Tertúlia Musical Dialógica: Algumas contribuições da
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Tertúlia Musical Dialógica: Algumas contribuições da
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE PESQUISAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS LICENCIATURA EM PEDAGOGIA TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA MÚSICA DE HEITOR VILLA-LOBOS PARA OS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Sabrina Justino Pires da Silva SÃO CARLOS – SP 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE PESQUISAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS LICENCIATURA EM PEDAGOGIA TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES DA MÚSICA DE HEITOR VILLA-LOBOS PARA OS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Sabrina Justino Pires da Silva Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Departamento de Pesquisas e Práticas Pedagógicas como parte dos requisitos para a obtenção do título de Padagoga. Orientadora: Profª. Drª. Fabiana Marini Braga SÃO CARLOS – SP 2011 Em especial, dedico este trabalho À minha mãe Zilda, pelo apoio, por sempre esperar mais de mim e pelos sábios conselhos. Ao meu pai Arnaldo, por não desistir de mim e por me provar que transformações são possíveis. Ao meu irmão Lineu, pelos risos e por me fazer sentir o amor. AGRADECIMENTOS É com grande satisfação que agora agradeço a todos/as que ajudaram, de alguma maneira, esse meu sonho se tornar realidade. A vocês que estiveram presentes, de alguma forma, compartilhando a minha vida, minhas felicidades e tristezas, minhas conquistas, manifesto minha gratidão através de algumas poucas palavras. Agradeço primeiramente a Deus, ele que está em nossas vidas em todos os momentos, nos trazendo certezas e consolo, a ele todo meu amor. Agradeço aos meus pais pelo apoio, confiança, pelos conselhos, por estarem sempre ao meu lado em todos os momentos, e por não desistirem de mim, a vocês todo o meu amor e gratidão. Ao meu irmão Lineu, pelos risos e desenhos nos finais de semana, por me fazer rir mesmo quando a correria do dia a dia me desesperava, a você todo o meu amor e sorrisos. Aos meus avós paternos pelos apoios nos momentos de necessidade, por se orgulharem de mim em tudo que faço, a vocês todo meu amor e reconhecimento. Aos meus avós maternos, que mesmo não estando mais aqui, conheço suas histórias, agradeço por me ajudarem a almejar mais e dar o máximo de mim, a vocês todo meu amor e carinho. Aos meus tios, tias, primos e primas, em especial minha tia Letícia por ser um exemplo de luta e por sempre estar me dizendo para não desistir e esperar o máximo de mim, a vocês todo meu amor e ternura. Agradeço também as pessoinhas da “Bolha” que me acompanharam nesses anos de graduação, agradeço os risos, as aprendizagens, as boas conversas, os conselhos, os almoços e jantares, as caminhadas, os apoios, aos “unos”, aos trabalhos juntos/as e por serem o “fundão”, vocês são inesquecíveis, a vocês todo meu amor e bem-querer. Agradeço também aos meus amigos/as e conhecidos/as da cidade de Araras, que mesmo longe, neste último ano de graduação, e mesmo com tão poucas conversas e encontros me enriqueceram com suas falas e sorrisos tranqüilizantes, agradeço por estarem aqui mesmo estando longe, a vocês todo meu amor e fidelidade. Agradeço aos amigos/as e conhecidos/as de Leme, por me proporcionarem um novo recomeço, por me ajudarem a encontrar a paz no turbilhão de confusões e desilusões, e por me ajudarem a descobrir que amizade, amor e carinho encontramos em todos os lugares, basta querermos, a vocês todo o meu amor e afeição. Agradeço a turma da Pedagogia 2008, pelas discussões, diálogos e formação coletiva e rica que tivemos juntos/as, a vocês todo o meu amor e boas lembranças. Agradeço as “meninas” com quem morei nesses quatro anos de graduação e em especial as companheiras da “rep our”, por me acompanharem em algumas madrugadas em claro, por não me deixarem sozinha e por serem uma família para mim, a vocês meu amor e abraços. Agradeço as pessoas do Niase, por mostrarem força de vontade e por me ajudarem a ver que as transformações são possíveis, por me ajudarem a sonhar e a ver que os sonhos não ficam somente na utopia, mas podem se tornar realidade. Todos/as são ótimas pessoas, agradeço todas as aprendizagens, a vocês todo o meu amor e fé. Agradeço também a professora Fabiana pela paciência, compreensão e pelos diálogos; agradeço a transformação da nossa relação, a você todo o meu amor e esperança. Agradeço as Comunidades de Aprendizagem da cidade de São Carlos, em especial a EMEB Antonio Stella Moruzzi por abrir as portas e contribuir para minha formação e, de uma maneira especial, agradeço a sala do 1º ano de 2010 da professora Gisele, vocês alimentaram o meu fascínio pela profissão que escolhi seguir, a vocês todo meu amor e respeito. Agradeço à todos/as que passaram por minha vida musical, as pessoas dos corais que participei, aos professores/as de música, aos que me ofereceram oportunidades, aos que estiveram ao meu lado tocando, cantando e ensinando, a vocês todo meu amor e aprendizagens. “Se nada ficar dessas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar.” (FREIRE, 2005, p. 213) RESUMO O objetivo central desse trabalho foi relacionar algumas obras clássicas orquestrais de Heitor Villa-Lobos com a Aprendizagem Dialógica, relação feita na atividade da Tertúlia Musical Dialógica, para os anos iniciais do ensino fundamental. Esse Trabalho de Conclusão de Curso, é uma pesquisa bibliográfica, cujo os principais autores estudados foram: Paulo Freire, Ramón Flecha e Paulo Renato Guérios; com o propósito de responder a questão de pesquisa: Como a Tertúlia Musical Dialógica pode ser desenvolvida a partir de alguns clássicos orquestrais de Heitor Villa-Lobos, nos primeiros anos do ensino fundamental? No primeiro capítulo é feita uma exposição das bases teóricas que serão utilizadas, é feita também a explicação de alguns conceitos chave e a metodologia da Tertúlia Musical Dialógica. No segundo capítulo justificamos a escolha do maestro Heitor Villa-Lobos e relatamos, sucintamente, um pouco de sua vida e as transformações de suas obras. No terceiro capítulo, fazemos o entrelaçamento das obras escolhidas de Villa-Lobos, com os princípios da Aprendizagem Dialógica, a fim de analisar as potencialidades de superação da atividade da Tertúlia Musical Dialógica, ou seja, a conquista do diálogo igualitário, a boa convivência e solidariedade, as transformações de posturas no mundo, a positividade da igualdade das diferenças, o sujeito como criador de sentido e a importância de uma outra forma de dimensão instrumental dialógica, etc. Todas essas possibilidades, como propósitos e objetivos, sendo que o instrumento de estudo são as músicas e, de certa forma, a vida de Heitor Villa-Lobos. Nas considerações finais é feito um panorama geral do trabalho e a exposição dos desafios e potencialidades que tal atividade proporciona para os primeiros anos do ensino fundamental. Palavras-chaves: Tertúlia Musical Dialógica, Aprendizagem Dialógica, Heitor Villa-Lobos. SUMÁRIO Introdução................................................................................................................................ 09 Capítulo 1 – Tertúlias Musical Dialógica – Marco Teórico.................................................... 14 1.1. A origem da Tertúlia Musical Dialógica............................................................. 14 1.2. Bases Teóricas da Tertúlia Musical Dialógica..................................................... 16 1.3. A Metodologia da Tertúlia Musical Dialógica..................................................... 23 Capítulo 2 – Clássicos Musicais: Um recorte a partir de Villa Lobos....................................................................................................................................... 26 Capítulo 3 – Entrelaçando os Clássicos orquestrais de Heitor Villa-Lobos com os princípios da Aprendizagem Dialógica.................................................................................................... 38 3.1. Diálogo Igualitário............................................................................................... 38 3.2. Inteligência Cultural............................................................................................. 40 3.3. Transformação.......................................................................................................42 3.4. Dimensão Instrumental......................................................................................... 43 3.5. Criação de Sentido................................................................................................ 44 3.6. Solidariedade......................................................................................................... 45 3.7. Igualdade de Diferenças........................................................................................ 46 Considerações Finais – Sim! As desigualdades podem ser superadas ao soar de uma nota...........................................................................................................................................48 Referências Bibliográficas..................................................................................................... 50 9 INTRODUÇÃO Meu interesse pelo tema foi uma ideia que foi sendo moldada, transformada e repensada com o tempo. O tema escolhido é formado por três grandes áreas o que perpassam o recorte do estudo. Começarei descrevendo meu interesse pela música, que é uma das três grandes áreas. Penso na música como sendo parte da nossa vida desde quando nascemos e até antes do nosso nascimento, pois no ventre materno podemos ouvir e sentir o som, a música. Sempre ‘enxerguei’ a música como algo além do físico, que toca onde os nossos olhos não vêem e isso a torna um instrumento fascinante para relaxar, refletir, sentir e também trabalhar. Eu cresci num ambiente e em uma família tanto por parte de pai como por parte de mãe, onde as pessoas sempre conviveram com música, seja com meu tio que trabalhava em uma rádio e tinha coleção de discos de vinil, ou com minha mãe que limpava a casa ouvindo músicas dos anos 70 e 80 (me admirava o prazer que ela sentia em escutar uma fita k-7 do cantor Elton John, e quando escutava, cantava junto e algumas vezes me colocava em cima de seus pés e dançava comigo). Outro bom convívio com a música eram as rodas de samba e pagode que os irmãos de minha mãe faziam quando nos reuníamos para alguma festividade em família. E tudo isso me encantava. Quando pequena via minha avó e minha mãe irem para a igreja aos domingos cantar na missa e eu sempre as acompanhava, estar em contato com a música me agradava de uma maneira sensacional, sentia-me completa e tranquila. Quando completei oito anos de idade, minha mãe já fazia aulas de teclado e por curiosidade resolvi fazer aulas junto com ela. A partir disso, meu gosto pela música foi se aprimorando cada vez mais e logo estava tocando muitas músicas. Infelizmente minha mãe saiu das aulas, mas eu continuei e aprendi a ler partituras, e a ter gosto ao deslizar meus dedos pelas grandes teclas do teclado. Frequentei essas aulas por mais ou menos dois anos e depois mudei de professora, e com essa fiz mais um ano e meio de aulas, depois não pude mais estar tendo aulas por dificuldades financeiras. Nessa época estava com onze anos, e como me negava a me afastar da música eu resolvi entrar para o coral da igreja que minha família frequentava, sempre ia às missas. Depois que fiz a primeira comunhão, que é um sinal, uma passagem que estabelece um vínculo muito grande e um compromisso com a religião seguida (desde que a pessoa faça a escolha de que quer esse vínculo) eu resolvi assumir mais firmemente esse compromisso com a religião, eu queria, então entrei para o coral da igreja. Permaneci no coral da igreja por longos dez anos, comecei somente cantando, depois comecei a tocar teclado e cantar e com o passar do tempo me tornei a responsável e 9 10 coordenadora do coral. Até que no final de 2010, minha família resolveu mudar de cidade e esse meu vínculo com o coral se desfez, é claro que as lembranças ficaram e são todas muito boas. Acho importante ressaltar que nesses dez anos que estava envolvida com o coral da igreja eu também fiz outras coisas relacionadas à música, com o propósito de aprimorar o meu “tocar teclado” e também a minha voz. Uma das atividades que realizei foi participar do coral da escola em que estudava dos 11 aos 15 anos, foram bons momentos, de muitos aprendizados. Voltei a fazer aulas de teclado por dois anos e meio, com outro professor. Também frequentei o coral municipal da cidade de Leme dos 15 aos 17 anos (Leme é uma cidade que fica 15 minutos da minha cidade natal: Araras. Atualmente, Leme é a cidade em que meus pais e eu residimos), além da minha participação no coral, fiz aulas de canto por um ano com um maestro de Leme. Foram ótimos tempos. Tudo isso só me fez gostar mais da música. Atualmente, não pertenço a mais nenhum coral, não faço mais aulas, entretanto, quando sinto que preciso, quando estou com vontade, sento da frente do teclado e toco, canto e sinto, e é muito bom. Sempre estou ouvindo músicas e procuro saber e me informar sobre as composições/músicas/musicistas que se foram, que estão sendo, que estão se lançando e especialmente aquelas composições/músicas/musicistas que de alguma maneira permanecem através dos tempos como algo que entra nós, penetra na alma e é transmitida para nossos pensamentos e atitudes durante a vida toda. Outra grande área que faz parte da escolha do tema do presente trabalho é a área da Educação. Posso começar afirmando que a educação faz parte da nossa vida, pensando nos processos de ensino e aprendizagem que temos desde o nosso nascimento. A escola é o lugar por excelência, em que as pessoas vão para adquirir o conhecimento instrumental, por isso é um espaço muito prezado e importante socialmente. Sempre soube que gostaria de atuar, profissionalmente, na área de humanas, entretanto, até se ter certa maturidade para fazer essa grande escolha, tive dificuldade em decidir uma profissão. Em 2008, passei no vestibular da UFSCar, em Licenciatura em Pedagogia, queria ser Pedagoga, Professora, Educadora. Após passar no vestibular e até antes de passar, eu, assim como outras pessoas, somente “queremos” e não refletimos sobre o nosso “querer” estar em determinada profissão, só começamos a ver e a sentir o que queremos realmente quando estamos vivenciando o nosso desejo que se tornou realidade. Hoje, estando no último ano da graduação de Licenciatura em Pedagogia posso dizer que o caminho percorrido foi muito rico e sei porque estou aqui agora, escolhi ser Pedagoga porque acredito 10 11 no poder de transformação social que a escola pode proporcionar para as pessoas e para a sociedade. Seguindo esse pensamento de mudança social através da educação e sobre minha caminhada na estrada da Pedagogia, não posso deixar de citar que durante esses quatro anos de graduação, tive a oportunidade de estar conhecendo e participando ativamente do Niase (Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa, pertencente à UFSCar). Participar do Niase fez toda a diferença na minha formação profissional, me estimulou a acreditar na educação, a sonhar e a agir para a superação das mazelas sociais e a realização de um mundo melhor, proporcionou-me vivências que me construíram e transformaram de uma maneira positiva. E foram nessas vivências que eu tive contato com a Tertúlia Musical Dialógica e pude participar dessa atividade em uma escola. Apenas esclarecendo de uma maneira bem sucinta, a Tertúlia Musical Dialógica é uma das atividades que acontecem nas escolas que são Comunidades de Aprendizagem. CA é uma proposta social e educativa que tem como principais objetivos a superação do fracasso escolar, a melhoria da qualidade de ensino e a maior participação da comunidade dentro da escola. A atividade da Tertúlia Musical Dialógica é muito rica nos processos de ensino e aprendizagem, é uma atividade que melhora a convivência em sala de aula, e valoriza todas as falas, de todas as pessoas, dando vez de fala para aqueles/as que pouco participam, existe uma troca muito grande de falas o que desenvolve a criação de sentido e o diálogo igualitário, tudo isso, potencializa, uma transformação de convívio e de vivência muito grande. Tal atividade será melhor aprofundada no seguinte capítulo do Trabalho. Fazendo, finalmente, o encontro dessas três grandes áreas, nos vemos frente a frente com uma atividade extremamente potencializadora e superadora, para ser realizada em sala de aula, por ser uma atividade que aborda todos os aspectos citados no parágrafo anterior. Então, estabelecendo algumas conexões entre essas áreas surge a questão de pesquisa: Como a Tertúlia Musical Dialógica pode ser desenvolvida a partir de alguns clássicos orquestrais de Heitor Villa-Lobos, nos primeiros anos do ensino fundamental? Com os seguintes objetivos: identificar quais são os clássicos orquestrais dentro das obras de Villa-Lobos; Relacionar os princípios da Aprendizagem Dialógica a partir desses clássicos orquestrais; Identificar as potencialidades e os desafios que tal atividade apresenta para os primeiros anos do ensino fundamental. Tendo em vista estes objetivos, desenvolveu-se aqui, então, uma pesquisa bibliográfica, na qual foram consultadas as obras de Flecha (1997), Paulo Freire (2005) Guérios (2003), Girotto (2007), Marini (2007), a saber: Compartindo palavras, Pedagogia do 11 12 Oprimido, Heitor Villa Lobos e o ambiente artístico parisiense: convertendo-se em um músico brasileiro, Tertúlia Literária Dialógica entre crianças e adolescentes: conversando sobre âmbitos da vida, Comunidades de Aprendizagem: Uma Única experiência em dois países (Brasil e Espanha) em favor da participação da Comunidade na Escola e da melhoria da qualidade de ensino. Tais estudos configuram-se por ser a principal base teórica da pesquisa. No decorrer do trabalho, elaborou-se a leitura e o fichamento crítico das obras citadas. Na seqüência, o estudo focalizou alguns clássicos das obras de Villa-Lobos, bem como nos princípios da aprendizagem dialógica, conceito chave da Tertúlia Musical Dialógica, que é o objeto de estudo deste trabalho. A escolha desse maestro compositor foi feita pela sua grande contribuição para a música erudita brasileira, pois antes de Villa-Lobos não existia a música erudita brasileira, o que existiam eram reproduções “abrasileiradas”. Portanto, Heitor VillaLobos é considerado o fundante da música erudita brasileira no período contemporâneo, o primeiro, o iniciante. Entretanto, neste trabalho não serão utilizadas todas as obras deste grande musicista, sendo selecionadas somente algumas músicas orquestradas, que segundo minhas vivências em Tertúlias Musicais Dialógicas e o auxílio da orientadora, foram consideradas adequadas para serem trabalhadas nos primeiros anos do ensino fundamental. Para desenvolver tal pesquisa, este trabalho de conclusão de curso será composto por três capítulos e uma conclusão. No primeiro capítulo, são descritas e explicadas as bases teóricas e os princípios da Aprendizagem Dialógica, conceito chave da Tertúlia Musical Dialógica. No segundo capítulo, cujo título é: Clássicos Musicais: um recorte a partir de Villa-Lobos; é feita a definição do que são os clássicos universais na música, e é descrito também um pouco da vida e das obras de Heitor Villa-Lobos. Ainda, no segundo capítulo, é feito um breve estudo e comparação sobre a linguagem musical dialógica e os outros tipos de linguagem, esclarecendo porque este tipo de linguagem é importante de ser desenvolvida não somente nas crianças, mas em todas as pessoas. No terceiro e último capítulo do trabalho, cujo título é: Entrelaçando os clássicos orquestrais de Heitor Villa-Lobos com os Princípios da Aprendizagem Dialógica; como o próprio nome já diz, será feita uma descrição (baseada na teoria) de como os princípios podem ser vivenciados a partir da Tertúlia Musical Dialógica. Como se pode superar as dificuldades apresentadas em sala de aula, na escola e fora dela. Também serão apresentados os desafios que podem ser enfrentados (teoricamente). 12 13 Na conclusão deste trabalho, apresentamos as impressões, os benefícios e as contribuições que a pesquisa, até esse dado momento, nos permitiu traçar para se trabalhar a Tertúlia Musical Dialógica em sala de aula com os primeiros anos do ensino fundamental. 13 14 CAPÍTULO 1 - TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA: MARCO TEÓRICO _____________________________________________________ “Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora, em que a liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase “coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica permanente.” (Freire, p. 63) Neste capítulo, trataremos de abordar a origem da Tertúlia Musical Dialógica e quando esta chegou ao Brasil, pontualmente na cidade de São Carlos. Após apresentada a origem da Tertúlia Musical Dialógica, faremos uma descrição panorâmica da sociedade atual explicitando o motivo pelo qual a Tertúlia Musical Dialógica se faz importante para a superação das desigualdades presentes nesta sociedade. Na seqüência, serão demarcadas as bases teóricas da Tertúlia Musical Dialógica, bem como sua metodologia, escolhida como instrumento e espaço pedagógico para o desenvolvimento deste trabalho nos anos iniciais do ensino fundamental. 1.1. A ORIGEM DA TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA A atividade da Tertúlia surgiu em 1978 na Escola de Educação de Pessoas Adultas de La Verneda1 de Sant-Martí Barcelona, Espanha. A Tertúlia é uma atividade cultural e educativa que utiliza os clássicos universais (clássicos da literatura, da arte ou da música) para dialogar de forma igualitária, utilizando como base os princípios da Aprendizagem Dialógica, portanto, é possível afirmar que o propósito da atividade não consiste em descobrir nem analisar aquilo que o autor, ou autora, de uma determinada obra quer dizer em seus textos, mais sim gerar um espaço de diálogo e reflexão” (SILVA, 2008, p. 34). Atualmente, essa atividade, que teve origem na EJA e depois, por demanda dos/as professores/as passou a ser realizada nas salas de aula das escolas que são Comunidades de Aprendizagem, é desenvolvida em diversos países inclusive no Brasil. Em São Carlos as Tertúlias Dialógicas tiveram início em 2002 e são acompanhadas e desenvolvidas pelo Niase2 (Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa), especialmente na EJA e nas escolas que são Comunidades de Aprendizagem. 1 A Escola de Educação de Pessoas Adultas La Verneda, fica na Espanha. É uma comunidade de aprendizagem, que conta com o apoio do CREA. 2 O Núcleo de Investigação e Ação Socieal e Educativa pertence a Universidade Federal de São Carlos e foi Criado em 2002 pela professora doutora Roseli Rodrigues de Mello, após fazer seu pós-doutorado na Espanha, juntamente com o CREA. 14 15 Antes de continuar, devemos deixar claro que a Tertúlia Musical Dialógica surge da Tertúlia Literária Dialógica, e utiliza de seus princípios e metodologia, diferenciando-se apenas no objeto de estudo reflexivo e dialógico, que neste caso é a música. As músicas utilizadas neste trabalho são “músicas clássicas” que podem ser trabalhadas nos primeiros anos do ensino fundamental, e tem por objetivo dialogar e refletir sobre os princípios da Aprendizagem Dialógica. Diante dos propósitos e metodologia da Tertúlia Musical Dialógica, é necessário definir e esclarecer as motivações e positividades que nos levaram ao seu estudo, que são: por que a música é o objeto de estudo da Tertúlia Musical Dialógica? O que entendemos por ‘clássicos’ da música? Por que é importante refletir e dialogar sobre os princípios da Aprendizagem dialógica nos anos iniciais do ensino fundamental? Tais questionamentos compõem os capítulos de estudo deste Trabalho de Conclusão de Curso. Esclarecendo as motivações e positividades, escolhemos a música como objeto de estudo porque ao longo do tempo e ao longo da vida, a música é sempre uma redescoberta do que se foi, do que se é e do que se pode ser. Sabemos que o ser humano se utiliza de várias linguagens para “ser e estar” no mundo, linguagens que expressam e comunicam. Junto com as diferentes linguagens (fala, escrita, libras) está linguagem musical que segundo Girotto (2008) é uma das formas das pessoas se relacionarem e enredarem seus envolvimentos com mundo, ou seja, ao ouvir e sentir a música os/as participantes tem a oportunidade de relatar e reviver “experiências intensas, complexas e significativas como os acontecimentos na vida de cada pessoa, as lutas sociais, os manifestos, os amores e as dores, assim como acontece nas aventuras e histórias contadas pelos livros e esse leitor pode compartilhar com outras pessoas, dando sentido pessoal a cada trecho.” (GIROTTO, 2008, p. 41) Diante disso, podemos afirmar que o contato e conhecimento com a música, na atividade da Tertúlia Musical Dialógica, contribui para que todos/as os/as participantes reflitam e dialoguem sobre diversas ideias, expectativas, sonhos, opiniões, enfim, encarem o mundo com criatividade e acabem por almejar, consensuar e concretizar a transformação da sociedade. Pensando, finalmente, na música como instrumento da atividade, afirmamos que sendo uma arte universal e que ultrapassa o físico humano, a música atinge os sentimentos das pessoas, independentemente de cor, raça, sexo, idade, escolaridade entre outros “Marcadores físicos /sociais”. É exatamente por conta dessa particularidade da música, que a Tertúlia 15 16 Musical Dialógica se torna uma atividade com um potencial de transformação muito grande e que incentiva o diálogo e o respeito entre os/as participantes. Sabemos que nossa sociedade está em constante transformação, “transformações que vêm ocorrendo como conseqüência da revolução tecnológica (baseada na tecnologia da informação /comunicação), da formação de uma economia global e de um processo de mudança cultural.” (GIROTTO, 2008, p. 20) Tal sociedade se pauta no sistema capitalista que coloniza as pessoas e, consequentemente, as relações entre elas. A partir dessa colonização das relações, vemos e vivemos em uma sociedade que multiplica as desigualdades, injustiças e preconceitos, desvalorizando a solidariedade, igualdade e justiça. Diante dessa sociedade, somos chamados a pensar como agir para melhorar esse espaço social que compartilhamos. A Tertúlia Musical Dialógica é uma das ações que podem ser utilizadas para a superação da desumanização social. As mazelas sociais que vivenciamos hoje são frutos dos muros antidialógicos que reforçam as mesmas. Os principais muros antidialógicos podem ser classificados em três tipos: • Culturais: desqualificam a maioria da população como incapazes de se comunicar com os saberes dominantes. Uma minoria seleta constrói as teorias dos déficits para dissuadir o conjunto da sociedade do intento de tomar em suas mãos o protagonismo cultural. • Social: excluem os muitos grupos da evolução e produção de conhecimentos válidos. Classismo, sexismo, racismo e edismo encerram determinadas experiências educativas dentro de alguns setores de posição social, gênero, etnia ou idade; queda excluindo o resto. • Pessoais: apartam a muitas pessoas do desfrute da riqueza cultural de seu entorno. As histórias de vida de muitas pessoas e, principalmente, como se relatam si mesmas essas histórias geram auto-exclusão de muitas práticas formativas. Muitos estudos, pesquisas e ações vêm sendo desenvolvidos para derrubar tais muros antidialógicos, assim como disse anteriormente a Aprendizagem Dialógica e a Tertúlia Musical dialógica são algumas dessas ações. No sub-capítulo que se segue, iremos descrever as bases teóricas que orientam a aprendizagem dialógica e as atividades que são alicerçadas por ela. 1.2. BASES TEÓRICAS DA TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA 16 17 A base teórica utilizada pela Tertúlia Musical Dialógica é a Aprendizagem Dialógica, que foi elaborada pelo Centro Superador das Desigualdades (CREA), pertencente à universidade de Barcelona, Espanha. A aprendizagem dialógica foi criada com base no conceito de dialogicidade de Paulo Freire e, também, na teoria da Ação Comunicativa de Habermas, conceitos teóricos que: “nos podem ajudar a construir alternativas para a construção de espaços mais dialógicos, onde pessoas e grupos possam: refletir sobre suas vidas, aprender conjuntamente - cada qual expressando e apoiando-se na própria experiência de vida - transformar suas interações e recriar sentidos para suas vivências, respeitando e sendo respeitado em suas escolhas, num clima de solidariedade.” (GIROTTO, 2007, p. 19) A dialogicidade é um dos conceitos principais na teoria freiriana, lembrando que Paulo Freire, segundo GIROTTO (2007, p. 28), é um autor dialógico e progressista e que desenvolveu sua teoria preocupando-se com a com a transformação social, com a educação e conscientização, com a democratização, por isso, Freire entende o diálogo como ‘prática da liberdade’. Viver isolado não permite o diálogo, a interação, e o diálogo, segundo Freire (2000 e 2003), é a própria história, é o estar no mundo, se dialogamos estamos refletindo sobre esta historicidade, sobre o nosso eu no mundo, por isso que o diálogo é entendido como “prática da liberdade”. Diante disso, podemos afirmar que o sujeito aprende e ensina ao longo da vida, as limitações preconceituosas impostas pela sociedade capitalista da informação não devem impedir o desenvolvimento pessoal, intelectual e social dos seres humanos, seres que estão com o outro, com o mundo, ou seja, estão sendo a cada momento em comunhão. Agora focamos na Teoria da Ação Comunicativa elaborada por Habermas (1987, apud Marini, 2007). A Teoria da Ação Comunicativa faz parte da área das ciências sociais e educativas, e contribui para “organizar as relações humanas na base do diálogo e do consenso.” (MARINI, 2007) Então, é necessário que se reconstrua e amplie a teoria crítica da sociedade, pois precisamos criar caminhos de superação para as desigualdades sociais. Na realidade em que estamos as pessoas tendem a utilizar a racionalidade instrumental, por isso Habermas elaborou sua teoria, na qual afirma que existem quatro tipos de ação, são elas: a ação teleológica, ação normativa, ação dramatúrgica e a ação comunicativa. Nos parágrafos que se seguem faremos a exposição desses quatro tipos de ação. 17 18 A Ação teleológica, também chamada de Ação Estratégica é uma ação que “pressupõe relações entre um sujeito e um mundo objetivo, definido pelo autor como totalidade dos estados de coisas existentes produzidas mediante uma certa intervenção no mundo.” (HABERMAS, 1987a, p. 122 apud MARINI, 2007, 37), que segundo Flecha é quando a pessoa escolhe os melhores meios para se conseguir um fim, o que implica na obrigação e convencimento das pessoas envolvidas, deixando de lado o consenso, o diálogo, as diferenças (sociais, intelectuais, físicas) durante a interação. Portanto, dizemos que “a ação estratégica tem base em ao menos dois sujeitos que atuam com vistas a obter um determinado fim, e que realizam seus propósitos orientando-se por e influindo sobre as decisões de outros sujeitos. Assim, o resultado desta ação depende também de outros sujeitos, os quais se orientam no sentido de conseguir seu próprio êxito e só se comportam cooperativamente na medida em que isso possa encaixar-se em seu cálculo egocêntrico de utilidades.” (HABERMAS, 1987,p. 126 apud MARINI, 2007, p. 38) A segunda ação apresentada por Habermas é a Ação regulada por normas, que na explicação de Flecha (1997) é a ação em que as pessoas pertencem a um grupo em que atuam de acordo com valores comuns, segundo as mesmas regras e não agem sozinhas/os. Segundo Marini (1997) estas normas são válidas para todos e todas que acham válidas tais normas, o que dá origem ao “mundo social”, esse mundo social é o lugar onde tais normas entram em rigor, contudo as normas só vigoram se são reconhecidas e vivenciadas por todos/as, e quando são racionalmente justificáveis. Entretanto, a autora, com base em Habermas (1987), deixa claro que os valores culturais não são levados em consideração na construção e cumprimento dessas normas. Por isso podemos dizer, que todas as relações que as pessoas estabelecem com o mundo estão sujeitas a dois tipos de interpretação a primeira é se as ações estão de acordo com as normas vigentes e a segunda é se as novas normas que as pessoas querem impor segundo suas necessidades estão justificadas devidamente e se podem ser aceitas todos/as ou não. A próxima ação apresentada por Habermas é a Ação Dramatúrgica, ação em que as pessoas são atores/as no mundo, e estão diante de um público que é formado por outras pessoas desses espaços, por isso, segundo Gabassa (2009), o principal conceito nessa ação é a ‘auto-encenação’, ou seja, as pessoas tem um determinado comportamento diante do público. Então, segundo Marini (2007) a ação dramatúrgica acontece em dois mundo, um em que o sujeito é o ator e outro mundo em que o sujeito é o espectador, por isso 18 19 “é possível entender que a escala da auto-escenificação aborda desde a comunicação sincera das próprias intenções, desejos e estados de ânimo, até a manipulação cínica das impressões que o sujeito desperta nos demais. Uma ação dramatúrgica que fosse avaliada somente a partir de critérios do êxito que se busca, transformar-se-ia, assim, numa ação estratégica na qual os participantes não seriam somente agentes “racionais com objetivos a fins”, mas também oponentes capazes de manifestações expressivas.” (HABERMAS, 1987, p. 135 apud MARINI, 2007, p. 41) A quarta e última ação apresentada por Habermas é a ação comunicativa. O autor repensa e positiviza a ideia de razão e racionalidade, idéias que apareceram com o processo de modernização. Segundo Girotto (2007), Habermas busca superar a razão instrumental pela razão comunicativa, ou seja, as relações interpessoais deixam de ser realizadas por um ator solitário, assim, a linguagem utilizada seria a linguagem ilocucionária, que tem como principal objetivo comunicar e avaliar as pretensões de validez. Portanto, “Somente o conceito de ação comunicativa pressupõe a linguagem como um meio de entendimento sem mais abreviaturas, em que falantes e ouvintes se referem, desde o horizonte pré-interpretado que o seu mundo da vida representa, simultaneamente a algo no mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo, para negociar definições da situação que podem ser compartilhadas por todos. Este conceito interpretativo de linguagem é o que se sobressai às distintas tentativas da pragmática formal.” (HABERMAS, 1987a, p. 137-138 apud MARINI, p. 41) Segundo Flecha (1997), a Teoria da ação comunicativa de Habermas é vista como uma maneira de organizar as relações humanas com base no diálogo e no consenso. Por isso, os termos de verdade, veracidade e retitude, mencionados por Habermas (MARINI 2007) se fazem tão importantes para estabelecer o diálogo igualitário, o que Freire chama de “palavra verdadeira”. A partir do momento que estabelecemos uma relação de interação com o/a outro/a estamos além das palavras, estamos, sim, num processo de ensino aprendizagem que pretende compreender, internalizar e dialogar com o/a outro/a para a construção do próprio “eu”, portanto, se o/a outro/a faz parte do meu “eu”, e se a interação e diálogos verdadeiros são mais intensos quando existem diferentes pessoas envolvidas, então concluímos que o espaço da Tertúlia Musical Dialógica é um espaço rico para superação das injustiças e desigualdade que vivemos em nossa sociedade. Após a explicação da Dialogicidade e da Teoria da Ação Comunicativa, entramos agora no conceito da Aprendizagem Dialógica elaborado pelo CREA. A Aprendizagem Dialógica é composta por sete princípios: Diálogo Igualitário, Inteligência Cultural, 19 20 Transformação, Dimensão Instrumental, Criação de Sentido, Solidariedade, Igualdade de Diferenças. Detalhando os princípios: DIÁLOGO IGUALITÁRIO Para Flecha (1997) o diálogo igualitário acontece quando todos/as são ouvidos, suas ideias e argumentos escutados, independente das posições que ocupam na sociedade. Levando a realidade e a aplicação do diálogo igualitário para a sala de aula Flecha afirma que tanto professor/a quando estudantes aprendem, pois cada um/a constrói suas contribuições de acordo a validez dos argumentos, é importante destacar que o diálogo igualitário implica também na reflexão critica das pessoas que estão interagindo. Diante dessa proposta, vários teóricos das ciências sociais elaboraram teorias sobre relações/interações humanas baseadas no diálogo e no consenso; são exemplos: Habermas, Freire, Becky e Giddens. Diante da Sociedade da informação que vivemos. Para Flecha (1997) os estudos de Habermas sobre a existência de quatro tipos de ações nos ajuda a repensar as práticas e as relações educativas, tais ações exemplificamos anteriormente neste mesmo capítulo, então reforçaremos a ideia de ação comunicativa, que “se refere a uma interação em que os sujeitos capazes de linguagem e ação engajam uma relação interpessoal com medidas verbais e não verbais [...] O conceito central é a interpretação referida na negociação de situações suscetíveis de consenso.” (FLECHA, 1997, p. 17) Por isso, Flecha (ibid.) afirma que o diálogo igualitário está ligado diretamente à ação comunicativa, pois os diversos comentários e contribuições são de extrema importância para a superação de propostas educativas não igualitárias. INTELIGÊNCIA CULTURAL “A inteligência cultural pressupõe uma interação onde diferentes pessoas estabelecem uma relação com meios verbais (ação comunicativa). Assim chegam a entendimentos nos âmbitos cognitivo, ético, estético e afetivo.” (FLECHA, 1997, p. 21) O autor ainda diz que todas as pessoas têm a capacidade de participar de diálogos, e que suas habilidades possam se manifestar em diferentes espaços, pois as pessoas têm a capacidade de desenvolver diversos tipos de inteligência, nos diferentes espaços. Contudo, nos diferentes espaços, inclusive nas escolas, estamos afogados/as com a predominância da cultura dominante que considera somente o seu jeito de agir e pensar como 20 21 válido na sociedade, ou seja, consideramos inteligentes aqueles que pertencem à cultura dominante, e as pessoas de outras culturas são desprovidas de inteligência é o que Flecha (1997) chama de muros anti-dialógicos que já citamos anteriormente, indo um pouco mais à fundo o autor indica três passos para a superação dos muros antidialógicos: 1. 2. 3. Auto-confiança Interativa: diz respeito ao reconhecimento, por parte do grupo das riquíssimas capacidades já demonstradas em outros espaços; Transferência Cultural: a descoberta da possibilidade de demonstrar a mesma inteligência cultural em um novo contexto acadêmico; Criatividade dialógica: constatação da aprendizagem gerada a partir das interações com as outras pessoas. (FLECHA, 1997, p. 25 citação) Portanto, é necessário que se supere a ideia da valorização da cultura dominante; uma alternativa é a Aprendizagem Dialógica. Então, a inteligência cultural é um meio de interação no qual o diálogo igualitário (reflexivo e crítico) tem que estar presente para garantir a participação de todos/as nos diferentes espaços sociais, pois são nos diferentes espaços e na diversidade de pessoas, de ideias, de histórias de vida que potencializamos a inteligência cultural. Vale ressaltar que as pessoas terem convencimento e consciência de que sua inteligência, capacidades/habilidades são importantes para a própria vida e para a vida do/a próximo/a e, também, que as pessoas tenham a oportunidade de demonstrar, falar o que sabem. TRANSFORMAÇÃO O princípio da transformação é “criado” para superar a ideia de que a escola é somente reprodutora da cultura dominante. Pensando na transformação a partir do diálogo igualitário e da inteligência cultural, podemos vislumbrar a escola não só como reprodutora, mas também, e principalmente como, transformadora da realidade social apresentada. A transformação das relações e do entorno faz com que apareçam mais movimentos solidários e em prol da igualdade social, como é o caso da Comunidade de Aprendizagem. Nesse sentido, Gabassa (2009, pg. 72) afirma que “as pessoas que participam de processos como esses acabam por transformar o sentido de sua existência, e com isso, também transforma o seu entorno.” DIMENSÃO INSTRUMENTAL De acordo com Gabassa (2009), a Aprendizagem Dialógica defende o instrumental, ou seja, “a aprendizagem instrumental de conhecimentos e habilidades que são considerados necessários para essa sobrevivência” (FLECHA, 1997, pg 33 apud GABASSA, 2009, p. 13). 21 22 Tanto propostas conservadoras como progressistas encaram o diálogo como desnecessário, desvalorização do ensino e do técnico, entretanto, segundo Flecha (1997) a aprendizagem dialógica não se opõe à aprendizagem instrumental, pois considera necessário que todos/as possuam esses instrumentos. O mesmo autor, também afirma que o diálogo igualitário e reflexivo é imprescindível na dimensão instrumental, porque nas relações com diferentes pessoas estamos aprendendo novos “instrumentos”, ou seja, novas formas de viver a vida, o dia-a-dia na escola, no trabalho. E a reflexão é feita para analisar a importância e a prática da utilização do instrumental. CRIAÇÃO DE SENTIDO De acordo com Flecha (1997) vivemos em uma sociedade que deseja controlar tudo o que é “SER” humano, desde o físico, estético, até o mais íntimo de nosso ser. Para esse controle, a sociedade faz uso do dinheiro e do poder, ferramentas que são usadas da pior maneira, dificultando uma vivência solidária. Para que a vida não se transforme nisso, Flecha (1997) afirma que é necessário superar essa visão, uma forma é a partir da aprendizagem dialógica, diálogo e relações. A aprendizagem dialógica “se baseia no princípio fazendo frente aos reducionismos anti-humanistas que consolidam a atua colonização sistêmica da vida cotidiana” (ibid, 1997, p. 36) De acordo com Flecha, é necessário que as próprias pessoas estabeleçam suas relações a partir da linguagem, do diálogo do “ver o outro e se ver”, ou seja, a auto-criação de sentido. O ensino se faz importante espaço para essa transformação de sentido, ao invés de ser um lugar que faz calar deve ser um lugar de falar pois, “não há oposição entre diálogo pedagógico e cotidiano, e sim a colaboração e enriquecimento mútuo [..] o sentido de compartilhar palavras em grupo ajuda a recriar continuamente o sentido global de suas vidas [...] criam uma nova vida com outras pessoas com quem tens uma relação horizontal.” (p. 37) As pessoas podem recriar suas vidas, suas histórias a partir das relações que estabelecem. SOLIDARIEDADE 22 23 De acordo com Flecha (1997), o princípio da Solidariedade vem para reforçar a ideia de que a aprendizagem dialógica e todos os seus princípios não devem acontecer senão para todas as pessoas. Portanto, para a sociedade estruturalista e pós-estruturalista a melhor opção não era a liberdade de diálogo, mas sim uma ditadura para aqueles/as que que não faziam parte das camadas sociais privilegiadas. Contudo, Habermas e Freire propõem um novo tipo de viver em sociedade, se fazer práticas educativas, uma prática que reforça a solidariedade ao invés do poder. Tais práticas propostas por Habermas e Freire afirmam que “democracia, igualdade, paz e liberdade sexual são mais desejáveis que ditadura, desigualdade, guerra ou violência, e que a educação tem que trabalhar a favor das primeiras e contra as segundas” (FLECHA, 1997, p. 39) Por fim, Flecha (1997) diz que, vivendo a aprendizagem dialógica, o coletivo constitui a própria solidariedade, ou seja, a comunidade é um espaço solidário, a escola é um espaço solidário, assim como o ambiente de trabalho, de lazer, etc. A aprendizagem dialógica é um novo modo de ver e viver o/no mundo. IGUALDADE DAS DIFERENÇAS A igualdade das diferenças é o valor fundamental que deve orientar a aprendizagem dialógica “a aprendizagem dialógica se orienta na igualdade das diferenças afirmando que a verdadeira igualdade inclui o mesmo direito de toda pessoa a viver de forma diferente. Nesta perspectiva, que Freire denomina unidade na diversidade, nunca se criticam as formas limitadas de igualdade sem defender ao mesmo tempo outras más conseqüências, e nunca se defende a diversidade sem promover simultaneamente a equidade de pessoas e coletivos diferentes.” (FLECHA, 1997, p. 42) Ou seja, a igualdade das diferenças é o direito de todos/as de serem diferentes. A diversidade potencializa a aprendizagem, a transformação, a criação de sentido, a inteligência cultural. Respeitar, aceitar, conviver e enxergar as diferenças entre as pessoas é caminhar para a transformação social que esperamos. Esses são os princípios da Tertúlia Musical Dialógica. Nesse último sub-capítulo vamos descrever a metodologia da Tertúlia Musical Dialógica. 1.3. A METODOLOGIA DA TERTÚLIA MUSICAL DIALÓGICA 23 24 Seguindo a base teórica metodológica citada acima o presente sub-capítulo descreve a metodologia de trabalho, ou seja, o “como se faz” as Tertúlias Musicais Dialógicas nos anos iniciais do ensino fundamental. Vale ressaltar que a escola não precisa ser uma Comunidade de Aprendizagem para que a tertúlia musical dialógica aconteça nas salas de aula e fora delas, basta que se sigam os princípios da aprendizagem dialógica. A tertúlia musical acontece uma vez por semana e tem duração de mais ou menos duas horas. Primeiramente, é escolhida uma música, que possa ser considerada clássica, pois um dos objetivos das tertúlias é que os/as participantes tenham contato e conheçam músicas assim consideradas. A escolha tem que feita de acordo com o público alvo, de modo que gere diálogo entre as/os participantes. Feita a escolha da música é feita a procura da letra da música, pois todos e todas têm que ter a música para acompanhar, fazer destaques e a letra também é vista como um documento a ser arquivado. É aconselhável que se faça uma pesquisa sobre a música: (a) compositor/a, (b) cantor/a, (c) em que ano foi lançada, (d) se teve regravações. Após a pesquisa é feita uma busca pelo áudio da música que pode ser: (a) em fita k-7, (b) em disco de vinil, (c) cd, (d) DVD, (e) áudio em mp3, (f) tocada ao vivo. Feito isso, nos concentramos agora na atividade prática, porque o que destacamos acima são os preparativos para a atividade. Para dar início à atividade da tertúlia musical dialógica todos e todas se sentam em círculo. É importante que antes de se iniciar a atividade a pessoa que estiver coordenando relembre os princípios da atividade que são: (a) existem duas maneiras de participar uma é ouvir e a outra é falar, (b) se duas pessoas ou mais se inscrevem para falar ao mesmo tempo, tem preferência a pessoa que ainda não falou ou que falou menos, (c) respeitar as falas de todos e todas. Relembrados os princípios dá-se início à atividade. Vale ressaltar que é recomendável que se realize a atividade com a presença de um ou mais voluntários/as de modo a auxiliar na atividade. Sentados/as em círculo coloca-se a música para ser ouvida, em seguida distribui-se a letra da música para os/as participantes e uma pessoa (de preferência a pessoa que estiver coordenando ou algum/a voluntário/a) faz a leitura do nome da música, do/a compositor/a, do/a cantor/a e lê a letra da música. Ouve-se a música novamente e faz-se a leitura, só que desta vez a leitura é feita conjuntamente (nos anos iniciais, a leitura em grupo auxilia na alfabetização). Destaco aqui que, durante a tertúlia, duas pessoas assumem papéis importantes para que a atividade aconteça, uma pessoa será a mediadora e a outra pessoa escreverá (com o recurso que estiver disponível no momento) os destaques e falas feitos durante a tertúlia. 24 25 Dando continuidade, após ouvir e ler a música, a tertúlia passa para o momento dos destaques e falas das pessoas que estão participando, lembrando que “O propósito da atividade não consiste em descobrir nem analisar aquilo que o autor, ou autora, de uma determinada obra quer dizer em seus textos, mas sim gerar um espaço e reflexão” (SILVA, 2008, p. 34). A tertúlia musical tem duração de mais ou menos duas horas, como citei anteriormente, as pessoas que querem fazer algum destaque ou falar sobre o que pensou ou sentiu durante a música deve se inscrever, (levantando a mão e, se for o caso, dizer o seu nome) o/a mediador/a inscreve as pessoas, lembrando que uma das regras da tertúlia musical dialógica é que tem preferência para falar quem ainda não falou ou quem falou menos. Passadas duas horas (às vezes menos, às vezes mais, tudo depende do combinado anteriormente pelo grupo) encerram-se as inscrições e a pessoa que ficou responsável por escrever, os destaques e as falas, realiza, neste momento, a leitura destes, encerrando, dessa forma, a tertúlia musical dialógica. No capítulo seguinte, abordaremos o que são os clássicos da música e porque escolhemos as obras clássicas de Heitor Villa-Lobos como objeto de estudo teórico desse Trabalho de Conclusão de Curso. 25 26 Capítulo 2 ............................................................................. Clássicos Musicais: um recorte a partir de VillaLobos “É na formação das artes de um país, que existe a cega necessidade imprescindível de colher os principais motivos na sua própria natureza, como fizeram as grandes nações que mais se distinguem pela sua maneira própria de ser, algumas delas chegando mesmo a dominar o espírito artístico universal implantando sugestivamente um Belo que nada de comum com o Belo de outros povo de temperamentos completamente opostos. É verdade que nestes casos resulta sempre num curioso fenômeno de condições e paradoxos. Por exemplo, (sem ironia) no Brasil veneram com eloquência os feitos da Grécia/Roma antiga e ridicularizam as façanhas dos nossos primitivos selvagens. [...] É isso que se chama talvez, modernamente esnobismo” (A Noite, 9/1/1926 – Entrevista de Heitor Villa-Lobos) Como já foi dito nos capítulos anteriores, vivemos hoje em uma Sociedade da Informação, que, na maioria das vezes, não é igualitária e nem solidária, mas que o tempo todo nos bombardeia com uma quantidade colossal de informações. Essas informações são de todos os tipos, podemos citar a música como exemplo, segundo Albin (2003), estamos vivendo num momento em que a pluralidade de ritmos, gêneros, talentos e fontes é muito grande, e aberta ao público, ou seja, estamos na era da cultura em massa, entretanto não podemos nos esquecer daqueles/as que tanto contribuíram para a história musical brasileira, não podemos nos esquecer daqueles/as que deram o primeiro passo, que fundaram gêneros musicais em nosso país. Neste trabalho de conclusão de curso iremos retratar o fundante da música erudita brasileira no período contemporâneo, ou seja, o maestro e compositor Heitor Villa-Lobos. Falaremos um pouco da história de Villa-Lobos e de como sua música erudita foi transformada após sua ida à Paris, em 1923, pois foi após essa viagem que Villa-Lobos começou a se dedicar intensamente na produção da música erudita de caráter nacional. Para falar um pouco sobre a vida de Villa-Lobos e sobre sua “transformação” como maestro e compositor brasileiro, utilizaremos o artigo de Paulo Renato Guérios, que faz uma sucinta, porém satisfatória, projeção da vida de Villa Lobos. Heitor Villa-Lobos nasceu em março de 1887, no Rio de Janeiro, um período de fortes mudanças em nosso país e da formação de um novo sistema de Governo, estávamos a um 26 27 passo da proclamação da República. Tais mudanças tiveram grande impacto sobre as artes, entre elas a música. Ressaltamos aqui que Heitor Villa-Lobos é o fundante da música erudita contemporânea no nosso país. Até 1842, a música erudita em nosso país era utilizada somente pela igreja cristã católica e era composta por mestres-capelas. Contudo, em 1841, Francisco Manuel da Silva 3solicitou que se criasse um Conservatório Imperial, esse acontecimento demonstrava o desejo de se ter e de se fazer a música em e da nossa terra, além disso, a criação de tal conservatório poderia colocar o Brasil como sendo uma das nações mais cultas da época. Entretanto, Guérios (2003) destaca que as apresentações no Conservatório Imperial não eram nem um pouco nacionais, pois se restringiram a versões traduzidas de óperas internacionais que na maioria das vezes eram interpretadas por estrangeiros, o que fazia com que a pronúncia das óperas cantadas fosse menos “nacional”. Todavia, com o passar do tempo, precisamente quando a direção do Instituto Nacional de Música4 foi assumido por Leopoldo Miguéz5, em 1890, houve uma grande mudança na estética musical, o diretor Leopoldo queria acabar com o conservadorismo musical e realizar apresentações mais modernas. Para Leopoldo Migués a estética moderna era a estética alemã de Wagner6 e também a francesa de Saint-Saëns7. Segundo Leopoldo Migués o conservadorismo é a insistência em privilegiar os cantos líricos italianos. Foi nesse ambiente de transformações nacionais, políticas, sociais e musicais que Heitor Villa-Lobos nasceu, num emaranhado de estilos e estéticas musicais, em uma disputa entre o conservadorismo e a modernidade, entre a antiguidade e a modernidade, todas essas informações iriam fazer parte da formação pessoal e musical de Heitor Villa-Lobos. Podemos dizer que Heitor Villa-Lobos iniciou desde cedo seu contato com a música, o pai de Villa-Lobos, Raul, teve o privilégio de ser apadrinhado por Alberto Brandão 3 Francisco Manuel da Silva, nasceu e morreu no Rio de Janeiro. Dedicou muito de suavida para música, foi maestro, compositor e professor brasileiro. Sua obra não é muito conhecida, entretanto sua melodia mais conhecida e célebre é a do nosso Hino Nacional Brasileiro. 4 É a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mantida pelo Governo federal do Brasil. Oferece aulas de música desde o ensino infantil até a pós-graduação 5 Leopoldo Américo Miguez, nasceu e morreu no Rio de Janeiro, foi maestr, compositor e violinista. Foi para a Europa aprimorar sua técnica, voltou convertido às músicas weberinas. É autor do Hino da Proclamação da República, foi diretor do Instituto Nacional de Música e foi o renovador do ensino de música no Brasil no século XX. 6 Wilhelm Richard Wagner, foi um compostiro, maestro, ensaísta e diretor de teeatro alemão. É muito conhecido por suas óperas e por criar o libreto. Wagner foi o pioneiro em avanços da linguagem musical, por exempo, a rápida mudança dos centros tomais. Suas ideias tiveram e têm muito impacto nas músicas eruditas. 7 Camille Saint-Saëns, foi um pianista, organista e compositor francês. Dedicou sua vida à música, e sua obra é vasta. 27 28 “líder da maioria na Assembléia Provincial Fluminense e criador de um conceituado colégio secundário na cidade de Vassouras. Como resultado, Raul conseguiu completar seus estudos secundários, o que constituía um privilégio no Segundo Império e mesmo durante a República Velha. A educação recebida por ele em Vassouras possibilitou o que, de outra forma, seria inimaginável para uma criança sem recursos: o acesso à formação erudita. Raul aproveitou-a, no entanto, para investir em mais estudos.” (GUÉRIOS, 2003, p.85) Utilizando-se desse grande privilégio educacional, Raul investiu em seu filho VillaLobos, adaptando para ele um pequeno violoncelo com apoio em viola. Desde o início VillaLobos foi incentivado a discernir entre um gênero musical e outro, entre um estilo musical e outro. O pai de Villa-Lobos não investiu em nenhum tipo de negócio para que pudesse ter maiores retornos financeiros então, a única herança que deixou para seu filho após sua morte, em 1899, era a iniciação e contato com a música erudita. Após a morte do pai, a família de Villa-Lobos passou por vários problemas, Villa-Lobos não chegou a completar os estudos secundários. Em 1904, Villa-Lobos se inscreveu em um curso noturno, para ter aulas de violoncelo, no Instituto Nacional de Música8 e também tocava em uma orquestra sinfônica: o Club Francisco Manuel9. Os cursos noturnos foram criados em 1900, para proporcionar a formação profissional de orquestras ao Instituto e poderia aumentar a freqüência dos/as estudantes de música no período noturno. Todavia, os cursos noturnos foram fechados em 1904, ano em que Villa-Lobos se inscreveu, então ele não chegou a frequentar as aulas. Após isso, Villa-Lobos viajou pelo Brasil entre os anos de 1905 e 1912, existem somente dois arquivos que comprovam que Villa-Lobos viajou, tais arquivos pertencem o Museu Villa-Lobos10. O primeiro arquivo comprova que esteve presente em um concerto em Paranaguá (cidade do porto do Paraná), entre os anos de 1907 e 1908, onde o maestro viveu e trabalhou no comércio, em suas horas livres tocava. O segundo arquivo registra um concerto em Manaus, nesse concerto Villa-Lobos participou como violoncelista de uma companhia artística. Entretanto, os relatos e as viagens do musicista foram muito mais extensas, pois, alguns anos depois ele afirmou que percorreu todo o interior do país, inclusive os rios Amazonas e Xingu. Tais registros surgiram logo após Villa-Lobos ser nomeado um músico nacional. 8 Ver nota 4. O Club Francisco Manuel, era um grupo de músicos do qual Villa-Lobos fazia parte, seu nome é inspirado na figura de Francisco Manuel da Silva. (ver nota 3) 10 O Museu Villa-Lobos situa-se no Rio de Janeiro. É uma Instituição Museológica integrada à estrutura do Departamento de Museus e Centros Culturais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Demu/Iphan). O principal objetivo do museu é preservar o legado do compositor. 9 28 29 Através dessas viagens, Villa-Lobos pôde se afirmar como compositor verdadeiramente brasileiro. Villa-Lobos conviveu e atuou tanto como músico de orquestra quanto como músico de rua da cidade (os famosos “chorões); porém sua formação precoce na música erudita o afastava dos músicos populares, porque a música popular não era bem vista socialmente. Falemos agora sobre as primeiras composições de Villa-Lobos, para depois falarmos de sua ida à Paris e de como suas composições sofreram muitas transformações, podemos afirmar, com base em Guérios (2003) que as transformações que ocorreram nas composições de Villa-Lobos não foram somente estéticas mas também uma mudança social. As primeiras obras de Villa-Lobos têm fortes influências do compositor Verdi11 e Debussy12. As composições de Heitor Villa-Lobos, músicas compostas na década de 10, eram produzidas segundo a estética musical do Rio de Janeiro, porque Villa Lobos desejava ser aceito pelo público. Esse desejo de aceitação através da produção de músicas eruditas provocou o afastamento de Villa-Lobos da música popular brasileira. Por isso nas primeiras composições de Villa-Lobos, não e percebe nenhum elemento nacional, apesar do contato constante do compositor com os chorões. Todas as suas composições, nessa década, são totalmente eruditas e como já disse, fortemente influenciada por Debussy e Verdi. A partir de 1915, Villa-Lobos começou a apresentar suas composições, e logo conquistou o público carioca. Em 1919 foi convidado para compor e apresentar uma de suas obras em um concerto que iria homenagear Epitácio Pessoa13, pois esse retornava da Europa. Villa-Lobos, compôs e executou a obra intitulada: “A Guerra”. Após o concerto, existem notícias em jornais da época, de que a obra de Villa-Lobos foi a mis aplaudida da noite, nesse episódio já evidenciamos que o compositor já começava a se afirmar grandiosamente no cenário brasileiro de música e passou a ser prestigiado e elogiado por artistas brasileiros e também por artistas europeus que estavam no Brasil. Após esse episódio, Villa-Lobos começa a ter o apoio financeiro de Laurinda Santos Lobo, uma mulher muito bem sucedida, rica da alta sociedade, que começou a divulgar seus 11 Giuseppe Fortunino Francesco Verdi, foi um compositor italiano, no período romântico italiano. Assim como Wagner, foi considerado o maior compositor nacionalista da Itália. Sua obra é vasta e ainda hoje é muito tocada e apresentada. Pode-se dizer que nenhum compositor italiano da época foi tão importante e popular quanto Verdi. 12 Claude-Achille Debussy, foi um compositor e músico francês. Seu estilo influenciou muitos outros maestros e compositores. Sua música foi como um catalisador de muitos movimentos musicais na França e em outros países. Sua obra é vasta, porém é de difícil acesso. 13 Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa, foi um jurista, político brasileiro e presidente da República de 1919 e 1922. 29 30 concertos. Em 1921, Villa-Lobos fez um concerto promovido por Laurinda, nesse concerto apresenta o quarto ato de Izaht14 e pela primeira vez apresenta peças nacionais. As músicas tinham forte influência da música popular, por exemplo: Viola, A lenda do Caboclo e Sertão no Estio. Villa-Lobos concede entrevistas para os jornais, em que diz abertamente sobre os motivos que o fizeram compor músicas nacionais, para ele tratava-se de “iniciar a sua festa de arte por um concerto de peças musicaes de carater bem brasileiro, esperando tambem, d’este modo chammar a atenção geral para esse lado das producções caracteristicamente nacionaes e artisticas, que devem figurar nos festejos do centenario” Villa-Lobos visava ao aproveitamento de suas obras nas festas do centenário da independência do Brasil, a ser comemorado no ano seguinte. (GUÉRIOS, 2003, p. 89) Entretanto, os planos de Villa-Lobos seriam alterados, pois em um segundo concerto, promovido por Laurinda, Villa-Lobos atraiu a atração dos artistas modernistas da época, pois apresentou suas obras mais audaciosas esteticamente, como ‘A Fiandeira’ para piano solo e também ‘Quarteto Simbólico’. Diante da modernidade debussysta de Villa-Lobos ele acabou sendo convidado para participar da semana da arte moderna15. Depois da Semana da Arte Moderna, Villa-Lobos foi convidado para ir à Paris – o maior centro cultural e artístico da época – sua ida teve ajuda financeira de amigos/as e admiradores/as e também por ordem de um decreto nacional. Heitor Villa-Lobos chegou a Paris em junho de 1923, e tinha certeza absoluta de que faria muito sucesso conforme ressaltou em uma entrevista dada logo na sua chegada, em que afirmava que não estava na capital da cultura para aprender e sim para mostrar o que tinha feito até então em seu país de origem, o Brasil. Mal sabia que suas convicções, esperanças e composições estavam prestes a sofrer uma grande transformação. Logo no seu primeiro contato e reunião com os/as artistas franceses, que aconteceu no estúdio de Tarsila do Amaral16, Villa-Lobos entrou em atrito com um dos artistas mais famosos de toda a Paris: Jean Cocteau. Tal artista ocupava uma posição social, tinha uma criação e vivências totalmente contrárias às de Villa-Lobos. Jean Cocteau estava totalmente inserido e ligado com o meio artístico parisiense e era considerado uma grande influência; 14 Izaht é um a obra de Heitor Villa-Lobos, composta em quatro atos. Izaht é a junção de duas outras óperas: Elisa e Aglaia. Teve sua estréia como oratório em 1949 e como ópera em 1958. 15 A Semana da Arte Moderna, aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. Cada dia da semana foi dedicado a uma arte: pintura e escultura, poesia e literatura e música. A semana da Arte moderna foi muito importante, pois deixa de ser uma vanguarda e passa a ser o modernismo da época. Muitos/as artistas apresentaram novas ideias e conceitos artísticos, um exemplo é Heitor Villa-Lobos. 16 Tarsila do Amaral, foi uma desenhista e pintora brasileira. Foi uma das figuras centrais para a primeira fase do movimento modernista no Brasil. Seu quadro, Abaporu (1928) marca a entrada ao movimento antropofágico no Brasil. 30 31 diferente de Villa-Lobos que era um estrangeiro recém-chegado, cuja composições estavam totalmente desatualizadas de acordo com a realidade musical e cultural da capital francesa. Sobre o artista que questionou e rebaixou as obras de Villa-Lobos, sabemos que “Clémente Eugene Jean Maurice Cocteau, nasceu dois anos depois de VillaLobos, em 5 de julho de 1889, na casa de seu avô materno, o agente de câmbio Louis-Eugène Lecomte, em cuja mansão repleta de quadros e objetos de arte, localizada na rica região de Maisons Laffite, a 20 km de Paris, ele passou sua infância” (GUÉRIOS, 2003, p. 91) Somente por essa breve introdução podemos perceber que Cocteau teve uma vida mais privilegiada que Villa-Lobos. Frequentava a Comédie Française17, foi poeta, e suas poesias eram recitadas por artistas famosos em Paris, e logo ficou muito popular. Em 1908, Cocteau já tinha contato com grandes escritores franceses, como Marcel Proust 18 e Catulle19, esses escritores pediram para Jean Cocteau escrever uma crítica sobre uma obra produzida por eles: Du Cote de chez Swann. Com essa informação podemos notar que Cocteau tinha acesso à casas e salões de arte que, na maioria das vezes, eram inacessíveis para outras pessoas; esse acesso fez com que antes de completar 20 anos, Cocteau fosse admirado por suas capacidades, juventude charme e espírito contagiante. Podemos afirmar, segundo Guérios (2003) que Cocteau estava fortemente ligado ao centro das vanguardas. Após a primeira Guerra Mundial (para a qual Cocteau não foi convocado por ser fisicamente inapto) a glória e importância desde célebre artista já eram incontestáveis. Cocteau tinha um novo círculo de amizades, por exemplo, Pablo Picasso20 e Erik Satie21. Em agosto de 1916, Cocteau, Picasso e Satie se reuniram e criaram um novo espetáculo revolucionário para a época, o espetáculo chamava-se Parade. Parade foi apresentado pela companhia Diaghilev e reuniu o texto de Cocteau, os cenários e figurinos de Pablo Picasso e a música de Satie. O espetáculo exaltava a influência popular da época, na música, por exemplo, era possível escutar sons de sirene de navio e máquinas de escrever. 17 A Comédie-Française ou Théâtre-Français, é um dos poucos teatros que mantêm uma companhia permanente de atores e é o único tetro estatal da França. Molière é o dramaturgo com maior ligação com a ComédieFrançaise. 18 Valentin Louis Georges Eugene Marcel Proust, foi um escrito francês, com vasta obra literária. 19 Catulle Mendes foi um homem de letras e um poeta francês. 20 Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno Maria de los Remédios Cipriano de La Santíssimo Trinidad Ruiz y Picasso, ou simplesmente Pablo Picasso, foi um escultor, desenhista e pintor espanhol. É reconhecido como um dos mestres da arte do século XX, um dos artistas mais famosos do mundo todo. Picasso também é reconhecido como co-fundador do cubismo. 21 Érik Alfred Leslie Satie, foi um pianista e compositor francês. Foi o precursor da música repetitiva, teatro do absurdo e do minimalismo. Foi uma importante figura vanguardista de Paris. 31 32 O programa Parade marcou a vida artística de Paris e consagrou Cocteau, mesmo não sendo músico ele lançou um novo movimento artístico com base nas obras de Erik Satie. As obras de Satie eram totalmente opostas às obras de Debussy, pois eram obras claras, simples e precisas, sem muitos rebuscamentos, eram músicas que se entendiam sem que precisasse se pensar muito. Diante disso, já podemos dizer os motivos de Cocteau não gostar e desprezar as obras de Heitor Villa-Lobos, pois quando chegou a Paris as obras de Villa-Lobos estavam ultrapassadas em comparação com a nova estética das obras musicais de Paris. Já podemos imaginar como Villa-Lobos se sentiu decepcionado e desapontado quando suas obras, tão admiradas e aplaudidas no Rio de Janeiro, foram duramente criticadas e desvalorizadas em Paris, especialmente por Cocteau, uma das figuras vanguardistas mais importantes de Paris. Contudo, esse choque de opiniões entre Villa-Lobos e Cocteau pode ser encarado de uma maneira positiva já que o choque entre visões tão diferentes pôde proporcionar aprendizagens para os dois artistas, especialmente para Villa-Lobos. Após o encontro de Cocteau com Villa-Lobos as obras de Villa-Lobos sofreram muitas mudanças. Enquanto esteve em Paris, Villa-Lobos teve a oportunidade de vivenciar e presenciar momentos em que a música brasileira era muito exaltada por seu exotismo e “jeitinho brasileiro”, ele pôde perceber que o que os franceses (e outros) queriam e admiravam era a diversidade da música e não uma cópia do que era considerada obra de verdade, ou seja, as obras européias. Villa-Lobos finalmente começou a incorporar em suas obras as influências da música popular brasileira, antes ele só não as utilizava porque no Rio de Janeiro a música popular não era bem vista, tinha um valor negativo. Depois da incorporação do “jeitinho brasileiro” em suas músicas, as maiores riquezas nas suas composições eram as variedades de ritmos. Dessa forma, Villa-Lobos conseguiu inovar suas composições e, de uma forma inédita, conseguiu reunir a influência erudita européias com as influências populares e folclóricas brasileiras. Villa-Lobos desenvolveu sua própria linguagem, uma linguagem musical única. Após essa breve exposição da vida de Villa-Lobos e de quando sua obra começou a ser “realmente” brasileira, voltamos à questão de pesquisa do trabalho que é: Como a Tertúlia Musical Dialógica pode ser desenvolvida a partir de alguns clássicos orquestrais de Heitor Villa-Lobos, nos primeiros anos do ensino fundamental? A partir dessa questão, daremos uma atenção especial para a palavra Clássicos, O que são clássicos? Mas, afinal, por que as 32 33 composições do maestro/musicista Heitor Villa-Lobos são consideradas clássicas da música erudita brasileira no período contemporâneo22? Primeiramente, temos que definir o que é clássico e quais obras instrumentais podem ser consideradas clássicas a partir da perspectiva dialógica abordada nesta pesquisa. Sobre os clássicos da música, buscamos entender a origem da palavra, o significado específico e o significado dialógico da palavra para que possamos chegar ao consenso do que serão os “clássicos” no desenvolvimento deste trabalho. A palavra “Clássico” é “derivada de classis, palavra latina que significa classe de escola. O que significa que os clássicos eram chamados clássicos por serem julgados adequados à leitura dos estudantes, úteis na consecução dos objetivos escolares. [...] Seguindo esse estudo conceitual, nos deparamos com as tradições da palavra, ou seja, a palavra “clássica/o” veio das tradições literárias dos autores da Grécia e com o passar do tempo passou a indicar juízo de valor, ou seja, muitos estudiosos concordam utilizar o termo clássico para identificar se uma obra é boa ou não.” (GIROTTO, 2007, p. 39) Por esse motivo, ainda na atualidade, quando pensamos em “clássicos da música” é normal que a primeira ideia que nos ocorre são músicas clássicas instrumentais, músicas eruditas. Essa ideia nos vem por que na nossa cultura ocidental ainda se encontram vestígios da cultura Greco-romana, que assim como na literatura que selecionava quem podia ou não escrever e ler, selecionava quem podia compor e tocar e quais músicas eram consideradas boas de serem ouvidas e tocadas. Isso não só gerava de uma maneira cultural a estratificação social, impedindo que músicas consideradas boas, de qualidade, ou seja, as músicas clássicas eruditas fossem negadas à maioria da população. Pesquisando o significado da palavra “Clássico”, em diferentes dicionários, destacamos as definições de “Clássico” contida em dois dicionários. No Mini-dicionário Aurélio da língua portuguesa nova edição, a definição de clássico é a seguinte: “1. Relativos à arte, à literatura ou à cultura dos antigos gregos e romanos. 2. Que segue, em matéria de artes, letras, cultura, o padrão deles. 3. Da melhor qualidade; exemplar. 4. Habitual. sm. 5. Escritor Clássico.” (p. 125) No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (dicionário online), clássico significa: 22 Tecnicamente é a música erudita dos séculos XX e XXI, feita após os movimentos regionalistas e impressionistas. Um exemplo seria a Música de Vanguarda. 33 34 adj. 1. Que é de estilo impecável. 2. Próprio para servir nas aulas. 3. Infrm. Que de há muito é habitual; inveterado no uso. 4. Relativo à literatura grega e latina. s. m. 5. Autor clássico. 6. Obra clássica. (acessado em 31 de agosto de 2011) Fica ainda mais claro que o significado e a origem do que é e do que deixa de ser “Clássico” estão intimamente ligados. Contudo, podemos contemplar o que é ser “clássico” de uma maneira diferente, ou seja, de uma maneira dialógica. Utilizando as palavras de GIROTTO (2007), que é pesquisadora das Tertúlias Literárias Dialógicas, os clássicos (da literatura) são obras literárias que mesmo que o tempo passe elas conseguem ser inovadoras e eternas. As obras contam histórias de um povo, das suas origens, de seus costumes, e às vezes não precisam nem ser contadas até o final, pois as palavras ficam gravadas, os povos conhecem as histórias uns dos outros, através das palavras. Podemos também reinventar as histórias, esse reinventar torna as diversas histórias sempre originais. Essas trocas solidárias de conhecimentos geram um enriquecimento e uma potencialização das pessoas e do próprio grupo. A partir da definição de clássico feita por Girotto (2007), podemos destacar elementos que nos ajudam a entender melhor o que são os clássicos. Os clássicos sobrevivem através dos tempos e não perdem a sua originalidade e universalidade independente da cultura de onde vêm esses clássicos da música, da literatura ou das artes. Por isso, podemos afirmar que “ser música clássica” na vertente dialógica nos permite a “superação da visão de que ela seria acessível e adequada apenas a quem tem formação acadêmica elevada ou que pertença à elite, ou seja, como exclusividade e privilégio de determinados grupos” (GIROTTO, 2003, p. 36), vemos que os clássicos podem ser visto e ouvidos por qualquer pessoa, de qualquer idade, classe, gênero. Então, chegamos ao consenso de que no presente trabalho as músicas consideradas clássicas serão aquelas que permaneceram inovadoras e eternas através dos tempos. Músicas que fazem parte da tradição cultural, parte do povo. Então, pensando nessa definição de ser parte da cultura brasileira e do povo brasileiro, escolhemos o compositor/maestro/musicista Heitor Villa-Lobos, que apesar da carruagem do tempo continuar andando, suas obras musicais, seu estilo inovador, a junção do erudito europeu com os ritmos folclóricos e populares do Brasil, continuam eternos, suas músicas ainda são capazes de nos fazer pensar, sentir e refletir. Após essa breve exposição e explicação sobre os clássicos da música, iremos elencar quais músicas de Villa-Lobos foram selecionadas para a elaboração dessa pesquisa teórica. 34 35 MÚSICAS 12 Sinfonias Uirapuru Amazonas Choro nº 6 Choro nº 8 Choro nº 9 Choro nº 10 – Rasga Coração Choro nº 11 Choro nº 12 Bachianas Brasileiras nº 1 para 12 violoncelos Bachianas Brasileiras nº 2 para orquestra Bachianas Brasileiras nº 3 para piano e orquestra Bachianas Brasileiras nº 4 para piano e orquestra Bachianas Brasileira nº 5 para soprano e 8 violoncelos Bachianas Brasileiras nº 6 para flauta e fagote Bachianas Brasileiras nº 7 para orquestra Bachianas Brasileiras nº 8 Bachianas Brasileiras nº 9 para orquestra e choro Erosão Odisséia de uma Raça Gênesis Emperor Jones Momoprecoce para piano e orquestra 5 concertos para piano e orquestra Martírio dos Insetos para violino e orquestra 2 concertos para violoncelo e orquestra Concerto para violino e Orquestra Concerto para Harpa e Orquestra Concerto para Harmônica e Orquestra Ciranda das Sete Notas para fagote e orquestra Fantasia para Violoncelo e Orquestra Concerto Grosso ANOS 1916 – 1957 1917 1917 1926 1925 1929 1928 1929 1930 1930 1938 1936 1938 – 1945 1938 1942 1944 1945 1950 1953 1954 1956 1929 1945, 1948, 1957, 1954, 1954 1925 1913, 1955 1951 1953 1953 1953 1945 1958 Para finalizar este capítulo, não podemos deixar de citar e diferenciar a linguagem musical (sensível) da linguagem oral, pensando na perspectiva dialógica. Inicialmente iremos 35 36 descrever a linguagem oral dialógica e faremos a comparação com a linguagem musical dialógica. Mas afinal o que é linguagem? Podemos dizer que é um conjunto de línguas que é utilizado para a comunicação e convivências de diferentes grupos dentro da sociedade então “a língua é um fato social, exatamente por estar ligado às estruturas sociais e é essencial para a comunicação, pois, através da palavra, que é o fenômeno ideológico por excelência, podem-se confrontar os valores sociais que, muitas vezes, são contraditórios. É na palavra que melhor se revelam as formas básicas, as formas ideológicas gerais da comunicação semiótica.” (GIROTTO, 2007, p. 84). Diante disso, podemos afirmar que a língua é cultura e dessa forma é o próprio conhecimento segundo a autora, todos/as falamos a mesma linguagem, porém nos expressamos de maneiras diferentes. Portanto, não podemos analisar uma linguagem sem levar em consideração: classe social, a origem, etc. A linguagem, e todas as suas variações, são um fenômeno social. Entendemos então que o diálogo, o uso da fala, o uso da linguagem para a comunicação e interação entre as pessoas é, na verdade, o som de todas as vozes que passam por nós, vozes que não escutamos, mas que fazem parte nós e de nossa sociedade, ou seja, o diálogo, a fala e a linguagem são igualitários, verdadeiros quando deixamos “nossa voz falar por todos em nome de uma sociedade solidária.” A linguagem que será abordada neste trabalho é a linguagem musical dialógica, com a mesma base utilizada nos parágrafos anteriores, que se referem à linguagem oral. Sobre a linguagem musical e a Tertúlia Dialógica dizemos segundo Girotto (2007) que não é só um processo de escuta, é também diálogo que leva a transformação constante, exposição de ideias, de lembranças, produção de conhecimento, portanto é uma escuta dialógica. Sobre a linguagem musical, segundo Ferreira (...) podemos dizer que desperta e desenvolve habilidades sensíveis mais intensas, é um tipo de expressão usado pelos seres humanos muito rico, complexo e universal, a música, independente do lugar, consegue transmitir sensações que todos/as sentimos. A linguagem musical é extremamente sensitiva, como já afirmei anteriormente, é como se a música tivesse vida própria e “entrando” em seus ouvintes, faz com que tenham as sensações, sonhos e lembranças dos mais inesperados; ainda mais se a escuta da música for feita de maneira dialógica como é proposto nesse trabalho. Segundo Girotto (2007) a linguagem tem certa ambigüidade, pois as pessoas tem diferentes visões de mundo e 36 37 diferentes vivências. Então, o diálogo acaba se tornando um ponte entre as pessoas, entre conhecimentos, culturas, em que as diferenças acabam potencializando as relações e aprofundamento nos significados. A partir disso, podemos ver como a Tertúlia Musical Dialógica é um atividade rica, que proporciona incontáveis ensinos e aprendizagens à todos/as os/as participantes. Indo mais além, e pensando no caráter sensitivo da música, podemos dizer que a profundidade da reflexão, da lembrança e da expressão através da fala é muito intensa. Além da nossa voz, podemos ouvir com nitidez o que o passado e as pessoas que passaram por nós deixaram e podemos ouvir também a polifonia dos sonhos e do futuro. Não estamos afirmando que são somente sensações e pensamentos bons que ocorrem durante a atividade da Tertúlia Musical Dialógica, estamos dizendo que a diversidade de possibilidades é imensa. Com a utilização das músicas eruditas clássicas de Heitor Villa-Lobos e dos princípios da Aprendizagem Dialógica, iremos explorar, no terceiro e último capítulo, um pouco as possibilidades de superação e algumas das dificuldades que estão presentes na atividade da Tertúlia Musical Dialógica. 37 38 Capítulo 3 ............................................................................. Entrelaçando os Clássicos Orquestrais de Heitor Villa-Lobos com os Princípios da Aprendizagem Dialógica “A tertúlia é uma utopia possível.” (FLECHA, 1997, p. 13) Este último capítulo será organizado pensando nos princípios da Aprendizagem Dialógica juntamente com as obras escolhidas de Heitor Villa-Lobos. Para tal entrelaçamento usaremos como base principal o livro “Compartiendo Palabras” de Ramón Flecha (1997). Assim como no livro, falaremos de cada princípio separadamente, na seguinte ordem: Diálogo Igualitário, Inteligência Cultural, Transformação, Dimensão Instrumental, Criação de Sentido, Solidariedade e Igualdade de Diferenças. Iniciamos, descrevendo sobre o diálogo igualitário: 3.1. DIÁLOGO IGUALITÁRIO Hoje, estamos vivendo na Sociedade da informação, sociedade que desumaniza a maioria das relações entre as pessoas, uma sociedade que a cada momento reforça a ideia de individualidade em que a diversidade não é vista como potencialidade de diálogo, mas sim como reconhecimento das diferenças: “Hoje está se criando um novo tipo de miséria. Rejeita ver a sociedade da informação com um simples passo para o progresso da humanidade. [...] também estamos experimentando um empobrecimento espiritual do povo. Por isso são necessárias muitas lutas [...] para melhorar as condições de todas as pessoas [...] temos que lutar muito para sair de nossa miséria [...] até sair o sol.” (FLECHA, 1997, p. 55) Diante disso, e de acordo com Flecha (ibid.), dizemos que participar de uma Tertúlia Musical Dialógica é superar e lidar com novas perspectivas. Lembrando que a Tertúlia Musical Dialógica nasceu da Tertúlia Literária Dialógica, reforçamos e comprovamos esse fato afirmando que “a literatura aborda novas perspectivas e interpretações incomuns [...] enriquecem e transformam mutuamente.” (FLECHA, 1997, p. 62), assim como, a música de 38 39 Villa-Lobos, pois são obras musicais que surpreendem e permitem que sempre renovemos nossas interpretações e reflexões sobre a obra escutada. Na Tertúlia, de acordo com o autor, as escolhas não vêm da autoridade e nem do currículo, mas sim de intensos sentimentos humanos que partem do princípio de serem compartilhadas com todos/as e não individualmente. A partir de tal compartilhamento reflexivo, temos a oportunidade de tomar consciência de nossos próprios atos o que leva ao nascimento de uma nova esperança em que os/as participantes se vêem como pessoas livres e iguais que convivem em solidariedade, além de gerar a confiança em si mesmo/a e na transformação social. Podemos dizer, de acordo com Flecha (1997), que no contexto da Tertúlia Musical Dialógica, assim como no contexto da Tertúlia Literária Dialógica, as pessoas participantes terão a oportunidade de conhecer muitos compositores/as, muitas músicas e terão ainda, a possibilidade de se identificar com os/as mesmos/as. Então, afirmamos que a cada música ouvida e trabalhada “dialogicamente”, torna-se possível um aprimoramento da escuta de modo a estimular a sensibilidade, as reflexões e a troca de novos conhecimentos e experiências.. O contato, a escuta dialógica, dos clássicos de Heitor Villa-Lobos, um grande compositor, um grande nome da música no Brasil, que exaltava a cultura de nosso país faz com que os/as participantes da Tertúlia Musical Dialógica se identifiquem com quem foi Villa-Lobos, com sua obra e com sua luta pela valorização de uma música instrumental clássica que fosse realmente brasileira. “Pouco a pouco, o grupo irá valorizar mais a “música” pelas interpretações de quem “as escuta” e menos pela vida e ideias de quem as “compõem”. (FLECHA, 1997, p. 61) Faço uma ressalva de que não estamos afirmando que a vida e as ideias do compositor Villa-Lobos serão desconsideradas, serão sim utilizadas, dependendo do espaço e das pessoas que participam da TMD. A Tertúlia Musical Dialógica dá a oportunidade de recriar, o diálogo igualitário transforma tudo, pois coloca os/as participantes numa relação de igualdade/equidade. “A autoconfiança cresce assim que os muros caem. As pessoas tomam o direito de decidir por si mesmas – sem imposições externas – que é interessante ler e que é importante o trivial. Não pedem permissão para entrar como membros de segunda categoria no clube de leitores (ou ouvidores) de narrativas (ou músicas) selecionadas. Se o fizessem, suas interpretações seriam classificadas como deficientes, pois os saberes populares são avaliados como ignorância pela ‘alta’ sociedade” (FLECHA, 1997, p. 63) 39 40 A Tertúlia Musical Dialógica é um espaço que ultrapassa e derruba os muros antidialógicos. Mergulhar no universo da música clássica de Heitor Villa-Lobos é romper com os muros elitistas, “as obras são recursos para o que Freire denominava comunicação cultural, criação de novos saberes partindo das próprias identidades e do diálogo com as demais pessoas incluindo ‘quem compôs as músicas’.” (FLECHA, 1997, p. 63) Além disso, a vivência nas Tertúlias Musicais Dialógicas proporciona às pessoas participantes “a transformação ambivalente, criam interações com conseqüências pessoais e sociais, com novas vantagens e inconvenientes.” (FLECHA, 1997, p. 63) “Quando esse igualitário processo generalizar-se, assistiremos a uma significativa melhora artística e social. Artisticamente, a ‘música’ se enriquecerá com novos diálogos e dimensões. Socialmente, criará novas perspectivas para se enfrentar os problemas básicos da população.” (ibid, p. 64) A atividade proporciona um importante exercício de mudança de postura nos/as participantes, principalmente, quando se trata de crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, o que nos deixa sonhar uma sociedade equitativa. 3.2. INTELIGÊNCIA CULTURAL Na atual Sociedade da Informação, há uma forte tendência de desqualificar todos os pensamentos, falas e ideias que não sejam acadêmicos, pois “uma pessoa com formação tão rica e pouco acadêmica, se criava um muro cultural ao diálogo” (FLECHA, 1997, p. 66) Na Tertúlia Musical Dialógica, temos a oportunidade de superar essa ideia de inferioridade, pois de acordo com Flecha (1997), não há um saber melhor que outro, mas sim saberes diferentes: “vários muros sociais de comunicação desapareceram nesse ambiente onde nada é considerado mais culto que nada, tanto se és participante de um curso de alfabetização como estudante de doutorado em Harvard ou professor de universidade.” (FLECHA, 1997, p. 67) Dessa forma, a Tertúlia Musical Dialógica possibilita que os/as participantes transpassem os muros culturais antidialógicos que impedem a comunicação e as pessoas se comunicam de igual para igual, pela força de seus argumentos e não de posições de poder (gênero, classe, etnia, raça, escolaridade, etc.). De acordo com a aprendizagem dialógica, todos e todas têm a capacidade de aprender, de ensinar e de adaptar a sua inteligência de acordo com qualquer espaço. 40 41 Nesta perspectiva, a tertúlia musical dialógica é uma das atividades que desenvolve tal concepção, pois a partir do diálogo entre as vivências, experiências e inteligência de cada participante, diante da escuta de uma obra clássica, percebe-se que todos/as têm a capacidade de ensinar e aprender algo de modo que as expectativas em relação ao outro/a acabam se tornando maiores. Ou seja, como diz Flecha (1997), a pedagogia da explicação tinha que ser substituída pela pedagogia da escuta, onde os escritos, nesse caso, os sons, possam ser ligados às vidas cotidianas das pessoas. Dessa forma desenvolvemos a inteligência cultural, em que as diferentes inteligências das pessoas, por exemplo, a prática ou a acadêmica, misturam-se, invadem-se para superar suas limitações e criar uma nova inteligência, a inteligência cultural, ou seja, uma criação de inteligências na diversidade. Na Tertúlia Musical Dialógica, segundo Flecha (1997), temos a oportunidade de ouvir a música e dizer o que sentimos, o que pensamos, o que lembramos, de manifestar nossa própria visão por meio de argumentos que oferecem à criação de novos significados, pois todas as pessoas têm o direito de falar, de argumentar, de expor suas ideias, com sua própria voz e linguagem. Então, podemos dizer, que, segundo o mesmo autor, a atividade da Tertúlia Musical Dialógica, é uma maneira de superar os mecanismos de poder existentes dentro da sala de aula, no espaço escolar e no sistema escolar, transformando a escola num lugar igualitário e democrático de aprendizagem, onde o diálogo e o consenso coletivo renovam nossa concepção de educação e se almeja a igualdade cultural. Ainda, com base nas reflexões dele, afirmamos que, durante a TMD, o diálogo possibilita processos de ensino e aprendizagem aos participantes, que tem por base as criações coletivas de sentido humano. Flecha (1997) diz que, as vozes não podem ser caladas, as ideias não podem ser desprezadas, as lembranças não podem ser esquecidas, pois somos criadores de sentidos, e essa criação, melhora a convivência da comunicação humana por meio do consenso. Sobre consenso e dissenso, Flecha (1997) afirma ser estes elementos imprescindíveis para que a realização da TMD. È importante que os coletivos se entendam e cheguem num consenso por meio da argumentação igualitária e diálogo. O mesmo autor, ainda discorre, sobre a aprendizagem instrumental e a aprendizagem dialógica e a forma como estas podem caminhar juntas? Sabemos que a aprendizagem instrumental é de extrema importância para a vida das pessoas, sem o instrumental não se vive em sociedade, mas como fazer com que a aprendizagem não se torne bancária? Flecha (1997) afirma que: “a aprendizagem dialógica da tertúlia promove o instrumental. Se plantam questões, sentimentos, opiniões, histórias. Compartilham esses aspectos e aprendem muitas coisas de literatura, história, arte. Para, principalmente 41 42 desenvolverem capacidades como aprender a aprender atitudes como a autoconfiança em suas possibilidades.” (FLECHA, 1997, p. 82) Por isso, o processo de junção da aprendizagem instrumental com a aprendizagem dialógica contribui para a superação dos muros antidialógicos pessoais (porque as pessoas sentem a importância de suas próprias histórias), culturais (porque todos/as são criadores de sentido, suas interpretações são válidas numa relação horizontal) e sociais (porque nem a escola nem os/as docentes buscam o poder). Concluindo, podemos dizer que o princípio da inteligência cultural, na TMD, é necessário para que a aprendizagem emancipadora aconteça. As pessoas utilizam os aprendizados da Tertúlia Musical não só para transformações sociais, mas também para transformar as próprias vidas, derrubando os muros antidialógicos de nossa sociedade. Pensando na Heitor Villa-Lobos que expomos no segundo capítulo deste trabalho, podemos dizer que realmente temos o costume de menosprezar saberes populares, assim como fez Villa-Lobos com os choros que conhecia, e com outros ritmos brasileiros. O contato com essa história e o conhecimento de que a obra de Villa-Lobos foi eternizada só depois que esse maestro introduziu ritmos brasileiros em suas composições, pode auxiliar na superação das ideias de inferioridade da cultura brasileira e da cultura popular. 3.3. TRANSFORMAÇÃO A transformação é outro princípio da aprendizagem dialógica. Com base na leitura do livro de Flecha (1997), percebemos que a Tertúlia Musical Dialógica é uma atividade que age de modo transformador. Por meio das músicas ouvidas, das ideias, dos conhecimentos e das lembranças expostas, as pessoas participantes dialogam na busca do consenso e criação de sentido. Dessa forma, podemos dizer que, a TMD ajuda os/as participantes a desenvolverem uma visão crítica e reflexiva sobre si mesmos/as, sobre os outros/as e sobre a própria sociedade. A partir dessa visão reflexiva, as ações podem ser ampliadas para que a transformação dialógica realmente aconteça e para que as pessoas se tornem, realmente, protagonistas de suas próprias existências. Na sociedade da informação que vivemos, as pessoas geralmente, são consideradas ‘gente – objeto’ e não sujeitos. Para se superar essa ideia, Flecha (1997), afirma que é necessário o diálogo, para gerar uma relação intersubjetiva e com isso formar sujeitos. A relação intersubjetiva, segundo o mesmo autor, é o próprio sujeito e o diálogo que estabelece com os demais; a intersubjetividade dá crédito ao diálogo e rejeita as imposições feitas através da violência, a Tertúlia Musical Dialógica é capaz de criar essa relação subjetiva. 42 43 Segundo Flecha (1997), a transformação pode ocorrer por meio do diálogo, das relações e das trocas igualitárias durante a TMD. Ao ouvir as músicas de Villa-Lobos e compartilhar ideias e sentimentos, estamos exercitando e criando uma visão reflexiva, visão que olha o mundo e nos coloca nele como transformadores. A música, como dito anteriormente, é capaz de ultrapassar o físico, é uma linguagem muito complexa que possibilita uma transformação intensa nas relações entre as pessoas e com o meio social em que vivem. 3.4. DIMENSÃO INSTRUMENTAL Nesse princípio vamos discutir a dimensão instrumental, que diz respeito a forma como os conhecimentos são válidos em nossa sociedade. Por que damos mais valor aos conhecimentos acadêmicos do que aos conhecimentos populares? Novamente batemos de frente com a desigualdade social que nos acompanha desde muito tempo em vários espaços sociais. Um exemplo disso é o próprio Villa-Lobos que, no início de sua carreira, desprezava as músicas populares brasileiras e dava valor às músicas eruditas estrangeiras. Entretanto, no capítulo anterior, vimos que sua vivência e relações em outros espaços fizeram com que sua música passasse por uma transformação grandiosa, marcando, para sempre, seu nome na história da música erudita contemporânea. Segundo Flecha (1997) todos/as têm o que ensinar, porém, a questão que se coloca é de posicionamento político, pois quem ensina, está a favor ou contra algo, ou seja, pode romper com os muros antidialógicos ou desenvolver uma postura dialógica e transformadora e solidária. Trata-se de um constante educar-se sobre as ideologias já naturalizadas na sociedade. Na TMD, “o dilema não está entre a teoria e a prática, mas sim entre a boa ou má teoria, boa ou má prática. As teorias e práticas de má qualidade reforçam a exclusão educativa. As teorias e práticas de boa qualidade superam essa exclusão.” (FLECHA, 1997, p. 105). Diante disso, podemos afirmar que a TMD é uma prática de boa qualidade, pois parte do pressuposto de que todos/as têm o mesmo direito de linguagem, e ação para aprender.. Quando vivenciamos a TMD, temos a oportunidade de valorizar o saber acadêmico e o saber popular,. A diversidade de participantes, o diálogo igualitário, a abertura para a transformação permitem esse privilégio que ambos ‘saberes’ sejam horizontalmente apreciados. O contato com as obras de Heitor Villa-Lobos faz com que os/as participantes da TMD percebam que as obras desse compositor, afetaram a sociedade da época, contestaram contra as injustiças, de alguma maneira. 43 44 Segundo Flecha (1997), quanto mais se avança a sociedade da informação, mais se requer formação acadêmica. Esse requerimento da sociedade ajuda a manter as desigualdades. Na TMD, percebemos que não é necessária formação acadêmica para que seu argumento seja validado. Por isso, a TDM é utilizada para a superação dessa desigualdade de informações. A dimensão cultural das pessoas é construída a partir dos coletivos. 3.5. CRIAÇÃO DE SENTIDO Esse princípio nos ajuda a pensar na própria existência do sujeito no mundo e nas suas relações com as pessoas. Mas, afinal, o que seria criação de sentido? Por que precisamos criar sentido em nossas vidas? Vivemos num mundo que cada dia mais exerce uma ação controladora e manipuladora sobre os sujeitos, levando-os a desumanização. Partindo desses questionamentos, a TMD potencializa os/as participantes desenvolverem a criticidade e a reflexão sobre si, sobre estar no mundo e sobre suas relações com o outro, criando sentido em relação à vida. Dessa forma, o diálogo precisa ser repleto de paixão, para que a intensidade dessa paixão estimule os/as participantes a almejarem a transformação, o diálogo e a criação de sentido. (Flecha, 1997). A TMD é um espaço para conversar e não um espaço para calar, pois a “dinâmica participativa desfaz as estruturas conservadoras sobre quem possui e quem não possui conhecimentos” (ibid., p. 121). Sobre estes questionamentos, e baseando-nos em Flecha (1997) podemos dizer que o medo da transformação é muito grande, porque interiormente sabemos que a diversidade de pessoas, de pensamentos, etc. faz com que a riqueza do diálogo igualitário aumente, gerando criticidade, reflexões e a criação do sentido de estar no mundo, do que é a sociedade, do que é a vida, e é essa criação de sentido que amedontra o ser humano, principalmente, se este for de alta classe social; a acomodação social baseada na relação opressor/a e oprimido/a, na relação hierárquica é muito melhor do que a transformação social, é muito melhor do que a divisão igualitária de riquezas, é muito melhor que igualdade e a solidariedade. As músicas de Heitor Villa-Lobos trabalhadas nas TMD quebram a realidade citada no parágrafo acima, pois partimos do pressuposto de que a música é para todos/as, os sentimentos provocados pela música são sentidos por todos/as e o diálogo igualitário e a criação de sentido sobre o que a música os/as fez sentir é muito bem vindo. É o início de uma jornada contra as negações que os/as oprimidos/as foram forçados/as a viver até hoje e contra a depreciação do saber popular, lembrando que até Villa-Lobos desprezou as músicas populares, entretanto o que garantiu seu sucesso foi quando, após sua ida a Paris, ele começou 44 45 a colocar os ritmos brasileiros em suas músicas garantindo seu sucesso inédito e inevitável. O conhecimento popular ajuda a conceber um artista brasileiro de renome, artista que teve que criar um novo sentido para sua vida e para sua música com base em relações igualitárias com outros/as artistas da época. Trazer esse exemplo aos estudantes possibilita reflexões sobre a importância das relações com a diversidade de pessoas, do diálogo igualitário, e da importância de todas as culturas para a formação pessoal e criação de sentido dos/as participantes. 3.6. SOLIDARIEDADE Neste princípio da aprendizagem dialógica, vamos analisar um pouco a solidariedade e o modo como esse conceito é ainda tão pouco valorizado em nossa sociedade. Vivemos em uma sociedade hierárquica onde o poder e o dinheiro são elementos predominantes que acabam por comandar as relações e, nessa dinâmica nos esquecemos de nossa humanidade e da solidariedade. Segundo Flecha (1997), em todas as sociedades existem as exclusões, muitas vezes por falta de motivação, motivação à leitura, motivação ao estudo, motivação na escuta de músicas clássicas eruditas. Entretanto, o mesmo autor afirma que, mesmo sendo de classes sociais menos favorecidas as pessoas não são incapazes de ensinar e aprender, um espaço que favorece igualitariamente todos/as os/as que participam é a TMD. Podemos afirmar que, depois da motivação que TMD proporciona aos seus participantes, inicia-se um hábito até então não praticado; as pessoas começam a escutar mais músicas clássicas, sentem-se parte da cultura do país a que pertencem, sentem-se sujeitos participantes da história, e essa sensação independe de níveis acadêmicos. Algumas questões que podemos fazer pensando a Tertúlia Musical Dialógica e que Flecha (1997) também faz, são as seguintes: quem decidiu que pessoas das classes populares não podem ouvir música erudita? Quem decidiu que crianças dos primeiros anos do ensino fundamental não têm capacidades interpretativas para refletir e dialogar sobre músicas de Heitor Villa-Lobos? Diante disso, podemos concluir que estamos numa sociedade impositiva, desigual, competitiva e que nos instiga sempre a ter menos expectativas em relações às pessoas de classes subalternas, às crianças, aos idosos/as, aos indígenas, aos negros/as e a todos os grupos oprimidos socialmente. A TMD é uma atividade que pode superar o que foi dito no parágrafo anterior, VillaLobos pode sim ser escutado por crianças, e o diálogo a partir da música desse maestro pode ser mais surpreendente do que imaginamos. Lembramos também, da importância do papel do 45 46 docente enquanto moderador dessa atividade que se coloca como uma pessoa a mais no grupo para aprender, embora não deixe de exercer sua autoridade. Segundo Flecha (1997), desprezamos o saber popular e exaltamos o saber científico, entretanto, com a aprendizagem dialógica essa realidade pode ser alterada por meio de um ato solidário em busca de transformações, “as pessoas do grupo tem uma imensidão de pensamentos sobre si mesmas.” (FLECHA, 1997, p. 140). 3.7. IGUALDADE DAS DIFERENÇAS Neste último princípio da Aprendizagem Dialógica, nos deparamos com algumas perguntas: como lidamos com o ser diferente? O que é ser diferente? O que é ser diferente igualmente? Pensando novamente em nossa sociedade, nos deparamos com imagens do que é ser normal, e vivemos nessa imensidão de normalidade que nos impossibilita de visualizar e positivizar o ser diferente, nem nos comparamos uns aos outros/as, pois tememos a diferença como se fosse algo abominável. Na visão de Flecha (1997), pensando dialogicamente, as diferenças não são vistas como algo negativo, mas como potencialidades das relações, das atividades, etc. A diferença entre as pessoas, pensamentos, ideias é a força da aprendizagem dialógica, só no contato com as diferenças dos/as outros/as podemos aprender e ensinar muito mais do que o esperado, e podemos nos tornar pessoas mais igualitárias, solidárias e transformadoras, não só de nossas vidas, mas também da sociedade. Flecha (1997) ainda afirma que a presença das diferenças na TMD permite que as interpretações das obras (musicais) trabalhadas sejam mais amplas, mais profundas e sempre inéditas, essa é uma das potencialidades desta atividade. A sociedade da informação é extremamente etnocêntrica, o que dificulta nosso olhar para as diferenças, nós mesmos nos negamos a ser diferentes quando na realidade somos diferentes. A televisão, o rádio, os livros, os pôsteres, banners, tudo, tudo à nossa volta, nosso sistema, nossa sociedade, querem nos enquadrar em um padrão de normalidade que não deveria existir, pois as diferenças estão presentes em tudo e em todos/as, o mundo é diferente. O pior é que desejamos nos enquadrar para sermos aceitos/as nos diferentes espaços sociais. Na TMD, a ideia é de que os grupos avancem com valores de igualdade e solidariedade, pensando nas diferenças, ou seja, todos/as temos o direito (igual) de sermos diferentes. Flecha (1997) vai além das TMDs, e aponta que existe um relativismo muito grande na educação (e no mundo), ou seja, a cultura universal não está nos currículos, não está na 46 47 escola; aprendemos somente parte do que é o ‘mundo’, exclui-se as diferentes culturas, os diferentes jeitos de ser, de se pintar, de músicas, pois o diferente não é positivo, o que é positivo é ser igual, é a cultura etnocêntrica, mas já nos perguntamos: será que tudo é igual? Sufocamos nas imposições sociais e nem percebemos o quanto as diferenças potencializam nossas vidas e fazem parte delas o tempo todo. A TMD valoriza imensamente as diferenças e a igualdade entre elas, isto é, o direito que todos/as têm de serem diferentes. Pensando além, voltemos ao capítulo dois deste trabalho em que um dos fatos conclusivos é de que a música de Villa-Lobos se torna clássica, incomparável e inédita a partir do momento em que ele faz a junção de diferentes ritmos, brasileiros e estrangeiros, para fazer suas composições, melhor dizendo, suas obras de arte. Até na música de Villa-Lobos vemos que “as diferenças fazem toda a diferença”, pensemos, reflitamos e transformemos a nós e ao mundo. Partindo dessas reflexões, seguimos para a última parte desse trabalho para traçarmos um pouco das impressões, positividades e obstáculos que tivemos durante a escrita do mesmo. 47 48 Considerações Finais ............................................................................. Sim! As Desigualdades podem ser Superadas ao Soar de uma Nota Neste último tópico do nosso trabalho, apresentamos algumas das conclusões, dos posicionamentos, das reflexões e os novos questionamentos sobre a questão norteadora do presente trabalho: Como a Tertúlia Musical Dialógica pode ser desenvolvida a partir de alguns clássicos orquestrais de Heitor Villa-Lobos, nos primeiros anos do ensino fundamental? No primeiro capítulo, expomos as bases teóricas que orientaram este trabalho, explicamos o conceito da aprendizagem dialógica e seus princípios, e explicamos, também, a metodologia da Tertúlia Musical Dialógica. No segundo capítulo, falamos sobre a vida e algumas obras de Heitor Villa-Lobos, e de sua importância para a música erudita brasileira. Falamos das transformações em suas composições e da importância de suas obras no contexto social da música. No terceiro capítulo, entrelaçamos os princípios da aprendizagem dialógica com a vida e composições de Heitor Villa-Lobos e, a partir disso, percebemos as potencialidades que a Tertúlia Musical Dialógica traz para todos/as os/as participantes, as transformações das relações e de posturas no mundo, auxilia na auto-confiança, e auxilia nas superações das mazelas sociais que vivemos. A Tertúlia Musical Dialógica é uma atividade extremamente rica e potente para superar as desigualdades sociais, assim como falamos durante todo o trabalho. A partir dos princípios da Aprendizagem Dialógica, a atividade é capaz de transformar positivamente, solidariamente todos/as que dela participam. É uma atividade solidária, transformadora e dialógica. É capaz de auxiliar nas reflexões e criações de sentido das vidas dos/as participantes, formando cidadãos/ãs críticos, sujeitos transformadores no mundo. A TMD nos ajuda a refazer conceitos e também a fazer com que nossas expectativas em relação à capacidade do/ outro/a e à capacidade de melhoria social se renovem, se ampliem. E, nesse sentido, a Tertúlia Musical Dialógica e seus princípios ajudam a concretizar esse sonho de sociedade igualitária e solidária. A música de Heitor Villa-Lobos é utilizada na TMD para promover o diálogo e as diferentes interpretações, sensações, sentimentos, etc. diante uma escuta mais reflexiva que 48 49 habitualmente não estamos acostumados a praticar. A atividade permite que os/as participantes se abrem para expor o que pensam das músicas, para dialogar as ideias, falas e conhecimento. Esse compartilhamento é igualitário, é solidário e traz transformações que superam todas as nossas expectativas. A música transpassa nossos corpos, chega aos sentimentos e nos comove, e nos faz sentir o que ela nos quer transmitir, esse poder de “ir além de” é intrínseco da música. Além disso, os sentimentos provocados por ela é o que todos os seres humanos sentem, dessa maneira supera-se a ideia de que uma pessoa é melhor que a outra por causa de classe social, raça, aparência física, mas sim somos todos/as iguais em nossas diferenças. Há sim, várias dificuldades que existem na realização da TMD, por exemplo, trabalhar com os princípios da aprendizagem dialógica e vivenciá-los. A nosso ver esse é um desafio de educar-se constante, é nadar contra a correnteza da sociedade desigual da informação, é nadar contra a imposição da normalidade, é nadar contra as más políticas e materiais educacionais, é nada contra preconceitos, contra a hierarquia social. Contudo, ao nos posicionarmos/nadarmos contra as desigualdades sociais, estamos transformando, de maneira dialógica, o nosso estar no mundo, o mundo e o futuro de todos/as, pois não somos seres isolados, somos seres que vivem com o/a outro/a, em constante relação. Uma música, quando bem ouvida, bem dialogada é capaz de transformar todos/as e fazer com que a transformação vá além da Tertúlia Musical Dialógica, é capaz de fazer com que o seu som supere tudo aquilo que não contribui para uma vivência justa de todos/as, que não contribui para uma vida igualitária, humana e solidária. 49 50 Referências Bibliográficas ............................................................................. ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro de nossa música popular de sua origem até hoje. Rio de Janeiro. Ediouro, 2003. FLECHA, Ramón. Compartiendo Palabras. El aprendizaje de las personas adultas a través del diálogo. Paidós, 1997. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra, 2005. GABASSA, Vanessa. Comunidades de Aprendizagem: A Construção da Dialogicidade na sala de aula. Tese (Doutorado em Educação) – Centro de Educação e Ciências Humanas. Universidade Federal de São Carlos, 2009 GIROTTO, Vanessa Cristina. 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Processos Educativos e Memórias de Mulheres em Processo de Envelhecimento que vivem em um abrigo e participam de uma Tertúlia Musical Dialógica. Dissertação (Mestre em Educação) – Centro de Educação e Ciências Humanas. Universidade Federal de São Carlos, 2008 Consulta ao site http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Manuel_da_Silva, site visitado em 27 de Novembro de 2011. Consulta ao site http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_de_M%C3%BAsica_da_Universidade_Federal_do_Rio_d e_Janeiro, site visitado em 27 de Novembro de 2011. Consulta do site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Leopoldo_Miguez, site visitado em 27 de Novembro de 2011. Consulta ao site http://pt.wikipedia.org/wiki/Richard_Wagner, site visitado em 27 de Novembro de 2011. Consulta ao site http://pt.wikipedia.org/wiki/Camille_Saint-Sa%C3%ABns, site visitado em 27 de Novembro de 2011. Consulta ao site http://www.cultura.gov.br/site/2009/03/05/museu-villa-lobos-2/, site visitado em 27 de Novembro de 2011. 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