser apadrinhado por Alberto Brandão
3
Francisco Manuel da Silva, nasceu e morreu no Rio de Janeiro. Dedicou muito de suavida para música, foi
maestro, compositor e professor brasileiro. Sua obra não é muito conhecida, entretanto sua melodia mais
conhecida e célebre é a do nosso Hino Nacional Brasileiro.
4
É a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mantida pelo Governo federal do Brasil.
Oferece aulas de música desde o ensino infantil até a pós-graduação
5
Leopoldo Américo Miguez, nasceu e morreu no Rio de Janeiro, foi maestr, compositor e violinista. Foi para a
Europa aprimorar sua técnica, voltou convertido às músicas weberinas. É autor do Hino da Proclamação da
República, foi diretor do Instituto Nacional de Música e foi o renovador do ensino de música no Brasil no século
XX.
6
Wilhelm Richard Wagner, foi um compostiro, maestro, ensaísta e diretor de teeatro alemão. É muito conhecido
por suas óperas e por criar o libreto. Wagner foi o pioneiro em avanços da linguagem musical, por exempo, a
rápida mudança dos centros tomais. Suas ideias tiveram e têm muito impacto nas músicas eruditas.
7
Camille Saint-Saëns, foi um pianista, organista e compositor francês. Dedicou sua vida à música, e sua obra é
vasta.
27
28
“líder da maioria na Assembléia Provincial Fluminense e criador de um
conceituado colégio secundário na cidade de Vassouras. Como resultado,
Raul conseguiu completar seus estudos secundários, o que constituía um
privilégio no Segundo Império e mesmo durante a República Velha. A
educação recebida por ele em Vassouras possibilitou o que, de outra forma,
seria inimaginável para uma criança sem recursos: o acesso à formação
erudita. Raul aproveitou-a, no entanto, para investir em mais estudos.”
(GUÉRIOS, 2003, p.85)
Utilizando-se desse grande privilégio educacional, Raul investiu em seu filho VillaLobos, adaptando para ele um pequeno violoncelo com apoio em viola. Desde o início VillaLobos foi incentivado a discernir entre um gênero musical e outro, entre um estilo musical e
outro. O pai de Villa-Lobos não investiu em nenhum tipo de negócio para que pudesse ter
maiores retornos financeiros então, a única herança que deixou para seu filho após sua morte,
em 1899, era a iniciação e contato com a música erudita. Após a morte do pai, a família de
Villa-Lobos passou por vários problemas, Villa-Lobos não chegou a completar os estudos
secundários.
Em 1904, Villa-Lobos se inscreveu em um curso noturno, para ter aulas de violoncelo,
no Instituto Nacional de Música8 e também tocava em uma orquestra sinfônica: o Club
Francisco Manuel9. Os cursos noturnos foram criados em 1900, para proporcionar a formação
profissional de orquestras ao Instituto e poderia aumentar a freqüência dos/as estudantes de
música no período noturno. Todavia, os cursos noturnos foram fechados em 1904, ano em que
Villa-Lobos se inscreveu, então ele não chegou a frequentar as aulas. Após isso, Villa-Lobos
viajou pelo Brasil entre os anos de 1905 e 1912, existem somente dois arquivos que
comprovam que Villa-Lobos viajou, tais arquivos pertencem o Museu Villa-Lobos10. O
primeiro arquivo comprova que esteve presente em um concerto em Paranaguá (cidade do
porto do Paraná), entre os anos de 1907 e 1908, onde o maestro viveu e trabalhou no
comércio, em suas horas livres tocava. O segundo arquivo registra um concerto em Manaus,
nesse concerto Villa-Lobos participou como violoncelista de uma companhia artística.
Entretanto, os relatos e as viagens do musicista foram muito mais extensas, pois, alguns anos
depois ele afirmou que percorreu todo o interior do país, inclusive os rios Amazonas e Xingu.
Tais registros surgiram logo após Villa-Lobos ser nomeado um músico nacional.
8
Ver nota 4.
O Club Francisco Manuel, era um grupo de músicos do qual Villa-Lobos fazia parte, seu nome é inspirado na
figura de Francisco Manuel da Silva. (ver nota 3)
10
O Museu Villa-Lobos situa-se no Rio de Janeiro. É uma Instituição Museológica integrada à estrutura do
Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Demu/Iphan). O principal objetivo do museu é preservar o legado do compositor.
9
28
29
Através
dessas
viagens,
Villa-Lobos
pôde
se
afirmar
como
compositor
verdadeiramente brasileiro. Villa-Lobos conviveu e atuou tanto como músico de orquestra
quanto como músico de rua da cidade (os famosos “chorões); porém sua formação precoce na
música erudita o afastava dos músicos populares, porque a música popular não era bem vista
socialmente.
Falemos agora sobre as primeiras composições de Villa-Lobos, para depois falarmos
de sua ida à Paris e de como suas composições sofreram muitas transformações, podemos
afirmar, com base em Guérios (2003) que as transformações que ocorreram nas composições
de Villa-Lobos não foram somente estéticas mas também uma mudança social.
As primeiras obras de Villa-Lobos têm fortes influências do compositor Verdi11 e
Debussy12. As composições de Heitor Villa-Lobos, músicas compostas na década de 10, eram
produzidas segundo a estética musical do Rio de Janeiro, porque Villa Lobos desejava ser
aceito pelo público. Esse desejo de aceitação através da produção de músicas eruditas
provocou o afastamento de Villa-Lobos da música popular brasileira. Por isso nas primeiras
composições de Villa-Lobos, não e percebe nenhum elemento nacional, apesar do contato
constante do compositor com os chorões. Todas as suas composições, nessa década, são
totalmente eruditas e como já disse, fortemente influenciada por Debussy e Verdi.
A partir de 1915, Villa-Lobos começou a apresentar suas composições, e logo
conquistou o público carioca. Em 1919 foi convidado para compor e apresentar uma de suas
obras em um concerto que iria homenagear Epitácio Pessoa13, pois esse retornava da Europa.
Villa-Lobos, compôs e executou a obra intitulada: “A Guerra”. Após o concerto, existem
notícias em jornais da época, de que a obra de Villa-Lobos foi a mis aplaudida da noite, nesse
episódio já evidenciamos que o compositor já começava a se afirmar grandiosamente no
cenário brasileiro de música e passou a ser prestigiado e elogiado por artistas brasileiros e
também por artistas europeus que estavam no Brasil.
Após esse episódio, Villa-Lobos começa a ter o apoio financeiro de Laurinda Santos
Lobo, uma mulher muito bem sucedida, rica da alta sociedade, que começou a divulgar seus
11
Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, foi um compositor italiano, no período romântico italiano. Assim como
Wagner, foi considerado o maior compositor nacionalista da Itália. Sua obra é vasta e ainda hoje é muito tocada
e apresentada. Pode-se dizer que nenhum compositor italiano da época foi tão importante e popular quanto
Verdi.
12
Claude-Achille Debussy, foi um compositor e músico francês. Seu estilo influenciou muitos outros maestros e
compositores. Sua música foi como um catalisador de muitos movimentos musicais na França e em outros
países. Sua obra é vasta, porém é de difícil acesso.
13
Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa, foi um jurista, político brasileiro e presidente da República de 1919 e
1922.
29
30
concertos. Em 1921, Villa-Lobos fez um concerto promovido por Laurinda, nesse concerto
apresenta o quarto ato de Izaht14 e pela primeira vez apresenta peças nacionais.
As músicas tinham forte influência da música popular, por exemplo: Viola, A lenda do
Caboclo e Sertão no Estio. Villa-Lobos concede entrevistas para os jornais, em que diz
abertamente sobre os motivos que o fizeram compor músicas nacionais, para ele tratava-se de
“iniciar a sua festa de arte por um concerto de peças musicaes de carater bem
brasileiro, esperando tambem, d’este modo chammar a atenção geral para
esse lado das producções caracteristicamente nacionaes e artisticas, que
devem figurar nos festejos do centenario” Villa-Lobos visava ao
aproveitamento de suas obras nas festas do centenário da independência do
Brasil, a ser comemorado no ano seguinte. (GUÉRIOS, 2003, p. 89)
Entretanto, os planos de Villa-Lobos seriam alterados, pois em um segundo concerto,
promovido por Laurinda, Villa-Lobos atraiu a atração dos artistas modernistas da época, pois
apresentou suas obras mais audaciosas esteticamente, como ‘A Fiandeira’ para piano solo e
também ‘Quarteto Simbólico’. Diante da modernidade debussysta de Villa-Lobos ele acabou
sendo convidado para participar da semana da arte moderna15.
Depois da Semana da Arte Moderna, Villa-Lobos foi convidado para ir à Paris – o
maior centro cultural e artístico da época – sua ida teve ajuda financeira de amigos/as e
admiradores/as e também por ordem de um decreto nacional.
Heitor Villa-Lobos chegou a Paris em junho de 1923, e tinha certeza absoluta de que
faria muito sucesso conforme ressaltou em uma entrevista dada logo na sua chegada, em que
afirmava que não estava na capital da cultura para aprender e sim para mostrar o que tinha
feito até então em seu país de origem, o Brasil. Mal sabia que suas convicções, esperanças e
composições estavam prestes a sofrer uma grande transformação.
Logo no seu primeiro contato e reunião com os/as artistas franceses, que aconteceu no
estúdio de Tarsila do Amaral16, Villa-Lobos entrou em atrito com um dos artistas mais
famosos de toda a Paris: Jean Cocteau. Tal artista ocupava uma posição social, tinha uma
criação e vivências totalmente contrárias às de Villa-Lobos. Jean Cocteau estava totalmente
inserido e ligado com o meio artístico parisiense e era considerado uma grande influência;
14
Izaht é um a obra de Heitor Villa-Lobos, composta em quatro atos. Izaht é a junção de duas outras óperas:
Elisa e Aglaia. Teve sua estréia como oratório em 1949 e como ópera em 1958.
15
A Semana da Arte Moderna, aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. Cada dia da semana foi
dedicado a uma arte: pintura e escultura, poesia e literatura e música. A semana da Arte moderna foi muito
importante, pois deixa de ser uma vanguarda e passa a ser o modernismo da época. Muitos/as artistas
apresentaram novas ideias e conceitos artísticos, um exemplo é Heitor Villa-Lobos.
16
Tarsila do Amaral, foi uma desenhista e pintora brasileira. Foi uma das figuras centrais para a primeira fase do
movimento modernista no Brasil. Seu quadro, Abaporu (1928) marca a entrada ao movimento antropofágico no
Brasil.
30
31
diferente de Villa-Lobos que era um estrangeiro recém-chegado, cuja composições estavam
totalmente desatualizadas de acordo com a realidade musical e cultural da capital francesa.
Sobre o artista que questionou e rebaixou as obras de Villa-Lobos, sabemos que
“Clémente Eugene Jean Maurice Cocteau, nasceu dois anos depois de VillaLobos, em 5 de julho de 1889, na casa de seu avô materno, o agente de
câmbio Louis-Eugène Lecomte, em cuja mansão repleta de quadros e objetos
de arte, localizada na rica região de Maisons Laffite, a 20 km de Paris, ele
passou sua infância” (GUÉRIOS, 2003, p. 91)
Somente por essa breve introdução podemos perceber que Cocteau teve uma vida mais
privilegiada que Villa-Lobos. Frequentava a Comédie Française17, foi poeta, e suas poesias
eram recitadas por artistas famosos em Paris, e logo ficou muito popular. Em 1908, Cocteau
já tinha contato com grandes escritores franceses, como Marcel Proust
18
e Catulle19, esses
escritores pediram para Jean Cocteau escrever uma crítica sobre uma obra produzida por eles:
Du Cote de chez Swann. Com essa informação podemos notar que Cocteau tinha acesso à
casas e salões de arte que, na maioria das vezes, eram inacessíveis para outras pessoas; esse
acesso fez com que antes de completar 20 anos, Cocteau fosse admirado por suas
capacidades, juventude charme e espírito contagiante.
Podemos afirmar, segundo Guérios (2003) que Cocteau estava fortemente ligado ao
centro das vanguardas. Após a primeira Guerra Mundial (para a qual Cocteau não foi
convocado por ser fisicamente inapto) a glória e importância desde célebre artista já eram
incontestáveis. Cocteau tinha um novo círculo de amizades, por exemplo, Pablo Picasso20 e
Erik Satie21. Em agosto de 1916, Cocteau, Picasso e Satie se reuniram e criaram um novo
espetáculo revolucionário para a época, o espetáculo chamava-se Parade. Parade foi
apresentado pela companhia Diaghilev e reuniu o texto de Cocteau, os cenários e figurinos de
Pablo Picasso e a música de Satie. O espetáculo exaltava a influência popular da época, na
música, por exemplo, era possível escutar sons de sirene de navio e máquinas de escrever.
17
A Comédie-Française ou Théâtre-Français, é um dos poucos teatros que mantêm uma companhia permanente
de atores e é o único tetro estatal da França. Molière é o dramaturgo com maior ligação com a ComédieFrançaise.
18
Valentin Louis Georges Eugene Marcel Proust, foi um escrito francês, com vasta obra literária.
19
Catulle Mendes foi um homem de letras e um poeta francês.
20
Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno Maria de los Remédios Cipriano de La Santíssimo
Trinidad Ruiz y Picasso, ou simplesmente Pablo Picasso, foi um escultor, desenhista e pintor espanhol. É
reconhecido como um dos mestres da arte do século XX, um dos artistas mais famosos do mundo todo. Picasso
também é reconhecido como co-fundador do cubismo.
21
Érik Alfred Leslie Satie, foi um pianista e compositor francês. Foi o precursor da música repetitiva, teatro do
absurdo e do minimalismo. Foi uma importante figura vanguardista de Paris.
31
32
O programa Parade marcou a vida artística de Paris e consagrou Cocteau, mesmo não
sendo músico ele lançou um novo movimento artístico com base nas obras de Erik Satie. As
obras de Satie eram totalmente opostas às obras de Debussy, pois eram obras claras, simples e
precisas, sem muitos rebuscamentos, eram músicas que se entendiam sem que precisasse se
pensar muito. Diante disso, já podemos dizer os motivos de Cocteau não gostar e desprezar as
obras de Heitor Villa-Lobos, pois quando chegou a Paris as obras de Villa-Lobos estavam
ultrapassadas em comparação com a nova estética das obras musicais de Paris.
Já podemos imaginar como Villa-Lobos se sentiu decepcionado e desapontado quando
suas obras, tão admiradas e aplaudidas no Rio de Janeiro, foram duramente criticadas e
desvalorizadas em Paris, especialmente por Cocteau, uma das figuras vanguardistas mais
importantes de Paris.
Contudo, esse choque de opiniões entre Villa-Lobos e Cocteau pode ser encarado de
uma maneira positiva já que o choque entre visões tão diferentes pôde proporcionar
aprendizagens para os dois artistas, especialmente para Villa-Lobos.
Após o encontro de Cocteau com Villa-Lobos as obras de Villa-Lobos sofreram
muitas mudanças. Enquanto esteve em Paris, Villa-Lobos teve a oportunidade de vivenciar e
presenciar momentos em que a música brasileira era muito exaltada por seu exotismo e
“jeitinho brasileiro”, ele pôde perceber que o que os franceses (e outros) queriam e
admiravam era a diversidade da música e não uma cópia do que era considerada obra de
verdade, ou seja, as obras européias.
Villa-Lobos finalmente começou a incorporar em suas obras as influências da música
popular brasileira, antes ele só não as utilizava porque no Rio de Janeiro a música popular não
era bem vista, tinha um valor negativo. Depois da incorporação do “jeitinho brasileiro” em
suas músicas, as maiores riquezas nas suas composições eram as variedades de ritmos.
Dessa forma, Villa-Lobos conseguiu inovar suas composições e, de uma forma inédita,
conseguiu reunir a influência erudita européias com as influências populares e folclóricas
brasileiras. Villa-Lobos desenvolveu sua própria linguagem, uma linguagem musical única.
Após essa breve exposição da vida de Villa-Lobos e de quando sua obra começou a
ser “realmente” brasileira, voltamos à questão de pesquisa do trabalho que é: Como a Tertúlia
Musical Dialógica pode ser desenvolvida a partir de alguns clássicos orquestrais de Heitor
Villa-Lobos, nos primeiros anos do ensino fundamental? A partir dessa questão, daremos uma
atenção especial para a palavra Clássicos, O que são clássicos? Mas, afinal, por que as
32
33
composições do maestro/musicista Heitor Villa-Lobos são consideradas clássicas da música
erudita brasileira no período contemporâneo22?
Primeiramente, temos que definir o que é clássico e quais obras instrumentais podem
ser consideradas clássicas a partir da perspectiva dialógica abordada nesta pesquisa. Sobre os
clássicos da música, buscamos entender a origem da palavra, o significado específico e o
significado dialógico da palavra para que possamos chegar ao consenso do que serão os
“clássicos” no desenvolvimento deste trabalho.
A palavra “Clássico” é
“derivada de classis, palavra latina que significa classe de escola. O que
significa que os clássicos eram chamados clássicos por serem julgados
adequados à leitura dos estudantes, úteis na consecução dos objetivos
escolares. [...] Seguindo esse estudo conceitual, nos deparamos com as
tradições da palavra, ou seja, a palavra “clássica/o” veio das tradições
literárias dos autores da Grécia e com o passar do tempo passou a indicar
juízo de valor, ou seja, muitos estudiosos concordam utilizar o termo clássico
para identificar se uma obra é boa ou não.” (GIROTTO, 2007, p. 39)
Por esse motivo, ainda na atualidade, quando pensamos em “clássicos da música” é
normal que a primeira ideia que nos ocorre são músicas clássicas instrumentais, músicas
eruditas. Essa ideia nos vem por que na nossa cultura ocidental ainda se encontram vestígios
da cultura Greco-romana, que assim como na literatura que selecionava quem podia ou não
escrever e ler, selecionava quem podia compor e tocar e quais músicas eram consideradas
boas de serem ouvidas e tocadas. Isso não só gerava de uma maneira cultural a estratificação
social, impedindo que músicas consideradas boas, de qualidade, ou seja, as músicas clássicas
eruditas fossem negadas à maioria da população.
Pesquisando o significado da palavra “Clássico”, em diferentes dicionários,
destacamos as definições de “Clássico” contida em dois dicionários. No Mini-dicionário
Aurélio da língua portuguesa nova edição, a definição de clássico é a seguinte:
“1. Relativos à arte, à literatura ou à cultura dos antigos gregos e romanos. 2.
Que segue, em matéria de artes, letras, cultura, o padrão deles. 3. Da melhor
qualidade; exemplar. 4. Habitual. sm. 5. Escritor Clássico.” (p. 125)
No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (dicionário online), clássico significa:
22
Tecnicamente é a música erudita dos séculos XX e XXI, feita após os movimentos regionalistas e
impressionistas. Um exemplo seria a Música de Vanguarda.
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34
adj.
1. Que é de estilo impecável. 2. Próprio para servir nas aulas. 3. Infrm. Que
de há muito é habitual; inveterado no uso. 4. Relativo à literatura grega e
latina. s. m. 5. Autor clássico. 6. Obra clássica. (acessado em 31 de agosto de
2011)
Fica ainda mais claro que o significado e a origem do que é e do que deixa de ser
“Clássico” estão intimamente ligados. Contudo, podemos contemplar o que é ser “clássico”
de uma maneira diferente, ou seja, de uma maneira dialógica. Utilizando as palavras de
GIROTTO (2007), que é pesquisadora das Tertúlias Literárias Dialógicas, os clássicos (da
literatura) são obras literárias que mesmo que o tempo passe elas conseguem ser inovadoras e
eternas. As obras contam histórias de um povo, das suas origens, de seus costumes, e às vezes
não precisam nem ser contadas até o final, pois as palavras ficam gravadas, os povos
conhecem as histórias uns dos outros, através das palavras. Podemos também reinventar as
histórias, esse reinventar torna as diversas histórias sempre originais. Essas trocas solidárias
de conhecimentos geram um enriquecimento e uma potencialização das pessoas e do próprio
grupo.
A partir da definição de clássico feita por Girotto (2007), podemos destacar elementos
que nos ajudam a entender melhor o que são os clássicos. Os clássicos sobrevivem através dos
tempos e não perdem a sua originalidade e universalidade independente da cultura de onde
vêm esses clássicos da música, da literatura ou das artes. Por isso, podemos afirmar que “ser
música clássica” na vertente dialógica nos permite a “superação da visão de que ela seria
acessível e adequada apenas a quem tem formação acadêmica elevada ou que pertença à elite,
ou seja, como exclusividade e privilégio de determinados grupos” (GIROTTO, 2003, p. 36),
vemos que os clássicos podem ser visto e ouvidos por qualquer pessoa, de qualquer idade,
classe, gênero.
Então, chegamos ao consenso de que no presente trabalho as músicas consideradas
clássicas serão aquelas que permaneceram inovadoras e eternas através dos tempos. Músicas
que fazem parte da tradição cultural, parte do povo. Então, pensando nessa definição de ser
parte da cultura brasileira e do povo brasileiro, escolhemos o compositor/maestro/musicista
Heitor Villa-Lobos, que apesar da carruagem do tempo continuar andando, suas obras
musicais, seu estilo inovador, a junção do erudito europeu com os ritmos folclóricos e
populares do Brasil, continuam eternos, suas músicas ainda são capazes de nos fazer pensar,
sentir e refletir.
Após essa breve exposição e explicação sobre os clássicos da música, iremos elencar
quais músicas de Villa-Lobos foram selecionadas para a elaboração dessa pesquisa teórica.
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MÚSICAS
12 Sinfonias
Uirapuru
Amazonas
Choro nº 6
Choro nº 8
Choro nº 9
Choro nº 10 – Rasga Coração
Choro nº 11
Choro nº 12
Bachianas Brasileiras nº 1 para 12
violoncelos
Bachianas Brasileiras nº 2 para orquestra
Bachianas Brasileiras nº 3 para piano e
orquestra
Bachianas Brasileiras nº 4 para piano e
orquestra
Bachianas Brasileira nº 5 para soprano e 8
violoncelos
Bachianas Brasileiras nº 6 para flauta e
fagote
Bachianas Brasileiras nº 7 para orquestra
Bachianas Brasileiras nº 8
Bachianas Brasileiras nº 9 para orquestra e
choro
Erosão
Odisséia de uma Raça
Gênesis
Emperor Jones
Momoprecoce para piano e orquestra
5 concertos para piano e orquestra
Martírio dos Insetos para violino e
orquestra
2 concertos para violoncelo e orquestra
Concerto para violino e Orquestra
Concerto para Harpa e Orquestra
Concerto para Harmônica e Orquestra
Ciranda das Sete Notas para fagote e
orquestra
Fantasia para Violoncelo e Orquestra
Concerto Grosso
ANOS
1916 – 1957
1917
1917
1926
1925
1929
1928
1929
1930
1930
1938
1936
1938 – 1945
1938
1942
1944
1945
1950
1953
1954
1956
1929
1945, 1948, 1957, 1954, 1954
1925
1913, 1955
1951
1953
1953
1953
1945
1958
Para finalizar este capítulo, não podemos deixar de citar e diferenciar a linguagem
musical (sensível) da linguagem oral, pensando na perspectiva dialógica. Inicialmente iremos
35
36
descrever a linguagem oral dialógica e faremos a comparação com a linguagem musical
dialógica.
Mas afinal o que é linguagem? Podemos dizer que é um conjunto de línguas que é
utilizado para a comunicação e convivências de diferentes grupos dentro da sociedade então
“a língua é um fato social, exatamente por estar ligado às estruturas sociais e
é essencial para a comunicação, pois, através da palavra, que é o fenômeno
ideológico por excelência, podem-se confrontar os valores sociais que, muitas
vezes, são contraditórios. É na palavra que melhor se revelam as formas
básicas, as formas ideológicas gerais da comunicação semiótica.”
(GIROTTO, 2007, p. 84).
Diante disso, podemos afirmar que a língua é cultura e dessa forma é o próprio
conhecimento segundo a autora, todos/as falamos a mesma linguagem, porém nos
expressamos de maneiras diferentes. Portanto, não podemos analisar uma linguagem sem
levar em consideração: classe social, a origem, etc. A linguagem, e todas as suas variações,
são um fenômeno social.
Entendemos então que o diálogo, o uso da fala, o uso da linguagem para a
comunicação e interação entre as pessoas é, na verdade, o som de todas as vozes que passam
por nós, vozes que não escutamos, mas que fazem parte nós e de nossa sociedade, ou seja, o
diálogo, a fala e a linguagem são igualitários, verdadeiros quando deixamos “nossa voz falar
por todos em nome de uma sociedade solidária.”
A linguagem que será abordada neste trabalho é a linguagem musical dialógica, com a
mesma base utilizada nos parágrafos anteriores, que se referem à linguagem oral. Sobre a
linguagem musical e a Tertúlia Dialógica dizemos segundo Girotto (2007) que não é só um
processo de escuta, é também diálogo que leva a transformação constante, exposição de
ideias, de lembranças, produção de conhecimento, portanto é uma escuta dialógica.
Sobre a linguagem musical, segundo Ferreira (...) podemos dizer que desperta e
desenvolve habilidades sensíveis mais intensas, é um tipo de expressão usado pelos seres
humanos muito rico, complexo e universal, a música, independente do lugar, consegue
transmitir sensações que todos/as sentimos.
A linguagem musical é extremamente sensitiva, como já afirmei anteriormente, é
como se a música tivesse vida própria e “entrando” em seus ouvintes, faz com que tenham as
sensações, sonhos e lembranças dos mais inesperados; ainda mais se a escuta da música for
feita de maneira dialógica como é proposto nesse trabalho. Segundo Girotto (2007) a
linguagem tem certa ambigüidade, pois as pessoas tem diferentes visões de mundo e
36
37
diferentes vivências. Então, o diálogo acaba se tornando um ponte entre as pessoas, entre
conhecimentos, culturas, em que as diferenças acabam potencializando as relações e
aprofundamento nos significados.
A partir disso, podemos ver como a Tertúlia Musical Dialógica é um atividade rica,
que proporciona incontáveis ensinos e aprendizagens à todos/as os/as participantes. Indo mais
além, e pensando no caráter sensitivo da música, podemos dizer que a profundidade da
reflexão, da lembrança e da expressão através da fala é muito intensa. Além da nossa voz,
podemos ouvir com nitidez o que o passado e as pessoas que passaram por nós deixaram e
podemos ouvir também a polifonia dos sonhos e do futuro. Não estamos afirmando que são
somente sensações e pensamentos bons que ocorrem durante a atividade da Tertúlia Musical
Dialógica, estamos dizendo que a diversidade de possibilidades é imensa.
Com a utilização das músicas eruditas clássicas de Heitor Villa-Lobos e dos princípios
da Aprendizagem Dialógica, iremos explorar, no terceiro e último capítulo, um pouco as
possibilidades de superação e algumas das dificuldades que estão presentes na atividade da
Tertúlia Musical Dialógica.
37
38
Capítulo 3
.............................................................................
Entrelaçando os Clássicos Orquestrais de Heitor
Villa-Lobos com os Princípios da Aprendizagem
Dialógica
“A tertúlia é uma utopia possível.” (FLECHA, 1997, p. 13)
Este último capítulo será organizado pensando nos princípios da Aprendizagem
Dialógica juntamente com as obras escolhidas de Heitor Villa-Lobos. Para tal entrelaçamento
usaremos como base principal o livro “Compartiendo Palabras” de Ramón Flecha (1997).
Assim como no livro, falaremos de cada princípio separadamente, na seguinte ordem: Diálogo
Igualitário, Inteligência Cultural, Transformação, Dimensão Instrumental, Criação de Sentido,
Solidariedade e Igualdade de Diferenças.
Iniciamos, descrevendo sobre o diálogo igualitário:
3.1. DIÁLOGO IGUALITÁRIO
Hoje, estamos vivendo na Sociedade da informação, sociedade que desumaniza a
maioria das relações entre as pessoas, uma sociedade que a cada momento reforça a ideia de
individualidade em que a diversidade não é vista como potencialidade de diálogo, mas sim
como reconhecimento das diferenças:
“Hoje está se criando um novo tipo de miséria. Rejeita ver a sociedade da
informação com um simples passo para o progresso da humanidade. [...]
também estamos experimentando um empobrecimento espiritual do povo.
Por isso são necessárias muitas lutas [...] para melhorar as condições de todas
as pessoas [...] temos que lutar muito para sair de nossa miséria [...] até sair o
sol.” (FLECHA, 1997, p. 55)
Diante disso, e de acordo com Flecha (ibid.), dizemos que participar de uma Tertúlia
Musical Dialógica é superar e lidar com novas perspectivas. Lembrando que a Tertúlia
Musical Dialógica nasceu da Tertúlia Literária Dialógica, reforçamos e comprovamos esse
fato afirmando que “a literatura aborda novas perspectivas e interpretações incomuns [...]
enriquecem e transformam mutuamente.” (FLECHA, 1997, p. 62), assim como, a música de
38
39
Villa-Lobos, pois são obras musicais que surpreendem e permitem que sempre renovemos
nossas interpretações e reflexões sobre a obra escutada.
Na Tertúlia, de acordo com o autor, as escolhas não vêm da autoridade e nem do
currículo, mas sim de intensos sentimentos humanos que partem do princípio de serem
compartilhadas com todos/as e não individualmente. A partir de tal compartilhamento
reflexivo, temos a oportunidade de tomar consciência de nossos próprios atos o que leva ao
nascimento de uma nova esperança em que os/as participantes se vêem como pessoas livres e
iguais que convivem em solidariedade, além de gerar a confiança em si mesmo/a e na
transformação social.
Podemos dizer, de acordo com Flecha (1997), que no contexto da Tertúlia Musical
Dialógica, assim como no contexto da Tertúlia Literária Dialógica, as pessoas participantes
terão a oportunidade de conhecer muitos compositores/as, muitas músicas e terão ainda, a
possibilidade de se identificar com os/as mesmos/as. Então, afirmamos que a cada música
ouvida e trabalhada “dialogicamente”, torna-se possível um aprimoramento da escuta de
modo a estimular a sensibilidade,
as reflexões e a troca de novos conhecimentos e
experiências..
O contato, a escuta dialógica, dos clássicos de Heitor Villa-Lobos, um grande
compositor, um grande nome da música no Brasil, que exaltava a cultura de nosso país faz
com que os/as participantes da Tertúlia Musical Dialógica se identifiquem com quem foi
Villa-Lobos, com sua obra e com sua luta pela valorização de uma música instrumental
clássica que fosse realmente brasileira. “Pouco a pouco, o grupo irá valorizar mais a
“música” pelas interpretações de quem “as escuta” e menos pela vida e ideias de quem as
“compõem”. (FLECHA, 1997, p. 61) Faço uma ressalva de que não estamos afirmando que a
vida e as ideias do compositor Villa-Lobos serão desconsideradas, serão sim utilizadas,
dependendo do espaço e das pessoas que participam da TMD. A Tertúlia Musical Dialógica
dá a oportunidade de recriar, o diálogo igualitário transforma tudo, pois coloca os/as
participantes numa relação de igualdade/equidade.
“A autoconfiança cresce assim que os muros caem. As pessoas tomam o
direito de decidir por si mesmas – sem imposições externas – que é
interessante ler e que é importante o trivial. Não pedem permissão para entrar
como membros de segunda categoria no clube de leitores (ou ouvidores) de
narrativas (ou músicas) selecionadas. Se o fizessem, suas interpretações
seriam classificadas como deficientes, pois os saberes populares são
avaliados como ignorância pela ‘alta’ sociedade” (FLECHA, 1997, p. 63)
39
40
A Tertúlia Musical Dialógica é um espaço que ultrapassa e derruba os muros
antidialógicos. Mergulhar no universo da música clássica de Heitor Villa-Lobos é romper com
os muros elitistas, “as obras são recursos para o que Freire denominava comunicação
cultural, criação de novos saberes partindo das próprias identidades e do diálogo com as
demais pessoas incluindo ‘quem compôs as músicas’.” (FLECHA, 1997, p. 63)
Além disso, a vivência nas Tertúlias Musicais Dialógicas proporciona às pessoas
participantes “a transformação ambivalente, criam interações com conseqüências pessoais e
sociais, com novas vantagens e inconvenientes.” (FLECHA, 1997, p. 63)
“Quando esse igualitário processo generalizar-se, assistiremos a uma
significativa melhora artística e social. Artisticamente, a ‘música’ se
enriquecerá com novos diálogos e dimensões. Socialmente, criará novas
perspectivas para se enfrentar os problemas básicos da população.” (ibid, p.
64)
A atividade proporciona um importante exercício de mudança de postura nos/as
participantes, principalmente, quando se trata de crianças dos anos iniciais do ensino
fundamental, o que nos deixa sonhar uma sociedade equitativa.
3.2. INTELIGÊNCIA CULTURAL
Na atual Sociedade da Informação, há uma forte tendência de desqualificar todos os
pensamentos, falas e ideias que não sejam acadêmicos, pois “uma pessoa com formação tão
rica e pouco acadêmica, se criava um muro cultural ao diálogo” (FLECHA, 1997, p. 66)
Na Tertúlia Musical Dialógica, temos a oportunidade de superar essa ideia de
inferioridade, pois de acordo com Flecha (1997), não há um saber melhor que outro, mas sim
saberes diferentes:
“vários muros sociais de comunicação desapareceram nesse ambiente onde
nada é considerado mais culto que nada, tanto se és participante de um curso
de alfabetização como estudante de doutorado em Harvard ou professor de
universidade.” (FLECHA, 1997, p. 67)
Dessa forma, a Tertúlia Musical Dialógica possibilita que os/as participantes
transpassem os muros culturais antidialógicos que impedem a comunicação e as pessoas se
comunicam de igual para igual, pela força de seus argumentos e não de posições de poder
(gênero, classe, etnia, raça, escolaridade, etc.). De acordo com a aprendizagem dialógica,
todos e todas têm a capacidade de aprender, de ensinar e de adaptar a sua inteligência de
acordo com qualquer espaço.
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41
Nesta perspectiva, a tertúlia musical dialógica é uma das atividades que desenvolve tal
concepção, pois a partir do diálogo entre as vivências, experiências e inteligência de cada
participante, diante da escuta de uma obra clássica, percebe-se que todos/as têm a capacidade
de ensinar e aprender algo de modo que as expectativas em relação ao outro/a acabam se
tornando maiores. Ou seja, como diz Flecha (1997), a pedagogia da explicação tinha que ser
substituída pela pedagogia da escuta, onde os escritos, nesse caso, os sons, possam ser ligados
às vidas cotidianas das pessoas. Dessa forma desenvolvemos a inteligência cultural, em que as
diferentes inteligências das pessoas, por exemplo, a prática ou a acadêmica, misturam-se,
invadem-se para superar suas limitações e criar uma nova inteligência, a inteligência cultural,
ou seja, uma criação de inteligências na diversidade.
Na Tertúlia Musical Dialógica, segundo Flecha (1997), temos a oportunidade de ouvir
a música e dizer o que sentimos, o que pensamos, o que lembramos, de manifestar nossa
própria visão por meio de argumentos que oferecem à criação de novos significados, pois
todas as pessoas têm o direito de falar, de argumentar, de expor suas ideias, com sua própria
voz e linguagem. Então, podemos dizer, que, segundo o mesmo autor, a atividade da Tertúlia
Musical Dialógica, é uma maneira de superar os mecanismos de poder existentes dentro da
sala de aula, no espaço escolar e no sistema escolar, transformando a escola num lugar
igualitário e democrático de aprendizagem, onde o diálogo e o consenso coletivo renovam
nossa concepção de educação e se almeja a igualdade cultural. Ainda, com base nas reflexões
dele, afirmamos que, durante a TMD, o diálogo possibilita processos de ensino e
aprendizagem aos participantes, que tem por base as criações coletivas de sentido humano.
Flecha (1997) diz que, as vozes não podem ser caladas, as ideias não podem ser
desprezadas, as lembranças não podem ser esquecidas, pois somos criadores de sentidos, e
essa criação, melhora a convivência da comunicação humana por meio do consenso.
Sobre consenso e dissenso, Flecha (1997) afirma ser estes elementos imprescindíveis
para que a realização da TMD. È importante que os coletivos se entendam e cheguem num
consenso por meio da argumentação igualitária e diálogo. O mesmo autor, ainda discorre,
sobre a aprendizagem instrumental e a aprendizagem dialógica e a forma como estas podem
caminhar juntas? Sabemos que a aprendizagem instrumental é de extrema importância para a
vida das pessoas, sem o instrumental não se vive em sociedade, mas como fazer com que a
aprendizagem não se torne bancária? Flecha (1997) afirma que:
“a aprendizagem dialógica da tertúlia promove o instrumental. Se plantam
questões, sentimentos, opiniões, histórias. Compartilham esses aspectos e
aprendem muitas coisas de literatura, história, arte. Para, principalmente
41
42
desenvolverem capacidades como aprender a aprender atitudes como a
autoconfiança em suas possibilidades.” (FLECHA, 1997, p. 82)
Por isso, o processo de junção da aprendizagem instrumental com a aprendizagem
dialógica contribui para a superação dos muros antidialógicos pessoais (porque as pessoas
sentem a importância de suas próprias histórias), culturais (porque todos/as são criadores de
sentido, suas interpretações são válidas numa relação horizontal) e sociais (porque nem a
escola nem os/as docentes buscam o poder).
Concluindo, podemos dizer que o princípio da inteligência cultural, na TMD, é
necessário para que a aprendizagem emancipadora aconteça. As pessoas utilizam os
aprendizados da Tertúlia Musical não só para transformações sociais, mas também para
transformar as próprias vidas, derrubando os muros antidialógicos de nossa sociedade.
Pensando na Heitor Villa-Lobos que expomos no segundo capítulo deste trabalho,
podemos dizer que realmente temos o costume de menosprezar saberes populares, assim
como fez Villa-Lobos com os choros que conhecia, e com outros ritmos brasileiros. O contato
com essa história e o conhecimento de que a obra de Villa-Lobos foi eternizada só depois que
esse maestro introduziu ritmos brasileiros em suas composições, pode auxiliar na superação
das ideias de inferioridade da cultura brasileira e da cultura popular.
3.3. TRANSFORMAÇÃO
A transformação é outro princípio da aprendizagem dialógica. Com base na leitura do
livro de Flecha (1997), percebemos que a Tertúlia Musical Dialógica é uma atividade que age
de modo transformador. Por meio das músicas ouvidas, das ideias, dos conhecimentos e das
lembranças expostas, as pessoas participantes dialogam na busca do consenso e criação de
sentido. Dessa forma, podemos dizer que, a TMD ajuda os/as participantes a desenvolverem
uma visão crítica e reflexiva sobre si mesmos/as, sobre os outros/as e sobre a própria
sociedade. A partir dessa visão reflexiva, as ações podem ser ampliadas para que a
transformação dialógica realmente aconteça e para que as pessoas se tornem, realmente,
protagonistas de suas próprias existências.
Na sociedade da informação que vivemos, as pessoas geralmente, são consideradas
‘gente – objeto’ e não sujeitos. Para se superar essa ideia, Flecha (1997), afirma que é
necessário o diálogo, para gerar uma relação intersubjetiva e com isso formar sujeitos. A
relação intersubjetiva, segundo o mesmo autor, é o próprio sujeito e o diálogo que estabelece
com os demais; a intersubjetividade dá crédito ao diálogo e rejeita as imposições feitas através
da violência, a Tertúlia Musical Dialógica é capaz de criar essa relação subjetiva.
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Segundo Flecha (1997), a transformação pode ocorrer por meio do diálogo, das
relações e das trocas igualitárias durante a TMD. Ao ouvir as músicas de Villa-Lobos e
compartilhar ideias e sentimentos, estamos exercitando e criando uma visão reflexiva, visão
que olha o mundo e nos coloca nele como transformadores. A música, como dito
anteriormente, é capaz de ultrapassar o físico, é uma linguagem muito complexa que
possibilita uma transformação intensa nas relações entre as pessoas e com o meio social em
que vivem.
3.4. DIMENSÃO INSTRUMENTAL
Nesse princípio vamos discutir a dimensão instrumental, que diz respeito a forma
como os conhecimentos são válidos em nossa sociedade. Por que damos mais valor aos
conhecimentos acadêmicos do que aos conhecimentos populares? Novamente batemos de
frente com a desigualdade social que nos acompanha desde muito tempo em vários espaços
sociais. Um exemplo disso é o próprio Villa-Lobos que, no início de sua carreira, desprezava
as músicas populares brasileiras e dava valor às músicas eruditas estrangeiras. Entretanto, no
capítulo anterior, vimos que sua vivência e relações em outros espaços fizeram com que sua
música passasse por uma transformação grandiosa, marcando, para sempre, seu nome na
história da música erudita contemporânea. Segundo Flecha (1997) todos/as têm o que ensinar,
porém, a questão que se coloca é de posicionamento político, pois quem ensina, está a favor
ou contra algo, ou seja, pode romper com os muros antidialógicos ou desenvolver uma
postura dialógica e transformadora e solidária. Trata-se de um constante educar-se sobre as
ideologias já naturalizadas na sociedade.
Na TMD, “o dilema não está entre a teoria e a prática, mas sim entre a boa ou má
teoria, boa ou má prática. As teorias e práticas de má qualidade reforçam a exclusão
educativa. As teorias e práticas de boa qualidade superam essa exclusão.” (FLECHA, 1997, p.
105). Diante disso, podemos afirmar que a TMD é uma prática de boa qualidade, pois parte do
pressuposto de que todos/as têm o mesmo direito de linguagem, e ação para aprender..
Quando vivenciamos a TMD, temos a oportunidade de valorizar o saber acadêmico e o
saber popular,. A diversidade de participantes, o diálogo igualitário, a abertura para a
transformação permitem esse privilégio que ambos ‘saberes’ sejam horizontalmente
apreciados.
O contato com as obras de Heitor Villa-Lobos faz com que os/as participantes da
TMD percebam que as obras desse compositor, afetaram a sociedade da época, contestaram
contra as injustiças, de alguma maneira.
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Segundo Flecha (1997), quanto mais se avança a sociedade da informação, mais se
requer formação acadêmica. Esse requerimento da sociedade ajuda a manter as desigualdades.
Na TMD, percebemos que não é necessária formação acadêmica para que seu argumento seja
validado. Por isso, a TDM é utilizada para a superação dessa desigualdade de informações. A
dimensão cultural das pessoas é construída a partir dos coletivos.
3.5. CRIAÇÃO DE SENTIDO
Esse princípio nos ajuda a pensar na própria existência do sujeito no mundo e nas suas
relações com as pessoas. Mas, afinal, o que seria criação de sentido? Por que precisamos criar
sentido em nossas vidas?
Vivemos num mundo que cada dia mais exerce uma ação controladora e manipuladora
sobre os sujeitos, levando-os a desumanização. Partindo desses questionamentos, a TMD
potencializa os/as participantes desenvolverem a criticidade e a reflexão sobre si, sobre estar
no mundo e sobre suas relações com o outro, criando sentido em relação à vida.
Dessa forma, o diálogo precisa ser repleto de paixão, para que a intensidade dessa
paixão estimule os/as participantes a almejarem a transformação, o diálogo e a criação de
sentido. (Flecha, 1997). A TMD é um espaço para conversar e não um espaço para calar, pois
a “dinâmica participativa desfaz as estruturas conservadoras sobre quem possui e quem não
possui conhecimentos” (ibid., p. 121).
Sobre estes questionamentos, e baseando-nos em Flecha (1997) podemos dizer que o
medo da transformação é muito grande, porque interiormente sabemos que a diversidade de
pessoas, de pensamentos, etc. faz com que a riqueza do diálogo igualitário aumente, gerando
criticidade, reflexões e a criação do sentido de estar no mundo, do que é a sociedade, do que é
a vida, e é essa criação de sentido que amedontra o ser humano, principalmente, se este for de
alta classe social; a acomodação social baseada na relação opressor/a e oprimido/a, na relação
hierárquica é muito melhor do que a transformação social, é muito melhor do que a divisão
igualitária de riquezas, é muito melhor que igualdade e a solidariedade.
As músicas de Heitor Villa-Lobos trabalhadas nas TMD quebram a realidade citada no
parágrafo acima, pois partimos do pressuposto de que a música é para todos/as, os
sentimentos provocados pela música são sentidos por todos/as e o diálogo igualitário e a
criação de sentido sobre o que a música os/as fez sentir é muito bem vindo. É o início de uma
jornada contra as negações que os/as oprimidos/as foram forçados/as a viver até hoje e contra
a depreciação do saber popular, lembrando que até Villa-Lobos desprezou as músicas
populares, entretanto o que garantiu seu sucesso foi quando, após sua ida a Paris, ele começou
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a colocar os ritmos brasileiros em suas músicas garantindo seu sucesso inédito e inevitável. O
conhecimento popular ajuda a conceber um artista brasileiro de renome, artista que teve que
criar um novo sentido para sua vida e para sua música com base em relações igualitárias com
outros/as artistas da época. Trazer esse exemplo aos estudantes possibilita reflexões sobre a
importância das relações com a diversidade de pessoas, do diálogo igualitário, e da
importância de todas as culturas para a formação pessoal e criação de sentido dos/as
participantes.
3.6. SOLIDARIEDADE
Neste princípio da aprendizagem dialógica, vamos analisar um pouco a solidariedade e
o modo como esse conceito é ainda tão pouco valorizado em nossa sociedade. Vivemos em
uma sociedade hierárquica onde o poder e o dinheiro são elementos predominantes que
acabam por comandar as relações e, nessa dinâmica nos esquecemos de nossa humanidade e
da solidariedade.
Segundo Flecha (1997), em todas as sociedades existem as exclusões, muitas vezes
por falta de motivação, motivação à leitura, motivação ao estudo, motivação na escuta de
músicas clássicas eruditas. Entretanto, o mesmo autor afirma que, mesmo sendo de classes
sociais menos favorecidas as pessoas não são incapazes de ensinar e aprender, um espaço que
favorece igualitariamente todos/as os/as que participam é a TMD. Podemos afirmar que,
depois da motivação que TMD proporciona aos seus participantes, inicia-se um hábito até
então não praticado; as pessoas começam a escutar mais músicas clássicas, sentem-se parte da
cultura do país a que pertencem, sentem-se sujeitos participantes da história, e essa sensação
independe de níveis acadêmicos.
Algumas questões que podemos fazer pensando a Tertúlia Musical Dialógica e que
Flecha (1997) também faz, são as seguintes: quem decidiu que pessoas das classes populares
não podem ouvir música erudita? Quem decidiu que crianças dos primeiros anos do ensino
fundamental não têm capacidades interpretativas para refletir e dialogar sobre músicas de
Heitor Villa-Lobos? Diante disso, podemos concluir que estamos numa sociedade impositiva,
desigual, competitiva e que nos instiga sempre a ter menos expectativas em relações às
pessoas de classes subalternas, às crianças, aos idosos/as, aos indígenas, aos negros/as e a
todos os grupos oprimidos socialmente.
A TMD é uma atividade que pode superar o que foi dito no parágrafo anterior, VillaLobos pode sim ser escutado por crianças, e o diálogo a partir da música desse maestro pode
ser mais surpreendente do que imaginamos. Lembramos também, da importância do papel do
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docente enquanto moderador dessa atividade que se coloca como uma pessoa a mais no grupo
para aprender, embora não deixe de exercer sua autoridade. Segundo Flecha (1997),
desprezamos o saber popular e exaltamos o saber científico, entretanto, com a aprendizagem
dialógica essa realidade pode ser alterada por meio de um ato solidário em busca de
transformações, “as pessoas do grupo tem uma imensidão de pensamentos sobre si mesmas.”
(FLECHA, 1997, p. 140).
3.7. IGUALDADE DAS DIFERENÇAS
Neste último princípio da Aprendizagem Dialógica, nos deparamos com algumas
perguntas: como lidamos com o ser diferente? O que é ser diferente? O que é ser diferente
igualmente?
Pensando novamente em nossa sociedade, nos deparamos com imagens do que é ser
normal, e vivemos nessa imensidão de normalidade que nos impossibilita de visualizar e
positivizar o ser diferente, nem nos comparamos uns aos outros/as, pois tememos a diferença
como se fosse algo abominável.
Na visão de Flecha (1997), pensando dialogicamente, as diferenças não são vistas
como algo negativo, mas como potencialidades das relações, das atividades, etc. A diferença
entre as pessoas, pensamentos, ideias é a força da aprendizagem dialógica, só no contato com
as diferenças dos/as outros/as podemos aprender e ensinar muito mais do que o esperado, e
podemos nos tornar pessoas mais igualitárias, solidárias e transformadoras, não só de nossas
vidas, mas também da sociedade.
Flecha (1997) ainda afirma que a presença das diferenças na TMD permite que as
interpretações das obras (musicais) trabalhadas sejam mais amplas, mais profundas e sempre
inéditas, essa é uma das potencialidades desta atividade.
A sociedade da informação é extremamente etnocêntrica, o que dificulta nosso olhar
para as diferenças, nós mesmos nos negamos a ser diferentes quando na realidade somos
diferentes. A televisão, o rádio, os livros, os pôsteres, banners, tudo, tudo à nossa volta, nosso
sistema, nossa sociedade, querem nos enquadrar em um padrão de normalidade que não
deveria existir, pois as diferenças estão presentes em tudo e em todos/as, o mundo é diferente.
O pior é que desejamos nos enquadrar para sermos aceitos/as nos diferentes espaços sociais.
Na TMD, a ideia é de que os grupos avancem com valores de igualdade e solidariedade,
pensando nas diferenças, ou seja, todos/as temos o direito (igual) de sermos diferentes.
Flecha (1997) vai além das TMDs, e aponta que existe um relativismo muito grande
na educação (e no mundo), ou seja, a cultura universal não está nos currículos, não está na
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escola; aprendemos somente parte do que é o ‘mundo’, exclui-se as diferentes culturas, os
diferentes jeitos de ser, de se pintar, de músicas, pois o diferente não é positivo, o que é
positivo é ser igual, é a cultura etnocêntrica, mas já nos perguntamos: será que tudo é igual?
Sufocamos nas imposições sociais e nem percebemos o quanto as diferenças potencializam
nossas vidas e fazem parte delas o tempo todo.
A TMD valoriza imensamente as diferenças e a igualdade entre elas, isto é, o direito
que todos/as têm de serem diferentes. Pensando além, voltemos ao capítulo dois deste
trabalho em que um dos fatos conclusivos é de que a música de Villa-Lobos se torna clássica,
incomparável e inédita a partir do momento em que ele faz a junção de diferentes ritmos,
brasileiros e estrangeiros, para fazer suas composições, melhor dizendo, suas obras de arte.
Até na música de Villa-Lobos vemos que “as diferenças fazem toda a diferença”, pensemos,
reflitamos e transformemos a nós e ao mundo.
Partindo dessas reflexões, seguimos para a última parte desse trabalho para traçarmos
um pouco das impressões, positividades e obstáculos que tivemos durante a escrita do mesmo.
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Considerações Finais
.............................................................................
Sim! As Desigualdades podem ser Superadas ao
Soar de uma Nota
Neste último tópico do nosso trabalho, apresentamos algumas das conclusões, dos
posicionamentos, das reflexões e os novos questionamentos sobre a questão norteadora do
presente trabalho: Como a Tertúlia Musical Dialógica pode ser desenvolvida a partir de
alguns clássicos orquestrais de Heitor Villa-Lobos, nos primeiros anos do ensino
fundamental?
No primeiro capítulo, expomos as bases teóricas que orientaram este trabalho,
explicamos o conceito da aprendizagem dialógica e seus princípios, e explicamos, também, a
metodologia da Tertúlia Musical Dialógica.
No segundo capítulo, falamos sobre a vida e algumas obras de Heitor Villa-Lobos, e
de sua importância para a música erudita brasileira. Falamos das transformações em suas
composições e da importância de suas obras no contexto social da música.
No terceiro capítulo, entrelaçamos os princípios da aprendizagem dialógica com a vida
e composições de Heitor Villa-Lobos e, a partir disso, percebemos as potencialidades que a
Tertúlia Musical Dialógica traz para todos/as os/as participantes, as transformações das
relações e de posturas no mundo, auxilia na auto-confiança, e auxilia nas superações das
mazelas sociais que vivemos.
A Tertúlia Musical Dialógica é uma atividade extremamente rica e potente para
superar as desigualdades sociais, assim como falamos durante todo o trabalho. A partir dos
princípios da Aprendizagem Dialógica, a atividade é capaz de transformar positivamente,
solidariamente todos/as que dela participam. É uma atividade solidária, transformadora e
dialógica. É capaz de auxiliar nas reflexões e criações de sentido das vidas dos/as
participantes, formando cidadãos/ãs críticos, sujeitos transformadores no mundo. A TMD nos
ajuda a refazer conceitos e também a fazer com que nossas expectativas em relação à
capacidade do/ outro/a e à capacidade de melhoria social se renovem, se ampliem. E, nesse
sentido, a Tertúlia Musical Dialógica e seus princípios ajudam a concretizar esse sonho de
sociedade igualitária e solidária.
A música de Heitor Villa-Lobos é utilizada na TMD para promover o diálogo e as
diferentes interpretações, sensações, sentimentos, etc. diante uma escuta mais reflexiva que
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habitualmente não estamos acostumados a praticar. A atividade permite que os/as
participantes se abrem para expor o que pensam das músicas, para dialogar as ideias, falas e
conhecimento. Esse compartilhamento é igualitário, é solidário e traz transformações que
superam todas as nossas expectativas. A música transpassa nossos corpos, chega aos
sentimentos e nos comove, e nos faz sentir o que ela nos quer transmitir, esse poder de “ir
além de” é intrínseco da música. Além disso, os sentimentos provocados por ela é o que todos
os seres humanos sentem, dessa maneira supera-se a ideia de que uma pessoa é melhor que a
outra por causa de classe social, raça, aparência física, mas sim somos todos/as iguais em
nossas diferenças.
Há sim, várias dificuldades que existem na realização da TMD, por exemplo, trabalhar
com os princípios da aprendizagem dialógica e vivenciá-los. A nosso ver esse é um desafio de
educar-se constante, é nadar contra a correnteza da sociedade desigual da informação, é nadar
contra a imposição da normalidade, é nadar contra as más políticas e materiais educacionais, é
nada contra preconceitos, contra a hierarquia social.
Contudo, ao nos posicionarmos/nadarmos contra as desigualdades sociais, estamos
transformando, de maneira dialógica, o nosso estar no mundo, o mundo e o futuro de todos/as,
pois não somos seres isolados, somos seres que vivem com o/a outro/a, em constante relação.
Uma música, quando bem ouvida, bem dialogada é capaz de transformar todos/as e
fazer com que a transformação vá além da Tertúlia Musical Dialógica, é capaz de fazer com
que o seu som supere tudo aquilo que não contribui para uma vivência justa de todos/as, que
não contribui para uma vida igualitária, humana e solidária.
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