da dissertação completa
Transcrição
da dissertação completa
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB CENTRO DE EDUCAÇÃO - CE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE A FORMAÇÃO POLÍTICA DAS EDUCADORAS E EDUCADORES DO MST LUCICLÉA TEIXEIRA LINS JOÃO PESSOA – PB 2006 2 LUCICLÉA TEIXEIRA LINS A FORMAÇÃO POLÍTICA DAS EDUCADORAS E EDUCADORES DO MST Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação Popular da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª. Drª.Edneide Jezine Mesquita JOÃO PESSOA – PB 2006 para 3 LUCICLÉA TEIXEIRA LINS A FORMAÇÃO POLÍTICA DAS EDUCADORAS E EDUCADORES DO MST Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação Popular da Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências obtenção do título de Mestre. Aprovada em ___/___/___ Banca Examinadora ________________________________ Profa. Dra. Edneide Jezine Mesquita (Orientadora) ________________________________ Prof. Dr. Alder Júlio Ferreira Calado (Examinador) ________________________________ Prof. Dr. José Francisco de Melo Neto (Examinador) para 4 Aos meus pais, Judite e Eurico, amor ágape. Meu pai, camponês e agricultor, a tranqüilidade do campo, sua tranqüilidade de vida... Dedico. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom supremo da vida; À Profa. Dra. Edneide Jezine, pela orientação ao longo deste trabalho e por acreditar em mim, meus agradecimentos; Às minhas irmãs Laudicéia e Leni e meu irmão Cláudio, pelo amor e companheirismo; Aos(às) companheiros(as) do MST, por compartilharem suas experiências, viabilizando a concretização deste estudo, minha gratidão; Aos(as) colegas, companheiros(as) da linha de pesquisa Educação e Movimentos Sociais: Débia, Neusânia, Isaac, Creusa, Rita e Toninho, com os quais tanto aprendi; Aos(às) professores(as) do PPGE, que nos enriqueceram com seus conhecimentos; Aos professores Alder Júlio e Zé Neto, pela colaboração; À Profa. Rita Curvelo, pela leitura e sugestões; À profa. Maria Lúcia da Silva Nunes, pela correção gramatical; As amigas Iolanda Carvalho e Regina Celi e demais amigas(os), pelo incentivo. 6 RESUMO O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um movimento social que luta pelo acesso a terra, fonte de trabalho e renda para o camponês. Considerando o contexto de luta do Movimento e suas conquistas, esta pesquisa identifica os pressupostos filosóficos e ideológicos que fundamentam a formação dos (as) educadores (as) /militantes, a fim de analisar o significado dessa formação na construção de uma educação emancipadora. A análise pressupõe que o MST busca concretizar a idealização de que educadoras e educadores atuantes em suas escolas sejam militantes, para tanto promovem a formação política e ideológica desses sujeitos com o objetivo de envolvê-los em suas ações educativas. Busca-se compreender e aprofundar tais aspectos a partir da perspectiva teórica marxista sob os conceitos das categorias formação, ideologia e emancipação, adotando, nessa dimensão, como fundamento teórico a abordagem gramsciana acerca dos intelectuais orgânicos e hegemonia. Na perspectiva de apreender os elementos filosóficos e ideológicos que compõem a formação política dos educadores que atuam no MST, utiliza-se a pesquisa qualitativa de base analítica a partir de procedimentos de pesquisa que referendam a aproximação entre o pesquisador e o objeto da pesquisa, tendo como instrumentos utilizados para a coleta de dados: entrevistas semi-estruturadas; observações livres, além da técnica de análise documental. Para analisar os dados obtidos na pesquisa, emprega-se o recurso da Análise de Conteúdo, correlacionando os pressupostos filosóficos e pedagógicos identificados, que dão sustentação à formação política dos(as) educadores(as) do MST, com as falas dos sujeitos obtidas nas entrevistas realizadas, de forma que esses dados revelam a necessidade de intensificar o acesso à escolarização, combinando a dimensão política da formação de quadros com o conhecimento sistematizado. PALAVRAS CHAVES: MST, Formação, Ideologia, Emancipação. 7 ABSTRACT The “Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” (MST) is a social drive that works hard for access to land, source of work and income to the peasant. Considering the drive contest context and its conquests, this research identify the philosophical and ideological conjectures that base teachers and militants’ formation, in order to analyse this formation meaning for the construction of an emancipating education. The analysis pressuposes that the MST searches for making real the idealization that active educators in its school become militants, for this reason, promote the ideological and political formation of these subjects with the aim to involve themselves in educating actions. It searches to understand and deepen these aspects from the marxist theoretical perspective under the concepts of the categories formation, edeology and emancipation, adopting, in this dimension, like theoretical base Gramsci approaching about the organic intellectual and hegemony. In the perspetive of apprehending the philosophical and ideological elements that compose teachers’ political formation of these ones that act on MST, using the qualitative research of analytical base from its procedures that countering the approach between the researcher and the object, having as instruments for data collection: semistructured interviews, free observation, beyond documentary analyses technique. To analyse data obtained in the research, they use the resource of Contents Analysis. Correlating the philosophical and pedagogical conjectures identified, that give sustenance to the political formation of the MST researchers, with the subject speechs obtained in the interviews, in such a way that these data reveal the need of intensifying the access to schooling, combining the political dimension of staffs formation with the systemized knowledge. Key – Word: MST, Formation, Ideology, Emacipation. 8 LISTA DE SIGLAS CCHLA - Centro de Ciências Humanas Letras e Artes CE – Centro de Educação CEB – Conselho de Educação Básica CNE – Conselho Nacional de Educação EJA – Educação de Jovens e Adultos FFPG – Faculdade de Formação de Professores de Garanhuns IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEJC – Instituto de Educação Josué de Castro INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INEP – Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDB – Leis de Diretrizes e Bases MEPF - Ministério Especial de Políticas Fundiárias MNDH –Movimento Nacional de Direitos Humanos MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NMS – Novos Movimentos Sociais PRONERA – Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária UFPB – Universidade Federal da Paraíba UPE – Universidade de Pernambuco 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES CAPA: Militantes do MST no Encontro Intersetorial do movimento em Campina Grande / PB – Fonte: Lucicléa Lins Fotografia 1: Mística do I Encontro do PRONERA/Região Nordeste. João Pessoa/PB – Maio de 2005.- Fonte: Lucicléa Lins ...................... 60 Quadro 1: Princípios da Educação do MST............................................................. 70 Quadro 2: Princípios da Onilateralidade ................................................................. 72 Fotografia 2: Encontro Intersetorial do MST. Momento de Análise de conjuntura. Agosto/2005 – Fonte: Lucicléa Lins .................................................... 83 Fotografia 3: Encontro Intersetorial. Formação Política.Agosto 2005 – Fonte: Lucicléa Lins ........................................................................................92 Fotografia 4: Estudos coletivos nos encontros de Formação Política. Agosto/2005 Fonte: Lucicléa Lins ..............................................................................93 10 SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT LISTA DE SIGLAS LISTA DE QUADROS E FIGURAS INTRODUÇÃO...................................................................................................... 12 1 FORMAÇÃO E IDEOLOGIA COMO DIMENSÃO EMANCIPATÓRIA............................................................................................... 22 1.2 A ideologia como elemento da formação política ............................................ 27 1.3 Percorrendo as trilhas da emancipação ............................................................. 30 1.4 O papel do educador como intelectual orgânico................................................ 36 2 O MST E AS TEORIAS SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS .............. 41 2.1 Teoria sobre os movimentos sociais e o MST ................................................. 46 2.2 A luta como dimensão educativa dos movimentos sociais ...............................53 3 A EDUCAÇÃO DO MST E SEUS PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E PEDAGÓGICOS NO CAMINHO DA EDUCAÇÃO POPULAR .................. 59 3.2 O MST e a educação do campo ...................................................................... 59 3.3 MST: “A escola que queremos” ...................................................................... 61 3.4 MST: perspectiva e afirmação de sua ação educativa .................................... 65 3.5 Pressupostos da formação dos educadores do MST ........................................69 3.6 A educação no MST: projeto de educação popular? ....................................... 74 11 4 O MST E O PROCESSO DE FORMAÇÃO POLÍTICA ............................. 80 4.1 A escolha dos educadores.................................................................................94 4.2 Conteúdos trabalhados na formação política.....................................................98 4.3 formação praxiológica.....................................................................................104 4.4 Emancipação: constituinte da educação popular............................................ 108 5 CONSIDERAÇÕES .........................................................................................111 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 114 ANEXO A – Roteiro de observação...................................................................... 123 ANEXO B – Roteiro de entrevista ........................................................................124 12 INTRODUÇÃO O professor do MST deve ter preparo técnico e político. Deve ter clareza da proposta política dos trabalhadores sem terra e trabalhadores em geral. Deve participar da vida do assentamento. Só dar aulas não chega. Deve participar das discussões e ações principais do assentamento como um todo. MST,1993, p.19 O particular interesse em pesquisar a formação política e ideológica dos(as) educadores(as) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)1 é oriundo da experiência no projeto de Iniciação à Pesquisa Científica, desenvolvido na graduação e que tinha como tema “Trajetórias e Limites na Formação de Monitores/Alfabetizadores nos Assentamentos da Reforma Agrária em Pernambuco”. Essa pesquisa foi desenvolvida durante a execução do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), projeto que estava sendo executado pela Universidade de Pernambuco (UPE), através do campus da Faculdade de Formação de Professores de Garanhuns (FFPG) em parceria com o Governo Federal através do Ministério Especial de Políticas Fundiárias (MEPF/INCRA) e o MST. Dessa relação com os educadores do MST à passagem pelo Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), como voluntária no Centro de Direitos Humanos de Garanhuns/PE, nasce o interesse em pesquisar o universo dos movimentos sociais populares. Essa trajetória nos deu a oportunidade de ingressar no curso de especialização em Direitos Humanos no Centro de Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA/UFPB) e a busca de aprofundamento teórico da prática no Mestrado em Educação Popular, na linha de pesquisa Educação e Movimento Social do Centro de Educação (CE/UFPB). 1 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) constitui-se, atualmente, no mais expressivo movimento social do Brasil. Luta por distribuição justa de terra, fonte de trabalho e renda para o camponês. Também busca construir uma sociedade sem explorados, difundido valores humanista e socialistas nas relações sociais. Ver site http://www.mst.org.br. Também ver dissertação de mestrado de Silva, 2000. 13 Partindo da reflexão sobre o percurso caminhado, foi-se delineando o objeto da pesquisa em busca de entendimento sobre a formação política e ideológica dos(as) educadores(as) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Refletindo acerca da proposição do MST, constante da epígrafe citada, sobre o papel do professor, questionamos como se configura a possibilidade de se ter nos espaços escolares educadores(as) militantes? Nessa perspectiva, como se realiza a formação desses(as) educadores(as)? Essas foram as inquietações iniciais. A definição por esse objeto se deu, também, a partir da própria experiência, o que reflete a proximidade com o universo estudado. Portanto, não poderíamos deixar de externar a ligação com o campo, por ser oriunda da zona rural, ser filha de agricultor, por ter sido alfabetizada em escola rural e ter passado pelas dificuldades de acesso ao conhecimento sistematizado, tendo que romper com os limites impostos sistemicamente, de forma que nos sentimos socialmente comprometidos e desafiados a pesquisar sobre os movimentos sociais populares do campo. Nessa perspectiva, investigamos a formação política das educadoras e educadores do MST, analisando o sentido filosófico e ideológico dessa formação referente a seu significado na construção de uma educação emancipadora. Como o MST prima pela formação política de seus(as) educadores(as), entendemos que esse aspecto seja norteador de uma prática educativa que tenta se diferenciar dos objetivos, princípios e práticas da educação escolar vigente, geralmente assentada sob valores burgueses e mantedora do poder exercido pela classe dominante. Nesse sentido, pretendemos investigar os pressupostos filosóficos e ideológicos que fundamentam a formação dos(as) educadores(as) militantes do MST. Partimos, então, do pressuposto de que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) busca concretizar a proposta de que educadoras e educadores que atuam em suas escolas sejam militantes, compreendendo que somente a formação técnica (domínio de conteúdo formal) não é suficiente para o projeto de construção de uma educação voltada para a transformação humana e social, sendo necessário, portanto, a formação política e ideológica desses sujeitos educativos envolvidos com o movimento. Nesse sentido, questionamos: Quais os pressupostos filosóficos e ideológicos que fundamentam o processo de formação dos(as) educadores(as) que atuam no MST? E como 14 esses pressupostos têm subsidiado a formação política desses(as) educadores(as), na perspectiva de construção de uma educação emancipadora? A partir dessas problematizações e do pressuposto que o MST busca concretizar a idealização de que educadoras e educadores atuantes em suas escolas sejam militantes2, para tanto, promovem a formação política e ideológica desses sujeitos com o objetivo de envolve-los em suas ações educativas, foi que desenvolvemos esta pesquisa. Aspectos teóricos e metodológicos do percurso da pesquisa Nossa pesquisa desenvolveu-se a partir de um estudo analítico baseado nos pressupostos teóricos da Pesquisa Qualitativa, definido por Chizzotti (1991, p.79. apud JEZINE, 2002, p.19) como: [...] parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. Na possibilidade de perceber e compreender a dinâmica entre mundo real e os sujeitos, tivemos a pretensão, no decorrer do estudo, de apreender alguns significados do processo de formação dos(as) educadores(as)/professores(as) que estão nos espaços das escolas dos assentamentos e acampamentos do MST e dos(as) educadores(as)/formadores(as) que realizam a formação política no interior do movimento3. Quanto à modalidade da Pesquisa Qualitativa, segundo Neves (1996, p.01), “dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo”. Nesse tipo de pesquisa, todo o universo do 2 O militante é aquele que está organicamente ligado a grupos, movimentos sociais, sindicatos, igrejas, partidos, etc. Indivíduo que tem sentimento de pertença ao grupo e age em defesa dos ideais coletivos. 3 Estamos utilizando o termo educador(a)/professor(a) para aqueles e aquelas que estão nos espaços das sala de aula nas escolas dos acampamentos e assentamentos e, educador(a)/formador(a) para os(as) que integram o setor de formação do MST, o qual realiza a formação política. 15 fenômeno é imprescindível para entendê-lo profundamente, no entanto, faz-se necessário alguns recortes para que o objeto se apresente mais específico. A pesquisa qualitativa ao permitir certa flexibilidade no estudo possibilita que hipóteses e problemáticas possam ser reformuladas durante a ação investigativa. De forma que buscamos perseguir no processo de elaboração e análise desse estudo a problemática acerca dos pressupostos filosóficos e ideológicos que fundamentam o processo de formação dos(as) educadores(as) que atuam no MST e como esses pressupostos têm subsidiado a formação política desses(as) educadores(as), na perspectiva da construção de uma educação emancipadora. A respectiva abordagem teórico-metodológica, por não se pautar em padrões rígidos e estruturalmente fechados, facilita a relação entre pesquisador e objeto, bem como a apreensão dos diversos significados que corporificam o objeto na realidade, como assinala Triviños (1987, p.123): “O investigador, sem dúvida, ao iniciar qualquer tipo de busca, parte premunido de certas idéias gerais, elaboradas conscientemente ou não”. Contudo, torna-se imprescindível munir-se de técnicas de investigação e de algumas idéias para desenvolver a pesquisa, sabendo que muitas das idéias no transcorrer do estudo poderão ser reconstituídas diante da dinamicidade do conhecimento. Em nosso percurso metodológico, saímos a campo em busca de colher dados sobre nosso objeto. Participamos de dois encontros de formação política do movimento: um direcionado para os educadores que atuam na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e um outro que teve a participação de militantes dos vários setores do movimento4. Nesses encontros realizamos observações livres, conceituadas em sentido amplo e restrito por Triviños (Ibid, p.154), em que o aspecto amplo contempla todo coleta e processamento das informações; já como aspecto restrito se entende todas as observações e reflexões que se realizam sobre expressões verbais e ações do sujeito. Durante as observações livres realizadas a partir de um roteiro de observação,5 fizemos anotações, o que veio a constituir um diário de campo usado para a análise dos dados. As observações não se limitaram apenas aos encontros de formação do movimento, 4 A participação nesses encontros se deu respectivamente em abril e agosto de 2005 na cidade de Campina Grande/PB. O ultimo, Encontro Intersetorial, teve como facilitador um das lideranças nacional do MST, Ademar Bogo. 5 Ver anexo A, p.123. 16 mesmo porque logo percebemos que diante de nossa limitação material e espacial não daria para participar de encontros fora do Estado da Paraíba. Assim, procuramos dialogar com os sujeitos da pesquisa em outros ambientes, reuniões, ocupações, etc, buscando nessas interlocuções aprofundar a compreensão de nosso objeto de estudo. Dessa forma, visitamos à sede do MST da Paraíba que fica no bairro Treze de Maio na cidade de João Pessoa, onde tivemos acesso a alguns documentos concernentes ao objeto de estudo e, no dialogo com os(as) militantes, pudemos esclarecer muitas das nossas dúvidas. Manter essa ação dialógica foi muito importante, pois nos ajudou a conhecer mais de perto parte do universo desse sujeito coletivo que é o MST. Um outro procedimento de coleta de dados foi a realização de entrevistas semiestruturadas. A escolha pela entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados parte do entendimento de que esse instrumento valoriza a importância dos entrevistados na condução da pesquisa ou como define Triviños (1987, p.146): Ao mesmo tempo que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação [...] o informante seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa. Por seu caráter aberto de questionamentos, primando pela espontaneidade do interlocutor em suas respostas, foi que compreendemos a importância desse tipo de instrumento na aplicação e apreensão dos dados para nosso objeto de estudo. Nossa intencionalidade foi a de deixar os informantes sentirem-se livres e confiantes para melhor expressarem seu entendimento acerca das questões que lhes foram dirigidas. Sendo os sujeitos participantes da pesquisa os educadores/militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, realizamos entrevistas com educadores(as)/professores(as) que atuam nas escolas dos assentamentos aqui na Paraíba e que recebem formação política e com educadores que ministram essa formação6. As 6 As entrevistas foram realizadas com cinco educadores/professores que atuam em escolas aqui na Paraíba e seis educadores do setor de formação política do MST de cinco estados diferentes do Brasil. Dois de Pernambuco, um de Goiás, um do Rio de Janeiro, um do Paraná e outro de São Paulo. Essas entrevistas foram realizadas aqui na Paraíba aproveitando a presença desses militantes no curso de Graduação em História para militantes dos movimentos sociais do campo da UFPB. 17 primeiras entrevistas foram feitas com os educadores da Paraíba no encontro intersetorial que o movimento realizou no mês de agosto de 2005 na cidade de Campina Grande/PB. Já com os educadores que ministram a formação política, realizamos as entrevistas em João Pessoa no mês de outubro de 2005. Além das observações livres e das entrevistas semi-estruturadas, realizamos análise documental, a fim de reconhecer os pressupostos que dão sustentação à formação política dos(as) educadores(as) que atuam no MST, buscando compreender os princípios políticos e ideológicos que fundamentam sua prática formativa. A partir do reconhecimento dos pressupostos filosóficos, ideológicos e pedagógicos, constantes nos documentos que norteiam a formação política dos(as) educadores(as) do MST, correlacionamo-os às falas dos sujeitos da pesquisa, a fim de apreender a relação teoria e prática. Para analisar os dados coletados através das entrevistas, documentos e observações, utilizamos técnica de Análise de Conteúdo que, sob a concepção de Bardin (1977, p.21, apud TRIVIÑOS, 1987, p.160) “se presta para o estudo das motivações, atitudes, valores, crenças, tendências”, ajudando a desvendar as ideologias subjacentes. A análise de conteúdo é um instrumento importante na validação interpretativa de nosso estudo, porque nos tem ajudado a corroborar ou refutar, no conteúdo dos dados (os documentos, as entrevistas e os registros das observações), o que presumimos ser as concepções filosóficas e ideológicas dos(as) educadores(as)/militantes que atuam nos espaços das escolas do MST. Berelson (1952, p.13, apud GIL,1994, p.163) define a análise de conteúdo como uma técnica de investigação que, através de uma descrição objetiva, sistemática e qualitativa do conteúdo manifesto das comunicações, tem por finalidade a interpretação destas mesmas comunicações, seja através da comunicação oral ou escrita. O objetivo é apreender de seu conteúdo as categorias que se propõe a analisar, apoiados em teorias que fundamentam o estudo. Nessa perspectiva seguimos a metodologia de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977, p.95, apud GIL, 1994, p.163), a partir de três fases: primeiro, pré-análise; segundo, exploração do material e terceiro tratamento dos dados, a interpretação propriamente. 18 Importante reconhecer que esse processo não se dá separadamente como se fossem os últimos momentos da pesquisa, eles se articulam à pesquisa desde o momento em que decidimos o que pesquisar. Portanto, na análise da problemática, formação política e ideológica dos(as) educadores(as) do MST que se pressupõe a construção de uma educação emancipadora, nos tem indicado, a priori, os conceitos de formação, emancipação e ideologia, como categorias analíticas que fomentam a discussão e problematização dessa temática, nos oportunizando desvendar ideologias e construir novas indagações. Quem escolhe a priori as categorias de analise de um estudo, corre o risco de ficar apenas na abstração ou generalização dos conceitos. Para sanar essa questão foi que referendamos as categorias citadas sob um suporte teórico, conforme se encontra no capítulo subseqüente. Desse modo, buscamos aprofundar a temática a partir da perspectiva teórica marxista em que as categorias formação, ideologia e emancipação favoreçam a compreensão dos pressupostos acerca da formação política e ideológica dos(as) educadores(as) do MST, tendo como fundamento teórico a discussão gramsciana acerca dos conceitos de intelectual orgânico e hegemonia. Em Gramsci, discute-se o conceito de intelectual orgânico resultante da modernidade, da formação de novos grupos sociais ligados à função do mundo da produção econômica, que em decorrência elaboram um tipo de intelectual com capacidade dirigente e técnica, diferente do intelectual tradicional humanista, versado nas mais variadas ciências, nas letras e artes. Essa nova modalidade de intelectual surgiu como os novos organizadores da produção nas fábricas, como também organizadores das massas, através do partido e do sindicato. Para Gramsci (1982), não existe intelectual autônomo como defendiam os tradicionais, para ele todos estão essencialmente vinculados a um extrato social. Toda classe social elabora seus intelectuais orgânicos, sendo que, historicamente, essa função tem sido exercida pela classe dominante, conforme sua exposição: Os intelectuais são os “comissários” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso “espontâneo” impressa pelo grupo fundamental 19 dominante á vida social [...] 2) do aparato de coerção estatal que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que não “consentem”, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos momentos de crise, no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo (GRAMSCI, 1982, p.11). A respeito da existência desse tipo de intelectual, Gramsci aponta uma concepção praxiológica: “O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência [...], mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanente” ( Idem, p.08). Na sua visão esse novo intelectual tem que ser um especialista, porém, político. Sua tarefa consiste em assegurar a ideologia do grupo da qual faz parte, ou seja, conforme Glucksmann (1980 p.57): “Elaborar intelectuais políticos, capazes de desenvolver uma luta de classe hegemônica em todos os aparelhos de hegemonia da classe dominante [...] capazes de assumir todas as funções de uma sociedade integral”. O intelectual deve desenvolver ações dentro de um campo de disputa política e também assumir de maneira orgânica as funções econômicas, políticas e culturais da sociedade, elaborando ideologias e hegemonia. A hegemonia, vista a partir da concepção gramsciana, volta-se para a legitimidade do controle de um grupo social sobre outro, tornando-se dirigente, seja através de meios coercitivos ou pelo consenso, tendo os intelectuais agregados à classe subalterna o compromisso de organizar e elevar seus valores culturais e ideológicos, Gramsci, ao conceituar hegemonia no conjunto da relação classe subalterna e classe dominante, assinala: A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de “hegemonias” políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real. A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam [...] É por isso que se deve chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa – além do progresso político-prático – um grande progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos (GRAMSCI, 1991, p. 21). 20 Conforme o autor, o que determina uma relação hegemônica de uma determinada classe é sua capacidade de direção. Uma classe é hegemônica não pelo aspecto quantitativo, mas pela direção que consegue obter através de meios coercitivos ou persuasivos, nesse sentido é que a burguesia vem se mantendo hegemônica. A classe dominante mantém o controle sobre a sociedade não apenas através da coerção violenta, política ou econômica, mas também através da disseminação de sua ideologia, por seus intelectuais orgânicos, que, infiltrada no senso comum, configura na classe subalterna seu consentimento ao internalizar os valores e interesses da classe dominante como seus, mantendo assim a ideologia burguesa em sua hegemonia. De encontro a essa postura, Gramsci propõe à classe trabalhadora a necessidade de elaboração de uma contra-hegemonia que pudesse expressar seus próprios interesses, primeiro superando o senso comum, demonstrando a capacidade de elaboração ideológica por seus intelectuais orgânicos e, por fim, dirigir intelectual e moralmente os próprios aparelhos de hegemonia como a escola. Nesse sentido é que se compreende a disputa por uma educação de classe defendida pelo MST. Na construção acerca da formação política e ideológica dos(as) educadores(as) do MST, o presente trabalho está estruturado em quatro capítulos, seguidos de algumas considerações finais, referências bibliográficas e anexos, nos quais apresentamos nosso estudo, pretendendo contribuir com a produção de conhecimento sobre educação (popular) e movimentos sociais do campo, especificamente o MST. O primeiro capítulo foi construído a partir de uma revisão teórica dos conceitos norteadores da pesquisa: formação, ideologia, emancipação e da corporificação do(a) educador(a) militante como sujeitos de transformação, compreendendo-o como um intelectual orgânico na acepção gramsciana. O segundo capítulo, inicialmente, discorre sobre o Socialismo enquanto utopia ainda possível, vislumbrada pelo MST. Na seqüência examinamos teorias, conceitos e noções sobre os movimentos sociais, caracterizando nessa categoria o MST e, em seguida, tratamos da luta da sociedade civil organizada, destacando sua dimensão educativa a partir de suas experiências adquiridas quotidianamente, lutando pela participação direta nas decisões políticas e sociais. 21 No terceiro capítulo, dissertamos sobre os pressupostos filosóficos e pedagógicos que norteiam a educação do MST e que dão sustentabilidade à formação de seus/suas educadores(as). Nesse mesmo capítulo, discutimos a concepção do movimento sobre educação e escola, a afirmação de sua ação educativa pautada sobre o princípio de classe, além de atribuirmos seu projeto de construção e concepção educativa, voltada sob a perspectiva da educação popular. No quarto e último capítulo, analisamos os dados empíricos da pesquisa, correlacionando-os com os princípios filosóficos e pedagógicos identificados como pressupostos educativos do MST, buscando em sua análise a compreensão do processo de formação política e suas ideologias correspondentes; situamos, nesse sentido, sua relação com um processo que se propõe a ser emancipador. 22 CAPÍTULO I 1 FORMAÇÃO E IDEOLOGIA COMO DIMENSÃO EMANCIPATÓRIA Nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeira instância, um problema da vida prática. Isto quer dizer que a escolha de um tema não emerge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias socialmente condicionados, frutos de determinada inserção no real, nele encontrado suas razões e seus objetivos. Minayo, 1999, p.90. Ao propormos pesquisar a formação política e ideológica dos educadores do MST, não poderíamos deixar de usar a categoria formação como uma das definições de análise deste estudo. A categoria formação tem nos ajudado a enfrentar/desvendar algumas questões, a princípio obnubiladas pela (in)compreensão do fenômeno, mas aos poucos foi se desfazendo e passamos a perceber mais claramente o que em nossa frente se apresentava. Discutir os aspectos políticos e ideológicos pensados e executados acerca da formação de educadores do MST tem contribuído para refletir sobre o papel da educação no desvendar de índices de escolaridade, ainda precários e baixos no contexto brasileiro, revelados na evasão, exclusão e no analfabetismo presente em regiões geográficas com altos índices de pobreza7. A fim de compreender o significado do conceito de formação no processo educativo do MST, buscamos na produção do movimento, a partir de análise documental, apreender sua compreensão sobre formação que é entendido como: [...] um processo permanente, continuado e sistemático de reflexão e debates, buscando na teoria subsídio para que sejamos capazes de 7 Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), baseados em dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) do censo de 2000, a população da Paraíba aglutina um total de 27,2% de analfabetos. Por faixa etária temos: entre 10 a 14 anos 8,8%; entre 15 a 19 anos 8,7%; entre 20 a 29 anos 17,8%; entre 30 a 44 anos 23, 5 %; entre 45 a 59 anos 36,7% e acima de 60 anos 57,9 %. Outro indicativo é que 42,2% do contingente de analfabetos está no meio rural. Essa situação tem indicado a urgência de políticas na área educacional em suas diferentes modalidades e que sejam eficientes para a erradicação desse quadro. 23 implementar na prática pedagógica, a práxis que queremos (CADERNOS DO ITERRA n.10, 2004, p.21). Essa definição explicita sua concepção ideológica, ou seja, para o MST propiciar uma nova cultura escolar no/para o campo, faz-se necessário que seus educadores compreendam a dimensão de seu projeto político-pedagógico de educação, buscando superar as desigualdades, processo de exclusão, no qual se encontram. Nesse sentido, entendem a teorização como elo da prática, capaz de propiciar na ação/práxis dos sujeitos as transformações pretendidas. Discutindo o termo formação como diretriz de mudanças sociais, Caldart (1997, p.110), em sua dissertação sobre formação de educadores e educadoras do MST, demonstra em sua pesquisa o desejo desses atores sociais na perspectiva de construção de um projeto educacional voltado para os interesses da luta pela terra, sendo necessário para essa realização o preparo dos educadores(as): Isto quer dizer, estar preparada/o para implementar um projeto/movimento educacional coerente com o projeto/movimento político-pedagógico que tem sido produzido na luta pela Reforma Agrária e pela transformação social em nosso país. Fazer a leitura destes movimentos e conseguir impulsioná-los em outros tipos de ações educativas é o grande papel, e, portanto demanda formativa, de quem se pretende ser um/a Educador/a da Reforma Agrária, ou, mais especificamente, do MST. Essa compreensão acerca da formação vem sendo adotada e praticada pelo MST, objetivando preparar seus/suas educadores(as) para lidar com as multiplicidades de desafios, tanto no espaço das escolas dos assentamentos e acampamentos, como na sociedade. Para isso associam a dimensão política como elemento de composição ideológica à ação educativa, assegurando que seus/suas educadores(as) criem e desenvolvam competências destinadas à transformação da realidade escolar e da sociedade. Competências como “a socialização, a produção e o cultivo de saberes éticos, solidários e humanizadores, de comportamentos e valores que possibilitem a construção de uma consciência social emancipadora e transformadora da sociedade” (CADERNOS DO ITERRA n.10, 2004, p.21). Portanto, elementos que contribuem para o desenvolvimento 24 destinado ao exercício da cidadania, como a organização e produção material e cultural necessárias à existência humana. Nesses termos, a ênfase acerca do conceito formação não se constitui em uma definição acabada como a originada em sentido clássico, que explicita a idéia de modelar, padronizar. Essa tem sido, muitas vezes, a designação dada ao se conceituar formação, vejamos porque o termo tem tido esse sentido fechado. Reportando-nos aos gregos, o termo formação já delineava o sentido de modelar, segundo Jaeger (1994, p. 13) “colocar estes conhecimentos8 como força formativa a serviço da educação e formar por meio deles verdadeiros homens”. Conforme o enunciado, existia uma dicotomia no processo educativo da sociedade grega que era o de formar verdadeiros homens, deixando entender que existia um outro contingente de “maus” homens à margem desse processo. Os verdadeiros homens eram o cidadão9 grego, constituídos por uma fração daquela sociedade, relegando à condição de “maus” uma outra fração representada por mulheres, estrangeiros e escravos. Dessa maneira, a formação se apresentava para os gregos em um processo de construção com objetivo claramente definido: o de formar cidadãos para a pólis. Na tradição grega quem primeiro usou o termo formação foi Platão, no sentido de ser ela a ação do processo de educação (JAEGER, Ibid, p.13). Destarte, a formação é a ação pela qual o receptor ou educando recebe determinadas informações. Dentre as mais variadas definições sobre formação, existe um certo consenso de que a palavra alemã Bildung é a que mais se aproxima da significação grega, embora tenha sido apresentada sob essa derivação só no século XVIII, sendo considerada com significação histórica do humanismo10. Esta palavra corresponde à formação, configuração. O termo para Jaeger (Ibid, p.13): É a que designa do modo mais intuitivo a essência da educação no sentido grego e platônico. Contém ao mesmo tempo a configuração artística e plástica, e a imagem, ‘idéia’, ou ‘tipo’ normativo que se descobre na intimidade do artista. 8 O conhecimento ao qual Jaeger se refere é a cultura e filosofia grega. Na Grécia antiga, apenas os homens livres eram considerados cidadãos, excluíam-se as mulheres, os estrangeiros e os escravos. Ver Aquino; Franco e Lopes (1980). 10 Ver Cambi, 1999. 9 25 Formação na concepção grega associa-se a dimensões objetivas e subjetivas. A dimensão subjetiva revelada nas expressões artísticas e filosóficas, e a objetiva nas normatividades que influíam nas relações sociais da pólis. Conforme essa segunda dimensão, os gregos potencializavam a formação política, como nos lembra Jaeger: O homem que se revela nas obras dos grandes gregos é o homem político. A educação grega não é uma soma de técnicas e organizações privadas, orientadas para a formação de uma individualidade perfeita independentemente (1994, p.16). A formação grega como ação educativa preparava seus receptores para a vida política, contudo era uma fração reduzida dos gregos que tinha acesso a esse tipo de educação, apenas os que participavam das decisões da pólis, os cidadãos. Acreditamos que quando se pensa em formar é porque se tem em mente uma necessidade, seja ela de transmitir os valores culturais, de habilitar tecnicamente para uma função específica e mesmo o de oportunizar elementos de reflexão política que possam facilitar a percepção dos indivíduos às inversões imanentes a uma educação que transmite valores sociais e culturais voltados para a conformação. Nesta perspectiva, a educação historicamente como elemento de formação da consciência dos sujeitos, ao longo da caminhada da humanidade, tem-se voltado tanto para a manutenção do estado de exploração/expropriação como para a emancipação das pessoas. A concepção de educação tradicional tem sido, por excelência, marcada por esta concepção reducionista de formação a que se destina sua funcionalidade, pois em seu interior traz a intencionalidade de uma educação compartimentada que assegura a uma determinada classe social a transmissão dos conhecimentos universalizados seguidos pela manutenção de privilégios, de forma a preparar para, no mundo do trabalho, assumir, funções nobres e/ou cargos privilegiados na política. A máxima positivista de “ordem e progresso” continua presente nas relações sociais e na essência dessa proposta educativa que privilegia uns em detrimento de outros, disseminando e priorizando a especialização técnica/funcionalista para o mundo produtivo. Nesta concepção, Durkheim (1967, p.81) assegura que: O homem que a educação deve realizar, em cada um de nós, não é o homem que a natureza fez, mas o homem que a sociedade quer que ele 26 seja; e ela o quer conforme o reclame a sua economia interna, o seu equilíbrio. Portanto, para o autor, a funcionalidade da educação é desenvolver o espírito coletivo do indivíduo, resignando a existência do sujeito social a uma condição de submissão e não de autonomia em relação às instâncias política, moral e econômica. Nessa perspectiva, o termo formação associa-se ao exemplo do mito de Procusto11, a simbologia desse mito está na idéia de enquadrar as pessoas em fôrmas, padronizando-as mediante uma estrutura rígida de educação técnica-funcionalista. O termo formação, independentemente de suas variações, guarda a função de preparar, seja técnica, científica ou politicamente, os indivíduos para atuarem na sociedade. Partindo da compreensão de estamos investigando a formação política e ideológica dos(as) educadores(as) do MST, buscando apreender seu processo de formação, compreendemos que suas ações educativas explicitam significado emancipador e não domesticador, pois como nos adverte Freire, a ação educativa pode servir tanto como instrumento de libertação ou de dominação: “a educação não é um instrumento válido se não estabelece uma relação dialética com o contexto da sociedade na qual o homem está radicado” (1980, p.34). Estabelecendo uma dinâmica entre teoria e prática, ela poderá ajudar a transformar a realidade, possibilitando, a priori, uma postura crítica acerca da sociedade. Compreender a formação em sua dimensão política implica compreendê-la a partir dos fundamentos históricos e filosóficos da Educação Popular, sob o princípio do diálogo, visto como elo da ação formativa, pois o caráter dialógico é considerado elemento indispensável para atingir a emancipação, o contrário, a ausência do diálogo, leva à domesticação, como esclarece Freire (1982, p.81): 11 Bagno (2000, p.53-54) comentando sobre o mito de Procusto, descreve: “Procusto era um malfeitor que morava numa floresta. Ele tinha mandado fazer uma cama que tinha exatamente as medidas de seu próprio corpo, nenhum milímetro a mais, nenhum milímetro a menos. Quando capturava uma pessoa na estrada Procusto amarrava-a naquela cama. Se a pessoa fosse maior do que a cama, ele simplesmente cortava fora o que sobrava. Se fosse menor, ele a espichava e esticava até ela caber naquela medida. 27 Enquanto a ação cultural para a libertação se caracteriza pelo diálogo, ‘somo selo’ do ato de conhecimento, a ação cultural para a domesticação procura embotar as consciências. A primeira problematiza; a segunda “sloganiza”. O diálogo deve-se caracterizar como fio condutor das práticas educativas, sendo um exercício constante de respeito ao outro, à sua potencialidade de mensurar o quanto sincero ou ambivalente está sendo essa relação. Freire (1982) denomina o diálogo como o selo do conhecimento, mas para se chegar a esse estágio é necessário associá-lo à racionalidade, pela qual descobriremos a razão de ser, do que está sendo. A dimensão política da formação permeada pelo diálogo implica tornar cada um(a) co-responsável de um processo que o torne sujeito consciente12 de sua atuação histórica, transpondo de uma consciência ingênua para um filosófica. Pensar em uma formação emancipadora, que seja capaz de elevar a essência humana à sua realização ontológica, constitui um grande desafio, principalmente, para educadores populares inseridos em um sistema regulado por princípios liberais, daí a importância de compreender essa categoria de análise na pratica efetivada dos processos formativos do MST, em seus traços de desafios a serem superados, incorporados e ressignificados em sua realização e concepções filosóficas e ideológicas. Nesse sentido, a formação enquanto processo inacabado vem sendo entendida e vivenciada pelo MST como processo permanente e contínuo, tendo como “princípio metodológico básico que é: formar na ação” (CADERNOS DO ITERRA, n. 10, p.21, grifo nosso), ou seja, a própria dinâmica do movimento proporciona experiências educativas que ajuda a dimensionar a ideologização de uma educação voltada para a classe trabalhadora. 1.2 A ideologia como elemento da formação política 12 Para Freire (1979,p.94), a tomada de consciência é um “processo pelo qual os seres humanos se inserem criticamente na ação transformadora”. 28 Analisar a função da ideologia como elemento constitutivo da formação política dos educadores militantes do MST nos ajudou a entender como está posta a relação desse movimento social com a sociedade, expressa em sua concepção de educação e escola. No percurso da pesquisa, buscamos compreender as ideologias subjacentes ao nosso objeto de estudo, quais sejam: que ideologias servem de orientações na constituição da formação política dos educadores do MST? Como tais ideologias se efetivam na prática de formação desses educadores? Sabemos que a compreensão acerca da ideologia perpassa as outras categorias, formação e emancipação, que integram as categorias de análise deste estudo. Marx e Engels conceituam ideologia a partir de uma conotação crítica e negativa13. Marx definiu as concepções hegeliana de Estado e religião como inversões que obscurecem o verdadeiro caráter das coisas, pois mesmo Hegel enxergando as tensões entre Estado e sociedade não as criticou, nem propõe sua superação; o ângulo pelo qual Hegel observava a relação Estado e Sociedade era sob o prisma da propriedade privada, submetendo o homem e a mulher à divisão do trabalho e, por conseguinte, às divisões de classes. Marx também estende suas críticas a Feuerbach, no que concerne às suas idéias metafísicas, embora aceite sua tese de que é o homem que faz a religião, mas, a idéia de que Deus fez o homem, para ele é uma inversão, de modo que a religião, para Marx, é vista como uma alienação filosófica, porque ela distancia o homem das contradições do mundo real. Nesse sentido, as análises marxistas sobre a ideologia aparecem relacionadas ao termo inversão que designa o ocultamento da realidade concreta. Portanto, nesse contexto, a ideologia assume uma conotação negativista, sendo fruto dos interesses das classes dominantes pelo qual legitimam seus interesses. Nessa visão, a superação das distorções ideológicas será possível quando desaparecerem as contradições que lhes deram origem, que para Marx se encontram no capitalismo. A atribuição negativa que Marx e Engels concederam ao termo ideologia desaparece na evolução do conceito, a partir de seus continuadores. Lênin ampliou o significado do conceito de ideologia a partir do entendimento de que se a classe dominante tem seus 13 . O conceito de ideologia desenvolvido por Marx passa por várias fases, porém sem admitir ruptura epistemológica. Ver Bottomore, 2001 29 respaldos ideológicos, a classe dominada também os tem.14. A mutação do conceito, em Lênin, consiste na consciência política das classes, atribuindo uma especificidade à tomada de consciência da classe operária, que passa a buscar seus interesses tentando superar as contradições existentes. Na evolução do conceito ideologia, o marxismo como teoria política passou a ser utilizado como campo de análise ideológica para explicar as polaridades da sociedade capitalista: capital e trabalho; burguesia e proletariado; opressores e oprimidos; manutenção da ordem social e revolução, dessa forma, avançando e superando a visão negativista proferida por Marx e Engels (1998a). Gramsci (1991, p.62), ao analisar o termo lhe atribui adjetivações como “ideologias arbitrárias” e “ideologias historicamente orgânicas”. É necessário, por conseguinte, distinguir entre ideologias historicamente orgânicas, isto é, que são necessárias a uma determinada estrutura, e ideologias arbitrárias, racionalistas, “desejadas”. Na medida em que são historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade que é validade “psicológica”: elas “organizam” as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc. Na medida que são “arbitrárias”, elas não criam senão ‘movimentos’ individuais, polêmicas, etc. A designação de ideologia arbitrária se refere às arbitrariedades particulares dos indivíduos, já a ideologia historicamente orgânica é uma concepção de mundo implicitamente manifestada nas várias atividades da vida individual e coletiva, a percepção da realidade objetivamente. Nesse sentido, a ideologia constitui a racionalidade pela qual os indivíduos orientam suas ações, estas são criadas, na acepção gramsciana, tanto pela classe dominante como pela classe subalterna. A classe dominante, por imperar economicamente, acaba por introjectar nas outras classes a aceitação de suas idéias, estabelecendo sua hegemonia. E, não é só na economia 14 Para Lênin, “a ideologia torna-se a consciência política ligada aos interesses de cada classe; em particular, ele dirige sua atenção para a oposição entre a ideologia burguesa e a ideologia socialista” Ver Bottomore, 2001, p.186. 30 que a classe dominante assegura o “consentimento”15 das massas, ela utiliza-se de outros aparelhos, como a escola e os meios de comunicação para universalizar sua ideologia. Portanto, Gramsci avança no entendimento marxista sobre ideologia, estando esta não apenas no domínio econômico, mas também no político e cultural. Gramsci, em suas análises sobre o papel dos intelectuais orgânicos, aponta a função destes em elaborar e produzir ideologias, mesmo que historicamente essa função tenha sido exercida pela classe dominante, os efeitos da modernidade organizaram outros tipos de intelectuais provenientes dos partidos e sindicatos, os quais têm a missão de elevar o nível intelectual das camadas populares, “o que significa trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo, que surjam diretamente da massa e que permaneçam em contato com ela para tornarem-se os seus sustentáculos” ( GRAMSCI,1991,p.27). Ademais, a constituição desses intelectuais, também consiste na missão em desenvolver uma percepção do mundo criticamente, o que corresponde à superação do senso comum em consciência filosófica. Nesse sentido, a concepção ideológica desse processo em Gramsci aponta para a não dicotomização entre prática (experiência) e teoria (conhecimento), de maneira que essa superação “inova continuamente o mundo físico e social, torne-se o fundamento de uma nova e integral concepção do mundo” (GRAMSCI, 1982, p.08). As ideologias são marcos referenciais, estratégicos e fundamentais para criação da identidade e luta dos movimentos sociais. É, portanto, tomando consciência de sua posição no contexto das contradições sociais que homens e mulheres lutam munidos por seus ideais, construindo ideologias. Seguindo essa perspectiva, buscamos apreender as ideologias circundantes do processo de formação política dos educadores do MST e, a partir delas, entender como desenvolvem essa formação e em que medida esse processo se propõe a ser constituídor de uma prática emancipadora. 1.3 Percorrendo as trilhas da emancipação 15 Colocamos a palavra entre aspas, porque esse “consentimento” se dá também, por meios coercitivos. 31 Analisar a formação política dos educadores do MST sob a perspectiva da emancipação16 é pertinente para este estudo, pelo fato desse segmento social ter como proposta educativa a realização do ser humano autônomo, capaz de pensar e inferir sobre a realidade, aspectos pelos quais se busca atingir a emancipação. Assim, a razão iluminista, produzida pela modernidade,17 pressupõe a emancipação por caracterizar o por que, do que e como se pretende emancipar. Nesse período histórico, a racionalidade sedimentou o rompimento com pensamento medieval que compreendia formulações unilaterais, rígidas e autoritárias de explicação de mundo e da existência humana. A racionalidade moderna projetou a emancipação humana em suas dimensões políticas, sociais e econômicas, possibilitando as mulheres e homens construírem seus próprios destinos. Contudo, a emancipação, expressão do pensamento moderno, ultrapassou sua temporalidade histórica, pois, na medida em que propôs a mulheres e homens a emancipação em suas diferentes dimensões, não conseguiu cumpri-la em sua plenitude, continuando a ser uma perspectiva contemporânea, pós-moderna, neomoderna ou qualquer outro neologismo com que possamos designar a atualidade. A emancipação continua sendo confrontada, perante as condições estruturais excludentes às quais o ser humano está submetido, pois, e sua concretização depende, em parte, de mudanças nessa mesma estrutura. A modernidade já nasce trazendo consigo elementos contraditórios, em que se percebe, de um lado, a tentativa em eliminar a ação política operacionalizada pelas classes subalternas e a luta destas em dimensionar a condição de cidadãs e cidadãos a um patamar de maior participação no campo político e social, rompendo com a domesticação imposta. A respeito desse excesso de controle social, posto pela modernidade, Santos (2003, p.235) assinala que: 16 Estamos utilizando neste estudo emancipação e liberdade como sinônimos, haja vista que emancipação tem a ver com desprendimento, se libertar de algo, portanto, o ser livre é o ser emancipado. 17 Período compreendido entre os séculos XVI e final do XVIII. 32 Foucault tem certamente razão ao denunciar o excesso de controle social produzido pelo poder disciplinar e pela normalização técnico-científica com que a modernidade domestica os corpos e regula as populações de modo a maximizar a sua utilidade social e a reduzir, ao mais baixo custo, o seu potencial político. Os efeitos da emancipação não têm sido disseminados a todo corpo social, ao contrário, conflui na domesticação e regulação que se sobrepõe aos interesses das classes subalternas. Nesse universo de controle e normatizações, o capitalismo18 se firmou reduzindo a classe trabalhadora ao ritmo da técnica industrial e sua constante vigilância. A emancipação, como atributo da modernidade, definiu-se como aspiração de todos(as) aqueles(as) que no início desse período viviam à margem da participação do cenário político sem expressividade alguma. No entanto, a emancipação continuou/continua sendo aspiração das classes subalternas. Nesse sentido, a modernidade processou campos de forças antagônicas polarizadas por capital e trabalho, classe trabalhadora e burguesia, capitalismo e socialismo. Santos (2003) evidencia que a regulação e a emancipação foram os dois pilares centrais do projeto da modernidade de contraposição ao capitalismo. Pretendendo-se um certo equilíbrio entre eles, equilíbrio não alcançado, porque ora esses pilares se apresentaram como forças antagônicas, ora se aproximaram, convergindo-se. Santos (Ibid, p.236) afirma que o equilíbrio entre ambos não foi conseguido porque “à medida que a trajetória da modernidade se identificou com a trajetória do capitalismo, o pilar da regulação veio a fortalecer-se à custa do pilar da emancipação”. O autor ressalta que no primeiro momento do capitalismo, o chamado capitalismo liberal19, o potencial emancipatório é suprimido pela racionalidade técnico-científica, porém, nesse momento, “se forjam as mais brilhantes construções emancipatórias da modernidade, sejam elas os movimentos socialistas, os 18 Entendemos o capitalismo sob a definição de Singer (1987,p.07): “Sistema sócio-econômico em que os meios de produção são propriedade privada duma classe social em contraposição a outra classe de trabalhadores não-proprietários”. 19 Santos (2003, p.79) analisa a trajetória histórica da modernidade ligando-a ao desenvolvimento do capitalismo, ele divide sua trajetória em três períodos: o capitalismo liberal, período que cobre todo o século XIX; período do capitalismo organizado, entre o final do século XIX atingindo pleno desenvolvimento no período entre guerras e depois da segunda guerra mundial; o terceiro período destaca os finais da década de sessenta, chamado de capitalismo desorganizado e, segundo o autor, é sobre este que nos encontramos hoje. 33 movimentos anarquistas, o mutualismo e o cooperativismo operários ou, enfim, o marxismo” (Ibid, p.241). A regulação surge como instrumento do capitalismo liberal e a emancipação se firmou como oposição fundamentada, defendida pela teoria crítica do marxismo na busca de superação das opressões existentes, “a emancipação por que se luta visa transformar o quotidiano das vítimas da opressão aqui e agora e não num futuro longínquo” (SANTOS, 2003, p.259). A emancipação tem sido, desde outrora, objetivo pelo qual lutam as classes trabalhadoras para atingir sua liberdade política. Ao operariado de outrora devemos muito das conquistas sociais e a esses agentes acrescentaram-se outros sujeitos sociais, urbanos e rurais, que vêm protagonizando conquistas importantes na sociedade, no que se refere aos direitos de cidadania. Das contradições existentes desde o início da modernidade em que se apresentam forças opostas: opressão, emancipação, verifica-se que a sociedade não constituiu um corpo harmonioso e as tensões estiveram presentes pelos desequilíbrios que se processaram. Se de um lado a classe que representava o capitalismo liberal legitimava suas ações através da regulação e por vezes da “emancipação”20, do outro lado as massas representadas pela classe operária apoiaram-se na emancipação como pressuposto político a se atingir. Para Santos (2003), a classe operária expressa uma subjetividade coletiva, ou seja, uma intersubjetividade capaz de autoconsciência e autonomia, pressupostos necessários para se atingir a emancipação, como postula Marx (2000, p.17) em suas contribuições a respeito do conceito: Não se trata de investigar, apenas, quem há de emancipar e quem deve ser emancipado. A crítica tem que indagar-se, além disso, outra coisa: de que espécie de emancipação se trata; quais as condições implícitas da emancipação que se postula. Ora a emancipação também foi um elemento perseguido e alcançado pelos burgueses em suas revoluções21. A unilateralidade dessa emancipação está na sua exaustão em dar sustentabilidade à burguesia, como bem criticou Marx (Ibid) referindo-se às leis por 20 Mesmo utilizando-se da emancipação para realizar seus projetos, o fato é que o capitalismo não fez nenhuma concessão à classe trabalhadora sem pressão da mesma. Ver Santos (2003). 21 Revolução Gloriosa (Inglesa), Revolução Americana e Revolução Francesa. 34 eles constituídas. Para Marx, a emancipação política constitui um elemento importante para a convivência social, mesmo sendo egoísta, pois, a despeito desse tipo de emancipação, o autor argumenta: Todavia, o direito do homem à liberdade não se baseia na união, do homem com o homem, mas, pelo contrário, na separação do homem em relação a seu semelhante. A liberdade é o direito a esta dissociação, o indivíduo delimitado, limitado a si mesmo ( MARX, 2000, p.35). A ênfase do autor à liberdade/emancipação conquistada pelo homem tornou-o uma mônada isolada22, preocupado apenas com sua própria realização. A questão central de sua crítica, em sua temporalidade, é que a emancipação política correspondeu aos anseios da burguesia. Por isso que para Marx a emancipação deve ser primeiramente humana quebrando o egoísmo, o individualismo na qual a emancipação política está centrada, egoísmo que faz com que o homem oprima seu semelhante. Portanto, nesses termos, a emancipação humana se constitui na busca de superação das contradições sociais, apontando para o respeito e a solidariedade entre as pessoas. Marx sintetiza a necessidade de “antes de poder emancipar os outros precisamos emancipar-nos” (Ibid, p.15). Compreendemos aqui não uma visão individualista de primeiramente o eu, mas a necessidade de uma inter-relação entre eu e o outro, constituindo uma emancipação mútua. Em Introdução à Questão Judaica, Marx (Ibid, p.09) afirma que o homem tem a capacidade de “assimilar as idéias que predominam durante o período de sua vida, bem como as que o antecedem, pois, ao nascer, ele se torna herdeiro de todo patrimônio cultural da humanidade”. Nessa compreensão, temos legado e por vezes nos apropriado de um patrimônio cultural milenar, porém, também absorvemos suas contradições. Concernente à educação, suas contradições revelam-se em sua dimensão funcionalista que presume a ordem social (Durkheim) e sua dimensão libertadora, aspiração de emancipação social (Freire). O conceito de emancipação, como utopia, permeia toda a constituição social de formação, inclusive educacional. Em Freire, encontramos oposições que constituem a centralidade de sua filosofia e de sua prática educativa, como libertação e opressão, 22 Termo utilizado por Marx em A Questão Judaica. 35 conscientização e ingenuidade, humanização e domesticação. A existência desses pólos constata a necessidade de superação, buscando-se atingir a emancipação do que ele chama de oprimido: A prática política que se funde numa concepção mecanicista e determinista da história jamais contribuirá para diminuir os riscos da desumanização dos homens e das mulheres (...) Percebendo, sobretudo, também, que a pura percepção da inconclusão, da limitação, da possibilidade, não basta. É preciso juntar a ela a luta política pela transformação do mundo. A libertação dos indivíduos só ganha profunda significação quando se alcança a transformação da sociedade (FREIRE,1992, p.100). Atingir o ser humano livre, autônomo, portanto emancipado, é o que nos aponta Freire em sua pedagogia libertadora, baseada no diálogo e no ser inconcluso. Para atingir essa proposição faz-se necessário que mulheres e homens assumam a condição de sujeitos históricos, compreendendo a educação como um processo que contribuirá para a construção de uma nova sociedade. As análises de Marx a respeito da emancipação humana e política, de Freire que assinala a perspectiva de uma educação libertadora e de Santos que indica a importância do engajamento da sociedade civil na construção da emancipação social, apontam, em caráter teleológico, para uma perspectiva de transformação social. Todavia a emancipação não é garantia para a realização plena da liberdade humana no contexto da sociedade capitalista e os fatos históricos sobre a modernidade nos mostram isso. Importa, porém, analisar que emancipação se vislumbra nas propostas educativas dos movimentos sociais e, especificamente neste estudo, acerca da formação política e ideológica dos(as) educadores(as) do MST, quais os elementos constitutivos da emancipação humana e política presentes nas suas propostas de educação? Essas e outras questões buscamos entender percorrendo as trilhas do processo de formação política e ideológica dos(as) educadores(as) do MST, procurando evidenciar a emancipação como alvo de sua luta, ensejada num projeto educativo de caráter popular, pois a emancipação se constitui como um dos elementos fundantes da Educação Popular. 1.4 O papel do educador como intelectual orgânico 36 Diante da corporificação do educador como sujeito de transformação, há um elemento que o caracteriza: a intelectualidade; esse mesmo elemento compõe o perfil do militante. Nesse sentido, o educador/militante é compreendido como um intelectual orgânico, na acepção gramsciana, por estar a serviço de sua classe. Em Gramsci, o partido moderno consegue formar seus próprios intelectuais orgânicos, “para alguns grupos sociais, o partido político não é se não o modo próprio de elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos [...] diretamente no campo político e filosófico, e já não mais no campo da técnica produtiva” (1989, p.14). Com vistas à emancipação da classe trabalhadora, havia necessidade de formar seus quadros, ou seja, compor um quadro de intelectuais que dessem expressão à causa operária, redimensionando a filosofia da práxis do campo econômico para o político. Para Gramsci, o partido tinha o importante papel no mundo moderno de ser elaborador e difusor de concepções de mundo. Decerto que não era meta do partido transformar toda a classe trabalhadora em intelectuais orgânicos, mas indicar a estes a capacidade de pensar e intervir na sociedade. De modo que, todo trabalho, seja físico ou mental, compreende um certo grau de intelectualidade, de consciência racional sobre sua ação: Não existe trabalho puramente físico e de que mesmo a expressão de Taylor, “gorila amestrado”, é uma metáfora para indicar um limite numa certa direção: em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade intelectual criadora (Ibid, p.07). Assim, Gramsci admite que “todas as pessoas são intelectuais, poder-se-ia dizer então; mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais” (Ibid, p. 07), de onde se deduz a capacidade de todo(a)s em pensar e efetivar transformações, elevando sua consciência ao nível da racionalidade crítica. Os intelectuais orgânicos, como organizadores de classe, constituem-se como co-responsáveis na elevação da consciência da mesma, pois: São aqueles que se imiscuem na vida prática das massas e trabalham sobre o bom senso, procurando elevar a consciência dispersa e 37 fragmentária das massas ao nível de uma concepção de mundo coerente e homogênea – os intelectuais orgânicos são dirigentes e organizadores (MOCHCOVITCH, 2001, p.18). O trabalho dos intelectuais consiste na superação do senso comum,23 na elevação do pensar ao nível da consciência crítica, capacidade de elaboração filosófica e de concepções de mundo. Tendo o senso comum uma concepção de mundo desagregada de suas reais circunstâncias e determinismo, necessário é sua superação por uma concepção de mundo coerente e crítica, que indica superação da ideologia dominante, pois “a base de sustentação da ideologia dominante é o senso comum” (MOCHCOWITH, 2001, p.14). Partindo dos elementos teóricos apresentados por Gramsci para o enfoque central do nosso objeto de estudo, a formação política dos(as) educadores(as) do MST, temos alguns elementos que se aproximam e outros que vão além do pensamento gramsciano em seu contexto sócio-econômico e cultural. Um componente comum a formação política dos(as) educadores(as) do MST e do intelectual orgânico pensado por Gramsci, é a preocupação de ambos com os aspectos políticos e ideológicos de atores sociais, ou melhor, formar sujeitos sociais com consciência de classe para disseminar a ideologia de classe. O educador/militante do MST, nessa compreensão, entende-se como um intelectual orgânico, por seu caráter dirigente e elaborativo da consciência de classe, usando o espaço escolar como um meio para disseminá-la. O componente que os diferencia e supera, nesse sentido, o pensamento de Gramsci, é que o partido não mais se constitui como único formador de intelectuais orgânicos sob a filosofia da práxis, hoje ele divide o espaço com outros segmentos sociais, como os movimentos sociais que aspiram à transformação da sociedade. Nesse contexto, o MST, que se define como o movimento social de base filosófica marxista, busca em seu processo de formação garantir a difusão de seus princípios constituídos a partir da filosofia da práxis, assumindo a responsabilidade de formar seus quadros, como assinala um entrevistado. 23 A esse respeito, Gramsci (1989; 1991), exemplifica citando a religião e o folclore. 38 O movimento já se assume na sua formação político-ideológica com a busca de construção de uma formação marxista pra os camponeses (Educador/formador 6). Destacar a importância do caráter intelectual do educador/professor se dá pelo fato dele agir diretamente na escola, vendo-a como espaço de construção de ideologias e hegemonias, onde a socialização formal do conhecimento e da cultura é repassada, tendo a preocupação, no desempenhar desse seu papel, de não reproduzir a ideologia dominante, o que às vezes ocorre, tacitamente, em virtude da (de)formação de seus docentes, conforme entrevista: O conceito de educação que vigora hoje é um conceito da classe dominante, então, qualquer educador do sistema que venha dar aula dentro da área de assentamento ele não vai trabalhar contra-ideológico, ele já trabalha isso sem ele mesmo perceber, não é preciso ser contra o MST para trabalhar contra sua ideologia. O método dele já é contra a ideologia do movimento porque não é uma educação para a liberdade é uma educação para enquadrar a pessoa no sistema, né? Porque eles vem assim, pensam assim, todo o pacote que ele traz pra fazer o seu trabalho é de um sistema da educação vigente, é essa aí, que sabe a hegemonia é ela, ela que manda, ela que domina, todas as escolas, todas as universidades trabalham nesse mesmo método, então, por mais que um educador não queira, não vou chegar lá e trabalhar contra o movimento mas o método dele já afeta esse processo de libertação dos trabalhadores que o movimento preza (Educador/Formador 5). Estando consciente de seu papel, no caso de educadores/professores que internalizaram os princípios filosóficos e ideológicos do movimento, estes utilizarão seu trabalho para a emancipação das pessoas, traçando no interior da prática do ensino oficial uma luta por uma educação de/para a classe, como sinaliza Ribeiro (1984, p.46): Quanto mais clareza o professor tenha de que está inserido na referida luta pela socialização da cultura, e quanto mais intencional tome posição favorável em relação ao segundo elemento da contradição (burguesia, grifo nosso), melhores condições ele vai adquirindo de exercer concretamente (e não apenas em palavras) ou (boas intenções) sua função na direção da satisfação das unidades propriamente humanas. Por isso que o MST faz apologia à formação do educador/militante, com postura contrária ao modelo de educação estatal, não que dela não queiram usufruir, ao contrário, se 39 luta pela direito à escola pública. O educador/militante, ao se caracterizar como um intelectual orgânico, deverá ter capacidade pedagógica/técnica e política/dirigente para fazer funcionar a ideologia que esperam concretizar na construção de outras alternativas sociais. Em relação ao termo militante, encontramos em Freire (1979) algumas referências, como um processo de luta associado à esperança, mas não uma esperança inerte: “A espera só tem sentido quando, cheios de esperança, lutamos para concretizar o futuro anunciado, que vai nascendo na denúncia militante” (Freire,1979, p.59, grifo nosso). A militância, nesse sentido, deriva-se de movimento/dinamicidade, apostando na esperança de reais mudanças. Em outra passagem Freire, utiliza o termo para se referir à conscientização política de educadores que “abandonando o espontaneísmo humanitarista, se tornam realmente militantes” (Ibid, p.74). Nessa compreensão, o educador militante passa por um processo de conscientização política que surtirá efeito quando ele tiver superado o senso comum. A militância não é algo cristalizado, último, acabado, faz parte da aprendizagem contínua obtida em trocas de experiências concernentes aos ideais e valores de um determinado grupo. Herbert Blumer, da Escola de Chicago, identificando alguns mecanismos que dão estrutura aos movimentos sociais, identifica como um desses mecanismos o espirit de corps que “trata-se do sentimento de pertença, de identificação com o outro e consigo próprio, criando uma idéia do coletivo. O resultado deste processo gera fidelidade e solidariedade ao grupo e vigor e entusiasmo para com o movimento” (BLUMER, 1951, apud GONH, 2004, p.33). A essa disposição, cogita-se no espirit de corps o militante que, para compreendêlo, devemos partir de seu envolvimento no grupo, acreditando nos princípios ideológicos do grupo e compartilhando de sua luta. O espirit de corps revela-se na práxis quotidiana do militante, na busca de transformação, no interesse pelo bem-estar do grupo, traduzidos em seu compromisso social. A construção deste referencial teórico é o ponto de partida para compreender e analisar a matriz teórica e filosófica que fundamenta a luta do MST por educação, principalmente diante da perspectiva do “suposto desmoramento” do Socialismo como 40 modelo de sociedade e do marxismo enquanto campo analítico filosófico do socialismo, como suporte de um projeto de formação política ideologicamente intencionada, temática a ser discutida no capítulo seguinte. 41 CAPÍTULO II 2. O MST E AS TEORIAS SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS As pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Boaventura Souza Santos, 2003b, p.64. Analisar as dimensões filosóficas e ideológicas do MST, no que se refere à formação de seus(as) educadores(as), nos impõe a necessidade de compreendê-la no contexto de luta dos Movimentos Sociais, surgidos na sociedade capitalista. Estudar o MST implica uma análise do tipo de sociedade que se propõe construir. Portanto, torna-se pertinente uma breve reflexão sobre o modelo socialista de sociedade, visto que apesar de todas as investidas (neo)liberais em invalidar essa perspectiva de sociedade, ela continua sendo uma utopia para muitos grupos sociais, a exemplo do MST. Huberman (1986,p.212) assinala que “sempre houve quem passasse uma boa parte do seu tempo especulando sobre sociedades melhores do que aquelas em que viveram”. A inferência do autor é no sentido de contextualizar que existem determinadas utopias que freqüentemente não passam de especulação, no entanto, outras tornam-se um ideal de sociedade que sedimentam algumas experiências. O MST, tendo um projeto de construção de uma sociedade justa e igualitária, vem tentando concretizar seus ideais sob a leitura marxista e marxiana de que “a emancipação da classe trabalhadora deve ser realizada pela própria classe trabalhadora” (MARX, 1848, apud HUBERMAN, Ibid, p.222). Assim, sua concepção utópica de sociedade diferencia-se dos socialistas utópicos do séc. XIX , Robert Owen, Charles Fourier e Saint Simon que as elaboraram pensando que conseguiriam com elas encorajar os ricos a dividir seus bens. Este último, Saint Simon, acreditava que “as classes trabalhadoras não se podem elevar a menos que as classes superiores lhes estendam a mão” (ibid, p.221). Esses socialistas utópicos foram duramente criticados por Marx e Engels em O Manifesto Comunista, escrito em 1848, por seu romantismo em apelar para o “bom senso” dos capitalistas e por não 42 acreditarem em uma ação emancipadora forjada pela própria classe trabalhadora. Marx e Engels (1998b, p.58), a esse respeito concluem: Por isso rejeitam toda ação política e, especialmente, toda ação revolucionária. Desejam alcançar seus objetivos por meios pacíficos e procurar, através de pequenos experimentos, necessariamente condenados ao fracasso, e pela força do exemplo, pavimentar o caminho para o novo evangelho social. Marx e Engels acreditavam que a passagem do capitalismo para o socialismo se daria através da revolução protagonizada pelo proletariado e não apelando para a “boa vontade” da burguesia. O MST assume que sua organização não depende só da vontade política de seus militantes, mas das condições antagônicas existentes na sociedade e de suas ações que nesse processo se delineiam. Assim, em sua trajetória histórica, aderiu a uma perspectiva revolucionária, percebendo-se no conjunto da sociedade civil como um movimento social inserido no contexto de contradição da sociedade: E ao tratar de nos organizarmos, somos um processo contraditório. Um processo que não depende apenas da vontade política das pessoas. Não depende da aplicação de normas sociais, de princípios organizativos. Depende também das contradições da luta de classes. Da dinâmica da luta de classes ( MST, 2004 a, p.11). As observações de campo e a análise de documentos indicaram-nos que a filosofia marxista vem sendo utilizada pelo MST, enquanto um modelo que proporciona instrumentos analíticos e interpretativos da realidade social, desvendando na luta de classes suas contradições econômicas e sociais. Uma vez que as alterações que se processam em determinados períodos históricos provocam rupturas teóricas e, conseqüentemente, a inadequação de determinados modelos paradigmáticos, então existentes, na interpretação dos fenômenos sociais, é necessário um olhar crítico fundamentado em teoria(s) sobre tais transformações. 43 Gorz (1992) e Bobbio (1989), ao analisarem a experiência do Socialismo Russo e do Leste Europeu, expressam suas fragilidades24, afirmando que o paradigma marxista, como referência teórica, não daria mais conta em explicar todas as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e das relações políticas, sociais e econômicas que se processam, principalmente após a queda do muro de Berlim em 1989 e a implantação do Neoliberalismo25. Nossa pretensão não é abrir um debate sobre uma suposta crise do socialismo, mas assinalar que, apesar das críticas, o socialismo continua sendo um horizonte almejado por alguns sujeitos coletivos, como o MST. Gorz, diferentemente de Bobbio que é de tendência liberal, é um marxista. Esse autor, ao assinalar as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e na produção, provoca a esquerda a repensar o socialismo. Ele expõe que os movimentos e partidos socialistas nasceram da luta contra o capitalismo em sua fase monopolista e imperialista. Para tanto, definiram uma nova sociedade tendo em vista a tomada do poder e a emancipação da classe operária. O conflito básico que o Socialismo travou, segundo Gorz, foi contra a racionalidade econômica, pois esta visava a construção de uma sociedade voltada à acumulação de capital. E, se opondo a essa premissa economicista, o operariado travou parte de sua luta em defesa de uma sociedade planificada; superar a dominação capitalista constituía, por definição, a emancipação humana e o Socialismo seria o fim no qual essa emancipação poderia ser vivenciada. Desencadeando o processo de luta, os operários constituíam os protagonistas das transformações sociais no período de afirmação do capitalismo. Buscando sua emancipação, essa classe deparou-se com vários conflitos, mesmo nos países do Leste Europeu e na Rússia, onde o Socialismo na versão leninista foi experienciado, os conflitos não cessaram. A questão central que perpassa a crítica de Gorz é a não emancipação da classe de trabalhadores nesses países. A crise desse modelo de sociedade revelou-se, segundo o autor, nas falhas deflagradas nessa experiência, ou seja, a burocracia, o atraso 24 Gorz centraliza sua argumentação na falta de emancipação da classe trabalhadora visto que era uma reivindicação da classe e Bobbio critica a não consolidação da democracia e o cerceamento da liberdade. 25 O Neoliberalismo é uma corrente política e econômica que contesta a intervenção do Estado na economia e “onde a igualdade é exercida no mercado conforme as habilidades e competências de cada um” (LEHER, 2001, p. 160). 44 tecnológico e o autoritarismo que, conseqüentemente, confundiram e enfraqueceram a luta proletária. Bobbio (1989) dá ênfase ao fato de que a maior utopia política da História, o Socialismo, sofreu uma reversão completa, tornando-se seu oposto. Em sua análise, a frustrada experiência socialista na Rússia e países do Leste Europeu desapontou a luta da classe trabalhadora que projetava na vivência de uma sociedade socialista a realização de igualdade e justiça. Um dos motivos do fracasso dessa experiência, segundo Bobbio (Ibid), foi o cerceamento da liberdade que constituía uma das reivindicações de luta. Em sua concepção, o desrespeito à liberdade e a não consolidação de uma democracia levaram ao fracasso essa experiência. Bobbio (Ibid, p.19) aponta a conquista da liberdade como proposta para um novo projeto de sociedade. “A conquista da liberdade no mundo moderno – se for possível e na medida em que o for – tem necessariamente de ser o ponto de partida para os países onde as utopias sofreram reversão”. O que o autor propõe ao “desencantado” comunismo histórico é o fortalecimento do modelo de sociedade liberal-democrático, sendo a liberdade o ponto de partida para sua efetivação e emancipação humana. Contudo, essa liberdade proposta por Bobbio respalda-se nos princípios liberais. Uma liberdade individual e limitada cultivada pela sociedade burguesa, contrapondo-se a um pensamento socialista como afirma Marx (2000, p.36): “Sociedade que faz que todo homem encontre noutros homens não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário, a limitação desta”. E, além de ser uma liberdade individual e limitada, essa ainda se constituí em um reforço para os discursos ideológicos da burguesia, que na perspectiva da liberdade dissemina uma aparente harmonia social, buscando dissimular os conflitos e contradições próprias do capitalismo. Entretanto, se essa experiência socialista não foi capaz de instaurar a emancipação humana e garantir liberdade, o Estado liberal será? Eis a questão. O capitalismo criou seus substratos, como a democracia liberal, na qual se respalda ideologicamente, fazendo a sociedade ver com desconfiança qualquer outra alternativa de projeto social. Será o capitalismo capaz de proporcionar liberdade às pessoas e suprir de forma efetiva as reivindicações que a classe trabalhadora historicamente vem exigindo? Vê-se com bastante desconfiança a realização de um bem-estar social para todos e todas dentro de uma proposta 45 de cunho liberalizante. Os princípios liberais se respaldam na liberdade política, econômica e social, além da crença no progresso decorrente da livre-concorrência e do acesso a oportunidades “iguais” para todos. Esses ideais são sua essência e lógica, no entanto, o que provocam é a competitividade e o individualismo. A crítica desses autores às experiências socialistas tem ressonância em um outro aspecto que constituí o lastro do socialismo, ou seja, a teoria marxista, remetendo às críticas ao determinismo histórico e à incompatibilidade entre socialismo e democracia. Contudo, considera-se um equívoco atribuir a responsabilidade de uma malograda experiência ao seu campo teórico de análise, como evidencia Guimarães (1989,p.252): Já não é uma metodologia aceitável atribuir uma relação límpida e cristalina de causação direta entre teoria e fato histórico, tal como fazem muitos autores liberais ao estabelecerem uma conexão direta entre os desdobramentos autoritários da Revolução Russa e a obra de Marx. A concretização dessa experiência não correspondeu aos ideais de um projeto socialista respaldado em Marx, pois delineou-se com outras concepções próprias dos idealizadores da época que acabaram por reproduzir o autoritarismo imanente culturalmente àquelas sociedades. Contudo, as críticas de Gorz e, sobretudo de Bobbio, não cristalizam o fim do modelo socialista. Uma suposta crise do socialismo não indica que este perdeu sua vitalidade enquanto utopia social, como defende Hobsbawm (1992, p.269): O futuro do socialismo assenta-se no fato de que continua tão necessário quanto antes, embora os argumentos a seu favor já não sejam os mesmos em muitos aspectos. A sua defesa assenta-se no fato de que o capitalismo ainda cria contradições e problemas que não consegue resolver e que gera tanto a desigualdade (que pode ser atenuada através de reformas moderadas) como a desumanidade (que não pode ser atenuada). O autor relaciona a continuidade da utopia socialista às contradições do capitalismo que não foram solucionadas, ao contrário continuam gritantes, o que ratifica a atualidade socialista. Esse modelo de sociedade ainda continua a ser um referencial para os que vêm construindo alternativas à sociedade fundamentada em princípios capitalistas, repercutidos nos ideais e pretensões do MST, conforme consta em seu princípio filosófico de Educação 46 com/para valores humanistas e socialistas que se contrapõe aos valores da sociedade capitalista “centrada no lucro e no individualismo desenfreado” (MST, 2004b, p.09). O princípio educativo com/para valores humanistas e socialistas destina-se à renúncia, ao desprendimento dos valores forjados pelo capitalismo, nos quais fomos formados, que banalizam as relações baseadas no coletivismo e na solidariedade, incentivando a competição e o individualismo. O socialismo, enquanto modelo de sociedade que possui elementos fundantes na teoria marxista, continua a alimentar a luta de muitos movimentos sociais que se compreendem nessa perspectiva teórica. Destacamos, nessa compreensão, a existência do MST, sua constituição enquanto movimento social que possui suas matrizes teóricas fundamentadas no marxismo, a partir da perspectiva marxiana. Conforme análise de sua literatura, fica bastante explicito seu referencial teórico, a partir das citações convergentes com as idéias de Marx, Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo, Mao Tse-tung e Gramsci. Quanto à educação, baseiam-se, sobretudo, em Pistrak, Makarenko e Freire. 2.1 Teorias sobre movimentos sociais e o MST Propor reflexão sobre os elementos constitutivos de formação dos Movimentos Sociais indica perceber características próprias e seus aportes teóricos, de modo que ao contextualizar o MST como um Movimento Social, encontra-se presente a orientação filosófica dos princípios teóricos marxistas e marxianos. Os estudos de Gohn (1997; 2001; 2004), Sherer-Warren (1987), Grzybowski (1991), Touraine (2004) propõem à analise das teorias referrentes aos movimentos sociais e demonstram que há carência de pesquisas acerca desse fenômeno. Para Gohn (2004), os trabalhos publicados sobre movimentos sociais pouco se preocuparam com a questão teórica, limitando-se a descrições de experiências. 47 Geralmente os modelos teóricos mais utilizados para entender os movimentos sociais no Brasil são a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (NMS) e a Teoria Marxista26. Os Movimentos Sociais no Brasil ganharam importância nos estudos acadêmicos a partir da década de 1960. Esse espaço foi delineado por algumas mudanças no cenário político-social, como assinala Gonh (2004, p.11): Simultaneamente, o Estado, objeto central de investigação de grande parcela de cientistas sociais, passou, no plano da realidade concreta, a ser deslegitimado, criticado, e com a globalização perdeu sua importância como regulador de fronteiras nacionais, controles sociais, etc. Ocorreu um deslocamento de interesse para a sociedade civil e nesta os movimentos sociais foram as ações sociais por excelência. Foi a partir dessa mudança de cunho macroestrutural para a esfera micro dos espaços coletivos que os movimentos sociais ganharam visibilidade, tornando-se objeto de estudos e contribuindo na construção de uma cultura política pela conquista dos direitos sociais. Mas, como se constitui um movimento social? Ou melhor, o que é um movimento social? Para elucidar esses questionamentos, procuramos entendê-los a partir da definição de alguns autores. Para Gohn, Movimentos Sociais são: Ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força social na sociedade civil [...] As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos não-institucionalizados. Os movimentos geram uma série de inovações nas esferas públicas (estatal e não estatal) e privada; participam direta ou indiretamente da luta política de um país, e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade 26 Porém, existem outras referências como o Paradigma Norte-americano em suas três dimensões: a Teoria Clássica, a Teoria sobre a Mobilização de Recursos (MR) e a Teoria sobre a Mobilização Política (MP). E o Paradigma Europeu em suas duas vertentes: a dos Novos Movimentos Sociais (NMS) e a Teoria Marxista. Quanto à teorização latino- americana e brasileira sobre movimentos sociais, ainda carece de uma formulação teórica própria, ficando as análises fundamentadas em teorias americanas ou européias, principalmente nesta última. Para aprofundar a compreensão sobre as Teorias dos movimentos Sociais, ver Gohn (2004), obra citada na referência. 48 civil e política [...] Eles têm como base de suporte entidades e organizações da sociedade civil e política, com agendas de atuação construídas ao redor de demandas socioeconômicas ou político-culturais que abrangem as problemáticas conflituosas da sociedade onde atuam (2004, p. 251-252). Sua definição contempla a constituição das identidades coletivas dos atores sociais, valorizando o cotidiano como campo de luta. Nessa definição, percebe-se a importância das ações coletivas como elemento de pressão da sociedade para que transformações possam ser implementadas. Há duas categorias centrais nessa definição, a força social e a luta política. A primeira se caracteriza pelas demandas ou reivindicações do grupo, que na concepção da autora, “para que haja uma demanda, há necessidades de que haja uma carência não atendida [...] as carências podem ser de bens materiais ou simbólicos” (ibid, p.256). Já a luta política contempla as etapas do movimento, seu fluxo e refluxo diante de um processo dinâmico e conflituoso. Na compreensão de Touraine (2004, p.133) “O único movimento social central é o que se define por sua luta frente à frente com a classe dirigente”. Portanto, um movimento social se define pelo que se contrapõe e defende. A sua essência é a preocupação com a defesa dos direitos da classe e, no que concerne aos movimentos sociais populares, questionar o processo de expropriação produzido pelo sistema capitalista. A definição dada aos movimentos sociais por Calado (2004, p.02) refere-se ao entendimento da ação organizativa dos sujeitos: Ação organizada de um sujeito coletivo integrante da sociedade civil, que, a partir de suas diferentes motivações e horizonte, orienta as atividades conforme seu perfil próprio, visando alcançar seus objetivos de manter, de reforçar ou de mudar, em parte ou no todo, a ordem estabelecida. A definição do autor incide nas atmosferas diferenciadas em que os movimentos sociais ensejam seus interesses, ou seja, para uns seus interesses estão pautados no setor de produção, para outros na esfera política e outros no acesso e defesa de serviços, bens e valores culturais. Por conseguinte, o projeto de um movimento social busca tanto uma mudança totalizante de sociedade, a exemplo dos que pretendem a implantação do 49 socialismo, como conquistas mais pontuais e imediatas expressas na melhoria do quotidiano. Diante dessas definições, entendemos os movimentos sociais como processo de ações coletivas em consonância com objetivos claramente definidos por um determinado grupo social que o protagoniza e luta contra relações sociais adversas, utilizando-se de sua força social para assegurar ou conquistar suas demandas. A partir dessas definições, compreendemos que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), constitui-se como um movimento social. Segundo Caldart (1997, p.09) “O MST é um movimento de massas que se organiza para conquistar basicamente três objetivos: terra, implantação da Reforma Agrária e mudanças em nosso país”. Constituindo-se, assim, uma organização da classe trabalhadora rural que luta pela conquista da terra, fonte de sobrevivência para esses trabalhadores, aglutinando em seu interior ações coletivas que se refletem nas estratégias em conquistar a terra e utilizando-se de sua força social para assegurar e ampliar suas conquistas. Há, portanto, nesse segmento coletivo, elementos que o legitimam como movimento social, relacionamo-os com a definição de Sherer-Warren (1987, p.20) que conceitua movimento social como: Uma ação grupal para transformação (a práxis) voltada para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a orientação mais ou menos consciente de princípios valorativos comuns (a ideologia) e sob a organização diretiva mais ou menos definida (a organização e sua direção). Nessa definição encontram-se quatro elementos que em nosso entendimento, asseguram a composição de um movimento social, são: a Práxis, uma ação transformadora; o Projeto, que objetivamente se revela no que se deseja conquistar; a ideologia expressa nas idéias, crenças, utopias, afinidades, sentimento de pertença, etc, que permeia um determinado grupo social; a Organização e Direção, que se traduz em dois componentes, a base e a vanguarda. Elementos fundamentais para dar legitimidade ao grupo e interagir nas práticas cotidianas do mesmo. 50 A partir da definição de Sherer-Warren, é possível reconhecer no MST elementos que reafirmam sua constituição como movimento social, tais como: seu projeto, conquistar a terra; sua práxis que se revela na relação de composição organizativa numa interação de mudanças; seu programa ideológico fundamentado nos princípios marxistas e sua organização, composta por setores articulados por objetivos claramente definidos em consonância com todo o grupo que protagoniza as lutas contra relações sociais adversas. Nessa perspectiva, o próprio MST autodefine como movimento social: Nós somos acima de tudo um movimento social. Ou seja, somos uma forma particular do povo brasileiro se organizar para lutar por seus direitos. Para lutar por melhorar a forma da sociedade se organizar e funcionar [...] Somos um Movimento Social que procura organizar os trabalhadores, os pobres, os camponeses, homens e mulheres, jovens e anciãos, que queiram lutar por justiça social (MST, 2004a, p.09-11). Essa definição não só institui a presença do MST no cenário de disputa políticosocial e econômico que os movimentos sociais travam com a esfera do Estado, como ainda lhe atribui a especificidade de ser um movimento social que luta pela transformação da sociedade cultivando valores socialistas. Segundo Gohn (2004, p.171), “o prisma marxista refere-se a processos de lutas sociais voltadas para a transformação das condições existentes na realidade social, de carências econômicas e/ou opressão sociopolítica e cultural”. Entendemos o MST sob esse prisma, situando-o na perspectiva de classe social. O MST constitui-se um movimento social da classe trabalhadora do campo, preocupado com a emancipação de seus partícipes a da classe trabalhadora em geral, tendo claramente o desejo de transformação, vislumbrando mudanças no interior da sociedade capitalista que resultem em uma nova sociedade. A esse respeito corrobora Calado (2004, p.03): “enquanto a maioria dos movimentos sociais luta por objetivos tópicos ou pontuais (gênero, moradia, idade, etnia, etc.), há também os que se propõem a construir um projeto alternativo de sociedade, a exemplo do MST”. O paradigma marxista oferece elementos de entendimento teórico que possibilitam compreender a realidade e as contradições propostas pelo sistema capitalista, norteando a pauta de movimentos sociais, como o MST, que luta por reivindicações que vão desde a 51 implantação da Reforma Agrária à exigibilidade de outros direitos sociais como educação e saúde, neste contexto o MST se intitula como: Herdeiros da experiência de organização classista dos camponeses a partir da década de 50 do século XX (...) as ULTABs – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, as Ligas Camponesas e o Máster – Movimento dos Agricultores Sem Terra (MST, 2004a, p.10). A trajetória de organização de luta percorrida pelos camponeses culminou com o MST, caracterizando-se como um movimento continuador da luta histórica pela Reforma Agrária como as ligas camponesas, denunciando as opressões e injustiças decorrentes das relações geridas pelo capitalismo, o que nos faz deduzir que não houve ruptura no processo de luta pela Reforma Agrária, mas que ela foi assumindo outras dimensões imbricadas com outros sujeitos em seus diferentes contextos, expressando lutas pontuais localizadas em espaços micros da sociedade. Esse novo panorama de organizações civis e comunitárias inaugura o paradigma dos Novos Movimentos sociais que, segundo Leher (2001, p.160) “se caracterizam pela incorporação da crença no fim da centralidade do trabalho na vida social”, e “uma característica indelével destes movimentos, em decorrência da ressignificação do conceito de sociedade civil27, é que o locus encontra-se desvinculado da dimensão econômicosocial”. Assim sendo, os NMS trazem como novidade em suas pautas temáticas como gênero, meio ambiente, opção sexual, raça e etnia, fundamentalismo religioso/político, etc, temáticas específicas, não contempladas como luta pela transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas do capital. Contudo, Leher (Ibid:161) demonstra que os NMS “contribuem para a reflexibilidade local e global, abrindo espaços para o diálogo público a respeito dessas questões”. Porém, assinala que os interlocutores desses movimentos, em muitos casos, são a classe dominante, cujas reivindicações são mais pontuais, não existindo, nem exigindo a 27 Para Leher (2001, p.157) “A consideração dos documentos do Banco Mundial e de parte da literatura especializada [...] sugere que a valorização e a aplicação da expressão “sociedade civil”, resulta – evidentemente com importantes exceções – de um movimento consistente de coalizão, formal ou informal, entre determinados “críticos do Estado autoritário”, dirigentes de governos militares e os neoliberais, irmanados na tese de uma nova era em que os antagonismos centrados nas contradições capital e trabalho não têm mais lugar”. 52 centralidade nas lutas de classes, que constitui o cerne dos movimentos sociais populares classistas28 fundamentadas nas relações de contradições da sociedade advindas do mundo da produção, pois “adotam categorias e conceitos totalizantes, buscam soluções sistêmicas que implicam ruptura com o modo de produção capitalista” (LEHER, 2001, p.161). Com efeito, a entrada em cena dos NMS configurou-se por seu imediatismo, enquanto os tradicionais buscam a emancipação da classe trabalhadora, para os NMS a emancipação é atributo de um grupo específico. A respeito da emancipação nos NMS infere Santos (2003:259): “a emancipação por que se luta visa transformar o quotidiano das vítimas da opressão aqui e agora e não num futuro longínquo”. No entanto, isso não quer dizer que os movimentos tradicionais não se propunham a suprir suas necessidades mais imediatas, no caso do MST sua luta por educação pública e de qualidade vem modificando a realidade da educação do campo. Relacionando os NMS com a existência mesmo que recente do MST29, não é possível atribuir a esse segmento da sociedade a composição dos NMS. Esse paradigma defende que o marxismo não mais pode ser utilizado como modelo de explicação diante das transformações ocorridas nas últimas décadas, e a teoria marxista constitui o lastro da ideologia do MST. Gohn (2004) infere que certos teóricos dos NMS invalidam o marxismo enquanto campo teórico capaz de explicar as ações dos indivíduos, pelo fato desse tratar da ação coletiva apenas ao nível da estrutura macro da sociedade. Portanto, entendemos que os princípios da defesa do individualismo e as lutas pontuais não apresentam perspectivas de transformação da sociedade capitalista, não atendendo aos objetivos do MST. Os NMS assumiram um papel singular na sociedade, mas não retiraram desse mesmo cenário os movimentos sociais classistas “que, operando as contradições de classe, buscam transformações no mundo do trabalho para a emancipação da sociedade futura” 28 Fazemos a diferenciação entre movimentos sociais classistas, cujas lutas estão centradas nas relações de opressão resultantes do sistema capitalista e tendo a perspectiva de construção de uma outra sociedade. Estes, também são movimentos sociais populares (MSP), pois se assume em defesa da luta dos expropriados dos bens materiais de sobrevivência digna. Calado (2004) assinala sobre essa questão distinguindo os MSP dos movimentos que são protagonizados por segmentos da classe dominante. Os Movimentos Sociais Populares classistas, suas ações coletivas estão centradas na contradição capital / trabalho. 29 O MST tem um pouco mais de duas décadas. 53 (LEHER,2001,p.171). E para efetivar esse ideal social valem-se de suas ideologias e experiências ampliando as conquistas nesse processo de luta. Para Gohn (2004, p.258) “a ideologia de um movimento corresponde ao conjunto de crenças, valores e ideais que fundamentam suas reivindicações”, sendo, pois, transmitida e apreendida através dos discursos e da produção material e simbólica do grupo. Essa ideologia e os tipos de ações que vão sendo configuradas, ou seja, sua práxis, constituem uma força em potencial para a dinâmica do movimento. A dinâmica que envolve um movimento social vai construindo através de suas experiências cotidianas uma cultura política, ao trabalhar essas experiências como consciência que vai surgindo na luta, consciência de classe, ao se aperceberem como sujeitos de possíveis mudanças, delineiam uma nova cultura política como a que se refere Thompson (1981, apud GOHN, 2004, p.204): Pela experiência os homens se tornam sujeitos, experimentam situações e relações produtivas como necessidades e interesses, como antagonismos. Eles tratam essa experiência em sua consciência e cultura e não apenas a introjetam. Ela não tem um caráter só acumulativo. Ela é fundamentalmente qualitativa. Outrossim, os movimentos buscam autonomia, mesmo aqueles que firmam parcerias com o Estado, aliás, autonomia segundo Scherer-Warren (1987) consiste numa dialética entre opressão-libertação que permeará as relações dos indivíduos em seus campos de atuação, os quais se caracterizam em pólos: de um lado os que aspiram a realização da liberdade e procuram formas organizativas para lutar e resistir contra os que estão do outro lado e que preferem manter a opressão. Diante dessa correlação de forças, os movimentos sociais aprenderam a confiar em sua capacidade de mobilização e a partir de suas experiências potencializaram uma dimensão educativa legando-a à sociedade. 2.2 A luta como dimensão educativa dos movimentos sociais 54 Ao buscarmos analisar as experiências que marcaram e fortaleceram os movimentos sociais presentes na década de 1990, faz-se necessário voltarmos alguns anos para compreendermos como se foi delineando esse cenário; partiremos das mobilizações sociais e dos acontecimentos na chamada era da participação. Esse termo é utilizado para se referir aos anos compreendidos entre o final de 1970 a 1989, referindo-se à conjuntura sóciopolítica do Brasil. Período em que se vivenciou uma crescente mobilização social, objetivando o fim do regime autoritário e da redemocratização do país. Contudo, foi o momento em que a teoria marxista começa a ser questionada, como paradigma capaz de explicar os fenômenos sociais, surgindo assim os NMS que incorporaram em seu arcabouço teórico elementos de explicação da realidade brasileira e das mobilizações sociais. Os movimentos sociais se diversificam, surgindo movimentos como o ecológico, das mulheres, pelos direitos humanos, entre outros, que coexistem com objetivos bem específicos, sendo esses analisados, geralmente, sob a ótica do paradigma dos Novos Movimentos Sociais. A Era da Participação registrou um momento da realidade brasileira em que se buscou a redemocratização do país e o atendimento às novas demandas sociais. Essas demandas foram tomando expressividade política a partir das décadas de 1970/80. No caso urbano, as associações de bairros configuraram espaços em que a própria comunidade ensejou, na política local, reivindicações pela melhoria do bairro: transportes; escolas; hospitais, etc. Segundo Gohn (2001, p.27), “denunciaram irregularidades nos processos construtivos, orientaram os planejadores no sentido de localizarem as demandas, elaboraram propostas e projetos urbanos [...] participaram de mutirões, etc”. Ou seja, “organizaram o cotidiano do bairro” (Ibid, p.28). Já no meio rural surgem, também, reivindicações próprias, pautadas pelos sindicatos rurais, segmentos religiosos e pela (re)organização dos movimentos sociais do campo, buscando justiça social, como: reforma agrária, escolas para o campo, saúde e subsídios agrícolas. Nesse momento, a sociedade civil organizada buscou a abertura política do país, requerendo a participação nas decisões políticas e sociais, das quais anteriormente foram impedidas. A participação da sociedade civil organizada através de suas mobilizações se fez presente no processo constituinte, com propostas e conquista de uma Constituição, à qual recebeu a denominação de cidadã, contemplando em seu texto a possibilidade de participação direta dos cidadãos e cidadãs nos processos decisórios, através dos 55 mecanismos de participação popular garantidos por lei, mas ainda incipientes na cultura política do povo brasileiro, tais como: conselhos, plebiscitos, referendos, ouvidorias, etc. Dessa capacidade de organização e luta da sociedade civil, destaca-se a dimensão educativa, a partir das experiências adquiridas quotidianamente em que a sociedade civil se fortalece e intervém, lutando por participação direta nas decisões políticas e sociais. Essa aprendizagem que se deu no cotidiano da luta é bem exemplificada por Lyra (2001,p.99) : Os operários do ABC (...) organizaram as primeiras greves sob a ditadura, visando à melhoria de salários, direitos trabalhistas e a conquista da liberdade sindical, tendo como forma de organização a participação direta das bases no processo decisório (...) o exemplo dos metalúrgicos irradiou-se para as categorias mais politizadas de trabalhadores, na esfera pública e privada, em todo o país, gerando uma nova sociabilidade política lastreada na ação corporativa e na democracia direta. Conforme a citação, foi no âmbito das lutas trabalhistas e das experiências processadas que os setores populares perceberam sua força em potencial, desenvolvendo um processo educativo no qual tentaram desde então superar a dicotomia liderança/base, sendo possível a participação direta na esfera micro do organismo social, entendendo que assim seria possível redimencioná-la ao macro. Gohn (2001, p.98) enfatiza que o cenário das mobilizações sociais dos anos 80, legou-nos algo extremamente importante: “a de que o povo, os cidadãos, os moradores, as pessoas, ou qualquer outra noção ou categoria que se empregue, têm o direito de participar das questões que lhes dizem respeito”. Essa experiência denota um aprendizado vivenciado pelos movimentos de outrora, demonstrando a importância da mobilização social no alargamento do Estado de Direito, como um pressuposto do exercício da democracia, presente nas pautas dos movimentos sociais, como indica Rabenhorst (2001, p.36): [...] é claramente uma limitação ao exercício do poder político, ou seja, a eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos com a conseqüente garantia de direitos dos indivíduos, perante estes poderes [...] Não apenas submete o exercício do poder ao direito, concebendo diversos mecanismos de controle dos atos governamentais, mas ela concede aos indivíduos direitos inalienáveis anteriores à própria ordem estatal. 56 Percebendo-se como sujeitos de direitos, a sociedade civil organizada vem se utilizando também da via judiciária para garantir o que lhes foi conferido inalienavelmente, ou seja, de que todo poder emana do povo, que o exerce indiretamente, através de seus representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição. Como consta no Art. 1° da Constituição Brasileira, de modo que “O aprendizado dos direitos pode ser destacado como uma dimensão educativa” (ARROYO)30, concernente à educação e à escola, observa o autor: Os movimentos sociais colocam a luta pela escola no campo dos direitos. Na fronteira de uma pluralidade de direitos: a saúde, a moradia, a terra, o teto, a segurança, a proteção da infância, a cidade (Ibid, p.02). Assim, o acesso à educação para todas(os), como a questão agrária, por exemplo, tornaram-se demandas centrais a serem atendidas através de políticas públicas. As mobilizações sociais e políticas da sociedade civil obtiveram conquistas, mas também desencantos com o cenário econômico dos anos 90, pois em nome do desenvolvimento se abusou dos excluídos do mundo do trabalho, ou seja, do mercado informal, para legitimar uma política perversa. No dizer de Gohn (1997), uma exclusão integradora que foi o mecanismo utilizado pelo Estado na cooptação do mercado informal, como via alternativa de sobrevivência. Esse campo alternativo do mercado fomenta uma certa autonomia e capacidade consumidora do trabalhador informal. Essas mudanças contornaram o mercado, deflagrando um crescente número de miseráveis que sob um anúncio de qualquer emprego compõem filas quilométricas; deflagrou também uma crescente onda de violência, tanto urbana quanto rural; a perda de muitos dos direitos sociais e trabalhistas outrora conseguidos; o desmonte sindical, que de vanguarda das transformações sociais, passou a lutar pela manutenção de emprego. Os atores sociais nos anos 90 buscaram a possibilidade de uma maior participação da sociedade civil na esfera pública e, também, buscaram parcerias com o Estado, que passou a ser visto como interlocutor, de forma que os NMS buscam no imediatismo suprir suas necessidades, que outrora eram estruturais. 30 Ver Pedagogias em Movimento: o que temos a aprender dos Movimentos Sociais? Artigo. p. 02 57 Pois, se antes, boa parte dos movimentos sociais centralizavam sua ações sob a perspectiva das contradições de classe, passaram alguns desses à construção de identidades coletivas, sob a abordagem dos NMS. Evidentemente que as contradições de classe não desapareceram, nem deixaram de serem usadas como possível explicação da realidade social. O MST surge na chamada era da participação, oficializado em 1984, nos anos de grandes mobilizações sociais. Sendo considerado atualmente o movimento social mais expressivo do Brasil. Para chegar a essa proporção, possivelmente, o MST definiu objetivos e diretrizes para operar no cenário econômico, político e social, ampliando seu campo de luta pela terra com a agregação de outras discussões necessárias à classe trabalhadora, como explicita Stédile em entrevista à revista Atenção : Percebemos que a reforma agrária só será possível se amplas camadas da sociedade se envolverem na luta. Decidimos fazer proselitismo nas cidades, conscientizando o pessoal que vive na avenida paulista, por exemplo, de que a concentração de terra no Brasil afeta sua vida, seja pelo aumento do preço dos alimentos, ou pelo inchaço da cidade. A luta pela terra se dá no campo mas se ganha nas cidades. Se os trabalhadores urbanos forem derrotados pelo modelo neoliberal, a tendência é que também sejamos vencidos (1996, p.8). O comentário incide sobre o fortalecimento desse movimento social, que se firmou por entender que sua luta não se limita apenas às reivindicações da classe trabalhadora rural, mas compreendendo-a como uma luta da classe trabalhadora em geral que luta por justiça social. Foi diante de um Estado patrimonialista, do desemprego, do crescente mercado informal que o MST ganhou legitimidade e apoio de parte da sociedade, apesar de todas as investidas de alguns segmentos da mídia. E, operando dinamicamente, se transformou em esperança para milhares de trabalhadores rurais espoliados e para aqueles que desencantados com a cidade sonham em retornar ao campo. Muitos resultados obtidos pelos movimentos sociais foram frutos de suas lutas e experiências, expressas a partir de práticas educativas geradas na experiência quotidiana. Segundo Gohn (2001), nos movimentos sociais a educação é autoconstruída no processo e 58 o educativo surge de diferentes fontes, nos legando uma cidadania ativa e uma base jurídica que ainda necessita ser consolidada. A autora aponta que historicamente a relação movimentos sociais – educação tem um elemento de união que é a cidadania, definindo-a como a que trata: De ser a busca de leis e direitos para categorias sociais até então excluídas da sociedade, principalmente do ponto de vista econômico e social. Uma cidadania que reivindica seus direitos em forma de bens e serviços e não apenas no papel, que luta por ações afirmativas das minorias que estiveram/estão à margem das políticas públicas (1995, p.196). De acordo com a autora, a cidadania é uma construção ativa daqueles que protagonizam a possibilidade de ter acesso àquilo que a dignidade lhe atribui e não por tutela. É a modo desse posicionamento que os movimentos sociais vêm processando suas lutas, caracterizando sua compreensão de educação como parte dos direitos sociais que precisam ser efetivados. O campo de luta que os movimentos sociais processam buscam efetivar seus direitos políticos, civis, econômicos, sociais e culturais, partindo do princípio de concretude da emancipação humana e política daqueles(as) que têm como perspectiva a transformação social, mas, anterior a essa realização, faz-se necessário que mulheres e homens se emancipem tornando-se, assim, os construtores dessa mudança. Nesse sentido, é preciso fazer valer o respeito às diferenças e necessidades que são peculiares a cada grupo social, como a exemplo dos que lutam por uma educação adequada para quem vive nas áreas rurais. Nessa perspectiva, enfocaremos as características da educação do MST, analisando os elementos filosóficos e ideológicos que fundamentam a formação política de seus educadores. 59 CAPÍTULO III 3. A EDUCAÇÃO DO MST E SEUS PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E PEDAGÓGICOS NO CAMINHO DA EDUCAÇÃO POPULAR. Então o camponês descobre que tendo sido capaz de transformar a terra, ele é também capaz de transformar a história, de transformar a cultura; então de posição fatalista, ele renasce numa posição de inserção de presença na história, não mais como objeto dela, mas, também, como sujeito da história. Paulo Freire, 1982, p.31. Na análise acerca da concepção de educação praticada pelo MST, importa questionar quais os pressupostos que fundamentam o processo de formação dos(as) educadores(as) que atuam nesse movimento social e como esses pressupostos têm subsidiado a formação política desses(as) educadores(as) na perspectiva de construção de uma educação emancipadora. A fim de buscar possíveis respostas para tal questionamento recorremos à pesquisa documental, a partir de fonte primária, analisando documentos originais, tais como, cartilhas e boletins, publicados pelo MST e que são utilizados como materiais pedagógicos na formação de seus educadores. Além dessas fontes, utilizamos também entrevistas semiestruturadas, realizadas com educadores e formadores do movimento. 3.2 O MST e a educação do campo A educação como demanda a ser atendida não constitui uma reivindicação nova. Contudo, seu acesso às diferentes camadas populares processou-se através de lutas sociais, transformando-se em campo de disputa entre os que desejam difundir uma educação para o disciplinamento das classes populares e os que vêm apostando na promoção humana, através de uma educação emancipadora, constituindo-se a pauta dos movimentos sociais, urbanos e rurais, intensificados na chamada “Era da Participação”, conforme assinalamos anteriormente. 60 A mudança na conjuntura política pós-ditadura e o fortalecimento das políticas participativas e inclusivas decorrentes das reivindicações da sociedade civil desencadearam algumas conquistas, no caso específico da educação do campo, contemplada na Lei de Diretrizes e Bases (LDB)/1996 e mais recentemente nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica do campo/2001. As classes populares que lutam pela extensão da escola pública buscam dar sentido a mesma, exigindo do Estado a viabilidade do acesso e a qualidade do ensino, forçando, assim, políticas para seu atendimento. Nesse sentido, o MST vem protagonizando ações reivindicativas por uma educação que atenda às peculiaridades dos que vivem no campo, tanto na área da educação básica, quanto na de formação de educadores. O Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária (PRONERA), em seus oito anos de existência31, constitui um exemplo do exaustivo esforço dos movimentos sociais rurais pela educação. Se o cenário da educação do campo tem mudado, isso se deve, em parte, à luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Fotografia 1. Mística do I Encontro do PRONERA / Região Nordeste. João Pessoa/PB – Maio de 2005. Fonte: Lucicléa Lins. 31 O Programa Nacional de Educação na reforma Agrária foi criado oficialmente em abril de 1998. 61 A Lei n° 9394/96 da LDB assinala alguns dispositivos que asseguram a adequação da educação à comunidade rural. No Art.28 da LDB temos: Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III – adequação à natureza do trabalho na zona rural. Porém, a despeito desse artigo, os setores rurais que lutam por uma educação do campo, como o MST, buscaram garantir outros elementos que não foram contemplados na LDB e que constituem suas matrizes políticas. As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, parecer 36/2001 do CNE/CEB, contemplam muitas das reivindicações referentes à educação feitas pelos movimentos sociais rurais, como: respeito à diversidade do campo, autonomia, flexibilização, gestão democrática, etc. O que se considera um avanço em termos de garantia dos direitos sociais e humanos, resultante da dinamicidade que é próprio das lutas sociais e do seu desejo em concretizar seus objetivos. Contudo, é necessária a vigilância permanente da sociedade civil e grupos organizados para o cumprimento das mesmas, pois existe uma certa distância entre o que é garantido em Lei e sua real aplicabilidade. 3.3 MST: “a escola que queremos” No processo histórico de luta pela terra, o MST forjou, paralelamente, a luta pelo acesso à educação, tentando garantir escolas em seus assentamentos e acampamentos. Contudo, não é qualquer escola que está voltada para o atendimento de seus princípios políticos e ideológicos e que considere a realidade de mulheres e homens do campo, na condição de assentadas(os) e acampadas(os), pois para o movimento; 62 [...] a escola duramente conquistada para as crianças nos assentamentos por vezes desconsiderava sua história. Talvez este tenha sido um dos motivos que levou o Movimento a discutir que projeto de educação queria e que escola seus filhos precisam ter (CADERNO DO ITERRA, N°10, 2004, p.08). A inviabilidade do modelo tradicional escolar em atender às perspectivas de um projeto escolar voltada para a classe trabalhadora impulsionou o movimento a pensar em que aspectos filosóficos fundamentariam sua concepção de educação e de escola, de forma que expressem para o conjunto das classes subalternas um caminho onde o desenvolvimento de suas ações os conduza à emancipação, direcionando-os ao exercício da participação política. Portanto, a escola pública, estatal, conquistada com muita luta, ainda não tem atendido plenamente aos interesses da classe trabalhadora, uma vez que funciona estando a serviço da classe dominante, disseminando a ideologia burguesa, considerada como um dos aparelhos ideológicos de Estado. Segundo Althusser, “todos os aparelhos ideológicos de Estado, quaisquer que sejam, concorrem para o mesmo fim: a reprodução das relações de produção, isto é, das relações de exploração capitalista” (ALTHUSSER, 1995, p.78). Sendo a escola um desses reprodutores e consolidadores do capitalismo, torna-o aceitável, começando desde muito cedo a empreender a ideologia dominante silenciosamente na cabeça das pessoas. A perspectiva althusseriana sobre a escola constitui-se como teoria reducionista, acerca do papel da escola atribui função reprodutora da ideologia dominante, não a percebendo como campo de disputa que a classe trabalhadora pode utilizar, também, para construir, elaborar e divulgar suas concepções. De forma que à escola e à educação é atribuída uma nova perspectiva, a de constituírem-se espaços de hegemonia, como evidenciou Gramsci ao criticar a reforma educacional de Gentile32 na criação de uma escola instrumental, produtora de técnicos e reprodutora da compartimentação social, a partir da difusão dos conhecimentos propícios ao funcionamento do mundo da produção. Contrapondo-se a essa perspectiva, Gramsci (1989, p.118) apresentou o tipo de escola unitária com o seguinte significado: 32 Giovanni Gentile foi ministro da educação na Itália entre os anos de 1922 e 1924. 63 Escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibra equanimente o desenvolvimento das capacidades de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Em sua concepção a escola deve combinar os aspectos técnicos ao desenvolvimento das capacidades intelectivas; deveria ser um espaço de apreensão e difusão do conhecimento em suas relações sociais, políticas e culturais. [...] deve-se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de escolas profissional, criando-se, ao contrário, um tipo de escola preparatória (elementar média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o entrementes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. (1998, p.136). Podemos perceber na formulação gramsciana sobre a escola a dimensão política e pedagógica, através da ação pedagógica em que a escola pode ser um instrumento no desvendamento da ideologia dominante, ensejando às classes subalternas uma qualidade de ensino que contribua para sua emancipação, tornando-os agentes com capacidade reflexiva transformadora, ou seja, intelectiva e dirigente. A proposição de Gramsci converge a Educação Popular e, conseqüentemente; a finalidade da escola contribuir para a elevação da mente humana à consciência filosófica. Nesse sentido, a ação educativa não se destina a enquadrar os sujeitos dessa ação no mundo produtivo, dentro de uma concepção funcionalista de educação, mas que esses sujeitos se tornem autônomos em sua capacidade elaborativa/filosófica e dirigente. Enquanto Althusser vê a escola apenas como espaço de reprodução da ideologia dominante, Gramsci a percebe como aparelho de hegemonia, devendo ser usada, também, para a construção de hegemonia pela/para classe trabalhadora. Para escamotear suas reais intenções, a classe dominante discursa sobre aspectos de uma escola democrática e extensiva e cria competências e habilidades as quais os alunos deverão dominar e utilizá-las na sociedade. Assim, o ensino formal oficial vem executando sua formação em seu sentido de fôrma, ou seja, numa concepção utilitarista, enquadra as 64 pessoas em uma cultura para a conformação.33 Concepção esta condenada pelo MST, conforme foi possível verificar, a partir das observações, quando da participação nos encontros de formação política34, pois constatamos aversão aos princípios da formalização do sistema escolar oficial, percebendo-o como instrumento de dominação na visão dos educadores. Essa tendência educacional torna-se a negação dos que defendem uma educação emancipadora. O MST contrapõe-se a esse sistema escolar. Em suas publicações encontramos a concepção de escola que ensejam e defendem: É uma escola que humaniza quem dela faz parte. E só fará isto se tiver o ser humano como centro, como sujeito de direitos, como ser em construção, respeitando as suas temporalidades. A nossa tarefa é formar seres humanos que têm consciência de seus direitos humanos, de sua dignidade [...] Queremos que os nossos educandos possam ser mais gente e não apenas sabedores de conteúdos ou meros dominadores de competências e habilidades técnicas. Eles precisam aprender a falar, a ler, a calcular, confrontar, dialogar, debater, duvidar, sentir, analisar, relacionar, celebrar, saber articular o pensamento próprio, o sentimento próprio e fazer tudo isto sintonizados com o projeto histórico do MST, que é um projeto de sociedade e humanidade (MST, 1999a, p.11). A escola pretendida pelo MST cultiva valores humanizantes, o que constitui uma de suas bases filosóficas; uma escola que seja por definição transformadora, promova a emancipação dos seus membros e esse é um grande desafio para o MST: Diante da tradição de uma escola elitista, autoritária, burocrática, conteudista, ‘bancária’, com uma concepção estreita e pragmática de educação, o desafio de construir uma escola popular, democrática, flexível, dialógica, lugar de formação humana integral, em movimento (MST, 2004a, p.15). A proposição do movimento em construir uma escola popular, democrática, flexível, dialógica, humana, aponta, a partir desses componentes, para a realização da emancipação humana. O caminho que o MST vem percorrendo tem sido de superar “uma 33 Um exemplo clássico na História do Brasil de propagação ideológica disseminada pela escola no período do regime repressivo militar foi a inserção nos currículos escolares de disciplinas de caráter nacionalista como Educação, Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil (OSPB). 34 Observamos expressamente essa aversão dos educadores á escola formal em um encontro do MST em maio de 2005 na cidade de Campina Grande, Paraíba. 65 concepção estreita e pragmática de educação”, acrescendo esses seus componentes políticos e ideológicos para concretizar a tão desejada emancipação, que só será realizável na medida em que forem sendo vivenciados, como explicita Regina Leite Garcia, tratando da luta do MST por escolas: Em sua luta pela construção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária se inclui a luta pelo direito à escola, pois que para construir uma sociedade realmente democrática há que se acompanhar a luta por um projeto político-pedagógico emancipatório, que vá preparando o novo homem e as novas mulheres para construírem uma nova sociedade. E não é qualquer escola que serve a propósitos emancipatórios (GARCIA,2000, p.01, grifo nosso). Como não é qualquer escola que vai atender aos anseios das classes subalternas e sim a que estiver formulada sob a ótica de um projeto político-pedagógico emancipador, entendemos que essa deva ter um caráter popular, ou seja, falar sua própria palavra, como afirma Garcia (2000), o que não representa tarefa fácil numa sociedade em que o acesso à educação pelas camadas populares, historicamente, é resultado de lutas. Essa preocupação com o tipo de escola que se idealiza desloca-se para uma outra preocupação: que educador(a) vai atuar nessas escolas. 3.4 MST: perspectiva e afirmação de sua ação educativa O MST em seus vinte anos de existência buscou combinar a luta pela terra com a luta pelo acesso à educação. Conforme avaliação feita pelo próprio movimento sobre a educação nesses seus vinte anos: “Agimos para provocar o Estado a agir, construímos e pressionamos políticas públicas para a população do campo” (MST, 2004a, p.12). E não só foi em busca da educação básica que o movimento pressionou o Estado em sua implementação, buscou, também, criar espaços para a formação de educadores, firmando parcerias com o Estado representado pelo INCRA e universidades. Nessa avaliação, o MST, com relação ao acesso dos assentados à educação, conclui que conseguiram praticamente que as crianças tivessem acesso à escola nos próprios assentamentos, buscando a permanência dessas crianças em seus contextos de origem, indicando o total de aproximadamente 1500 escolas públicas, ajudando a formar cerca de 4 66 mil educadores. Desde 2003, tem se envolvido com a educação de jovens e adultos em assentamentos e acampamentos com mais de 28 mil educandos e 2000 mil educadores.35 Só aqui na Paraíba, no que concerne ao ensino fundamental, funcionam nos assentamentos e acampamentos do MST catorze escolas espalhadas pelas regiões do litoral (3), várzea (8), cariri (2) e sertão (1). Com exceção de uma escola do litoral no município de Pitimbu que contempla as oito séries do ensino fundamental, as demais funcionam de primeira à quarta série36. Tendo em vista o atendimento dessa demanda educacional no meio rural, o MST também busca compor uma frente de educadores capazes de fazer funcionar essas escolas e através delas semear os fundamentos ideológicos do movimento, qual seja: uma educação voltada para a classe trabalhadora do campo. Essa é a ideologia do movimento concernente à educação, uma educação de classe, conforme se constata pela seguinte fala: Agora o Movimento já se assume na sua formação político-ideológica, com a busca de construção de uma formação marxista para os camponeses (Educador/Formador 6). Desde a gênese do movimento, começou-se a pensar na formação dos educadores, isso porque se parte do entendimento de que o professor que vai atuar nas escolas do MST deve ter além da formação técnica, a política. A idealização do educador projetada pelo MST é que ele de fato seja um militante do movimento, aquela pessoa que tem vínculo orgânico e afinidade ideológica. Essa idealização consiste no pressuposto de que o educador/militante assume o compromisso de trabalhar para/pela classe, porque ser educador no interior de um movimento social como o MST, desencadeia algumas responsabilidades a mais: “a alfabetização também é trabalho político-ideológico na medida em que reaviva a memória subversiva do povo, ao recordar as lutas dos trabalhadores” (MST, 1999b, p.09). 35 Dados da publicação Boletim da Educação: Educação no MST, balanço 20 anos. N°09, dezembro de 2004, p. 12. 36 Dados repassado pelo coordenador do setor de educação do MST/Paraíba, fevereiro de 2006. Um dado igualmente importante de ser enfatizado é que nem todas esses escolas funcionam em espaços físicos próprios, o que demanda ao Movimento construir alternativas. 67 Essa necessidade se estabeleceu pelo fato do movimento passar por muitos problemas com professores que eram externos e, por não incorporarem a proposta filosófica do movimento, não desenvolviam uma educação emancipadora, ao contrário, trabalhavam para a alienação como nos assevera Caldart (1997, p.31): [...] em algumas escolas de assentamento começaram a trabalhar professoras/es de fora que desconsideravam toda a história daquelas famílias, muitas vezes tentando fazer com as crianças um trabalho ideológico contra a Reforma Agrária. Com o fortalecimento do movimento nesses últimos anos em suas matrizes políticofilosóficas, a preocupação de se trabalhar com educadores de fora tem sido em parte superada, não porque esses não mais constituam o quadro de professores que atuam nos assentamentos, o são ainda em sua maioria, principalmente quando se trata do ensino fundamental. Mas essa superação tem se dado, por parte desses educadores ao se depararem com a realidade dos assentamentos e necessidade de conhecer seus alunos, começam a procurar entender o movimento, sua concepção de educação, seus princípios pedagógicos e tentam trabalhar conjuntamente. Isso não quer dizer que muitos desses se tornem militantes do MST, mas alguns têm se tornado militantes da educação do campo. A essa questão, temos a seguinte declaração: No início nós tínhamos muitas dificuldades porque os companheiros que vinham da cidade pros acampamentos, pros assentamentos, trabalhavam no sentido com as crianças que seus pais eram vagabundos, são ladrões, estão roubando terra de não sei quem. Esse tipo de coisa sabe, então nós tínhamos muitos, muitos problemas em relação a isso, a gurizada chegava em casa, aquela loucura, aí comentava com os pais, aí os pais se revoltavam e a gente ia conversar, a gente do setor de educação, a gente tinha muito essa dificuldade, mas hoje em dia não é tão forte. (Educadora/Formadora 1). Ainda nesse mesmo balanço de seus vinte anos de luta pela educação de qualidade no campo, o movimento ressalta que: 68 Outro acerto37 histórico nosso, que foi o de termos assumido a luta por professores/professoras das próprias comunidades para as escolas públicas conquistadas, nos preocupando e em alguma medida garantido seu processo de formação (MST, 2004a, p.16). Essa foi a forma inicial de garantir professores nas escolas dos assentamentos e acampamentos, mesmo sendo muitos desses “leigos”, no sentido da falta de titulação. No entanto, essa situação foi sendo contornada pelas parcerias firmadas com as universidades e o governo federal na criação de cursos específicos para os professores que atuam no campo, como exemplo do PRONERA. No entanto, o MST convive com uma dicotomia a respeito de sua concepção de educador, conforme texto abaixo: Estamos ainda muito presos a um currículo tradicional de formação de educadores, e ainda não superamos uma certa dicotomia entre o objetivo de formar militantes para o trabalho específico de educação e de educação escolar e para outras tarefas do próprio setor ou do conjunto da organização (Ibid, p.17). Mesmo o MST ampliando o conceito de educador, considerado aquele que está nos diferentes espaços organizativos da luta do movimento, há, porém, a preocupação com um tipo de formação especifica, voltada para o educador/professor, e a isso se somam outros elementos pedagógicos e políticos necessários à sua formação, como a apropriação de conhecimentos nas áreas da Didática, Práticas de Ensino, Políticas Educacionais e outros conhecimentos afins, relacionados ao processo de ensino e aprendizagem. Entendendo a importância de associar a dimensão técnica e política na formação dos educadores(as) que vão atuar nos espaços das salas de aula, a concepção de educador do MST ultrapassa a visão tradicional, haja vista que consideram que todo militante para o movimento é também um educador. Pois “no MST hoje é considerada educadora toda pessoa que faz a luta pela Reforma Agrária, em suas diferentes dimensões, na perspectiva de humanizar as pessoas e formar mais gente para as fileiras da luta por um Brasil sem latifúndios” (MST, 2004a, p.17). 37 O acerto que antecede esse foi à conquista de escolas públicas para os acampamentos e assentamentos. 69 Nessa perspectiva, o processo de formação deverá atingir a dimensão de elevar a consciência política do educador, fazendo-o exercitar a tarefa de educar desvendando a realidade na qual ele e o educando estão inseridos, seja na sala de aula, na marcha, no acampamento ou na rua. Nos processos formais de educação destinados aos militantes do MST, discute-se no interior do movimento a condução dos cursos, de forma que possam garantir espaços para a formação política38, pois, como podemos observar, há uma certa insatisfação por alguns tipos de formação que são executados por parceiros, a exemplo das universidades em que a forma como conduzem os cursos, distancia-se da real necessidade e realidade do movimento. Outra observação constatada, ainda se encontra na demanda de educadores que atuam nas escolas dos assentamentos e acampamentos em várias modalidades de ensino e que precisam de formação técnica para exercer profissionalmente a função de educador/professor, corroborando, assim, para a qualidade do ensino/aprendizagem. Dessa forma, a associação da dimensão técnica e política possivelmente será bem mais eficaz. Veremos o que propõe o MST à formação de seus educadores, qual sua base filosófica e ideológica, pois, vislumbram um outro modelo de escola, visto que a oficial não tem correspondido as suas necessidades educativas. 3.5 Pressupostos da formação dos educadores do MST Na realização de análise documental, identificamos os pressupostos que sustentam a concepção emancipadora de educação e conseqüentemente a formação dos educadores do MST. Esses pressupostos encontram-se expostos no caderno de Educação n° 08: Princípios da Educação no MST, em que se delineiam os princípios filosóficos e pedagógicos, idealizados pelo movimento, e sua inter-relação. Ao analisarmos esse documento, verificamos que os princípios filosóficos revelam a concepção educativa do movimento, a qual deverá permear a relação sujeito/sociedade. 38 Ver Ribeiro (2004, p17), op cit. 70 Verificamos também que a concepção de classe trabalhadora perpassa os princípios filosóficos e os pedagógicos, de forma subjacente. Princípios Filosóficos Princípios Pedagógicos 1- Educação para a transformação social: 1- Relação entre prática e teoria; • Educação de classe • Educação massiva • Educação organicamente vinculada 3- A realidade como base da produção do 2- Combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; conhecimento; ao movimento social • Educação aberta para o mundo 4- Conteúdos formativos socialmente úteis; • Educação para a ação 5- Educação para o trabalho e pelo trabalho; • Educação aberta para o novo 6- Vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; 2- Educação para o trabalho e a cooperação; 7- Vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; 3- Educação voltada para as dimensões da pessoa humana; várias 8- Vínculo orgânico entre educação e cultura; 9- Gestão democrática; 4- Educação com/para valores humanistas e 10- Auto-organização dos/das estudantes; 11- Criação de coletivos pedagógicos e socialistas; formação permanente dos educadores/ 5- Educação como um processo permanente de formação/transformação humana. das educadoras; 12- Atitude e habilidade de pesquisa. Quadro 1 - Princípios da Educação do MST. Fonte: MST: 2004b. Observando os princípios filosóficos circunscritos pelo MST, conforme quadro exposto, é perceptível sua concepção ideológica, pela qual o MST não se mantém neutro em sua exposição, considerando o discurso da neutralidade uma falácia. Assim sendo, seus princípios estão permeados por ideologias que se manifestam em suas propostas educativas. Nessas propostas educativas, sua posição ideológica classista fica bastante clara, a exemplo 71 da dimensão do princípio da educação para a transformação social, que envolve a educação de classe, uma educação que corresponda às necessidades da classe trabalhadora do campo. “Trata-se de uma educação que não esconde o seu compromisso em desenvolver a consciência de classe e a consciência revolucionária, tanto nos educandos e educandas, como nos educadores e educadoras” (MST, 2004b, p.06). O que se espera a partir deste princípio, “em última instância, é o fortalecimento do poder popular e a formação de militantes” (Ibid, p.06). Com isso o MST vem contribuindo na construção de uma hegemonia na perspectiva de ser capaz de conduzir seus agentes à direção cultural e moral que desejam assumir. Outra dimensão dos princípios educativos do MST é a educação massiva, no sentido de ser extensiva. O significado de massa, nesse caso, é no sentido de se estender a todas e todos o acesso à educação/escolarização, tanto às crianças como a jovens e adultos, vislumbrando uma educação que atenda às necessidades de quem vive no campo, que fale sua língua, que respeite sua cultura, contituido-se numa Educação organicamente vinculada ao movimento, significando dizer que todo esforço em construir um projeto educacional esteja diretamente ligado e voltado para os objetivos e luta do movimento. O princípio de Educação aberta para o mundo indica que deve partir da realidade, sem perder de vista sua universalidade, a fim de concretizar uma Educação aberta para o novo, “aberta para entender e para ajudar a construir as novas relações sociais e interpessoais que vão surgindo dos processos políticos e econômicos mais amplos em que o MST está inserido” (Ibid, p.07). Também se vislumbra uma educação para a ação, “isto é, queremos preparar sujeitos capazes de intervenção e de transformação da realidade” (Ibid, p.07). Essa preocupação se respalda na necessidade dos sujeitos interferirem profundamente em sua realidade, sem contudo, cair na ingenuidade de pensar que apenas o debate vai resolver os problemas: Não podemos nos contentar com o desenvolvimento apenas da chamada “consciência crítica”, que é aquela onde as pessoas conseguem denunciar/discutir sobre os problemas e suas causas, mas não conseguem ir além disso e até se iludem que por estarem falando sobre um determinado problema, já o estão solucionando (MST, 2004b, p.07, grifo nosso). 72 Se a consciência crítica não é suficiente para desenvolver processos de mudanças na realidade, o cerne da questão, centrado nesse princípio educativo, volta-se para a ação, sua utilização praxiológica, assim, não cair no pragmatismo, nem menosprezar reflexões teóricas, utilizando uma “consciência organizativa, que é aquela onde as pessoas conseguem passar da crítica à ação organizada de intervenção concreta na realidade” (Ibid, p.7). Outro pilar filosófico dos princípios educativos do MST é a Educação para o Trabalho e a Cooperação, em que se concebe o trabalho como resultado social, sem se desprender do esforço intelectual e manual do ser humano que, por conseguinte, deverá ser valorizado em sua integralidade e não visto dicotomicamente. Além disso, (re) significar a cultura do trabalho e da cooperação de modo que possa “construir reais alternativas de permanência no campo e de melhor qualidade de vida para essa população” (Ibid, p.08). No quadro seguinte, expomos as dimensões da educação onilateral, defendida pelo movimento e configurada como princípio filosófico que busca atender ás várias dimensões formativas do ser humano. Formação Onilateral • Formação político-ideológica; • Formação organizativa; • Formação técnica profissional; • Formação do caráter ou moral (valores, comportamentos com as outras pessoas); • Formação cultural e estética; • Formação afetiva; • Formação religiosa. Quadro 2 - Princípio da Onilateralidade. Fonte: MST: 2004b Nas dimensões expostas, destacamos a perspectiva político-ideológica que compõe a formação dos educadores do MST, resultando em militantes/intelectuais orgânicos que componham uma frente de educadores que contribua na perspectiva de superação do senso 73 comum à elevação da consciência crítica de homens e mulheres. A máxima ideológica dessa dimensão respalda-se no princípio da educação para a transformação social, como já definimos anteriormente, de modo que esse princípio tem correlação com o princípio da educação com/para valores humanistas e socialistas que compreende, nesse sentido, a necessidade de se formar novas mulheres e novos homens para constituírem uma nova sociedade. Os princípios filosóficos se apresentam como horizontes a serem trilhados para desfazer a formação centrada em valores capitalistas, propondo uma educação libertadora, respaldada em princípios humanistas e socialistas, como infere o MST: Estamos chamando de valores humanistas e socialistas aqueles valores, então, que colocam no centro dos processos de transformação a pessoa humana e sua liberdade, mas não como indivíduo isolado e sim como ser de relações sociais que visem à produção e à apropriação coletiva dos bens materiais e espirituais da humanidade, a justiça na distribuição destes bens e a igualdade na participação de todos nestes processos (MST, 2004b, p.09). A partir desses princípios busca-se o sentimento de indignação diante das injustiças e da perda da dignidade humana, o companheirismo e a solidariedade nas relações entre as pessoas e os coletivos, a igualdade combinada com o respeito às diferenças culturais, de raça, de gênero, de estilos pessoais, a direção coletiva e a divisão de tarefas, etc.39 Os princípios educativos do Movimento, tanto os filosóficos quanto os pedagógicos, nos fazem perceber o quanto é forte e está presente a preocupação com a formação de seus militantes. Assim: Uma educação que se organiza, que seleciona conteúdos, que cria métodos na perspectiva de construir a hegemonia do projeto político das classes trabalhadoras [...] visando, através de cada prática, em última instância, o fortalecimento do poder popular e a formação de militantes para as organizações de trabalhadores, a começar pelo próprio MST (Ibid, p.06, grifo nosso). A formação de militantes na citação é bem enfática, essa é uma das metas do processo pedagógico do movimento, é, pois, através da formação desses militantes que o 39 Ver outros valores correspondentes a uma educação humanista e socialista em MST: Caderno de Educação n° 08, 2004b, págs. 09–10. 74 MST se fortalece e toma proporções. Sua ideologia está voltada para a perspectiva de desenvolver consciência de classe, e mais, uma consciência revolucionária. Nesse entendimento, o educador militante será tanto sujeito de transformação, como parte do ato de transformar, percebendo-se nesse processo, como educador/intelectual orgânico, capaz de emergir nas organizações, práticas educativas no campo das transformações sociais. 3.6 A educação do MST: projeto de educação popular? A Educação Popular é entendida, em diferentes períodos históricos, com terminologias diferentes, adaptando-se, assim, à conjuntura e aos reclames do momento da sociedade. Garcia (1982, p.57 apud MELO NETO, 1999, p.31-74) afirma que a Educação Popular tem sido apresentada com várias significações e denominações, trazendo consigo as denominações de Educação de Adultos, Educação de Base, Educação Extra-escolar, Educação Permanente, etc. A discussão do que seja Educação Popular ainda não foi superada, continua provocativa diante de posições e entendimentos diferenciados. Seguindo esse entendimento, o significado da educação popular em sua atribuição histórica tem seguido uma linha que passa desde a compreensão como extensão do ensino elementar (BEISIEGEL, 1988; PAIVA, 1986), à contribuição do pensamento freireano como educação conscientizadora e libertadora. A educação popular em dado momento foi confundida como movimento social, entendimento marcante entre as décadas de 1970 e 1980, devido à crescente mobilização da sociedade, que mesmo num período de grande repressão política e social se fez presente no enfrentamento que deslegitimou o Estado autoritário. Para Gohn (2001), a Educação Popular e os movimentos sociais populares40 têm uma espécie de elemento em comum, que torna seus objetivos próximos: é o fato de trabalharem com as populações tidas como carentes e marginalizadas da sociedade. Nesse sentido, a versatilidade da educação popular tem atravessado décadas e, a partir de 1980, ela incorporou propostas e tentativas de implantar nos espaços escolares 40 Acrescentamos o adjetivo popular pelo fato de nem todo movimento social se qualificar como popular. 75 públicos essa metodologia. Gadotti (1998) postula três dimensões acerca dessa proposta: Escola pública Popular, que está associada à proposta de tornar popular o público; Escola Pública Popular Autônoma, no sentido de se autogovernar e Escola Cidadã que seria autônoma, integrante de um sistema único (público) e descentralizante (popular). No mesmo contexto da década de 1980, propostas contrárias à Educação Popular, fizeram-se presentes, coexistindo de um lado uma proposta de educação popular/emancipadora e do outra propostas de cunho estatal funcional e tecnicista. Esse confronto ainda persiste como estamos demonstrando neste estudo, a luta de um segmento social pela concretude de uma perspectiva de educação que se afirma como popular. A compreensão de educação popular pelo MST, expressa por um de seus intelectuais orgânicos, é a seguinte: A Educação Popular nós trabalhamos um pouco com os princípios do Paulo Freire, da Educação que não precisa ser uma pessoa num quadro e uma pessoa numa carteira, atrás anotando o que essa pessoa passa no quadro; mas que sim, esteja vinculado com a realidade daquela pessoa [...] e nessa inter-relação nós fazemos o estudo vinculado à realidade o que está em volta da pessoa e não algo diferenciado, sempre buscamos fazer essa relação; O indivíduo não solto no espaço mas, sim, fazendo parte do todo. (Educador/formador 4). A preocupação é a de superar uma condição que historicamente foi imposta às classes populares, reduzidas a objeto, depósito de conhecimento. A primazia da educação popular, enquanto metodologia, aponta para um tipo de relação educacional que vivencie a participação, o diálogo e a autonomia entre os sujeitos do processo educativo. A implicação é a de contribuir para que mulheres e homens decidam sobre seus próprios rumos. Acreditamos que a educação pode proporcionar transformações, contudo não é qualquer projeto que se propõe a isso, esse é um projeto popular. Popular, não só porque está permeada por princípios que levam em consideração a participação dos sujeitos em sua construção, mas porque faz de sua ação educativa um instrumento condicionante de emancipação. 76 Em outro entrevista fica evidente que o educador(a) militante vislumbrado pelo MST segue o perfil do educador popular, [...] É justamente o perfil da educação popular, que tenha uma compreensão maior que educação tem que ser dirigida tanto pro sujeito e do sujeito pro educador, da construção do conhecimento coletivo, dessa construção juntos, do educador e do educando.(Educadora/Formadora 2). Compreende-se o educador(a) militante com perfil de um educador popular, por apoiar-se nos princípios da Educação Popular, principalmente o diálogo como processo educativo, onde os sujeitos desse processo se sintam também produtores de um conhecimento coletivo. Educar possibilita a socialização do conhecimento sistematizado que é um produto cultural do qual o indivíduo faz parte, evidente que esse processo deve ser ampliado através do diálogo com outras culturas, transitando entre o local e o universal. A Educação Popular amplia as possibilidades de mudanças que constituem o cerne das transformações sociais. Essas mudanças passam, a princípio, a serem compreendidos através da educação. Segundo Rodrigues (2001, p.13), a educação pode ser compreendida como comportamento, ação ou programa de criar e desenvolver condições para que indivíduos e grupos se apropriem do patrimônio cultural de uma civilização, tornando-se capazes de enriquecê-la e aperfeiçoá-la. Os educadores do MST se auto-afirmam como seguidores de uma concepção de educação popular, tendo como suporte teórico para essa compreensão as contribuições de Freire. Partindo do princípio de que a gente bebe na fonte de Paulo Freire, Paulo Freire e outros mais. O mais que tentamos construir é buscando os conhecimentos de Paulo Freire construir uma Pedagogia do Movimento, a gente vai por essa linha (Educadora/formadora 2). É perceptível o quanto o pensamento freireano vem influenciando nas escolhas dos aportes teóricos e metodológicos que norteiam a pedagogia do MST. Desde seus escritos em Ação Cultural para a Liberdade (1982) às falas dirigidas ao MST, Freire estreita sua contribuição à educação resultante da cultura de mulheres e homens do campo. Os Sem Terra, como agentes de transformações sociais, têm de certa forma dado continuidade às 77 lições de Freire. Respaldando-se na concepção freireana de uma pedagogia libertadora, de educação como prática que leva à liberdade/emancipação, traduzida no respeito ao mundo cognoscível das classes populares, tratando-as como capazes de transformar sua realidade. Um dos educadores do MST entrevistado evidenciou como sua prática educativa vem ajudando no desvelar de uma consciência ingênua, implicando na apropriação e utilização de conhecimentos que resultem em mudanças. [...] Debatendo com eles eu falei que nós tínhamos que sentar para estudar como deveria funcionar a comunidade e eles disseram: como assim? Vocês tem que questionar, sentar e debater entre vocês o que temos que fazer para melhorar nossa condição de vida, temos que trabalhar buscando melhoria pra gente, os assentados que na verdade temos que estar cobrando, temos que conhecer nossos direitos para poder cobrar, se não for dessa maneira não funciona, e eles entenderam que tem que correr atrás e você tem que buscar verdadeiramente seus direitos tem que conhecer pra poder cobrar se não nunca vai mudar (Educador/Professor 5). A assertiva do educador se fez na opção de traçar um processo de superação entre uma postura ingênua e outra crítica, em que sua tarefa foi conjuntamente com seus educandos compartilhada no processo de discussões em torno da realidade percebendo-a sob uma visão crítica. Freire argumenta que “a técnica em si mesma, como instrumento de que se servem os seres humanos em sua orientação no mundo, não é neutra”. (FREIRE, 1982, p.43). E, por não ser neutra, representa um conjunto de teorias e filosofias que contribuirá para emancipar ou não as pessoas, dependendo do interesse ideológico de quem dela usar. Em Freire (1982), temos exemplo de duas situações de processo pedagógico, um primeiro que reproduz a ideologia dos dominantes, sendo sua proposição a de deixar os educandos na condição de oprimidos, e o segundo exemplo em que o processo de alfabetização revela-se como ação cultural para a libertação, momento em que os educandos tornam-se sujeitos do processo ensino-aprendizagem e que constitui uma desmistificação da realidade, sair de uma postura ingênua para uma crítica. Para acontecer a emancipação precisa-se tomar consciência da realidade objetiva criticamente, pois na consciência semi-intrasitiva ou no senso comum procura-se explicar a realidade sem criticidade, e de maneira fatalista (FREIRE, 1982). A educação política que o 78 MST realiza com seus educadores objetivamente tem sido contrária ao fatalismo, sendo sua perspectiva emancipadora, segundo a declaração abaixo: [...] mesmo porque a formação que eles recebem é nesse sentido de que seja uma educação libertadora e que a sua própria postura de militante seja aparente (Educadora/formadora 1). Freire, em uma de suas falas dirigidas ao MST41, menciona dois direitos que ele considerou fundamentais “o direito a conhecer, a conhecer o que já se conhece, e o direito a conhecer o que ainda não se conhece”. Essas duas prerrogativas se relacionam com os demais direitos por serem interdependentes e por serem direitos culturais, ou seja, a viabilidade que deve existir para que todas e todos tenham acesso à participação nesse universo cultural. Para Freire (1982, p. 22): Conhecer o que já se conhece tem que ver com o que a gente chama de saber popular, sabedoria popular, ao lado do saber que a gente chama de saber erudito que a canção cantada aqui se referia com relação à caneta e à enxada. E foi dito aqui como uma verdade histórica que desde o começo estes dois saberes representados, pela caneta de um lado e a enxada de outro, foram divididos, separados pela burguesia. E esses dois saberes no fundo precisam completar-se. Segundo o autor, essa dicotomia, caneta/enxada, deve ser quebrada e o trajeto para que isso aconteça é a associação entre teoria e prática, entre o conhecimento obtido em suas experiências práticas e sua (re)significação elaborada a partir de um conhecimento científico. Esses direitos citados por Freire estão sob o domínio da cultura e seu nivelamento se dará através de uma ação cultural que se traduz em um processo educativo em suas diferentes modalidades, ajudando nas transformações que se vão delineando e configurando sujeitos capazes de se perceberem historicamente, a fim de superar uma postura ingênua, construindo uma reflexiva e ativa. Um dos condicionantes para essa emersão é a 41 Referências tiradas de um texto publicado pelo MST Paulo Freire: um educador do povo (2002), por ocasião de sua visita ao assentamento Conquista da Fronteira e, Bagé, Rio Grande do Sul, no lançamento de um projeto de alfabetização de jovens e adultos. 79 instrumentalização dessas pessoas através de uma educação que as estimulem à reflexão de suas ações, e não só isso, que os faça descobrir que são protagonistas da construção de sua própria História. Freire cita uma frase que ele ouviu de um educador Sem Terra: Um dia pela força de nosso trabalho e de nossa luta cortamos os arames farpados do latifúndio e entramos nele, mas quando nele chegamos, descobrimos que existem outros arames farpados, como o arame da nossa ignorância, e então ali eu percebi, melhor ainda naquele dia, que quanto mais inocente diante do mundo, tanto melhor para os donos do mundo, e quanto mais sabido, no sentido de conhecer, tanto mais medrosos ficarão os donos do mundo (CALDART; KOLLING, 2002, p.27). Buscaremos, no capítulo que se segue estabelecer algumas relações do processo empírico de investigação da pesquisa com o processo de formação política do educador do MST, reconhecendo como os princípios filosóficos, ideológicos e pedagógicos se efetivam em sua formação política e como se constitui em elemento norteador do processo de emancipação proposta pelo movimento. 80 CAPÍTULO IV 4. O MST E O PROCESSO DE FORMAÇÃO POLÍTICA Somos nascedores e morredores no cotidiano da construção do socialismo. Educador/formador 6. No capítulo anterior expusemos o que identificamos em análise documental como pressupostos filosóficos e pedagógicos da educação do MST. Neste capítulo, discutiremos os dados empíricos da pesquisa concernentes à formação política dos(as) educadores(as) do MST, correlacionando-os com os princípios filosóficos e pedagógicos identificados, com o objetivo de compreender e analisar esse processo de formação e suas respectivas ideologias. No tocante à formação política, três aspectos se evidenciaram no percurso da pesquisa como sendo objetivo, necessidade e finalidade da formação política do MST: o cotidiano e a realidade enquanto espaço permanente de formação; a necessidade de fortalecer a formação política; e o que se revela como objetivo principal da formação, a formação de quadros de educadores/militantes. Quanto à primeira constatação, apareceu freqüentemente nas respostas dos entrevistados(as) os vários espaços onde a formação é realizada (encontros, capacitações, reuniões, cursos periódicos, trabalhos de base, etc). Porém, essa formação acontece para além desses encontros ou cursos, fazendo parte do cotidiano e da realidade desses sujeitos, o que significa que a formação política também se processa com a experiência, a prática, o dia a dia. Podemos constatar que a prática de formação no MST se distancia das regularidades implícitas a um processo que pretende enquadrar os indivíduos em fôrmas, pois na prática vivenciada nos processos de formação política evidenciam-se momentos que não são estanques, últimos, acabados, mas ocorrem numa relação de construção cotidiana em que fica explícita a realização do princípio de uma educação com/para valores humanistas e socialistas que busca “ajudar na construção do novo homem e da nova mulher (MST, 1996, p.09). Os valores humanizantes dessa ação educativa aproximam-se 81 do sentido da palavra Bildung que se expressa como dimensão humanizante de um processo educativo. A formação vivenciada pelo movimento tem sido no sentido de considerar a participação de todos os sujeitos desse processo, uma formação (re)construtora de seus significantes. Nesse ínterim, a formação, mesmo a técnica, perpassa os espaços formais, como pudemos perceber na entrevista: A formação ela não se dá no momento, tipo, vai ter uma aula, vai lá que é lá a informação. Não, a informação se repassa por todo o cotidiano: é uma reunião, uma coordenação, uma reunião de núcleo, é um próprio estudo. Então a formação pra nós ela se dá em todo o momento, numa conversa informal, ou então informação que é a troca de experiência. Então, um dos princípios nosso é esse, onde há troca de experiências, há informação (Educador/formador 4). Conforme entrevista realizada, fica evidente que as informações geridas cotidianamente servem como elemento de aprendizagem coletiva, subjacentes a essas informações estão as experiências que são vivenciadas pelo grupo, tendo como ponto de partida a realidade, apesar das dificuldades, como expressou outro entrevistado: Então, no início todos os educadores do movimento apanham muito da realidade, eles têm muita dificuldade, porque não está acostumado com aquela realidade, com aquela situação, mas a prática cotidiana vai ajudando, aos poucos, a gente melhora o nosso método de trabalho. Eu já vi muitos educadores com limitações no seu início e que com quinze dias depois já deu um salto de qualidade muito grande, como eu já vi outros que parou ali, não conseguia mais avançar [...] Tem várias limitações, nem todos conseguem avançar e nem todos consegue, é um processo mesmo de formação e exige de nós muita paciência. (Educador / formador 5). A realidade do movimento, de início, apresenta-se para alguns educadores como um desafio a ser superado e, mesmo conhecido, para tal entendimento usam-se vários espaços que possam fomentar a formação política de seus docentes, como pudemos perceber através da entrevista seguinte: A formação política ela se dá de diversas formas, seja através de encontros, através de reuniões, através de cursos mesmos, cursos mais periódicos que o movimento desenvolve. Seja cursos mais prolongados 82 de 75 dias, de 90 dias, na nossa avaliação a formação é permanente, né? E nós consideramos vários espaços formadores, seja a assembléia, seja a reunião, seja a própria formação de base que contribuem para o acampamento fazer e desenvolver diversas atividades com os núcleos de base, enfim, seja a própria conversa com o companheiro e a companheira quando tu vai tomar um café, isso também é um certo espaço de formação, diferente que tu não tá trabalhando determinado conteúdo (Educadora / formadora 1). Além de ser um processo de formação que tem o cotidiano e a realidade como referência, ou seja, são vários os espaços em que se desenvolve esse aprendizado, tem na realidade o entendimento de ser o ponto de partida, ao mesmo tempo em que é, também, de chegada, da construção do conhecimento sobre ele mesmo, não perdendo de vista sua universalidade, transitando dinamicamente entre o local e o global. Para o MST “realidade é o mundo! É tudo aquilo que existe e que merece ser conhecido, apreciado, transformado e que pode estar a milhares de quilômetros do assentamento”. (MST,1996, p.14). Assim, para o MST a realidade deve fazer um percurso do amplo (global) ao particular (local), sem perder sua articulação, sua unidade de conhecimento, uma vez que a simples opção por apenas um desses elementos (o amplo ou o particular) deixa deficiente a outra parte do processo de produção de conhecimento. Por isso que para o movimento não faz “sentido conhecermos todo o mundo sem conhecermos nosso assentamento” (Ibid, p.14). Como a pretensão é de interferir na realidade para transformá-la, é primordial que a conheça bem, sem descartar a necessidade e apreensão de concepções mais amplas de conhecimentos, o que ajuda a articular o geral ao particular, ou seja, a teoria à pratica, que não devem ser vistas como dissociadas, mas em consonância. A realidade necessita da teorização para se transformar em conhecimento sistematizado, isso não quer dizer que a realidade sem reflexão teórica não seja realidade, porém será visualizada ingenuamente, pela aparência, sem se aperceber de sua essência e contradições. Daí a importância da experiência pensada na produção do conhecimento a partir de suas práticas reais, como apontaram Marx e Engels (1998, p.18-20). A produção das idéias, das representações e da consciência está, a princípio, direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; ela é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens, aparecem aqui ainda como emanação direta de seu comportamento material [...] São os 83 homens que, desenvolvendo sua produção material e suas relações materiais, transformam, com a realidade que lhes é própria, seu pensamento e também os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. Inferimos a partir dos autores citados que a construção do conhecimento se concretiza provocada pela dinâmica teoria-prática, em que a realidade é o ponto de partida. Assim, tanto nos cursos promovidos pelo MST, como a própria interação cotidiana e comunitária entre os sujeitos, são espaços que ajudam na formação desses sujeitos coletivos. A opção pelo cotidiano e a realidade está circunscrita no princípio da realidade como base da produção de conhecimento42. Significando que, sendo o conhecimento uma produção social, advindo geralmente da experiência e necessidade prática do ser humano, ajuda-o a desvelar, explicar e transformar a realidade. Fotografia 2. Encontro Intersetorial do MST. Análise de conjuntura. Agosto/2005. Fonte: Lucicléa Lins Esse princípio predispõe, a partir do que ele proporciona, uma dinâmica constante entre ação-reflexão-ação ou prática-teoria-prática, favorecendo um olhar questionador da 42 Ver quadro 1, p. 70. 84 realidade em busca de sínteses que possa redimensioná-la. Além de ter o cotidiano e a realidade como opção para a construção do conhecimento, essa escolha não se encontra desprendida, solta, ela tem sua matriz ideológica, sua intencionalidade, fundamento da consciência política do indivíduo, forjada na luta quotidiana, respaldando-se no campo filosófico marxista, a respeito disso assevera um dos entrevistados: A formação tem que ser, ela tem que ter um cunho filosófico, claro, uma matriz ideológica clara, e a partir daí, estabelecendo os rumos de seu processo de formação [...] formação política depende dos clássicos do marxismo, mas trazendo consigo a poesia de Martí, o sonho de Bolívar, bom tudo isso que vai sendo trazido pra dentro do MST e vai moldando, vai moldando não, vai criando uma metodologia e uma linha de formação diferenciada (Educador/formador 6). O entrevistado definiu a posição ideológica que norteia os processos de formação e construção da consciência política dos sujeitos, fundamentada pelos clássicos teóricos do marxismo associada à dimensão subjetiva, estética e poética de Martí e Bolívar. Essa posição vai afirmando a constituição de uma educação para a classe trabalhadora e a relevância dos clássicos para essa construção. A reunião das dimensões política, subjetiva, estética e poética, correlaciona-se com o princípio educativo do MST de uma educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana. O modo de produção capitalista fragmentou o processo educativo onilateral, deslocando-o para o atendimento as necessidades técnicas/produtivas. A unilateralidade desse processo é criticada por Gramsci, no tipo de escola pretensamente interessada, implementada pela burguesia italiana, pois em sua compreensão: A tendência, hoje, é a de abolir qualquer tipo de escola “desinteressada” (não imediatamente interessada) e “formativa” ou conservar delas tão somente um reduzido exemplar destinado a uma pequena elite de senhores e de mulheres que não devem pensar em se preparar para um futuro profissional, bem como a de difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas, nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são predeterminados (GRAMSCI, 1989, p.118). 85 O autor se posiciona contrário à funcionalidade da escola pensada sob a égide da burguesia que pretendia atender as necessidades do capitalismo, impondo a dimensão especialista profissional como princípio educativo. Gramsci não descarta a função técnica da escola (escola do trabalho) como princípio, porém a vê como meio na qual a classe subalterna poderá elaborar suas ideologias, valorizando no espaço escolar sua competência em formar intelectuais que possam “[...] pensar, estudar, dirigir ou controlar quem dirige” (Ibid, p.136). Outra relevância da crítica gramsciana remete ao tipo de escola “desinteressada”43, a própria palavra expressa algo subjacente que poderá estar sendo falseada se ficar presa apenas em seu aparente significado, ou seja, o espaço escolar se constitui em espaço de disputa ideológica entre as classes, não há desinteresse e sim interesses. Expressos pela ideologia dos grupos que disputam espaços escolares, assim, a elite defende uma formação escolar voltada para o mercado e a manutenção de seu status quo, enquanto a classe trabalhadora uma formação ampla, onilateral que não só evidencie, mas concretize sua aspiração de se tornar dirigente. Ainda na perspectiva da formação onilateral, o MST a compreende como: Uma educação onilateral se opõe a uma educação unilateral, que se preocupa só com um lado ou dimensão da pessoa, ou só com um lado de cada vez; só o intelecto, ou só as habilidades manuais, ou só os aspectos morais, ou só os políticos. O que acontece quando a educação é unilateral é que geralmente ficam dimensões sem trabalhar ( MST,2004b, p.8). A respeito da formação onilateral, Candau (1993), em suas análises sobre a formação de educadores(as), explicita sua perspectiva multidimensional, ou seja, a interdependência da dimensão técnica, humana e político-social, não percebendo nem trabalhando essas dimensões como se fossem dissociáveis. Para Candau (Ibid, p.48): O desafio está exatamente em construir uma visão articulada em que, partido-se de uma perspectiva de educação como prática social inserida num contexto político-social determinado, no entanto, não são deixadas num segundo plano as variáveis processuais. Contexto e processo são vistos em articulação onde a prática educativa quotidiana [...] assume uma perspectiva político-social. 43 Ver Nosella: A Escola de Gramsci, 1980. 86 A enunciação da autora refere-se exatamente a uma prática de um contexto políticosocial específico que requer a realização da dimensão técnica, humana e político-social, confluência do pressuposto educativo da onilateralidade perscrutado pelo MST, em que se busca a mediação dessas dimensões. Nas entrevistas que realizamos com os educadores/professores do MST aqui da Paraíba, ficou evidente a necessidade de fortalecer a formação política. Pelo menos em quatro das cinco entrevistas realizadas com os educadores/professores, a propensão foi de fragilidade desse processo, seja por que esses educadores ainda estejam um tanto recentes no movimento, ou por algum motivo de ordem econômica ou política que faz com que o movimento não esteja conseguindo investir nessa modalidade de formação, mesmo sendo ela, segundo a tendência do movimento, um de seus objetivos; organizar o povo para formar quadros. A necessidade de fortalecer a formação política apareceu expressamente em uma das entrevistas, como segue: A formação política não está muito bem nesta área, digamos que a gente como educador não tem, nem nós que somos educadores não temos educação política bem posta, sabe? Pra gente poder repassar para os alunos fica até difícil. Se eu como educadora não entendo muito da política então não vou ter como repassar para meus alunos, a gente até estava comentando sobre isso na reunião que a gente pra ter uma formação política, pra gente repassar para os alunos, quando a gente for pra sala de aula (Educadora/professora 2). A educadora/professora demonstra a preocupação com a fragilidade de sua formação política, no entanto, seu entendimento sobre esse processo é bastante conteudista, ficando uma lacuna na dinâmica de reunião entre teoria e prática. Em uma outra fala, a mesma entrevistada, esclarece que a formação política vem, geralmente, acontecendo aos poucos, mas sendo necessário aprofundá-la: A nossa proposta de hoje foi justamente essa, da gente ter uma formação política mais aprofundada, marcar um dia ou alguns dias para gente só tentar aprofundar mais isso, ta meio que, a gente tem encontros aí vai esquecendo, aí pronto ( Educadora/professora 2). 87 Em consonância com as preocupações da entrevistada, encontramos registro nos documentos do MST em que se demonstra a necessidade de fortalecer a formação política: “Não estamos satisfeitos com a formação política trabalhada, que precisa avançar e estar em sintonia mais acelerada com os debates do nosso tempo” (MST, 2004a, p.17). Nesse sentido, mesmo tentando ampliar as possibilidades de formação de seus(as) educadores(as), fazendo-os ter domínio de sua proposta política e pedagógica, as entrevistas descritas demonstram na realidade pesquisada uma certa descontinuidade na formação, o que indica, diante do exposto, a necessidade de intensificar os momentos de formação política, de modo que possa oportunizar a seus(as) educadores(as) o conhecimento da proposta política que o movimento deseja implementar em sua realidade escolar, relacionando sua prática educativa com seus seguintes princípios: educação para a transformação social e vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos. Esses princípios ficam comprometidos se não forem referendados e implementados na vivência de formação dos(as) educadores(as), pois almejar uma educação que sirva como elemento para a transformação social como pretende o MST, implica preparar seus educadores(as), politicamente, para fazer diferença nos espaços das salas de aula, envolvendo no processo de formação política não só os professores e alunos, mas também pais e comunidade, corrigindo no próprio processo as dificuldades e contradições do processo educativo. Na situação específica da educadora/professora citada, é observável sua aflição e apreensão em exercer o papel de educadora militante, que além de assumir a responsabilidade própria da profissão do educador, caber-lhe-á também o desempenho de funções políticas organizativas características do militante, portanto de um intelectual orgânico junto à classe que representa. A fala da educadora/professora demonstra insegurança para o desempenho de suas funções técnicas e políticas, o que tende a comprometer o vínculo orgânico entre processo educativo e processo político, pois esse princípio busca elevar a um patamar de conhecimento político sua classe correspondente, entendendo que “a educação é sempre uma prática política” (MST, 2004b, p. 17). A dimensão política deverá ser trabalhada não só para o estímulo de uma prática cidadã consciente, mas também como ação pedagógica 88 contínua para o desenvolvimento dessa mesma prática, configurada no envolvimento com o campo ideológico da classe trabalhadora. Espera-se como resultado da apreensão cognoscível dos sujeitos dessa ação sua expressão de maturidade política e de emancipação, ou seja, conseguir, a partir da superação do senso comum, a compreensão crítica da realidade, apontando soluções para os problemas que se apresentarem quotidianamente. A questão que apontamos não consiste em criar uma necessidade a mais a ser atendida pelo MST em sua formação política, o mesmo tem clareza de suas razões e intenções do processo formativo pelo qual luta. Acreditamos que isto esteja bastante límpido para o movimento, porém a proposição que fazemos é quanto à necessidade do movimento observar os desníveis concernentes à formação política nos quais alguns de seus educadores se encontram.44 O caso específico de uma outra educadora retoma ainda a discussão da necessidade de fortalecer a formação política, pois na quase ausência de respostas para alguns dos questionamentos feitos, tornou-se necessário analisar o porquê do “desconhecimento” a respeito da formação política: Eu tenho pouca formação política [...] esse é o primeiro encontro de formação política que eu participo (Educadora/professora 1). Mesmo essa educadora tendo vínculo com o movimento há mais de dois anos, inclusive em sala de aula no ensino da EJA, no entanto era a primeira vez que participava de um encontro voltado para a formação política. Porém, não descartamos a hipótese de sua participação em outros espaços formativos, como vimos anteriormente, em que à formação política também é realizada, pois como a própria entrevistada assinalou “eu tenho pouca formação política”, significando que algum conhecimento da formação política tem. Em outro momento a mesma expressou: 44 Abalizar o que inferimos acima como constatação, os desníveis nos quais os educadores se encontram Firmamos essa questão em uma outra entrevista que, inicialmente, por nossa falta de compreensão da mesma, a descartamos por achar que não tinha em seu conteúdo elementos significativos. Devido à nossa ansiedade por respostas objetivas, desconsideramos o que essa entrevista tanto tinha a nos apresentar, assim, posteriormente, maturando os dados obtidos, percebemos sua importância para. 89 O professor deve ter outros conhecimentos e cada vez mais se aprofundar, no caso do movimento, conhecer a luta do trabalhador, a história do movimento (Educadora/ professora 1). Nossa análise não trata em quantificar o grau de conhecimento político da educadora, mas a preocupação, nesse sentido, tem sido com os diferentes níveis e lacunas da formação política do(a) educador(a)/professor(a) que ocupa os espaços escolares nos assentamentos, fazendo seu trabalho quotidianamente, sendo responsável, inclusive, pela elevação da consciência filosófica, crítica de seus educandos, nessa perspectiva, a importância em insistir na formação política dos militantes, intelectuais orgânicos. Essa relação se dará através da elevação cultural e política desses educadores, como assinala Gramsci (1991, p.22): O processo de desenvolvimento está ligado a uma dialética intelectuaismassa; o estrato dos intelectuais se desenvolve quantitativa e qualitativamente, mas todo progresso para uma nova “amplitude” e complexidade do estrato dos intelectuais está ligado a um movimento análogo da massa dos simplórios, que se eleva a níveis superiores de cultura e amplia simultaneamente o seu círculo de influência, através de indivíduos, ou mesmo grupos mais ou menos importantes, no estrato dos intelectuais organizados. Na assertiva gramsciana, para ter mais pessoas com capacidade diretiva, é fundamental a interação entre intelectuais e massas num processo qualitativo e quantitativo, para o desempenho de funções organizativas. Nessa perspectiva, o intelectual orgânico com capacidade de elaboração filosófica de uma concepção de mundo crítica buscará no desempenho de sua função fazer um trabalho educativo no sentido da superação do senso comum. Há, porém, nesse contexto, outras implicações de ordem estrutural, pois as experiências do setor de educação do MST da Paraíba ainda são recentes em comparação a outros Estados, a isso se soma, também, a necessidade de professores com formação técnica e de qualidade para atuarem na educação do campo, luta já empreendida pelo MST. Nesse sentido, como aponta o estudo, a formação política em questão, respaldandose no princípio do MST de formação permanente dos educadores/das educadoras, fazse preciso seu fortalecimento. Não estamos afirmando, com isso, que a formação não 90 aconteça no movimento, mas, para a realidade específica estudada, esses processos permanentes necessitam ser fortalecidos, a propósito é objetivo do movimento ter educadores(as) comprometidos com seu projeto político e pedagógico. A formação de quadros foi outra questão constatada e afirma-se como sendo o resultado da formação política45. O MST definindo seu conceito de educação infere: Consideramos a educação uma das dimensões da formação, entendida tanto no sentido amplo da formação humana, como no sentido mais restrito de formação de quadros para a nossa organização e para o conjunto das lutas dos trabalhadores e trabalhadoras (MST, 2004b, p.05). A dimensão da formação ampla (humana) relaciona-se com a perspectiva de mudança de posturas e concepções dos sujeitos envolvidos com o movimento que se encontram arraigados a processos centrados em valores individualistas. Nesse sentido, o movimento busca, também, através da apreensão do conhecimento sistematizado, elevar o nível de consciência social dos sujeitos, ajudando-os na compreensão das propostas políticas organizativas da dimensão restrita (a formação de quadros). Essas dimensões não são separadas, mas articuladas uma vez que o humano e o político perpassam a orientação político-pedagógico dos processos educativos do MST. Assim, pudemos observar a correlação dessas dimensões, extraídas das leituras dos documentos e da entrevista: O movimento não tem a visão estrita de achar que, por exemplo, devem vir fazer o curso de História46 aqueles que vão lecionar História, pra nós devem vir fazer o curso de História aqueles que serão, terão como linha 45 Para o MST “a formação de quadros tem a ver com a política de formação da organização, desde os níveis iniciais até os níveis mais elevados”, ou seja, formação para a base, militantes e dirigentes, executores do arcabouço organizativo do movimento. MST, 2005, p.03. A relevância dos quadros consiste em ser o nível mais elevado da formação política, dando sustentação à classe. A formação política no MST entendida em “diferentes níveis: base, militantes e dirigentes” (PIZZETA, 2003, p.03) Sendo que esses dois últimos constituem o nível mais elevado da formação, no entanto, para se chegar a esses níveis tem que se investir na base de onde, geralmente, saem os quadros. Na dissertação de mestrado em educação /UFPB, de Ribeiro (2004) sobre a experiência da primeira turma de magistério norte/nordeste do MST, encontramos outra referência para definição de quadros. Bogo apud Ribeiro (Ibid, p.13): “quadro é um conceito político que significa uma pessoa que adquiriu elevado nível de desenvolvimento político que consegue orientar-se por conta própria na aplicação das linhas políticas de sua organização”. 46 O curso de História ao qual o entrevistado está se referido é o que acontece na UFPB. 91 de ação a atividade de formação política, além da sala de aula, né? Que bom que tenha também a sala de aula, mas que não tenha apenas a sala de aula, pra nós a sala de aula é a marcha, é o acampamento, é debaixo da lona ou debaixo do teto de zinco ou debaixo do teto de telha, mas o importante é que tenha consciência de que a nossa sala de aula é a classe, a classe social onde nós estamos inseridos, né? (Educador/formador 6). Na entrevista fica explícito o que vem observando o MST quanto à necessidade de seus militantes terem acesso ao conhecimento formal, assim quando se luta pelo acesso a esse conhecimento, como o caso do curso de História citado na entrevista, vislumbra-se no acesso e aquisição desse campo de conhecimento adquirir mais elementos para a elaboração de uma matriz político-ideológica sólida que os ajude a pensar a continuidade de existência e luta do movimento, dessa forma se estreita a relação entre a apreensão do conhecimento universal com a ideologia de classe. Concernentes a espaços formais da educação, Gramsci (1989, p.09) proferiu: “a escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis”; acrescentamos que esses espaços se prestam à formação de educadores, possibilitando a elaboração de intelectuais que servirão tanto para atender, manter e ampliar os interesses da classe dominante, como para a elaboração de intelectuais orgânicos que, a despeito de uma condição subjugada e expropriada, buscam a construção de uma hegemonia popular. O pressuposto da formação política dos educadores do MST vislumbra a idéia de compor quadros qualificados, isto constitui o cerne de seu processo educativo. Nós enquanto organização temos um perfil que não nega o leninista, no sentido de que o quadro tem que ser profissional daquilo que faz. E ser profissional é ser bom, politicamente, tecnicamente, naquilo que você desenvolve, e ser sério e ser coerente (Educador/formador 6). Mesmo sendo todo processo educativo formador de quadros, temos nesse caso específico a condução de um processo educativo para a constituição de militantes, de intelectuais organicamente comprometidos com sua classe e em defesa da mesma, como afirmara Gramsci (1991, p.21): [...] uma massa humana não se “distingue” e não se torna independente “por si”, sem organizar-se (em sentido lato); e não existe organização 92 sem intelectuais, isto é, sem organizadores e dirigentes, sem que o aspecto teórico da ligação teoria-prática se distinga concretamente em um estrato de pessoas “especializadas” na elaboração conceitual e filosófica. O princípio da formação de quadros é crucial para a permanência de existência de qualquer organização, nesse sentido, o papel do intelectual é imprescindível para assegurar, elaborar e disseminar a ideologia da classe à qual pertence. Disputando no campo político, econômico e cultural da sociedade as funções que poderão assumir. Fotografia 3. Encontro Intersetorial. Formação Política. Agosto 2005. Fonte: Lucicléa Lins. A corporificarão da tendência do militante/intelectual orgânico, no que vislumbra o MST para a formação de seus quadros, tem evidenciado sua ideologia de classe em que o processo formativo não deseja contribuir para a passividade e conformação dos sujeitos envolvidos, mas para sua emancipação. Não se pretende conservar um modelo educacional que prepara quadros para dar sustentação e manutenção a um sistema social e econômico excludente. Assim, para a construção do ser político, o MST respalda-se em um de seus princípios: vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos. Isto significa “fazer a política entrar/atravessar os processos pedagógicos que acontecem nas escolas, nos cursos de formação” (MST, 2004b, p.17) e não tratá-la como algo 93 desvinculado da vida prática das pessoas. Ademais, ressaltando uma dimensão construtiva desse princípio correlacionando com o pressuposto da formação de quadros, é que a partir dele o MST vai formando seus militantes, como pudemos observar em seus documentos: Chegar a ser militante! Esta é a meta porque nada mais efetivo no aprendizado político do que pertencer a uma organização. Pertencer a uma organização é assumir seu caráter, seus princípios, seus objetivos, e estar disposto a realizar as tarefas que lhes são confiadas [...] Esta é sem dúvida, uma dimensão fundamental de uma educação que se pretenda comprometida com a transformação social (MST, 2004, p.18). A teleologia dessa dimensão aponta para aquilo que consideramos como sendo objetivo principal dos processos pedagógicos do MST, ou seja, a formação política resultando na construção de quadros, compostos por militantes com habilidades técnicas e políticas que participarão diretamente e propositivamente da vida coletiva, pública. Fotografia 4. Estudos coletivos nos encontros de formação política. Agosto 2005. Fonte: Lucicléa Lins. 94 Como em toda proposta educativa existe uma intencionalidade política em seu interior, configurada pelo grupo a qual está submetido, o MST não esconde sua intencionalidade, preparar quadros com habilidades políticas e técnicas capazes de interferir e desmontar uma cultura educacional que não atende às reais necessidades da classe trabalhadora, em particular a do campo. 4.1 A escolha dos educadores Procuramos saber dos(as) educadores(as) que entrevistamos como eles e elas chegaram ao MST. Compreendemos que sua condução ao movimento acontece por vários motivos, entre eles os relacionados à falta de condições materiais dignas às suas existências. Assim uns se agregaram ao movimento por sua origem camponesa, buscando se reencontrar com suas raízes, mesmo a princípio não compreendendo como desempenharão a militância; outros, pelo imediatismo em atender suas necessidades materiais; e ainda outros aceitando o convite para trabalharem como educadores/professores, geralmente da EJA. O depoimento que se segue ilustra essa situação: Vim para o MST não apenas por uma busca do ideológico, do simbólico, da militância, mas, também, por buscar uma resposta material à minha necessidade de desempregado naquele momento. Vim pra me encontrar com minhas raízes camponesas, pra ficar assentado como muitos vem [...] Vinha com essa busca de não se tornar militante ou orgânico do movimento [...] obviamente que continuava fazendo militância, mas não tinha clara a militância no MST naquele momento, ali (Educador/formador 6). Conforme entrevista, mesmo buscando aporte ideológico para sua militância, no caso desse educador/professor, antes mesmo de chegar ao MST era militante das comunidades eclesiais de base, no entanto, foi a busca de suprir suas necessidades materiais de quem estava excluído do mercado de trabalho que o levou a se envolver com MST, mesmo não tendo inicialmente clareza de seu novo espaço de militância. Suprir as 95 necessidades materiais é uma tendência pela qual muitos se envolvem com o movimento, tornando-se alguns desses, a posteriori, militantes. Esse panorama nos faz deduzir que os(as) educadores(as) que atuam no MST são, geralmente, mulheres e homens que constituem uma vinculação com o campo e com a educação, buscando construir um novo modelo de sociedade, acreditando na educação como elemento de transformação. Nas entrevistas com os educadores do setor de formação, procuramos saber como são escolhidos os educadores do movimento. Das informações obtidas, uns responderam que o educador deve demonstrar disponibilidade e identificação com o movimento mesmo que não seja um militante orgânico. Conforme entrevista abaixo esse(a) educador(a) deve ter uma certa compreensão sobre as atividades que o movimento desenvolve: [...] que sejam companheiros e companheiras que tenham um certo envolvimento com o movimento. Não necessariamente precisa ser aquele envolvimento direto, mas que já tenha participado de algumas atividades do movimento, que se identifique com o movimento (Educador/formador 1). Outro entrevistado corrobora com a perspectiva de que sejam educadores(as) que conheçam o movimento, porém aponta o desejo de que seja prioritariamente pessoas do movimento: A nossa prioridade seria para as próprias pessoas que estão inseridas na organização por conhecer a metodologia, por ter esse vínculo com a Pedagogia da Terra que nós chamamos. Mas, outro professor que tenha essa compreensão, esta simpatia poderia tá contribuindo (Educador/formador 4). Também buscam recrutar dos processos educativos que desenvolvem com a base aqueles que identificam com habilidades para trabalhar como educadores nas escolas dos assentamentos e acampamentos: [...] Um processo de consulta que vai desde o assentamento ao próprio setor e não é assim de que a pessoa veio de um belo dia e aí pronto vira um educador do MST. Mas, Já é, assim, envolvido na tarefa, envolvido dentro de um processo de formação (Educador/formador 6). 96 A idealização do educador militante ainda persiste no movimento, no entanto, como nem sempre isso é possível, buscam ter como parceiros os educadores externos, desenvolvendo com eles e elas a pedagogia do movimento. Outros entrevistados enfatizaram a questão da falta de autonomia do movimento, em relação aos municípios, na escolha dos educadores. Muitas vezes a gente não participa das escolhas deles [...] porque na maioria dos municípios nós não temos ainda essa autonomia de escolher o educador que vai pro assentamento, ainda é o município que tem autonomia a partir do concurso público que existe dentro do município, as regras municipais é que é escolhido e eles vão pros assentamentos (Educador/formadora 2). A situação exposta constitue-se como desafio que o movimento tenta contornar, tanto através do incentivo à escolarização de seus militantes para que possam concorrer nas seleções públicas de professores, como negociar com os gestores a presença nas escolas dos assentamentos, de seus próprios educadores, como é apontado no fragmento abaixo: [...] Agora, tem alguns locais que a gente conseguiu avançar em relação a isso, porque a gente já conseguiu fazer uma discussão que, quem dá aula nas escolas dos assentamentos e dá pros nossos alunos, sejam professores do Movimento Sem Terra (Educadora/ formadora 3). Na escolha dos(as) educadores(as), o MST “consegue” manter organicamente os educadores(as) que irão atuar na Educação de Jovens e Adultos-EJA e nas escolas intinerantes, às vezes no ensino fundamental, firmando com as prefeituras a contratação de educadores(as) do movimento. A idéia de se ter um educador militante ainda é intrínseca ao movimento. No entanto, como se luta pela manutenção de escolas públicas, acabam se esbarrando na máquina burocrática do Estado, pois o poder público é quem geralmente designa os educadores que irão atuar nas escolas dos acampamentos e assentamentos, o que gera muitas discussões entre esses setores. As amarras do sistema fazem com que o MST fique atento à necessidade de titulação de seus educadores para disputarem em concursos públicos as vagas das escolas nas áreas dos assentamentos e acampamentos. Outra questão visualizada e colocada em prática pelo movimento é estender aos educadores que vêm de 97 fora sua concepção de educação e escola, trabalhando também com esses educadores a formação política. Diante das questões que foram colocadas relacionadas à escolha dos educadores que atuam nas escolas do MST, averiguamos dos educadores(as)/professores(as) que atuam aqui na Paraíba, como se deu sua inserção nas escolas do movimento. Uma característica peculiar desses entrevistados é sua inserção ainda recente no movimento, entre seis meses a dois anos. Consideramos isto um indicativo do porquê de algumas das respostas terem sido evasivas, pois alguns desses educadores ainda estão elaborando suas práticas educativas. Tais inferências partem da análise de algumas falas, conforme a elocução da entrevistada na citação abaixo que expressa como são escolhidos os educadores que vão atuar nas escolas do MST, em seu caso específico no ensino da EJA. A entrevistada relaciona sua escolha à sua experiência prévia com o Programa de Educação Solidária: Assim, eu acho que pelas pessoas que têm mais experiências, quem já atuou nessa área, pelo menos eu acho que foi assim, que eu já tinha ensinado Educação Solidária antes, ai ficava, assim, até mais fácil para mim, pelo menos lá foi assim, não sei em outras áreas como é que acontece, é geralmente assim mesmo, quem tem o ensino de segundo grau completo até para facilitar até no desempenho com os alunos (Educadora/professora 2). Outro depoente expressa que não é necessário ter formação pedagógica para atuar como educador do movimento, bastando ser conhecido pela comunidade, ter boa vontade e disponibilidade para tal desempenho: São pessoas que primeiro tenham muita boa vontade e que a comunidade já tenha de certa forma conhecimento dessas pessoas e seja pessoas, que essas pessoas não precisem para educar ter formação pedagógica, é, abasta elas ter boa vontade e se disponibilizar para alfabetizar (Educador/professor 3). O depoimento que se segue, assemelha-se a este, porém indica que existe a ressalva em escolher aqueles(as) que tenham uma certa escolarização e que melhor se adeqüem à função de educador/professor: 98 Eles são escolhidos da seguinte maneira: lá na minha brigada a gente procura sempre os educadores de dentro dos acampamentos e assentamentos, quem escolhe é a comunidade, a gente procura saber o nível de formação daquelas pessoas, pra que não venha a pegar pessoas sem conhecimento, sem um certo grau de escolaridade, também não só grau de escolaridade, mas competência. A comunidade é quem escolhe, eles é quem decide se aquela pessoa é adequada pra ensinar naquele assentamento (Educadora/professora 4). Diante do enunciado, ainda persistimos no que já inferimos anteriormente sobre os níveis de compreensão nos quais se encontram alguns desses educadores, no que diz respeito tanto à formação política como a técnica, conforme aparece nas entrevistas. Um dos entrevistados acima expressou que “não precisa para educar ter formação pedagógica, basta ter boa vontade”. Mesmo que a escolha desses educadores seja condicionada ao contexto de cada Estado em que se inserem os acampamentos e assentamentos do movimento, é importante observar os próprios princípios educativos do movimento, a que aspiram e dos quais buscam a ampliação de políticas públicas concernentes à formação técnica de seus educadores, a exemplo do PRONERA e do curso de História que nesse estudo foram citados. É necessário, portanto, que o movimento insista nessa modalidade de educação, que seus educadores tenham capacidade política e também técnica, a propósito da formação onilateral já discutida. A multidimensionalidade de um processo formativo praxiológico, nessa perspectiva, possibilitará a superação do senso comum, elevando-se à consciência filosófica, indicando o domínio de determinados conhecimentos, técnicos, políticos e sociais essenciais para o alcance dos resultados que se espera de um projeto político-social que busca criar novos paradigmas, executado pela classe trabalhadora, tendo por porta vozes seus intelectuais orgânicos. 4.2 Conteúdos trabalhados na formação política A formação política que o movimento realiza, resultante de seus princípios filosóficos, pedagógicos e ideológicos, tem se revelado efetivamente na prática dos 99 educadores(as). Constatamos que os conteúdos trabalhados na formação política relacionam-se com o princípio ideológico almejado, tornando-se instrumentos para o desenvolvimento intelectual do indivíduo, ajudando-o a se fazer um educador(a) dirigente47, um educador(a) da causa do povo, ou melhor de sua classe. Dessa forma, os conteúdos formais e não-formais são elementos essenciais para o desenvolvimento e constituição da praxis que subsidia filosoficamente a educação do MST, ajudando na compreensão da conjuntura na qual estão inseridos. Através da análise das falas dos entrevistados e das observações realizadas nos encontros do movimento de que participamos, verificamos que os conteúdos trabalhados nesses encontros voltam-se para questões essenciais à formação política do militante, conforme descrição das entrevistas abaixo: A gente vai desde comunicação e expressão, como funciona a sociedade, que eu acho que são os básicos pra gente poder compreender. Como é que eu vou questionar o que eu não sei como é? Então, a comunicação e expressão, no sentido, das pessoas, ainda mais os camponeses, trabalhador rural, ele é muito tímido, essa questão da oratória é mais da ação. Então a gente trabalha comunicação e expressão, como começou a sociedade, e História pela luta da terra no Brasil, a questão agrária no Brasil, são os elementos que faz com que a gente possa compreender a nossa realidade pra a partir daí começar a intervir nela (Educador/formador 5). O desfecho da fala do entrevistado articula a necessidade do indivíduo compreender a realidade para obter condições de transforma-la, sendo a mediação realizada pela apropriação de determinados conhecimentos que ajudam em seu desvelamento. Outro entrevistado evidencia a análise conjuntural da sociedade como conteúdo que faz parte do processo de formação política. As formações nada mais são que conversas sobre a realidade, conjuntura, como que tá? Por exemplo: dando um exemplo: como é que tá o governo Lula? Por que que ele não está fazendo a Reforma Agrária? Ou por que ele está fazendo a Reforma Agrária? E a partir daí vai se fazendo as conversas e colocando um pouco dos motivos, dos fatos que tá acontecendo em nosso meio, também as formações específicas sobre é 47 Parafraseando Gramsci, 1989. 100 que se chama de classe, sobre capitalismo, o que é capitalismo? O que é socialismo? O que é luta de classe? Como ela se dá? Qual a importância da correlação de força, então, História do Brasil propriamente dita, História da Região, do MST (Educador/formador 4). Os conteúdos da formação política pedagogicamente se afirmam em áreas de conhecimento como História, Sociologia, Política, Economia, Lingüística, tendo no por que da importância desses campos científicos sua aplicabilidade no desvendar da realidade e de suas contradições, ajudando no prenúncio e na construção de uma nova sociedade. A ênfase nesses campos de conhecimentos em detrimento de outros como Matemática, Física, Química, etc, está em suas possibilidades teóricas que expressam em seus conteúdos as opções ideológicas da classe trabalhadora, considerando as outras áreas um tanto neutras às interpretações e utilização da prática política dos sujeitos coletivos. Isso não quer dizer que descartem seu uso, ao contrário, a matemática, por exemplo, tem sido referenciada em sua utilidade para esses sujeitos, trabalhando-a didaticamente: Um camponês se você for explicar matemática trazendo os princípios propriamente matemáticos se torna um pouco mais difícil, mas se você concilia com a realidade que ele vive, com que ele está acostumado ali, invés de se falar simplesmente um mais um, mas se fala-se uma cabeça de gado mais uma outra cabeça de gado ou se relaciona com o dia-a-dia, então, consegue ter um pouco de mais aprendizado (Educador/formador 4). Esta compreensão demonstra a importância de uma ação educativa que busca se apropriar dos conhecimentos enquanto bem cultural que poderá estar a serviço dos excluídos, contribuindo para sua emancipação. A opção metodológica que se segue na escolha dos conteúdos alicerça-se no princípio dos Conteúdos Formativos Socialmente Úteis. A formação política combinada com esse princípio possibilita maior realização no processo de apreensão dos conhecimentos, que são repassados sob esses conteúdos, porém não se trata de qualquer conteúdo, mas aqueles que para o movimento têm utilidade para a formação política e ideológica da classe trabalhadora. Em nenhum processo educativo os conteúdos a serem trabalhados serão neutros. Nessa perspectiva, o movimento faz escolhas dos conteúdos que balizarão seu processo formativo e que não deixe deficiente a formação política, técnica e humana. Conforme encontramos expressos em seus documentos: 101 É neste sentido que precisamos ter bem claro que esta escolha não é neutra. Ela tem a ver com nossos objetivos educacionais e sociais mais amplos. Se dizemos: conteúdos formativos socialmente úteis, é porque no nosso entendimento, nem todos os conteúdos são igualmente formativos e nem todos são socialmente úteis (MST, 2004b, p. 15). A afirmativa da citação posiciona-se no campo de disputa onde os conteúdos a serem trabalhados sustentarão as ideologias da classe correspondente, assim, os conteúdos trabalhados na formação política trazem o foco da discussão para as questões concernentes à luta da classe trabalhadora desvelando as contradições de classe existente. Nessa perspectiva, assinala Freire (2003, p.110), “O problema fundamental, de natureza política e tocada por tintas ideológicas, é saber quem escolhe os conteúdos, a favor de quem e de que estará o seu ensino, contra quem, a favor de que, contra que”. Seguindo a preposição freireana, o MST tem tido a preocupação de não reproduzir e reforçar a ideologia dominante velada em determinados conteúdos, mas evidenciá-los e, nesse propósito, trabalhá-los a seu favor. Os conteúdos da formação política, em outras situações, voltam-se mais para a estrutura escolar, entrelaçando conteúdos políticos e filosóficos para a realidade educativa. A pedagogia do movimento mais no campo da educação baseados nos princípios pedagógicos do movimento, a organicidade do movimento que é mais a teoria do movimento e temas relacionados a agroecologia, o meio ambiente que também faz parte da formação do educador que não está desvinculado do aluno, nem da escola (Educadora/formadora 2). O MST procura dar sentido aos conteúdos com os quais trabalha, usando-os em sua utilidade para a classe trabalhadora: “é diferente estudar a História do Brasil, por exemplo, do ponto de vista dos grupos dominantes ou dos grupos dominados” (MST, 2004b, p.15). Nesse sentido procuramos saber, primeiramente, dos educadores do setor de formação se eles percebiam na prática dos professores a execução dos conteúdos que são trabalhados nos momentos de formação política: 102 Em boa parte sim, em boa parte não, é uma das deficiências que a gente ainda identifica, ainda essa questão de trabalhar o teórico da formação que a gente trabalha ainda com o sujeito e ele trabalhar na prática. A maioria sim, consegue trabalhar os temas que são trabalhados em sala de aula com os educandos, mas outros ainda têm essas deficiências de trabalhar (Educadora/formadora 2). Outra educadora também constata: Os que mais têm dificuldades de trabalhar é justamente esses, os professores que vem da rede pública que a gente não consegue fazer um trabalho com eles [...] Mas os professores que são do movimento que começam a entender a luta do movimento, eles conseguem sim trabalhar esses princípios, né? Mas o que não tem compromisso eles não trabalham realmente (Educadora/formadora 3). Diante dos relatos e do que está subjacente a eles é notório o acerto que se tem obtido em investir numa concepção de educação específica, nesse caso, para a classe trabalhadora do campo. Porém, também são notórias as dificuldades resultantes desse processo, como explicitado nas entrevistas. Dificuldades de estabelecer uma relação entre teoria e prática; dificuldade com a constante rotatividade de educadores que passam um determinado período nas áreas dos acampamentos e assentamentos e quando conseguem se afinar com essa perspectiva de trabalho acabam sendo remanejados para outras áreas. Isso dificulta o trabalho do setor de educação e de formação do movimento que, constantemente, tem que (re)começar uma nova discussão com educadores vindouros e que nem sempre se dispõem à realização de um trabalho conjunto. Nessa mesma perspectiva, perguntamos aos educadores que estão na sala de aula, aqui na Paraíba, se eles exercem em suas práticas educativas os conteúdos oportunizados na formação política, e estes assim expressaram seu posicionamento: Com certeza [...] Eu já aprendi muita coisa que eu já passei pra eles que nesses encontros tem muitos materiais e esse material a gente leva pra casa. Eu acho que o material é justamente pra isso, pra você trabalhar em sala de aula por que se eu pegar o material, como às vezes a gente faz isso, e guardar na gaveta e esquecer, pronto, serviu pra quê? Eu acho que nem serviu pra mim e nem vai servir pra eles, porque além de eu não ter 103 nem lido aquele material que foi estudado aqui, não adianta né? (Educadora/professora 2). Outra entrevistada reafirma a execução de parte dos conteúdos que são trabalhados em sua prática pedagógica, buscando implementar aqueles mais próximos da realidade de seus educandos: Tudo seria impossível, colocar em prática, né? Já que a gente, a gente sempre procura aqueles conteúdos que se adeqüem mais à realidade [...] trabalhar as raízes do assentado, história de vida dele, dos pais, dos avós (Educadora/professora 3). Já nesta outra entrevista, a educadora explicita que os conteúdos da formação política têm ajudado no exercício da cidadania de seus alunos: Tem sim, com certeza, eu como educadora tenho duas salas de aula, as práticas educativas elas ficam mais ricas, elas despertam nas pessoas interesse em buscar o que eles tem direito e cidadania tudo que a política tem (Educadora/Professora 4). Apesar das dificuldades acima citadas e das limitações da dimensão política e técnica da formação desses(as) educadores(as) que estão em sala de aula, eles e elas conseguem trabalhar respaldados pelos princípios filosóficos e ideológicos do movimento, enriquecendo suas práticas educativas com criatividade, trabalhando conteúdos que sejam úteis à luta do movimento e voltados para suas necessidades políticas. Também buscam despertar consciência política em seus educandos, demonstrando que o exercício da cidadania é um caminho para que a classe trabalhadora contemple suas reivindicações. Os conteúdos programados pensados nas ações pedagógicas do MST que se constituem numa perspectiva de uma formação emancipatória, com a participação de todos os envolvidos no processo, professores, alunos e pais, sinaliza para a integralidade de um projeto educacional que contribua para a emancipação desses sujeitos, dando-lhes vozes e dignidade. Nesse sentido, compartilhamos com a definição de Santos (2003, p. 277) em que a emancipação constitui um conjunto de lutas e “o que distingue de outros conjuntos de lutas é o sentido político da processualidade das lutas”. A realização da emancipação se dá 104 quando se tornam concretos os objetivos pelos quais se lutou. Porém, enquanto houver opressão, que se configura como o oposto da emancipação, essa continuará a ser meta persistente nos projetos dos que buscam mudanças sociais e, nesse processo, os conteúdos pensados e trabalhados pelo MST nos encontros de formação política buscam dar sentido à sua luta por uma educação de classe. Na construção e escolha dos conteúdos, os clássicos e universais são tão importantes quanto as estratégias que precisam ser formuladas para confrontar os problemas que diariamente surgem na militância. É a teoria e a prática, expressas pela experiência, revelando-se em práxis. Nesse segmento social, a educação busca ser construída, experienciada em seu cotidiano, cuja realidade é respaldada na teoria, como indica Gramsci (1991, p. 21): [...] A unidade de teoria e prática não é um ato mecânico, mas um devenir histórico, que tem a sua fase elementar e primitiva no senso de “distinção”, de “separação”, de independência apenas instintiva, e progride até a possessão real e completa de uma concepção do mundo coerente e unitária. Esse exercício da teoria e prática correlacionados com conteúdos socialmente úteis faz surgir no interior do movimento uma nova cultura política e pedagógica e sua vivência transforma-se em força social organizada, pois numa proposta educativa emancipatória, a dimensão política e a pedagógica se interelacionam. Para Garcia (2000), neste processo coletivo vão se produzindo as subjetividades, produção histórica e social que se dá num tempo e numa cultura, em diálogo criativo com todos os tempos e todas as culturas. 4.3 Formação praxiológica Nas leituras e investigações feitas nos documentos do MST, identificamos a relação de sua ação educativa com a prática. Sua realização pauta-se em modificar a realidade imediata, oportunizando a seus partícipes a tomadas de decisões e resoluções dos problemas simples aos mais complexos, em que sua aprendizagem, à medida que é 105 executada, volta-se sobre sua própria ação, refletindo, avaliando e projetando sobre seus resultados novas proposições. Nesse sentido, compreendemos, no estudo realizado, que o processo de formação pensado pelo MST objetiva se efetivar na prática, remetendo-a à teoria em sua reflexão e construção. A confluência da formação política com a prática relaciona-se profundamente com o movimento ação-reflexão-ação, estudar debruçado sobre a realidade, praticá-la e se voltar sobre a mesma, refletindo-a em um exercício constante e dinâmico que propicia avanços significativos na ação e emancipação dos sujeitos. A idéia que se tem é de pensar/repensar a prática como processo permanente e continuado de formação, pois para o MST: Educar para a ação transformadora, isto quer dizer que precisamos de pessoas capazes de articular, com cada vez mais competência, teoria e prática, prática e teoria. Quem não sabe ligar uma coisa com a outra, um problema com outro, quem não sabe juntar o que estuda na escola ou num curso, com a sua vida do dia-a-dia, com as questões que aparecem no trabalho, na militância, nas relações com as outras pessoas, não pode ser chamado de “bem educado” e não consegue dar conta dos grandes desafios que temos no contexto social de hoje, como cidadãos e como integrantes do MST (MST, 2004b, p.11). Efetivamente se deseja como resultado do processo educativo o militante/intelectual orgânico com desenvoltura para lidar com as dificuldades surgentes, sendo capaz de resolucioná-las, projetando na realidade objetiva a articulação teoria e prática. O termo prática tradicionalmente está ligado às atividades imediatas do gênero humano, assumindo, nessa perspectiva, um tom pejorativo, vulgarizado de sua correspondência com a consciência48. No entanto, o termo escapa a essa compreensão quando articula a ação humana (prática) às elucubrações teóricas, resultando numa consciência filosófica renovadora. Portanto, nesse tópico, quando nos referimos à prática, estamos usando-a em sentido praxiológico. 48 Sobre essa discussão, Vázquez (1977) (re)significa o termo, remetendo-o a uma dimensão ampliada enquanto categoria metodológica do materialismo histórico, usando o termo Práxis, mesmo estando etimologicamente esses dois vocábulos (prática e práxis) associados Porém, Vázquez (Ibid, p.05) enfatiza a práxis como categoria que é utilizada no campo filosófico, conceituando-a como a “categoria central da filosofia que se concebe ela mesma não só como interpretação do mundo, mas também como guia de sua transformação”. 106 A respeito da prática, encontramos nas publicações do movimento: É necessário e possível desencadear um movimento formativo que possibilite, nos vários tempos e espaços de educação em que os sujeitos vivem e convivem, um repensar constante sobre a prática e a teoria fazendo um entrelaçamento entre ambas para que as pessoas possam avançar na construção do conhecimento, de forma consciente, solidária e rigorosa (CADERNOS DO ITERRA nº 10 p.22). A citação enfatiza a relevância da formação com a prática e sua combinação com a teoria, elementos contributivos para a (re)construção de seus conhecimentos. Em Gramsci (1991) a combinação entre teoria e prática se dá através de um processo contínuo e construtivo de seus resultados. A compreensão crítica do autor é no sentido de que os resultados dessa combinação superem a consciência ingênua resultando em uma outra, crítica. O pressuposto da prática tem ajudado na reflexão desses sujeitos coletivos em suas práticas educativas, na execução e aprimoramento de ações concretas49. “A pedagogia do MST, hoje, é mais do que uma proposta. É uma prática viva, um movimento” (MST, 2001, p.19). Da prática se extrai sua reflexão e intencionalidade decorrente de um projeto que busca firmar a emancipação da classe trabalhadora do campo tendo seus educadores militantes/intelectuais orgânicos parte dessa responsabilidade. A respeito de suas intencionalidades, nesse processo, o MST infere com bastante clareza: Ter uma intencionalidade pedagógica no que vamos ensinar, sobre nossas relações, nossa postura frente às demandas de formação da classe trabalhadora camponesa, nossa pertença à organização e o exercício da crítica propositiva e da autocrítica (Ibid, 2001, p.22-23). A conotação ideológica da citação responde, em parte, à necessidade de se visar um projeto para a educação de homens e mulheres do campo, de fazer frente a esta necessidade de uma educação diferenciada e o MST, através de suas instâncias, como o Instituto de 49 A realização da prática nos processos educativos do MST é bem perceptível na pedagogia da alternância que combina tempo escola e tempo comunidade e inaugura um processo inovador de formação onde escolarização recebida (teoria), tem aplicação (prática) em seu exercício com a comunidade escolar. 107 Educação Josué de Castro (IEJC), compreende-se como espaço coletivo que pensa e pratica a idéia de se ter uma intencionalidade pedagógica voltada para a formação de educadores do campo, apresentando demandas a serem transformadas em políticas públicas. O IEJC enfatiza que: O IEJC quer ajudar a politizar o cotidiano dos educadores Sem Terra e trabalhar sua firmeza ideológica, para que consigam fazer de suas ações e questões do dia a dia, práticas que somem na luta maior, no projeto maior [...] politizar o cotidiano quer dizer aprender a relacionar uma causa com a outra, e em cada atividade realizar o projeto, a utopia em que afirmamos acreditar, e que nos move (MST, 2001, p. 23). Uma ação educativa voltada para a prática, efetivamente, tende a apostar nos pressupostos políticos para potencializar as ações e interferências de seus educadores/militantes, intelectuais orgânicos, na prática social, a isso se propõe como educação emancipadora, ou seja, uma prática transformadora, daí a necessidade de formar seus quadros com firmeza ideológica e objetivos claramente definidos, quer dizer, garantir “a formação política do cidadão para a construção do socialismo” (CADERNOS DO ITERRA Nº 09, 2004, p.13). O objetivo da formação política é formar quadros, militantes, mesmo que não sejam orgânicos ao movimento, já que nem todos(as) a ele se agregam. “Procuramos estar em sintonia com a política de formação de quadros do MST e contribuir assim, dentro de nossos limites, na formação de militantes ou lutadores do povo” (Ibid, p.103). Assim sendo, aposta-se numa educação voltada para a coletividade ou, como constatamos em nossas observações, uma educação que prepara o educador e a educadora para lidar com uma multiplicidade de desafios; uma formação coletiva para lidar com o coletivo; uma educação não centrada no sujeito, ou seja, que não contribua para reforçar o individualismo, porém, uma ação educativa que busca valorizar o coletivo, seus projetos comuns, não o eu, o indivíduo, mas o nós em sua pluralidade que não se apresenta desagregado. Nessa perspectiva, o movimento vem centrando sua luta por uma educação de/para classe trabalhadora, buscando através dessa luta alcançar a realização de uma sociedade justa, democrática e socialista. 108 4.4 Emancipação: constituinte da educação popular A premissa da educação enquanto instrumento formador, constituinte da emancipação de mulheres e homens, flui como intencionalidade do MST, conforme pudemos perceber através da análise documental e das falas dos entrevistados. A emancipação configura-se como um dos elementos fundantes da Educação Popular, porquanto indispensável ao pensar de uma prática educativa diferenciada, concebida como prática social. Nesta perspectiva, existem outros elementos da Educação Popular que, segundo a descrição de Melo Neto (2004, p.07) vêm sendo fundamentados a partir dos seguintes constituintes: [...] a cultura, o popular, a realidade, o trabalho, a autonomia, a liberdade50 e a igualdade como componentes fundantes para a realização de práticas em educação – educação popular – lastreados pela dimensão ética do diálogo. São essas categorias os fundamentos políticos da educação popular, circundando as discussões em torno de suas significações, sendo importante procurar entendê-la através de seus constituintes. O constituinte emancipação traz consigo a expressão de lutas históricas travadas nos espaços sociais, políticos e econômicos, delineado em suas mais diferentes nuanças: emancipação religiosa, diante da pluralidade de crenças; emancipação econômica, mediante a tentativa de países em desenvolvimento “romper” com as amarras da dependência do capital externo; emancipação feminina, travada na esfera dos espaços públicos e privados trazendo como reflexão a condição do que é ser mulher; emancipação de classe, fruto da resistência histórica em busca da superação da condição subalterna de explorado; emancipação humana, enquanto princípio de respeito à sua dignidade e à existência de sua “vocação ontológica do ser humano” (FREIRE, 2003, p.99). Valorizando sua condição o que representa em negar todas as formas de opressão, discriminação e desumanização, instituindo o sonho de emancipação “embutido na vocação para a humanização” (Ibid). 50 Ver nota da p. 31. 109 Essas variadas formas de se buscar e concretizar a emancipação partem de um elemento em comum que é a rejeição de uma situação em que se nega condições dignas à existência humana, o que provoca conflitos, denúncias e proposições alternativas a essa situação. Implícito a essa questão está o desejo humano de se sentir livre, autônomo, realizado, condutor de seus atos; isso não quer dizer que em suas ações não existam condicionantes, mas que esses não sejam os determinantes, interferindo programaticamente na condução de toda uma existência. Uma das atribuições da emancipação é “romper” com as amarras, seja de ordem econômica, política ou cultural, sobre as quais se encontra o ser humano. A educação nessa perspectiva, como um pressuposto da emancipação, pode ser um elemento de mudança, não que a educação, por si só, seja propulsora da transformação, mas sem ela é pouco provável empreender mudanças. Nos fundamentos pedagógicos e políticos do MST é possível identificar esse constituinte, pois sua proposta de educação se firma como propulsora de mudanças sociais, propondo transformar não somente os métodos, mas também as pessoas, sujeitos de um processo em transformação, condicionando-os ao rompimento das estruturas de dominação, levando as pessoas à crítica e à vontade de mudanças. É nessa perspectiva que o MST vem tentando firmar sua proposta pedagógica, buscando desenvolver uma ação pedagógica para emancipar mulheres e homens, contribuindo na afirmação de uma prática de educação popular. Conforme os pressupostos políticos e pedagógicos vistos no quadro 01 do capítulo anterior que refletem a intencionalidade política da ação pedagógica do movimento, percebemos que esses pressupostos se propõem a efetivar uma educação emancipadora. A notoriedade disso se revela sob os pólos no que se vem discutindo: o educador militante; a relação entre teoria e prática; o cotidiano e a realidade como espaço educativo; a formação de quadros. Toda essa discussão configura um processo educativo em permanente construção e a combinação desses pólos fortalece a ação política e pedagógica do movimento, transformando-a em uma força social em potencial. Nesse sentido, o MST tem adotado a emancipação como princípio básico de sua proposta educativa. 110 O MST vem dimensionando sua luta pela Reforma Agrária para além da aquisição de terra. Destarte, no interior desse movimento a proposição é de articulação entre a luta pela terra e outros mecanismos necessários para sua aquisição, dentre eles a educação. Conquistando a terra, continua a luta por infra-estrutura e para que outros também a consigam como assevera Bogo (apud FERNANDES, 1998, p.33) “Quando chegar a terra, lembre de quem quer chegar. Quando chegar na terra, lembre que tem outros passos para dar”. Nesse ínterim, a processualidade do movimento internaliza vários valores, entre eles a necessidade de acesso aos saberes sistematizados. Em Freire (1982), a necessidade do camponês se instrumentalizar é crucial para a superação de uma postura ingênua, constituindo-se como sujeitos de sua transformação. Para isso é necessário faze-los ter acesso à aquisição do conhecimento científico. Sendo que tanto o saber técnico como o saber empírico devem ser valorizados, pois nenhum deve ser suprimido ou rejeitado em detrimento do outro. 111 5. CONSIDERAÇÕES Estudar e analisar a formação política dos(as) educadores(as) do MST sob os aspectos de seus pressupostos filosóficos, ideológicos e pedagógicos, constituiu-se numa caminhada de grandes descobertas, conhecimentos e de inconclusões, pois não poderíamos inferir de modo acabado sobre um processo que se encontra em permanente construção, o qual abre a possibilidade de outros estudos que possam aprofundar, complementar e fazer avançar essa discussão. No entanto, consideramos que o estudo tenha dado conta de cumprir aquilo a que se propôs investigar, elencando os pressupostos que também servem de orientação no processo de formação política dos(as) educadores(as) do MST, correlacionando-os com o que se expressou nas falas dos entrevistados e nos documentos do movimento, verificando sua correspondência ideológica. Assim, é possível concluir que há interdependência entre os princípios filosóficos, ideológicos e pedagógicos que norteiam a formação dos(as) educadores(as) em suas ações políticas /militantes e educativas. Essa constatação incide no que observamos através das falas, posturas e ações, em que pudemos verificar a pertença, os vínculos dos sujeitos desse processo de estudo com o MST e sua relação com a classe trabalhadora à qual pertencem. Entrelaçando essas perspectivas com as contribuições teóricas de Gramsci sobre o intelectual orgânico, pudemos entender o papel do educador/militante numa definição explícita de ordem intelectual e dirigente à qual se associa o educador/militante do movimento. Compete a esses intelectuais orgânicos desenvolver ações que fortaleçam ideologicamente a classe e sua hegemonia, pois o movimento preza pela construção de uma nova sociedade, não pretendendo contribuir nem reforçar o Estado mínimo nem a hegemonia de mercado, componente ideológico do (neo)liberalismo. Em sua perspectiva de formação emancipatória, os sujeitos desse processo, baseados em seus princípios de uma educação voltada para os valores humanistas e socialistas, buscam na negação do funcionalismo á qual se destina a educação centrada no capitalismo construir uma outra proposta educativa que valorize o coletivo e a pessoa humana. 112 Além da perspectiva da construção de uma nova sociedade, busca-se através da educação e da escola a possibilidade de construção de uma hegemonia popular. Não faria sentido dentro de um movimento social a preocupação com a formação política dos sujeitos, aqui especificados por seus educadores/professores, se não fosse, também, para que esses possam intermediar dentro dos espaços formais da sala de aula temas que freqüentemente fogem dos currículos oficiais, como a luta da classe trabalhadora. Quando se almeja a atuação militante do educador, seu envolvimento intelectual no sentido gramsciano de um trabalho reflexivo e dirigente, deduzimos que seja para que esses intervenham ativamente, respaldados por um projeto político de classe, nos processos de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, percebemos que a proposta educativa do MST em formar politicamente seus(as) educadores(as); baseada em seus princípios filosóficos e também pedagógicos, evidencia sua concepção ideológica de uma educação de classe, da classe trabalhadora. Com o objetivo de disseminar sua ideologia, o movimento forma quadros para continuar e avançar em seus projetos de luta. A formação política e ideológica é compreendida em sua dimensão de formar quadros para atuar na transformação da sociedade, tendo como opção ideológica os princípios fundamentais do socialismo e a realização do ser emancipado. Pensar em uma formação emancipadora, que seja capaz de elevar a essência humana à sua realização ontológica, constitui um grande desafio, principalmente, para educadores das classes populares inseridos em um sistema regulado por princípios liberais. Nesse sentido, entendemos que para os educadores se assumirem enquanto agentes de transformação social é fundamental que a formação política seja acompanhada de luta e incentivo à escolarização (formação técnica) para seus militantes, essas duas dimensões precisam andar juntas. A formação política e a técnica articuladas, uma dando sentido à ação da outra. Comumente, a interdependência dos princípios filosóficos, ideológicos e pedagógicos da concepção educativa do MST com as práticas educativas dos educadores pesquisados foi perceptível nas falas de alguns entrevistados, como também evidencias de lacunas concernentes à formação política, seja pela ausência de etapas mais sistemáticas 113 para sua realização ou pela “baixa escolarização” de alguns educadores, seja pela falta de interesse em participar dos encontros. Quanto à (inter)setorização na estrutura organizativa do MST, o próprio movimento aponta em sua composição para a superação de dicotomias nas quais ainda se encontra. Por exemplo: os setores de formação e o de educação que têm no interior do movimento particularidades na realização de suas atividades, porém não estão desvinculados, pois os momentos de formação política, seja para a base ou lideranças é um processo educativo, assim como a formação como ação educativa que é, está presente nas discussões sobre a realidade escolar. Portanto, mesmo optando o movimento em utilizar o termo formação para os processos de discussão política, consideramos que essa atitude não anula a dimensão educativa de aprendizagem intrínseca nesse processo. Formação, nesse contexto, não se define como um ato no qual se deseja enquadrar os sujeitos numa concepção sectarista de formação. Consideramos que o modo como se realiza o processo formativo/educativo explicita se sua postura está sendo autoritária ou emancipadora e, na experiência vivida, nesse processo de estudo, percebemos que o movimento opta e se propõe à construção dessa segunda dimensão, pautada pela perspectiva da onilateralidade e da reunião entre teoria e prática, conduzindo seus partícipes a um processo de elevação do nível de consciência, a fim de relacionar, elaborar e construir sínteses, operando objetivamente em seu mundo real. Por fim, intensificar o acesso à escolarização será possivelmente um dos caminhos pelo qual o movimento combine a dimensão política da formação de quadros com o conhecimento sistematizado, ajudando a combater as desigualdades educacionais nas quais ainda se encontra a população excluída do campo, reafirmando seus direitos econômicos, sociais e culturais e contribuindo no desenvolvimento da vida profissional e política de seus(as) educadores(as) e no exercício da cidadania. 114 REFERÊNCIAS51 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. 2. ed. Rio de Janeiro:Graal, 1995. ALTMAN, Breno; BRENER, Jayme; ARBEX, José. João Sem Terra. Atenção, São Paulo, ano 2, n°6, p.6-13, maio 1996. AQUINO, Rubin Santos Leão de; FRANCO, Denise e Azevedo Franco; LOPES, Oscar Guilherme Pahl Campos. História das sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. ARROYO, Miguel. Pedagogias em Movimento: o que temos a aprender dos Movimentos Sociais. Mimeografado. BAGNO, Marcos. Pesquisa na Escola: o que é, como se faz. 4. ed, São Paulo: Loyola, 2000. BEISIEGEL, Celso de Rui. Cultura do Povo e Educação Popular.In VALLE, Edênio e QUEIROZ, José (org.). Cultura do Povo. São Paulo: Cortez, 1998. p. 40-79. BOBBIO, Noberto . O Reverso da Utopia. In BLACKBURN, Robin (org.) Depois da Queda: O fracasso do comunismo e o futuro do socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 51 Este trabalho está de acordo com as normas de documentação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a saber: NBR 6023: informação e documentação: referências: elaboração. Rio de Janeiro, 2002 a. NBR 10520: informação e documentação: citação em documentos. Rio de Janeiro, 2002 b. NBR 14724: informação e documentação: trabalhos acadêmicos: apresentação. Rio de Janeiro, 2006. 115 BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases (LDB). N°9.394 de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF: ME, 1996. BRASIL. Resolução CNE/CEB N°1 de 03 de Abril de 2002. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do Campo. Brasília, DF, 2002. BUCI-GLUCKSMANN, Christine. Gramsci e o Estado. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1980. CADERNOS DO ITERRA. Método pedagógico. Veranópolis: Instituto de Educação Josué de Castro, ano 4, n. 9, 2004. ______ . Curso Normal: projeto pedagógico. Veranópolis: Instituto de Educação Josué de Castro, ano 4, n. 10, 2004. CALADO, Alder Júlio Ferreira. Movimentos Sociais: Qual Cidadania? Qual Educação? 2004. Mimeografado. CALDART, Roseli Salete. Educação em Movimento: formação de educadoras e educadores no MST. Petrópolis: Vozes, 1997. CALDART, Roseli Salete; KOLLING, Edgar Jorge (Org.) Fala de Paulo Freire aos Sem Terra. 3. ed. São Paulo: Ed. ANCA, 2002. Revista Paulo Freire: um educador do povo. CAMBI, Franco. História da pedagogia.Tradução de Álvaro Lorencini. SãoPaulo:UNESP, 1999. CANDAU, Vera Maria. A formação de educadores: uma perspectiva multidimensional. In: _____. Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 1993. 116 DURKHEIM, Emile. Educação e Sociologia. 7. ed., São Paulo: Melhoramentos, 1967. ESTATÍSTICA do analfabetismo. Ministério da Educação (MEC). Disponível em: HTTP://www.inep.gov.br/estatística/analfabetismo. Acesso 10 de fev. 2006. FERNANDES, Bernardo Mançano. Gênese e Desenvolvimento do MST. São Paulo: MST, 1998. Caderno de formação n° 30. FREIRE, Paulo. Ação Cultural Para a Liberdade. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1982. ______ . Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. ______ .Conscientização: Teoria e Prática da Libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Morais, 1979. ______ . Pedagogia da Esperança. 10ª ed, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. GADOTTI, Moacir. Para chegar lá e em tempo: caminhos e significados da educação popular em diferentes contextos. In: Reunião da ANPED, 21, 1998, Caxambu: ANPED,1998. GARCIA, Regina Leite. Movimentos Sociais: escola e valores. In: _____. (Org.) Aprendendo com os Movimentos Sociais. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. GIL, Antonio Carlos. Métodos da Pesquisa Social. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1994 GOHN, Maria da Glória. Teoria dos Movimentos Sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2004. ______ .Movimentos Sociais e Educação. São Paulo: Cortez, 2001. 117 ______ .Os Sem-Terra, ONGs e Cidadania: a sociedade brasileira na era da globalização. São Paulo: Cortez, 1997. ______ .História dos Movimentos e Lutas Sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola; 1995. GORZ, André. A Nova Agenda. In. BLACKBURN, Robin (org.) Depois da Queda: O fracasso do comunismo e o futuro da socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais Orgânicos e a Formação da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1989. ______ . Concepção dialética da História. 9 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. GRZYBOWSKI, Candido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais do campo. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1991. HISTÓRICO do MST. Disponível em: HTTP://www.mst.org.br. Acesso em: 12 de jun. 2006 HOBSBAWM, Eric. Renascendo das Cinzas. In: BLACKBURN, Robin (org.) Depois da Queda: O fracasso do comunismo e o futuro da socialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: LTC, 1986. JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 118 JEZINE, Edneide Mesquita. Universidade e Saber Popular: o sonho possível. João Pessoa: CCHLA/UFPB/ Autor associado edições, 2002. LEHER, Roberto. Tempo, Autonomia, Sociedade Civil e Esfera Pública: uma introdução ao debate a propósito dos “novos” movimentos sociais na educação. In: GENTILI, Pablo e FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). A Cidadania Negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. [s.l]: [s.n], 2001. Coleção do CLACSO. LYRA, Rubens Pinto. As vicissitudes da Democracia Participativa no Brasil. In: ZENAIDE, Maria Nazaré; DIAS, Lúcia Lemos (Orgs.). Formação em Direitos Humanos na Universidade. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2001. MADAUAR, Odete (Org.). Coletânea de legislação administrativa. 6. ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. MARTINS, Carlos Estevam. AP/ cultura popular. In: FÁVERO, Osmar (Org.) Cultura Popular e Educação Popular: memória dos anos 60. Rio de Janeiro: Graal, 1983. MARX, Karl. A Questão Judaica. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2000. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998a. ______ . O Manifesto Comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998b. MELO NETO, José Francisco de. Educação Popular: enunciados teóricos. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2004. ______ .O que é popular. In: BRENNAMD, Edna Gusmão de Góes (org.). O Labirinto da Educação Popular. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2003. 119 ______ .Educação popular: uma ontologia. In: SCOCUGLIA, Afonso Celso; MELO NETO, José Francisco de (orgs). Educação popular outros caminhos. João Pessoa: Ed. Universitária / UFPB, 1999. p.31-74. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec-Abrasco, 1999. MOCHCOVITCH, Luna Galano. Gramsci e a Escola. 3. ed. São Paulo: Ática, 2001. MST. O que queremos com as escolas dos assentamentos. São Paulo, 1993. (Caderno de Formação n. 18). ______ .Como fazemos a escola de educação fundamental. São Paulo, 1999a. (Caderno de Educação n.9). ______.Educação no MST: Balanço 20 anos. 1. ed. São Paulo, 2004a. (Boletim da Educação n.9). ______ .Princípios da Educação do MST. São Paulo, 2004 b. (Caderno de Educação n.8). ______ .Pedagogia do Movimento Sem Terra: Acompanhamento às Escolas. 1. ed. São Paulo, 2001. (Boletim da Educação n.8). _____ .Alfabetização de Jovens e Adultos: como organizar. 3 ed. São Paulo, 1999b (Caderno de Educação n.3). ______ .A Formação de Militantes e Dirigentes: balanço político-organizativo. [s.l], 2005. Mimeografado. NEVES, José Luis. Pesquisa Qualitativa: características, usos e possibilidades. Caderno de Pesquisa em Administração, São Paulo, v.1, n. 3, 2° sem. /1996. 120 NOSELLA, Paolo. A Escola de Gramsci. São Paulo: Cortez, 1980. PAIVA, Vanilda. Perspectivas e Dilemas da Educação Popular. Rio de Janeiro: Graal, 1986. PIZETTA, João Adelar. A Formação no/do MST: trajetória, iniciativas e desafios de um processo coletivo. [s.l]: [s.n], 2003. Mimeografado. RABENHOST, Eduardo Ramalho. Democracia e Direitos Fundamentais em Torno da Noção de Estado de Direito. In: ZENAIDE, Maria Nazaré; DIAS, Lúcia Lemos (Orgs.). Formação em Direitos Humanos na Universidade. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2001. RIBEIRO, Maria Luisa Santos. A Formação Política do Professor de 1° e 2° Graus. São Paulo: Cortez, 1984. RIBEIRO, Sávia Cássia Francelino. Semeando a Educação do Campo: a experiência da primeira turma de magistério norte/nordeste do MST – Elizabeth Teixeira. 2004. Dissertação (Mestrado em educação), Centro de Educação. Universidade da Federal da Paraíba, João Pessoa. RODRIGUES, Luiz Dias. Como se conceitua a Educação Popular? In: MELO NETO, José Francisco de Melo Neto e SCOCUGLIA, Afonso Celso Caldeira (Org.) Educação Popular: outros caminhos. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2001. ROUANET, Sergio Paulo. As Razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2003 a. 121 SANTOS, Boaventura de Souza; NUNES, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. In: SANTOS, Boaventura de Souza. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b. SCHERER-WARREN, Ilse. Movimentos Sociais: um ensaio de interpretação sociológica. Florianópolis: Ed. UFSC, 1987. SILVA, Rita de Cássia Curvelo da. Os Sem-Terra e o Desejo de Aprender. 2000. (Mestrado em Educação). Centro de Educação. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. SINGER, Paul. O Capitalismo: sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. São Paulo: Moderna,1987. TOURAINE, Alain. O Pós-Socialismo. São Paulo: Brasiliense, 2004. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. VASQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da Práxis. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 122 Anexos 123 Anexo A - Roteiro de Observação - Quais ideologia(as) permeiam os encontros e se corresponde com o que se acha expresso nos documentos; - Identificar os conteúdos que são trabalhados nos encontros e como se vinculam ao processo de formação política; - Como a discussão em torno da formação política está sendo efetuada no atendimento às demandas da educação do campo; - Como está sendo a relação do movimento com a sociedade; - Identificar a base teórica em quem o movimento se respalda. 124 Anexo B - Roteiro de Entrevista Dados da entrevista: Nome Posição no movimento Tempo de atuação Perguntas Norteadoras 1. Como os educadores do movimento são selecionados? 2. Quais as características a serem consideradas na escolha do(a) educador(a) que vai atuar no movimento? 3. Como se dá a formação política dos educadores que atuam nas escolas do MST? 4. Quais os conteúdos trabalhados para alicerçar a formação política do movimento? 5. Como a formação política tem ajudado na prática educativa dos Sem Terra? 6. Há diferença entre o educador que é do movimento e o que vem de fora? 7. (Para quem realiza a formação política) Na prática dos educadores/professores que atuam no movimento como são trabalhados os conteúdos e os princípios da formação política? 8. (Para os educadores/professores que recebem a formação política) Do que você estuda e aprende no curso de formação política o que você tem colocado em prática? 9. (Para ambos) Relatar alguma(s) experiência(s) em que os conteúdos da formação política aprendidos foram colocados em prática. 10. Agradecimentos.