Reformas adiadas, administração pública saturada, cidadania limitada

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Reformas adiadas, administração pública saturada, cidadania limitada
1 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br ARTIGO
Reformas adiadas, administração
pública saturada, cidadania limitada
Por João Paulo M. Peixoto * “Define-se a República como um governo de leis, e não de homens.”
John Adams, Novanglus No. 7, 1775
Introdução
A história do Brasil é a história do estatismo e da cultura estatal ou ainda,
a da prevalência da centralização sobre a descentralização.
O que vigorou secularmente, ora mais ora menos, foi a mentalidade
cartorial, estatizante e centralizadora. Aqui, verifica-se historicamente, em parte
por esta herança cultural e política, uma tendência de distanciamento do Estado
em relação à sociedade.
Desde o início da era Vargas em 1930, que a presidência tem exercido
um papel central no governo da república, mesmo nos períodos democráticos.
Seja pela excessiva centralização de poderes no ocupante do cargo máximo do
Executivo, seja pelo estilo político do Presidente. Ademais, o nosso federalismo
desequilibrado contribui em muito para o aumento desta centralização.
A questão burocrática
Robert Daland, em 1969, compartilhou a mesma análise dos especialistas
brasileiros envolvidos na tarefa de reformar a administração pública quando
afirmou que “a burocracia brasileira é a maior, mais constante, mais estável, mais
cara e complexa instituição a ser identificada no Brasil”. Contaminada por este
2 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br sentimento, a reforma administrativa de 1967, liderada por Hélio Beltrão
[Decreto-lei 200], tinha como objetivo muito mais do que simples mudanças nos
organogramas, também ensejar uma lenta e duradoura mudança de mentalidade.
A reforma continha muito mais do que novos mecanismos administrativos,
havendo sido embasada em fortes princípios políticos e filosóficos. Para Beltrão,
dependia da “corajosa adoção de importantes opções de natureza política e
filosófica”, consistindo aquela na firme decisão de encará-la como assunto
prioritário, e esta na coragem de romper “com uma série de hábitos, preconceitos,
rotinas e vícios consolidados”, introduzindo-se na administração alguns
princípios simples, praticados na vida particular. Entre eles, contava-se a
presunção de confiança (confiar nas pessoas e no seu critério de julgamento); a
presunção da veracidade (acreditar que as pessoas dizem a verdade); o desapego
ao feiticismo do documento (acreditar mais nas pessoas do que nos documentos);
a decisão de pagar um preço pela simplificação e pelo dinamismo, eliminando-se
custosos contrastes. Ideias que ele resumia dizendo que “quem decide tem direito
a certa margem de erro; é melhor correr os riscos da descentralização do que os
da estagnação”. Para Beltrão, tratava-se da reforma das reformas.
Ressalte-se que o esforço de mudança e modernização do aparato do
Estado foi seguido por outros governos, independentemente do regime político,
como já havia acontecido no período pré-64.
Ainda como parte da mobilização reformista contida no Decreto-lei 200,
e posteriormente prosseguida pelo Programa Nacional de Desburocratização,
vários esforços foram envidados no sentido de racionalizar e modernizar a
Administração Pública Federal.
Heitor Chagas de Oliveira, ex-secretário da SEPLAN/SEMOR, via este
Programa como uma maneira de retirar dos dispositivos legais o excesso de
formalismo caracterizado pelos ranços arcaicos, oriundos do direito português,
3 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br especialmente contidos nas ordenações manuelinas, filipinas e noutros
documentos da época colonial.
Havia chegado a época, enfim, da “descolonização” das leis brasileiras.
As Reformas e a ampliação da cidadania
Paralelamente a estas reformas, os temas da desburocratização e da
simplificação burocrática têm aparecido intermitentemente. Nenhum outro
governo brasileiro ou programa, no entanto, enfrentou e avançou tanto neste setor
como aquele que completa quase 4 décadas este ano. E nunca também dele se
sentiu tanta falta. Passados tantos anos, muitas de suas conquistas se perderam
em detrimento do exercício da cidadania pelo cidadão comum, bem como pelas
pequenas empresas. Por aqueles que mais precisam dos serviços públicos, e que,
paradoxalmente menos condições financeiras dispõe para driblar suas exigências,
muitas vezes kafkianas.
Lembra o seu formulador que “O Programa de Desburocratização
representou a extensão da abertura política ao cotidiano do homem comum, para
protegê-lo dos abusos da burocracia, garantindo o respeito à sua dignidade e aos
seus direitos, diariamente negado nas humilhações das filas, na tortura das longas
esperas, na indiferença e na frieza dos balcões e dos guichês”. Aliás, uma triste
realidade dos serviços públicos que ainda persiste no Brasil do século XXI.
Ao contrário do que se possa deduzir, a principal dimensão do Programa
não era administrativa, voltada para a racionalização ou reorganização da
Administração Federal. O programa se constituía numa proposta eminentemente
política que visava alterar a própria estrutura de poder. Pretendia facilitar a vida
das pessoas e reduzir a interferência excessiva do Estado no campo social e
econômico, descentralizar decisões, conter o exagero regulatório [tão presente
hoje em dia], eliminar controles ineficazes [idem] e, flexibilizar a administração
4 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br pública pela introdução de mecanismos largamente utilizados nas empresas,
porém adaptados aos requisitos de gestão inerentes ao exercício da função
pública. Ou seja, instaurar o bom senso e a simplicidade nas práticas
governamentais e na relação entre Estado e sociedade. Tão apregoado nas
reformas subsequentes, mas pouco praticado. Adjacentemente propugnava
combater a herança maldita do centralismo burocrático que enfraquece a
Federação e incentiva o clientelismo político.
Nenhuma delas, ou mesmo os atuais programas lograram devolver ao
cidadão sua plena cidadania representada pelo regular acesso a serviços públicos
eficientes.
Embora
melhorias
tenham
sido
conseguidas
no
seio
intragovernamental relativamente à eficiência, vale dizer.
Mas a burocracia excessiva e irracional continua a asfixiar o cidadão.
Vítima entre outras coisas do novo autoritarismo incrustado nos regulamentos e
normas impostas pelo governo central em várias ocasiões em diferentes setores.
Atingindo cidadãos, empresas e outras entidades da sociedade.
Entenda-se que a solução definitiva para estes problemas não é
simplesmente administrativa – via “choque de gestão” - e sim política. Exige
mudanças legais, e até mesmo constitucionais, inalcançáveis pelas terapias
organizacionais.
Obviamente o modelo republicano não admite que a relação entre
governo, administração pública e sociedade guarde a menor semelhança com
relação àquela vigente entre nobres e súditos, como muitas vezes parece sugerir o
panorama atual focado na centralização, no intervencionismo e no formalismo
burocratizante.
Democracia, descentralização, liberdade e cidadania são ingredientes
básicos para avanços no processo civilizatório. Pouco adiantando uns sem os
outros.
5 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br A questão política
O Brasil vive um verdadeiro descompasso entre práticas políticas e
ascensão econômica. Em parte devido a um processo intermitente de
modernização que deveria dar-se em bases evolucionárias como tema de Estado e
não de governos.
Empresários, cidadãos usuários dos serviços públicos, gestores públicos,
políticos e dirigentes privados sérios, não hesitam em apelar por mudanças no
aparato estatal, e particularmente na legislação engessante que vigora na
administração pública. Fazendo prevalecer o formalismo em detrimento da
racionalidade e do bom senso.
Clientelismo, Corporativismo e Conflito de Interesses se constituem em
manifestações explícitas que, até hoje, insistem em negligenciar o ensinamento
republicano de Sergio Buarque de Holanda lançado há várias décadas.
Este quadro faz crer que, decididamente, o Brasil não tem instituições
públicas à altura do desenvolvimento econômico que tem alcançado. O que faz
com que o país conviva com uma assimetria que aponta para uma prática
política, e para instituições com “cara e forma de terceiro mundo” já visivelmente
incompatíveis com o atual nível de desenvolvimento econômico do País.
Nos demais níveis de governo a situação não é diferente. Some-se a este
quadro o comportamento impróprio dos agentes públicos; o excessivo grau
litigante vigente na sociedade, que impede entre outras razões intrínsicas ao
poder judiciário, a agilidade nos julgamentos; e tem-se como resultado um
quadro de baixa credibilidade nas instituições governamentais, nos políticos e na
administração pública.
O governo Lula e as reformas: um hiato
6 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br No centro das disputas políticas que hoje se desenrolam em muitos
países, embora com menos ênfase do que nos anos 1990 do século passado,
encontra-se a necessidade de se determinar as responsabilidades do Estado e os
limites à sua atuação. A abrangência dos serviços que o Estado deve prover é
uma questão política e econômica que permeia o debate em torno das reformas.
A administração do presidente Lula, no entanto, interrompeu a agenda
reformista do governo de seu antecessor [FHC], vindo a caracterizar-se como um
governo de programas e não de reformas.
Há, porém, outro elo perdido neste esforço desenvolvimentista e
reformista que precisa ser corrigido urgentemente. Refiro-me à disparidade
verificada entre o nível da arrecadação tributária, versus a qualidade dos serviços
públicos à disposição dos cidadãos, particularmente nos setores onde o governo
tem uma responsabilidade ímpar: Saúde, Educação e Segurança Pública.
Certamente
os
administradores
públicos
vão
alegar
melhorias
substantivas nos processos administrativos intragovernamentais. Mas adianta
pouco, se esta modernização não se reverter em melhorias para o atendimento ao
cidadão nos hospitais, nas escolas e nas ruas.
Fica então a idéia para a elaboração de uma espécie de Lei de
Responsabilidade Burocrática ou Cidadã, que reforçasse, regulamentasse e
garantisse que os funcionários governamentais, em seus diversos níveis e nos três
poderes, se comprometessem permanentemente com a desburocratização, a
despolitização de suas ações, posicionando o interesse público acima do interesse
partidário, com o cidadão e não com as corporações. Enfim, que valorizassem as
suas próprias carreiras e a sua reputação, via reconhecimento de sua importância
e imprescindibilidade por toda a sociedade.
As Reformas como problema e solução
7 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br As nossas elites acadêmicas e profissionais estão aptas a discutir no
plano internacional os temas científicos mais importantes e atuais. Tanto nos
melhores centros acadêmicos do mundo, como nos mais importantes congressos
internacionais.
A cultura brasileira encanta o mundo seja pela música, pelo artesanato,
pela culinária variada e rica, pela arquitetura barroca e moderna, pelo folclore.
Sem deixar de mencionar um verdadeiro orgulho nacional: o melhor futebol do
mundo.
As belezas naturais expostas em nossas praias, no Pantanal, na floresta
amazônica, nas chapadas do nordeste e do centro-oeste e nas cataratas da Foz do
Iguaçu encantam a todos os que visitam o País.
Qual
o
problema
então,
a
desafiar
a
aceleração
do
nosso
desenvolvimento político? A realização da cidadania pelos brasileiros? A
diminuição das desigualdades econômicas e sociais? A prestação de serviços
públicos decentes para toda a sociedade? A eficiência das instituições
governamentais? Quais são os nós?
Uma pista foi dada ainda em 1932, quando num discurso na Esplanada
do Castelo no Rio de Janeiro, o presidente Getúlio Vargas proclamava: “o
problema do Brasil é um problema de administração”.
Certamente, ainda hoje, o diagnóstico getulista continua a valer. Cabe
chamar a atenção, no entanto, para um aspecto crucial – evidentemente sem
negligenciar as demais propostas – mas que permeia, a meu juízo, todas as
soluções porventura apresentadas para a superação das nossas dificuldades: a
construção de modernas, racionais e eficientes instituições públicas. Capazes de
prestar serviços públicos de iguais características. Senão vejamos:
Porque edifícios governamentais em Brasília funcionam há anos sem o
“Habite-se”. Qual a razão de um curto-circuito de fácil previsão, num aparelho
8 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br de ar-condicionado ter causado um incêndio que destruiu vários andares de uma
repartição pública, sem que os encarregados da vigilância nada pudessem fazer
para detê-lo, pois os equipamentos de prevenção não funcionaram. E os
bombeiros, por sua vez, só puderam entrar em ação longos minutos depois de
chegarem ao local da tragédia, em razão de não haver água no local. Quantas
vidas humanas teriam sido perdidas por esta razão, caso o sinistro tivesse
ocorrido durante o horário de expediente.
Porque os bombeiros de Maceió tiveram que usar mangueiras furadas –
remendadas no local - para debelar incêndio no mercado de artesanatos
localizado no point turístico mais importante da cidade.
Porque uma jovem estudante universitária, acidentada durante um
experimento de laboratório, levou uma hora e meia para ser socorrida, uma vez
que a pia do laboratório era inadequada e no banheiro do prédio não havia água
para que pudesse rapidamente limpar e retirar o ácido sulfúrico nela derramado.
Porque dois policiais civis do Rio de Janeiro morreram durante um
translado de sete presos, em direção ao Tribunal, vítimas da ação de bandidos em
maior número e mais bem armados. Na verdade, segundo reconheceram as
próprias autoridades policiais, a escolta dos presos foi realizada em desacordo
com as técnicas policiais para este tipo de operação.
Porque o chamado apagão aéreo, crise prolongada da aviação brasileira
que atormentou os passageiros durante meses, assim como todos os setores da
indústria aeronáutica perdurou por vários meses, sem que o governo conseguisse
ao menos explicá-lo convincentemente para não falar em solucioná-lo
rapidamente.
Devido a que uma ponte monumental construída há apenas 8 anos em
Brasília, a um custo altíssimo teve que ser parcialmente interditada, entre outras
razões pela falta de manutenção durante todo este período.
Porque uma Biblioteca pública na capital do País, inaugurada
recentemente, já apresenta problemas de infiltração, piso descolado e outras
imperfeições. Resultando em uso pelo público de forma limitada e precária, e
9 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br ainda sem que seu acervo possa ser plenamente disponibilizados, em virtude de
não ter sido ainda instalado o devido sistema de proteção.
Todos estes lamentáveis episódios ocorridos de alguns anos para cá
evidenciam mais uma vez casos variados de inoperância e ineficiência da
administração pública brasileira. Desta vez ao nível micro, ou seja, de gestão das
atividades rotineiras de qualquer organização.
Vão surgir, certamente, diferentes explicações, inquéritos e sindicâncias
para tentar explicar as falhas ocorridas. Mas nenhuma delas vai esconder a
visível deterioração das instituições públicas, causada em parte pela
partidarização da administração pública em diferentes níveis.
Parte da resposta para estes problemas de gestão, no entanto, está na
precariedade do funcionamento das organizações públicas. No modo e natureza
de operarem. Na forma como se organizam e funcionam. Às leis, regras, rotinas,
métodos e procedimentos as quais os seus funcionários estão submetidos. Aos
hipercontroles aos quais estão adstritas.
Não se trata mais, e apenas, de questionar-se este aparato no seu nível
macro. Ou seja, a eficiência dos sistemas educacionais, de saúde e de segurança
pública. Estes já estão com seus males expostos diariamente. Até pela média
nacional de salários incompatíveis com sua relevância estratégica para o
desenvolvimento.
O problema brasileiro não é de incompetência intelectual, mas sim de
competência organizacional; de eficiência gerencial. Também, racionalmente,
não é o caso de lançar toda culpa nos ajustes fiscais. Em regra, as instituições
públicas operam precariamente e em níveis incompatíveis com os recursos de
que dispõem. Sejam estes abundantes ou não. E sim, na conta de um arcabouço
legal complexo, intricado e paralisante. Um sistema que privilegia o formalismo
em detrimento até mesmo do bom senso.
Uma conduta que favorece o erro de descartar a laranja, ao invés apenas,
do gomo podre. Que continua a privilegiar o controle pelo controle em
detrimento da eficiência e da racionalidade. Que insiste em legislar
10 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br uniformemente para um Brasil gigante, regional e culturalmente diversificado.
Num flagrante desrespeito ao princípio federativo.
De lá para cá, apesar dos progressos feitos a partir da aplicação do
modelo racional-burocrático e da introdução da meritocracia no serviço público
pelo presidente Vargas, via criação do Departamento Administrativo do Serviço
Público – DASP, os problemas de eficiência na administração pública
continuam.
Também não cola mais julgar a culpa exclusivamente na herança
colonial portuguesa, eivada, sem dúvida, de formalismos, cartorialismos e outros
ismos. Afinal já se passam quase 200 anos de nossa independência. Será que em
quase dois séculos não fomos capazes de criar nossas instituições modernas e
funcionais, livres dos eventuais vícios herdados do colonialismo português?
A solução destes problemas começa pela implementação de uma agenda
de reformas institucionais que incluam não somente mudança de modelos, mas
sejam seguidas de novos métodos e processos que viabilizem seu adequado
funcionamento. Pouco adianta tentar dar mais eficiência a modelos e sistemas
ultrapassados.
Não se trata mais de introduzir na administração pública brasileira novos
modismos administrativos. Mas sim de implementar medidas que funcionem não
apenas em relatórios de consultorias, livros e artigos acadêmicos ou
profissionais, mas que venham em benefício da prestação do serviço público de
qualidade. Aspiração e direito de todo cidadão.
Várias de nossas principais instituições públicas, no entanto, estão no
vermelho se comparadas com suas congêneres do mundo desenvolvido, ou
mesmo com outras em alguns países de porte semelhante ao nosso. Seja o
confronto feito ao nível macro (modelos, processos) ou micro (funcionamento,
eficiência).
Na base de nossos problemas, mormente na prestação do serviço público,
está o inadequado funcionamento dos aparatos estatais nos diversos níveis de
governo. Sem ultrapassarmos esta problemática, não estaremos aptos ao ingresso
11 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br no rol dos países desenvolvidos. Não permitiremos que os cidadãos brasileiros
usufruam a cidadania a que tem direito pela nossa Constituição.
Enfim, é justo clamar por um programa de reformas institucionais em
níveis micro e macro. Garantindo, simultaneamente, a implementação e o
monitoramento contínuo dos novos procedimentos. Sem ele, o desenvolvimento
não virá, por mais que aumentemos o PIB. Sem ele o republicanismo continuará
sendo um objeto de desejo irrealizado. Não se trata, afinal, de implementar mais
uma reforma e sim fazer a reforma das reformas.
Este pode ser um gigantesco, porém belo desafio que continua a
questionar sucessivos governos. Para realizá-lo é fundamental reunir vontade
política, liderança e políticas públicas objetivas. Outras nações já as fizeram
[reformas] em momentos diferentes de suas histórias. O Brasil está pagando o
preço do seu atraso institucional, verificados em vários níveis, e nos três poderes
da República. Os visíveis ônus políticos advindos desta situação atingem o
prestígio dos governantes, dos parlamentares e dos membros do judiciário, para
não mencionar o crescente descrédito das próprias instituições. Ruim para a
democracia, péssimo para a cidadania.
O aparato estatal hoje: algumas considerações
Questiona-se o número excessivo de ministérios e secretarias com igual
status (37); a quantidade de cargos de livre provimento no executivo federal
(aproximadamente 22.000). Igualmente questiona-se a redundância de controles
e avaliação de políticas, bem como o gigantismo de alguns órgãos de controle;
também a invasão de competências que sugerem colocar os gestores públicos e
governantes como meros títeres de órgãos de controle externos, que por outro
lado, parecem querer transformá-los em seus seguidores, numa clara
extrapolação de suas atribuições; quando não induzi-los a se comportarem como
simples aplicadores da legislação vigente no âmbito da administração pública. O
12 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br que pode caracterizar um retrocesso à época em que a administração pública era
vista como seara exclusiva dos bacharéis e do bacharelismo.
Ademais, e em nome da eficiência, cabe desejar que se aplique a clássica
distinção entre política e Administração Pública defendida por Woodrow Wilson
no início do século passado; igualmente reclame-se da falta de uma política
salarial que diminua o gap salarial entre os poderes (e mesmo entre carreiras do
executivo) e a iniciativa privada; e mais ainda, que se questione a justiça do valor
atribuído aos salários de policiais, professores e outras categorias de servidores
públicos estaduais e municipais. E mesmo de algumas categorias do executivo
federal, visivelmente desfavorecidas no quesito remuneratório se comparadas
com outras de responsabilidades semelhantes.
O Brasil precisa acertar o passo com a modernidade. É o momento, pois
para que os governantes enfrentem os problemas e não os posterguem para as
próximas gerações.
Que se republicanize a república. Que se federalize a federação. A
começar por reinstitucionalizar o Estado no sentido de que possa e deva servir a
todos os brasileiros, independente de sua classe social. Que os serviços públicos
prestados pelo Estado, monopolísticos ou não, atendam a todos como prega a
Constituição, e assim exige a ideia republicana. Sob pena de continuarmos a
construir uma nação dividida, excludente e desigual. Uma nação onde o Estado
atende a uns e o mercado a outros. Que se deixem as atividades empresariais para
os empresários, para que o Estado possa viabilizar o sonho coletivo. Que se
arrecadem menos impostos e ofereça-se melhor gestão e mais cidadania.
Traduzida em uma administração pública enxuta e eficiente. Principalmente
voltada para implementar aquelas tarefas onde o Estado é insubstituível.
Para isso não é preciso ficar “reinventando a roda”. Os exemplos bem
sucedidos tanto no sistema político como na administração pública estão à vista
para serem seguidos, uma vez adaptados à realidade brasileira.
13 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br Por uma agenda de reformas que ‘destrave’ o Brasil e o coloque no
mesmo compasso do mundo desenvolvido.
Reforma previdenciária orientada para: regular os benefícios recebidos
pelos servidores civis aposentados; 2) combater a fraude e a corrupção e reduzir
pagamentos de benefícios duvidosos; 3) melhorar a inspeção destinada a inibir a
evasão tributária e a informalidade no mercado de trabalho, aumentando a base
de contribuintes.
Reforma administrativa destinada a: 1) diminuir os custos da
burocracia tanto para os cidadãos comuns como para os empresários(1) ; 2)
reduzir o tamanho do Estado, incluindo a extinção de vários ministérios; 3)
intensificar a profissionalização dos servidores públicos; 4) aperfeiçoar os
métodos de gestão para eliminar o desperdício de recursos no setor público.
Reforma Judiciária, almejando a celeridade no processo judiciário, com
o intuito de reduzir custos e, ao mesmo tempo, aumentar a confiança da
sociedade nas instituições do poder judiciário. Medidas destinadas à criação de
mais varas especializadas, reformas dos códigos e simplificação dos processos,
tornarão a justiça mais eficiente e, portanto, mais confiável para o cidadão.
Ademais, cortes e leis mais efetivas darão mais estabilidade legal e segurança aos
investimentos. Obviamente, a democracia, a república e a cidadania serão
grandemente beneficiadas pela redução ou eliminação dos estereótipos negativos
a respeito deste poder.
Reformas Fiscal e Tributária, visando: 1) reduzir os gastos públicos
pelo uso mais eficiente dos recursos, e, consequentemente aumentar os
investimentos públicos em infraestrutura; 2) diminuir o nível de receitas
vinculadas no orçamento federal; 3) tornar mais eficiente a máquina
arrecadatória, e simplificar os processos; 4) reduzir o número de taxas indiretas e
14 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br unificar a legislação de cobrança do Imposto de Circulação de Mercadorias –
ICMS em vigor nos diferentes estados.
(Reformas Trabalhista e Sindical dedicadas a: reduzir o número de
sindicatos; introduzir a negociação direta entre empresas e sindicatos por meio
dos contratos coletivos de trabalho, diminuindo o nível de intervenção das Cortes
Trabalhistas nestes litígios; 2) e, também para aliviar parte da incidência de taxas
sobre as folhas de pagamento, que quase duplica o custo legal dos empregados. 1
É preciso salientar que muitas das leis que regulam as relações trabalhistas foram
criadas há quase 70 anos, durante a era Vargas.
Reforma Política destinada a aperfeiçoar o sistema político brasileiro.
Abordando entre outros pontos: 1) o financiamento de campanhas; 2)
financiamento eleitoral e partidário; 3) o sistema eleitoral; 4) o sistema
partidário; 5) cláusula de desempenho 6) voto facultativo; 7) coligação na eleição
proporcional; 8) reeleição; suplente de Senador e candidatura avulsa.
Reforma da Segurança Pública orientada para: 1) mudanças no aparato
policial em suas diferentes dimensões; 2) garantir a aplicabilidade da lei (law
enforcement); 3) implementar a reforma dos sistemas penitenciário e carcerário;
4) rever a legislação penal e os estatutos disciplinares.
NOTA
1
De acordo com os relatórios do Banco Mundial sobre burocracia em
diferentes países, o Brasil aparece muito mal colocado. Por exemplo: Entre 145
nações, é o 144 em termos de qualidade da legislação trabalhista; ocupa o 115º.
lugar para obter licenças em geral; e o 98º. em requerimentos burocráticos para a
abertura de novas firmas. Não por coincidência, os países desenvolvidos buscam
1
Em parte por causa desta legislação ultrapassada quase metade da força de trabalho está fora do sistema legal. Encontra-­‐‑se trabalhando na informalidade sem acesso aos benefícios sociais. 15 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br permanentemente novas medidas para atrair os investidores. Estes países, por sua
vez, são campeões em simplificação burocrática. Também não é por acaso que os
países mais ricos do mundo – EUA, Japão, China, Canadá, Noruega, Dinamarca
Suíça, Noruega, Dinamarca, Grã-Bretanha e Singapura, são também os mais
simples para realizar negócios. Por outro lado, geralmente é muito mais difícil
abrir ou fechar novas empresas nos países pobres do que nos países ricos. No
Brasil, para abrir um novo negócio é preciso atender 17 diferentes requerimentos
e obrigações, o que levará em média 152 dias. Nos Estados Unidos, somente são
necessários cinco requerimentos que podem ser atendidos igualmente em cinco
dias. Por exemplo, nada justifica que a liberação de exportações demore 13,7 dias
no Brasil, contra 8,1 na China e 7,1 na Índia.
João Paulo M. Peixoto
Professor
de
Ciência
Política
e
Administração Pública da Universidade de
Brasília, é professor associado internacional
do VILLA Victoria University of Wellington,
New Zealand. Seu livro mais recente (Org.) é
“Governando o Governo: modernização da administração pública no Brasil”. ExAssessor Parlamentar dos Ministérios da Fazenda e Educação no Brasil, também
serviu como servidor público internacional das Nações Unidas (DESA) junto ao
Governo de Angola, e como consultor do Banco Mundial para assuntos de
reforma do setor público. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e
Georgetown (EUA) e bolsista do Woodrow Wilson Center (Brazil Programe).
16 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano III – n. 12 – abril / junho, 2011 – www.flc.org.br Fonte
Revista LIBERDADE e CIDADANIA
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