BRASIL - Rede Mobilizadores

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15/06/2016
“A Internet chegou para provar que somos um dos países mais racistas do mundo” | Brasil | EL PAÍS Brasil
BRASIL
RACISMO ›
“A Internet chegou para provar que somos um dos
países mais racistas do mundo”
Paulo Rogério Nunes estuda o racismo nas redes sociais e
defende que o discurso do ódio é a base da "abissal desigualdade"
no Brasil
MARÍA MARTÍN
Rio de Janeiro - 15 JUN 2016 - 13:19 BRT
Paulo Rogério Nunes estuda o racismo nas redes. /GEILSON SOUZA
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MAIS INFORMAÇÕES
“Por que o senhor
atirou em mim?”: a
voz dos jovens
inocentes mortos
pela PM
Ódio na Rede
Nascido em uma comunidade pobre de Salvador, Paulo
Rogério Nunes começou a entender bem cedo o que
significava ser afro-descendente no Brasil ao olhar para
as zonas nobres da cidade mais negra do país e ver
apenas brancos. Já na universidade percebeu que a
discussão sobre a diversidade e a exclusão apenas
existiam e resolveu dedicar sua carreira profissional a dar
Eliane Brum: A
boçalidade do mal
visibilidade aos problemas raciais. Hoje, filiado ao
Procuradoria recebe
85 denúncias por
ataques virtuais a
nordestinos
Harvard, pesquisa sobre a inclusão no meio digital e
Berkman Center for Internet and Society da Universidade
coordena um projeto que mapeia iniciativas de jovens que
estão produzindo inovação e tecnologias para o combate ao
racismo na rede, de aplicativos à vlogs. A SaferNet,
instituição que recebe queixas de violações de direitos na Internet, recebeu
em nove anos mais de 469.000 denúncias de casos de racismo. Somente
em 2015 foram 55.000 denúncias no país.
Pergunta. O Brasil se odeia mais nas redes sociais do que na rua?
Resposta. As redes sociais são um reflexo do mundo off-line. Todo o
discurso de ódio e as violações de direitos humanos que acontecem nas
redes digitais são originárias das assimetrias sociais e da legitimação da
desigualdade que é algo naturalizado na sociedade. O racismo, por exemplo,
é um sistema de opressão institucionalizado no Brasil. Podemos identificar
isso nas relações interpessoais, na forma como o Estado trata os cidadãos
afro-brasileiros e, sobretudo, na economia. Quando alguém usa a Internet
para cometer um ato de racismo, ela apenas sente-se mais confortável ao
usar o anonimato e por ter o sentimento de impunidade, já que há muitos
casos diariamente que não são resolvidos. Não há como separar o racismo
cometido nas redes digitais do sistema de opressão racial que existe no
Brasil fora do mundo virtual. Não é à toa que vivemos num ambiente de
extrema violência onde milhares de jovens, em sua maioria negros, são
assassinados todos os anos. Nas redes digitais, as consequências do
racismo são, em geral, de caráter psicológico. Já nas ruas as consequências
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são físicas e não raramente geram morte, sejam cometidas por grupos
extremistas ou pelo braço armado do Estado.
P. Vários estudos indicam um aumento de discursos de ódio canalizados
através das redes sociais. Quais seriam as causas?
R. É verdade que há uma sensação de que existe um aumento do ódio na
Internet. De fato, o número de denúncias e reportagens sobre esse assunto
só cresce. Mas se analisarmos friamente, vamos perceber que, na verdade,
as redes sociais aumentaram o poder de comunicação dos cidadãos,
amplificando discursos, por isso achamos que há mais violações, mas, de
fato, elas sempre estiveram presentes em nossa sociedade, pois o discurso
do ódio é a base da nossa abissal desigualdade. Mas, sem dúvida, esses
discursos vêm tomando uma grande proporção nos últimos tempos.
Funciona assim: se antes uma pessoa racista fazia um comentário em seu
círculo social, isso ficava ali, até que alguém eventualmente o denunciasse.
Hoje, esses mesmos comentários são feitos de maneira aberta e muitos
deles tornam-se virais. Ou seja, o que era um comentário restrito a um
número pequeno de pessoas passa a ser algo que viola e ofende toda uma
coletividade. Por outro lado, a visibilidade desses casos é muito boa, pois por
muito tempo o movimento negro denunciou sozinho o mito da "democracia
racial", no qual muitos acreditavam que o racismo no Brasil era menor do que
em outros países. A Internet chegou para provar que somos um dos países
mais racistas do mundo, tanto se olharmos os números de denúncias, como
no racismo institucionalizado das polícias, no serviço médico, na mídia, no
mundo corporativo...
P. A crise política tem favorecido um aumento dessa hostilidade?
R. Os momentos de crise política sempre elevam as tensões sociais e
acirram o radicalismo. Não há dúvida que isso tem influenciado o aumento
dos casos de racismo nas redes sociais. Apesar da questão político-partidária
não ser o foco de nossa pesquisa, percebemos isso ao vermos alguns
números recentes. Casos de xenofobia, racismo e intolerância religiosa, que
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já são bastante elevados no Brasil, terminam sendo ampliados em um
contexto onde há uma crise de representatividade, de liderança e aumento de
uma retórica nociva e polarizada. As tensões históricas e a extrema
desigualdade brasileira são elementos fundamentais para compreender o
momento atual.
P. Que papel jogam nas redes sociais, nesse sentido, personagens que, como
Bolsonaro, têm milhões de seguidores e promovem discursos ultraconservadores e ofensivos contra quem não pensa como ele?
R. Assim como no Brasil, o mundo vem passando por um momento bastante
difícil em relação ao aumento da narrativa do ódio. Em vários países, grupos
extremistas de vários matizes ideológicos estão usando as redes para
imporem suas ideias e eliminarem a possibilidade do diálogo, que é algo
fundamental para a democracia. As pessoas que vocalizam o discurso de
ódio são apenas a ponta do iceberg, infelizmente, pois representam um
pensamento que pouco contribui para o desenvolvimento do nosso país.
Precisamos ter instituições públicas sólidas para controlarem os excessos
dentro do contexto de liberdade de expressão. Esse talvez seja mais um dos
desafios que a Internet precisa superar e isso é urgente. A retórica do
extremismo não é saudável e pode nos levar a um lugar muito perigoso.
Precisamos usar o potencial da Internet para dar voz a nossa criatividade, à
construção de novas formas de superar os problemas sociais e garantir um
futuro melhor para as próximas gerações. Esse foi o propósito inicial dos
entusiastas que sonharam com uma sociedade em rede.
P. Em casos famosos como os ataques racistas contra a atriz Thais Araújo,
temos visto depois que alguns dos agressores também eram negros. Como
se explica isso?
R. O racismo brasileiro está tão internalizado que, por vezes, até os
oprimidos se comportam como opressores. Realmente é difícil explicar como
isso pode acontecer, mas há de se observar com cuidado como essas
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pessoas, na verdade, reproduzem o discurso racista. A escola, por exemplo,
infelizmente tem sido um dos primeiros vetores onde fomentam-se ou
toleram-se as práticas racistas ou a negação da história e contribuição
africana para o mundo. Só recentemente, em 2003, que surgiu uma lei para
que os estudantes tenham acesso a informações cruciais para o combate de
ideias racistas, como o fato de que foram os africanos os primeiros a
dominarem a matemática, astronomia, engenharia etc. A auto-agressão vem
de uma negação profunda de sua própria identidade. O líder pan-africano
Marcus Garvey disse certa vez que "um povo que não conhece sua história é
como uma árvore sem raiz". É preciso fortalecer as contra-narrativas ao
discurso de ódio, apresentando fatos históricos importantes, além da
valorização estética e cultural dos afro-brasileiros, e em especial das
mulheres negras que são o alvo principal dessas agressões. Não podemos
perpetuar a ideia de que a cultura negra começou há 500 anos com a
escravidão. Isso é muito limitador, parcial e abre caminho para aberrações
como essas.
P. Quais são as características específicas do Brasil, diante de outros países,
nesse fenômeno?
R. Quando eu e minha colega, a antropóloga Niousha Roshani, conversamos
com os diretores do Berkman Center lá da Universidade Harvard para
incluirmos o Brasil nessa pesquisa, apresentamos a eles dois pontos
importantes: o primeiro é que os brasileiros realmente são hiperconectados e
são os que mais passam tempo on-line. Além disso, mostramos para eles
que somos o país com o maior número de descendentes de africanos fora da
África; e por fim, que há aqui um movimento forte de jovens produzindo
comunicação nas redes para combater o racismo com muitas páginas,
portais, sites, games, aplicativos e várias tecnologias.
Se compararmos com os outros países que estão sendo analisados, é claro
que há semelhanças também. Os afroamericanos são bastante conectados e
há uma tradição de imprensa negra que fez uma excelente migração para o
on-line, além de movimentos que surgiram nas redes como o Black Lives
Matter. A diferença é que apesar de tanta visibilidade eles são apenas 13% da
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população dos EUA, já aqui somos mais da metade dos brasileiros. Por fim,
no caso da Colômbia, há uma característica em comum com o Brasil, que é o
tipo de racismo ibérico, onde não houve uma segregação no âmbito legal,
mas que empurrou a população afro-colombiana para a base da pirâmide
social. A diferença é que aparentemente há muito mais movimentos que
contestam o racismo aqui no Brasil do que lá.
P. Quais são os instrumentos legais que um internauta anônimo tem para se
defender dos ataques? Há outras vias, além dos tribunais, para combater o
ódio virtual?
R. Existem as vias tradicionais do Judiciário que precisam ter sua eficácia
discutida e também há plataformas que recebem denúncias como a SaferNet
e Humaniza Redes. Além disso, há várias redes de solidariedade e que
produzem uma contra-narrativa e apoio às vítimas de racismo e demais
violações de direitos humanos na Internet. Estamos começando a estudar
esses grupos para entender melhor como eles atuam. No evento que fizemos
no Rio de Janeiro, no final do mês de abril, conseguimos apresentar alguns
deles como o aplicativo Kilombu, que dá visibilidade a empreendedores
negros; o grupo Desabafo Social, que criou a Ubuntu, uma rede social livre.
Há ainda grupos de makers e hackers em favelas, vlogueiras negras com
canais de vídeos, além de aplicativos para mapear a violência policial e outros
para denunciar problemas nas cidades. Ou seja, tudo isso entra nesse grande
movimento de empoderamento dos cidadãos para não ficarem passivos em
relação ao racismo estrutural da sociedade brasileira.Todos precisam ser coresponsáveis em promover de diversidade.
P. Haveria como diminuir a grande proteção que é o anonimato para diminuir
atitudes hostis?
R. A neutralidade da rede e o anonimato devem ser preservados, pois
garantem outros direitos. A questão não é mudar a essência da rede, mas
garantir que as pessoas sejam responsabilizadas por seus atos de maneira
rápida e justa. Deve-se estimular uma maior participação cidadã nas redes,
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uma revisão dos procedimentos no caso de crimes digitais e o fortalecimento
das instituições que combatem o racismo. A Internet nasceu livre, aberta,
democrática e descentralizada. E assim deve permanecer.
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