Professor Cândido Rangel Dinamarco Fonte: http://xoomer.virgilio.it
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Professor Cândido Rangel Dinamarco Fonte: http://xoomer.virgilio.it/direitousp/curso/dina44.htm Em: 12/01/2011 ۩. Conceito e justificação sistemática Reconvenção é a demanda de tutela jurisdicional proposta pelo réu em face do autor, no processo pendente entre ambos e fora dos limites da demanda inicial. Com ela, o réu introduz no processo uma nova pretensão, a ser julgada em conjunto com a do autor. Menos tecnicamente, diz-se também que ela seria uma ação dentro da ação; e realmente a reconvenção é ato de exercício do direito de demandar, dentro do mesmo processo em que o autor vem exercendo o seu próprio. Ela e a demanda inicial reúnem-se em um processo só, cujo objeto se alarga em virtude do pedido do réu, sem que se forme um novo processo. No processo com reconvenção ocorre um dos possíveis casos de objeto do processo composto, em que duas pretensões se põem perante o juiz para que ele se pronuncie afinal sobre ambas, concedendo ou não a tutela jurisdicional pedida pelo autor e concedendo ou não a pedida pelo réu que reconveio. A estrutura complexa do objeto não compromete a unidade do processo, o qual prossegue sendo um só, ampliado quanto ao objeto. Eis, em síntese, os elementos da definição: a) nova demanda, proposta pelo réu; b) objeto distinto do objeto da demanda do autor; c) conseqüente alargamento do objeto do processo; c) unidade do processo e não processo novo. A reconvenção é uma das técnicas com que o legislador procura otimizar a eficiência do processo como instrumento para a tutela jurisdicional - porque, em vez de preparar e produzir uma só tutela, esse processo se dispõe a produzir duas, com maior proveito útil. Nada impede o réu de propor sua demanda em separado, dando então origem a um novo processo, mas pela via da reconvenção ele o faz de modo mais econômico, evitando a duplicação de atos instrutórios; mais rápido, porque não lhe serão impostas as demoras do segundo processo; e mais seguro, evitando o risco de decisões conflitantes porque, à luz de uma só instrução, as duas demandas serão julgadas em uma sentença só (art. 318). A reconvenção e um instituto que em si mesmo constitui repúdio à perniciosa idéia do processo civil do autor, que é a postura metodológica consistente em direcionar todo o processo e realizar todos os seus atos com vista à satisfação deste - como se o autor tivesse sempre razão e suas razões de pressa ou urgência fossem sempre mais dignas que as do réu. Ela impõe àquele uma espera um pouco maior e pode criar embaraços à sua pretensão, mas isso é feito em nome da maior eficiência da Justiça e da dignidade do sistema processual. A reconvenção potencia o resultado social de pacificação a ser obtido mediante o processo, o que é seguro fator de sua legitimidade entre as instituições do processo civil de resultados. ۩. A reconvenção como resposta e como demanda A reconvenção e uma das possíveis respostas do réu à demanda inicial e como tal arrolada no art. 297 do Código de Processo Civil. Seu conteúdo e finalidade são os de uma demanda de provimento jurisdicional, cuja apresentação em juízo repercute depois no conteúdo da sentença de mérito a ser proferida, a qual lhe dedicará um capítulo específico e relativamente autônomo em relação ao que decide sobre a demanda do autor. A disciplina e o correto entendimento da reconvenção giram em torno desse binômio que a caracteriza, sendo ela ao mesmo tempo uma resposta e uma demanda. Eis por que, sem conceitos maduramente definidos, a doutrina mais antiga referia-se a ela como uma ação dentro da ação e também a punha em confronto com a demanda inicial, falando de um suposto binômio ação e reconvenção. Ação dentro da ação é um absurdo terminológico, porque um poder de agir não pode estar dentro de outro poder de agir; ela é uma demanda dentro do processo pendente, colocada ao lado de uma outra demanda já proposta antes. Distinguir entre ação e reconvenção é igualmente impróprio porque, tanto quanto a inicial do autor, também a reconvenção é uma ação (ou, mais corretamente, uma demanda). Nem é adequado contrapor a reconvenção à ação principal, porque ela é autônoma e não acessória à inicial. Mas o próprio Código de Processo Civil incorre nessas imprecisões, tolhido por maus costumes verbais que prejudicam o bom entendimento do instituto (arts. 315, 317 e 318). Como resposta, a reconvenção é uma das possíveis reações do réu ao estímulo externo consistente na propositura da demanda inicial pelo autor, cujo conhecimento lhe chegou mediante a citação. Ela é urna resposta sem finalidade defensiva, mas sempre uma resposta; é um contra-ataque, não uma defesa. O réu que responde reconvindo já se faz atuante no processo, exercendo faculdades e poderes inerentes à condição de parte; parte ele já era desde a citação, mas ao reconvir toma-se uma parte participante do contraditório (ainda quando não haja oferecido contestação). Ao demandante que reconvém dá-se o nome de réu-reconvinte, chamando-se autor-reconvindo o seu adversário. Corno demanda, a reconvenção terá a natureza que seu conteúdo lhe atribuir. Mediante ela pode-se trazer ao juízo a pretensão a uma sentença de qualquer espécie - constitutiva, condenatória ou meramente declaratória - sem que haja uma necessária correlação entre a natureza da sentença pedida em reconvenção e a que o autor pedira na inicial (mas é necessária alguma conexidade: art. 315). A própria ação declaratória incidental, quando proposta pelo réu, chega ao juízo pela via da reconvenção. Sendo a reconvenção uma demanda, dela pode o réureconvinte desistir, seja integralmente, seja para excluir apenas algum dos reconvindos; a desistência dependerá sempre da anuência do excluído ou de todos, conforme o caso. Assim colocada, a reconvenção é mera faculdade que o sistema processual oferece ao réu, podendo ele propor sua demanda em termos de resposta ou omitir-se naquele momento, caso prefira propô-la depois, fora do processo em que foi citado - sem que com isso fique prejudicado seu direito de ação e, muito menos, o direito que tivesse ao bem da vida pretendido. ۩. Pressupostos gerais e especiais A reconvenção é regida por requisitos de duas ordens, referentes às duas faces de sua conceituação. Como exercício do direito de demandar em juízo e direito ao processo, sujeita-se aos pressupostos gerais de admissibilidade da tutela jurisdicional; como espécie de resposta do réu, ela se rege por requisitos próprios, referentes (a) às hipóteses em que se admite inserir no processo a demanda do réu e (b) às circunstâncias formais desse ato. Em resumo, são pressupostos da reconvenção (I) as condições da ação e os normais requisitos exigidos para a correta propositura da demanda e (u) os requisitos próprios a esse modo de demandar em juízo, os quais serão relacionados (a) com a possibilidade de propor a demanda em via reconvencional e (b) com os aspectos formais dessa propositura. Depois, no curso do processo é indispensável que se realizem os atos normais de discussão em contraditório, que a prova seja produzida segundo as regras ordinárias etc., só sendo admissível o julgamento da reconvenção, pelo mérito, se estiverem presentes todos os pressupostos a condicionado. que ele é ordinariamente ۩. Pressupostos gerais Logo ao deduzir sua reconvenção no processo, é indispensável que o réu-reconvinte esteja amparado pelo dúplice requisito das condições da ação e dos pressupostos processuais relacionados com sua capacidade e correta representação por advogado. A demanda reconvencional deve ser redigida segundo as exigências do art. 282 do Código de Processo Civil e estar acompanhada dos documentos indispensáveis (art. 283) etc. - enfim, como demanda de tutela jurisdicional que é, a reconvenção deve vir amparada por todos os requisitos referentes à correta propositura da demanda e demais pressupostos ordinariamente exigidos em relação à demanda inicial do processo. As condições da ação reconvencional medem-se segundo os metros ordinários e sempre em relação à nova causa proposta por essa via, sem qualquer influência da mera circunstância de essa demanda ser trazida como resposta. A demanda do réu-reconvinte deve ser juridicamente possível, o provimento jurisdicional pedido deve ser potencialmente apto a proporcionar uma efetiva melhora em sua esfera de direitos (interesse de agir) e tanto ele como o autor-reconvindo precisam estar em urna legítima relação de adequação com a causa proposta (legitimidade ad causam ativa e passiva). Todos esses pressupostos são os mesmos a que o réureconvinte estaria sujeito se houvesse optado por ajuizar sua demanda separadamente, em caráter autônomo, fora do processo em que foi citado (e não como resposta à citação). Faltando algum pressuposto processual, a propositura da demanda reconvencional não está correta e, tanto quanto a petição inicial do processo, sujeita-se ao indeferimento. Idem, se faltar alguma condição da ação. Não indeferida a petição que reconvém, ainda assim o juiz continua fiscalizando a presença dos pressupostos para o julgamento do mérito, excluindo do processo o objeto da reconvenção quando for o caso (art. 267). ۩. Pressupostos especiais: a conexidade O mais destacado pressuposto específico da demanda reconvencional é sua conexidade com a demanda inicial ou com os fundamentos da defesa que o próprio réu-reconvinte formula em contestação ("o réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa": art. 315 CPC). A conexidade com a inicial, como a mais ampla das modalidades das relações entre demandas, poderá ser em razão do pedido ou da causa de pedir (art. 103), mas nem uma nem outra deve ser levada a extremos de exigência, sob pena de inviabilizar-se o próprio instituto da reconvenção. "Deve ter-se por suficiente para satisfazer o requisito do art. 315 o vínculo, ainda que mais tênue, existente entre as duas causas" (Barbosa Moreira). O petitum deduzido em reconvenção precisa inserir-se no mesmo contexto jurídico-substancial em que se situa o do autor, como será o do marido, réu em processo de anulação de casamento, que reconvém para pedir a separação judicial; ou o do comprador que, em reconvenção a um pedido de condenação pelo preço, pede a anulação do contrato de compra-e-venda. O pedido reconvencional não será o contraposto do pedido formulado pelo autor, porque para tanto não seria necessária a reconvenção - sabendo-se que a rejeição da demanda (improcedência) já é em si mesma concessão de tutela jurisdicional plena ao réu; não se admite, p.ex., reconvir em ação de investigação de paternidade, para pedir a declaração de que o réu não é filho do autor. Mas a reconvenção é admissível quando a improcedência da demanda do autor não for suficiente para propiciar ao réu o bem a que ele aspira - p.ex., reconvir em ação de separação judicial, para pedir a mesma separação que em contestação o réu repele (mas por fundamentos distintos, obviamente). No último caso figurado, há pura conexidade por identidade de pedidos. A conexidade pela causa petendi, quer para o fim da reconvenção ou para outro qualquer, jamais se exige tão intensa que as duas demandas estejam rigorosamente amparadas pelos mesmos fundamentos, sem qualquer diferença. Basta a parcial identidade de títulos, seja para provocar a prorrogação da competência, autorizar a formação do litisconsórcio etc., seja para tornar possível a reconvenção; considera-se satisfatoriamente configurada a hipótese de comunhão de causas de pedir, para qualquer desses efeitos, quando o juiz, para decidir sobre as duas ou várias demandas propostas, tiver de formar convicção única sobre os fundamentos de ambas, ou de todas. O grau de convergência dos fundamentos é ainda menos intenso quando se trata de reconvenção, bastando alguma razoável ligação entre as duas causas para que o juiz, ao julgar o pedido reconvencional, sinta-se de algum modo influenciado pelo julgamento da demanda inicial ou vice-versa. Se o autor pediu a condenação do réu a cumprir uma cláusula contratual, a reconvenção do réu será satisfatoriamente conexa com a demanda inicial se trouxer o pedido de condenação daquele a cumprir uma obrigação posta a seu cargo pelo mesmo contrato. A conexidade com os fundamentos da defesa é mais íntima do que a conexidade com os da demanda inicial, chegando quase ao ponto de uma coincidência completa, porque de uma só alegação o réu extrai duas conseqüências jurídicas - uma defensiva e outra, reconvencional. O réu de uma demanda de condenação a pagar dinheiro defende-se em contestação, alegando compensação do suposto crédito do autor com outro seu, também positivo e líquido (CC, art. 1.009);' enquanto ele se limitasse a opor esse fato apenas em defesa, o máximo que poderia postular seria a improcedência da demanda do autor, mas, reconvindo, ele pedirá a condenação deste a pagar-lhe o saldo que afirme existir a seu favor. Os fundamentos chegam a ser praticamente idênticos na contestação e na reconvenção, mas as conclusões, diferentes. O mesmo fato alegado como extintivo na contestação em que o réu afirma não mais existir o direito do autor, na reconvenção pode ser fato constitutivo do direito afirmado pelo réu. Essa é apenas uma das combinações possíveis, todas apoiadas na premissa de que nenhum fato é por sua própria natureza constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo de direitos - dependendo sempre do modo como ele é invocado em cada caso concreto (Micheli). ۩. Requisitos formais específicos Como resposta à demanda inicial, a reconvenção é sujeita à propositura no prazo de quinze dias a contar da citação consumada (art. 297), observados os preceitos contidos nos incisos do art. 241 do Código de Processo Civil. Esse prazo é elevado ao quádruplo para o Ministério Público e Fazenda Pública, embora o art. 188 seja explícito somente na concessão desse grande beneficio para contestar (interpret. STJ); e conta-se em dobro para os litisconsortes passivos representados pelo mesmo advogado e para os beneficiários da assistência judiciária, quando defendidos por uma defensoria pública ou órgão assemelhado (CPC, art. 191; lei n. 1.060, de 5.2.50, art. 5o, § 5o). A petição inicial da reconvenção é dirigida ao juiz da causa em que o réu foi citado (art. 282, inc. I), o qual é funcionalmente competente para a reconvenção. Ela deve ser redigida em peça separada da contestação, como dispõe o art. 297 do Código de Processo Civil e é de toda conveniência para maior clareza e evitar tumultos; mas a inobservância dessa exigência constitui mera irregularidade formal que não prejudica nem conduz à nulidade do ato (art. 250) - sempre que não dê causa a mal-entendidos (é preciso deixar claro onde termina uma resposta e principia a outra). ۩. Espécies de processos e tipos de procedimento A reconvenção, como demanda de tutela jurisdicional mediante sentença, é ato específico do processo de conhecimento de jurisdição contenciosa. Não se admite no executivo nem no monitório, onde sentença de mérito não existe, nem no cautelar, que não tem a finalidade de propiciar diretamente a tutela jurisdicional plena (meras medidas de apoio ao processo principal); nem é admissível nos processos de jurisdição voluntária, que não têm por objeto uma pretensão a ser satisfeita mediante sacrifício de interesse alheio. Admite-se a reconvenção em ação rescisória, desde que ela também contenha um pedido de rescisão da mesma sentença ou acórdão (capítulo de sentença diverso daquele impugnado pelo autor da primeira rescisória). Não se admite no processo de liqüidação de sentença, que com ela ou sem ela terminará com a declaração do quantum devido, sem a menor necessidade de reconvir; nem nos embargos à execução, porque eles se limitam a discutir a própria execução, o título executivo ou o crédito em sua aptidão a proporcionar a tutela executiva. Também não se reconvém nos processos das chamadas ações dúplices, onde por via mais singela se obtém o mesmo resultado da reconvenção. "É admissível reconvenção em ação declaratória" (Súmula 258 STF). Seu campo mais propício é o procedimento ordinário, sendo a reconvenção vedada no sumário (art. 278, § 1 o) e nos processos perante os juizados especiais cíveis (LJE, art. 31). Na enorme casuística existente na jurisprudência atual sobre a admissibilidade da reconvenção (Theotônio Negrão) não está mais presente, como no passado, a pura e simples negativa em relação aos procedimentos especiais, só porque especiais. É legítimo excluí-Ia quando houver incompatibilidade entre ela e a estrutura do procedimento (falência, inventário), quando ela for inócua em virtude da admissibilidade de pedido contraposto ou quando a natureza substancial da causa não comportar a contra-ação do réu (conversão da separação judicial em divórcio: lei n. 6.515, de 26.12.77, art. 36); mas, salvo essas situações, a tendência dos tribunais é admitir a reconvenção mesmo em processos especiais.-Não há qualquer incompatibilidade procedimental nos procedimentos que se convertem em ordinário a partir da resposta. ۩. Ações dúplices Em algumas espécies de litígios ou tipos de procedimento a lei permite que o réu, em contestação, formule pedido contraposto ao do autor, destinado a obter para si urna tutela jurisdicional fora dos limites do pedido feito por este. Tais são os chamados judicia duplicia, nos quais a própria contestação amplia o objeto do processo e torna absolutamente inócua eventual reconvenção - a qual, nessas causas, só terá utilidade quando veicular pedido de declaração incidente. Não existe qualquer diferença funcional entre o pedido contraposto e a reconvenção. A diferença que existe é meramente formal e pouco mais que nominal, porque o resultado a que ambos conduzem é o mesmo: ampliação do objeto do processo pela introdução de mais um pedido, necessidade de dar ao autor oportunidade para impugnar o novo pedido, instrução conjunta, sentença única. A razão da inadmissibilidade da reconvenção nesses processos é sua absoluta incapacidade de proporcionar ao réu algum beneficio maior do que aquele que pode ser obtido mediante aquela iniciativa mais simples e menos formal, afirmada pela lei corno adequada e admissível em alguns casos bem identificados (falta o interesse-necessidade). A idéia dos pedidos contrapostos simultâneos está presente no art. 17 da Lei dos Juizados Especiais (lei n. 9.099, de 26.9.95) e conta com o respaldo de prestigiosas legislações estrangeiras. Na França o nouveau côde de procédure civile admite a requête conjoirrte, análoga ao que existe no processo dos juizados especiais, a qual vem ali definida como "o ato comum pelo qual as partes submetem ao juiz suas respectivas pretensões e os pontos sobre os quais estão em desacordo, bem como os respectivos meios de prova" (art. 57). No côde judiciaire belga o art. 706 consagra dispositivo análogo. Em Portugal, o dec-lei n. 211, de 14 de junho de 1991 instituiu a petição conjunta, de declarada inspiração gaulesa. No sistema do Código de Processo Civil brasileiro, conquanto não haja o instituto da petição conjunta (pedidos contrapostos simultâneos), o pedido contraposto deduzido em contestação produz resultados práticos análogos. Trata-se do pedido contraposto ulterior, também presente no sistema dos juizados cíveis (lei n. 9.099, de 26.9.95, art. 31). São casos de ações dúplices no direito brasileiro: a) todas as causas que se processam pelo rito sumário (art. 278, § 1 o); b) a ação de consignação em pagamento e a de prestação de contas, onde cabe ao juiz condenar o próprio autor a pagar ao réu o saldo eventualmente apurado contra ele (arts. 899, § 2o e 918); c) as ações possessórias, nas quais se permite ao réu pedir proteção possessória em contestação, mediante alegação de ter sido ele ofendido em sua posse (art. 922); d) a ação de desapropriação, onde cabe ao juiz fixar afinal o valor a ser pago, ainda que acima do oferecido pelo expropriante, desde que em contestação o expropriado haja impugnado a oferta (dec-lei n. 3.365, de 21.6.41, arts. 20 e 24); e) nos processos dos juizados especiais cíveis, nos quais são expressamente autorizados os pedidos contrapostos (lei n. 9.099, de 26.9.95, art. 31). Mas a reconvenção não deve ser pura e simplesmente indeferida, quando for o caso de formular pedido contraposto. Seu formalismo é muito maior que o deste e dessa mera irregularidade formal não decorre prejuízo para o adversário (arts. 244, 294, § 1 o e 250); nessas hipóteses, cumpre ao juiz conhecer do pedido formulado em reconvenção como mero pedido contraposto, sem negar-lhe julgamento. O contrário não é admissível, ou seja, conhecer de pedido contraposto deduzido em contestação, fora dos casos estritos em que a lei o admite. ۩. Reconvenções sucessivas As hipóteses de admissibilidade de cumular reconvenções sucessivas no mesmo processo são improváveis e raras, mas não excluídas a priori pelo sistema do processo civil. É admissível formular reconvenção contra a reconvenção quando o autor-reconvindo tiver, por sua vez, uma pretensão conexa à reconvencional do réu ou aos fundamentos da defesa oposta a esta (art. 315) - mas desde que a nova demanda a propor não seja portadora de uma pretensão que ele poderia ter cumulado na inicial e não cumulou. Impedir de modo absoluto a nova reconvenção significaria restringir as potencialidades pacificadoras do processo, em situações nas quais ele se mostra capaz de produzir uma tutela jurisdicional mais ampla; mas permitir que o autor reconviesse trazendo matéria que não é nova porque já poderia ter sido objeto da primeira iniciativa processual, significaria negar o valor da estabilização da demanda, legitimamente imposta pela lei (arts. 264 e 294). Daí o equilíbrio entre (a) a autorização, nos termos do art. 315, e (b) a restrição proibitiva de cumular depois o que teria sido possível cumular antes. O réu reconvém em um processo com pedido pecuniário, alegando compensação e pedindo condenação do autor-reconvindo, pelo saldo. Fundamento da reconvenção: a prestação de serviços ao autor. Reconvém também este depois, alegando por sua vez que os serviços foram mal prestados e causaram danos, para pedir a condenação do réu também por estes. Essa segunda demanda do autor não é conexa à sua primeira e não havia razão, ou talvez sequer interesse, em propô-la antes; por isso é admissível, porque é conexa à defesa que o autorreconvindo apresentou à reconvenção. Mas (segunda hipótese): o autor pedira a condenação do réu a cumprir uma cláusula contratual, este reconveio para pedir que o autor fosse condenado a cumprir outra e o autor volta a reconvir pedindo a condenação do réu por uma terceira cláusula. Essa é uma demanda que poderia ter sido cumulada desde o inicio e, portanto não pode ser acrescida ao processo mediante reconvenção sucessiva. ۩. Reconvenção subjetivamente ampliativa ou restritiva A dicção do art. 315, onde está escrito que o réu pode reconvir ao autor, dá a falsa impressão de que as partes da demanda reconvencional deveriam ser, necessária e rigorosamente, as mesmas da demanda inicial, sem poderem ser mais nem menos numerosas que estas. Antigo doutrinador brasileiro disse que "não cabe a reconvenção quando nela não se verificar a identidade de pessoas" (Jorge Americano) e essa frase foi tomada pela doutrina mais recente como portadora de um "princípio segundo o qual a reconvenção deve ser movida pelo réu do processo principal contra o seu autor", sem acréscimos nem reduções (Clito Fornaciari Jr.) - ou seja, sete ser possível introduzir pela reconvenção um sujeito a mais ou propor reconvenção que não envolva todos os autores e todos os réus. "Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem" (art. 315, par.). Essa redação é confusa e incompreensível, porque (a) quem demanda em nome de outrem não é autor, mas representante, sabendo-se que representante não é parte; b) o réu não pode, em seu próprio nome ou no nome de quem quer que seja, reconvir ao representante do autor. O que se extrai do estranho palavreado do parágrafo é o princípio da identidade bilateral das partes, pelo qual se exige que na reconvenção estas sejam apresentadas na mesma qualidade em que figuram na demanda inicial (Amaral Santos). Não se admite reconvenção que não tenha no pólo ativo o réu nem no passivo, o autor. Não há na lei, contudo, nem na boa razão, qualquer disposição ou motivo que impeça (a) a reconvenção movida em litisconsórcio pelo réu e mais uma pessoa estranha ao processo (litisconsórcio ativo na reconvenção); b) reconvir ao autor e mais alguma pessoa estranha (litisconsórcio passivo na reconvenção); c) reconvir um dos litisconsortes passivos, isoladamente, sem a participação de seus colitigantes; d) reconvenção dirigida só a um dos litisconsortes ativos do processo pendente. Ao contrário, fortes razões existem para admitir essas variações, que alimentam a utilidade do processo como meio de acesso à tutela jurisdicional justa e efetiva. A admissibilidade da reconvenção subjetivamente ampliativa é expressão da legítima tendência a universalizar a tutela jurisdicional, procurando extrair do processo o máximo de proveito útil que ele seja capaz de oferecer. É ditame do princípio da economia processual a busca do máximo de resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais (Cintra-Grinover- Dinamarco). As possíveis demoras que a ampliação subjetiva possa causar não são suficientes para afastar sua admissibilidade, porque o processo não tem a destinação de oferecer tutela rápida ao autor a todo custo mas, acima disso, a de realizar a pacificação social mais ampla possível; invocar a urgência do autor como fundamento da recusa às reconvenções ampliativas é filiar-se inconscientemente às superadas premissas do processo civil do autor; é também, em última análise, negar a utilidade do próprio instituto da reconvenção. Onde houver mais benefícios sociais de pacificação, nada terá de ilegítimo urna razoável espera a mais. Demandado por alguém e sendo titular de uma pretensão conexa, fundada em atos praticados pelo autor e seu cônjuge, para reconvir o réu tem necessidade de incluir o marido e a mulher - porque nesses casos é necessário o litisconsórcio entre eles (art. 10 º, § 1º). Não podendo ampliar a relação processual, ele ficaria privado do direito à reconvenção; e isso sucederia em todos os casos de litisconsórcio necessário na demanda reconvencional, não o sendo em relação à do autor. A reconvenção subjetivamente menos ampla (restritiva) é autorizada, acima de tudo, pela garantia constitucional da liberdade, em decorrência da qual nemo ad agere cogi potest. Não seria legítimo pôr o réu numa situação em que devesse escolher entre reconvir em relação a todos os autores e não reconvir; nem obrigar todos os réus a reconvir, sob pena de um deles não poder fazê-lo isoladamente, quando em relação à demanda reconvencional o litisconsórcio não seja necessário. As reconvenções restritivas não têm sequer o inconveniente de retardar a marcha do processo, mais que qualquer outra reconvenção. ۩. É admissível reconvir sem contestar Para a admissibilidade da reconvenção não e necessário que o réu também conteste a demanda inicial. Essas duas modalidades de respostas são relativamente independentes entre si e têm finalidades e configurações distintas; cada uma delas se apresenta estruturada segundo seu próprio objetivo, desenvolvendo fundamentos e deduzindo demandas que não são coincidentes em ambas nem ligadas por uma necessária relação lógica. Sabido que a reconvenção ou se liga por conexidade à demanda inicial, ou aos fundamentos da defesa (art. 315), é óbvio que sem contestar o réu não terá essa segunda possibilidade; mas, quando conexa à demanda inicial do autor, ela pode perfeitamente ser capaz de propiciar a tutela jurisdicional postulada pelo reconvinte, ainda que também aquela possa vir a ser acolhida como procedente. Deixar de contestar aquela pode até ser um louvável comportamento ético do réu que não tenha razões para resistir ao pedido do autor, mas as tenha para demandar a tutela de seu interesse. A admissibilidade da reconvenção desacompanhada de contestação é também assegurada pelo princípio constitucional da liberdade das partes, que estaria maculado se se exigisse do réu a apresentação de uma, para que a outra pudesse ser admitida. Sem disposição legal em contrário e sem qualquer razão lógica ou ética que a impeça ou desaconselhe, é inegável essa admissibilidade. O réu que reconvém sem contestar não é revel, porque a seu modo está ativo no processo e portanto não é merecedor do tratamento estabelecido no art. 322 do Código de Processo Civil. Se a reconvenção do réu que não contestou negar os fatos alegados na petição inicial, eles se tornam controvertidos no processo e, portanto, dependentes de prova, tanto quanto sucederia se tivesse sido apresentada a contestação: não se aplica o efeito da revelia ao reconvinte que não contestou. ۩. Reconvenção e competência A admissibilidade da reconvenção é condicionada à competência absoluta do juiz da causa pendente, para a demanda que o réu pretende inserir no processo. Tal é um reflexo da rigidez da competência absoluta, que não comporta prorrogações sequer por conexidade entre duas ou mais demandas. Por isso, não se admite a reconvenção quando o processo estiver pendente perante uma Justiça e a demanda do réu pertencer à competência de outra: a competência de jurisdição tem fundamento em preceitos constitucionais e não pode ser derrogada pelas normas infraconstitucionais do Código de Processo Civil, que lhes são hierarquicamente subordinadas. Também por incompetência absoluta é inadmissível reconvir em ação rescisória, formulando pedido não-rescisório que não se inclua na competência originária do tribunal; nem se pode reconvir formulando demanda fundada em direito real sobre imóvel, em processo pendente local diferente do forum rei sitae (art. 95) etc. Observada a competência absoluta, da conexidade existente entre a reconvenção e a causa pendente (seja com a demanda inicial, seja com os fundamentos da defesa) decorre a possibilidade de prorrogar a relativa (art. 102). Sem conexidade essa competência não se prorrogaria, mas também sequer a reconvenção seria admissível (art. 315). A regra contida no art. 109 do Código de Processo Civil, pela qual é competente para a reconvenção o mesmo juiz da causa, harmoniza-se perfeitamente com essas disposições e sequer se poderia pensar em uma reconvenção proposta, processada e julgada em outro juízo (não seria uma reconvenção). ۩. Procedimento Recebida a petição portadora da reconvenção, o juiz faz anotar no distribuidor o seu ajuizamento (art. 253, par.) e manda intimar o autor-reconvindo na pessoa do defensor (art. 316), deixando explícito que a intimação é feita para o fim específico de responder a ela no prazo de quinze dias; esse é um dos raros casos em que no direito brasileiro se permite a citação endereçada ao advogado, sem que este disponha de poderes especiais (citação indireta). O art. 316 do Código de Processo Civil emprega o verbo intimar e não citar, havendo vozes no sentido de que o caso é de citação e não intimação. Da citação, esse ato tem o efeito de transmitir ao demandado, que é o autor-reconvindo, a informação da propositura da nova demanda; mas não tem o de trazê-lo ao processo e fazê-lo parte, que ele já era antes. Fica-se portanto no campo puramente opinativo e conceitual, sem que no caso essa distinção terminológica tenha qualquer importância prática (se citação, se intimação) porque toda citação traz consigo uma intimação e os tribunais exigem que essa intimação deixe claro o fim a que se destina - intimar a contestar a reconvenção no prazo de quinze dias. O prazo ordinário para a resposta à reconvenção é de quinze dias (arts. 297 e 316) contados a partir da intimação feita ao advogado (ordinariamente pela imprensa), sendo quadruplicado para a Fazenda Pública e o Ministério Público (art. 188) e duplicado para os litisconsortes representados por defensores diferentes (CPC, art. 191) e os beneficiários da assistência judiciária, quando defendidos por órgão específico (lei n. 1.060, de 5.2.50, art. 5º, § 5º). A resposta à reconvenção pode consistir somente em contestação ou também, quando presentes os requisitos, outra reconvenção. A exceção de incompetência relativa é inadmissível nesse momento, porque (a) o autor-reconvindo não tem legítimo interesse em negar a competência do foro onde ele próprio propusera sua demanda inicial e (b) quanto à demanda reconvencional, ou ela é conexa ao litígio pendente e por isso sujeita-se à competência do juiz da causa, ou não o é e então trata-se de inadmissibilidade da reconvenção e não incompetência para processá-la e julgá-la (art. 315). As exceções de suspeição ou impedimento do juiz são admissíveis como resposta à reconvenção, exclusivamente quando fundadas em razões pertinentes à causa reconvencional; causas de recusa do juiz, preexistentes à propositura desta, já não podem ser alegadas pelo autor, por preclusão. Oferecida ou não a resposta à reconvenção, ela se reputa integrada ao processo e ao procedimento e, juntamente com a contestação, segue os rumos ordinários deste - passando-se então à fase ordinatória, porque a postulatória estará consumada. Não o diz a lei, mas sempre que houver necessidade o juiz dará oportunidade ao réu-reconvinte para que se manifeste sobre a resposta à reconvenção, tanto quanto a oferece ao autor para que diga sobre a contestação do réu (arts. 326, 327, 398). Ao autor que não responde à reconvenção não se aplica o efeito consistente em presumir verdadeiros os fatos alegados pelo reconvinte (art. 319), porque ele já manifestou seu interesse pela causa, tanto que propusera a demanda inicial; provavelmente, terá também fornecido sua versão dos fatos, colidentes com a trazida na reconvenção, dado que a conexidade é um dos requisitos desta (art. 302, inc. III). ۩. Unidade de processo e autonomia da reconvenção Embora ligadas por conexidade, a reconvenção e a causa originária são portadores de distintos pedidos de tutela jurisdicional, ou seja, o objeto do processo introduzido por aquela não é o mesmo posto por esta. Esses dois aspectos são importantes para a compreensão dos modos como, no sistema do Código de Processo Civil, são proferidos os julgamentos referentes a uma e a outra. Enquanto o art. 318 é conseqüência da conexidade entre inicial e reconvenção, o art. 317 reconhece a recíproca autonomia entre elas. A unidade da sentença de mérito a ser proferida ao fim do processo com reconvenção, ditada pelo art. 318 do Código de Processo Civil, legitima-se na conexidade entre esta e o litígio originário, sendo natural que duas causas, reunidas em um processo só, sejam julgadas por uma só sentença - naturalmente, repartida esta em capítulos destinados a uma e a outra (infra, n. 1.226). É absolutamente inadmissível cindir o julgamento de meritis, antecipando-se o da reconvenção ou o da primeira demanda e deixando o da outra para final; esse ato judicial de parcial julgamento do mérito seria nulo por infração ao art. 318 do Código de Processo Civil e aos próprios fundamentos do instituto da reconvenção, que convergem ao julgamento necessariamente conjunto de ambas as causas. O que pode suceder é que, por falta de pressupostos, o julgamento de uma delas não seja admissível - caso em que é dever do juiz proferir decisão interlocutória excluindo do processo uma delas, para que somente a outra prossiga. A esse propósito, diz o art. 317 do Código de Processo Civil: "a desistência da ação ou a existência de qualquer causa que a extinga não obsta ao prosseguimento da reconvenção". Esse enunciado apresenta no entanto somente um dos lados da realidade, porque também os impedimentos ao julgamento do mérito da reconvenção não obstam ao prosseguimento da causa proposta pelo autor na demanda inicial. Essas duas proposições constituem expressão da autonomia da reconvenção, a qual não é outra coisa senão o reconhecimento de que ela se distingue da demanda principal, acima de tudo, pela diversidade de objetos. Como podem faltar pressupostos para o julgamento do mérito em relação ao objeto da ação sem que falte para o da reconvenção, ou vice-versa, é muito natural que eventual impedimento ao julgamento de uma não atinja o da outra. Eis um dos casos em que os fatores indicados pelo art. 267 do Código de Processo Civil como extintivos do processo não causam efetivamente essa extinção mas se limitam a impedir o julgamento de parte de seu objeto. É uma decisão interlocutória, e não sentença, o ato judicial que no curso do procedimento declara inadmissível o julgamento do mérito da demanda inicial e não o da reconvenção, ou vice-versa, determinando o prosseguimento da outra. Ele não põe fim a processo algum mas limita-se a restringir o objeto do processo pendente (arts. 162, §§ 1o e 2o): exclui a reconvenção ou a demanda inicial, mas o processo não se extingue. Conseqüentemente, é de agravo e não de apelação o recurso adequado (art. 522). A reconvenção não dá origem a um processo novo, como se existisse uma relação processual pertinente à demanda inicial do autor e outra, a ela. A unidade de processo é conceito elementar no trato de todos os casos de objeto do processo composto, seja por cúmulo de demandas na inicial, pela ocorrência do litisconsórcio, em virtude da oposição formulada por terceiro etc. Reduzir-lhe o objeto não significa extinguir processo algum, do mesmo modo como ampliar-lhe o objeto não é criar processo novo. Quando a inadmissibilidade do julgamento do mérito de uma das demandas é pronunciada ao fim do procedimento, pela mesma sentença que julga o mérito da outra, essa sentença apresenta dois capítulos autônomos, cada um deles portador de seu próprio preceito; mas todos esses capítulos e seus preceitos estão contidos na unidade formal de uma sentença só, a qual tem o efeito processual de pôr fim ao processo embora distintos os julgamentos das duas demandas propostas. O julgamento de uma delas pelo mérito terá os efeitos substanciais de uma sentença constitutiva, condenatória ou meramente declaratória, suscetíveis de imunização pela coisa julgada material; a declaração de inadmissibilidade da outra é puramente terminativa e portanto não recebe tanta estabilidade. Mas, como o ato é um só, o recurso cabível é o mesmo em relação aos dois capítulos de sentença (apelação, art. 513), fluindo o prazo recursal segundo as regras ordinárias (art. 506 etc.).
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