ISSN: 1981 - 3031 1 AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE HENRI
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ISSN: 1981 - 3031 AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE HENRI WALLON PARA AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Cleide Calheiros da Silva [email protected] Antonio Cesar da Silva [email protected] RESUMO Este artigo tem a finalidade de refletir a respeito das implicações da teoria de Henri Wallon para as práticas pedagógicas na Educação Infantil. O texto faz uma reflexão sobre alguns conceitos fundamentais da teoria walloniana, a fim de que haja um entendimento sobre o papel desses estudos no desenvolvimento da criança dentro da escola, na Educação Infantil. Inicialmente será apresentada uma discussão sobre o ensino na Educação Infantil na atualidade. Depois é justificada a escolha dessa teoria para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem nessa modalidade de ensino. Por fim, é apresentada uma reflexão acerca da potencial relevância da teoria de Wallon na Educação Infantil dentro processo de desenvolvimento da criança. PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil. Teoria de Henri Wallon. Práticas Pedagógicas. 1 INTRODUÇÃO Este artigo tem a pretensão inicial de refletir sobre como está organizada a Educação Infantil no Brasil, no que diz respeito à sua estrutura física e pedagógica. Depois, serão apresentados conceitos basilares da obra de Henri Wallon, para que façamos uma avaliação do que temos hoje na Educação Infantil e o que poderíamos ter com a adesão da teoria walloniana em nossas escolas brasileiras. Dentre os aspectos mais relevantes dos estudos de Wallon, destacaremos o valor que deve ser dado às emoções para que a constituição da pessoa, em seu desenvolvimento, se dê de forma completa, dentro do ambiente escolar. Por fim, pretendemos provocar reflexões sobre as implicações da teoria de Henri Wallon para as práticas pedagógicas na Educação Infantil, a fim de que possamos estar sempre investigando nossa prática com vistas a uma melhoria significativa dos processos de ensino-aprendizagem. 2 A UNIVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL 1 ISSN: 1981 - 3031 A Educação Infantil, ofertada a crianças com até cinco anos de idade, constituída como a primeira etapa da Educação Básica assegurada na Constituição Brasileira de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394 de 1996, implica a universalização do acesso da criança à instituição formal de ensino. Hoje vivenciamos, no Brasil, um momento de grandes transformações no cenário da educação. Isso gera tempos de grandes reflexões acerca do ensino direcionado à Educação Infantil. A LDB é clara ao dizer que o ensino deve oferecer às crianças uma formação que lhe possa, com o tempo, dar as devidas condições para exercer sua cidadania e para continuar sempre a estudar. Vê-se hoje uma preocupação latente no que diz respeito à educação e aos cuidados que se deve ter com as crianças. A sociedade em geral tem visto nessa fase da vida da criança – dentro da escola - uma espécie de ponte para sua formação integral. De acordo com o documento oficial que rege a Educação no Brasil, o objetivo primordial da Educação Infantil é o de promover o desenvolvimento físico, psicológico, intelectual e social da criança. Mas a realidade ainda é bem diferente, em sua maioria, nas escolas e creches brasileiras. Isso acontece por vários motivos. O pouco investimento nessa modalidade de ensino, sobretudo, no ensino público, e o método de ensino trabalhado dentro desses espaços de educação são grandes aliados de uma formação que não privilegia o desenvolvimento integral da criança. Com relação ao desenvolvimento do ser humano, os seis primeiros anos de vida são de grande importância para a formação da inteligência e da personalidade, segundo grandes estudiosos no assunto, a exemplo de Sigmund Freud, Erik Erikson Jean Piaget Henri Wallon. Mas, curiosamente, até 1988, a criança brasileira, com menos de sete anos de idade, não tinha direito à Educação. A atual Constituição conheceu, pela primeira vez, a Educação Infantil como um direito da criança, escolha da família e dever do Estado. Depois disso, a Educação Infantil, no Brasil, deixou de estar atrelada tão-somente à política de assistência social passando então a unificar a política nacional de educação. A Constituição Federal criou a obrigatoriedade de acolhimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade em seu artigo 208, inciso IV. A 2 ISSN: 1981 - 3031 Constituição prevê os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência, para que as crianças tenham uma educação absoluta, visando ao completo desenvolvimento da pessoa, sua preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação, posteriormente, para o trabalho. A obrigatoriedade da Educação Infantil, porém, não vem atrelada a um ensino de qualidade. Muito há que se fazer em termos de políticas públicas voltadas para uma boa educação. Para que seja concretizado o intento constitucional em evidência, é indispensável a existência de uma escola de bom desempenho para todos. Se assim não o for, o direito público subjetivo à educação, garantido pela Constituição Federal, ficará sem significado. Não passará de mais uma lei, que morta, quer se mostrar viva para a sociedade. Na Educação Infantil brasileira, ainda se tem uma realidade distante da teoria walloniana, uma vez que os conceitos priorizados no processo de ensino e aprendizagem das crianças giram em torno, especialmente, do desenvolvimento do cognitivo delas. Some-se a isso salas de aulas que, no geral, não possuem ambientes que atendam às demandas dos alunos em sua fase de desenvolvimento. Nas escolas que oferecem o Ensino Infantil, no Brasil, conforme a teoria walloniana, ainda se observa, infelizmente, proposta pedagógica inadequada para as fases de desenvolvimento da criança, falhas na organização do espaço, nas atividades, nas propostas feitas em sala de aula, nas exigências posturais vinculadas às crianças, nas interações e na observação e caracterização dos pontos de tensão e mal-estar. Wallon, ao focalizar o meio como um dos conceitos fundamentais da teoria, traz à tona a questão do desenvolvimento no contexto no qual a criança está inserida, e ainda traz a escola como um dos meios fundamentais para o desenvolvimento do aluno e do professor. Tudo isso tem passado por mudanças, é claro. Mas ainda são muito tímidas as transformações ocorridas dentro das escolas a respeito dos métodos pedagógicos, do espaço e do tempo que contemplam a escola de qualidade. A proposta pedagógica vem passando por alterações nas mais diversas escolas brasileiras, enquadrando-se em uma perspectiva construtivista, priorizando o desenvolvimento das expressões, a estimulação do pensamento lógico e a iniciação 3 ISSN: 1981 - 3031 gráfica, temas de interesse das crianças. Mas é preciso ressaltar que tudo isso vem acontecendo dentro de um processo muito lento. A Educação Infantil não possui, ainda, na maioria das instituições de ensino do país, instalações adequadas. O ensino nessa modalidade carece de uma boa estrutura física da sala de aula e dos outros espaços que compõem a escola, o pouco espaço disponível impossibilita o desenvolvimento de atividades diferenciadas, impondo um controle motor às crianças por meio de exigências, a exemplo de elas ficarem sentadas em suas cadeiras, sem levar em conta as características de sua idade para a execução das atividades. O teórico Wallon nos diz que Estas revoluções de idade para idade não são improvisadas por cada indivíduo. São a própria razão da infância, que tende para a edificação do adulto como exemplar da espécie. Estão inscritas, no momento oportuno, no desenvolvimento que conduz a esse objetivo. As incitações do meio são sem dúvida indispensáveis para que elas se manifestem e quanto mais se eleva o nível da função, mais ela sofre as determinações dele: quantas e quantas atividades técnicas ou intelectuais são à imagem da linguagem, que para cada um é a do meio!... (WALLON, 1995, p. 210). Há, ainda, grande ênfase em propostas de atividades de escrita. As atividades em que o movimento deve ser a finalidade principal são muito raras, pois as propostas de atividade, geralmente, solicitam a imobilidade dos alunos em posição sentada e em concentração. O interessante seria que houvesse, na Educação Infantil, uma priorização de conceitos decorrentes da teoria de desenvolvimento de Henri Wallon, porque podem recomendar plausíveis direções, que consideramos capitais para levar em conta quando se ambiciona um ensinoaprendizagem mais bem-sucedido e mais satisfatório, tanto para o professor como para o aluno. O processo ensino-aprendizagem só pode ser avaliado como uma coesão, pois ensino e aprendizagem são facetas de uma mesma moeda; nessa coesão, a relação interpessoal professor-aluno é um fator decisivo. A teoria psicogenética dá uma respeitável ajuda para a compreensão do processo de desenvolvimento e também contribuições para o processo ensino-aprendizagem. Dá subsídios para compreender o aluno e o professor, e a interação entre eles. É fato que a realidade da Educação Infantil tem mudado, mas precisa ganhar força, pois essa mudança é urgente. 4 ISSN: 1981 - 3031 A modernização dos processos de ensino-aprendizagem precisam sofrer as modificações que se fazem necessárias, quer em sua estrutura física, quer no procedimento pedagógico, para que a escola esteja a serviço das necessidades das crianças em cada fase do seu desenvolvimento. Para isso, as ideias do psicólogo e educador Henri Wallon são imprescindíveis para a reformulação da Educação Infantil brasileira. A Educação Infantil não poderá mais fomentar o predomínio da atividade manual ou intelectual em detrimento de outros processos que são tão importantes quanto esses. É preciso, com urgência, valorizar a Educação Infantil e as primeiras séries do Ensino Fundamental, pois é nessa fase que definimos o amanhã dos indivíduos. Se eles começam a frustrar-se nessa etapa, todo o caminho escolar será cheio de conflitos e se tornará difícil resgatá-los, não impossível. Diante disso, é que surge a necessidade do conhecimento da teoria de Henri Wallon. Seus estudos podem ser decisivos para a mudança do atual quadro em que se encontram os processos de ensino na Educação Infantil, nas escolas brasileiras. O desenvolvimento da criança, no ambiente escolarizado, não pode nem deve ser relativizado. Ao contrário, deve receber todas as condições, para que seja um aliado no processo de constituição da pessoa-aluno. 3 OS ESTUDOS DE HENRI WALLON A teoria de Wallon deve nos auxiliar a entender melhor como acontece o processo de desenvolvimento da pessoa, o movimento que compreende cada fase, enfim. Compreender sua teoria de desenvolvimento é de fato estar preparado para lidar melhor com as crianças durante o processo de ensino e aprendizagem, nas escolas brasileiras. Trata-se de dar ao professor subsídios para que ele reflita sobre sua prática pedagógica, no sentido de criar condições que favoreçam o desenvolvimento dos seus alunos. Como a teoria walloniana nos oferece uma descrição pormenorizada de cada fase dos estágios de desenvolvimento pelos quais a criança passa, fica mais confortável adequar o que se pretende ensinar com o que elas podem e precisam aprender. Isso proporciona, à escola, um referencial muito grande, para que todo o 5 ISSN: 1981 - 3031 processo de ensino-aprendizagem seja orientado no sentido de produzir atividades que gerem um entendimento mais fecundo entre as características de cada fase de desenvolvimento, conforme se apresentem em seus alunos reais, e as atividades de ensino. Os professores teriam, assim, uma margem para o previsível, teriam dados para as indagações pertinentes sobre o processo e teriam ainda a riqueza de uma teoria que trabalha a favor de um projeto educacional mais próximo da realidade do aluno. Na teoria psicogenética de Wallon, a linha principal no processo de desenvolvimento é a integração organismo-meio e a cognitiva-afetiva-motora. A teoria de desenvolvimento de Wallon assume que o desenvolvimento da pessoa se faz a partir da interação do potencial genético e de uma grande variedade de fatores ambientais. O foco da teoria é essa interação da criança com o meio, uma relação complementar entre os fatores orgânicos e socioculturais. Wallon, em sua teoria, destaca que o meio em que a criança vive é determinante para o seu desenvolvimento enquanto pessoa. Por isso, o ambiente em que ela está inserida deverá atender às reais necessidades dela, quer sensório-motoras, quer psicomotoras. O meio não pode ser o mesmo em todas as idades. É composto por tudo aquilo que possibilita os procedimentos de que dispõe a criança para obter a satisfação das suas necessidades. Mas por isso mesmo é o conjunto dos estímulos sobre os quais exerce e se regula a sua atividade. Cada etapa é ao mesmo tempo um momento da evolução mental e um tipo de comportamento (WALLON, 1995, 65). Constantemente, a sociedade põe-na diante de novos ambientes, que geram outras necessidades e novos expedientes que acrescem probabilidades de desenvolvimento e diferenciação individual. Faz-se importante entender que há, na formação da pessoa, dimensões que são preponderantes para seu desenvolvimento: a afetividade, o ato motor, o cognitivo. E a escola não pode ficar distante disso na formação que dá aos seus alunos-pessoas. 4 A TEORIA PEDAGÓGICA DE HENRI WALLON 6 ISSN: 1981 - 3031 Há, na teoria walloniana, orientações para que a escola atenda aos alunos de forma mais coerente, respeitando suas necessidades enquanto, antes de tudo, pessoa. É bastante comum atualmente ouvirmos falar sobre uma educação voltada para a formação integral do aluno dentro das escolas. Mas nem sempre foi assim. A educação que leva em consideração o desenvolvimento social e afetivo, além do intelectual, data de uma realidade mais recente. No início do século passado, no entanto, a ideia de que a formação do aluno não mais deveria estar centrada somente no campo do desenvolvimento do cognitivo, mas em concomitância com o desenvolvimento de sua socialização com o meio em que vive, nas mais distintas instâncias da vida – família, escola, enfim, e da afetividade causou uma grande discussão, tendo Henri Wallon como um dos grandes responsáveis por isso. Para ele, “os meios em que vive a criança e aqueles com que ela sonha constituem a forma que amolda sua pessoa. Não se trata de uma marca aceita passivamente”. (WALLON, 1975, pp. 164, 165, 167). A teoria pedagógica de Wallon destaca que o desenvolvimento cognitivo está diretamente associado ao desenvolvimento do indivíduo em todos os campos de sua existência. Sua concepção tumultuou as visões de uma época que dizia que o conhecimento adquirido era o que havia de mais preponderante para a constituição da pessoa. Para ele, as emoções sim têm função principal no desenvolvimento da pessoa. É através dela que o aluno externa suas vontades e seus desejos. São, no geral, revelações que proclamam um mundo importante e perceptível, porém, pouco estimulado pelos padrões clássicos do ensino tradicional. Wallon trouxe para dentro da sala de aula a concepção de que o aluno não era somente constituído por um corpo. O teórico instituiu a ideia de que as emoções também deviam ser trazidas para o universo escolar, já que se tratava de um elemento fundamental para a construção da pessoa-aluno. Ele fundamentou suas concepções em quatro elementos básicos que conversam entre si o tempo todo: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa. Deste modo, na criança, opõem-se e implicam-se mutuamente fatores de origem biológica e social. O objetivo assim perseguido não é mais do que a realização daquilo que o genótipo, ou gérmen do indivíduo, tinha em potência. O plano segundo o qual cada ser se desenvolve depende, portanto, de disposições que ele tem desde o momento de sua primeira 7 ISSN: 1981 - 3031 formação. A realização desse plano é necessariamente sucessiva, mas pode não ser total e, enfim, as circunstâncias modificam-na mais ou menos. Assim, distinguiu-se do genótipo, o fenótipo, que consiste nos aspectos em que o indivíduo se manifestou ao longo da vida. “A história de um ser é dominada pelo seu genótipo e constituída pelo seu fenótipo”. (WALLON, 1995, pp. 49-50) Para Wallon, as transformações fisiológicas que ocorrem em uma criança são traços reveladores de caráter e personalidade. Segundo o teórico, a emoção é altamente orgânica, altera a respiração, os batimentos cardíacos e até o tônus muscular. Há tempos de tensão e distensão que auxiliam o ser humano a se conhecer. Sentimentos bons e ruins auxiliam na construção de uma relação direta da criança com o meio social em que vive. Wallon afirma que a emoção causa impacto no outro e tende a se propagar no meio social. Em sua teoria, ele diz que a afetividade é um dos principais elementos do desenvolvimento humano. Ao contrário do ensino tradicional, que tem como prioridade o desenvolvimento da inteligência e a atuação do aluno dentro da sala de aula, a proposta walloniana põe o desenvolvimento cognitivo numa perspectiva mais humanizadora, uma vez que considera a pessoa na sua inteireza. Logo, “os domínios funcionais entre os quais se dividirão o estudo das etapas que a criança percorre serão, portanto, os da afetividade, do ato motor, do conhecimento e da pessoa”. (WALLON, 1995, pp. 131 e 135) O ambiente físico, o movimento, as emoções e a afetividade são elementos de um mesmo universo, para Wallon. Dessa forma, os brinquedos e todas as atividades pedagógicas devem fazer parte do universo escolar de maneira bastante diversificada, porque assim respeita as fases de desenvolvimento da constituição da pessoa-aluno. No espaço da sala de aula, os assuntos não devem ser trabalhados apenas para construir conceitos de determinada área do conhecimento, mas, especialmente, devem ser trabalhados no sentido de auxiliar a criança a se descobrir no outro, com a ajuda do outro. A relação dialética ajuda a criança a se desenvolver em harmonia com o meio. Na teoria de Wallon, as emoções têm dependência direta com o meio. Deve haver, portanto, uma maior organização dos ambientes a fim de que os alunos se manifestem da melhor forma possível. 8 ISSN: 1981 - 3031 Fica manifesto, assim sendo, que o movimento possui caráter essencialmente pedagógico, na teoria walloniana, não só pela propriedade do gesto, como também por sua representação. A disposição do ambiente de sala de aula dentro dos espaços de educação deve ser bem diversificada, para que as crianças tenham condições de se movimentar mais, numa atitude de total oposição aos moldes da instrução clássica a que são submetidas, quando têm de ficar sempre em movimento (co)ordenado pelos professores, mesmo quando as atividades propostas dão condições de efetivar movimentos distintos do comum. Na teoria de Wallon, o movimento deve ter prioridade nas horas de planejamento e execução das atividades destinadas às crianças. A escola, para Wallon, infelizmente, insiste em imobilizar a criança dentro da sala de aula, sentada o tempo quase todo, sob pena de ser “punida”. A sala de aula deve ser adaptada para que as crianças possam de movimentar mais. Para, assim, a criança se desenvolver sem a limitação imposta pelo ambiente em que passa boa parte do tempo. Outro aspecto que deve ser observado dentro da sala de aula, assim como a disposição dos objetos dentro dos espaços, é o que tem dentro dela. Faz-se imperativo fazer uma avaliação dos brinquedos e dos materiais destinados aos alunos na sala de aula. Para que os objetos presentes dentro da sala de aula obtenham o seu fim real, é preciso escolhê-los coerentemente com a proposta de atividade pedagógica ou de recreação a ser executada. Se isso não for feito, dificilmente ajudarão no desenvolvimento do aluno enquanto pessoa. Para Wallon, o tipo de material que é disponibilizado para os alunos na sala de aula numa atividade pedagógica ou recreativa é de fundamental importância, para que eles possam se desenvolver. O ambiente da sala de aula e todo o material que a compõe devem contribuir a fim de que o aluno-pessoa possa se desenvolver, ampliando sempre as condições do pensamento e das emoções. As crianças se desenvolvem, segundo Wallon, quando lhes são dadas as devidas condições para fazer as diferenciações da realidade exterior. O pensamento das crianças, inicialmente, é unidimensional e se embaralha. Isso gera um grande tumulto entre o seu interior e o real. 9 ISSN: 1981 - 3031 As fantasias e os sonhos se entrelaçam e se diferenciam do mundo cheio de simbologias, de valores sociais e culturais e de muitos códigos, no intuito de, naturalmente, desenvolver as potencialidades da criança em todas as esferas da sua constituição enquanto pessoa. Essa oposição entre dois mundos é sempre vantajosa para as crianças, pois no momento em que trabalham tal dualidade conseguem cada vez mais se construir como indivíduo. Wallon afirma que a mistura de ideias num mesmo plano contribuem para que a criança se afirme como pessoa. Por meio do pensamento sincrético, ela vai descobrindo o universo de coisas e seres que a circunda. A constituição do eu, na teoria walloniana, está intrinsecamente associada ao outro. Sem a presença do outro, para ser referencial ou negação, não há desenvolvimento, especialmente, a partir do momento em que a criança vive a chamada crise de oposição, em que a negação do outro trabalha como uma condição de descoberta de si mesma. Quando as crianças usam de artimanhas para atingir alguma finalidade com seus pais e professores, isso deve ser entendido, na teoria de Wallon, como processo natural no cotidiano dela. No geral, isso deve estar bem definido na família e na escola, para que não sofram problemas em seu desenvolvimento. A manipulação, a sedução e a imitação do outro são particularidades bem comuns nessa fase. A família e a escola devem compreender que os sentimentos, sejam eles de sofrimento ou de alegria, são constitutivos de sua personalidade, do seu eu. Diante disso, fica clara a distinção entre a teoria de Wallon e os moldes clássicos da educação tradicional. A teoria de Wallon ainda sofre muita resistência para ser posta em prática nas escolas brasileiras. Trazê-la para dentro das instituições de ensino, na íntegra, é romper com paradigmas seculares e já cristalizados em nossas instituições de ensino. Por isso, essa teoria ainda é um enorme desafio para pais, professores, enfim, para a sociedade em geral. As metodologias da escola tradicional são criticadas, na obra de wallon, pelo fato de não levarem em consideração as distintas fases de desenvolvimento da criança. Na escola, ao se levar em conta cada fase do desenvolvimento da criança, a valorização das emoções toma uma proporção nunca vista. Isso se faz necessário numa época de tantos problemas sociais como a que 10 ISSN: 1981 - 3031 estamos vivendo hoje. A educação humanizada e humanizadora se faz presente na teoria de Wallon, para dar respostas aos muitos silêncios ainda existentes na forma como os alunos são formados. A teoria de Wallon traz de fato inúmeras implicações educacionais para a prática pedagógica. Sua psicologia genética gera muitas reflexões acerca da forma como se trabalha com a criança dentro dos espaços de educação nas mais diversas escolas brasileiras. Pensar a criança, a partir da teoria de Wallon, é assumir uma postura contrária a que hoje se faz presente nas instituições de ensino de uma forma geral. Ver a pessoa na sua integralidade, dependente das relações dialógicas para poder se desenvolver, traz mudanças significativas para o campo da educação. Nesse sentido, a teoria walloniana traz aportes para que a reflexão pedagógica aconteça, sempre levando em consideração temáticas a respeito do movimento, da linguagem, da formação da personalidade, do pensamento e de tantas outras de igual relevância. A perspectiva da teoria de Wallon, ao contrário do que apregoa a perspectiva da educação tradicional ao dar grande relevância ao individualismo, reforçando sempre a separação entre o indivíduo e o meio social, põe em destaque as extensões sociais da educação. Wallon determina que a pessoa se constitui no intercâmbio e na relação com o outro. Para ele, portanto, o social e o individual devem estar de forma obrigatória integralizados, sobretudo nos espaços de educação formal. Os desejos, as vontades e os interesses das crianças devem sempre ser sempre prioridades, a fim de que o ensino se aproxime o máximo possível do universo particular delas, tornando-se, dessa forma, um verdadeiro aliado para o seu desenvolvimento. Hoje, mais do que nunca, uma educação pautada nas necessidades da criança se faz necessária. A escola tradicional, ainda autoritária na sua forma de tratá-la, ignora, por vezes, a dimensão social da educação, ao reforçar o individualismo, numa época de grandes crises. A educação precisa deixar de lado seu papel político para dar lugar à sua dimensão social na educação das crianças. Com isso, a formação do aluno, na escola, dar-se-á de maneira completa, porque respeita a pessoa nas suas mais distintas fases do desenvolvimento. No 11 ISSN: 1981 - 3031 ambiente escolar, deve-se sempre dar prioridade a reflexões acerca do papel social da educação em detrimento de discussões sobre o melhor método a ser usado ou quais metodologias são mais pertinentes para se ensinar nas distintas áreas do conhecimento. Wallon, em seus estudos sobre o desenvolvimento cognitivo da criança, descobriu que este se dá de forma incontínua, sublinhado por contradições e conflitos, consequência do amadurecimento e das condições ambientais, gerando alterações qualitativas no seu comportamento geral. Assim, a escola deve estar preparada para atender essas demandas das crianças. É essencial destacar o quanto as estruturas dos espaços educacionais não favorecem os movimentos infantis e o quanto o não entendimento dos estágios pelos quais as crianças passam em seu desenvolvimento dificulta a resolução das situações de conflitos dentro do espaço escolar, impedindo ou retardando muitas vezes o desenvolvimento delas. O não respeito às fases de desenvolvimento pelas quais as crianças passam provoca grandes conflitos dentro da escola. No geral, as crianças dentro do ambiente escolar são muito limitadas para fazer suas atividades. Há, não só uma cobrança a respeito da uniformidade de comportamento e postura, como também um controle e exigência constante do professor sobre as crianças. Conflitos de toda ordem acontecem, muitas vezes até se transformam em violência. Para Wallon, o movimento assume a importância que o tem, considerando-se um dos cinco campos funcionais destacados por ele em sua teoria. Hoje existem vários casos de violência contra professores e contra alunos, pois violência vai gerando mais violência. Simbólica ou não, o sujeito sempre terá uma resposta a ela. Há, portanto, uma necessidade de os professores entenderem os sujeitos, suas fases de desenvolvimento e entender, sobretudo, a necessidade e a importância dos conflitos, para assim, não transformar as situações que envolvem conflitos em situações de violência. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 12 ISSN: 1981 - 3031 A teoria do desenvolvimento de Wallon visa à socialização da criança e ao seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor. A escola deve levar em consideração a presença das funções afetivas, motoras e cognitivas, para que possa desenvolver seu trabalho da melhor forma possível. Reconhecer os estágios de desenvolvimento da criança se faz imprescindível, para lidar melhor com a pessoaaluno em sala de aula. Na perspectiva walloniana, a educação e, particularmente, a escola, possuem grande relevância para a formação da criança. Para Wallon, a teoria tem como objetivo construir uma educação mais equitativa para uma sociedade mais equitativa, tendo como base a solidariedade. Wallon, psicólogo da criança, da emoção, do desenvolvimento e educador, oferece opiniões e princípios preciosos para a reflexão sobre a educação dos dias atuais. O teórico desperta a esperança de construção de uma sociedade que pode ir além do mundo perturbado em que vivemos. A teoria de Wallon nos remete a pensar o quão importante é conhecer o processo de desenvolvimento da criança, para melhor trabalhar com ela no espaço escolar. O ponto que importa discutir não é esperar da escola só acertos, ou uma completa adequação às possibilidades das crianças, mas de que forma a escola pode lidar melhor com a construção da criança enquanto pessoa. Há sempre uma margem para a surpresa, para os imprevistos, para o desencaixe. Ela é inerente à diferença que distingue o adulto da criança. Esta margem entre dois lugares irredutivelmente distintos configura um conflito, já que cabe ao adulto a introdução da criança na cultura. O conflito que é necessário, sob pena de a criança ficar condenada à infância eterna e de ser deixada sem parâmetros em relação aos quais possa se diferenciar, se constituir como um sujeito, é fator fundamental para o seu desenvolvimento. Contudo, se esta margem for demasiado grande e levar o adulto a uma posição de não enxergar a criança em sua alteridade, não conhecê-la como outro, sua insistência em conformá-la ao mundo adulto pode significar violência. Faz-se imprescindível conhecer as necessidades motoras, afetivas, sociais e cognitivas para garantir uma qualidade nas práticas pedagógicas, destacando também que é 13 ISSN: 1981 - 3031 importantíssimo organizar e reorganizar o tempo e o espaço para as atividades na educação infantil. O conhecimento das funções, características e dinâmica das emoções pode ser muito útil para a atuação do professor, tanto no sentido de conseguir um melhor envolvimento dos alunos e com eles mesmos, como no de evitar cair em circuitos perversos em que pode perder o controle da dinâmica do grupo e da sua própria atuação. A simples disposição para esta reflexão e para eventuais ajustes nas ações educacionais representam, por si, fator fundamental para uma prática pedagógica de qualidade. A compreensão dos tipos mais primitivos de interação e do impacto da emoção e da expressividade é um ingrediente importante para a gestão dos conflitos e consequente obtenção de um bom clima de sociabilidade. Para Galvão (2004), há diversos fatores que geram condições de conflitos entre professores e alunos dentro da sala de aula. Segundo a autora, conhecer os estágios de desenvolvimento de Wallon transformaria o cenário que tempos hoje na maioria das instituições que trabalham com crianças em nosso país. Isso nos daria, segunda a autora, possibilidades de lidar melhor com as agitações motoras, com a dispersão, com as crises emocionais, com os desentendimentos e com a famigerada “indisciplina”. Galvão (2004) nos assevera que quanto maior for a lucidez que o professor tiver dos fatores que geram os problemas no ambiente escolarizado, maiores possibilidades terá para conter a manifestação de reações emocionais, e em consequência encontrará caminhos para solucioná-los. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educacão Nacional, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDBEN). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm> Acesso em: 22 jul 2014. GALVÃO, I. Cenas do cotidiano escolar: conflito sim, violência não. Petrópolis: Vozes, 2004. 14 ISSN: 1981 - 3031 WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007. WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1995. ________ . Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975 15
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