geração zero zero

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GERAÇÃO ZERO ZERO
FRICÇÕES EM REDE
Organização
Nelson de Oliveira
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SUMÁRIO
Nelson de Oliveira
Zero Zero: vidas líquidas [11]
GERAÇÃO ZERO ZERO
Flávio Viegas Amoreira
Apaixonado de mar [25] • Stallone, a pândega e o
pederasta [30] • O gato de Guima [34] • Nazca [38]
Marcelo Benvenutti
O homem que mostrava a língua [43] • O homem que
amava as gordas (e as feias também) [49] • O homem
que suava ratos [53]
João Filho
Sob o sol de lugar nenhum [59]
Whisner Fraga
X [77]
Andréa del Fuego
Um milhão de vezes [91] • Francisco não se
dá conta [95]
Daniel Galera
Laila [109] • O Velho Branco [118]
Marne Lúcio Guedes
A mão que afaga [127]
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Maria Alzira Brum Lemos
Perto de você [145] • A terrorista do sutiã [148]
• Conto para transmissão radiofônica [152] •
Princesa [154] • Ela nos meus sonhos [156]
Ana Paula Maia
Javalis no quintal [165]
Tony Monti
Esc [183] • Esboço de Ana [194]
Lourenço Mutarelli
Nova York 2007 [201]
Santiago Nazarian
Eu sou a menina deste navio [215]
José Rezende Jr.
Macaco! [233] • Ana esta noite [237] • Fervura
[240] • A partida do audaz marinheiro [244]
Sidney Rocha
Magnetismo [251] • Dança comigo [253] •
O carretel [255] • Certo dia, a prateleira [257]
• Não [258] • Sobre a arte de falir [260] • Para
averiguações [264] • O destino das metáforas
[266] • Texto de orelha [269]
Carola Saavedra
A rainha da noite [273]
Paulo Sandrini
O Rei era assim [289]
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Walther Moreira Santos
Chove [307] • Postais do abismo [318]
Carlos Henrique Schroeder
Apontamentos sobre o olhar [327]
Paulo Scott
sanduíche recheado de anzóis [347] • clichê policial [349]
Veronica Stigger
Mancha [363]
Lima Trindade
Bárbara não atende [391] • Eu, James Gandolfini (ou Jukebox) [400]
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ZERO ZERO: VIDAS LÍQUIDAS
Olho pela janela do monitor e uma infinidade de cenas e cenários
escorrega para o fundo de minha mente, para dentro do apartamento.
Clique aqui, ali, acolá. Cenas e cenários sonoros, confusos, disparatados, visuais, virtuais, estimulantes e desconcertantes. Se o hiperespaço
pudesse ser medido em quilômetros cúbicos, que tamanho teria? Seria
um planeta, um sistema solar, uma galáxia ou um universo?
O reconhecimento de padrões é uma das habilidades mais características dos seres humanos. Antes mesmo da invenção da escrita, antes mesmo da aquisição da linguagem, nossos antepassados olhavam o
céu noturno e enxergavam figuras: um deus, um demônio, um objeto
sagrado... A própria ciência é filha dessa habilidade. Não são os cientistas, de Tales de Mileto ao último popstar da física teórica, exímios
caçadores de regularidades na natureza?
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Na esfera da cultura não é diferente. É só unir os pontos. Observando a paisagem circundante, os críticos procuram o cosmo no caos. Tentam
pegar a água da vida com a peneira da razão. Usando os mais variados critérios, eles separam criadores (escritores, músicos, dramaturgos, cineastas,
artistas plásticos etc.) e criações (ficções e poemas, canções e sinfonias, comédias e tragédias, longas-metragens, gravuras e murais etc.) em grupos
distintos, a fim de imprimir ordem na desordem. O que o vestibular das
universidades públicas e particulares cobra é justamente a memorização detalhada de uma infinidade de padrões exaustivamente definidos. Do classicismo ao pós-modernismo, todas as escolas artísticas e literárias esmiuçadas
nas apostilas de nossos colégios são as constelações da era tecnológica: uma
cuidadosa união de pontos formando um desenho reconhecível.
Mas é importante lembrar que toda classificação é redutora, toda
catalogação pressupõe certo grau de simplificação e arbitrariedade. Alguns escritores detestam ser etiquetados, porque esse procedimento, ao
ignorar as diferenças e se concentrar apenas nas semelhanças, sempre
achata tudo o que é tridimensional. Não tem jeito. A ciência trabalha
com modelos teóricos. Sem esse reducionismo organizacional não haveria como humanizar o mundo. Não haveria crença verdadeira e fundamentada, ou seja, conhecimento.
Conforto, confronto
Reconhecer padrões na natureza ou na cultura pressupõe a insistente comparação, o reiterado cotejamento. Fugir do conforto, procurar o confronto.
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Zero Zero: vidas líquidas
Isso me lembra um comentário de Theodor Adorno, que discordava. Num dos aforismos da coletânea Minima moralia ele fez sérias
objeções à nossa compulsão em comparar as obras literárias, principalmente “as do mais alto nível e por isso mesmo incomparáveis”. Nessa
compulsão Adorno via o instinto do comerciante, do burguês bem-estabelecido que tenta medir tudo sempre com a mesma régua. Para
esses senhores a arte e a literatura não podem e não devem conter nada
de irracional ou subjetivo, e a melhor maneira de neutralizar a irracionalidade e a subjetividade de certos romances é forçando-os a caber nos
pratos da mesma balança.
Esse comentário de Adorno sempre me incomodou. Ele está certo: a compulsão à comparação, no mundo da arte e da literatura, é uma
perversão de burgueses fetichistas em busca de conforto, não de confronto. Espera lá, será que ele está mesmo certo? Não tenho tanta certeza. Afinal, qualquer atividade crítica só é possível por meio da comparação das obras, dos programas poéticos, das ideias. Certo ou não,
estamos neste mundo para comparar. Por necessidade. Ou por esporte,
por diversão, sem maiores pretensões.
Muitas peles
A Geração Zero Zero é formada por todos os ficcionistas brasileiros que estrearam na primeira década do século 21. O número é
gigantesco, não resta dúvida, pois nunca se publicou tanto como nesse período. Você, leitor, encontrará nesta antologia vinte e um desses
novos autores. O critério de escolha foi bastante simples, mas demo13
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rado: levou três anos. No início do projeto, decidi selecionar somente
os autores que hoje estão com dois ou mais títulos publicados. A lista
reuniu quase cento e cinquenta ficcionistas. Desse contingente, depois
de muita releitura, fiquei com os cinquenta que mais me sensibilizaram.
No final do trabalho de seleção, para reduzir o conjunto ainda relativamente volumoso à sua ossatura essencial, separei do grupo os vinte
e um prosadores que você encontrará nas próximas páginas. São, na
minha opinião, os melhores da Geração Zero Zero.
Muitos deles surgiram primeiro na maçaroca líquida da web.
Apesar disso, a internet e suas redes sociais — sites, blogues, Orkut,
Facebook, Twitter etc. — afetam essa geração apenas superficialmente.
Se a internet prometeu, no seu primórdio, revolucionar a literatura por
meio do hyperlink, essa promessa ainda não foi cumprida. Sites, blogues e miniblogues (Twitter) são ótimos veículos para a literatura, pois
condensam numa só pessoa a figura do autor, do editor, do impressor e
do livreiro. Também são ótimos veículos para a divulgação da literatura, espalhando resenhas e releases. Mas essas ferramentas digitais não
representam por si sós uma nova linguagem literária. Aliás, a web ainda não conseguiu sequer modificar profundamente a estrutura literária
off-line. Experiências hipertextuais como o Livro, de Mallarmé, ou O
jogo da amarelinha, de Cortázar, ainda dão de dez a zero em qualquer
experiência on-line.
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Zero Zero: vidas líquidas
Uma breve fatia de tempo
O princípio editorial de toda antologia é a consagração. Quando
Manuel Bandeira, Fernando Ferreira de Loanda, Flávio Moreira da
Costa e Italo Moriconi decidiram organizar suas seletas de poemas ou
de contos, eles foram atrás dos textos consagrados ao longo do tempo, dos melhores textos já publicados. Como você já percebeu, minha
antologia é um pouco diferente. Da mesma maneira que as duas anteriores, da Geração 90, esta não é uma seleção dos melhores contos da
Geração Zero Zero, mas dos melhores autores. Os contos aqui reunidos — todos inéditos, escritos especialmente para este livro (exceto as
crônicas de Lourenço Mutarelli, publicadas em seu blogue) — são um
aperitivo, um estimulante, um chamado à aventura. Para conhecer a
fundo seus autores, para perceber a real e fascinante dimensão de sua
prosa, você precisará ir em frente e mergulhar também nos livros que
eles publicaram.
Concordo que, por levar em consideração apenas o recorte temporal, minha definição de Geração Zero Zero pode parecer às vezes um
pouco rígida e arbitrária. Mas, na minha opinião, isso não é um grande problema, porque qualquer definição geracional é, em essência, um
pouco rígida e arbitrária. Se você disser que na Geração 90 ou na Geração Zero Zero há autores e estilos muito diferentes, eu responderei
tranquilamente que na Geração Modernista, na Geração Regionalista,
na Geração de 45, na Geração Beat, na Geração Mimeógrafo, na Geração Concretista, na Geração Web, apesar de o recorte ser outro, também há autores e estilos muito diferentes. O mesmo vale para a bossa
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nova, o tropicalismo, o cinema novo... O reconhecimento de padrões é
um procedimento que faz vista grossa para as diferenças e amplia consideravelmente as semelhanças.
Quem é quem neste vaivém
Olho pela janela do monitor e vejo — misturados a mangás, animês, filmes e games em 3d, vampiros e hobbits, bandas cyberpunk e
agentes da Matrix — os principais acontecimentos que modelaram a primeira década deste século: a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a
presidência do Brasil e a de Barack Obama para a dos Estados Unidos, a
explosão das Torres Gêmeas do World Trade Center e das redes sociais
na web, o sequenciamento do genoma humano e a criação do primeiro
micro-organismo artificial do planeta, o agravamento da crise ecológica
(aquecimento global), as pesquisas com células-tronco, a popularização
das drogas da inteligência e das próteses neurológicas, a invenção do
papel digital e o anúncio (sempre contestado) do fim do livro, o início e
o fim da Guerra do Iraque. A era do clique aqui está apenas começando.
Olho pela janela do monitor e parece que, em seus quase catorze bilhões
de anos, o universo nunca foi tão conturbado, tão humano e desumano.
O cenário editorial brasileiro é hoje mais vasto e dinâmico do
que no final do século 20. Segundo a Câmara Brasileira do Livro, no
Brasil são publicados mensalmente mil e quinhentos novos títulos. Ou
seja, quase vinte mil novos livros chegam anualmente às livrarias nacionais. Isso sem contar as reedições. É livro demais. Herbert Quain,
personagem-escritor de um conto de Borges, diria: “Hoje não há ci16
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dadão que não seja um escritor em potência ou em ato.” O reconhecimento de padrões gosta bastante de cenários assim: vastos, dinâmicos,
multifacetados. Do imenso oceano vago, multicolorido e informe, eu
destaquei primeiro a Geração 90, e agora a Geração Zero Zero. Ora,
por que parar aí? Partindo da ideia de que a Geração Zero Zero é formada por todos os ficcionistas brasileiros que estrearam na primeira
década do século 21, eu posso tranquilamente procurar novos padrões
dentro desse cenário menor.
Posso dividir o grupo maior em subgrupos, ou constelações menores, levando em conta apenas a temática (urbana, rural, policial, erótica, pop) ou a forma literária (realista, onírica, fragmentária, conservadora, transgressora). Não importa o recorte, as possibilidades combinatórias de conteúdo e forma são enormes. Os temas mais variados
— violência urbana (favela, periferia e crime organizado), conflitos
domésticos (tragédias da vida privada), conflitos familiares (guerra
conjugal, pais contra filhos), rotina doidona dos jovens (web, sexo, drogas e batida tecno), realidades estranhas (seres alegóricos, simbólicos,
fantásticos), inquietações psicanalíticas e metafísicas etc. — são apresentados das mais variadas maneiras, possibilitando muitas subconstelações de autores e obras.
O triunfo do bizarro
Fazendo a viagem inversa, retornando à constelação principal, eu
arriscaria dizer que há pelo menos um forte ponto de contato entre todos os autores da Geração Zero Zero: o bizarro.
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Três anos atrás, em minha coletânea de ensaios A oficina do escritor, num texto intitulado “Vida: modos de brincar”, sobre a Geração
Zero Zero, eu escrevi: “Os novos autores têm apresentado, hoje, coletâneas e romances de estreia muito superiores aos dos estreantes da
década passada. A atmosfera comum a toda essa prosa quase exclusivamente urbana é a do bizarro. Que, tendo em vista apenas a estrutura
formal, aparece das mais diferentes maneiras: ora em linha reta, ora em
zigue-zague, ora fragmentada, ora pulverizada e misturada, mas sem
jamais perder a sua consistência bizarra.”
Agora fiquei sabendo que um irlandês chamado Michael Foley acaba de publicar um livro intitulado The Age of Absurdity. Nele o autor defende a ideia de que o nosso cotidiano se transformou num amontoado de
bizarrices. A busca da juventude eterna, o consumismo desenfreado e a
solidão coletiva das redes sociais, por exemplo, estão injetando altas doses
de nonsense na realidade. O jeito, sugere Foley, é aceitar que vivemos
num mundo maluco. A melhor parcela da Geração Zero Zero está escrevendo justamente sobre essa realidade excêntrica.
“Nesse mundo desconcertado não há heróis nem grandes exemplos de conduta, há apenas figuras física e moralmente malformadas,
mutiladas, debilitadas, abortadas, aberrantes, doentias, demoníacas. Se
há beleza e equilíbrio no mundo, isso não é para nós. É para os hamsters, as iguanas, os animais do zoológico. Porque no momento em que
nos tornamos seres racionais tudo desandou. Um filtro cinza se interpôs entre nós e a realidade, que se tornou estranha, corrupta, traiçoeira” (“Vida: modos de brincar”).
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Zero Zero: vidas líquidas
Thanks, people!
Antes de encerrar, preciso agradecer aos autores aqui reunidos,
que receberam com entusiasmo meu convite para participar deste projeto e logo começaram a escrever as ficções inéditas agora publicadas.
Também gostaria de agradecer a todos os prosadores da Geração 90
que incentivaram a confecção desta Geração Zero Zero. Não resta dúvida de que a nova antologia dialoga vigorosamente com as duas primeiras, compondo com elas uma trilogia. Finalmente, devo um profundo agradecimento a Diogo Henriques, Elisa Izhaki, Connie Lopes
e José Eduardo Agualusa, por acreditarem no projeto e me ajudarem a
concretizá-lo da melhor maneira possível. Obrigado a todos.
Por razões que não vale a pena enumerar, cinco importantes autores acabaram ficando de fora desta seleção: Clarah Averbuck, João
Paulo Cuenca, Marcia Tiburi, Mário Araújo e Tatiana Salem Levy. A
eles e à sua obra, eu e a editora dedicamos este livro.
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