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Journal of the Adventist Theological Society, 20:1-2 (2009):55-66.
Article copyright © 2009 by Ferdinand O. Regalado
Tradução: Eleazar Domini Silva.
Revisão da Tradução: Darcy Propodolski Pinto.
Revisão de Língua Portuguesa: Everton Cardoso.
Progressões no Livro de Daniel
Ferdinand O. Regalado
Universidade de Montemorelos
Estudiosos da Bíblia têm notado algumas progressões
características do livro de Daniel. Alguns dos exemplos são: “progressão
cronológica” nos capítulos 1-6 e capítulos 7-12,1 “progressão em
simbolismo” em Dn 8,2 e “quebra de sequência numérica (ou progressão)”
em Dn 7:25.3
Os exemplos mencionados acima sugerem que existe uma aparente
técnica literária que poderia ser chamada “progressão” no livro de Daniel.4
1
John J. Collins, Daniel with introduction to Apocalyptic Literature (Forms of the Old
Testament Literature, vol. 20; ed. Rolf Knierim and Gene Tucker; Grand Rapids: Eerdmans, 1984), 32.
Embora haja tais progressões “em ambos os contos e visões,” ele enfatiza que “a relação entre as
unidades não é simplesmente sequencial.” Ibid.
2
William H. Shea, “Spatial Dimentions in the Vision of Daniel 8,” in Symposium on Daniel:
Introductory and Exegetical studies, ed. Frank B. Holbrook, Daniel and Revelation Committee Series,
vol. 2 (Washington, DC: Biblical Research Institute, 1986), 525-526. O autor ressaltou que não somente
houve progressão da “maior importância dos atores sucessivos” neste capítulo, tal como do carneiro da
Pérsia para o bode da Grécia, para o maior e mais forte chifre pequeno, mas também a
“progressão do comparativo para o superlativo” da linguagem usada (i.e., o verbo gāḏal, “tornou-se
grande”) na visão do capítulo 8. Ibid.
3
Zdravsko Stefanovic, “The Presence of the Three and Fraction: A Literary Figure im the
Book of Daniel,” in To Understand Scriptures: Essays in Honor of William H. Shea, ed. David Merling
(Berrien Springs, MI: Institute of Archaeology, Siegfried H. Horn Archaeological Museum, Andrews
University, 1997), 201. Stefanovic observa, “A carreira do chifre é expressa pela ordem progressiva de
um, dois, e uma continuação natural para alcançar o clímax normalmente seria três tempos. Contudo,
justo antes da progressão alcançar seu auge no número três, o poder do chifre é quebrado para plg „uma
divisão‟ ou „uma fração‟ (entendida como uma metade) da unidade de tempo.” Itálicos do próprio autor.
4
Alguns autores reconhecem este recurso estilístico em alguns outros livros da Bíblia, por
exemplo, Anthony R. Ceresko, Job 29-31 in the Light of Northwest Semitc: A Translation and
Philological Commentary, Biblica et Orientalia 36 (Rome: Biblical Institute Press, 1980), 205, onde o
autor reconheceu uma “progressão linear” em Jó 29-31. Dov Peretz Elkins, The Bible’s Top Fifty Ideas:
The Essential Concepts Everyone Should Know (New York: Specialist Press nternational, 2005), 109,
1
Este recurso estilístico foi apelativamente demonstrado por um estudo
pioneiro de Yairah Amit.5 Foi ela quem propôs o termo “progressão” e o
definiu como “técnica gradualista”6 em um dado texto “onde os elementos
são arranjados em ordem ascendente ou descendente: do geral para o
específico, ou vice versa; do menor para o maior, ou o contrário; do
esperado para o inesperado; do impessoal para o pessoal, e assim por
diante.”7 Ela observa que este fenômeno literário, embora mencionado em
alguns estudos, ainda ou é “tido como certo” ou não, sendo “discutido mais
adiante.”8 Assim, Amit declara que “deveríamos incluir a progressão no
repertório dos recursos estilísticos que os autores da literatura bíblica
usaram.”9 Não obstante, o estudo de progressões ainda não tem sido
realizado exaustivamente no livro de Daniel.10 Há escassas descrições de
progressão como mencionado acima, mas ainda nenhuma investigação
intensiva de progressão foi feita em todo o livro.
Então, o presente artigo busca este elemento de progressão no livro
de Daniel. Os diferentes tipos de progressão que são encontrados no livro
também serão esclarecidos e ilustrados neste estudo, sendo demonstrando
em seguida as aparições deste determinado artifício literário, e descrevendo
nota que, “o Talmud explica que mesmo no caso de outras leis, quando houve uma progressão das
instruções de Deus, primeiro a Moises, logo aos sacerdotes, e depois para todo o povo, este comando
supremo da santidade é em seguida dado a este último, encurtando a sequência normal para uma etapa
de modo que todos a escutariam simultaneamente.” U. Cassuto, A Commentary on the Book of Genesis:
Part II from Noah to Abrahan Genesis VI 9-XI 32 (Jerusalem: The Magness Press, The Hebrew
University, 1964), observa que em Gn 12:1, a progressão é evidente, da tua terra, da tua parentela e da
casa de teu pai. Kenneth E. Bailey, Poet & Peasant and Through Peasant Eyes: A Literary-Cultural
Approach to the Parables of Luke (Combined edition, two volumes in one; Grand Rapids: Eerdmans,
1983, 23, notou a “progressão” em Lucas 9:57-62.
5
Yairah Amit, “Progression as Rhetorical Device in Biblical Literature,” Journal for the
Study of the Old Testament 28/1 (2003):3-32.
6
Ibid., 6.
7
Ibid., 9. Similarmente, a progressão pode ser comparada ao enredo de uma narrativa bíblica
que descreve o movimento progressivo de uma ação para a outra em certa história. Vide, Leland Ryken,
The Literature of the Bible (Grand Rapids: Zondervan, 1974), 27, quem observou que “o enredo deve
ter progressão bem como conflito. Um elemento de progressão na história bíblica é o desdobramento do
propósito de Deus através da história.”
8
Amit, 4.
9
Ibid.
10
Alison Lo, “Device of Progression in the Prologue of Job,” Biblische Notizen 130
(2006):31-43, inspirado pelo estudo de Amit sobre progressão, demostra a mesma técnica retórica nas
partes introdutórias do livro de Jó.
2
ainda seu papel em cada capítulo do livro. As implicações gerais desta
progressão em Daniel são dadas na conclusão deste estudo.
Seção narrativa de Daniel
Dan 1
Neste capítulo é possível ver a progressão da posição de Daniel de
mero cativo, para estudante, e finalmente um oficial real. Juntamente com
outros jovens hebreus cativos, ele (Daniel) foi escolhido (1:6) para ser
treinado nas habilidades reais. Nota-se, ao final de seu treinamento, que a
posição de Daniel e dos três jovens hebreus foi elevada no sentido de que o
rei descobriu que estes eram dez vezes melhores do que todos os sábios do
seu reino.
Ademais, a menção dos três nomes de reis, tais como Jeoaquim e
Nabucodonosor no início do capítulo, e o nome de Ciro no fim do mesmo
indica um movimento progressivo do período a partir do qual Daniel viveu.
Tal informação situa a vida de Daniel no tempo de Jeoaquim, de
Nabucodonosor até o tempo de Ciro – desde o reino de Judá para a
Babilônia e o reino Persa.
Ambas as progressões descritas acima se movem em uma
determinada direção – um fim definitivo. O fim do cativeiro e do reinado
da Babilônia são as direções dessas progressões. A derrota dos babilônios
em seu próprio território, quando os cativos foram achados dez vezes mais
sábios que estes, é um destaque (Dn 1:20).11 Similarmente, salienta a queda
de Babilônia quando Daniel “permaneceu ali até o primeiro ano do rei
Ciro”(Dn 1:21),12 a saber, o profeta “viveu para ver a queda de Babilônia”.
13
Isto define o livro de Daniel em um movimento progressivo de um reino
para outro que afetará positivamente a infeliz condição dos exilados na
Babilônia.
11
Zdravko Stefanovic, Daniel: Wisdom to the Wise: Commentary on the Book of Daniel
(Nampa, Iaho: Pacific Press, 2007), 73.
12
Todas as referências escriturísticas citadas aqui são da Nova Versão Internacional, a
menos que indicado de outra forma.
13
Robert A. Anderson, Sings and Wonders: A Commentary on the Book of Daniel
(International Theological Commentary; Grand Rapids: Eerdmans, 1984), 8.
3
Dan 2
Desde o início deste capítulo, é perceptível a preocupação de
Nabucodonosor por causa do conteúdo perturbador do sonho. Para saber a
importância real do mesmo ele convocou todos os seus sábios, não somente
para o interpretarem, mas para divulgarem o próprio sonho.14 No processo
das negociações entre os sábios e o rei, é possível ver a progressão das
ordens de Nabucodonosor. Desta forma torna-se possível diagramar
esquematicamente progressão de tais ordens da seguinte maneira:
(A) Para saber o sonho está perturbado o meu espírito (v.3)
(B) Declarai-me o sonho e a sua interpretação (v.6)
(C) Dizei-me o sonho, para que eu entenda que me
podeis dar a sua interpretação (v.9)
Nota-se que a exigência para que o sonho seja relatado avança com
base neste diagrama. Esta progressão de exigências foi intensificada
quando o rei finalmente pronuncia um decreto de morte. A demora dos
sábios, através de repetidos apelos, apressou e intensificou a declaração de
tal sentença. Um decreto severo como este pode parecer razoável do ponto
de vista do rei, visto que este pensava que os sábios “tivessem conspirado
para dizer-lhe palavras mentirosas e perversas,” esperando que a situação
mudasse (v.9). Não somente o rei acusava seus sábios de conspiração, mas
também os acusava de fazer manobras dilatórias.15
A progressão das ordens de Nabucodonosor finda no
pronunciamento da sentença, isto é, no decreto de morte. Foi ordenado que
todos os sábios fossem sumariamente executados (Dn 2:12, 13).
A interpretação de Daniel para o sonho do rei, mostrando a
sequência dos diferentes reinos-metais e o simbolismo usado para retratar
tal sucessão é notável. Percebe-se a progressão ou incremento de resistência
dos elementos mencionados no texto – do ouro ao ferro. Embora estes
elementos possam ser vistos como uma indicação da deterioração de um
reino mundial para outro (do metal mais precioso para o menos precioso), é
14
Para saber se Nabucodonosor esqueceu seu sonho ou não, baseado no estudo contextual e
linguístico, vide, Ferdinand O. Regalado, “The Meaning of adza em Daniel 2:5, 8 e Suas Implicações
para o Sonho de Nabucodonosor,” DavarLogos 4/1 (2005): 17-37.
15
Gleason L. Archer, Jr,. “Daniel,” The Expositor’s Bible Commentary, ed. Frank E.
Gaebelein (Grand Rapids: Zondervan, 1985), 7:41.
4
plenamente possível vê-los desde outra perspectiva. Isto poderia ser visto
como uma progressão da resistência dos diferentes metais envolvidos, de
um metal bem frágil, o ouro, até um metal mais duro, o ferro.16
Tem-se esta indicação na palavra aramaica @yQiT' (“força,” 2:40)
atribuído ao reino de ferro. Entretanto, ambas as perspectivas podem ser
aceitáveis para ambas as visões expressando movimento ou fluxo, que é
também uma das características de progressão. Shea argumenta que “os
metais da estátua em [Daniel] capítulo 2 são listados em ordem de valor
descendente, mas crescente em força. Assim, o ouro da cabeça representa a
riqueza do primeiro reino enquanto o ferro das pernas representa a força e
poder do quarto reino.”17
Dan 3
Existem várias progressões conceituais neste capítulo.
Primeiramente, a progressão da maneira que a fornalha foi aquecida.
Consequentemente, foi ordenado aquecê-la “sete vezes mais que o normal”
(3:19). Em segundo lugar, há também uma progressão do número de
pessoas dentro da fornalha ardente – de três indivíduos para quatro. Em
terceiro lugar, existe uma progressão do decreto do rei Nabucodonosor;
começando com o decreto para adorar a imagem de ouro que ele havia
levantado numa localidade em Babilônia até o decreto para adorar o Deus
de Sadraque, Mesaque e Abednego em toda a província da Babilônia. Em
quarto lugar, existe uma progressão no status dos três hebreus.
Mais cedo em suas vidas, os três dignos hebreus “estavam na
província da Babilônia, agora eles prosperam na província da Babilônia.”18
Estes jovens hebreus “saíram da provação enriquecidos.”19 De fato, estes
três hebreus foram movidos de uma situação de vida para outra, isto é, de
serem lançados (v.20) dentro de uma fornalha em chamas para serem
promovidos (v. 30) na província da Babilônia. O movimento é muito claro
16
Joyce G. Baldwin, Daniel: Na Introduction and Commentary, Tyndale Old Testament
Commentaries, vol. 21 (Leicester, England: Inter-Varsity, 1978), 93, nota que a “firmeza deste reino,
representado pelo ferro, é enfatizada, sugerindo uma política imposta”.
17
William H. Shea, “The unity of Daniel,” in Symposium on Daniel: Introductory and
Exegetical Studies, ed. Frank B. Holbrook, Daniel and Revelation Committee Series, Vol. 2
(Washington, DC: Biblical Research Institute, General Conference of the Seventy-day Adventists,
1986), 174.
18
Jacques B. Doukhan, Secrets of Daniel: Wisdom and Dream of a Jewish Prince in Exile
(Hagerstown, MD: Review & Herald, 2000), 57. Itálicos do autor.
19
Ibid.
5
– de um status de vida descendente para um ascendente. Este tipo de
progressão se finda neste capítulo em um tom positivo.
Dan 4
Neste capítulo, a progressão poderia ser vista no contínuo
crescimento da árvore com a qual Nabucodonosor havia sonhado, árvore
esta que continuou crescendo e tornou-se forte. Isto é indicado pelas
palavras usadas: “para crescer grande e forte” (@qit.W hb'r>). De acordo com
o texto, “crescia esta árvore, e se fazia forte, de maneira que sua altura
chegava até ao céu; e era vista até os confins da terra” (4:11). Mas enquanto
ela, logicamente, esperava crescer mais, de repente a um vigia, “um santo”
do céu (v.13), é ordenado cortá-la. Aqui está um exemplo que poderia
razoavelmente ser denominado “uma quebra de progressão.” A quebra de
progressão delineada neste capítulo implica o conceito de julgamento, mas
este não é um julgamento total. O “tronco com as suas raízes” (4:15) tem
que permanecer no solo. Existe um elemento de esperança para o fim de tal
progressão. Em todo caso, o movimento da quebra de progressão é
direcionado para o tema de julgamento. Tal julgamento procede do céu.
Dan 5
No início da narrativa deste capítulo, é possível perceber a
progressão do ato de Belsazar, conduzindo-o ao veredito de sua
condenação. Beber vinho no banquete não o satisfez e ele “foi além”20
usando os vasos sagrados saqueados do templo de Jerusalém “como taças
para beber álcool.”21 Por tal ato blasfemo, Belsazar trouxe sobre si mesmo a
própria ruína. A progressão de sua queda é apropriadamente sumarizada
pelas inscrições escritas na parede, ‫מְ נֵ֥א מְ נֵ֖א תְ ֵ֥קל ּופ ְַרסִֽין‬. A ideia de
progressão descrita aqui não pode ser em ordem ascendente, mas
descendente. Assim, “as quatro palavras podem ser lidas como nomes de
pesos listados numa ordem decrescente.”22 As medidas equivalentes de
força são as seguintes: “mina, shekel, metade (que poderia ser „tonelada,
20
William H. Shea, Daniel 1-7: Prophecy as History, The Abundant Life Bible Amplifier
(Boise, ID: Pacific Press, 1996), 85.
21
Ibid.
22
Stefanovic, “The Presence of the Three and a Fraction,” 200. Vide também Baldwin, 12324.
6
quintal, quarto‟).”23 Em todo caso, o fato é que existe um movimento ou
fluxo, que pode ser caracterizado como progressão, atestando a ideia que de
fato há uma progressão literária neste capítulo. O movimento da progressão
da narrativa se finda com o juízo de Deus, resultando no fim do reino da
Babilônia.
Dan 6
Neste capítulo, nota-se a progressão de dois decretos do rei Dario.
A progressão pode ser vista em termos da natureza do decreto – desde seu
decreto inicial para orar (a[B) unicamente e somente a ele por trinta dias,
até seu segundo edito “para temer e tremer” (‫ )זאֲעין ו ְָ֣דח ֲִ֔לין‬ante o Deus
vivente de Daniel.24 Outro movimento progressivo no decreto está também
evidente em termos do objeto de adoração. No primeiro decreto, tal objeto
de adoração e reverência tratava-se do próprio Dario, enquanto que no
segundo era Deus. O nível de progressão é claro: do humano como objeto
de adoração para Deus. Novamente, é perceptível que a progressão neste
capítulo é direcionada a Deus.
Seção profética de Daniel
Dan 7
Pode-se notar que há uma progressão de diferentes bestas na visão
de Daniel 7 e que esta se encontra em uma sequência alternada. Parece
haver um padrão ABB1A1 destas diferentes bestas em termos de suas
características e descrições. A primeira besta está em paralelismo com a
terceira, enquanto a segunda está com a quarta. O padrão ABB1A1 pode ser
diagramado desta maneira:
A1 Besta como um leopardo (7:6)
1. Com quatro asas de ave
A Besta como um leão (7:4)
1. Com asas de águia
(presumidamente duas)
2. As asas foram arrancadas
3. Não menciona cabeças
2. Não menciona asas arrancadas
3. Quatro cabeças
23
Baldwin, 124.
O último mandamento é para “todos os povos, nações e homens de todas as línguas que
estavam vivendo em toda a terra” (Dan 6:25, NASB).
24
7
B1 A quarta besta (7:7)
1. Dentes de ferro
2. Tem dez chifres
3. Unhas de bronze (7:17)
B Besta como um urso (7:5)
1. Tem dentes
2. Não menciona chifres
3. Não menciona unhas
A partir do esquema acima é possível observar a progressão de
elementos desde a besta semelhante ao leão em A para a besta semelhante
ao leopardo em A1. Das presumidamente duas asas da besta semelhante ao
leão para as quatro asas da besta semelhante ao leopardo; da não
mencionada cabeça na besta semelhante ao leão para as quatro cabeças na
besta semelhante ao leopardo. Uma progressão similar pode ser encontrada
nos elementos e características da besta semelhante ao urso em B para a
quarta besta em B1. A besta semelhante a um urso é mencionada tendo
dentes sem descrição, enquanto a quarta besta tem dentes de ferro. A besta
semelhante a um urso não é mencionada com chifres, enquanto a quarta
besta é mencionada com dez chifres. A besta semelhante ao urso não tem
unhas, enquanto a quarta besta tem unhas de bronze. Estes são exemplos de
progressão de elementos entre as quatro bestas mencionadas neste capítulo.
A linguagem usada para descrever a quarta besta como “terrível e
espantosa e muito poderosa” (Dn 7:7) sugere uma progressão de força em
relação às outras. A palavra aramaica @yQiT' (“força”) atribuída à quarta
besta, que é também usada em Dn 2:40, sugere tal progressão.
Em acréscimo à progressão acima, a maneira em que o chifre
pequeno é retratado parece estar em progressão: inicialmente pequeno e
tornando-se grande. Por consequência, “o chifre pequeno foi maior em
aparência que seus associados” (Dn 7:20, NASB). As características do
chifre pequeno falando orgulhosamente contra o Altíssimo, oprimindo os
santos, e mudando os tempos e a lei (Dn 7:25) indica que existe de fato
uma progressão deste chifre pequeno em ambos os níveis horizontal e
vertical.
Também parece haver progressão em relação ao período de tempo
que foi dado ao chifre pequeno para desgastar os santos do Altíssimo: ele
progrediu por “um tempo, dois tempos e metade de um tempo” (Dn 7:25).
Neste período de “esperada progressão, um, dois, o três é cortado de forma
8
arbitrária, mas decisivamente.”25 No momento em que a progressão
esperada é cortada, o reino foi dado ao povo dos santos do Altíssimo. Este
reino não dominará apenas por certo período de tempo, mas sim para
sempre.
Dan 8
As progressões de força dos diferentes animais em Dn 7 é também
encontrada neste capítulo. A força do carneiro foi superada pela força do
bode no momento em este derrotou e feriu o carneiro. A progressão de
força do bode é confirmada por sua descrição como um que “tornou-se
muito grande” ( ‫הגְדיל עַד־מְא ֹד‬, Dn 8:8). Entretanto, a progressão continua.
Depois do reinado do bode vem um chifre pequeno “que começou pequeno,
mas cresceu em poder” (Dn 8:8) e também “tornou-se muito grande” (Dn
8:9), até o ponto de atingir as hostes celestiais e “a alguns do exército, e das
estrelas, lançou por terra, e os pisou” (Dn 8:10). Mas no auge de sua
grandeza e progresso, o chifre pequeno “será destruído, mas não por um
poder humano” (Dn.8:25). A progressão deste chifre pequeno foi quebrada,
e assim pode ser chamada de “progressão conceitual quebrada”. De fato, a
progressão de termos e conceitos neste capítulo é muito aparente.
Dan 9
Existe uma progressão numérica que pode ser encontrada neste
capítulo. Os números mencionados da profecia se apresentam em uma
progressão decrescente de 70 semanas (9:24) para 62 semanas. Então o
próximo número é uma semana (9:27). A seguir o número foi quebrado no
sentido de que o número no meio da semana é repartido, isto é, a metade de
uma semana (9:27). A progressão numérica que pode ser encontrada neste
capítulo são os números 70, 62, uma semana, e metade de uma semana.
Também existe uma progressão degressiva dos dois números de 70. Neste
capítulo, 70 anos de exílio (conforme profetizado pelo profeta Jeremias) é
introduzido primeiro. Então a profecia das 70 semanas é mencionada a
seguir. Desta forma há uma progressão numérica decrescente de 70 anos
para 70 semanas.
25
Baldwin, 146.
9
Entretanto, profeticamente falando, a progressão não é na realidade
um tipo decrescente, mas um tipo de progressão ascendente. “Os setenta
anos prenunciam um período de tempo que consistirá de setenta semanas
de anos, ou 490 anos. O período de dez ciclos sabáticos é ampliado aqui
para dez ciclos jubileus.”26 “As palavras de Gabriel apontam para um novo
período decretado por Deus que seria muito mais longo que os setenta anos
do exílio.”27
Tem sido também observado que há aqui uma progressão literária
na maneira como Deus irá perdoar os pecados de Seu povo durante estes
setenta anos proféticos (9:24). “As transgressões cessarão”, ser „selada‟ e
completamente perdoadas (9:24) eram consideradas como “três declarações
que cumpriam uma progressão literária.”28
Pode-se observar também uma progressão conceitual neste capítulo
– começando a partir da ideia da desolação de Jerusalém (9:2) para a
restauração e reconstrução da mesma (9:25) – da profecia de desolação
proferida por Jeremias para a revelação de restauração proferida por
Gabriel.
Dan 10
Pode-se observar a progressão da menção de príncipes neste
capítulo. Começando do príncipe da Pérsia (10:13, 20) para o príncipe da
Grécia que virá mais tarde (10: 20). Em adição a estes príncipes terrestres,
um príncipe denominado Miguel (Dn 10: 12, 13) também é mencionado.
Miguel é descrito como “vosso príncipe” (Dn 10:21), denotando a ideia de
ser Ele “o príncipe de Israel.”29 Assim, três príncipes são introduzidos neste
capítulo: príncipe da Pérsia, príncipe da Grécia, e Miguel o Príncipe. A
menção destes três diferentes príncipes finda com o maior e melhor
príncipe – o príncipe dos príncipes. A progressão se move em direção a
Deus no sentido de que o príncipe Miguel pertence ao reino de Deus e não
ao reino terrestre.
26
Stefanovic, Daniel: Wisdom to the Wise, 359.
Ibid.
28
Ibid.
29
John j. Collins, Daniel, First Maccabess, Second Maccabees with Excursus on the
Apocalyptic Genre (Old Testament Message: A Biblical-Theological Commentary; vol 16; edited by
Carroll Stuhlmueller and martin McNamara; Wilmington, Delaware: Michael Glazier, Inc., 1981), 100.
Vide também Stefanovic, Daniel: Wisdom to the Wise, 391.
27
10
Dan 11
Neste capítulo, existe a progressão de um rei para outro rei (11:24). A progressão conceitual de diferentes reis é acentuada por seus indícios
linguísticos. Três reis da Pérsia aparecerão (11:2), mas o quarto será mais
rico que os outros ( ‫ֲשיר עֹשֶׁר־גדֹול מכ ֹל‬
ִׁ֤ ‫וְה ְִֽרביעי יַע‬, 11:2). Em seguida a
cena não finda com o quarto rei, mas continua com outro rei que é, neste
momento, descrito como um “poderoso rei” (‫ ֶׁ ָ֣מלְֶׁך ג ּ֑בֹור‬, 11:3). A
progressão é evidente, indo desde os três reis para um rei rico e finalmente
para um rei poderoso. Entretanto, a progressão é quebrada quando o
império do rei poderoso é quebrado e repartido para os quatro ventos do
céu, isto é, para os quatro pontos cardeais.
Uma quebra de progressão numérica também pode ser vista nos
quatro primeiros versos deste capítulo. Os primeiros três reis da Pérsia são
mencionados, seguidos pelo quarto rei que é mais rico e então seguido pelo
quinto poderoso rei da Grécia. No auge do poderoso reino do quinto rei,
pode-se esperar a continuação da progressão, mas esta é quebrada quando o
próximo rei depois do quinto foi quebrado e repartido em quatro partes.
Dan 12
Existem seis verbos nos primeiros quatro versos deste capítulo que
apontam uma progressão verbal. São estes os verbos levantar, libertar,
dormir, despertar, resplandecer e ir. Miguel se levantará (12:1) no tempo do
conflito descrito em Daniel 11 o que causará o livramento para aquelas
pessoas cujos nomes estão escritos no livro, então muitos dormirão e
despertarão (12:2) e finalmente muito irá aumentar o conhecimento (12:4).
Não obstante, parece convincente que três verbos principais são dominantes
nestes primeiros quatro versos sendo eles: levantar, descansar e ir. Assim a
progressão verbal de levantando, descansando e indo está baseada nestes
três verbos dominantes. Este modelo de progressão, contudo, parece estar
sendo revertido nos últimos versos de Daniel 12. O anjo diz a Daniel para
ir, descansar e então se levantar no fim (12:13).
Uma progressão numérica também é encontrada neste capítulo: de
tempo, tempos e metade de um tempo, que equivale a 1.260 dias proféticos
(12:7), para 1.290 dias (12:11), até 1335 dias (12:12). É evidente que existe
um aumento de números mencionados nestes versos. A progressão
11
numérica continua ascendente. Não foi quebrada nem dividida. Assim,
parece que o capítulo 12 de Daniel se encerra com uma progressão positiva.
Conclusão
Os diferentes tipos de progressão encontrados nos capítulos
selecionados do livro de Daniel são: conceitual, numérico, verbal e
literário. A narrativa dos capítulos 1-6 compartilha uma cosmovisão
apocalíptica similar às partes proféticas no sentido de que ambas as seções
compartilham o mesmo fim das progressões. Tais progressões ou terminam
em um tema de julgamento ou mais em direção a Deus ou ainda ao reino de
Deus.30 Seria possível dizer com segurança que a parte narrativa de Daniel
reflete o fim apocalíptico da parte profética? O presente estudo também
evidencia a ênfase escatológica do livro de Daniel.31 Tal ênfase é vista no
desenvolvimento dos diferentes reinos terrestres tendo seu clímax no reino
de Deus. Esta característica do livro de Daniel aponta a uma de suas
descrições como o livro do “fim.”32 Em outras palavras, a progressão
encontrada no livro inicia-se a partir do período do autor para o fim do
mundo.
Igualmente, as progressões encontradas em neste estudo dão um
apoio suplementar para a beleza literária do livro de Daniel. Se um leitor
atento puder notar o padrão de progressões no livro, então, poderá também
apreciar a beleza em sua literatura bem como em sua mensagem. Esta
mensagem é clara: o progresso na perspectiva bíblica não é o progresso no
que diz respeito ao ápice de sucesso dos reinos do mundo, mas sim o
progresso que termina no reino de Deus.33 Um mundo utópico imaginado
30
Tem sido notado que “a seção histórica do livro de Daniel é uma progressão do tipo passoa-passo [que] continuamente vindica Yahweh.” Zdravko Stefanovic, “Daniel: A Book of Significant
Reversals,” Adrews University Seminary Studies 30 (1992):146.
31
Vide, por exemplo, entre outros, John J. Collins, “Genre, Ideology and Social Movement
in Jewish Apocalypticism,” in Mysteries and Revelation, eds. John J. Collins and J. H. Charlesworth,
Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 9 (Sheffield: Sheffield Academic Press,
1991); idem, The Aopcalyptic Imagination, 2d ed. (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), 1-42, 85-115.
32
Vide Gerhard Pfandl, The Time of The End in the Book of Daniel, Adventist Theological
Society Dissertation Series, vol. 1 (Berrien Springs, MI: Adventist Theological Society Publications,
1992); idem, “Daniel‟s „Time of the End‟,” Journal of the Adventist Theological Society 7/1 (1996):
141-158.
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O propósito desta progressão é, provavelmente, aumentar a ênfase sobre a inauguração do
reino de Deus no período final da história do mundo, como descrito no livro de Daniel, ao mesmo
tempo em que revela “os propósitos de Deus através da história” (Ryken, 27) no livro.
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por seres humanos não é o clímax do progresso deste mundo a partir da
perspectiva de Deus. O clímax trata-se do ingresso do Reino de Deus
aqui na terra.
Ferdinand O. Regalado Ph.D (AIIAS) leciona as disciplinas de Antigo
Testamento e língua hebraica na Universidade de Montemorelos, México.
Lecionou ainda na Universidade Adventista das Filipinas de 1994 até que se
mudou para Montemorelos em 2007. [email protected]
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