- Jornal Beira do Rio

Transcrição

- Jornal Beira do Rio
issn 1982-5994
12 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009
Entrevista
Maneschy assume
Reitoria da UFPA a
partir de julho
Alexandre Moraes
teremos como alterar a rota para, se
necessário, corrigirmos os desvios.
BR – Atualmente, duas questões
têm sido debatidas nas universidades brasileiras: o sistema de cotas e
o novo modelo do vestibular. Qual a
sua opinião a esse respeito?
C.M. – Sempre fui favorável ao sistema de cotas, por entender que ele não
é uma solução em si, mas um meio de
promover a participação da minoria.
BR – Quais serão as prioridades
Esse sistema já está instituído, o que
para este primeiro ano de trabaprecisamos é avaliá-lo permanentelho?
mente e corrigir os desvios. Com reC.M. – A prioridade é concentrar a
lação ao novo exame de vestibular, teatenção na melhoria das atividades da
nho posição favorável à ideia, em tese.
graduação. Nós temos que garantir
Compreendo algumas dificuldades
que todos os cursos tenham profesque isso possa colocar, especialmente,
sores suficientes e capacitados para
em relação à disputa pelas vagas nos
desempenhar suas atividades; precicursos mais concorridos. Mas isso
samos garantir que a UFPA funcione,
não pode ser motivo para desconsiverdadeiramente, como uma univerderar a possibilidade de unificar ou
sidade multicampi, de maneira que as
usar o Exame Nacional do Ensino
ações desenvolvidas pelo interior não
Médio (Enem) como método de verisejam consideradas de classe menor
ficação de ingresso na universidade.
em relação às atividades da capital.
Considero positiva a possibilidade
Daremos início a uma cultura de
de comparar o desequilíbrio regional
valorização das relações entre as pesnaquilo que, de fato, será o conteúdo
soas. Esse foi um ponto
comum para todos os
mencionado na campaexames de vestibular.
nha, pois dizíamos que
Com o Enem, o govero patrimônio maior da
no terá o retrato claro,
Universidade são as
qualitativa e quantitapessoas que aqui trativamente, das assimebalham. Laboratórios e
trias regionais. Também
prédios compõem e dão
será possível melhorar
condições melhores
o que é a competência
para que as atividades
do ensino médio, pois
sejam desenvolvidas,
o sistema atual interfemas o patrimônio que
re, negativamente, na
deve ser valorizado são
qualidade do ensino,
“O patrimônio
as pessoas. A relação
com uma exigência de
interpessoal precisa ser
conteúdo muito elevada
que deve ser
qualificada internamene pautada no vestibular.
te e esse é um ponto que
E o que parece ser o
valorizado são
nós vamos olhar com
grande questionamento
as pessoas que
atenção neste primeiro
contra o exame, pode
ano de gestão.
aqui trabalham” ser removido. O MEC
diz que as universidaBR – As propostas
des podem usar o Enem
apresentadas na camcomo uma das etapas de
panha, agora, são metas a serem
acesso, ou seja, podemos decidir que
cumpridas?
iremos usá-lo sem que pessoas de fora
C.M. – Sim. Durante o processo de
estejam disputando as nossas vagas.
transição, realizamos várias reuniões
Com o sistema nacional, teremos um
para discutir, o que, de fato, daquilo
vestibular mais barato, com possibique nos comprometemos na campalidade de ampliar as taxas de isenção,
nha, será transformado em princípios,
além de permitir a comparação regiodiretrizes e metas. Estabeleceremos
nal dos resultados. Isso pode ser um
um cronograma para o cumprimento
instrumento utilizado pelo governo
dessas metas, que fará parte da nossa
federal para correção de desigualdaagenda permanente de gestão e, assim,
des educacionais entre regiões.
Pororoca
Belém em dia de chuva: ocupação desordenada deixa população mais vulnerável durante as tempestades
Viajantes
Meio Ambiente
Múltiplos
olhares sobre a
floresta
Engenharia Civil propõe
construção de casa ecológica
Após cinco séculos, o olhar estrangeiro presente em crônicas e relatos de
viagem ainda contribui com a produção científica amazônica. Pág. 3
Grupos de pesquisa do ITEC/UFPA
apresentam propostas ambientalmente viáveis para o reaproveitamento de
resíduos. Lajes de garrafa PET, telhas
de lama vermelha e tijolo de lodo são
alguns exemplos. Págs. 7 e 8
Umidade
prejudica
rotatividade
O professor Carlos
Maneschy, eleito
12º reitor da UFPA,
estará no comando da
Instituição a
partir de
02 de
julho.
Pág. 12
O reitor Alex Fiúza de Mello
fala dos avanços da UFPA nos
últimos 10 anos. Pág. 2
Opinião
Victoria Nahum faz depoimento
sobre as cheias na região do
Baixo Amazonas. Pág. 2
Estudo revela que políticas públicas
deram visibilidade, mas não
favoreceram potencial econômico
do município. Pág. 4
Cemitério
Entrevista
Coluna do Reitor
Turismo perde
fôlego em São
Domingos
Pág. 9
Mácio Ferreira
Beira do Rio – Hoje, qual é a imagem
resultados daquilo que a Universidade
que o senhor tem da Universidade
produz possam ser compreendidos e
e qual é a que o senhor vislumbra
absorvidos pela sociedade; uma ação
para daqui a quatro anos?
institucional voltada para exploração
Carlos Edilson de Almeida Manesde intercâmbios e parcerias, que bechy – A imagem que eu tenho, hoje,
neficiariam todos os setores da UFPA,
da UFPA é de uma universidade que
além de consolidar cada vez mais a
avançou em muitos aspectos, sobretusua marca.
do, no que diz respeito à qualificação
docente, aumentamos a oferta de proBR – A partir de julho, a Univergramas de pós-graduação, a estrutura
sidade contará com uma nova
física da Instituição foi significativaequipe na administração superior
mente melhorada. Ampliamos nossa
e isso sempre gera expectativas. O
participação no interior, com a oferta
que a comunidade acadêmica pode
de novos cursos. Olhando por esses
esperar?
aspectos, vejo uma universidade que
C.M. – A nova equipe chega com o
se consolida cada vez mais no cenário
compromisso de fortalecer as ações
amazônico. Isso não significa dizer
institucionais, de colocar suas expeque ela não tenha problemas. Talvez
riências, competências e habilidades
o aspecto preponderante dessa proem prol do fortalecimento da Univerblemática esteja naquilo que requer
sidade. São pessoas com experiências
maior investimento, que é a melhoria
consolidadas e que trazem um legado
do ensino de graduação. Nós poderíimportante, que poderá contribuir para
amos formar profissionais, não apenas
a melhoria das atividades e das iniciacom alta qualidade técnica, mas tamtivas que estão sendo desenvolvidas.
bém com capacidade
A comunidade pode esde compreender a reaperar muita dedicação
lidade de forma crítica.
e trabalho de pessoas
Essa é uma das missões
que têm a vida ligada,
da Universidade. Nosdireta e inseparavelsos alunos deveriam ser
mente, à UFPA.
estimulados a utilizar
suas competências e
BR – Estaremos dianações empreendedoras
te de um novo modelo
para mudar a realidade
de gestão?
social. Isto é um pouco
C.M. – Eu não diria
do que eu vejo para
um novo modelo. Não
a Universidade mais
se pode esquecer que
“A prioridade
adiante: uma integração
a gestão é sequenciamaior com a sociedade,
da,
nada começa com
é concentrar
dando visibilidade àquialguém. A Instituição
a atenção nas
lo que é produzido interé resultado das experinamente; a valorização
ências de pessoas que,
atividades da
e a profissionalização
inclusive, já não estão
da comunicação instimais aqui, mas que cograduação”
tucional, de sorte que os
locaram seus esforços e
assumiram o compromisso de fazer a
Universidade crescer. Nesse aspecto,
eu não diria que será um novo modelo,
diria que será um modelo diferente,
que irá incentivar a participação de
todos na construção dessa Instituição. A nossa gestão vai valorizar o
que foi feito ao longo do tempo e vai
tentar corrigir o que for necessário.
Tentaremos impor um novo ritmo
institucional.
Acervo Projeto
A partir do próximo dia 02 de julho, a Universidade Federal do Pará
dará início a um novo ciclo. O professor Carlos Edilson de Almeida Maneschy
assumirá o comando da Instituição como o seu 12º reitor. Professor titular
da Faculdade de Engenharia Mecânica/ITEC, Carlos Maneschy foi diretor
executivo da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp) e
membro do Conselho Universitário e Conselho Superior de Ensino e Pesquisa
da UFPA.
Em entrevista ao JORNAL BEIRA DO RIO, o reitor apresenta quais
serão as prioridades no seu primeiro ano de administração e afirma que a UFPA
está diante de um modelo diferente de gestão, que irá incentivar a participação
de todos na construção da Universidade. Carlos Maneschy também expõe seu
ponto de vista sobre o uso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em
substituição ao vestibular tradicional e o sistema de cotas, temas que vêm sendo
amplamente debatidos nas universidades brasileiras.
A
lagamentos, enchentes,
propagação de doenças,
secas intensas, tempestades violentas. Esse cenário
“apocalíptico” está cada vez mais
próximo de nós. De acordo com
os meteorologistas, neste inverno
amazônico, os rios da região vivem a maior cheia dos últimos cem
anos. São milhares de famílias desabrigadas, esperando que as chuvas parem e as águas diminuam.
Registros globais mostram que a
temperatura e o nível do mar estão
aumentando, a cobertua de neve e
gelo tem diminuído. Para 2050, há
previsão de uma Amazônia mais
seca e quente, de poucas chuvas e
ventos fortes. Pesquisas realizadas
pelos programas de pós-graduação
do Instituto de Geociências trazem
resultados contundentes que servem de alerta para as consequências do crescimento populacional,
da ocupação desordenada e do
desmatamento. Pág. 8
Maneschy: “tentaremos impor um novo ritmo institucional”
Mácio Ferreira
Rosyane Rodrigues
Amazônia mais quente e seca
Fotos Mácio Ferreira
“Colocaremos experiências, habilidades e
competências em prol do fortalecimento
das ações institucionais".
JORNAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ • ANO VII • N. 73 • Junho/Julho, 2009
Exemplo de aplicação da lama vermelha em tijolos, telhas e revestimento
Antropologia
Diversão
Pesquisa
Praça é espaço
analisa práticas democrático de
amorosas Pág. 11
lazer Pág. 5
Análise foi feita no Benguí e Tapanã
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009 –
Antropologia
Coluna do REITOR
Alex Fiúza de Mello
[email protected]
Os avanços da UFPA na primeira década do milênio
A
Alexandre Moraes
s principais conquistas da
Universidade Federal do Pará,
ao longo da primeira década
do novo século, podem ser resumidas
em cinco eixos:
1) Qualificação de pessoal
2) Reestruturação dos marcos
regulatórios
3) Modernização da infraestrututura
4) Novo Modelo de Gestão
5) Consolidação da interiorização: Universidade Multicampi.
Em termos de qualificação de
pessoal docente, o salto foi expressivo.
De cerca de 300 doutores, em 2000,
a UFPA saltou para mais de 900, em
2009 (chegará a 1.000 em 2010), fruto
dos investimentos em titulação de seu
quadro permanente e da política de
priorização de contratação de doutores
por meio de concursos públicos. Triplicaram, também, em consequência,
no mesmo período, os programas de
pós-graduação em nível de doutorado,
evoluindo de 6 para 20 – além da duplicação dos mestrados, de 20 para mais
de 40. Isso significa que, dentro de três
anos, a Universidade estará formando,
em média, 150 doutores e 400 mestres
por ano, assim contribuindo diretamente para uma mudança de patamar
da base científica regional. A seu turno,
o corpo técnico-administrativo, com a
criação da Pró-Reitoria de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal (PRO-
O
GEP), passou a receber treinamento
sistemático e permanente, nos vários
níveis de formação, com desenvolvimento de habilidades e competências
definido por uma agenda devidamente
planejada conforme as necessidades
de cada setor.
A reforma completa do Estatuto
e do Regimento Geral foi outro marco
na história recente da Instituição. Os
novos textos aprovados pelo CONSUN inovam e atualizam os marcos
regulatórios da Universidade ao
concebê-la como multicampi, definir
o status e a estrutura dos campi do
interior (que inexistiam nos documentos precedentes) e extinguir os
departamentos. Da mesma forma e
em consequência, a Reitoria e todas
as Unidades Acadêmicas passaram
por uma adequação de seus regimentos
internos correspondentes.
O crescimento, modernização
e reforma da infraestrutura predial,
da rede lógica (hoje em gigabytes),
dos laboratórios de ensino e pesquisa,
das salas de aula e bibliotecas, seja na
capital seja no interior, apresentam-se
como outro item de particular distinção. Um novo Centro de Convenções
(com auditório para mil lugares) e
investimentos no espaço urbano (do
saneamento básico ao recapeamento
de vias e reformas de calçadas e passarelas) transformaram a paisagem da
Cidade Universitária, dando-lhe mais
beleza e funcionalidade. Em muitas
áreas do conhecimento, a UFPA ganhou destaque nacional graças aos
equipamentos de ponta adquiridos
para seus laboratórios, similares aos
das melhores universidades do País e,
em alguns casos, do mundo.
Mudou, também, o modelo
de gestão institucional. Com base
informacional avançada e um sistema
mais completo de produção e armazenamento de dados (programa SIE), a
Universidade passou a experimentar
uma dinâmica de aperfeiçoamento progressivo de suas fontes de informação
e de formulação de indicadores, permitindo uma melhor avaliação e planejamento de suas atividades, com impactos imediatos na economia de seus
recursos e na racionalização dos gastos
e dos investimentos. Nesse diapasão,
a administração inovou com a criação
da Agenda de Compras (hoje global
e periódica), com a terceirização dos
projetos de arquitetura e engenharia
(via licitação pública), da manutenção
predial e das áreas urbanas externas
(também por licitação) e com a modernização do sistema de vigilância
(recursos eletrônicos e inteligência
preventiva), dentre outros avanços. A
prática da colegialidade, exercida por
meio dos chamados fóruns de decisão,
com o envolvimento dos vários dirigentes universitários, nos vários níveis
de gestão, conferiu um ambiente mais
OPINIÃO
Victoria Judith Isaac Nahum
democrático, transparente e interativo
às principais decisões institucionais.
Por fim, o programa de interiorização – concebido agora sob uma
filosofia multicampi – ganhou sua
definitiva consolidação, traduzida pela
criação de mais de 70 novos cursos de
graduação (com destaque para aqueles
das áreas tecnológica, das ciências
agrárias e das biológicas, antes inexistentes); pela implantação de programas
de mestrado e doutorado, os primeiros
no interior da Amazônia (a exemplo
de Bragança, Santarém e Castanhal));
pela contratação de mais de 400 docentes e 150 técnico-administrativos
para o quadro permanente dos campi
(ampliando-o em mais de 200% em relação à situação anterior); pela descentralização de funções comissionadas e
gratificadas, reduzindo as assimetrias
históricas entre capital e interior e
permitindo, agora, maior dedicação e
profissionalismo à gestão universitária; e pela expansão da infraestrutura
predial e laboratorial (incluído o Hospital Veterinário de Castanhal), num
salto institucional sem precedentes na
história da UFPA.
São conquistas significativas
que, hoje, colocam a UFPA na rota de
seu definitivo amadurecimento acadêmico, com destaque nacional e internacional, apta a enfrentar os desafios do
novo século com maior capacidade de
inovação, talento e criatividade.
[email protected]
Inundações na terra das águas grandes
rio Amazonas sobe todo ano,
ao sabor do ciclo hidrológico.
De janeiro a maio, as chuvas
castigam diariamente os moradores
das beiras dos rios. Essas chuvas sazonais são importantes para garantir
a produtividade das terras de várzea,
pois carregam nutrientes alimentando os peixes e fertilizando os solos.
Contudo, apesar da sua “previsibilidade”, muitas vezes, os habitantes
ribeirinhos são pegos despreparados
para as enchentes, por falta de recursos
materiais ou tecnológicos. O fato é que
eles não conseguem superar, de forma
aceitável, as intempéries regulares do
clima.
Neste ano, os meteorologistas
anunciaram uma das maiores cheias
dos últimos cem anos. Todavia, imaginar o sofrimento dos habitantes
ribeirinhos é difícil para quem mora
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
Rua Augusto Corrêa n.1 - Belém/PA
[email protected] - www.ufpa.br
Tel. (91) 3201-8036
nos confortáveis condomínios das
grandes cidades, protegido da chuva
e do sol. O noticiário da TV plasma
informa sobre as enchentes e sobre
o número de pessoas desabrigadas,
no entanto, isso fica na nossa mente,
como um filme... o sofrimento do
povo parece muito distante de nossa
realidade cotidiana.
Por motivo de trabalho, em
abril, visitamos algumas das comunidades ribeirinhas dos municípios de
Óbidos e Santarém. Nosso coração
apertou ao ver a situação das moradias. Isoladas no meio de lagos e
igapós, a única forma de comunicação
entre as casas é de canoa. Quem não
tem para onde fugir fica rezando para
as águas não subirem mais ainda ou
para parar de chover. As aulas foram
suspensas, os barracões comunitários
e as capelas ficaram alagados. Isolados
11
e rodeados de água, foram fechados na
esperança de não se danificarem mais
ainda. As crianças, que não têm mais
um quintal para brincar, olham tristes
pela janela, pulam de rede em rede
e só tomam banho em volta da casa,
na presença de adultos, por medo dos
jacarés e das cobras, que agora estão
muito perto das residências, na busca
de presas fáceis.
Ao abordarmos com nossa embarcação perto das casas, alegram-se.
Pensam que somos funcionários da
Defesa Civil voltando com a madeira
necessária para levantar mais um
pouco o assoalho das casas e tirar os
poucos móveis de dentro da água.
Tristes e desiludidos, recebem-nos
para ouvir o motivo de nossa pesquisa,
que nada tem a ver com os problemas
que hoje os afligem.
Ao mesmo tempo, nos fundos
do IBAMA, em Santarém, descansam
tábuas e troncos de madeira apreendida de infratores da Lei. Por que
não usá-las nas casas afetadas pela
enchente? Não sabemos os motivos
burocráticos que impedem medidas
simples e, certamente, eficientes como
essa.
Prevenção, organização social,
planejamento seriam medidas adequadas para o futuro. Mas como reagir
agora, quando já não há mais como
prevenir. Só nos resta remediar. De que
adianta termos pena se nada podemos
fazer? Ou será que ainda podemos?
Victoria Isaac Nahum é doutora
em Ciências Marinhas pelo Institut
Fuer Meereskunde e coordenadora do
Laboratório de Ecologia Pesqueira e
Manejo de Recursos Aquáticos/ICB.
Reitor: Alex Bolonha Fiúza de Mello; Vice-Reitora: Regina Fátima Feio Barroso; Pró-Reitora de Administração: Simone Baía;
Pró-Reitor de Planejamento: Sinfrônio Brito Moraes; Pró-Reitor de Ensino de Graduação: Licurgo Peixoto de Brito; Pró-Reitora
de Extensão: Ney Cristina Monteiro de Oliveira; Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação: Roberto Dall´Agnol; Pró-Reitora
de Desenvolvimento e Gestão de Pessoal: Sibele Bitar Caetano; Prefeito do Campus: Luiz Otávio Mota Pereira. Assessoria
de Comunicação Institucional JORNAL BEIRA DO RIO Coordenação: Luciana Miranda Costa; Edição: Rosyane Rodrigues;
Reportagem: Ana Carolina Pimenta (013.585-DRT/MG) Andréa Mota/ Glauce Monteiro (1.869-DRT/PA)/ Jéssica Souza
(1.807-DRT/PA)/ Rosyane Rodrigues (2.386-DRT/PE)/ Suzana Lopes/ Tatiara Ferranti/ Walter Pinto (561-DRT/PA) ; Fotografia:
Alexandre Moraes/Mácio Ferreira; Secretaria: Isalu Mauler/Elvislley Chaves/Gustavo Vieira; Beira on-line: Leandro Machado/Leandro Gomes; Revisão: Júlia Lopes/Glaciane Serrão; Arte e Diagramação: Rafaela André/Omar Fonseca; Impressão: Gráfica UFPA.
Discurso e prática amorosa no novo século
Com algumas modificações, modelo ideal ainda é o conto de fadas
Jéssica Souza
C
upidos, corações flechados,
olhares apaixonados, bombons de chocolate, buquês de
rosas... O amor está no ar. Mês de
junho, mês dos namorados, é tempo
de falar de amor. Diferentemente do
que muitos pensam, o assunto não
está restrito ao romantismo dos casais,
dos filmes ou das mídias temáticas.
O amor também é pauta de interesse
acadêmico. “Falando de amor: discursos sobre o amor e práticas amorosas
na atualidade” é o tema da tese de
doutorado em Antropologia, que está
sendo elaborada pela docente da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA),
Telma Amaral Gonçalves.
Como desdobramento de sua
dissertação de mestrado na mesma
área, intitulada “E o casamento, como
vai? Um estudo sobre a conjugalidade em camadas médias urbanas”,
a pesquisadora sentiu necessidade
de aprofundar a temática amorosa.
“Entrevistei vários casais acerca do
que eles pensavam sobre o casamento. E quando se falava de casamento,
um tema que aparecia sempre era o
amor. E quando as pessoas falavam de
amor, elas diziam: o amor é respeito,
é paixão, companheirismo, diálogo,
compreensão, amizade... Então, me
surgiu esse questionamento: em que
consiste este sentimento de amor?”,
explica a pesquisadora.
O trabalho tem como metodologia a realização de entrevistas sobre
o tema com pessoas que vivem uma
parceria amorosa, tanto homo como
heterossexual. São nove casais, sendo
três parcerias heterossexuais, três parcerias homossexuais femininas e três
parcerias homossexuais masculinas,
provenientes de camadas médias.
Cada casal mora junto e tem, no
mínimo, um ano de relacionamento.
“A meta é ouvir dessas pessoas como
Mácio Ferreira
LURDINHA RODRIGUES
2 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009
Os conflitos, a administração do cotidiano e os sentimentos são comuns em casais de diferentes gerações
elas definem o amor. O que é o amor e
como ele se reflete na prática amorosa
que essas pessoas vivem. Isso implica
pensar o amor teoricamente, enquanto
conceito, e como ele se aplica na vida
diária, como condiciona a forma de o
ser humano ser e estar no mundo”.
A tarefa é desafiadora, pois
o assunto ainda está disseminado,
socialmente, como algo próprio da
intimidade e, de acordo com Telma
Amaral, muitas pessoas se sentem
retraídas ao serem abordadas sobre o
tema. “As minhas questões indagam
sobre o que as pessoas fazem para
demonstrar o amor que dizem que
sentem uma pela outra, se, cotidianamente, elas se beijam, se abraçam,
fazem carinho, quem faz mais ou menos demanda sexual, se a vida sexual
tem se modificado com os anos de
relação, por exemplo. Trabalho com
um grupo inteiramente heterogêneo.
São pessoas com idade, identidade
sexual e tempo de relacionamento diferenciado. O tempo de parceria varia
de três a 48 anos de vida em comum.
Isso diferencia as demandas, as experiências, as histórias”, especifica.
A pesquisa ainda não foi concluída, mas a fase de entrevistas já
permitiu que a professora fizesse
algumas observações. A priori, as
conclusões indicam que as parcerias
falam de amor, sim, no âmbito da intimidade, e que eles sempre falam de
amor associando-o a outros sentimentos. Segundo a pesquisadora, a frase
mais dita pelas parcerias entrevistadas
é “que o amor não se define”, mas se
n Amor pode ser construído lentamente
De acordo com as investigações de Telma Amaral, uma característica muito comum às relações do
século XXI é a de que pessoas que se
amam compreendem que esse amor,
um dia, pode acabar. “Nas décadas
de 50 e 60, a mulher tinha um papel
bem definido: não trabalhava e vivia
para o lar e para o casamento. As relações nasciam para serem perenes.
Em função disso, nas parcerias com
tempo maior de relacionamento,
ainda são muito presentes as características daquele modelo em que
existiam papéis delimitados e em que
o casamento não era, necessariamente, baseado no amor, apesar do amor
poder surgir como uma consequência
dele. O amor estava associado ao
conceito de construção”, explica a
professora.
Isso era muito comum no pe-
ríodo em que existiam casamentos
arranjados em que os cônjuges eram
totalmente estranhos um ao outro.
Ainda hoje, continua a pesquisadora,
segundo o grupo entrevistado, mesmo sendo um requisito básico para
a formação de um par (não, necessariamente, homem/mulher), o amor é
algo que também pode ser construído
lentamente, no dia a dia, a partir de
um conhecimento mútuo.
n Fluidez e imprevisibilidade nas relações
Sob a perspectiva da modernidade, os estudos de Telma sinalizam
que a natureza social das relações
sofreu muitas modificações e que influenciam diretamente na qualidade e
durabilidade do sentimento amoroso.
“Hoje, o sexo é mais informal, compartilhar o mesmo espaço é menos
contratual, o assédio de outras pessoas
é muito grande e há facilidade de se
envolver em múltiplos relacionamentos. As relações surgem e se diluem
com maior fluidez e imprevisibilidade”, comenta.
Segundo Telma Amaral, a
necessidade humana de amor advém
de um estímulo emocional que pressupõe o ser humano como um sujeito
cultural que precisa se relacionar,
não só por instinto ou por conven-
ção social. “Por isso que, quando as
relações se rompem ou o amor deixa
de ser recíproco, as pessoas tendem
a desejar um outro relacionamento
ou a desacreditar que um outro amor
seja possível”. Hoje, a tendência é
desmitificar algumas crenças, a partir
da compreensão de que o amor não é
único, não surge do nada, não é igual
para todos e nem é definitivo.
concretiza na vivência amorosa, em
que se tece uma teia de associações e
ressignificações que remetem ao sentimento amoroso. Em alguns casos,
um longo silêncio sucede à pergunta
sobre o que é o amor, pois muitas
pessoas têm dificuldade de defini-lo
referencialmente.
Outra percepção é a de que,
apesar das diferenças geracionais ou
de orientação sexual, resguardadas
as especificidades de cada relação,
a vida em comum apresenta inúmeras similaridades. Os conflitos,
a administração da vida diária e os
sentimentos são muito semelhantes
quando se trata de amor. A tese estará
concluída dentro de um ano, prazo em
que as referidas observações poderão
ser ou não comprovadas.
n E foram felizes
para sempre
Na avaliação da antropóloga,
atualmente, o perfil de pessoas que se
amam é o de pessoas carinhosas, que
curtem dividir o tempo juntas, têm
desentendimentos, mas entendem o
amor como um sentimento que precisa
ser cultivado diariamente. O amor é
requisito para a felicidade, junto com a
saúde, a realização profissional e financeira. É por isso que o relacionamento
ideal ainda está baseado nos moldes
dos contos de fada, em que príncipe
e princesa têm todas as condições
favoráveis para uma união estável,
duradoura, frutífera e feliz.
“O modelo de amor romântico
é recorrente nas novelas, nos filmes e
acaba se tornando referência. Se desprender desse modelo é a melhor receita para o sucesso, pois compreende
que o amor é também realidade e vida
prática. O amor ideal se constrói cotidianamente”, conclui a pesquisadora.
10 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009 –
3
Amazônia
Paixão de LER
"Três Sentidos" na obra de Paulo Plínio
A obra, fruto de dissertação de mestrado, será lançada ainda neste mês
O
Reprodução
Laïs Zumero e
Giselda Fagundes
livro “Três sentidos fundamentais na
obra de Paulo Plínio Abreu”, de autoria
de Célia Coelho Bassalo, professora
da Universidade Federal do Pará, é produto de
sua dissertação de mestrado, recomendada para
publicação pela banca composta Benedito Nunes, Ápio Campos e Francisco Paulo Mendes,
professores eméritos da UFPA.
A publicação é oportuna, pois seu lançamento segue a 2ª edição, pela Edufpa, de
“Poesia”, única obra do autor, há muito exigida
pela Academia e pelos círculos literários pela
importância de seu texto poético e de suas traduções de Rilke e T.S. Eliot.
O tema central da obra é a produção literária do reconhecido poeta paraense. Trata-se de
uma crítica extensiva, uma verdadeira súmula de
temas recorrentes do poeta – infância, viagem
e morte.
A professora Célia Coelho Bassalo estuda,
prioritariamente, a prática artística de Paulo Plínio diante dos eventos, a natureza da formação
espiritual do poeta e o objeto de sua indagação
– a linguagem. É um texto contemporâneo, sob a
ótica da estilística e da semiologia, que a Editora, com muito orgulho, entrega à comunidade.
Paulo Plínio surgiu na literatura paraense
entre os anos de 1940 e 1950. Seus primeiros
poemas foram publicados no Suplemento ArteLiteratura, do Jornal Folha do Norte e nas revistas “Novidade” e “Terra Imatura”. O poeta
parte de uma visão meditativa e transfiguradora
do real, à semelhança dos grandes poetas românticos, sobretudo, de Rimbaud, que procuravam
apreender, por meio da linguagem, aquilo que
o mundo contém de mítico, místico, obscuro e
inefável.
Célia afirma que “o texto de Paulo Plínio
é sempre (des)-velador de algo que pode estar
dentro ou fora da própria realidade. Essa revelação ou (re)-velação nos é transmitida por meio
de uma prática, a da escritura, a qual abarca o
exercício de uma atividade voluntária e deformadora de tudo o que nos envolve”.
“Nossa intenção é proceder a uma leitura
em que os poemas de Paulo Plínio sejam interpretados não como códigos estáveis, conhecidos,
estereotipados, mas como textos suscitadores,
sempre, de outra escritura mental feita pelo
leitor, pois, como escritura, possuem, também,
um caráter único, autorreferencial, oferecendo
ao leitor a marca e o gozo dos textos verdadeiramente literários”, explica a professora.
Consciente de que o ser humano é livre para fabricar e manipular representações,
atribuindo-lhes valores de acordo com sua
própria vontade, Paulo Plínio cria e enriquece
símbolos que, por sua vez, sublinearmente ou
não, já representavam outros símbolos. Desse
modo, para qualquer direção que o leitor volte
os olhos encontrará um tecido não acabado, mas
Ilustrações de Hans Staden, André Thevet e Jean de Léry mostram o olhar do viajante diante da paisagem e população amazônicas
Viajantes ainda são fontes de pesquisa
Crônicas e relatos de viagem auxiliam produção científica sobre a região
Ana Carolina Pimenta
A
partir de meados do século
XVI, tem início, na Amazônia,
uma intensa movimentação de
viajantes europeus movidos, sobretudo, por um vivo desejo de conhecer
as riquezas e desvendar os mistérios
da floresta tropical. Nos primórdios,
eram aventureiros e exploradores
em busca do Eldorado e da Terra
das Amazonas. Já no século XVIII,
desenvolve-se um interesse científico
pelo Novo Mundo e surge a figura do
viajante naturalista. À medida que
De acordo com a autora, o livro ajudará o leitor a interpretar os textos do poeta paraense
em constante processo de simbolização.
Por meio de um criterioso e acurado trabalho, Célia
Coelho Bassalo divulga, com brilho e originalidade, a obra
do poeta, assim contribuindo para que todos desfrutem do
talento deste escritor de mérito reconhecido e incontestável,
de aguda sensibilidade e de concisa e delicada linguagem.
“Três sentidos fundamentais na obra de Paulo Plínio
Abreu” será lançado com a obra de Plínio “Poesia”, neste
mês, em evento comemorativo coorganizado pelo Instituto
de Letras e Comunicação.
PRÓXIMOS LANÇAMENTOS
Rua Augusto Corrêa, n.1,
Campus Universitário do
Guamá.
Telefax: (91) 3201-7965
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Livraria da Praça
n “MARAJÓ”, de Dalcídio
Jurandir, com participação de
Rosa Assis, responsável por esta
edição crítica.
n RIO BRANCO: A CIDADE
DA FLORESTANIA, Mâncio
Cordeiro e Marianne Schmink.
n HISTÓRIAS DO XINGU,
César Martins de Souza e Alírio
Cardozo.
n 3 SENTIDOS DA OBRA DE
PAULO PLÍNIO, Célia Bassalo.
n AS AMAZÔNIAS DO SÉC.
XXI, Sérgio Rivero e Frederico
Jayme Júnior.
n Parmenides e Filebo,
COLEÇÃO DIÁLOGOS DE
PLATÃO. Tradução Benedito
Nunes.
n POESIAS, Paulo Plínio.
Livraria do Campus
Livraria da Praça: Instituto
de Ciências da Arte da
UFPA.
Praça da República s/n
Fone: (91) 3241-8369
aumentava o número de expedições,
crescia, também, o número de relatos
e de crônicas acerca da biossociodiversidade da região. Transcorridos
quase cinco séculos, os registros, seja
por meio da palavra escrita, seja por
desenhos, seja por fotografia, podem
ainda ser muito úteis na produção
científica atual, em diferentes áreas.
Apesar das interferências desordenadas entre populações e ecossistemas da região ao longo de todos
esses anos, as correspondências e
os diários de campo, com ou sem
ilustrações, de cronistas, como Pero
Vaz de Caminha, Padre Anchieta,
Hans Staden, André Thevet e Jean de
Léry, e de viajantes, como frei Gaspar
de Carvajal, Spix e Martius, Alfred
Wallace, Henry Bates, Alexandre
Rodrigues Ferreira, La Condamine,
Henri e Octavie Coudreau, ainda são
importantes fontes para as pesquisas
sobre a Amazônia neste século.
O biólogo e professor do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
(Naea), Juarez Pezzuti, explica que
os relatos dos viajantes europeus balizam estudos acerca da etnoecologia,
da ecologia e do manejo da fauna na
Amazônia. Dos relatos de viagem,
podem ser extraídas importantes
informações sobre os hábitos e os
conhecimentos tradicionais dos povos
amazônidas de gerações passadas.
Narrativas como as do viajante inglês
Henry Bates mostram, por exemplo,
que a caça indiscriminada não é um
problema recente: ovos de tartarugas
eram colhidos de forma predatória
para serem usados na fabricação de
óleo para manter a iluminação pública e os peixes-boi eram caçados por
sua carne e couro, à luz dos séculos
XVIII e XIX.
n Relação homem-natureza
n Turistas ou viajantes?
O professor esclarece que as
fontes documentais desses naturalistas ajudam a compreender, por exemplo, como determinadas espécies
animais sofreram redução drástica no
estoque por desempenharem uma importância vital para certas populações
humanas. Segundo as publicações de
Bates, a tradição indígena garantia
que, “nos primeiros tempos, tantas
eram as tartarugas na água, quanto os
mosquitos no ar.” Já a partir do século
XVIII, ocorre uma drástica predação
dos ovos. No período compreendido
entre os anos de 1700 e 1860, estimase que foram colhidos de 12 a 48
milhões de ovos por ano (!) para a
produção de óleo. Atualmente, as tartarugas fluviais são protegidas, mas a
analogia relatada pelos indígenas já
não é mais cabível.
“Às vezes, para compreendermos como se dava a exploração dos
recursos naturais em épocas passadas,
os relatos de viagem são nossa única
fonte”, observa o professor sobre a
escassez de publicações científicas
que retratam a relação homem-natureza nos séculos XVI ao XIX. Mas,
apesar da importância das narrativas
e dos registros iconográficos desses
viajantes/naturalistas, Juarez Pezzuti
diz que os relatos ainda são subaproveitados nas Ciências Biológicas.
As nacionalidades, os objetivos e a quantidade de viajantes são
tão grandes que eles têm sido usados
não só como fonte, mas também
como objetos de estudo em si: a
própria viagem, o próprio viajante.
É o caso da tese “Viagem e Turismo,
conceitos na literatura e nos relatos
de viagem”, do professor do Naea,
Silvio Lima Figueiredo. A obra
procura compreender, por meio dos
relatos e crônicas de viagem, verídicos ou ficcionais, como as ideias de
viagem, turismo, viajante e turista
foram sendo construídas ao longo
dos anos.
A tese parte do princípio de
que as concepções de viajantes e
turistas encontradas nos relatos e
na literatura de viagem ajudaram a
construir personagens e ações estereotipadas. Assim, o viajante seria
aquele que viaja com propósito mais
“nobre”, que procura na experiência
da viagem a compreensão do mundo
e de sua própria existência. No passado, seriam os descobridores e os
naturalistas. Na atualidade, os cientistas com suas pesquisas de campo e,
até mesmo, mochileiros em busca de
novas aventuras e descobrimentos.
Já o turista é visto como o falso
viajante, uma alegoria dos monumentos e florestas. Silvio Figueiredo
Situação que não pode ser verificada
no estudo da História, disciplina em
que a produção dos viajantes ocupa
lugar de destaque.
A historiadora Moema de
Bacelar Alves, que, atualmente, participa da produção de um livro sobre
os viajantes na Amazônia brasileira,
acredita que, nas últimas décadas, os
relatos dos viajantes vêm sendo mais
explorados por fornecerem informações sobre temáticas, como gênero,
grupos étnicos e costumes. Alguns
deles vêm ganhando destaque para a
elaboração historiográfica por suas
descrições pormenorizadas sobre a
economia, a sociedade e a cultura.
No entanto, a pesquisadora
alerta que os relatos dos viajantes
europeus que passaram pela Amazônia não são a pura expressão do real,
mas, sim, representações elaboradas
a partir de componentes ideológicos,
conceitos, pré-conceitos, noções e
toda uma carga cultural que condicionam o olhar e as impressões dos
viajantes. “O discurso do exótico, que
ainda se profere hoje, deita raízes nos
inúmeros relatos de viajantes que,
durante os séculos XVII, XVIII e
XIX, estiveram por aqui produzindo
as visões e interpretações do que era
a nossa região no momento dessas
‘visitas’”, ressalta.
explica que, por trás desse discurso,
repousa um preconceito classista; as
críticas ao turismo e ao turista são
fruto de uma leitura preconceituosa
das viagens de turismo de massa,
empreendidas pela classe média
mundial. “O que se pôde constatar
nos textos analisados é uma percepção do turismo como a contrapartida
da viagem. Ou seja, se, por um lado,
a viagem engrandece o espírito, por
outro, o turismo é baseado em modelos de produção em série, em pacotes
de entretenimento sem essência”,
aponta o autor.
Para o pesquisador, as agências de viagem, responsáveis pelo
turismo-mercadoria, reforçam essa
visão do turista como um sujeito
alienado. Isso conduz a uma outra
reflexão: quais são as opções oferecidas? Na Amazônia, por exemplo, são
poucas as iniciativas que conduzem
o viajante a uma experiência mais
profunda e transformadora. O turismo sustentável, por exemplo, ainda
é algo muito pontual e restrito para
poucos, em sua maioria, estrangeiros.
Déjà vu? O fato é que esses viajantes
chegaram e continuam chegando à
região, mas se, no passado, eram os
relatos de viagem, hoje, são os artigos, as teses, as imagens de satélites,
os blogs...
4 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009 –
Turismo
Cemitérios
Saponificação retarda rotatividade
Pororoca é cartão postal de São Domingos
Políticas públicas desarticuladas não favoreceram a economia local
Enquanto a população local "apara" as ondas, os turistas usam jet ski, pranchas e lanchas
O
município de São Domingos
do Capim começou a ganhar
visibilidade na mídia regional,
nacional e internacional a partir de
1999, ano da criação do Campeonato
de Surfe na Pororoca. Desde então, com
investimentos do poder público estadual, por meio da Secretaria Executiva
de Esporte e Lazer (Seel) e da Prefeitura, vislumbrou-se a potencialidade
do turismo no município e se iniciou
a implementação de políticas para o
desenvolvimento do setor.
Na dissertação “Nas ondas da
pororoca: repercussões socioespaciais
da atividade turística no município
de São Domingos do Capim (Pará)”,
orientada pelo professor Saint-Clair
Trindade, Jorge Alex de Almeida Souza
analisou os impactos das políticas de
turismo sobre o espaço geográfico e o
modo de vida local.
Lançando mão da dialética espacial, método teorizado por Lefebvre,
Jorge Alex fez um percurso pelo passado do município para entender como o
fenômeno da pororoca era vivido pela
população capimense antes da atividade turística mais intensa e como ele se
constitui no presente, a fim de vislumbrar possibilidades para o futuro.
Nessa volta à história de São
Domingos do Capim, o pesquisador
conta, com a propriedade de quem
viveu parte da infância no local, que,
antes da pororoca se tornar conhecida
pelo campeonato de surfe, a população
do município já possuía uma prática
social sobre as ondas. “Há muito tempo,
as pessoas têm uma relação de lazer
com a pororoca, que é o “aparar” a
pororoca; elas se jogam no rio. Existe
até uma relação de poder, na medida
em que enfrentar a onda é considerado
uma prova de coragem”.
O turismo incorporou ao modo
de vida local, essencialmente ribeirinho, experiências urbanas, modificando
não só a paisagem do município, mas
também o espaço das representações,
ou seja, o uso, o lazer e as representações sobre a pororoca.
n O rio, o barco e o trapiche: objetos significativos
É praticamente consenso entre
os pesquisadores sociais da Amazônia que o modo de vida ribeirinho é
composto de três objetos espaciais
mais significativos: o rio, o barco e
o trapiche.
O rio é o meio de circulação
de mercadorias e pessoas, um espaço
de comercialização e transporte, mas
também um rico desenrolar de valores simbólicos, vivências e mitos.
Nas palavras de Jorge Alex, “são os
cursos fluviais que movimentam sonhos, desejos, encontros e modos de
vida. É por meio dos espelhos d’água
que o homem amazônida cria seu
próprio mecanismo de usar o espaço
e o tempo”.
O barco, por sua vez, além
da dimensão material de veículo de
transporte, contém aspectos culturais,
como as cores, os nomes, o valor afetivo do dono pelo objeto. O trapiche
é o espaço da convivência, do hibridismo dos modos de vida ribeirinho e
urbano, onde se localiza o comércio,
o embarque-desembarque, as práticas
sociais, as conversas. Na dissertação,
Jorge Alex defende que, além desses
três elementos, São Domingos do
Capim possui mais dois objetos espaciais que caracterizam a sua vivência
ribeirinha: as igrejas e a pororoca.
“As igrejas e as capelas são
referências porque são marcas da
colonização feita pela Igreja Católica.
Por exemplo: uma influência muito
presente em São Domingos do Capim
são as comunidades eclesiais de base,
que ajudaram a formar várias organizações no município. Sem contar que
a visão religiosa ainda se manifesta
na explicação dos fenômenos, como
a própria pororoca”, explica o pesquisador. Quanto à pororoca, Jorge Alex
considera como um elemento ribeirinho marcante no município porque
ela sempre faz parte da prática social
dos capimenses, na atividade lúdica
de “aparar” as ondas.
O modo de vida de São Domingos sofreu alterações socioespaciais
com a implementação do turismo. O
rio deixa de ser a única via de transporte, já que, para facilitar o acesso
ao município, foi aberta e asfaltada a
Rodovia PA-127. Ao lado dos barcos,
outros tipos de embarcações e objetos
se fazem presentes, como os veleiros,
o jet ski e a própria prancha de surfe.
O trapiche passa a ser um local de intensa hibridização de temporalidades,
onde convivem práticas de estrangeiros e nativos que concebem e utilizam
o espaço de diferentes maneiras.
A religiosidade local perde
espaço no período do turismo, pois
o fenômeno acontece próximo à Semana Santa. Por fim, a própria pororoca ganha um significado e um uso
diferente após o início da atividade
turística em São Domingos do Capim.
O fenômeno adquire a dimensão de
natureza exótica e passa a ser mundialmente conhecido e vendido como
o lugar do surfe na Amazônia. Em
vez de se “aparar” as ondas, agora se
passou a surfá-las.
Quando, em 1999, se iniciaram
as políticas públicas de turismo em
São Domingos do Capim, o poder
e a população locais viam, na nova
atividade, uma potencialidade e uma
alternativa para a economia do município. Mas a falta de articulação entre
as medidas municipais e estaduais e
a forma excludente como o processo
foi implementado contribuíram para
que o turismo perdesse fôlego nos
últimos anos.
Enquanto o Estado se voltava
para a promoção do Campeonato de
Surfe na Pororoca, a Prefeitura organizava o Festival da Pororoca. Os
eventos aconteciam simultaneamente,
mas sem vínculo efetivo entre si. Ou
seja, os poderes públicos atuavam de
forma isolada, não implementando
uma política consistente de turismo.
Outro problema foi a relativa
exclusão da população local das atividades turísticas. Os campeonatos
eram pensados e executados para o
público visitante e urbano. Os habitantes do município, no máximo,
serviam de guias turísticos e comercializavam algumas mercadorias.
O resultado é que, em 2005,
o turismo começa a perder força e,
em 2008, a Seel tira o foco do Campeonato de Surfe do município para
outras localidades paraenses. Para
Jorge Alex, seria necessário investir
em outros atrativos turísticos. “Eu
posso citar o patrimônio histórico, o
ecoturismo e o turismo comunitário,
pois existem localidades com grandes potenciais naturais e culturais”.
O maior desafio é implementar um
turismo que contemple e inclua o
modo de vida local.
São Domingos do Capim e a Pororoca
Município localizado no nordeste paraense, São Domingos do
Capim tem como base econômica a
pecuária, a produção e comercialização da farinha e o extrativismo.
A partir de 1999, passou também
a integrar atividades turísticas à
sua economia, quando se tornou
conhecido pelo Campeonato de
Surfe na Pororoca.
Pororoca é o nome indígena
que designa o fenômeno natural de
ondas fortes e estrondosas, causado
pelo encontro das águas dos rios
amazônicos com o mar. Antes de ser
utilizada para a prática do surfe, a
pororoca já fazia parte das atividades lúdicas da população local.
As pessoas “aparavam” a onda,
ou seja, jogavam-se contra o rio ou
fixavam-se em um poste e deixavam que a onda passasse por elas.
Atualmente, somente o Festival da
Pororoca é realizado, com intensa
programação cultural, em março.
Análise comprova fenômeno válido para toda a Amazônia
n Pioneirismo na
Geofísica Forense
Mácio Ferreira
Saint-Clair Trindade
n Eventos não
tinham vínculo
Suzana Lopes
9
No cemitério do Tapanã, umidade excessiva do terreno faz da cova uma espécie de tanque de conservação cadavérica
Walter Pinto
A
pesquisa científica quando
sai dos laboratórios e faz do
ambiente seu campo de prova,
defronta-se, muitas vezes, com realidades que, por mais desagradáveis,
não podem ser negligenciadas pelos
pesquisadores, sob pena de se tornarem impactos ambientais de graves
consequências. O estudo, coordenado
pela professora Lúcia Maria da Costa
e Silva, em 1996, por exemplo, comprovou que o cemitério do Benguí, em
Belém, estava contaminando o fluxo
de água subterrânea que segue para a
área residencial vizinha. A pesquisa,
junto com a análise da água, motivou
o fechamento do cemitério.
A legislação estadual que dispõe sobre requisitos e condições técnicas para implantação de cemitérios,
a segunda implementada no Brasil,
determina que, após o fechamento de
um cemitério, seja realizado o monitoramento das águas subterrâneas por
um período de dez anos. A Secretaria
do Estado de Meio Ambiente deveria
solicitar à Secretaria Municipal de
Meio Ambiente a análise das águas
a cada seis meses. A lei estadual não
está, contudo, sendo cumprida, observa Lúcia Costa e Silva, que participou
da elaboração da referida lei.
Os novos cemitérios públicos
de Belém, como o do Benguí e o do
Tapanã, foram implantados dentro do
conceito de rotatividade. Periodicamente, a Prefeitura realiza a exumação
observando o tempo de inumação
– sete anos para homens e três para
crianças até sete anos – período em
que o processo de putrefação já teria
cumprido suas quatro fases.
Exumação – No entanto, pesquisadores da Faculdade de Geofísica da
UFPA comprovaram um fenômeno no
cemitério do Benguí: a saponificação
dos corpos. Trata-se de processo de
conservação cadavérica que interrompe qualquer um dos quatro estágios
da putrefação, postergando-o e, consequentemente, retardando em vários
anos qualquer tentativa de exumação.
A saponificação é provocada pela umidade excessiva no terreno ao redor da
cova, transformada, então, numa espécie de tanque de conservação. Lúcia
Costa e Silva observa que a legislação
municipal, baseada em normas do
período colonial, está em flagrante
oposição à realidade amazônica e que,
em outros países, onde a ocorrência da
saponificação é remota, a exumação só
é realizada após 25 anos.
O cemitério do Benguí foi desativado em 1997. Ocupa uma área de
450x600 m² absolutamente imprópria
para abrigar um cemitério, porque o
nível hidrostático é inferior a 1,20
m no inverno, ou seja, a água entra
nas sepulturas, caso não reportado na
literatura. O que mais surpreendeu os
pesquisadores da área de geofísica da
UFPA é que o fenômeno da saponificação não está restrito ao baixo terreno
do cemitério desativado. Também no
Tapanã, edificado sobre um terreno
alto, com nível hidrostático em torno
de 7,5 metros, os estudos registraram
o fenômeno.
No Benguí, a exumação e a
limpeza da área são necessárias para
eliminar a contaminação e para uma
futura reutilização em outra finalidade. Quanto ao Tapanã, a exumação
é parte do processo de rotatividade,
liberando sepulturas para novos enterramentos.
n Argila facilita saponificação no Tapanã
Diferentemente da situação extrema do Benguí, o Tapanã, aparentemente, apresenta condições ideais para
abrigar um cemitério, mas a análise da
subsuperfície apresentou uma característica típica da Amazônia: a presença
excessiva de argila. Impermeável, ela
retém a água da chuva, formando um
grande bolsão de lama em torno do cadáver, cujo desenvolvimento, durante
vários meses, foi monitorado pelos
pesquisadores com instrumentação
sofisticada. É essa lama a responsável
pela saponificação.
Os coveiros do cemitério informaram aos pesquisadores que a
saponificação está impedindo a rea-
lização de exumações periódicas. A
situação tende ao agravamento, pois
o cemitério já enfrenta problemas de
superlotação, que motivaram o uso
das passarelas de terra para sepultamentos, bem como a construção de um
novo ossuário, eliminando, assim, o
depósito num dos banheiros. A porção
final do cemitério, por sua vez, não
pode ser ocupada, porque o lençol de
água subterrânea está muito próximo
da superfície.
“Nossos estudos mostram que
a saponificação é frequente. Isso vale
para a Amazônia inteira. A solução
mais viável é o forno crematório”,
alerta Lúcia Costa e Silva, diante da
proposta da Prefeitura de construir um
cemitério vertical. Comparando os
dois tipos, a pesquisadora ressalta que
a cremação é rápida, eficiente, agride
menos o ambiente e precisa, apenas,
de um bom dispositivo para filtrar
odores, enquanto o cemitério vertical
requer tratamento de gases e líquidos
produzidos. Pesquisa de opinião realizada pelos pesquisadores mostra
que, ao contrário do que muitos podem pensar, a cremação é aceita pela
população. O Pará é o único Estado
brasileiro com dois crematórios particulares. Em muitos países, há centenas
de crematórios, caso dos EUA, Japão
e Alemanha, entre outros.
As recentes descobertas dos
geofísicos no estudo de cemitérios
foram realizadas com auxílio de
uma nova tecnologia de leitura de
subsuperfície, o radar de penetração
do solo (GPR), modelo SIR – 3000,
da GSSI com antena de 400 MHz.
Semelhante a uma enceradeira, o
radar atua como um escâner que
faz leitura de subsuperfície até a
profundidade de 15 metros. Empregando o GPR e o método Slingram,
o professor Waldemir Gonçalves
Nascimento realizou o estudo “Investigação geofísica ambiental e
forense nos cemitérios do Benguí e
do Tapanã”, sob orientação de Lúcia
Costa e Silva. O trabalho tornou-se a
primeira dissertação de mestrado em
Geofísica Forense do Brasil.
No Benguí, o GPR foi empregado na detecção do nível hidrostático, considerando que, na implantação de um cemitério, a informação
mais importante é a profundidade do
aquífero. No Tapanã, utilizou-se o
GPR e o Slingram em levantamentos
mensais a fim de detectar a profundidade do aquífero, monitorar a contaminação e, especialmente, encontrar
alvos forenses num campo de testes
instalado naquele cemitério, autorizado pela Prefeitura de Belém.
O Campo de Testes Controlados de Geofísica (Foramb) ocupa uma
área de 13x10 m. Foi construído de
modo a permitir testes de interesse
da criminologia, uma recente aplicação com vistas à detecção de covas
clandestinas, restos mortais, pessoas
vítimas de soterramentos, túneis subterrâneos e armamentos enterrados.
Nele, foram enterrados o corpo
de um indigente cedido pelo Instituto
Médico-Legal; uma caixa oca, simulando um túnel para fugas construído
em penitenciárias e uma caixa fechada contendo metais com peso equivalente a um conjunto de armas, a fim
de simular armamento enterrado para
despistar seu roubo.“Na literatura,
são comumente encontrados campos
de testes realizados com animais,
em geral suínos”, informa Waldemir
Nascimento.
A pesquisa mostrou que a
utilização do GPR na Geofísica
Forense consegue localizar extremamente bem cadáveres e túneis. A
caixa simulando armamentos não foi
detectada nos primeiros meses, mas
somente após o começo das chuvas.
Além disso, evidenciou que a fase de
decomposição humana também deixa
registro, seja pela ampliação do sinal
produzido pelo cadáver, seja pela
observação do sinal que acompanha
o fluxo hidráulico.
Uma característica importante
do campo de testes é que ele vem
sendo usado por dezenas de alunos
de graduação e de pós-graduação e
está aberto para acompanhamento dos
testes por profissionais relacionados
à área forense.
8 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará –Junho/Julho, 2009
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009 –
Políticas Públicas
Alexandre Moraes
Aquecimento Global
Praça é espaço democrático de lazer
Estudo faz mapeamento das áreas de turismo e diversão em Belém
D
Aumento de temperatura e poluição concentrada são causas das fortes chuvas que atingem os grandes centros
Amazônia deve ficar mais seca e quente
Consequências das mudanças climáticas já são sentidas nos centros urbanos
Tatiara Ferranti
F
uracões, chuvas prolongadas,
ciclones, propagação de doenças, como malária e dengue,
extinção de espécies animais e vegetais, enchentes, secas, alagamentos,
estiagens prolongadas ou desertificação de algumas áreas e, principalmente, aumento da temperatura
da atmosfera. Essas são as principais consequências do aquecimento
global, fenômeno que se refere à
elevação da temperatura média dos
oceanos e do ar próximo à superfície
terrestre.
A dissertação de mestrado
“Tempestades severas na Região
Metropolitana de Belém: avaliação
das condições termodinâmicas e
impactos socioeconômicos”, de João
Paulo Nardin Tavares, defendida
no Programa de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais do Instituto de
Geociências da UFPA, com apoio do
Museu Paraense Emílio Goeldi e da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), aponta questões
relevantes quanto à incidência de
chuvas extremas no período de 1987
a 2007.
A pesquisa revela que, nesse
período, a cidade cresceu e as chuvas
ficaram até duas vezes acima da média
climatológica (que é de 2.000 mm por
ano). Isso aconteceu em decorrência
da elevação dos valores das condições
termodinâmicas. “De 1987 a 2007,
houve um aumento significativo de
0,5°C nas temperaturas máximas do
dia em Belém devido ao aquecimento
global, o que resultou em tempestades
mais intensas e frequentes”, informa
João Paulo Tavares.
Segundo o estudo orientado
pela professora Maria Aurora Mota,
a incidência de tempestades na capital
aumentou a partir dos anos 80, quando o Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC) mostra
o início do aquecimento global. Já em
1990, é constatada uma maior frequência de tempestades e o aumento da
temperatura da terra.
A partir de 1994, há um volume
maior de chuvas que, segundo João
Paulo Tavares, ocorre em decorrência
do crescimento desordenado das cidades. “Os centros urbanos se tornam
mais quentes do que a periferia e isso
pode causar fortes chuvas por causa
do aumento da temperatura e da poluição concentrada. Se continuar assim,
n Previsão é de calor e ventos fortes
Engana-se quem pensa que a
substituição da floresta por pastagem
reduz as chuvas. A dissertação “A
influência do arco do desmatamento
sobre o ciclo hidrológico da Amazônia”, de Josivan Beltrão, apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais do IG/UFPA,
indica que essa redução ocorre em
determinadas regiões, mas aumenta
em outras, tanto no período chuvoso
como no período de estiagem.
Segundo Josivan Beltrão, que
considerou, na pesquisa, o modelo
de superfície de terra com vegetação dinâmica, no Estado do Pará, há
redução de 25% do índice pluviométrico no período chuvoso, tendo
diminuído, em até 15%, na estiagem.
Porém, no Estado do Amazonas, é no
verão que acontece a maior redução
de chuva, tanto em volume quanto
em área de abrangência.
Para o período de 1850 até
2000, registros globais mostram que
a temperatura e o nível do mar estão
aumentando e a cobertura de neve e
gelo tem diminuído. Considerando
o cenário de desmatamento para
o ano de 2050, a pesquisa aponta
aumento da temperatura e do vento
e diminuição, em 20%, de chuva na
zona costeira.
“Se os índices de desmatamento se mantiverem, podemos
esperar uma Amazônia mais seca e
quente nos próximos 50 anos”, estima Josivan Beltrão. O pesquisador
ainda alerta ser necessário que a
comunidade esteja atenta aos danos
que a retirada da cobertura vegetal
do planeta possa gerar, “as pessoas
precisam ter consciência de que o
desmatamento atual pode provocar
uma seca mais violenta no futuro e
dias mais quentes”. Os desmatamentos e as queimadas já são responsáveis pela maior parte das emissões
brasileiras de CO2 na atmosfera.
Segundo a professora e orientadora da dissertação, Julia Cohen,
o estudo foi mais específico, pois
avaliou o impacto do desmatamento sobre o clima na Amazônia
utilizando um modelo atmosférico
de alta resolução (30 Km), o que
permitiu examinar o papel dos rios,
da topografia e de diferentes tipos
de cobertura de vegetação. Também
foram utilizados cenários de desmatamento, e não o desmatamento por
completo.
Mas, que outros problemas o
aquecimento global pode causar?
Segundo a professora Julia Cohen,
alagamentos, doenças, problema
com a produção de grãos, especialmente na Ásia, onde é crescente
o risco de inundações, a perda da
biodiversidade da Amazônia e a
mudança no fluxo dos rios.
O documentário “Uma verdade inconveniente”, dirigido por
Davis Guggenheim e vencedor do
Oscar, faz um questionamento instigante: “o planeta nos traiu ou nós
traímos o planeta? Será esta a maior
crise da história?”.
as tempestades ficarão cada vez mais
severas”, alerta.
De acordo com o pesquisador,
o crescimento populacional e a ocupação desordenada aumentam a vulnerabilidade da sociedade aos eventos
extremos. “Na estação chuvosa, as
tempestades podem durar mais de
24 horas. Em tempo de seca, elas são
mais intensas, com rajadas de vento,
pancadas de chuva de curta duração,
raios e, eventualmente, granizo”,
avalia João Paulo Tavares.
As consequências são: pessoas
desabrigadas, cidades sem iluminação
e prejuízos financeiros. João Paulo Tavares defende a preservação e a criação
de áreas verdes na cidade, além da
educação ambiental, que minimizaria
os impactos das tempestades e amenizaria a temperatura da cidade.
Soluções para diminuir
o aquecimento global
• Colaborar para o sistema de coleta
seletiva de lixo e de reciclagem;
• Usar, ao máximo, a iluminação natural
nos ambientes domésticos;
• Não desmatar nem provocar queimadas nas florestas. Pelo contrário, plantar
mais árvores;
• Diminuir o uso de combustíveis, como
gasolina, dísel e querosene, e aumentar o consumo de biocombustíveis e
etanol;
• Regular, constantemente, os automóveis para evitar a queima de forma
desregulada e usar catalisador em
escapamentos de veículos;
• Instalar sistemas de controle de emissão de gases poluentes nas indústrias;
• Ampliar a geração de energia por
meio de fontes limpas e renováveis:
hidrelétrica, eólica, solar, nuclear e
maremotriz.
• Deixar o carro em casa e usar transporte coletivo ou bicicleta, sempre que
possível;
• Usar técnicas limpas na agricultura
para evitar a emissão de carbono.
Fonte: (http: //www.suapesquisa.com/pesquisa/solucoes­_
aquecimento_global.htm)
e segunda a sexta, às 6h
da manhã, Belém acorda.
Trânsito, carrinhos de tapioca, Ver-o-Peso movimentado. É
hora de trabalhar! Nos fins de semana, a cidade ganha outra dinâmica.
Há quem vista sua melhor roupa na
hora de sair e se divertir, aproveitando a folga da rotina. Mas, e se as
pessoas pudessem ter lazer todos os
outros dias em vez de só nos fins de
semana, ? É com essa reflexão que a
professora Jéssika Paiva França desenvolveu a dissertação “Políticas
públicas de lazer no município de
Belém-PA: concepções e intervenções”, apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social,
da Universidade Federal do Pará,
sob a orientação da professora
Olinda Rodrigues.
Pensar o lazer como elemento do cotidiano faz parte de
discussões recentes. Segundo a pesquisadora, o tema só passou a ser
investigado pelas Ciências Sociais
em meados do século XX, durante o
processo de industrialização e urbanização no mundo. Entretanto, um
lazer pensado ainda como “tempo
livre, enquanto sobra do tempo de
trabalho”. Acompanhando as concepções do tema, os debates sobre
direito, cidadania e participação
EM DIA
Acervo Pesquisador
Andréa Mota
Rádio Web
Praça da República reúne diferentes culturas, religiões e faixas etárias
impulsionaram as reflexões do lazer
no âmbito das políticas públicas.
Na constituição de 1988, o lazer
se configurou como direito social,
direito do trabalhador, práticas
desportivas para promoção social
e dever das famílias sobre crianças,
jovens e idosos.
Diante da compreensão de
lazer no âmbito do direito social, a
pesquisadora estudou as possibilidades de haver políticas voltadas à
manutenção desse direito nos dias
atuais. Em sua dissertação, Jéssika
Paiva França analisou, além das
políticas públicas, características e
concepções do tema, da criação e da
organização de espaços públicos e
fez o mapeamento das áreas de lazer
e turismo existentes no município
de Belém. Para a pesquisa, foram
considerados como espaços públicos de lazer: praças, áreas verdes,
teatros, igrejas históricas, museus,
ou seja, “todos criados pelo poder
público, mesmo que mantidos por
outras organizações”, assegura a
autora.
n Políticas não são comuns a todo o Estado
O primeiro passo da pesquisa foi bater à porta de quem
intervém nas dinâmicas do tema
na cidade: o governo. Foram ouvidas a Secretaria de Estado, Esporte e Lazer (Seel); a Secretaria
Municipal de Juventude e Lazer
(Sejel); a Companhia Paraense de
Turismo (Paratur) e a Coordenadoria Municipal de Turismo (Belemtur). Atualmente, esses órgãos
funcionam como agentes provedores do esporte, lazer e turismo
na região. Entretanto, grande
parte das ações desenvolvidas é
voltada às atividades desportivas
e ao turismo. “A Seel tem um
orçamento anual de, aproximadamente, R$50 milhões, no qual
uma média de 15 a R$20 milhões
é utilizada com o lazer”, afirma
a professora. Dessa investigação,
uma constatação veio à tona: as
políticas públicas de lazer não são
comuns a todo o Estado. Mas, por
quê? A justificativa da Seel seria
a de que “a própria sociedade é
responsável pela dinamização de
seu lazer”.
De acordo com a pesquisa,
as praças foram apontadas como
os principais espaços públicos
de lazer, por serem gratuitas e
democráticas. Além disso, con-
figuram como locais atrativos
às diferentes culturas, religiões,
faixas etárias e níveis socioeconômicos. “A gratuidade é o
elemento principal no processo
de escolha, uma vez que alguns
espaços foram apontados como
excludentes e segregadores por
exigirem a cobrança de taxa”,
assegura Jéssika França.
A pesquisadora defende
que a franquia de ingressos seja
ampliada para os finais de semana, contemplando a realidade
social, sem exclusão das classes
trabalhadoras, com seus poucos
recursos e tempo disponível.
n Sociedade não reconhece lazer como direito
A pesquisa também investigou outras percepções sobre a
temática “lazer”. Foram entrevistadas cerca de 30 pessoas, escolhidas aleatoriamente, nas praças
Batista Campos e da República.
Um dos questionamentos era:
existem políticas públicas de lazer
em Belém? 57% dos entrevistados afirmaram ignorar qualquer
política nesse sentido. Os dados
revelam que as reivindicações de
ações nessas áreas são pequenas,
pois o lazer ainda não é reconhecido como um direito. Mas, o que
seriam políticas públicas de lazer?
Para 63% dos entrevistados, política pública de lazer refere-se à
criação e manutenção de espaços
públicos voltados para esse fim.
Diante da multiplicidade
de indagações, algumas questões
aparecem: afinal, o que seria lazer? O lazer estaria diretamente
relacionado à criação de espaços? Jéssika França defende o
lazer como cultura em sentido
amplo - qualquer atividade pode
ser considerada lazer desde que
gere prazer ao ser humano. Nesse
sentido, Jéssika França trabalha
na compreensão de que nem todo
trabalho pode ser percebido como
alienante e penoso nem todo lazer
pode ser visto como prazeroso,
“uma vez que é resultado da mes-
ma sociedade excludente e de seu
modo de produção”.
Para a professora, “a dinâmica dos espaços está sendo
pensada dentro de uma lógica
mercadológica de construção de
redes de infraestrutura, deixando
para último plano as experiências
resultantes das vivências de lazer,
as possibilidades de sociabilidade,
a humanização e o exercício da
cidadania”. Para modificar esse
quadro, a pesquisadora incentiva
maior participação da sociedade
civil na construção de ações públicas no campo do lazer, a fim de
melhor contemplar os anseios e as
necessidades de todos.
Os ouvintes já podem conferir a
programação definitiva da Rádio
Web UFPA. Acessada por meio do
Portal da Universidade, a Rádio
está 24h no ar, com entrevistas,
debates e boletins informativos.
Fazem parte da grade os programas
UFPA Pesquisa, UFPA Ensino,
UFPA Comunidade, UFPA na Madrugada, Universidade Multicampi
e o Boletim Beira do Rio. A inclusão de um jornal diário está prevista
para o segundo semestre.
Seminário on line
No período de 1º a 05 de junho, o
Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (Poema) promove
o seminário on line “Barbárie ou
o quê? Sobre o Futuro da Espécie
Humana no Século XXI”. Os interessados devem acessar o site do
Poema http://www.poema.org.br/
e ler os textos disponíveis. Mais
informações: 3201.7700 ou [email protected]
Severa Romana I
O Centro de Memória da Amazônia
(CMA) realiza, no período de 31/06
a 02/07, o seminário “A Memória
de Severa Romana: de mulher a
santa popular”.A programação
acontecerá sempre das 14h às
18h30, no Centro de Convenções
da UFPA. As inscrições podem ser
realizadas na sede do CMA até o
dia 30 de junho.
Química
De 12 a 18 de julho, Belém abrigará
o XIV Congresso Regional dos
Estudantes de Engenharia Química das Regiões Norte e Nordeste.
A programação conta com minicursos e palestras que serão ministradas por professores da UFPA e da
Universidade Federal de Alagoas.
As inscrições podem ser feitas até
o dia 26 de junho. Mais informações no site do evento http://www.
coreeq2009.ufpa.br
Colóquio Kant
Já estão abertas as inscrições para
seleção de trabalhos a serem apresentados no “I Colóquio Kant e o
Kantismo”, que ocorrerá nos dias 08
e 09 de outubro, em Belém, promovido pela Faculdade de Filosofia, da
UFPA. Mais informações pelo site
http://kant.kantismo.zip.net
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6 – BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009
BEIRA DO RIO – Universidade Federal do Pará – Junho/Julho, 2009 –
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Meio ambiente
Instituto de Tecnologia da UFPA propõe construção de casa ecológica
Pesquisadores da Faculdade de Engenharia Civil apontam soluções ambientalmente viáveis para reaproveitamento de resíduos
Problema: para moldar colunas e
estruturas, as obras utilizam muita
madeira. Solução: nova técnica
de pré-moldagem que dispensa o
uso de madeira.
O lodo gerado na Estação de Tratamento do Bolonha pode ser reaproveitado para fabricação de tijolos
Glauce Monteiro
O
que uma garrafa de refrigerante, um vaso de cerâmica,
uma folha de papel, um pedaço de alumínio e a água que chega
a nossas torneiras têm em comum?
Para produzir cada um deles, geramos
rejeitos, substâncias que ameaçam o
meio ambiente e que não possuem uma
finalidade. Aliás, não possuíam. Pesquisadores da Universidade Federal do
Pará estudaram cada um desses problemas e apresentam propostas para o uso
desses materiais como matéria-prima
para a construção.
Que tal construir uma casa feita
com tijolos fabricados com o resíduo
do tratamento de água? Suas paredes
podem ficar mais resistentes utilizando
o rejeito da indústria cerâmica misturado com cimento. Quer construir um
segundo andar? Então façamos uma
laje com garrafas PET. É mais leve e
barato. As telhas podem ser fabricadas
com a lama vermelha que sobra do processo de beneficiamento do alumínio,
no nordeste do Pará. Seu lar doce lar
poderá ficar mais bonito se o mesmo
resíduo for usado para colorir paredes e
pisos em tons avermelhados, inclusive
as calçadas. Mas, se sua preocupação
é com os custos da construção, você
pode economizar 30% do valor da
obra adotando um novo método para
moldar e escorar as colunas e paredes
de sua casa, sem utilizar madeira. Essa
casa ecológica está sendo “construída”
diariamente, parte por parte, com as
pesquisas realizadas pelos professores
e alunos da Faculdade de Engenharia
Civil, da UFPA.
n Paredes de lodo defendem o meio ambiente
Problema: o beneficiamento de água
gera um resíduo chamado lodo, que
ameaça o equilíbrio ecológico em
cursos d’água. Solução: transformar
a ameaça em produto, utilizando o
resíduo na fabricação de tijolos.
Construir uma casa com tijolos fabricados com lodo tem o
desafio de enfrentar dois graves
problemas ambientais. De um lado,
criar uma utilidade para o que sobra
no processo de tratamento da água e
que pode prejudicar os ecossistemas
aquáticos de rios e igarapés. De outro, diminuir a extração desordenada
de argila para uso cerâmico ou para
a construção civil, prejudicando a
várzea e os manguezais.
Para que a água chegue até a
torneira de nossas casas, ela passa
por um processo de tratamento que
retira resquícios de terra ou folhas.
Essas impurezas formam o lodo. “É
um subproduto que contém matéria
orgânica, sílica e outros elementos,
mas é composto, principalmente,
das substâncias químicas utilizadas
durante o processo de tratamento
de água. Ele contém considerável
teor de alumínio, que é o produto
químico utilizado em Belém, e tem
um aspecto de lama, mas, praticamente, não apresenta mau cheiro”,
explica a professora Luiza Girard,
pesquisadora da Faculdade de Engenharia Sanitária e do Programa de
Pós-Graduação em Engenharia Civil
da UFPA.
Para cada 100 litros de água
que entra na Estação de Tratamento do Bolonha, restam 3,56 litros
de lodo. Em um mês, são gerados,
aproximadamente, 370.000 m3 desse
resíduo, que precisa ter destinação
adequada. O Grupo de Estudos em
Gerenciamento de Águas e Reuso
de Efluentes (Gesa) pesquisa este
rejeito desde 2003. “Nosso objetivo é
encontrar uma aplicação para o lodo
a fim de evitar que ele seja despejado
novamente no meio ambiente, prejudicando, inclusive, o abastecimento
de água potável dos centros urbanos.
O aproveitamento dessa substância
para a indústria da cerâmica é uma
alternativa viável que imobiliza o
resíduo e lhe dá uma função benéfica
na sociedade”, conta a professora.
Cabe à Elzilis Muller, a tarefa
de propor uma forma de utilizar o
lodo como componente de tijolos.
Aluna do curso de Pós-Graduação em
Engenharia Civil da UFPA, orientada
pela sanitarista Luiza Girard, Elzilis
testa fórmulas e formas de misturar
o rejeito na composição das peças
cerâmicas. O estudo é o segundo no
Brasil, desenvolvido em escala real,
ou seja, testa a possibilidade de ser
aplicado em uma verdadeira escala
de produção. A mistura de lodo e
argila foi usada para a fabricação
de 500 tijolos em uma empresa
cerâmica localizada em Benfica,
no nordeste paraense. “Analisamos
a composição do material antes e
depois da fabricação das peças e
percebemos que ele atende inteiramente às normas, com uma excelente
produtividade. É viável ambiental,
estrutural e economicamente”, garantem as pesquisadoras.
“Além de reduzir os impactos
ambientais, esse produto teria um
custo mais acessível, melhorando
a oferta desse insumo para a construção, especialmente para pessoas
de baixa renda”, defende Luiza
Girard.
Se você passar em frente
a uma obra durante a fase de
construção das fundações e vigas, perceberá o uso excessivo de
madeira para moldagem. Apenas
no ano de 2004, foram extraídos
cerca de 24,5 milhões de metros
cúbicos de madeira em tora da
Amazônia. Desse total, 63%
foram comercializados para a
construção civil. Pesquisadores
da Faculdade de Engenharia Civil, da UFPA, desenvolveram um
novo método de moldagem para
colunas e fundações, utilizando
elementos pré-moldados que dispensam o uso de madeira.
Elementos pré-moldados
são aqueles em que os elementos
estruturais são formados fora do
local da obra, o que traz a necessidade de transportar essas peças
até a construção. Um desafio,
se levarmos em conta o peso
de uma coluna ou de uma viga,
por exemplo. “Desenvolvemos
um elemento pré-moldado que
dispensa a madeira em todas as
etapas, com a vantagem de ser
mais leve que os outros modelos
do tipo, o que soluciona o problema do transporte. O material é tão
leve que dois homens são capazes
de carregá-lo e sua resistência no
estágio final da montagem é a
mesma dos modelos tradicionais”,
revela o engenheiro civil Dênio
Ramam.
Para usar essa tecnologia, é
preciso ter o projeto da obra com
as dimensões de cada peça. Então,
é confeccionada uma espécie de
molde com placas delgadas de
concreto, do tamanho exato de
cada parte da estrutura. Essa préforma já contém um espaço para
que sejam encaixadas as armaduras de aço. O material, então, está
pronto para ser levado até a obra,
onde receberá, por fim, o concreto
formando a viga ou coluna.
O Grupo de Análise Experimental de Estruturas e Materiais
(Gaema) já utilizou essa tecnologia para a construção de prédios,
obras de saneamento, muros de
contenção de cursos d’água e
solo, cortinas e paredes. “Em
uma obra comum, os custos com
moldes de madeira podem chegar
a 30% do valor total da estrutura
da construção e tudo isso vai para
o lixo depois. Com a dificuldade
que temos para adquirir madeira,
usar a disponível como molde
descartável é uma prática complicada econômica e ambientalmente”, afirma Dênio Ramam.
n O colorido e a resistência da lama vermelha nas paredes e pisos
Problema: a produção de alumínio gera, como resíduo, a lama
vermelha. Solução: utilizá-la na
produção de cimento, tijolos, telhas
e insumos coloridos.
Você já pensou em decorar
sua casa com tijolos, azulejos, telhas, paredes, fachadas ou calçadas
coloridas? Que tal fazer tudo isso
ajudando a promover o desenvolvimento sustentável da região
amazônica? O Grupo de Análise
Experimental de Estruturas e Materiais (Gaema), da UFPA, mostra
que isso é possível.
O alumínio que encontramos
em diversos produtos, como latas
de refrigerante e panelas, é obtido
pelo processo de beneficiamento
do minério de bauxita. O Brasil
possui a terceira maior reserva
mundial desse material, sendo
que 95% dele são encontrados
no Estado do Pará. Para produzir
alumínio, transformamos a bauxita
em alumina por um método conhecido como “processo Bayer”. Mas,
apesar das inúmeras utilidades do
alumínio, ele representa um sério
risco ambiental.
Especialistas estimam que,
para cada tonelada de alumina
produzida na Região Norte, a
mesma quantidade de lama ver-
n Garrafas PET
para fazer a laje?
melha é gerada. Lama vermelha é
um resíduo sólido prejudicial ao
meio ambiente e à saúde humana
que, sem destino, apenas pode ser
continuamente armazenada. Entre
os anos de 1999 e 2004, o Pará
produziu 9,6 milhões de toneladas
de alumina no município de Barcarena, no nordeste do Estado, o que
significa que a mesma quantidade
de lama vermelha foi produzida e
estocada.
“Precisamos propor alternativas para a utilização desse rejeito
sob pena de que, ao explorarmos
o minério paraense, além de perdermos as riquezas naturais, ainda
tenhamos que dar um destino às
milhares de toneladas de resíduos
geradas pelo processo de beneficiamento da bauxita”, defende Alcebíades Macedo, pesquisador do
Instituto de Tecnologia da UFPA e
um dos coordenadores do Gaema.
O Grupo de Pesquisa, em
uma série de projetos e análises,
estudou as possíveis aplicações da
lama vermelha na construção civil.
“Podemos obter quase todos os
elementos de uma casa com a utilização de lama vermelha. Tijolos,
telhas, cimentos, artefatos cerâmicos, ladrilhos de piso, blocos para
pavimentação podem levar, em sua
composição, percentuais de lama
Acervo projeto
Carlos Sodré/Ag. Pa
n O desafio da
madeira
Lama vermelha pode ser usada em tijolos, telhas e artefatos cerâmicos
vermelha, mantendo a mesma segurança que os materiais tradicionais
oferecem, ao mesmo tempo em que
apresentam uma utilidade para o
resíduo da produção mineralógica
paraense”, revela o pesquisador.
Uma das aplicações da lama
vermelha é seu uso como pigmento
pozolânico, a pigmentação utilizada para a construção civil. Utilizar
um concreto naturalmente colorido
evita o uso de revestimentos e tin-
tas, diminuindo gastos com a obra.
“A lama vermelha proporciona
maior resistência e homogeneidade
quando usada como pigmento pozolânico para ser misturada ao concreto”, garante Fádia Lima, em sua
tese de mestrado, pela qual comprovou que a lama vermelha pode
alcançar tonalidades de vermelho
em vários materiais, oferecendo
uma opção eventualmente mais
barata e ecologicamente correta.
Seu lar doce lar pode ficar ecologicamente correto
No teto:
Problema: em 2007, apenas 53,5%
das garrafas PET que circularam no
Brasil foram recicladas. Solução:
utilizar o material na fabricação de
lajes de plástico.
Você quer construir um segundo andar em sua casa? Que tal
utilizar garrafas PET? Fabricadas
com Poli Tereftalato de Etila, as
garrafas representam uma grave
ameaça ambiental. Para o professor
Adalberto Lima, é possível oferecer uma alternativa socioambiental
para o problema. “Pensamos em um
projeto que fosse uma alternativa ao
acúmulo de garrafas que contaminam rios e causam sérios problemas
urbanos, e que também gerasse emprego e renda. A produção de lajes
fabricadas a partir das garrafas PET
tem essa dupla natureza”.
Foram coletadas cerca de três
mil garrafas, que, depois de selecionadas e limpas, passaram por um triturador. Os flocos de plástico foram
derretidos e colocados em uma fôrma
padrão para a fabricação de blocos
cerâmicos para laje. “Os próximos
passos da pesquisa serão a análise
do produto criado e a construção de
uma laje no centro comunitário que
nos ajudou a coletar as garrafas”,
detalha Adalberto Lima.
n as telhas podem ser fabricadas com a lama
vermelha que sobra do processo de beneficiamento do alumínio no nordeste do Pará
Na estrutura:
n laje com garrafas PET.
n tijolos fabricados com o resíduo do tratamento de água
(lodo).
No revestimento:
n lama vermelha para colorir paredes e pisos em tons avermelhados, que podem ser usados também na calçada.

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