elsa jerónimo pereira

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elsa jerónimo pereira
ELSA JERÓNIMO PEREIRA
A INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DA INFORMAÇÃO
Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1)
2013
ISSN 1645-0248
Edição e propriedade
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
ELSA JERÓNIMO PEREIRA1
A INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DA INFORMAÇÃO
RESUMO
Considerando a atual vivência das consequências de uma revolução da informação e dos
mercados – que de forma integrada concorrem para um cenário global onde fluxos de
informação transnacional, técnicas de persuasão e estratégias manipulatórias da perceção
pública resultam na consolidação do já comummente apelidado Estado-Espetáculo –
afigura-se-nos cientificamente pertinente a análise crítica da Informação, quer como driver
de influência, quer como vetor de poder. Assente no argumento da impossibilidade de
coadunar o governo da Nação, ou a defesa da Soberania Nacional na cena política
internacional, com o improviso, a Informação surge como elemento facilitador e agilizador
da tomada de decisão política. Assim, é propósito deste artigo a análise do papel
desempenhado pela Informação ao nível dos principais movimentos sociais e estruturas de
poder, haja em vista a perceção da relação da informação com os media, a opinião pública
e, sobretudo, com o poder político.
Palavras-chave: Política; Poder Politico; Informação; Media; Opinião Pública; Tomada
de decisão.
ABSTRACT
Media and markets revolutionary outcomes are contributing to a global scenario where
transnational flows of information, persuasion techniques and public perception
manipulation strategies are drawing in the consolidation of the already named “State
Show” – there for, it is scientifically relevant a critical review on information, whether as
driver of influence, either as a vector of power. Argument based on the impossibility of
consistent government of the nation, or the defense of national sovereignty in international
politics, with improvisation, the information appears as a facilitator, stimulating the
political decision-making. Thus, the purpose of this article is to analyze the role of
information in key social movements and power structures, in order to understand the
relationship of information with media, public opinion, and especially with political power.
Key words: Policies; Political Power; Information; Media; Public Opinion; Decision making.
1
Aluna do Executive Master Programme em Diplomacia Económica do ISCEM
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ELSA JERÓNIMO PEREIRA
A INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DA INFORMAÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Na atual sociedade de Informação, a vantagem competitiva e passível de conversão em
Poder reside na capacidade de adquirir, selecionar, tratar, analisar e utilizar de forma
eficaz a informação.
Para a transformação da Informação em elemento de Poder “(…) muito contribuiu a
significativa redução dos custos na sua recolha e transmissão (…), o poder da informação
flui para aqueles que a podem editar e validar com credibilidade, evidenciando clara
capacidade para a filtrar (Nye: 2002: 254).
2. PERTINÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO
Considerando:

a complexidade crescente da sociedade do saber;

a democratização do Conhecimento;

a acrescida importância da dimensão económica do Poder;

a quebra de barreiras ideológicas e físicas em consequência da revolução da
Informação e da globalização;

o desenvolvimento acelerado de tecnologias e meios de comunicação;

a exposição dos Estados a ameaças exteriores sob a forma de terrorismo
internacional, e a pressões económicas, sob a forma de manipulação de mercados;
Afigura-se-nos cientificamente pertinente uma análise critica do papel da Informação, no
contexto do processo de tomada de decisão politica. Assim circunscreveremos a nossa
atenção á Informação vocacionada para o apoio aos níveis da decisão politica interna e
externa, e dissecaremos a Informação na forma como é veiculada e absorvida pelas
diferentes estruturas de Poder.
3. OBJECTIVOS DA INVESTIGAÇÃO
Neste sentido, é nosso propósito a análise da Informação em correlação com 3 variáveis:

A relação da Informação com os media e consequente influência no processo de
tomada de decisão politica;

A relação da Informação com a opinião pública, enquanto grupo de pressão, ora
persuasor do poder politico, ora manietado pela Informação;

A relação da Informação com o Poder político, a sua utilização ao nível das relações
entre os diferentes atores da cena internacional, e no plano interno.
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4. QUADRO CONCEPTUAL
4.1. Conceptualização da Informação
Considerando que “o contínuo progresso das técnicas de pesquisa, processamento e
difusão da informação alargou enormemente o conhecimento público dos factos e dos
acontecimentos” e que “através dos meios de comunicação social e dos sistemas
informáticos sabemos imediatamente, on real time, o que se passa em qualquer parte do
mundo coberta por eles,” (Pereira: 2004:180) interessa diferenciar, na medida em que os
termos são com frequência utilizados indiscriminadamente, entre Informação, tecnologias
de informação e sistemas de informação.
Por Informação, “ (…) entenda-se o conjunto de dados colocados num contexto,
relacionados com o espaço, o tempo, o cenário da ação”. As tecnologias de informação “
(…) são suportes lógicos e equipamentos que permitem executar tarefas como aquisição,
transmissão, armazenamento, recuperação e exposição de dados”, enquanto que os
sistemas de informação “ (…) correspondem ao conjunto de meios, recursos e
procedimentos organizados, tendo em vista a produção de informação para apoio à
decisão” (Thomson: 2000: 18), ou seja, na expressão de Ernâni Lopes 2 “trata-se de um
quadro organizacional, um meio gerador de valor acrescentado para a ação”. (Lopes:
2003: 221)
Adiante, trataremos com especial detalhe, a questão das Informações Estratégicas, em
virtude da sua pertinência e atualidade.
Na esfera da diplomacia económica, quer seja no domínio empresarial, quer seja no
domínio do Estado, toma-se como incontestável que, na base da atuação dos múltiplos
atores está o recurso permanente à articulação entre o binómio informação e formação
(conceção, criação e utilização da capacidade para cruzar e fertilizar diferentes tipos de
informação), logo, a capacidade de atuação e, consequentemente de exercer poder, está
diretamente relacionada com a maior ou menor capacidade de dispor de uma (informação)
e de outra (formação).
A compreensão da importância da Informação depende da compreensão do papel das
“transformações tecnológicas nas sociedades, que, na sua generalização popular, são
expressas pelo termo de Idade de Informação, e que, ao nível da lógica dos sistemas
económico, estão a gerar a transição do Capitalismo Industrial, que conhecemos,
sabemos como funciona e sabemos como gerir, ou sabíamos, para alguma forma de
Capitalismo Informacional, que não conhecemos, não sabemos como funciona e como
gerir ” (Lopes: 2003: 220).
4.2. Conceptualização da Decisão Política
De forma sumária, entenda-se a decisão como um “processo pelo qual um ou mais
indivíduos selecionam uma ação de entre um conjunto de alternativas, para de acordo
com certos critérios, atingir objetivos pré-estabelecidos” (Thomson: 2000: 32), e
composto pelos seguintes elementos:

existência de um decisor;

existência de um contexto da situação de decisão;

duas ou mais opções possíveis para o decisor;
2
Conferir na íntegra em: Ernâni Rodrigues Lopes – Informação, Informações & Estratégia Económica e Empresarial. In
Informações e Segurança, p. 221 e seguintes.
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
consequências (ou resultados);

objetivos a atingir por parte do decisor.
No entendimento de David Easton, as decisões são outputs do sistema político. No seu
âmago, a decisão política aparece como a distribuição de valores, investida de autoridade,
no seio de uma sociedade. Easton refere ainda que a decisão política visa responder a
problemas e exigências, num sentido lato, e que o circuito input – caixa negra – output
simplifica um processo tendencialmente complexo, resultado dos inputs produzidos na
caixa negra pelas próprias autoridades políticas, os withinputs (Easton: 2003: 711).
Em Easton, a decisão política pode ser entendida quer como acto de decidir, ou seja, como
manifestação de vontade, quer como processo enfatizado na necessidade, utilidade e
indispensabilidade da visão do sistema político, assim, a análise da decisão política deverá
ser feita à luz da dialética da defesa e do ataque, uma vez que:

a decisão restringe o leque de opções;

a alteração da decisão acarreta custos políticos;

a tomada de decisão sem definição anterior do objetivo, é politicamente inútil.
A controvérsia quanto à natureza da tomada de decisão, e quanto ao paradigma mais
apropriado para o enquadramento do tema, persiste. Contudo, a polémica não lhe retira
valor, na medida em que a tomada de decisão não passa somente por uma escolha
meramente abstrata entre alternativas que procuram a maximização da utilidade, é
cumulativamente um processo em formação e em associação, composto por escolhas
parciais e compromissos entre os interesses das organizações e pressões burocráticas em
competição.
A Teoria da Decisão identifica um conjunto de variáveis relevantes, e analisa e cria cenários
de relacionamento possível entre essas variáveis. Apontamos aqui um avanço significativo
face à análise política tradicional, uma vez que a Teoria da Decisão não se esgota nos
Estados como entidades metafísicas e abstratas, optando antes, por salientar o papel do
decisor político, na medida em que o seu comportamento condiciona as opções
governativas que empreende. Logo, há uma necessidade metodológica de definir o Estado
em termos dos seus agentes decisórios, aqueles que agem em seu nome, partindo-se do
pressuposto de que os decisores atuam num contexto total, abarcando o nível interno
(sistema político nacional) e externo (a totalidade do sistema internacional).
Os decisores baseiam-se em imagens da realidade desenhadas pela Informação. Partindo
deste argumento, facilmente se compreende que a perceção seja uma variável central na
Teoria da Decisão. O processo de perceção da realidade por parte dos decisores, não é de
fácil sistematização, em virtude da sua natureza empírica, todavia, é indispensável
compreender “como se escolhe?”. A interrogação relativa ao modo como se escolhe é
passível de resposta em três grandes tipos de teorias ou esquemas de decisão:

O Modelo Racional;

O Modelo Incremental;

O Modelo “dumpster”.
No modelo racional, parte-se do carácter pensante do decisor político, que consciente das
suas alternativas, procede a cálculos e ponderações com base na utilidade, valores e
probabilidade e escolhe a opção que corresponde ao ótimo, ou que é a melhor possível
dadas as circunstâncias. Assim, o modelo coloca o individuo no centro da análise, e assume
que o decisor pode sempre decidir com base num leque de opções, pode priorizar as opções
e escolher a mais favorável, e pode decidir similarmente perante alternativas idênticas.
Pese embora o considerável avanço na teoria da racionalidade sinóptica, nem sempre os
decisores políticos escolhem de entre todas as opções em aberto e possíveis, além do que,
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algumas das decisões originam consequências que não podem ser racionalmente planeadas
ou previstas. Ciente disso, Herbert A. Simon avançou com a teoria da racionalidade
limitada, sugerindo que as unidades de decisão analisam de forma sequencial as
alternativas disponíveis até chegarem aquela que tem o nível mínimo de aceitabilidade, ou
seja, rejeitam-se sucessivamente as soluções que não satisfazem até se encontrar uma
solução consensualmente satisfatória que permita agir. O decisor já não se preocupa em
examinar todas as alternativas, em controlar todas as variáveis, em ponderar todas as
consequências possíveis, e não aspira à maximização dos dados e das informações, limitase antes à satisfação de algumas exigências fixadas de maneira mais realista, restringindose ao número de alternativas e consequências que julga adequado ponderar.
O modelo Incremental3 de Charles Lindlom defende que os processos de decisão e de
produção de políticas públicas avançam por tentativas através de acordos e permutas
assentes sobre decisões já tomadas, revendo-as e modificando-as. Assim se compreende,
que o processo de decisão se baseie em pequenos ajustamentos que dependem mais das
correlações de forças, de relações e negociações, e da concorrência constante entre os
vários intervenientes que caracterizam os sistemas políticos democráticos, do que de uma
postura racional formal ou resultado de um único plano. Logo, os decisores são mais
conservadores com as decisões que tomam. Evitam iniciativas inovadoras, evitam decidir
sobre questões fundamentais que resultem na mudança significativa do universo social
externo, na medida em que são mais arriscadas e potencialmente mais onerosas, sobretudo
se forem erróneas, portanto, minimizam e/ou evitam.
Comparativamente com Lindblom, James March e Johan Olsen revelam no “dumspter”,
acrescido ceticismo quer na racionalidade quer nos ajustamentos recíprocos, em virtude da
necessária exigência de conhecimentos e competências nem sempre disponíveis. As
exigências e as pressões tornam indispensável a tomada de decisão. Em situações de limite
de tensão, o decisor recorre ao contentor das alternativas disponíveis.
4.3. Quadro Cénico
Na análise da tomada de decisão em política externa, Graham Allison 4 é um dos autores de
referência incontornáveis. Pese embora a insistência dos estudos de relações internacionais
no enfoque em Lindblom e no encarar do comportamento dos Estados na sua vertente
racional, Allison aponta fundamentos justificadores da divergência do modelo racional no
que concerne à tomada de decisão. O modelo clássico do ator racional reitera as ideias
apresentadas no ponto anterior: os Estados são peças-chave que agem de forma racional,
ponderando custos e benefícios das várias escolhas políticas, na procura da opção que
maximize a utilidade. Na ótica de Graham Allison, seriam adeptos do modelo racional,
Morgenthau, Schelling e Kissinger.
O modelo clássico racional provou a sua utilidade face a muitos objetivos, mas carece de
complementaridade com a máquina governativa, com o processo organizacional e com o
modelo de política burocrática. Neste caso, as decisões resultariam mais dos efeitos e
3
“Como a formulação de políticas públicas é feita de forma fragmentada, sem conhecimento total e sem uma
autoridade racional que centralize e controle todas as fases do processo, leva a que a perspectiva do muddling through
seja a forma mais correta de interpretar o processo de decisão política nos nosso dias”, Lindblom citado por Rod Hague
e Marting Harrop – Comparative Government and Politics, 4th ed., London: Macmillan Press, Ltd, 1998, p. 257.
4
Allison é mundialmente conhecido pela sua análise à Crise dos Mísseis de Cuba onde indicou que a decisão e a
formulação de políticas foram desenvolvidas em resposta ao processo de negociação estabelecido entre oficiais chave e
atores políticos. Para mais detalhes, conferir em G.T. Allison – Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis,
Boston, Little Brown, 1971.
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estrutura das organizações e da competição existente entre as unidades de decisão que
funcionam de acordo com comportamentos regulamentados, do que de ações deliberadas.
A segunda perspectiva de Allison assenta no modelo de processo organizacional. “Os
departamentos tendem a lidar com situações standard próprias, negligenciando a
ligação com os objetivos gerais da organização a que pertencem. Nos casos em que
aparecem situações novas ou quando as de rotina não estão a ter uma boa prestação,
então opta-se pela política incremental de mudanças, passo a passo. Neste contexto, será
feita uma procura limitada para encontrar a primeira decisão satisfatória, e mais uma
vez salienta-se a preferência das organizações para evitarem efeitos não previstos e
incertos, concentrando-se assim em decisões e problemas de curto prazo” (Tansey: s/d:
224).
Quanto ao último modelo de Allison, o burocrático, conhecido pelo processo de negociação
política, a tomada de decisão é vista como o resultado do jogo entre diversos jogadores que
ocupam posições distintas. De outra maneira ainda, o resultado dependerá em muito das
competências para a negociação, dos recursos disponíveis e das regras do jogo.
5. A MEDIATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO
No entendimento do General Loureiro dos Santos, os valores relacionados com a economia
são predominantes, a informação é vista como um produto, o que reforça a sua qualidade
de instrumento para o exercício do poder. Daqui resulta a concentração dos meios de
comunicação em multinacionais que, a partir de certo nível, passam a disputar o poder
político, dificultando a manutenção da sua independência face aos centros do poder
económico (Santos: 2003).
Igualmente, Mário Mesquita corrobora a evidente ligação dos media ao poder político
“mesmo nos acontecimentos ditos ‘genuínos’ existe sempre uma forte dose de construção
mediática, que desde logo se manifesta não só na focalização e na forma de expressão,
mas na relevância que lhes é atribuída, conferindo-lhes dimensão regional, nacional ou
planetária, ou dissolvendo-os na torrente da “sobreinformação” quotidiana” (Mesquita:
2013: 19).
O autor apresenta uma série de comentários acerca do uso generalizado da expressão
“quarto poder” e, em sua substituição, fala de um “quarto equívoco”. Assim, quando
aborda os chamados “poderes republicanos”, menciona a permanente crise de legitimidade
em que vivem atualmente, justificando o emprego da terminologia.
O próprio poder mediático dissemina a informação e tem sido alvo de uma perda de
credibilidade. Continuando com Mesquita, este afirma que, na análise do denominado
“quarto poder”, encontramos muitos equívocos: “Equívocos quanto à sua definição,
porque embora se tenha autonomizado, de forma notória, em relação às instituições
políticas, o ‘campo dos media’ continua a ser influenciado, cercado e utilizado pelos
outros poderes, incluindo económicos e tecnológicos; equívocos quanto à legitimidade,
porque a liberdade de expressão, constituindo a matriz da liberdade de imprensa, se
aplica a todos os cidadãos – e não só aos proprietários dos media e aos jornalistas”
(Mesquita: 2013: 23).
O general Loureiro dos Santos comenta: ” Muitas vezes pode não se distinguir qual o
motivo pelo qual determinada notícia de grande efeito mediático vem a lume na
comunicação social. Se como resultado de uma iniciativa e corresponde profissionalismo
de um agente da comunicação. Se materializando uma estratégia de poder de qualquer
ator nela interessado ” (Santos: 2003: 26).
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Numa dupla perspectiva, o General Loureiro dos Santos refere que o uso dos media
adquiriu um protagonismo de enorme peso na conduta da guerra. Há que salientar a sua
influência como elemento apoiante do aparato militar, e também a sua força como vector
independente de intervenção estratégica.
6. A PERCEÇÃO PÚBLICA DA INFORMAÇÃO
A política externa de uma democracia não pode ser conduzida com êxito a não ser que a
consulta da opinião pública seja uma constante. Ou seja, uma decisão política, só será
legítima se reconhecida e suportada pela opinião pública. De outra maneira ainda, numa
sociedade aberta a eficácia do poder dependerá em larga escala da adesão da opinião
pública.
A importância da informação como instrumento da política está intimamente ligada com a
função que a opinião pública sempre desempenhou, e continua a desempenhar, na
sociedade. A Sociedade das Nações foi a primeira organização a dar relevância à alta
função da opinião pública. Na mesma linha de ideias, a ONU, de acordo com a
interpretação de Goodrich e Hambro, chamaram à Assembleia Geral “a consciência aberta
do mundo”.
O professor Adriano Moreira também alude ao tema, questionando-se acerca da existência
de uma opinião pública mundial autónoma. E é nesta sua observação que podemos ligar os
dois conceitos em análise: “Sabemos que o mundo é cada vez mais uma unidade, mas o
simples facto de se ter tentado e podido mobilizar essa opinião pública mostra que se
trata de alguma coisa que pode ser produzida, condicionada, manejada,
independentemente da sua correspondência a uma exata informação e valoração dos
factos. [...] A relação evidente entre a opinião pública mundial, o cumprimento das
regras internacionais e o interesse do Estado soberano transformaram a propaganda
num sério problema de governo que exigiu a criação de departamentos especiais em toda
a parte. O problema da imagem dos povos foi o ponto de referência desta problemática”.
(Moreira: 2004: 31)
Ou seja, a opinião pública ganhou relevância quando a sociedade civil se separou do Estado
moderno, mostrando dinamismo e solidez suficientes para acompanhar as decisões dos
poderes políticos face aos interesses públicos.
As sondagens assumiram – se como imprescindíveis, e a prová-lo veja-se o caso americano,
que recorre com muita frequência a esta técnica de medição para, entre outros objetivos,
evitar choques na adesão a certas decisões. Assim se prepara a opinião pública – e esta é
também encarada como uma alternativa ao controlo imediato das decisões do governo.
Os grupos de interesse têm um importante papel na formação da opinião pública gerindo a
controvérsia e esforçando-se para obter aliados entre os desinteressados. Desta forma o
desinteresse e a não informação contribuem para a ação desses grupos visando moldar
opiniões, provocando, através propaganda, o estabelecimento de atitudes emocionais e
sentimentos favoráveis à sua causa e, influenciando assim, o processo de decisão.
Logo, a opinião pública é, declaradamente, uma alavanca na mão do demagogo. Daí ser
vista num duplo aspeto: expressão genuína da vontade do povo e meio de manipulação
desse povo. Por responder, permanece a questão de saber como é que os media se
desenvolvem nas sociedades abertas, e sobretudo, se há opinião pública em sistemas
centrais que controlam os media.
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7. A INSTRUMENTALIZAÇÃO POLÍTICA DA INFORMAÇÃO
Os decisores políticos, enquanto enquadrados no cenário do mundo atual anteriormente
esboçado, fazem uso de informação integrada em tempo real e que se destina a apoiar, de
forma abrangente e coerente, os processos de tomada de decisão ao nível político,
interagindo com o planeamento contigencial ao nível estratégico.
A verdade é que a realidade não permite que o Governo continue a decidir baseado em
julgamentos intuitivos, capazes de gerar riscos enormes. É sintomática a apetência para
uma cada vez maior manipulação da informação, uma condição de possibilidade e um
instrumento vital da política e da estratégia de qualquer ator do sistema das relações
internacionais, procurando ambas utilizar em proveito próprio as tecnologias convergentes
das telecomunicações e da informática, a proteção e a distribuição da informação. Por
outro lado, pretende-se atingir, com eficácia e oportunidade, o grande público ou alvos
selecionados, concretizando uma capacidade de influenciar e condicionar a opinião
pública, fator relevante da gestão do comportamento social.
De acordo com as teorias liberalistas das relações internacionais – defendidas por
Keohane, Bull e Nye, entre outros – o soft power aparece como elemento crítico do sistema
e, no seu essencial, refere-se à edução, informação, cultura e diplomacia, no essencial, e a
sua importância reside no modo como o decisor político poderá jogar esse trunfo.
Susan Strange alerta que para além da capacidade (militar) os políticos têm à sua
disposição o poder estrutural – aquele que condiciona o ambiente de decisão do outro -,
que é acima de tudo, uma capacidade de influência e de condicionamento da agenda
política.
A relação tradicional entre hard power e soft power5 aparece de certo modo enfraquecida
na era da informação marcada pela já referida interdependência complexa.
A propaganda, enquanto instrumento de ação estratégica do soft power, não é nova na
forma de informação livre. Hitler e Estaline utilizaram-na com eficácia na década de 1930 e
o controlo da televisão por Milosevic era essencial para o seu poder na Sérvia na década de
1990. Assim, qual é o papel da propaganda na sociedade moderna? Podemos vê-la com
uma função motora ao nível da política internacional, e também ao nível da decisão
interna?
Em termos de conceito Jowett e O”Donnell definem propaganda como uma tentativa
sistemática e deliberada para moldar perceções, manipular conhecimentos e direcionar o
comportamento para obter uma resposta que favorece a intenção desejada do
propagandista6. No mesmo sentido, o Instituto Americano de Análise da Propaganda
refere-se à “expressão das opiniões ou de ações efetuadas deliberadamente por indivíduos
ou grupos, com vista a influenciar a opinião ou a ação de outros indivíduos ou grupos,
com referência a fins pré-determinados e por meio de manipulações psicológicas”. (citado
por Oliver Thomson: 2000: 15)
Avançamos numa tentativa de síntese: utilização por um grupo de pessoas de todo o tipo
de técnicas de comunicação com o fim de obter alterações de atitude ou de comportamento
noutro grupo de pessoas.
5
Segundo o Gen. Loureiro dos Santos n”A Idade Imperial, Lisboa: Publicações Europa-América, 2003, p.300,
“[...]Poderes: um, que afecta mais directamente os elementos materiais, que se designa por hard power; outro, que se
dirige directamente às mentes e aos corações, que se designa por soft power. [...] (este último) integra essencialmente
as áreas do conhecimento (educação), das comunicações e da cultura.” (itálico no original)
6
Para explicação pormenorizada da definição apresentada sugere-se a leitura de Garth S. Jowett e Victoria O”Donnell –
Propaganda and Persuasion, 3rd ed., USA: Sage Publications, 1999, p. 6-9.
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A propaganda tornou-se num dos instrumentos de política externa mais usados e eficazes
visando a concretização de objetivos políticos face a outro país-alvo, por intervenção direta
ou indireta no seu processo político. A propaganda, cuja eficácia e praticabilidade depende
em muito dos meios tecnológicos de suporte, e que não pode ser confundida ipsis verbis
com falsidade, aparece como um aspeto fundamental da política internacional moderna.
Na verdade, os governos, através dos propagandistas, tentam influenciar as atitudes e os
comportamentos de populações estrangeiras ou de grupos específicos (étnicos, religiosos,
políticos e económicos) dessa população, na expectativa de que estes possam depois
influenciar as ações do seu próprio executivo.
De forma virtual, todos os governos conduzem programas de informação externa com o
propósito de criar uma imagem favorável do seu país e das suas políticas governamentais
no estrangeiro. Assim, se são vulgares as agências que promovem o turismo e o comércio,
também existem outras com uma missão claramente política.
Importa salientar, que a abordagem aos serviços de informações é essencial, uma vez que
estes se destinam a estudar e esclarecer situações das quais podem surgir ameaças e
perigos, reduzindo o grau de incerteza e facilitando a tomada de decisão política ou militar,
ou de outro nível ainda.
É importante vincular de forma clara a diferença entre os conceitos: as informações7 –
significando serviços, sistemas e processos – como conceito próprio, não são o mero plural
de informação (vocábulo já aqui amplamente explicado). Há quem defenda o termo
inteligência, seguindo de perto o vocábulo do mundo anglo-saxónico (intelligence), outros
optam por chamar-lhe informações externas ou simplesmente informações, como acaba
por ser mais usual.
Com efeito, na opinião do professor Pedro Borges Graça no seu texto Metodologia da
Análise nas Informações Estratégicas, “independentemente do termo, a realidade
abordada é a de procura, recolha, tratamento, análise e difusão de dados, notícias e
informações que conferem um certo nível de vantagem competitiva a um determinado
Estado (por intermédio do Governo) nas relações internacionais, partindo do princípio
da salvaguarda do interesse nacional.”8
As informações estratégicas são instrumentos fundamentais para a governação de qualquer
sociedade politicamente organizada, que tem de prevenir ou enfrentar ameaças à sua
segurança.
Para terminar o tema, e num olhar particular sobre Portugal, a visão do General Pedro
Cardoso “É necessário restaurar a confiança do público e dos políticos nos serviços de
informações nacionais […] Teremos de ultrapassar este período de aprendizagem
democrática, pois nenhum país, por mais poderoso que seja, pode conceber uma política
externa, de defesa, económica ou qualquer outra sem dispor das informações que
proporcionam o conhecimento essencial, sobre o qual tais políticas assentam.”9 (Cardoso:
2004: 294).
7
António de Jesus Bispo – A Função de Informar. In Informações e Segurança, ob. cit., p. 78; refere que as “informações
no sentido restrito de processo, que consistem na análise da informação com vista a obter conhecimento, constituem-se
como patamar acima da informação, como o trabalho efectuado sobre os dados para lhes dar sentido no quadro dos
propósitos a quem ele serve, seja o Estado, uma unidade militar ou uma empresa. É a compreensão da informação
relacionada, organizada e contextualizada”.
8
Para detalhe da informação apresentada, conferir Pedro Borges Graça – Metodologia da Análise nas Informações
Estratégicas. In Informações e Segurança, p. 430.
9
Sugere-se o desenvolvimento da temática em Gen. Pedro Cardoso – As Informações em Portugal.
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8. CONCLUSÃO
”Quando o caiu o Muro de Berlim não soubemos pela CIA, mas pela CNN.
Quando a URSS se desmoronou, foi-nos dito pela CNN e não pela CIA.
Quando Saddam Hussein invadiu o Koweit foi a CNN que nos contou, não a CIA.
Não precisamos da CIA. Temos a CNN”10
Se o que não é mediatizado não tem existência, tal significa que a Informação é hoje um
produto condicionado ao mercado é á vantagem competitiva.
Considerando a assunção de que o aumento dos contactos transnacionais e da intervenção
multiplicada de players difusos, que não só o Estado, como anteriormente, conjugada com
a diminuição dos custos das comunicações, conclui-se que tais circunstancias geraram um
sistema internacional global, contudo não universal.
Haja em vista a maximização do poder subordinado, conclui-se que a Informação assumiu
o papel de persuasor e condicionador de massas. Conclui-se ainda que o que distingue a
capacidade de atuação e consequente mente de exercício de poder, reside no maior ou
menor grau de disposição de Informação.
O Decisor politico com recurso aos meios online e on real time, passou a suportar a sua
decisão com base na Informação. É sintomática a cada vez maior apetência pela filtragem e
seleção de Informação, no sentido da sua instrumentalização ao serviço da política. Assim,
a Informação coloca ao dispor do decisor político a capacidade de limitar o ambiente de
decisão do outro, a capacidade de influenciar e de condicionar a agenda politica. A
Informação investe-se agora de um novo poder – soft power - capaz de rivalizar com
alguns dos tradicionais hard powers instituídos.
Em termos da tomada de decisão, conclui-se que o processo resulta da combinação de
variáveis, e que a realidade não permite a adoção isolada de cada um dos modelos
apresentados, mas uma utilização combinatória em função do ambiente político.
Contudo, a principal conclusão é a da insubstituibilidade das Informações, por informação,
pelo que terminamos com a citação do Comandante Virgílio de Carvalho, em Estratégia
Global, que resume, por um lado o reconhecimento da enorme importância política da
Informação, mas que reconhece a sua debilidade e incapacidade de se substituir a um
serviço de Informações Estratégicas: “ As informações não são apenas necessárias para se
prevenirem espetaculares e dramáticas ações de terroristas. São precisas também para
que as políticas e as estratégias nacionais, civis, militares, possam deixar de ser traçadas
a olho” (Carvalho: 1986: 101)11.
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Anúncio publicitário patrocinado pela CNN
Para detalhe da informação apresentada, conferir Virgílio Carvalho – Estratégia Global e subsídios para uma Grande Estratégia
Nacional. In ISCSP - UTL, texto policopiado, 1986, p. 101.
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Revista de Comunicação e Marketing, 5 (1), 2013, ISSN 1645-0248
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INSTITUTO SUPERIOR DE COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
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Recebido a 19-06-2013. Aceite para publicação a 08-07-2013
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