Publicação - cedis - Universidade Nova de Lisboa

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Publicação - cedis - Universidade Nova de Lisboa
DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACIA
Nº
3
JULHO
2015
A CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO
HOMEM E O TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS
DO
HOMEM
COMO
REFERÊNCIAS
DAS
JURISDIÇÕES NACIONAIS NA MELHORIA DAS
CONDIÇÕES DA DETENÇÃO E DA PRISÃO
The European Convention on Human Rights and
the European Court of Human Rights, as
references of the national jurisdictions in what
concerns the improvement of detention and
imprisonment conditions
PAULO A. FERREIRA
Mestrando em Direito e Segurança
RESUMO
O trabalho que ora se apresenta reproduz a substância que deu largueza ao tema
referido em título, o qual foi submetido a apreciação na fase académica do Curso de
CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 3 | julho de 2015
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DIREITO,
SEGURANÇA E
DEMOCRACRIA
Nº
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Mestrado em Direito e Segurança no ano lectivo de 2013/2014, na Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa.
Fundou-se, essencialmente, na pesquisa de jurisprudência do TEDH em matérias
relacionadas com a detenção (captura e prisão preventiva) e com as condições materiais
de execução da pena de prisão, sendo que neste último segmento não foi descurada uma
abordagem, embora de forma singela, aos direitos do recluso.
No trabalho enfatizou-se o direito à segurança de quem foi detido e de quem se
encontra a cumprir pena de prisão e da obrigação prática de preservação e de protecção
do mesmo pelas autoridades judiciárias, pelos órgãos de polícia criminal e pelas
autoridades penitenciárias, tendo-se procedido à apresentação e apreciação de alguns
casos paradigmáticos reveladores do papel do TEDH, como mecanismo da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, na procura de construções jurisprudenciais
conducentes à melhoria dos procedimentos dos Estados partes em matérias ligadas ao
direito individual à segurança, bem como a outros direitos fundamentais.
PALAVRAS-CHAVE
Direitos humanos; direito à segurança; direitos do detido e do recluso; jurisprudência do
TEDH
ABSTRACT
The study we present here reproduces the substance that gave scope to the subject
mentioned in the title, which was subjected to examination in the academic phase of the
Master's Degree in Law and Security in the academic year 2013/2014, the Faculty of Law
of the Lisbon’s New University.
It was founded primarily on the research of case law of the ECHR on matters relating
to detention (arrest and remand) and the material conditions of execution of sentence of
imprisonment, and in this last segment an approach to the rights of the prisoner, though
somewhat simple, not neglected.
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This work emphasized the right to security of the person who is arrested and the
person who is serving a sentence of imprisonment and the practical obligation to preserve
and protect him/her by the judicial authorities, the criminal police and the prison
authorities, for which we made the presentation and assessment of some paradigmatic
cases revealing the role of the ECHR, as a mechanism of the European Convention on
Human Rights, seeking improved jurisprudential constructions leading to better
procedures by States Parties on matters related to the individual right to security, as well
as other fundamental rights.
KEYWORDS
Human rights, right to security, rights of the detainee and of the prisoner; ECHR
jurisprudence.
LISTA DAS SIGLAS, ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS
AJ – Autoridade Judiciária
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem
CEPMPL – Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade
CPP – Código de Processo Penal
CRP – Constituição da República Portuguesa
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
MDE – Mandado Detenção Europeu
MP – Ministério Público
ONU - Organização das Nações Unidas
OPC – Órgão de Polícia Criminal
OEA - Organização dos Estados Americanos
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OUA – Organização de Unidade Africana
TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
PIDCP – Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
PIDESC – Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais
RGSP – Regulamento Geral dos Serviços Prisionais
TPI – Tribunal Penal Internacional
PARTE I: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
INTRODUÇÃO
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, doravante TEDH, no âmbito da sua
competência contenciosa, tem formulado construções jurisprudenciais no sentido de dar
expressão plena e prática ao estipulado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
daqui para o futuro apenas CEDH.
O trabalho que nos oferece apresentar assenta, essencialmente, na pesquisa e
análise de alguns casos paradigmáticos que atestam esta dimensão da atividade do
TEDH numa área muito sensível que se prende com os direitos fundamentais.
OBJETIVOS
O objetivo primeiro passará por, não fugindo muito ao título deste trabalho, abordar a
jurisprudência do TEDH em matérias relacionadas com a detenção (captura e prisão
preventiva) e com as condições materiais de execução da pena de prisão, sendo que
neste último segmento não deixaremos de abordar, embora em breves pinceladas, os
direitos do recluso.
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O objetivo segundo, apesar da singeleza do que se irá expor, não pode, no nosso
entender, ser menosprezado, e visa proporcionar uma quota mínima de informação a
quem, tendo acesso a este trabalho, queira guindar-se com um maior arrojo a especial
atividade científica.
ADVERTÊNCIA PRÉVIA
Antes de entrarmos no tema a que nos propusemos, importa esclarecer que a
terminologia técnica que iremos utilizar coincidirá com a que se mostra configurada no
texto das Nações Unidas sobre o “Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as
Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão”, adotados pela Assembleia
Geral das Nações Unidas na sua Resolução nº43/173, de 9 de Dezembro de 1988.
Assim, consideraremos "captura" o ato de deter um indivíduo por suspeita da prática
de infração ou por ato de uma autoridade, "pessoa detida" a pessoa privada da sua
liberdade, exceto se o tiver sido em consequência de condenação pela prática de uma
infração, "pessoa presa", pessoa privada da sua liberdade em consequência de
condenação pela prática de uma infração, "detenção" a condição das pessoas detidas nos
termos acima referidos e "prisão" a condição das pessoas presas nos termos acima
referidos.
Nesta conformidade, há que ter em conta que a detenção será toda a situação de
privação da liberdade de um cidadão desde a sua captura, passando pela prisão
preventiva - se a esta houver lugar -, até à prisão, mas com exclusão desta, na sequência
de decisão proferida por tribunal coletivo (acórdão) ou por tribunal singular (sentença)
transitada em julgado.
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PARTE II: ENQUADRAMENTO DO TRIBUNAL EUROPEU DOS
DIREITOS DO HOMEM NO SISTEMA DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
O REGIME UNIVERSAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada em 1945, após a Segunda
Guerra Mundial, com o propósito de reconstruir os direitos humanos e dar relevo à
dignidade humana, tão severamente fustigada e desrespeitada pelas atrocidades dessa
guerra.
A Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco a 26 de Junho de 1945 e
com entrada em vigor na ordem internacional a 24 de Outubro de 1945 (de acordo com o
artigo 110.º), vem cimentar o Direito Internacional dos Direitos Humanos e originar uma
nova ordem internacional que, por anuência dos Estados, vem colocar a proteção dos
direitos humanos no centro das relações entre Estados.
Em Portugal o texto da Carta das nações Unidas entrou em vigor a 21 de fevereiro
de 1956 e foi publicado no Diário da República I Série-A, n.º 117/91, mediante o aviso n.º
66/91, de 22 de Maio de 1991.
A Carta das Nações Unidas, embora tenha estabelecido a necessidade de proteção
e promoção dos “direitos humanos e liberdades fundamentais”, não os definiu, pelo que
motivou a formação, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).
A DUDH veio definir os direitos humanos e foi mais além ao instituir, com suporte no
princípio da dignidade humana, a universalidade, interdependência e indivisibilidade dos
direitos humanos.
Todavia a DUDH, por ser uma declaração e não um tratado, vem apenas afirmar o
reconhecimento de um código comum a ser seguido por todos os Estados, não tendo, de
um ponto de vista estritamente legal, força vinculante.
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A DUDH veio dar origem a dois tratados internacionais: o Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), adotados, em 16 de dezembro de 1966, pela Assembleia
Geral da Nações Unidas, através da Resolução n.º 2200-A (XXI), mas apenas com o
início de vigência, respetivamente, em 3 de janeiro de 1976 e 23 de março de 1976.
A DUDH, o PIDCP e o PIDESC formam a Carta Internacional dos Direitos Humanos
ou International Bill of Rights, a qual vem estabelecer o sistema global de proteção dos
direitos humanos.
Há, por fim, a registar que o regime global de proteção dos direitos fundamentais
não se cinge à Carta Internacional dos Direitos Humanos, sendo também constituído por
diversos tratados multilaterais de direitos humanos referentes a violações específicas de
direitos, como a tortura (Convenção Internacional contra a Tortura), a discriminação racial
(Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação
Racial) e a discriminação contra as mulheres (Convenção Internacional sobre a
Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher).
OS REGIMES REGIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
O regime global de proteção dos direitos humanos é rematado por três regimes
regionais, a saber: o regime europeu, o regime africano e o regime interamericano.
1.
O regime europeu tem por fundamento a Convenção Europeia dos Direitos do
Homem (CEDH) adotada em Roma pelo Conselho da Europa, a 4 de novembro de 1950
e com entrada em vigor na ordem internacional a 3 de setembro de 1953.
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A CEDH, em 1961, foi complementada pela Carta Social Europeia (CSE), uma vez
que dispunha apenas sobre os direitos civis e políticos.
Portugal procedeu à assinatura da CEDH, a 22 de Setembro de 1976, e aprovou-a
para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, publicada no Diário da República, I
Série, n.º 236/78 (retificada por Declaração da Assembleia da República publicada no
Diário da República, I Série, n.º 286/78, de 14 de Dezembro).
Em 1983, a CEDH foi emendada pelo Protocolo n.º 11, que trouxe inovações
fundamentais ao funcionamento do regime. Neste aspeto há a salientar: i) a
reestruturação profunda dos mecanismos de controlo da Convenção, dado que os três
órgãos de decisão – Comissão, Tribunal e Comité de Ministros do Conselho da Europa –
foram substituídos por um só órgão, o TEDH; ii) o funcionamento do TEDH, a partir de 1
de novembro 1998, a tempo integral; iii) o acesso direto ao TEDH pelos cidadãos, ou seja,
os cidadãos passaram a ter o ius postulandi.
O regime europeu distingue-se dos outros regimes regionais fundamentalmente por
esta última característica, ou seja, por reconhecer capacidade processual internacional
ativa aos cidadãos, demandando diretamente o TEDH.
O regime europeu de direitos humanos não se limita à CEDH, à CSE e aos catorze
Protocolos adicionais à CEDH adotados, sendo complementado pelas seguintes
Convenções: Convenção para a Prevenção da Tortura e das Penas Desumanas e
Degradantes; Convenção para a Proteção das Pessoas relativamente ao tratamento de
Dados de Carácter Pessoal; Convenção sobre o Exercício dos direitos da Criança;
Convenção-Quadro para a Proteção das Minorias; e Convenção sobre os Direitos do
Homem e a Biomedicina.
2. O regime africano tem como principal instrumento a Carta Africana dos Direitos
do Homem e dos Povos, também conhecida por Carta de Banjul, adotada em Nairobi, a
28 de junho de 1981, e em vigor, na ordem internacional, a partir de 21 de outubro 1986,
em conformidade com o artigo 63.º.
Com exceção da Etiópia e da Eritreia foi ratificada pelos estados membros da
Organização de Unidade Africana (OUA).
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A Carta apresenta a particularidade de consagrar, de forma desenvolvida, a noção
de deveres individuais não só em relação ao próximo, mas também em função da
comunidade, na linha da tradição africana, apresentando conceitos considerados
antagónicos: indivíduo e povo, direitos individuais e direitos coletivos, direitos sociais,
económicos e culturais e direitos civis e políticos.
A Comissão Africana de Direitos do Homem e dos Povos, segundo o artigo 45.º da
Carta, é o principal mecanismo de proteção e promoção dos direitos humanos podendo a
mesma ser provocada por um Estado-parte ou por indivíduos.
O protocolo adotado em Ovagadongou (em 9 de junho de 1998), Burkina Faso, que
entrou em vigor a 25 de janeiro de 2004, instituiu como órgão complementar da Carta
Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, ao lado da Comissão, o Tribunal Africano
de Direitos do Homem e dos Povos.
Uma nota para referir que o direito à liberdade e segurança encontra-se enunciado
no artigo 6.º de modo algo simplista e sem menção às garantias dos detidos, facto que
em sistemas penais pouco desenvolvidos, não permite proteger os indivíduos de
detenções sem motivo e indefinidas no tempo. O citado artigo refere apenas o princípio
da legalidade das penas, sem indicação de limitações, ao contrário do previsto no Pacto
dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas. Na mesma linha está o artigo 7.º relativo
à administração da justiça, que consagra o direito de acesso aos tribunais, a presunção
de inocência, o direito à defesa, o direito a ser julgado num prazo razoável, bem como o
princípio da irretroatividade da lei penal.
3.
O regime interamericano teve origem na IX Conferência Internacional dos
Estados Americanos, a 30 de abril de 1948, onde foram aprovadas a Declaração
Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Carta da Organização dos Estados
Americanos.
Todavia, tiveram de passar mais de 20 anos para que fosse adotado o primeiro e
principal tratado regional americano em matéria de direitos humanos: a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (também chamada de “Pacto de São José da Costa
Rica”), adotada em 1969 e entrada em vigor a 18 de Julho de 1978.
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No período que antecedeu a adoção da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem foi a base normativa
principal do sistema interamericano, continuando a sê-lo para os Estados não-partes da
Convenção.
Em 1959, em Santiago do Chile, foi aprovada uma proposta de criação de um órgão
destinado à promoção dos direitos humanos (mais tarde denominado Comissão
Interamericana de Direitos Humanos) até a adoção de uma Convenção Interamericana de
Direitos Humanos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tornou-se o principal órgão da
Organização dos Estados Americanos (OEA) após a emenda da Carta da OEA, através
da adoção do Protocolo de Buenos Aires, em 1967.
Com a adoção da Convenção Americana sobre Direitos Humanos criou-se o
Tribunal Interamericano de Direitos Humanos e a Comissão passou a ser dotada de
novas atribuições.
O regime interamericano de direitos humanos, atualmente, não se circunscreve à
Convenção Americana e aos dois protocolos, visto existirem quatro convenções que o
complementam, como: (a) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura;
(b) a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas; (c) a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; e
(d) a Convenção Interamericana sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência.
O TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM
O TEDH, com sede em Estrasburgo, é um órgão jurisdicional que foi estabelecido
em 1959, pelo Conselho da Europa, na sequência da assinatura da CEDH.
Tem como intuito reforçar a CEDH, garantindo os direitos fundamentais consagrados
nessa Convenção e nos Protocolos Adicionais que têm vindo a ser adotados.
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Tal como referimos supra, o TEDH, por força da emenda ao Protocolo n.º 11, em
1983, substituiu os três órgãos de decisão – Comissão, Tribunal e Comité de Ministros do
Conselho da Europa –, passando a partir de 1 de novembro 1998, a funcionar a tempo
integral.
Atualmente, no sistema europeu de proteção dos direitos humanos qualquer pessoa
singular, organização não governamental ou grupo de particulares que se considere
vítima de violação, por qualquer Estado parte na Convenção, de um dos direitos nela
reconhecidos ou nos seus Protocolos Anexos pode recorrer ao TEDH, sendo que este
mecanismo de queixa individual não existe em mais nenhum órgão jurisdicional de caráter
internacional ou regional com a tutela dos Direitos do Homem.
Todavia, antes das queixas chegarem ao conhecimento do TEDH exige-se ao
requerente que esgote todos os meios que estão ao seu dispor no estado de origem para
a apreciação da situação de facto e para o ressarcimento das ofensas sofridas.
Cabe às autoridades dos Estados-Membros investigar todas as queixas formuladas,
por qualquer indivíduo que tenha sido privado da sua liberdade, concernentes a eventuais
violações do artigo 3.º da CEDH. Por outro lado, o ónus da prova pertence às Autoridades
Estaduais, isto é, sempre que um indivíduo que tenha estado detido – numa esquadra,
numa prisão ou numa instituição psiquiátrica – alegue ter sofrido maus-tratos ou exiba
ferimentos cabe às autoridades desse Estado provar que tais factos não foram cometidos
pelos seus funcionários, nem ocorreram enquanto o indivíduo esteve à sua guarda .
O TEDH é constituído por um número de juízes independentes e imparciais igual ao
dos Estados Parte na Convenção, que hoje é 47, cabendo-lhes eleger o Presidente do
Tribunal, os 2 Vice-Presidentes e criar as 5 Secções, compostas por 9 juízes.
O TEDH pode também reunir em Grande Secção, nos casos de reenvio do acórdão
ao Tribunal ou por decisão de uma das Secções, se "em circunstâncias excecionais" se
tratar de uma questão grave de interpretação da Convenção ou de um caso de eventual
contradição com a jurisprudência existente.
A Grande Câmara ou Secção é composta pelo Presidente do Tribunal, dos seus
Vice-Presidentes, dos Presidentes de Secção e de um juiz nacional bem como por outros
juízes sorteados para o caso em questão.
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Os acórdãos do TEDH têm força vinculativa, estando os Estados obrigados a
respeitá-los e os respetivos Governos a modificar a legislação existente, enquanto o
Comité de Ministros do Conselho da Europa deve velar pela sua execução, incumbindolhe verificar se os Estados, relativamente aos quais foi dito pelo TEDH terem violado a
CEDH, tomaram as medidas necessárias para se conformarem às obrigações específicas
ou gerais que resultaram dos acórdãos.
PARTE
III:
CONSTRUÇÕES
JURISPRUDENCIAIS
DO
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM PARA A
MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE DETENÇÃO E DE PRISÃO
Dedicaremos este capítulo à amostragem e análise de alguns casos que revelam o
papel do TEDH, como mecanismo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na
procura de construções que permitam a melhoria dos procedimentos dos Estados partes
em matérias ligadas aos direitos fundamentais de quem foi detido ou está a cumprir pena
efetiva de prisão e, em consequência, proporcionem a quem esteja nessa posição jurídica
a tranquilidade (segurança) de que podem servir-se de todos os meios de defesa.
1. Detenção
1.1. O regime nacional
A detenção está consagrada no artigo 27.º, n.º 3 da CRP e nos artigos 254.º a 261.º
do Código de Processo Penal (CPP), podendo ter lugar em flagrante delito (artigo 254.º
do CPP) e fora de flagrante delito (artigo 257.º do CPP).
Segundo reza o artigo 256.º do CPP, flagrante delito é todo o crime que se está
cometendo ou se acabou de cometer e reputa-se também flagrante delito o caso em que
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o agente é, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com
objetos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar.
Desta definição legal é costume distinguir-se, após análise do seu conteúdo, entre
flagrante delito e quase flagrante delito, e presunção legal de flagrante delito.
No flagrante delito o agente é surpreendido quando está a executar o crime, no
quase flagrante delito o agente já não está a cometer o crime, mas é surpreendido, no
local da infração, no momento em que findou a execução, e na presunção de flagrante
delito o agente é perseguido por qualquer pessoa, logo após o crime, ou é encontrado a
seguir ao crime com sinais ou objetos que mostrem claramente que o cometeu ou nele
participou.
Em flagrante delito qualquer autoridade judiciária ou policial pode proceder à
detenção, sendo que qualquer pessoa o pode fazer desde que no lugar não se encontre
nenhuma das entidades referidas, nem puder ser chamada em tempo útil. Por outro lado,
só é possível a detenção em flagrante por crime público ou semipúblico punível com pena
de prisão, sendo que a detenção só se mantém nos crimes semipúblicos se o titular do
direito de queixa a apresentar, em ato seguido à detenção.
Perante flagrante delito por crime de natureza particular não há lugar à detenção,
mas apenas a identificação do agente (artigo 255.º, n.º 3 do CPP).
Fora de flagrante delito a detenção só pode ser efetuada por mandado do juiz ou,
nos casos em que for admissível a prisão preventiva e em que, em concreto, se
verifiquem indícios do perigo de fuga, ou da perturbação do decurso do inquérito, ou da
continuação da atividade criminosa ou de perturbação grave da ordem e da tranquilidade
públicas, ou ainda se tal se mostrar imprescindível para a proteção da vítima, pelo
Ministério Público (artigos 257.º, n.º 1, 204.º e 202.º, do CPP).
Há a registar uma ideia de proteção/segurança da vítima na detenção fora de
flagrante delito por mandado do Ministério Público, pois, verificando-se a admissibilidade
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da prisão preventiva, a detenção é permitida quando a privação da liberdade seja a única
forma de defender a segurança dos cidadãos1.
A autoridade de polícia criminal também pode proceder à detenção fora de flagrante
delito (artigo 257.º, n.º 2 do CPP), devendo comunicá-la, de imediato ao juiz ou ao
Ministério Público, quando, cumulativamente se verifiquem os seguintes pressupostos: i)
quando for admissível a prisão preventiva (artigos 202.º e 209.º do CPP), ii) quando haja
fundado receio de fuga ou de continuação da atividade criminosa e iii) quando não for
possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da
autoridade judiciária.
A detenção, quer se manifeste como medida processual (artigo 254.º, alíneas a) e b)
do CPP) quer se apresente como medida de polícia (artigo 250.º, n.º 6 do CPP), tem
carácter provisório e a sua limitação temporal está fixada legalmente. As finalidades
específicas da detenção processual, enunciadas no artigo 254.º do CPP 2, distinguem-na
da prisão e da prisão preventiva.
O detido deve ser imediatamente libertado por qualquer entidade que tiver ordenado
ou procedido à detenção ou a quem o detido for presente, logo que se tornar manifesto
que a detenção foi efetuada por erro sobre a pessoa ou fora dos casos em que era
legalmente admissível (artigo 261.º, n.º 1 do CPP).
1
Esta ideia de defesa da segurança dos cidadãos está também patente no alargamento
substancial das situações de manutenção da detenção em flagrante delito nas situações
de apresentação do arguido para julgamento em processo sumário. Vide o artigo 385.º,
n.º 1, do CPP, especialmente a alínea c), o qual prevê que o arguido só continua detido
se, para além de outros requisitos, houver razões para crer que tal se mostra
“imprescindível para a proteção da vítima”.
2
Artigo 254.º do CPP:
“ a) Para, no prazo máximo de 48 horas, o detido ser submetido a julgamento sob a forma
sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para
aplicação ou execução de uma medida de coacção;
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas
sem nunca exceder 24 horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto
processual”.
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Sem nos alongarmos na exposição, há a referir também outras situações de
detenção, como: a detenção de estrangeiros como medida cautelar de expulsão – cf.
artigo 146.º, n.º 1 e 152 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, com as alterações da Lei
29/2012, de 9 de agosto -, e a detenção provisória na pendência de processo de expulsão
(detenção provisória a pedido de Estado estrangeiro – cf. artigo 38.º, n.ºs 1, 2, 5 e 8, 52.º,
n.º 3, 62.º, n.º 1 e 63.º, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, na versão mais recente
introduzida pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro -, detenção provisória não solicitada –
cf. artigo 39.º e 64.º n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 144/99 -, detenção na pendência do processo de
extradição – cf. artigos 51.º, n.º 3 e 52.º, da Lei n.º 144/99 - e mandado de detenção
europeu – cf. artigos 2.º, n.º 2, 3.º, 5.º, 12.º e 15.º, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto).
1.2. Alguns casos apreciados pelo TEDH
- Caso Salduz v. Turquia, 36391/02, de 26 de abril de 2007.
Yusuf Salduz foi detido pela polícia da secção antiterrorista, em 29 de maio de 2001,
por suspeitas de participação numa manifestação ilegal de apoio a uma organização
ilegal, o PKK (Partido dos Trabalhadores do Kurdistão), tendo sido interrogado, em 30 de
maio de 2001, antes de ser apresentado ao Ministério Público, por polícias da secção
referida, na ausência de advogado.
Neste caso o demandante Yusuf Salduz queixou-se, além do mais, de que lhe havia
sido negada a assistência de um advogado durante a sua detenção.
Neste caso o Tribunal Europeu de Direitos Humanos emitiu uma decisão inovadora,
considerando que as pessoas detidas em esquadras ou postos policiais têm o direito de
acesso a um advogado.
- Caso Rybacki v. Polónia, C-52479/99, de 13 de janeiro de 2009.
O Tribunal observou, além do mais, que as restrições de contactos do arguido com o
seu advogado, duraram sete meses e as autoridades não justificaram as razões da
necessidade dessas restrições, pelo que concluiu pela violação do artigo 6.º, n.º 3, alínea
c) em conjunto com o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH.
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- Caso Plonka v. Polónia, 20310/02, de 31 de março de 2009.
O Tribunal decidiu, por unanimidade, que houve uma violação do artigo 6 º, n.º 1 em
conexão com o artigo 6.º, n.º 3, alínea c) da CEDH, uma vez que a arguida não tinha sido
assistida por um advogado no início do processo e não houve evidência de ter renunciado
expressamente ao seu direito de representação legal.
2. Prisão ilegal e maus tratos
2.1. Regime nacional
.Prisão ilegal
Quando a prisão ou a detenção sobrevenham fora dos casos previstos no artigo 27.º
da CRP são ilegais.
Para garantia do direito à liberdade, quando esta é colocada em causa por abuso de
poder a convergir em prisão ou detenção ilegal, a CRP previu, no seu artigo 31.º, uma
providência expedita contra esse estado de coisas. Trata-se do habeas corpus.
Esta figura está também prevista nos artigos 220.º a 224.º do CPP, para as
situações de detenção ilegal (artigo 220.º do CPP) e para os casos de prisão ilegal (artigo
222.º do CPP).
No CPP, o artigo 261.º, n.º 1, reza assim: “Qualquer entidade que tiver ordenado a
detenção ou a quem o detido for presente (…) procede à sua imediata libertação logo que
se tornar manifesto que a detenção foi efetuada por erro sobre a pessoa ou fora dos
casos em que era legalmente admissível ou que a medida se tornou desnecessária”.
O artigo 27.º, n.º 5 da CRP consagra expressamente o princípio da indemnização de
danos nos casos de privação ilegal da liberdade e o Código de Processo Penal nos seus
artigos 225.º-226.º também o acolhe.
.Maus tratos
O artigo 25.º, n.º 2 da CRP refere que “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem
a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos”.
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No Código Penal merecem relevo os crimes previstos nos artigos 243.º e 244.º, sob
a epígrafe “Tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos”.
2.2. Alguns casos apreciados pelo TEDH
Abordaremos alguns casos de alegados maus-tratos durante a detenção e na
prisão.
- Caso Khaled Al-Masri v. Antiga República Jugoslava da Macedónia, n.º 39630/09,
de 13 de dezembro de 2012.
Trata-se de um caso que envolveu uma situação de «rendição extraordinária».
Nesta decisão, o TEDH condenou a Antiga República Jugoslava da Macedónia
(FYROM3) pela "extrema gravidade" das violações da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem (artigos 3.º, 5.º, 8.º e 13.º) durante a entrega extraordinária de Khaled
El-Masri.
Embora este caso envolva outras situações, iremos apenas fazer referência às
situações que levaram à violação do artigo 3.º da CEDH na perspetiva, como referimos
supra da falta de investigação de alegados maus-tratos durante a detenção e na prisão.
O recorrente, cidadão com nacionalidade alemã, em 31 de dezembro de 2003, foi
detido ilegalmente em Tabanovce, na fronteira, e transportado para Skopje (ambas
localidades situadas na antiga República Jugoslava da Macedónia) e aí mantido preso
desde essa data até 23 de janeiro de 2004 e depois transportado para o Afeganistão, em
23-24 de janeiro de 2004, onde foi mantido até maio de 2004 e submetido a tratamento
degradante e desumano.
Em Skopje foi levado para um quarto no último andar de um hotel. Durante a sua
detenção no hotel, foi sempre acompanhado por uma equipa de nove homens que eram
rendidos de seis em seis horas. Três deles estavam com ele em todos os momentos,
mesmo quando dormia. Foi interrogado várias vezes ao longo da sua detenção. Os seus
3
Former Yugoslav Republic of Macedonia.
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pedidos para contactar a embaixada alemã foram recusados. Um destes homens disselhe que poderia voltar à Alemanha se confessasse ser membro da Al-Qaeda. Iniciou uma
greve de fome no décimo terceiro dia da sua detenção.
Foi-lhe transmitido, uma semana depois de ter iniciado a greve de fome, que iria ser
transferido, por via aérea, para a Alemanha.
Foi algemado, vendado e levado de automóvel, em 23 de janeiro de 2004, para o
aeroporto de Skopje. No aeroporto foi-lhe provocado o "choque de captura" que consistiu
no seguinte: espancamento, desnudamento, introdução violenta de supositório no ânus
(após vestido com roupa que não lhe pertencia), agrilhoamento dos pés e das mãos,
vendado e escoltado até ao avião.
Num relatório4, referido no Acórdão do TEDH, é dito que «fomos capazes de provar
o envolvimento da CIA na transferência do Sr. El-Masri para o Afeganistão, num voo a
partir de Skopje, na Antiga República Jugoslava da Macedónia, com escala em Bagdá
(Iraque), até Cabul (Afeganistão), a 24 de Janeiro de 2004».
Enquanto nas mãos dos macedónios e das autoridades norte-americanas, Khaled
El-Masri não teve acesso a qualquer processo legal, nem lhe foi permitido qualquer
contacto com o mundo exterior, apesar dos seus repetidos pedidos para entrar em
contacto com a sua esposa, com um advogado e com a embaixada alemã.
O recorrente alegou que as autoridades nacionais realizaram uma investigação
superficial e grosseiramente inadequada, lenta e ineficaz
O governo alegou que o recorrente não foi maltratado e, admitiu que a investigação
do M. P. não foi eficaz por a denúncia criminal ter sido apresentada tardiamente e contra
agressores não identificados
4
A 13 de dezembro de 2005, o Presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da
Europa pediu ao Comité da Assembleia dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos Humanos
para investigar alegações de "rendições extraordinárias " na Europa. O senador Dick
Marty da Suíça foi nomeado relator especial. A 12 de junho de 2006, a Assembleia
publicou o relatório Marty 2006 sobre o caso Khaled Al-Masri, o qual foi apresentado por
Marty, a 11 de junho de 2007.
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Terceiros tiveram intervenção individual, como o Alto Comissariado da ONU para os
Direitos Humanos (ACNUDH) e a Interights (The international centre of the legal
protection of human rights), e conjunta, como a Amnistia Internacional (AI) e a Comissão
Internacional de Juristas (CIJ).
O Tribunal referiu, como princípios gerais e tal como no caso Labita v. Itália que
referiremos infra, que, quando uma pessoa faz uma afirmação credível de que sofreu
tratamento violador do artigo 3.º por parte de autoridades do Estado (guardas prisionais,
forças de segurança, etc.), é exigido ao Estado uma investigação eficaz, rápida e séria 5
que leve à identificação e punição dos responsáveis, resultando tal, implicitamente, da
conjugação dos artigos 1.º e 3.º da CEDH, sob pena da proibição legal geral da tortura e
tratamentos desumanos e degradantes poder ser inútil na prática e levar à total
impunidade dos causadores de maus-tratos.
Além disso, a investigação deve ser independente do executivo, independência essa
que implica não apenas a ausência de uma ligação hierárquica ou institucional mas
também uma autonomia em termos práticos.
O TEDH considerou que o Estado não fez uma aplicação prática destes princípios.
Desde logo, na sua opinião, a descrição pelo requerente das ações e os elementos
periféricos disponíveis eram suficientes para levantar pelo menos uma suspeita razoável
de que a queixa poderia ser imputada às autoridades do Estado, observando-se um caso,
prima facie, de má conduta por parte das forças de segurança do Estado demandado,
que justificavam uma investigação por parte das autoridades, em conformidade com os
requisitos do artigo 3 º da Convenção.
Em dezembro de 2008, quase dois meses e meio depois de ter conhecimento da
denúncia, o Ministério Público de Skopje rejeitou-a por falta de provas. Apenas recolheu
informações junto do Ministério do Interior, não tendo realizado quaisquer outras
diligências de investigação para examinar as alegações da recorrente (o Governo
5
Isso significa que as autoridades devem sempre fazer uma séria tentativa para descobrir
o que aconteceu e não devem confiar em conclusões precipitadas ou mal fundamentadas
para concluir a investigação ou para as usar como base de suas decisões.
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confirmou que o Ministério Público não tinha inquirido o denunciante nem as pessoas que
trabalhavam no hotel no momento dos factos).
As autoridades de Skopje atestaram que uma aeronave havia pousado no Aeroporto
de Skopje, a 23 de janeiro de 2004, sem quaisquer passageiros e que tinha descolado, na
manhã seguinte, levando apenas um passageiro. Isto confirma as alegações do
recorrente em relação à sua transferência para o Afeganistão, tanto em termos de tempo
como de forma. O M. P. não procurou obter esta informação e, por isso, não investigou a
identidade do passageiro que embarcou.
A complexidade do caso e a gravidade das imputações requeria uma resposta
independente – não apenas limitada às informações do Ministério do Interior – e
adequada, por parte da autoridade judiciária mencionada.
Outro aspeto sublinhado pelo TEDH, na linha da intervenção de terceiros no caso,
revelador do caráter inadequado da investigação, foi o impacto da investigação sobre o
direito à verdade que a vítima e a sua família viram sonegado.
O TEDH assinalou que alguns governos europeus têm obstruído a busca da verdade
- e continuam a fazê-lo -, invocando o conceito de segredo de Estado, não dando
explicações aos órgãos parlamentares e impedindo que as autoridades judiciais
estabeleçam os fatos e processem os culpados de crimes. No presente caso, a mesma
abordagem levou as autoridades da Antiga República Jugoslava da Macedónia a
esconder a verdade.
O TEDH, embora admita que possa haver obstáculos ou dificuldades que impeçam
o progresso de uma investigação numa situação particular, destaca que uma resposta
adequada por parte das autoridades em investigar alegações de violações graves de
direitos humanos, como no presente caso, tem de ser considerada como essencial para
manter no público a confiança e a adesão ao Estado de Direito, afastando deste a ideia
de qualquer aparência de conluio ou de tolerância de atos ilícitos.
Fez notar que a impunidade deve ser combatida, por uma questão de justiça para as
vítimas, como um elemento dissuasor para prevenir novas violações e para defender o
Estado de Direito e a confiança do público no sistema de justiça.
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O TEDH concluiu, em face do conjunto das situações supra expostas, que a
investigação sumária realizada no caso vertente não pode ser considerada eficaz e
adequada à procura da identificação e punição dos responsáveis pelos factos alegados e
reveladora de que visou estabelecer a verdade.
Neste contexto, o TEDH considerou que houve uma violação do artigo 3.º da CEDH,
ao nível processual.
- Caso Erdogan Yagiz v. Turquia, n.º 27473/02, de 6 de março de 2007.
Um médico foi algemado perante familiares, vizinhos e colegas. O TEDH considerou
que a algemagem de um cidadão não é por si uma violação de qualquer disposição da
CEDH, justificando-se por razões de segurança e desde que seja limitada no tempo e na
exposição ao público. Todavia considerou que, quando esta está conectada com outras
circunstâncias, como no caso em que se provou que houve intenção deliberada de
humilhar e de despedaçar o espírito do detido em frente daquelas pessoas, houve
tratamento degradante em violação do artigo 3.º da CEDH e também do artigo 8.º.
- Outros casos, em que se provou que as autoridades pretendiam claramente fazer
um espetáculo público com o detido, levaram o TEDH a considerar a existência de
tratamento degradante em violação do artigo 3.º da CEDH – caso Gorodnichev v. Rússia,
n.º 52058/99, de 24 de maio de 2007 (algemagem de preso no Tribunal durante o
julgamento) e nos casos Ashot Harutyunyan v. Arménia, n.º 34334/04, de 15 de junho de
2010 e Ramishvili e Kokhreidze v. Geórgia, n.º 1704/06, de 27 de janeiro de 2009 (os
recorrentes foram colocados numa gaiola de metal na sala de audiências e no último
caso, para além disso, foram vigiados por forças especiais que usavam capuz preto,
como máscaras, e a audiência foi transmitida em direto para todo o país). Nestes casos
não se provou o risco de que os detidos pudessem fugir ou recorrer à violência nas
audiências.
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3. Prisão preventiva
3.1. O regime nacional
A prisão preventiva é a mais gravosa das medidas de coação previstas no CPP,
consistindo na privação da liberdade antes da condenação penal transitada em julgado.
Encontra-se regulada no artigo 202.º do CPP, consubstanciando uma dupla
finalidade com carácter cumulativo, e visa não só garantir a execução da decisão final ou
de garantir uma eficiente elaboração do próprio processo, mas também evitar uma
situação de insegurança6.
Os pressupostos para a sua aplicação estão referidos nas alíneas do n.º 1 do artigo
202.º do CPP, sendo os seguintes:
“a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de
máximo superior a 5 anos;
b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a
criminalidade
violenta;
c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a
criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3
anos;
d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física
qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações,
recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte
rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida,
detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou
crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições,
6
Esta ideia de que se deve atender, na aplicação da prisão preventiva, à efetiva
probabilidade do risco de insegurança é extraída da redação do n.º 1 do artigo 220.º do
CPP, o qual refere que “Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas
referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva”.
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puníveis
com
pena
de
prisão
de
máximo
superior
a
3
anos;
f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território
nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.”
Constatamos que foi consagrado um regime que tem como regra a limitação da
aplicação da prisão preventiva a crimes dolosos puníveis com pena de prisão de máximo
superior a 5 (cinco) anos, mas que admite a ampliação do âmbito de aplicação da prisão
preventiva a crimes dolosos que correspondam a criminalidade violenta, na definição do
artigo 1.º, alínea j) do CPP e puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a
5 (cinco) anos 7 ou a estrangeiros ilegais, ou contra os quais estiver a ser tramitado
processo de extradição ou de expulsão e a crimes dolosos catalogados nas alíneas c) 8 e
d) do n.º 1, do artigo 202.º, do CPP, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3
(três) anos.
Há a sublinhar o alargamento da admissibilidade da prisão preventiva, em caso de
violação de medidas de coação, resultante do disposto no artigo 203.º do CPP.
7
O crime de violência doméstica (artigo 152.º, n.ºs 1 e 2 do CP), por exemplo, permite a
aplicação da prisão preventiva.
8
Uma das questões que se tem colocado é a de saber se o crime de tráfico de menor
gravidade da alínea a) do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com a
última alteração introduzida pela Lei n.º 13/2012, de 26 de março (punível com pena de
prisão de um a cinco anos), pode caber na definição de “criminalidade altamente
organizada” consagrada na alínea m) do artigo 1.º do CPP e cair no âmbito da aplicação
da prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 202.º, alínea c) do CPP.
À partida, considerando que a definição constante do citado preceito é feita apenas por
referência a crimes ou categorias de crimes, o crime mencionado, tratando-se de um
crime de “tráfico de estupefacientes”, incluir-se-ia no conceito de criminalidade altamente
organizada previsto no CPP.
Todavia, se atentarmos no estatuído no artigo 51.º, n.º 1 do citado Decreto-Lei n.º 15/93,
ou seja, no facto de que “Para efeitos do disposto no Código de Processo Penal (…)
consideram-se equiparadas a casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente
organizada as condutas que integrem os crimes previstos nos artigos 22.º a 24.º e 28.º
deste diploma», verificamos que o crime em referência não se integra na definição de
criminalidade altamente organizada constante da alínea m) do artigo 1.º do CPP.
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Por força do n.º 2, alínea a) desse preceito é permitida a aplicação da prisão
preventiva como consequência da violação de obrigação imposta por medida de coação
anterior, mesmo que não houvesse ou não haja enquadramento para aplicar, nos termos
das alíneas a) a e) do artigo 202.º do CPP, a prisão preventiva, bastando apenas que o
crime seja punível com pena superior a 3 (três) anos.
A alínea b) do n.º 2, do artigo 203.º prevê também a aplicação da prisão preventiva
nos casos em que “(…) houver indícios de que, após a aplicação da medida de coação, o
arguido cometeu crime doloso da mesma natureza, punível com pena de prisão de
máximo superior a 3 anos”.
Uma das questões não esclarecidas pelo legislador é a de saber se a prisão
preventiva é imposta no âmbito do novo crime cometido ou no âmbito do primeiro crime e
outras prendem-se com dificuldades práticas da seguinte ordem: como é que se vai saber
se o arguido cometera, anteriormente, um outro crime, se tal ocorrer numa comarca
diferente daquela onde está a ser investigado o novo crime, ou como é que se vai saber
que posteriormente à prática de um crime que levou à aplicação de uma medida de
coação o arguido cometeu outro crime numa comarca distinta e como ultrapassar o
conceito indeterminado que o legislador adotou de crimes da mesma natureza.
Importa também considerar as situações de suspensão da execução da prisão
preventiva (artigo 211.º do CPP), de reexame dos pressupostos da prisão preventiva
(artigo 213.º do CPP), da revogação da medida de prisão preventiva (artigo 212.º do
CPP), dos prazos de duração máxima da prisão preventiva (artigo 215.º do CPP), da
suspensão do decurso dos prazos de duração máxima da prisão preventiva (artigo 216.º
do CPP) e da extinção da prisão preventiva (artigos 214.º e 217.º, n.º 1 do CPP).
Iremos deter-nos apenas nas situações de reexame dos pressupostos da prisão
preventiva e dos prazos de duração máxima da prisão preventiva.
Quanto ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva é o juiz que,
oficiosamente, e se necessário com audição do Ministério Público e do arguido, procede a
esse reexame no prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do
último reexame ou quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de
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pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objeto do processo e não determine a sua
extinção.
Se após o reexame o juiz decidir manter a prisão preventiva essa decisão é
suscetível de recurso.
Relativamente aos prazos de duração máxima da prisão preventiva, observamos
que, numa análise simplista do artigo 215.º do CPP é possível concluir que este preceito
consagra prazos normais diferentes para as fases do inquérito, da instrução e do
julgamento e prazos especiais que têm em conta as mesmas fases processuais e tipos
específicos de crimes ou de crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a 8
anos, sendo que estes prazos especiais podem ser alargados se a investigação se
revelar de excecional complexidade.
Assim, os prazos normais são os seguintes:
a)
Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b)
Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida
decisão instrutória;
c)
Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em
1.ªinstância;
d)
Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com
trânsito em julgado.
E os prazos especiais alargados são os que seguem:
a)
Um ano sem que tenha sido deduzida acusação;
b)
Um ano e quatro meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha
sido proferida decisão instrutória;
c)
Dois anos e seis meses sem que tenha havido condenação em
1.ªinstância;
d)
Três anos e quatro meses sem que tenha havido condenação com
trânsito em julgado.
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3.2. Considerações gerais sobre a prisão preventiva no âmbito
da EU
Tem-se verificado que muitos países da UE não têm alternativas eficazes à prisão
preventiva e muitos outros, rotineiramente, negam a liberdade para estrangeiros
rotulando-os, automaticamente, como um «risco de fuga»9.
Os custos com a manutenção da população em prisão preventiva ascendem a
quase 5 (cinco) bilhões de euros anuais nos países da UE.
A solução passa por a UE assegurar que os Estados-Membros parem com o uso da
prisão preventiva quando tenham alternativas que garantam a presença do arguido em
julgamento e pelo uso pleno da Ordem Europeia de Supervisão, o qual deve ser
controlado pela UE para o assegurar.
A Ordem Europeia de Supervisão, em vigor a partir de dezembro de 2012, permite
aos cidadãos da UE, detidos em Estado-Membro que não é o da sua nacionalidade ou
residência, o retorno ao seu país até ao julgamento
A lei processual penal de alguns países permite que algumas pessoas estejam
presas preventivamente durante muitos anos (ex. Espanha – 4 anos), outros nem sequer
têm fixado um período máximo e outros não têm um adequado sistema de
revisão/reexame da prisão preventiva.
A solução para acabar com este estado de coisas e para levar a procedimentos
uniformes em todos os países da UE passa por esta introduzir, pela via legal, padrões
mínimos sobre a forma de aplicação da prisão preventiva e revisões regulares desta
medida.
Sem esta legislação, a confiança mútua, necessária entre os países para a
execução do MDE, não vai realmente existir. Em vez disso, as decisões de execução dos
9
Segundo a Comissão Europeia 21% da população prisional da UE encontra-se em
prisão preventiva e 26% dos presos preventivos nos países de UE não são da
nacionalidade do Estado-Membro onde estão em reclusão.
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MDE serão tomadas na fé cega de que os direitos fundamentais serão protegidos no país
emissor.
Essa legislação irá forçar os Estados-Membros a deixarem de aplicar de forma
excessiva e arbitrária a medida de prisão preventiva, uma vez que se o fizerem correrão o
risco de ação de execução pelas instituições da UE. Por outro lado, o número de presos
preventivos cairá substancialmente, o que levará a uma redução de custos e à
necessidade de dispendiosos litígios perante o TEDH.
3.3. Alguns casos apreciados pelo TEDH
3.3.1. Necessidade da prisão preventiva
- Caso Labita v. Italy, n.º 26772/95 de 6 de abril de 2000:
No caso, ao recorrente Benedetto Labita, foram aplicadas medidas preventivas a 10
de maio de 1993, as quais só foram suspensas durante o seu julgamento.
Refira-se que a aplicação de medidas preventivas em Itália tem em vista impedir que
indivíduos considerados como um perigo para a sociedade, normalmente ligados à máfia,
cometam crimes. Esses indivíduos são classificados em três categorias: quem for
considerado criminoso habitual; quem ostenta uma vida que não corresponde aos
proventos declarados, presumindo-se que derivam da prática criminosa; quem estiver
indiciado pela prática de crimes contra a integridade física ou mental de menores ou
represente uma ameaça para a sociedade, a segurança e ordem públicas.
O recorrente foi absolvido, por acórdão de 19 de novembro de 1994, data em que as
medidas preventivas passaram, novamente, a produzir efeitos até 18 de novembro de
1997, e isto apesar da decisão se tornar definitiva em 25 de junho de 1996.
O Governo destacou a importância de medidas preventivas, onde supostos
membros da máfia estavam em causa, acrescentando que a absolvição do recorrente não
afetou a legalidade das medidas preventivas que lhe haviam sido impostas.
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O TEDH observou que o recorrente foi absolvido da acusação de pertença à máfia e
que não tinha antecedentes criminais e que, apesar disso, foi por três anos (19 de
novembro de 1994 a 18 de novembro 1997), submetido a severas restrições à sua
liberdade de locomoção desnecessárias no caso e não compagináveis numa sociedade
democrática, concluindo, por isso, pela existência de violação do artigo 2.º do Protocolo
n.º 4 à CEDH10.
3.3.2. Duração da prisão preventiva
- Caso Bykov v. Rússia, n.º 4378/02 de 10 de março de 2009:
Em 4 de outubro de 2000, o requerente foi preso preventivamente por suspeitas de
conspiração e de incitamento à prática de um crime de homicídio e por detenção ilegal de
armas de fogo.
A prisão preventiva do requerente foi prorrogada por diversas vezes e os inúmeros
recursos e pedidos de libertação foram rejeitados por causa da gravidade das imputações
e do risco de fuga, bem como de pressão sobre as testemunhas. A 19 de junho de 2002,
o requerente foi considerado culpado em ambas as acusações e condenado a seis anos e
10
Artigo 2.º
(Liberdade de circulação)
1. Qualquer pessoa que se encontra em situação regular em território de um Estado tem
direito a nele circular livremente e a escolher livremente a sua residência.
2. Toda a pessoa é livre de deixar um país qualquer, incluindo o seu próprio.
3. O exercício destes direitos não pode ser objeto de outras restrições senão as que,
previstas pela lei, constituem providências necessárias, numa sociedade democrática,
para a segurança nacional, a segurança pública, a manutenção da ordem pública, a
prevenção de infrações penais, a proteção da saúde ou da moral ou a salvaguarda dos
direitos e liberdades de terceiros.
4. Os direitos reconhecidos no parágrafo 1 podem igualmente, em certas zonas
determinadas, ser objeto de restrições que, previstas pela lei, se justifiquem pelo interesse
público numa sociedade democrática.
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meio de prisão. A sentença foi confirmada em segunda instância a 1 de outubro de 2002.
A 22 de junho de 2004, o Supremo Tribunal da Federação da Rússia analisou o caso no
processo de supervisão, mantendo praticamente inalterada a condenação, retirando da
mesma a "conspiração para cometer assassinato".
O requerente alegou a violação de diversos preceitos da CEDH (5.º, n.º 3, 6.º, n.º 1 e
8.º, n.º 2).
O TEDH apenas atendeu à violação do artigo 5.º, n.º 3 (direito à liberdade e
segurança) da CEDH, uma vez que considerou que o requerente esteve preso
preventivamente 1 ano, 8 meses e 15 dias e que os motivos invocados pelo Tribunal
nacional para manter a prisão preventiva (gravidade dos crimes imputados, perigo de
fuga, obstrução da investigação) não foram comprovados pelo Tribunal, pelo menos nos
primeiros estádios do processo.
- Caso Rybacki v. Polónia, C-52479/99, de 13 de janeiro de 2009:
Rybacki, cidadão polaco, foi detido, no seu país, em maio de 1996 por haver indícios
de ter praticado um crime de roubo agravado, tendo sido condenado em 1999.
Queixou-se, baseando-se no artigo 5.º, parágrafo 3, da CEDH (direito à liberdade e
segurança), de que a duração da sua prisão preventiva foi excessiva.
O TEDH decidiu, por unanimidade, que houve violação do preceito invocado, uma
vez que o queixoso esteve preso preventivamente durante tempo excessivo (2 anos e 9
meses).
- Caso Kauczor v. Polónia, 45219/06, de 3 de fevereiro de 2009:
No presente caso, as autoridades não justificaram a continuação da detenção do
requerente por motivos relevantes e suficientes, pelo que o Tribunal considerou que o
número de julgamentos já realizados e os casos pendentes levantavam uma questão de
detenção excessiva incompatível com o artigo 5.º, n.º 3 da CEDH e violadora do direito do
recorrente, ao abrigo desta disposição legal, notando que a mesma teve origem num
problema generalizado do sistema de justiça criminal polaco.
- Caso Kudla v. Polónia, 30210/96, de 26 de outubro de 2000:
O Tribunal considerou que só razões muito convincentes o teriam persuadido de que
o período de prisão preventiva de dois anos e quatro meses a que o recorrente foi sujeito
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tinha sido justificado, nos termos do artigo 5.º, n.º 3 da CEDH. O Tribunal não encontrou
quaisquer razões, especialmente porque os tribunais internos/nacionais, apesar de
referirem uma falha do recorrente em cumprir uma ordem judicial, não mencionaram
qualquer outra circunstância suscetível de demonstrar que o risco invocado tinha
realmente persistido durante todo o período em questão. O Tribunal concluiu que as
razões invocadas pelos tribunais nas suas decisões não tinham sido suficientes para
justificarem a manutenção do requerente em prisão preventiva durante o período em
questão e consideraram violada essa disposição da CEDH.
Neste caso, o TEDH também se pronunciou sobre outras questões, tais como a
proibição da tortura ou tratamento desumano ou degradante (artigo 3 º da CEDH), o
direito a que o processo fosse julgado num prazo razoável (artigo 6.º, n º 1, da CEDH) e o
direito a um recurso efetivo (artigo 13.º da CEDH).
3.3.3. Prisão preventiva de menores
- Caso Guvec v. Turquia,, n.º 70337/01, 20 de janeiro de 2009:
O recorrente fora acusado de pertencer a uma associação criminosa e de cometer
crimes de incêndio. Foi preso preventivamente com 16 anos, tendo cumprido 4 meses
dessa medida quando tinha 16 anos e 48 dias quando tinha 17 anos.
Nos pontos 109 e 110 da sua decisão, o TEDH declarou que, pelo menos em três
acórdãos relativos à Turquia, o Tribunal exprimiu as suas reservas quando à prática de
deter crianças preventivamente (ver Selçuk/Turquia, n.º 21768/02, de 10 de janeiro de
2006, ponto 35; Koşti e Outros/Turquia, n.º 74321/01, de 3 de maio de 2007, ponto 30;
processo Nart/Turquia, acima referido, 20817/04, n.º 34), tendo concluído que houve
violações do artigo 5.º, n.º 3, da Convenção, apesar dos períodos de detenção terem sido,
consideravelmente, mais curtos do que os suportados pelo requerente no caso presente.
Por exemplo, no acórdão Selçuk, o requerente passara cerca de quatro meses em prisão
preventiva quando tinha 16 anos. À luz do exposto considerou excessiva a duração da
prisão preventiva e violadora do artigo 5.º, n.º 3 da CEDH e também encontrou uma
situação de maus-tratos, em violação do artigo 3.º da CEDH.
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- Caso Nart v. Turquia, n.º 20817/04 de 6 de maio de 2008. Nart, o requerente,
passara 48 dias detido quando tinha 17 anos. Neste caso, o requerente esteve detido a
partir dos 15 anos e foi mantido em prisão preventiva por um período superior a quatro
anos e meio.
O TEDH observou que o tribunal nacional não aplicou a caução por força da
natureza do delito – roubo, com arma de fogo, numa mercearia – e da existência de fortes
indícios e considerou que tal, por si só, não era razão para justificar a duração da
detenção na situação em apreço.
O TEDH, no acórdão, enfatizou que a prisão preventiva no caso de menores só deve
ser usada se for absolutamente necessária e como medida de último recurso; que os
períodos de prisão preventiva devem ser tão curtos quanto possível, que os reclusos
menores devem ser separados dos reclusos adultos e que deve ser prestada atenção aos
instrumentos internacionais de prisão preventiva 11.
11
Ver, por exemplo, Normas CPT (CPT/inf/E (2002) 1, Rev 2009 em
http://www.cpt.coe.int/en/docsstandards.htm); as Observações Finais relativas à Bélgica:
«O Comité recomenda que o Estado Parte: […] c) […] garanta, de acordo com o artigo
37.º da Convenção, que a privação da liberdade é utilizada apenas como medida de
ultimo recurso, pelo período mais curto possível, respeitando cabalmente as garantias de
um processo equitativo, e sem que as pessoas menores de 18 anos sejam detidas com
adultos». (CRC/C/15/Add. 178, n.º 32, alínea c), 13 de junho de 2002); a Convenção das
Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, artigos 37.º e 40.º e as Recomendação do
Comité de Ministros CM/Rec (2008) 11, ponto 59.1.
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4. Pena de prisão
4.1. Regime nacional
O Código Penal consagra uma pena de prisão única (por não existirem formas
especificadas de prisão12) e, em regra, simples (por não estarem associados à mesma
efeitos jurídicos necessários e automáticos13 - vide também artigo 30.º, n.º 4 da CRP).
Face ao disposto no artigo 41.º, n.ºs 2 e 3 do Código Penal há um limite máximo de
duração da prisão14 – 25 anos -, o qual vale também para o concurso de crimes, mas não
para a execução sucessiva de penas. O n.º1 do mesmo preceito legal estabelece como
limite mínimo, de duração da pena de prisão, um mês.
Os artigos 80.º-82.º do Código Penal referem-se aos descontos no cumprimento da
pena de prisão.
Para a contagem do tempo da pena de prisão rege o artigo 479.º do Código de
Processo Penal.
A execução da pena de prisão está regulada no Código da Execução das Penas e
Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de
outubro15.
12
No Código Penal de 1886 estavam previstas, após a reforma de 1954, a prisão maior e
a prisão.
13
O Código Penal, no artigo 65.º, n.º 1, eliminou os efeitos jurídicos automáticos, os quais
sendo desonrosos e estigmatizantes, como, a título de exemplo, a perda de qualquer
emprego ou funções públicas, dignidades, a incapacidade de eleger, ser eleito ou
nomeado para quaisquer funções públicas, não enquadravam a pena de “prisão na ótica
de uma prevenção especial de socialização” - [DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal
Português – As consequências jurídicas do crime. Lisboa: Editorial Notícias, 1993, pg.
100. Todavia, no n.º 2 do mesmo preceito, admite, em certos casos, penas acessórias
(vide artigos 66.º, 67.º e 69.º do CP).
14
Cfr. artigo 30.º, n.º 1, da CRP.
15
Vide alterações introduzidas pela Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, pela Lei n.º
40/2010, de 3 de setembro e pela Lei n.º 21/2013, de 21 de fevereiro.
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4.2. Alguns casos apreciados pelo TEDH
Há quem sustente que a CEDH não está diretamente relacionada com o
cumprimento da pena de prisão e que esse é um assunto que é deixado para ser tratado
pela legislação nacional e pelos tribunais nacionais dos Estados-membros.
Todavia, no caso de um julgamento no Reino Unido nos anos noventa, em que dois
jovens de dez anos (Venables e Thompson) foram condenados, pela prática de crimes de
rapto e de homicídio de uma criança de 2 anos (James Bulger), numa pena de prisão
indeterminada 16 , o TEDH, em 1999, apesar de rejeitar a alegação dos advogados de
Venables17 e Thompson18 de que o julgamento fora desumano e degradante, considerou
que foi negado um julgamento justo face ao ambiente carregado que se gerou à volta do
mesmo (imprensa, revolta popular) e à natureza do processo judicial.
Neste caso o TEDH não considerou violado o artigo 5.º, n.º 1 da CEDH, mas indicou
que longos períodos de detenção em relação a jovens delinquentes podem ser
incompatíveis com o artigo 3.º da CEDH.
5. Prisão perpétua
5.1. Regime nacional
Vigora no direito português o princípio da natureza temporária, limitada e definida
das penas19.
A CRP no seu artigo 30.º, n.º 1, estabelece que «Não pode haver penas nem
medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétua ou de
duração ilimitada ou indefinida».
16
O juiz condenou-os e recomendou que eles deveriam ser mantidos sob custódia por
"muitos, muitos anos a fio", pelo prazo mínimo de 8 anos.
17
Venables v. Reino Unido, n.º 24888/94, de 16 de dezembro de 1999.
18
Thompson v. Reino Unido, n.º 24724/94, de 16 de dezembro de 1999.
19
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República
Portuguesa, anotada, Vol. I. Coimbra Editora, 2007, pg. 502.
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Este princípio integra com outros princípios e regras o princípio do Estado de direito
democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP, contribuindo para densificar a ideia de
sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade,
igualdade e segurança20.
Ainda quanto a este tema, parece-nos oportuno interpor na nossa exposição a
questão da compatibilidade ou não do instituto da prisão perpétua adotado pelo Estatuto
de Roma do TPI, nos artigos 77.º, n.º 1, al. b) e 110.º, n.º 3, com a CRP, remetendo para
o ponto 6., respeitante à extradição, os desenvolvimentos sobre a matéria.
5.2. Alguns casos apreciados pelo TEDH
Relativamente a sentenças de prisão perpétua imposta a delinquentes adultos, a
jurisprudência do TEDH, até 2008, não era uniforme quanto a considerar violado o artigo
3.º da CEDH.
Todavia, a posição foi-se alterando como é possível verificar no caso Kafkaris v.
Chipre, n.º 21906/04, de 12 de fevereiro de 2008, onde o TEDH sustentou que a
atribuição de penas perpétuas a adultos sem possibilidade de redução pode suscitar uma
questão ao abrigo do artigo 3.º da CEDH, sendo que essa situação não se verificou no
caso referido.
Este posicionamento pouco consistente do TEDH tem influenciado decisões de
Estados-Membros, sendo exemplificativo desta asserção o seguinte caso:
No caso Ralston Wellington v. Secretário de Estado do Ministro do Interior (2008)
UKHL, a Câmara dos Lordes revelou um posicionamento relativista em relação à
interpretação do artigo 3.º da CEDH. No caso, o recorrente havia praticado dois
homicídios nos Estados Unidos da América (EUA), em Kansas City, a 13 de fevereiro de
1997 e fora preso, em Londres, a 29 de janeiro de 2003. Os EUA solicitaram a sua
extradição e a Câmara dos Lordes, não obstante ser altamente provável a condenação do
requerente nos EUA em pena de prisão perpétua, em princípio irredutível (decisão
dependente do Governador do Estado do Missouri), decidiu executar o pedido,
20
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital, ob. cit., pg. 205.
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considerando que não havia razões para pensar que nas prisões do Missouri os reclusos
eram sujeitos a tortura, restringindo o conceito de tratamento desumano e degradante a
essa ideia, e afastando do mesmo a prisão perpétua irredutível, considerando até que o
TEDH, em situação idêntica, apenas sugeriu que a prisão perpétua, sem possibilidade de
liberdade condicional, poderia cair no âmbito do artigo 3.º do CEDH, apontando o
exemplo do caso Kafkaris v. Chipre, n.º 21906/04, de 12 de fevereiro de 2008, referido
supra.
6. Extradição
6.1. Regime nacional
As regras constitucionais do instituto da extradição encontram-se nos artigos 33.º,
n.ºs, 3, 4, 5, 6 e 7 da CRP, sendo que a matéria vem regulada na Lei de Cooperação
Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto,
com a 5.ª alteração introduzida pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, e na Lei 65/2003,
de 23 de agosto, que aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu (em
cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho).
O mandado de detenção europeu (MDE) teve por base o princípio do
reconhecimento mútuo das autoridades judiciárias dos Estados-Membros da União
Europeia, prevendo a entrega entre Estados-Membros de pessoas procuradas tanto para
julgamento como para a execução de uma pena, sendo portanto relevante para a
detenção, tanto anterior como posterior ao julgamento.
Apenas uma brevíssima incursão à Lei n.º 65/2003 para referir que, em relação a
certos crimes, elencados nas alíneas do n.º 2 do artigo 2.º, é permitida a concessão da
extradição com origem num MDE mesmo que no Estado da execução a infração punível
como crime no Estado da emissão não esteja tipificada.
Consagra-se o afastamento do controlo da dupla incriminação o que leva a que se
possa sustentar que “ há manifestamente uma exasperação no nomen iuris em detrimento
de um controlo sustentado em princípios indiscutivelmente materiais. Neste sentido e
dentro desta perspetiva não interessa qual o conteúdo material do crime, interessa saber
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que é «formalmente» crime. Para além disso, fazendo tábua rasa daquele princípio
suprimem-se, de igual jeito, as oportunidades de verificação do respeito das garantias
processuais do arguido”21.
Prometemos no ponto 5.1., quando abordámos o tema sobre a prisão perpétua no
regime português, tecer alguns comentários sobre a compatibilidade ou não desse
instituto, previsto no Estatuto de Roma do TPI, com a CRP 22 , pelo que iremos, de
imediato, fazê-lo.
Como referimos, o Estatuto de Roma do TPI adota o instituto da prisão perpétua nos
artigos 77.º, n.º 1, al. b) e 110.º, n.º 3, mas o direito português não o admite, conforme
resulta dos artigos 30.º, n.º 1 e 33.º, n.º 4 da CRP, embora este último preceito imponha
que a aplicação da pena de prisão perpétua sofra importantes restrições em sede de
extradição, mas admita que a proibição da extradição ceda perante garantias oferecidas
pelo estado requisitante de que tal pena não será aplicada ou executada, apontando para
a consagração do critério da punibilidade em concreto.
Sobre a compatibilidade ou não desse instituto com a CRP há quem defenda que as
normas constitucionais não foram pensadas no sentido de terem em conta a entrega de
pessoas a um tribunal internacional e por isso não podem deixar de acolher esses
preceitos, mas outros, considerando que esse instituto pode beliscar ou afrontar a CRP,
apontam outra solução que passa pela aplicação ou operacionalidade do princípio da
complementaridade, ou seja, Portugal só entrega pessoas ao TPI se quiser, i. é, se não
se declarar competente para as julgar internamente (vide artigos 1.º e 17.º, n.º 1, alíneas
a) e c) do Estatuto e artigo 7.º, n.º 7 da CRP 23) ou deverá ir mais longe, eliminando da
21
COSTA, José F. de Faria. Direito Penal e Globalização, Reflexões não locais e pouco
globais. Coimbra Editora, 2010, pg. 61.
22
Sobre esta questão da harmonização da Constituição Portuguesa com o Estatuto de
Roma do Tribunal Penal Internacional vide GOUVEIA, Jorge C. Bacelar. Direito
Internacional da Segurança. Almedina, 2013, pgs. 145-156.
23
“Portugal pode (…) aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições
de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma”.
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CRP normas constitucionais inconstitucionais24, como as previstas nos artigos 7.º, n.º 7 e
33.º, n.º 4, uma vez que as mesmas colocam “em xeque a coerência material do Direito
Constitucional Português, que eleva à máxima proteção certos valores que considera
supremos”25.
A consagração do princípio da complementaridade, segundo o qual a jurisdição do
TPI é subsidiária às jurisdições nacionais (salvo o caso de os Estados se mostrarem
incapazes ou sem disposição em processar e julgar os responsáveis pelos crimes
cometidos), contribui sobremaneira para fomentar os sistemas jurídicos nacionais a
desenvolver mecanismos processuais eficazes, capazes de efetivamente aplicar a justiça
em relação aos crimes tipificados no Estatuto de Roma, que passam também a ser crimes
integrantes do direito interno dos Estados-partes que o ratificaram.
6.2. Alguns casos apreciados pelo TEDH relacionados com a
extradição
Quanto à questão da extradição de pessoas, o TEDH modificou ligeiramente a sua
jurisprudência quando a mesma possa representar um risco real para uma pessoa em
termos desse risco atingir o disposto no artigo 3.º da CEDH.
Esta ligeira inversão jurisprudencial verificou-se logo no caso Babar Ahmad e Outros
v. Reino Unido, n.ºs 24027/07, 11949/08, 36742/08, 66911/09 e 67354/09, de 10 de abril
de 2012, mas também é visível nos casos Chahal v. Reino Unido, n.º 22414/93, de 15 de
novembro de 1996 (deportação de um activista político Sikh e da família para a Índia),
Mamatkulov e Askarova v. Turquia, de 4 de fevereiro de 2005 (extradição de suspeitos de
24
BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Trad. e nota prévia de José
Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.
25
GOUVEIA, Jorge C. Bacelar, ob. cit., pgs. 155-156.
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terrorismo para o Uzbequistão) e Saadi v. Itália, n.º 37201, de 28 de fevereiro de 2008
(deportação de um ativista político fundamentalista para a Tunísia).
Nestes casos, apesar de se verificar que as atividades dos indivíduos em questão
eram indesejáveis ou perigosas, essas circunstâncias não foram decisivas ou importantes
para a expulsão uma vez que a proteção do artigo 3.º da CEDH é mais ampla do que a
prevista nos artigos 32.º e 33.º da Convenção de 1951 das Nações Unidas sobre o
Estatuto dos Refugiados26.
Na verdade, em casos em que a remoção pode levar a que o arguido venha a sofrer a
pena de morte ou a prisão perpétua irredutível no Estado-emissor e haja o real
conhecimento de que tal país tem uma longa história de falta de respeito pela
democracia, pelos direitos humanos e pelo Estado de Direito, o Estado-executante deve
ter uma palavra a dizer – a negação da execução do mandado - para evitar que sejam
violados os direitos humanos e, no caso, o disposto no artigo 3.º da CEDH.
26
Adotada a 28 de julho de 1951 pela Conferência das Nações Unidas de
Plenipotenciários sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, realizada em Genebra e
convocada pela resolução 429 (V) da Assembleia Geral, de 14 de dezembro de 1950.
Sofreu as emendas introduzidas pelo Protocolo de Nova Iorque, de 31 de janeiro de 1967.
Entrada em vigor na ordem internacional: 22 de abril de 1954, em conformidade com o
artigo 43.º.
Em Portugal a aprovação para adesão foi feita através do Decreto-Lei n.º 43 201, de 1 de
outubro de 1960, alterado pelo Decreto-Lei n.º 281/76, de 17 de abril, publicado no Diário
da República n.º 91/76.
Vide também o Estatuto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados,
aprovado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, a 14 de dezembro de 1950, e a
Declaração sobre o Asilo Territorial, adotado pela Assembleia-Geral das Nações Unidas,
a 14 de dezembro de 1967 [Resolução n.º 2312 (XXII)].
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7. Situações de asilo e de imigrantes ilegais
7.1. Regime nacional
No artigo 33.º da CRP, o qual tem como epígrafe “Expulsão, extradição e direito de
asilo”, os seus n.ºs 8 e 9 referem-se especificamente ao direito de asilo, às situações
protegidas por esse direito e ao estatuto de refugiado político.
Assim, o n.º 8 refere que “É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos
apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da
sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os
povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana” e o n.º 9 estabelece que “A lei
define o estatuto do refugiado político”.
Relativamente às disposições infraconstitucionais temos, desde logo, a Lei n.º
27/2008, de 30 de Junho, a qual estabelece as condições e procedimentos de concessão
de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de
proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna as Diretivas n.ºs
2004/83/CE, do Conselho, de 29 de Abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de Dezembro.
Sobre a situação de imigrantes ilegais temos a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho que
aprovou o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros
do território nacional, com a alteração da Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto.
Neste diploma há a verificar com interesse os artigos 181.º, 183.º, 184.º e 188.º,
n.º2, os quais têm a ver com a investigação e com a tipificação de crimes.
Ainda quanto aos imigrantes ilegais há que ter em conta o disposto no artigo 27.º,
n.ºs 1, 2 e 3, alínea c), da CRP27.
27
“1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em
consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com
pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. Excetua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a
lei determinar, nos casos seguintes:
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7.2. Alguns casos apreciados pelo TEDH
O TEDH tem-se pronunciado também sobre a situação de requerentes de asilo e de
imigrantes ilegais que são praticamente abandonados em zonas de trânsito durante
vários dias.
Num dos casos – Riad e Idiab v. Bélgica, n.ºs 29787/03 e 29810/03, de 24 de janeiro
de 2011, os recorrentes (imigrantes ilegais) permaneceram numa área de trânsito, por um
período superior a 10 dias, ausentes de medidas para prover às suas necessidades
essenciais.
O TEDH concluiu que se estava perante uma "privação de liberdade", contrária ao
artigo 5.º da CEDH e considerou ainda que as condições de detenção de estrangeiros
eram desumanas e degradantes em violação do artigo 3.º da CEDH.
Num outro caso M.S.S. 28 v. Grécia e Bélgica, n.º 30696/09, de 21 de janeiro de
2011, o TEDH emitiu importante decisão contra a Bélgica e Grécia no sistema de
transferência de requerentes de asilo na União Europeia. Em resumo, o Tribunal
considerou que as condições de asilo na Grécia eram tão más (o centro fechado para
estrangeiros ilegais estava superlotado, o recorrente esteve aí uma semana e os serviços
básicos eram inexistentes), tendo-a condenado por violação do artigo 3.º do CEDH e o
mesmo fez à Bélgica porque também reteve o recorrente num centro fechado para
estrangeiros ilegais por 4 dias e procedeu à sua transferência para a Grécia.
No caso Rahimi v. Grécia, n.º 8687/08, de 5 de abril de 2011, o requerente, cidadão
afegão menor de 15 anos, esteve no centro de detenção Pagani durante dois dias, sendo
que este estava superlotado, sem condições sanitárias e para repouso (os detidos
dormiam no chão) e imundo, representando um atentado à saúde de detidos e de
c) Prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que
tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual
esteja em curso processo de extradição ou de expulsão”.
28
M.S.S. era um intérprete que deixou o Afeganistão em 2008 por estar a ser vítima de
um ataque contra a sua vida pelos Talibãs.
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funcionários. Para além disso o requerente era menor e não teve qualquer
acompanhamento. A Grécia foi condenada por violação do artigo 3.º da CEDH.
No caso de Muskhadzhiyeva e outros v. Bélgica, n.º 41442/07, de 19 de janeiro de
2010, o TEDH, em 10 de janeiro de 2010, condenou a Bélgica, num processo relativo à
detenção de menores, requerentes de asilo, num centro de detenção fechado. Os
recorrentes eram cinco chechenos: uma mulher e os seus quatro filhos menores, de 7
meses, 3 anos, 5 anos e 7 anos de idade. Neste caso, os menores e a mãe foram detidos
por mais de um mês num centro fechado considerado pelo TEDH inapto para o
acolhimento das crianças. O Tribunal também atribuiu grande importância ao estado
preocupante de saúde das crianças, que apresentavam sintomas físicos e
psicossomáticos graves. Levando em conta a idade das crianças, o seu estado de saúde
e a duração da sua detenção, o Tribunal concluiu que a sua detenção violou o artigo 3.º
da CEDH.
No caso Mubilanzila Mayeka e Kaniki Mitunga v Bélgica, n.º 13178/03, de 12 de
outubro de 2006, a Bélgica já tinha sido condenado por detenção de requerentes de asilo
menores não acompanhados no mesmo centro de detenção, em violação dos artigos 3.º
(proibição de tortura, tratamento desumano ou degradante), 5.º (direito à liberdade e à
segurança) e 8.º (direito ao respeito pela vida privada e familiar), todos da CEDH.
Neste caso o TEHD considerou que Kaniki Mitunga, uma menina de 5 anos, esteve
quase 2 meses num centro de detenção fechado projetado para adultos, não estando
adaptado às necessidades de uma criança, e que não lhe foi atribuída uma pessoa
qualificada que lhe proporcionasse, nomeadamente, assistência educacional.
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8. Direitos do recluso
“Oh vós que entrais, deixai toda a esperança»29
8.1. Abordagem inicial e regime nacional
O entendimento (teoria clássica) de que os reclusos eram sujeitos desprovidos de
direitos foi, definitivamente, ultrapassado, por uma visão mais humanitária, iniciada com
os trabalhos de Freudenthal sobre a posição jurídica do recluso, que passou a considerálos como portadores de direitos fundamentais inerentes à consideração do homem no
mundo atual30.
Na verdade, “A característica essencial do Direito da atualidade (…) é a da
consideração da pessoa humana como fundamento da atividade do estado, do poder
público em geral e das normas e princípios que em cada momento são definidas. (…) a
proteção da pessoa humana se assume como critério último de juridicidade, em torno da
mesma se ponderando todos os padrões de justiça que devam ser aceites.”31
Todavia, porque os reclusos têm uma relação de vida especial que colide com certos
valores comunitários, como o bem-estar da comunidade, a segurança nacional, a
prevenção e repressão criminal, a existência do Estado, têm de se sujeitar,
necessariamente, a uma legalidade própria impositiva da restrição de alguns direitos
29
Sentença de Dante citada por ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo. Coimbra,
1978, p. 94.
30
RODRIGUES, Anabela Miranda. - A Posição Jurídica do Recluso na Execução da Pena
Privativa de Liberdade. Coimbra, Separata do vol. XXIII do Suplemento ao BFDUC, 1982,
pg. 170
31
GOUVEIA, Jorge C. Bacelar. Vida Humana Pré-Natal, Aborto e Constituição Perspetivas de Direito Constitucional e de Direito Regional. Lisboa: EDIUAL, 2009, pg. 13.
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individuais32, desde que tal não implique a manipulação do princípio da dignidade humana
“ao sabor de interesses de ocasião”33.
A legalidade própria do recluso suprarreferida não é mais do que um estatuto
específico – situado no seio da Constituição onde deve procurar o seu fundamento ou,
pelo menos, o seu pressuposto – que não legitima qualquer limitação específica e
implícita dos direitos fundamentais, uma vez que o conteúdo essencial dos direitos
fundamentais deve permanecer intocado34.
Daí a CRP incluir “dois preceitos específicos para os direitos, liberdades e garantias,
tendo bem presente o velho brocardo latino Odosa sunt restigenda”35, os n.ºs 2 e 3 do
artigo 18.ºda CRP e prever, especificamente, para os condenados em pena ou medida
privativa da liberdade, mais dois preceitos, os n.ºs 4 e 5 do artigo 30.º da CRP.
No número 4 do artigo 30.º surge o princípio geral de que os reclusos não perdem a
titularidade dos direitos fundamentais e não podem ser vítimas de uma qualquer capitis
deminutio36.
No número 5 desse preceito prevêem-se restrições na titularidade de direitos,
liberdades e garantias aos reclusos. Uma delas decorre do próprio sentido da
condenação – a privação da liberdade física - e a outra é uma decorrência lógica da
respetiva execução – os direitos, liberdades e garantias que se apresentem
materialmente dependentes da liberdade física das pessoas ou da possibilidade de que a
mesma venha a ser exercida37.
Como vimos, apesar da aceitação de restrições na titularidade de direitos, liberdades
e garantias aos reclusos, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais permanece
32
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 2009, pg. 297.
33
GOUVEIA, Jorge C. Bacelar, ob. cit., pg. 19.
34
RODRIGUES, Anabela Miranda, ob. cit., pgs. 172 e 175.
35
GOUVEIA, Jorge C. Bacelar. Manual de Direito Constitucional, Vol. II. Almedina, 2013 5.ª Ed., pg. 1006.
36
GOUVEIA, Jorge C. Bacelar. Manual de Direito Constitucional, Vol. II. Almedina, 2013 5.ª Ed., pg. 1019.
37
GOUVEIA, Jorge C. Bacelar, ob. cit., pg. 1019.
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intocado, sendo que, por força deste critério, certos direitos fundamentais não podem
sofrer quaisquer restrições na sua execução porque isso iria afetar o conteúdo essencial
dos preceitos constitucionais que os preveem.
Estão neste caso o direito à vida consagrado na CRP38, o direito à integridade física
reconhecido também na nossa norma fundamental através de um comando que impede
que «ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes
ou desumanos”39.
Estando o recluso privado do direito à liberdade física, face à condição que lhe foi
imposta na condenação, consequentemente fica condicionado faticamente o exercício de
outros direitos fundamentais, como por exemplo do direito de deslocação e de
emigração40, do direito de reunião e de manifestação41, da liberdade de criação cultural42
ou do direito de educação dos filhos43.
Depois de observado o âmbito dos direitos fundamentais do recluso à luz da CRP,
importa agora, em breve síntese, fazer alusão às normas do direito penitenciário
português que se referem a essa matéria.
Começamos pelo Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da
Liberdade (CEPMPL)44, o qual consagra o princípio geral de que os reclusos não perdem
a titularidade dos direitos fundamentais45.
38
Artigo 24.º da CRP
Vide artigo 25.º, n.º 2 da CRP.
40
Artigo 44.º da CRP.
41
Artigo 45.º da CRP.
42
Artigo 42.º da CRP.
43
Artigo 36.º, n.º 5 da CRP.
44
Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º
33/2010, de 2 de setembro, pela Lei n.º 40/2010, de 3 de setembro e pela Lei n.º 21/2013,
de 21 de fevereiro.
45
Cfr. artigo 6.º que estabelece que “O recluso mantém a titularidade dos direitos
fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da sentença condenatória ou da
decisão de aplicação de medida privativa da liberdade e as impostas, nos termos e limites
do presente Código, por razões de ordem e de segurança do estabelecimento prisional”.
39
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Este diploma refere-se também de forma expressa aos direitos do recluso46, sendo
que as restrições impostas a certos direitos, como o da inviolabilidade de
correspondência, funcionam como uma verdadeira medida de segurança em sentido
amplo.
Terminamos com uma alusão ao Regulamento Geral dos Estabelecimentos
Prisionais (RGEP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 51/2011, de 11 de abril, para citar vários
preceitos relativos aos direitos do recluso, dos quais destacamos, entre outros, os artigos
9.º (prestação de informações gerais), 10.º e 53.º a 60.º (cuidados de saúde), 13.º (apoio
na resolução de questões pessoais, familiares e profissionais urgentes), 34.º a 36.º
(condições de alojamento), 44.º (roupa de cama e banho), 45.º (alimentação), 102.º e
103.º (comunicação com advogado), 111.º e 112.º (visitas), 120.º, 122.º e 123.º (visitas
íntimas), 126.º a 131.º (correspondência) e 132.º (contactos telefónicos).
Verificamos, após análise comparativa, que o regime nacional está em consonância
com os seguintes instrumentos jurídicos internacionais:
- Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, adotado pelo Primeiro
Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos
Delinquentes, realizado em Genebra, em 1955 e aprovadas através das resoluções 663 C
(XXIV), de 31 de Julho de 1957 e 2076 (LXII), de 13 de Maio de 1977, do Conselho
Económico e Social das Nações Unidas (ONU, 2007), onde no seu preâmbulo se
estabelecem os fins que as perseguem: assegurar o respeito pelos direitos humanos dos
reclusos, nas regras 1 a 6 são tratados os princípios fundamentais (ex. respeito pela
dignidade humana, proibição da discriminação, liberdade religiosa e moral, etc.) e nas
regras 90 a 100 estabelecem-se preceitos adicionais para categorias especiais de
reclusos.
- Regras Penitenciárias Europeias, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho
da Europa, através da Recomendação Rec (2006) 2 que veio substituir a Recomendação
n.º R (87) 3, as quais se estruturam por VIII partes, destacando-se a parte I que enuncia
46
Artigo 7.º do CEPMPL.
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uma série de princípios fundamentais (ex. respeito pela intimidade dos reclusos; o direito
a habitar uma cela individual); a parte II que regula as condições de detenção; a parte III
que regula o direito à saúde e as partes VII e VIII que se dedicam à regulação e
separação dos presos preventivos e dos condenados.
- Livro Verde sobre a aplicação da legislação penal da UE no domínio da detenção,
adotado pela Comissão Europeia, em 14/06/2011 - COM (2011) 327.
8.2. Alguns casos apreciados pelo TEDH relacionados com os
direitos do recluso
- Proteção contra maus tratos (algemagem)
O TEDH considerou como situações de violação do artigo 3.º da CEDH alguns
casos que tiveram a ver com a algemagem sistemática de presos aquando da sua
transferência de uma parte da prisão para outra, sendo que essa medida foi
acompanhada de strip search (revista) diário ou várias vezes ao dia, envolvendo uma
inspeção anal, e que os seus comportamentos nas celas, incluindo a utilização das
instalações sanitárias, foram constantemente monitorizados através de televisão em
circuito fechado, uma vez que tendo os recorrentes sido submetidos a várias medidas de
estrita vigilância não havia uma necessidades concreta de os sujeitar à algemagem
sistemática para garantir a segurança na prisão. Assim, o confinamento solitário e de
exclusão causou-lhes sentimentos de humilhação e desamparo enquadráveis no conceito
de tratamento degradante em violação do artigo 3.º da CEDH – vide os casos Kashavelov
v. Bulgária, n.º 891/05, de 20 de janeiro de 2011, Babar Ahmad e Outros v. Reino Unido,
n.ºs 24027/07, 11949/08, 36742/08, 66911/09 e 67354/09, de 10 de abril de 2012,
Piechowicz v. Polónia, n.º 20071/07, de 17 de abril de 2012 e Pawel Pawlak v. Polónia,
n.º 13421/03, de 30 de outubro de 2012.
- Direito ao sufrágio
- Caso Hirst v. Reino Unido, n.º 74025/01, de 6 de outubro de 2005:
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Neste caso é referido que o recorrente foi impedido de votar por força de diploma
legal interno que proíbe os presos condenados de votar durante a sua reclusão em
estabelecimento prisional. Em 2001, Hirst recorreu primeiro para o Supremo Tribunal
inglês, mas o caso foi arquivado. Em 2004, a Câmara do Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos decidiu, por unanimidade, que houve uma violação do disposto no artigo 3.º do
Protocolo Adicional à CEDH. O Reino Unido apresentou um recurso ao Tribunal Pleno, o
qual, em 6 de outubro de 2005, decidiu a favor de Hirst, por maioria. O Tribunal
considerou que a restrição do direito de voto dos presos viola o artigo 3.º do Protocolo
Adicional à CEDH.
- Caso Scoppola v. Itália, n.º 126/05 de 22 de maio de 2012.
Neste caso, o recorrente condenado, inicialmente a cumprir uma pena de prisão
perpétua e depois reduzida para 30 anos, foi acessoriamente privado, durante a reclusão,
do direito de votar (artigo 28.º do Código penal italiana e Decreto Presidencial n.º
223/1967).
O TEDH considerou que a privação de direitos de presos condenados prevista pela
legislação italiana não era geral e automática, sendo uma medida discricionária que o
levou a encontrar uma violação do artigo 3. º do Protocolo n º 1 (adicional) no caso Hirst v.
Reino Unido. Concluiu que a Lei italiana teve o cuidado de adaptar a medida com as
circunstâncias particulares de um caso e em particular com a duração da pena, pelo não
observou qualquer violação à CEDH, designadamente ao referido preceito do Protocolo
Adicional.
- Direito ao repouso
- Caso Strelets v. Rússia, n.º 28018/05, de 6 de novembro de 2012.
Provou-se que o prisioneiro, entre junho de 2004 e junho de 2005, foi conduzido por
42 vezes do estabelecimento prisional para o Tribunal, sendo que algumas dessas
transferências foram em dias consecutivos, que o prisioneiro foi acordado às 06.00 horas
e que chegou ao estabelecimento prisional às 22:00 horas, e que não lhe foi fornecida
qualquer refeição nesses dias. O Tribunal considerou que a desnutrição e a falta de
repouso causou ao prisioneiro uma falta de concentração e de agilidade mental quando
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este mais precisava delas, concluindo que o recorrente foi submetido a tratamento
desumano e degradante, em violação do artigo 3.º da CEDH.
- Manutenção de contactos com o exterior (visitas)
- Caso Gülmez v. Turquia, n.º 16330/02, de 20 de maio de 2008.
Neste caso o recorrente por, em reclusão, ter entoado slogans e recusado qualquer
pesquisa corporal, foi condenado em seis sanções disciplinares sendo que, em
consequência, viu-se privado de visitas durante um ano.
O Governo turco afirmou que as autoridades do estabelecimento prisional, no
exercício dos seus poderes discricionários, consideraram a necessidade de restringir ao
requerente o direito de visita, por razões de ordem e segurança, alegando que se
fundaram em disposições legais de origem doméstica.
O TEDH, considerando que os reclusos, em geral, continuam a desfrutar de todos os
direitos fundamentais e liberdades garantidos pela CEDH, concluiu que a restrição do
direito de visita, pelo período referido, constituiu, em si, uma inferência no direito ao
respeito da vida familiar, nos termos do artigo 8.º da CEDH, inferência essa baseada em
disposições legais domésticas que não cumprem com a qualidade das normas plasmadas
na CEDH.
Decidiu, por isso, apontar para a violação dos artigos 6.º e 8.º da CEDH.
- Caso Enea v. Itália, n.º 74912/01, de 17 de Setembro de 2009.
O requerente Salvatore Enea cumpria uma pena de prisão efetiva por ter praticado
vários crimes, entre os quais, o de associação criminosa tipo máfia, desde 23 de
dezembro de 1993.
A 10 de agosto, por decisão do Ministro da Justiça, foi determinada a sua saída do
regime comum e a sua sujeição ao regime especial de prisão pelo período de 1 ano. Por
força desse despacho, o recluso viu restringidos vários direitos, como o de visitas - de
familiares (1 hora por mês) e de não familiares (excluído) – e o uso do telefone. A sua
correspondência passou a ser monitorizada. A submissão ao regime especial foi
prorrogada 19 vezes, durando até finais de 2005.
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O requerente apresentou vários recursos no tribunal de Nápoles, responsável pela
execução das decisões ministeriais, sendo que este só deu provimento total ao último
recurso, ordenando a interrupção do regime especial, a 1 de março de 2005.
Após esta decisão, as autoridades prisionais colocaram o recluso em EIV (Elevato
Indice de Vigilanza), regime este que se manteve até outubro de 2008, altura em que o
Tribunal de Nápoles, face aos problemas de saúde do requerente que se deslocava em
cadeira de rodas, determinou o cumprimento da pena de prisão no domicílio.
O requerente alegou que a sua sujeição, tendo em conta os seus graves problemas
de saúde, ao cumprimento da pena na prisão violou o artigo 3.º da CEDH (proibição de
tratamento desumano e degradante), invocou também violações de outros artigos da
CEDH – artigo 6.º (direito a um julgamento justo), artigo 13.º (direito a um recurso efetivo),
artigo 8.º (direito ao respeito pela vida privada e familiar), ao reclamar das restrições
impostas relativamente ao regime de visitas da sua família e ao controlo da sua
correspondência e artigo 9.º (direito à liberdade de pensamento, consciência e religião),
uma vez que não o deixaram assistir, como era prática da sua religião, aos funerais de um
irmão e da sua namorada.
O TEDH considerou que não houve violação do artigo 3.º CEDH, declarou
inadmissível a queixa em relação ao artigo 9.º do mesmo diploma e que não havia
necessidade de examinar separadamente a denúncia nos termos do artigo 13.º.
Considerou, contudo, que o artigo 6.º, n.º 1 e o artigo 8.º foram violados.
O primeiro por duas razões: a primeira tem a ver com o facto do Tribunal de Nápoles
não ter apreciado, em 12 de 19 situações de recurso, o mérito da aplicação do regime
especial e a segunda teve a ver com as restrições ao direito de visitas dos familiares,
dando como referência as regras penitenciárias europeias adotadas pelo Comité de
Ministros, em 1987, do Conselho da Europa através de uma Recomendação de 11 de
janeiro de 2006 47 . O Tribunal referiu que, embora tal recomendação não fosse
47
Atualmente, temos a Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de dezembro de 2011,
sobre as condições de detenção na EU [2011/2897 (RSP)].
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juridicamente vinculativa para os Estados-membros, a grande maioria deles reconheceu-a
e nela encontrou normas-padrões para os direitos dos reclusos.
Quanto à violação do artigo 8.º da CEDH, o TEDH considerou que a supervisão da
correspondência não estava em conformidade com a lei da administração penitenciária
nacional, uma vez que a decisão de monitoramento não indicou a duração da medida, as
razões justificativas e não referiu com clareza suficiente o alcance e a forma do exercício
desse poder discricionário.
- Proteção da vida familiar
Caso - Ploski v. Polónia, n.º 26761/95, de 12 de novembro de 2002.
Neste caso o recorrente, que se encontrava em prisão preventiva, viu indeferidos os
seus pedidos para assistir aos funerais de seus pais, os quais ocorreram no espaço de
um mês.
As autoridades polacas invocaram que o peticionante era um criminoso habitual,
cujo retorno à prisão não se poderia considerar garantida.
Os requerimentos apresentados para que o recluso pudesse assistir aos funerais
foram acompanhados por declarações de agentes penitenciários que atestavam que o
comportamento do requerente na prisão era irrepreensível.
O TEDH teve em atenção essas declarações e também considerou que as razões
apresentadas pelas autoridades nacionais para rejeitar os pedidos não eram
convincentes. Entendeu que deveriam ter permitido uma licença para que o requerente,
sob escolta, pudesse ter assistido aos funerais e que tal afastaria quaisquer
preocupações sobre o risco de fuga do requerente ou de poder ser "um perigo
significativo para a sociedade". Lembraram que as autoridades polacas, apesar da dita
licença de saída sob escolta estar prevista na legislação doméstica, nem sequer a
equacionaram.
Concluíram pela violação do artigo 8.º da CEDH (respeito pela vida familiar).
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- Visitas íntimas
Caso - Aliev v. Ucrânia, n.º 41220/98 de 29 de abril de 2003.
O recorrente Aliev, deputado ucraniano, em reclusão a cumprir uma pena de prisão
perpétua (antes havia sido condenado à pena de morte que foi abolida em 22 de fevereiro
de 2000), queixou-se, para além do mais, que lhe havia sido negado qualquer contacto
íntimo com a sua esposa.
Em relação à queixa de recusa de contactos íntimos, o TEDH considerou que a
recusa das autoridades prisionais foi justificada, uma vez que, no caso e no tempo
presente os contactos íntimos poderiam colocar em risco a ordem e a prevenção criminal,
pelo que entendeu que tinha aplicação o artigo 8.º, n.º 2 da CEDH.
- Direito à correspondência (inviolabilidade do sigilo)
- Caso Silver e outros v. Reino Unido, n.ºs 5947/72, 6205/73, 7052/75, 7061/75,
7107/75, 7113/75 e 7136/75, em 25 de março de 1983.
A principal queixa de todos os recorrentes teve a ver com o controlo da sua
correspondência por parte das autoridades prisionais e que isso constituía uma violação
do seu direito ao respeito pela correspondência e da sua liberdade de expressão,
garantidos pelos artigos 8.º e 10.º da CEDH.
O recorrente Silver ainda alegou que lhe havia sido negado o acesso aos tribunais,
uma vez que lhe indeferiram duas petições em que solicitava aconselhamento jurídico e
que tal violava o artigo 6.º, n.º 1 da CEDH.
O TEDH admitiu parcialmente os recursos e decidiu no sentido de considerar
violados os artigos 6.º, n.º 1, 8.º e 13.º da CEDH.
Quanto ao direito à correspondência vide também o caso Enea v. Itália, n.º
74912/01, de 17 de Setembro de 2009 referido supra no ponto “manutenção de contatos
com o exterior (visitas)”
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- Acesso aos tribunais e à consulta e aconselhamento jurídico
por advogado
- Caso Golder v. Reino Unido, n.º 4451/70, de 21 de fevereiro de 1975.
Neste caso, o primeiro a chegar ao TEDH, em que foi negado ao recluso Golder um
defensor, o TEDH considerou que o direito de acesso à justiça é um dos componentes do
direito ao julgamento justo, protegido pelo artigo 6 º da Convenção Europeia dos Direitos
Humanos. Embora o texto da Convenção sozinho não contenha uma referência
específica ao direito de acesso ao tribunal foi estabelecido pela jurisprudência do Tribunal
Europeu dos Direitos Humanos, que o direito de acesso à justiça é uma parte inerente do
julgamento justo. Neste caso, o Tribunal considerou que o artigo 6.º da CEDH "assegura a
todos o direito de qualquer reclamação relacionada aos seus direitos civis e obrigações
perante um tribunal."
Considerou que o direito de acesso aos tribunais não é um direito absoluto e
algumas limitações ao mesmo podem ser compatíveis com a CEDH, se se provar que tais
limitações têm um propósito legítimo e são proporcionais ao objetivo que se pretende
alcançar. A Convenção garante no entanto que "os direitos que são práticos e eficazes “
e, portanto, nos termos do artigo 6.º, n.º1 da CEDH, os Estados-Membros são obrigados
a assegurar a todos um direito efetivo de acesso ao tribunal. Limitações legais ou factuais
deste direito podem ser consideradas violação da Convenção, uma vez que impedem aos
cidadãos o direito efetivo de acesso ao tribunal.
- Caso Campbell e Fell v. Reino Unido,, n.ºs 7819/77 e 7878/77, de 28 de junho de
1984.
No presente caso John Joseph Campbell e o Pastor (Father) Patrick Fell
encontravam-se a cumprir penas de prisão, em que tinham sido condenados, no mesmo
estabelecimento prisional (EP).
No EP, intervieram num motim e foram-lhes instaurados processos disciplinares.
John Joseph Campbell alegou que depois de acusado não lhe foi dado o tempo e
meios adequados para a preparação da sua defesa, ou seja, defender-se pessoalmente
ou através de advogado da sua escolha ou solicitar um defensor.
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No seu relatório, a Comissão considerou que tinha havido uma falha em cumprir
com as exigências da CEDH, em violação do seu artigo 6.º, n.º 3 alíneas b) e c), uma vez
que ao Sr. Campbell não foi dada a oportunidade de obter orientação e assistência
jurídica nem representação legal.
O TEDH, apesar de considerar que Campbell optou por não participar na audiência
do Conselho de Administração, referiu que a CEDH estabelece que "uma pessoa acusada
de um crime que não deseje defender-se pessoalmente deve ser capaz de recorrer a
assistência jurídica de sua própria escolha", citando também o acórdão Pakelli, de 25 de
abril de 1983, Série A, n.º 64, p. 15, n.º 31. Considerou também que um advogado
poderia "ajudar" o seu cliente se tivesse algum contacto prévio com este. O TEDH
concluiu que não foram oferecidas tais condições ao recluso e que por isso houve uma
violação do disposto no artigo 6.º, n.º 3 alíneas b) e c), da CEDH.
O Pastor Patrick Fell foi autorizado a contactar com os seus advogados, mas
sempre na presença de um funcionário da prisão. Alegou que esta situação violava o
artigo 6.º, n.º 1 da CEDH, citando o acórdão Golder48. A Comissão considerou que esta
ausência de contacto privilegiado entre advogado e cliente equivalia a uma interferência
com o direito de acesso ao tribunal que era incompatível com o artigo 6.º, n.º 1 da CEDH.
O TEDH, em face da debilidade dos argumentos apresentados pelo governo
nacional, o qual apenas refere que o recorrente era um prisioneiro da categoria «A», não
viu qualquer razão para discordar da posição da Comissão e para sustentar a existência
de uma violação ao artigo 6.º, n.º 1 da CEDH.
48
Golder v. Reino Unido, n.º 4451/70, de 21 de fevereiro de 1975.
Neste caso o TEDH entendeu que o direito de acesso a um advogado e a um tribunal,
independentemente das situações expressamente previstas na CEDH, deve ser
reconhecido por todas as jurisdições das Altas Partes Contratantes sem restrições
impostas por leis e regulamentos impostos pela legislação nacional. Na verdade a
definição de direitos humanos e liberdades reconhecidos pela CEDH e a prescrição
mínima de restrições aos mesmos indiciam fortemente que se o direito de acesso não
está nem expresso nem implícito e pretensa e necessariamente consagrado no artigo 6.º,
n.º 1 da CEDH, deve ser entendido que está incorporado na CEDH.
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- Acesso a assistência médica e a terapias sociais
- Caso Kaprykowski v. Polónia, n.º 23052/05, de 3 de Fevereiro de 2009, foi
constatado que o requerente sofria de epilepsia grave e tinha crises frequentes, as quais
ocorriam, em certas ocasiões, várias vezes por dia, e padecia também de encefalopatia e
demência.
Em reclusão, não obstante ter estado também em hospitais penitenciários e apesar
de vários médicos ressaltarem que deveria receber tratamento psiquiátrico e neurológico
especializado, ser sujeito a cirurgia ao cérebro e ser colocado em supervisão médica
durante 24 horas, só quando foi transferido para o Estabelecimento Prisional Hospitalar
de Poznan Remand é que passou a ter assistência médica adequada.
Por isto, o TEDH considerou que o recorrente, antes de dar entrada no hospital
prisão referido, ou seja no período de 5 de agosto de 2003 a 30 de novembro de 2007,
enfrentou um grave risco para a saúde, uma vez que não lhe fora garantido um
acompanhamento médico especializado constante, ficando apenas a contar com o
sistema de saúde dos estabelecimentos prisionais comuns.
Durante esse tempo, uma vez que o recorrente não tinha capacidade para tomar
decisões autónomas, acabou por ser colocado numa posição de inferioridade em relação
aos outros reclusos, a qual lhe causou uma ansiedade considerável e minou a sua
dignidade.
O TEDH concluiu que a reclusão continuada do recorrente, sem tratamento médico
adequado e assistência, constituíram tratamento desumano e degradante, em violação do
artigo 3.º da CEDH.
- Caso Pilcic v. Croácia, n.º 33138/06, de 17 de janeiro de 2008.
O requerente cumpria pena de prisão efetiva (30 anos e 6 meses), desde 24 de
fevereiro de 2003, na Prisão Estadual de Lepoglava, pela prática de crimes de homicídio,
tentativa de homicídio, falsificação e roubo.
A queixa perante o TEDH teve a ver com a falta de assistência médica adequada
para os seus vários problemas de saúde.
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O TEDH constatou que ele sofria de várias doenças, designadamente de pedra nos
rins. Os médicos da Prisão Hospital de Zagreb revelaram que a doença renal do
recorrente só poderia ser curada através de uma cirurgia, considerando, todavia, que esta
não era urgente e que as autoridades competentes tinham conhecimento, desde julho de
2003, que a cirurgia em questão fora recomendado e, durante cerca de quatro anos, não
tomaram qualquer medida no sentido da sua realização.
O TEDH considerou que o facto das autoridades penitenciárias terem deixado o
requerente sofrer dores consideráveis durante aquele longo período de tempo sem uma
perspetiva de alívio da sua doença renal constituiu uma situação de tratamento desumano
e degradante, violador do artigo 3.º da CEDH.
- Caso Kupczak v. Polónia, n.º 2627/09, de 25 de janeiro de 2011.
O requerente, foi preso preventivamente, em 26 de outubro de 2006, e nessa
situação ficou até 13 de agosto de 2009.
Em resultado de um acidente de automóvel, em 1998, ficou paraplégico e sofria,
continuamente, de dores nas costas. Para aliviar as dores tinha uma bomba de morfina
implantada no corpo que infundia os seus fluídos na coluna vertebral.
Essa bomba deixou de funcionar corretamente, segundo o convencimento do TEDH,
no final de 2007.
O TEDH considerou que, apesar dos inúmeros pedidos do requerente, os tribunais
polacos não ordenaram uma opinião médica especializada avaliativa da adequação do
tratamento médico que as autoridades penitenciárias ministravam ao requerente (toma
oral de analgésicos e carregamento da bomba com solução salina), ou seja, nunca deram
qualquer relevo sério ao estado de saúde do requerente, limitando-se a tomarem
decisões formais de prorrogação do prazo da prisão preventiva.
Assim, como ao longo da prisão preventiva, designadamente desde finais de 2007,
não foi dada a oportunidade ao requerente de ter a dita bomba de morfina em
funcionamento, o TEDH considerou que aquele passou por um sofrimento desumano, em
violação do artigo 3.º do TEDH.
- Caso Rangelov v. Alemanha, n.º 5123/07 de 22 de março de 2012
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O recorrente, cidadão estrangeiro, foi colocado em prisão preventiva em 2003,
permanecendo assim no estabelecimento prisional até à sua expulsão para a Bulgária,
em 2007.
Provou-se que durante a execução da medida de prisão preventiva, em razão da
sua nacionalidade estrangeira, foram-lhe recusadas terapias sociais e de relaxamento das
suas condições de detenção, as quais, se tivessem sido ministradas, colocavam-no numa
posição que lhe permitiria provar que não iria reincidir se viesse a ser libertado e que já
não era perigoso para a comunidade.
O TEDH considerou violado o artigo 14.º da CEDH, em conjugação com o artigo 5.º,
n.º 1 do mesmo diploma.
- Acesso a condições dignas de alojamento
- Caso Payet v. França, n.º 19606/08, de 20 de janeiro de 2011.
Neste caso, ao recluso fora aplicada uma medida disciplinar, não contestada, de
detenção na cela de castigo. Esta cela, do estabelecimento prisional de Fleury-Mérogis,
perto de Paris, apresentava-se num estado degradado e sujo e inundava, parcialmente,
quando chovia. Para além disso, tinha uma área de apenas 4,15 m2, não tinha ventilação
e abertura para luz natural, e a iluminação elétrica não dava para ler ou escrever. O
recluso só tinha acesso ao exterior da cela durante uma hora por dia, o que não lhe
permitia exercitar-se fisicamente. O Estado francês reconheceu as más condições dessa
cela e o TEDH considerou que, mesmo que as autoridades não tenham tido a intenção de
humilhar o candidato mas tão só puni-lo disciplinarmente, as condições de detenção
tinham sido responsáveis pelo seu sofrimento físico e mental, colocando em causa a sua
dignidade humana. Considerou que houve uma violação do artigo 3 º da CEDH.
- Caso Florea v. Roménia, 37186/03, de 14 de setembro de 2010
Neste caso, o recluso sofria de problemas crónicos de saúde – hepatite crónica e
hipertensão arterial -, pelo que o seu confinamento numa cela superlotada, onde dispunha
de menos de 2 m2 e onde a maioria dos ocupantes fumava, foi considerado um fator
importante pelo TEDH, levando à violação do artigo 3.º da CEDH
- Caso Elefteriadis v. Roménia, 38427/05, de 25 de janeiro de 2011.
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O TEDH considerou violado o artigo 3.º da CEDH por o recorrente, doente crónico
com fibrose pulmonar, ter partilhado uma cela superlotada com reclusos que fumavam.
- Caso Canali v. França, n.º 21906/04, de 12 de fevereiro de 2008.
Neste caso o TEDH concluiu que o recorrente tinha estado no estabelecimento
prisional Charles III, em Nancy, durante 6 meses, numa cela que partilhou com outro
recluso.
O Tribunal observou, em primeiro lugar, que o recorrente estava fechado na sua cela
durante a maior parte do dia, apenas com uma hora de manhã ou à tarde para o
exercício, num pátio com 50 m2 e, segundo lugar, no que diz respeito às instalações
sanitárias e de higiene, constatou que o recorrente não tinha privacidade quando se
deslocava para a casa de banho, uma vez que esta só era parcialmente fechada, sendo
que tal não era aceitável numa cela ocupada por mais de um recluso.
Assim, tendo em conta que o acesso a instalações sanitárias adequadas e a
manutenção de boas condições de higiene eram elementos essenciais para seres
humanos e que as condições a que estava sujeito (encerrado praticamente todo o dia na
cela) eram precárias, considerou ter sido criado um ambiente que despertou no recorrente
sentimentos de desespero e de inferioridade, adequados a rebaixá-lo e a humilhá-lo.
O Tribunal alicerçou também a sua convicção servindo-se, quer no facto de a própria
Assembleia Nacional, em relatório elaborado em 2000 ter descrito, em relação à situação
das prisões francesas, que as áreas de vida eram inaceitáveis para prisioneiros do sexo
masculino, visto ainda existirem dormitórios de 16 camas em que os prisioneiros marcam
o seu espaço individual com toalhas de banho, quer no facto do estabelecimento prisional
referido ter sido definitivamente encerrado, por via da sua deterioração, em 2009, ou seja,
três anos após os factos imputados neste caso.
Concluiu o Tribunal que estas condições de detenção atingiram a situação
denominada de tratamento degradante, levando à violação do artigo 3.º da CEDH.
Registe-se que esta foi a primeira condenação contra a França por excesso de
lotação numa cela de estabelecimento prisional.
- Caso Savenkovas v. Lituânia, n.º 871/ 02, de 18/11/2008
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O TEDH conclui que as condições de sobrelotação e insalubridade de detenção do
requerente no «Lukiskes Remand Prison», constituíram tratamento degradante, em
violação sistemática do disposto no artigo 3.º da CEDH, tendo tido em atenção,
especialmente, as alegações do requerente que referiam que as celas estavam
demasiado superlotadas, uma vez que 2 a 8 pessoas tinham de partilhar uma cela com
cerca de 9 m², que todos os reclusos estavam confinados à cela durante a maior parte do
dia e que as casas de banho não ofereciam privacidade.
- Caso Orchowski v. Polónia e Sikorski v. Polónia, 17885/04, de 22 de outubro de
2009:
Os recorrentes apresentaram várias queixas sobre a falta de espaço nas celas.
Fundaram-se em dados estatísticos fornecidos pelo Serviço Prisional mostrando que, em
média, a população carcerária era de 110%. Nas suas respostas aos reclusos, os
Serviços Prisionais admitiram que não podiam ser dados os estatutários 3 m² de espaço
por pessoa em todo o país por causa da superlotação crónica e que esta situação
justificava o uso de medidas restritivas da quantidade de espaço por preso abaixo dos
legais 3 m². Isto foi confirmado pelos juízes penitenciários, nos termos do artigo 248.º do
Código de Execução de Sentenças Penais, e que os diretores dos estabelecimentos
prisionais tinham o direito de tomar medidas para reduzir a área da cela para menos de 3
m² por recluso.
Baseando-se no artigo 3 º da CEDH, os candidatos reclamaram sobre as condições
da sua detenção, em particular a falta de espaço nas celas.
O TEDH considerou violado o artigo 3 º da CEDH, uma vez que os recorrentes
estiveram sujeitos a um tratamento desumano ou degradante.
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PARTE IV: APONTAMENTOS FINAIS
CONCLUSÕES
1. As autoridades judiciárias, os órgãos de polícia criminal e as autoridades
penitenciárias dos Estados da UE têm a obrigação de preservar e de proteger o direito à
segurança de quem foi detido e de quem se encontra a cumprir pena de prisão.2. Ao nível
constitucional e legal os Estados membros acolhem o direito individual à segurança, bem
como de outros direitos fundamentais dos detidos e reclusos (circunstância que em parte
se deve ao facto de todos terem ratificado a Convenção Europeia dos Direitos do Homem
– CEDH), mas subsistem diferenças de monta na transposição daqueles direitos para a
prática – sobretudo em fases, por natureza, mais gravosas para os direitos do arguido: as
fases da captura, da investigação e da execução.
3. A CEDH pode fornecer a base legal para a definição da posição jurídica de todos
os cidadãos que vierem a ser detidos e dos que estejam em reclusão a expiar penas de
prisão;
4. O TEDH, através das suas decisões, tem fornecido algumas orientações no
sentido da reformulação de práticas dos Estados que aderiram à CEDH, em relação aos
detidos e aos reclusos e poderá contribuir no sentido da proteção, rectius segurança
jurídica, e da não destruição moral desses cidadãos;
5. Da leitura conjugada da legislação portuguesa e dos acórdãos do TEDH ressalta
a ideia de que Portugal está apetrechado dos instrumentos legais adequados ao
cumprimento dos normativos da CEDH.
NOTA FINAL
“Cumpre resgatar sem ambiguidades o valor tradicional dos direitos humanos que,
historicamente, surgiram no campo da segurança pública como resistência aos abusos do
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Estado (…). Isto significa, por exemplo que o núcleo dos direitos fundamentais volte a ser
considerado indisponível e portanto subtraído à livre disposição do Estado, inclusive ou
sobretudo em tempos de crise”49.
Propositadamente, iniciámos esta nota final citando o professor catedrático em
Ciências Penais da Universidade de Frankfurt am Main, Winfried Hassemer, para
concluirmos pelo entrecruzamento do conteúdo do trabalho que findámos com o tema
“Direito e Segurança”.
Esta conclusão arranca do entendimento de que a segurança, vista como um direito
individual e não como política de segurança, deve remeter para ideais de protecção e de
“redução de incertezas”50 de quem, por força de detenção ou da execução de pena de
prisão se viu privado da liberdade e de que, por isso, demanda dos órgãos de polícia
criminal na fase investigatória do processo penal, em especial em momentos de detenção
de cidadãos, da autoridade judiciária (Ministério Público e Juízes) – quer nas diversas
fases do processo penal, quer na fase da execução da pena de prisão – e das
autoridades penitenciárias o reconhecimento de que se trata de um valor essencial da
dignidade humana que vai de “par em par com a liberdade”51 e com a igualdade, pois,
como refere Nelson Mandela “a segurança só para alguns é de facto, a insegurança para
todos”.
Com isto rematamos, dizendo, que a segurança, no contexto referido, oferece aos
cidadãos a tranquilidade que advém do facto de qualquer deles se poder servir, em
qualquer circunstância, de todos os meios de defesa e, por isso, apresenta-se como um
valor da dignidade humana, da democracia e do Estado de Direito democrático.
*
“Talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor, mas lutámos para que o melhor
fosse feito …”
(Martin Luther King)
49
HASSEMER, Winfried. A Segurança Pública no Estado de Direito, 1995, AAFDL, p.
116.
50
DENNINGER, Erhard. Sichertreit Vielfalt, Solidarität: Ethisierung der Verfassung?
51
RANGEL, Paulo. O Estado do Estado, 2009, Dom Quixote, p. 121.
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