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J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 1 www.nova-acropole.pt J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 3 Helena P. Blavatsky JÓIAS DO ORIENTE Edições Nova Acrópole J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 22-05-2008 22:05 Page 5 ÍNDICE PRÓLOGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 José Carlos Fernández INTRODUÇÃO À OBRA LITERÁRIA DE HELENA PETROVNA BLAVATSKY . . . . . . . . . . . . . 23 Harry Costin H.P.B. E O DISCIPULADO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Delia Steinberg Guzmán JÓIAS DO ORIENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 JANEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 FEVEREIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 MARÇO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 6 ABRIL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 MAIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 JUNHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 JULHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 AGOSTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 SETEMBRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 OUTUBRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 NOVEMBRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 DEZEMBRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 7 Prólogo Este livro nasceu em 1889 da vivaz e profundamente abissal pluma de Helena Petrovna Blavatsky, H.P.B. para os seus discípulos. É um diário de máximas de sabedoria. Extraindo os seus ensinamentos dos tesouros vivos das tradições budistas, védicas, zoroastrianas… e do misticismo de todas as épocas; imprime, para cada dia do mês e do ano, uma máxima filosófica. É um livro para os seus discípulos e, na realidade, para todos os apaixonados pela sabedoria e pela alma da vida. Cada sentença, assim são as sentenças dos verdadeiros sábios, é como uma gema, uma jóia alquímica que se cristalizou à luz de uma sabedoria certa. Esta máxima filosófica não é uma opinião ou a valorização de um facto a partir de uma determinada perspectiva, não é senão uma verdade certa, captada pela intuição – a memória da alma – afirmada pela mente e corroborada – pelo observador mais atento e sem preconceitos – em milhares de factos da vida. Poderíamos falar desta pequena obra como de um diá- 7 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 22-05-2008 22:06 Page 8 rio filosófico, onde cada ensinamento – o desse dia – é uma semente que a meditação fará crescer e converterá numa árvore moral de milhares de frutos que poderão levar à descoberta de novas verdades. E é precioso que em plena actividade incessante – escrevendo, ensinando e polemizando – H.P.B. tenha encontrado o tempo necessário para escrever esta «agenda filosófica» que se converteu, sem dúvida, em modelo de incontáveis agendas filosóficas a posteriori, tão na moda no nosso século XXI. Encontramo-nos perante os últimos e mais poderosos lampejos do génio de H.P.B., num labor incansável, sedeada no seu «quartel-general» em Londres. Primeiro em Lansdowne Road, n.º 17 e, a partir de 3 de Julho de 1890, no 19 Avenue Road, na casa que Annie Besant doou à Sociedade Teosófica e que serviria como sede central europeia da referida sociedade, bem como de residência para H.P.B. até ao seu óbito no dia 8 de Maio de 1891. Não podemos deixar de ficar assombrados diante da magnitude do trabalho de H.P.B. nesses últimos três anos. Fixemos a atenção em 1889, ano em que escreve esta obra, Jóias do Oriente: • Dirige, revendo cada um dos artigos e provas, a revista Lúcifer. • No mês de Julho aparece publicada A Chave da Teosofia, «uma clara exposição, em forma de perguntas 8 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 9 e respostas, de ética, ciência e filosofia, estudos para os quais a Sociedade Teosófica foi fundada.» • Passa férias em Fontainebleau, França, onde escreve a maior parte da obra mística A Voz do Silêncio, baseada em trechos que ela tinha aprendido de memória, num mosteiro tibetano, e que pertenciam ao Livro dos Preceitos de Ouro. • Em Agosto dá-se a mudança da Sociedade Teosófica para o 19 Avenue Road. • Setembro é o mês de publicação de A Voz do Silêncio. • O ano finaliza com a nomeação do coronel Olcott como representante de H.P.B. na filial da Sociedade na Ásia. É interessante destacar a série de artigos que só nesse mesmo ano escreveu, na revista Lúcifer, da qual era a alma, directora e severa correctora. — The year is dead, long live the year! — «The empty vessel makes the greatest sound» — Lodges of magic — A paradoxal world — If you shoot at a crow, do not kill a cow — Qabbalah. The philosophical writings of Solomon Ben Yehudah Ibn Gebirol (or Avicebron) — Marriage and divorce - Religion, practical and political aspects of the question — The Mithra worship 9 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 22-05-2008 22:08 Page 10 — On pseudo-theosophy — The roots of ritualism in church and masonry — «Those shalt not bear false witness...» — Theosophical queries — Japenese buddhism and Christianity — Thoughts on Karma and reincarnation — The struggle for existence — Over cycle and the next — On society’s «Agapae» — Buddhism through christian spectacles — «It’s the cat» — «Attention, theosophists» — Force of prejudice — World - Improvement or world-deliverance — The eighth wonder (escrita em 1885, publicado em Out. 1851) — The «nine-days wonder» press — A puzzle from Adyar — The light of Egypt — Our three objects — «Going to and from in the earth» — The theosophist’s right to his God — Philosophers and philosophicales — The women of Ceylon — Memory in the Dying — An open letter — What shall we do for our fellow-men? — Theosophical (?) dogmatism and intolerance 10 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 11 Nos arquivos da Sociedade Teosófica de Adyar encontram-se cartas e memórias que evocam este ano de 1889 e que serão úteis ao apresentar este enigma vivente que foi Madame Blavatsky. Sem dúvida, os melhores documentos de histórias são aqueles escritos por quem viveu a acção in situ. Carta de Annie Besant, Primavera de 1889, Londres: «Desde 1886 que crescia lentamente dentro de mim a certeza de que a minha filosofia não bastava, de que a vida e a mente eram algo muito maior do que eu tinha sonhado. A psicologia desenvolvia-se velozmente; experiências hipnóticas começavam a revelar enigmáticas complexidades acerca da consciência humana. Eu estudava o lado obscuro da consciência, sonhos, devaneios. Concluiu-se que os fenómenos da clarividência, clariaudiência e leitura do pensamento eram factos comprovados. Convencida de que existia algum tipo de poder oculto decidi procurá-lo incessantemente. Certa vez, no início de 1889, encontrava-me só e em silêncio, imersa nos meus pensamentos, como era hábito após o pôr-do-sol, quando uma sensação de “quase desespero” me arrebatou, uma insaciável sede de descodificar o enigma da vida e da mente. Fez-se então ouvir uma voz que me encorajava,que me dizia que a luz estava perto; uma voz, que para mim, viria a tornar-se o mais sagrado som do Universo. Poucos dias tinham passado quando Stead colocou dois volumosos livros nas minhas mãos. “Será que pode rever isso? Os meus jo- 11 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 12 vens todos se envergonharam de o fazer. Mas você é de tal forma apaixonada por estes temas que certamente conseguirá fazer algo interessante com tudo isso.” Peguei nos livros: eram os dois volumes de A Doutrina Secreta, escritos por H. P. Blavatsky. Carreguei os volumes até casa e sentei-me a ler. Ao virar de cada página, o meu interesse tornava-se cada vez mais absorvente; porém, tudo me parecia familiar; a forma como a minha mente deduzia todas as conclusões, o quão natural era, coerente, subtil e ainda assim quão inteligível. Eu estava maravilhada, cega pela luz no seio da qual, factos aparentemente desconexos surgiam como partes integrantes do grande todo, e as minhas incertezas, indagações, problemas, pareciam desaparecer. Escrevi o resumo e pedi a Stead que me apresentasse a escritora e em seguida enviei um bilhete pedindo autorização para telefonar. Recebi a mais cordial das respostas, agendando o nosso encontro. Numa noite fresca de Primavera, Herbert Burrows e eu – uma vez que as suas aspirações eram semelhantes às minhas no que diz respeito a estas temáticas – caminhámos desde a estação de Notting Hill, interrogando-nos acerca do que iríamos encontrar, até à porta da casa 17 de Lansdowne Road. Uma pausa, uma rápida passagem pelo hall e pela sala de visitas, portas que se abriram e uma pessoa numa grande poltrona em frente a uma mesa, uma voz vibrante. “Cara senhora Besant, há tanto tempo que desejo conhecê-la.” Eu estava de pé, a mi- 12 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 13 nha mão estendida num firme aperto de mão, olhando pela primeira vez na vida, directamente, nos olhos de H.P.B. Apercebi-me de uma súbita palpitação cardíaca – seria reconhecimento? – após a qual,confesso com alguma vergonha, senti uma selvagem revolta , uma furiosa repulsa, comparável à de um animal selvagem quando sente a mão que o domina. Sentei-me depois de algumas apresentações que não me permitiram retirar muitas conclusões, e ouvi. Ela falou de viagens, de vários países, uma dissertação simples e brilhante,os seus olhos velados, os seus dedos requintados enrolando cigarros incessantemente. Nada de especial a registar, nem uma palavra acerca de ocultismo, nada de misterioso, uma mulher do mundo que conversa com os seus convidados. Quando nos levantámos para ir embora, o véu levantou-se momentaneamente e dois olhos brilhantes e perscrutantes cruzaram-se com os meus. “Oh, minha cara senhora Besant, como eu gostava que pudesse juntar-se a nós!” Senti um desejo incontrolável de me curvar e beijá-la, impulsionada por aquela voz apelativa, aqueles olhos persuasivos mas, num repentino acesso do meu já antigo e indomável orgulho, indiciador da minha falta de discernimento, limitei-me a proferir uma banal despedida, e afastei-me após alguns comentários vagos e formais. “Filha”,dir-me-ia ela muito tempo depois, “o teu orgulho é terrível; és tão orgulhosa quanto o próprio Lúcifer!” Regressei uma vez mais, e coloquei questões acerca da Sociedade Teosófica, desejosa de fazer parte dela mas lu- 13 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 14 tando contra a ideia, uma vez que vi de forma clara e distinta – com dolorosa clareza, de facto – o que essa opção iria significar. Anteriormente, eu tinha sido alvo de preconceito público devido ao trabalho que desenvolvera como directora da London School. Iria eu mergulhar novamente numa corrente de conflito e discussão, expor-me ao ridículo – o que é ainda pior do que ser odiada – e lutar uma vez mais em nome do já consumido estandarte de uma verdade impopular? Deveria eu virar costas ao materialismo e encarar a vergonha de confessar publicamente que eu estava errada, corrompida pelo intelecto que me forçara a ignorar a Alma? Qual seria a expressão nos olhos de Charles Bradlaugh quando eu lhe dissesse que me tornara uma teósofa? A luta interna era incisiva e persistente. Eis-me novamente a caminho de Lansdowne Road para falar a respeito da Sociedade Teosófica. H.P. Blavatsky olhou-me de forma penetrante por um momento. “Leu o relatório da Society for Psychical Research sobre mim?” “Não, até agora não ouvi falar dele.” “Então procure-o, leia-o e se depois de o ler decidir regressar, muito bem.” E ela não voltou a tocar no assunto, e evitou-o falando novamente das suas experiências noutras terras. Pedi emprestada uma cópia do relatório e reli-o muitas vezes. Observei quão frágeis eram as bases sobre as quais estavam alicerçados aqueles fundamentos, a arrogância das conclusões e o carácter acusatório das mesmas – e o pior de tudo – a fonte de onde provinham as alegadas provas. Tudo 14 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 15 estava contra os Coulomb, que se auto-proclamavam parceiros das alegadas fraudes. Como podia eu considerar tudo o que se erguia contra aquela natureza franca e corajosa, da qual tive um vislumbre? Tudo o que se dizia contra a orgulhosa e ardente sinceridade que saía daqueles olhos claros, honestos e destemidos semelhantes aos de uma nobre criança? Seria a autora de A Doutrina Secreta aquela miserável impostora, cúmplice de truques, abominável e repugnante mentirosa, aquela médium que utilizava alçapões e painéis deslizantes? Ri-me perante todo aquele absurdo e coloquei de lado o relatório com a certeza de uma natureza honesta que sabe reconhecer a sua própria identidade quando em contacto com ela, e que se arrepiava perante aquele mentira ignóbil. No outro dia, eu já estava no escritório da Theosophical Publishing Company às 7 da manhã na Duke Street, Adelphi, onde a Condessa Wachtmeister – uma das mais leais amigas de H.P.B. – estava a trabalhar, para assinar a minha inscrição como sócia da Sociedade Teosófica. Ao receber o meu diploma, dirigi-me para Lansdowne Road e encontrei H.P.B. sozinha. Fui ter com ela, baixei-me e beijei-a sempre em silêncio. “Então entrou para a Sociedade?” “Sim!” “Leu o relatório?” “Sim.” “E então?” Ajoelhei-me à sua frente, segurei as suas mãos nas minhas e olhei-a directamente nos olhos. “A minha resposta é: aceita-me como sua pupila e dá-me a honra de proclamá-la minha mestra perante o mundo?” A sua face austera suavizou-se 15 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 16 com um inesperado brilho de lágrimas no olhar. Então, com uma dignidade régia ela colocou a sua mão sobre a minha cabeça. “Você é uma nobre mulher. Que o Mestre te abençoe.”»(1) Carta de Herbert Burrows, Primavera de 1889, Londres: «Assediados por problemas da vida e da mente que o nosso materialismo não conseguia resolver, inquirindo-nos intelectualmente acerca do que significam para nós as inóspitas praias do agnosticismo, Annie Besant e eu ansiávamos por mais luz. Tínhamos lido The Occult World e em anos passados ouvido falar – quem não ouviu? – da estranha mulher cuja vida parecia ser uma total contradição das nossas mais queridas teorias. Mas, tal como a filosofia dos livros, não era para nós mais do que acertivismo. A vida e a carreira desta mulher carecia de provas para ser analisada. Cépticos, críticos, treinados ao longo de vários anos de controvérsia pública para exigirmos as mais rígidas provas científicas a respeito de coisas que estavam além da nossa experiência, a Teosofia era-nos desconhecida e parecia-nos um território impossível. Ainda assim, fascinava porque prometia muito, e com as conversas e as leituras esse fascínio cresceu. Com ele, cresceu o desejo de conhecer H.P.B.. Foi assim que, numa tarde memorável, com uma carta de apre___________________ 1. Esta carta foi originalmente publicada em The Occult World of Madame Blavatsky, por Daniel Caldwell, 1991. 16 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 17 sentação de W. T. Stead (o então editor da Pall Mall Gazette), que substituía o passaporte, encontrámo-nos cara a cara, no escritório de Lansdowne Road, com a mulher que mais tarde aprendemos a conhecer e a amar como a mais maravilhosa mulher do seu tempo. Eu não era tolo ao ponto de procurar milagres. Não esperava ver Madame Blavatsky levitar, nem materializar chávenas de chá. Queria, mais do que tudo, ouvir falar a respeito da Teosofia, mas não ouvi grande coisa acerca disso. A senhora forte e majestosa, que jogava “paciências russas”, conversou sobre tudo um pouco, excepto a respeito do assunto que mais nos interessava. Nenhuma tentativa de proselitismo, nenhuma tentativa de nos manipular (não estávamos hipnotizados!). Mas durante o tempo em que aqueles olhos magníficos emanavam luz e apesar da enfermidade física, dolorosamente visível, havia tal poder nela que dava a impressão de estarmos a ver não a mulher de verdade, mas apenas a superfície do carácter de alguém que sabia muito e que suportara muito ao longo da vida. Tentei manter uma mente imparcial, aberta, e acredito que consegui. Estava genuinamente desejoso de aprender, mas mantive-me crítico e atento à mínima tentativa de engano. Quando mais tarde descobri a extraordinária percepção de H.P.B., não fiquei surpreso ao perceber que ela tinha captado claramente a minha atitude mental nessa primeira visita, atitude essa que ela nunca desencorajou. Se ao menos os que comentam, levianamente, que ela hipnotiza as 17 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 18 pessoas soubessem que ela faz questão absoluta que coloquemos à prova todas as coisas, para nos ligarmos apenas àquelas que são boas! Ir uma vez significava voltar, de modo que, depois de algumas visitas, comecei a encontrar a luz. Captei vislumbres de elevada moral, de um zelo que tocava o auto-sacrifício, de uma filosofia de vida coerente, de uma clara e definida ciência do homem e da sua relação com o universo espiritual. Foi isto que chamou a minha atenção – não os fenómenos paranormais, pois eu não vi nenhum. Pela primeira vez na história da minha mente eu tinha encontrado uma professora capaz de pegar nas pontas soltas dos meus pensamentos e uni-las de forma satisfatória; e a infalível habilidade, o vasto conhecimento, a adorável paciência desta professora tornavam-se mais evidentes a cada momento. Rapidamente aprendi que a apelidada de charlatã e trapaceira era uma alma nobre, que se dedicava diariamente a um trabalho altruísta, cuja vida era pura e simples como a de uma criança, que nunca levava em linha de conta a dor ou o entorpecimento físico se isso fizesse avançar a causa maior na qual toda a sua energia estava consagrada. Às vezes transparente como o dia, a encarnação da bondade, ou silenciosa como um túmulo quando necessário, H.P.B. estava profundamente atenta ao menor sinal de falta de fé no trabalho que era a sua vida. Grata, extremamente grata por cada demonstração de afecto – indiferente a tudo o que 18 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 19 dizia respeito a si mesma – ela uniu-nos a si, não apenas como sábia professora, mas também como adorável amiga. Certa vez, quando eu estava deprimido devido a um longo sofrimento mental e físico, e a roda da minha vida deslocava-se de forma tão lenta e pesada que quase parou, durante esse tempo a sua disponibilidade foi incansável e a prova que ela me deu, demasiado pessoal para aqui ser mencionada, só uma pessoa num milhão a pensaria. Perfeita, não; defeitos, sim; a coisa que ela mais odiava era o louvor cego da sua personalidade. Se eu dissesse que, às vezes, ela era impetuosa como um redemoinho, um verdadeiro ciclone ao enfurecer-se, não teria dito tudo. Frequentemente pensei que era perfeitamente possível que alguns desses repentes fossem produzidos com um determinado propósito. Mais tarde, eles desapareceram quase por completo. Os seus inimigos diziam, por vezes, que ela era grosseira e rude. Nós, que a conhecíamos, sabíamos que uma mulher tão pouco convencional como ela, no verdadeiro sentido da palavra, nunca existira antes . A sua absoluta indiferença a todos os convencionalismos exteriores era verdadeira, baseada no seu conhecimento espiritual a respeito das verdades do universo. Sentado junto a ela, quando recebia estranhos – e eles vinham dos quatro cantos do mundo – frequentemente observei, com o mais prazeiroso deleite, o seu espanto ao verem uma mulher que dizia sempre o que pensava. Aparecesse diante dela um príncipe 19 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 20 e ela provavelmente deixá-lo-ia em estado de choque; se surgisse um homem pobre, dar-lhe-ia o seu último centavo e dirigir-lhe-ia as suas mais gentis palavras.»(2) Outra questão de grande interesse é saber se a atribuição de cada uma das máximas a cada dia do ano é fortuita ou não. Quer dizer, se H.P. Blavastky escolheu cada aforismo tendo em conta a «vibração», tatva ou energia espiritual próprio de cada dia; pois segundo a astrologia esotérica, cada um deles tem uma «carga» especial. Recordemos no capítulo de A Doutrina Secreta(3) chamado «São Cipriano de Antioquia», como este sábio, que finalmente se converteu ao cristianismo, em meados do século III d.C, numa das suas Iniciações, aprendeu «a divisão caldeia do éter em 365 partes e como cada um dos daimons que o repartem está dotado da força material necessária para executar as ordens do Príncipe e guiar ali (no éter) os movimentos». H.P.B. comenta que se tratam dos 365 dias do ano e que, portanto, cada um deles tem um «dom» especial, talvez vinculado aos ensinamentos do «Oriente» por ela escolhidos. O melhor é que o leitor leia e medite sobre a máxima que corresponde ao seu dia natal, ou ao de pessoas que conheça, e comprove se o aforismo do dia se «ajusta» especialmente ou não. ___________________ 2. Esta carta foi originalmente publicada em The Occult World of Madame Blavatsky, por Daniel Caldwell, 1991. 3. Volume V, secção XIX, Editora Pensamento, São Paulo. 20 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 21 Aquele que escreve estas linhas já o fez e ficou surpreendido. É certo que no universo moral tudo está relacionado e todo o ensinamento é válido para todo o ser humano, mas não constatamos, também, como alguns parecem chaves que abrem portas internas enquanto que de outros percebemos somente a sua beleza e lógica, sem que nos comovam tanto, sem que nos sintamos tão identificados? Seja como for, aqui estão 365 jóias da sabedoria do Oriente, que podem converter-se num perfeito código moral. Máximas que resplandecem como jóias, condensadas alquimicamente, da Luz do Sol da Sabedoria; Luz que, segundo Platão, ilumina todas as virtudes da alma e que nos permite caminhar melhor no labirinto da vida. José Carlos Fernández 21 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 22 J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 23 INTRODUÇÃO À OBRA LITERÁRIA DE HELENA PETROVNA BLAVATSKY O presente capítulo pretende ser uma breve introdução à obra literária de H.P.B. que, por enquanto, infelizmente, só se encontra disponível de forma relativamente completa em idioma inglês. Entre 1933 e 1985 foram publicados, em inglês, 14 volumes das suas obras completas, ordenados cronologicamente, os quais não incluem, mas complementam, o que H.P.B. escreveu em forma de livros, como Ísis sem Véu e A Doutrina Secreta. Infelizmente, estes textos só se encontram noutros idiomas de forma fragmentária, por agora. Devemos este abnegado trabalho de recompilação de toda o material escrito de H.P.B. ao compilador das suas Obras Completas, Boris de Zirkoff, que contou com a colaboração das diversas Sociedades Teosóficas e especialmente de um dos seus presidentes, Sr. N. Sri Ram. ___________________ As obras marcadas com (*) encontram-se contidas nos catorze volumes das Obras Completas. 23 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 24 A obra literária de Helena Petrovna Blavatsky foi imensa. Não só compreende os seus livros mais conhecidos, como A Doutrina Secreta, Ísis sem Véu, A Voz do Silêncio, O Glossário Teosófico, A Chave da Teosofia, ou compilações de contribuições literárias surgidas em jornais como Pelas Grutas e Selvas do Indostão; também inclui cerca de mil artigos em russo, inglês, francês e italiano, cujo volume supera o do conteúdo dos seus livros. Devemos igualmente considerar as suas cartas, das quais só se publicaram dois volumes, e as instruções para a Escola Esotérica, das quais somente fragmentos são do domínio público. Na nossa opinião, é possível que um futuro volume das Obras Completas (Collected Writings) inclua material adicional, como cartas inéditas, ou notas para a Escola Esotérica, que não são conhecidas pelo público. A ideia geral é que os apontamentos para a Escola Esotérica publicados no tomo XII das Obras Completas, e em similar forma em A Doutrina Secreta, edição de Adyar (Tomo V) por A. Besant, são todos os que H.P.B. deixou. O material incluído no tomo XII das Obras Completas (págs. 513-713) inclui cinco notas e uma série de ensinamentos baseados em respostas a perguntas de H.P.B. que devemos ao Dr. Roso de Luna, tomada de uma carta de H.P.B. a Sinnett de 1889 (pág. 345) e que indicaria um volume maior de escritos para a Escola Esotérica: «Perguntais a mim quais são as minhas novas ocupações? Nenhuma, excepto escrever todos os meses cinquen- 24 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 25 ta ou mais páginas sobre as minhas Instruções Esotéricas, que não podem se imprimir. Cinco ou seis mártires voluntários e desgraçados entre os meus generosos esoteristas fazem trezentas cópias para mandá-las aos membros ausentes da minha Secção Esotérica: mas eu tenho, porém, de revê-las e corrigi-las! Logo as nossas reuniões das quintas-feiras, com as perguntas científicas dos savants, tais como Bennet ou Kigsland que escrevem sobre electricidade, com taquígrafos em todos os cantos e a segurança de que a menor palavra minha aparecerá no nosso novo jornal Transactions of the Blavatsky Lodge, e que será lida e comentada, não só pelos meus teosofistas, mas por centenas de pessoas predispostas contra mim.» Numa série de notas preliminares à instrução Número III, H.P.B. menciona ter recebido instruções de não continuar os ensinamentos esotéricos (O.C. Tomo XII, págs. 581-600), as quais foram, ainda assim, resumidas na instrução Número V. Porém, exista ou não material adicional da Escola Esotérica, o leitor conta com um material precioso que abarca um terreno intelectual enorme. Infelizmente, não são muitos os que tenham estudado seriamente a obra de H.P.B. por completo, incluindo muitos malogrados copistas, que cairam abertamente no sectarismo religioso ou no mais baixo medianismo e fantasia, esquecendo o fio fundamental da obra de H.P.B.: o ecletismo e um espírito fundamentalmente filosófico. 25 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 22-05-2008 22:09 Page 26 Esperamos que o presente trabalho contribua para a orientação do leitor das obras de H.P.B., que não deve sentir-se desencorajado ao enfrentar o monumental conhecimento esotérico expressado em Ísis sem Véu e A Doutrina Secreta. Existem centenas de artigos, narrações de viagens e contos ocultistas produzidos pela pluma de H.P.B., através dos quais o leitor pode penetrar no mais maravilhoso mundo do Mistério que H.P.B. tanto amava. Relação das obras de Blavatsky A obra literária de H.P.B. foi composta (exceptuando alguns artigos anteriores) entre 1875 e 1891, principalmente em língua inglesa, idioma que H.P.B. só dominava de uma maneira rudimentar na sua chegada a Nova Iorque a 7 de Julho de 1874. Isto só por si é um enigma e um prodígio que excede a imaginação. Neste período H.P.B., com muito pouca ajuda (cabe aqui citar a Olcott, a quem devemos o trabalho editorial de Ísis sem Véu), escreveu as seguintes obras: — Ísis sem Véu (Nova Iorque, 1877). — A Doutrina Secreta (Londres e Nova Iorque, 1888). — A Chave da Teosofia (Londres, 1889). — A Voz do Silêncio (Londres e Nova Iorque, 1889). — Jóias do Oriente (Londres, 1890).(*) —Transcrições da Loja Blavatsky (Londres e Nova (*) 1890 e 1891). 26 __________ Iorque, J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 27 — O Glossário Teosófico, obra póstuma (Londres e Nova Iorque, 1892). — Contos de Pesadelo (Londres e Nova Iorque, 1892).(*) — Pelas Grutas e Selvas do Indostão. (Londres, Nova Iorque e Madrás, 1892). Reeditado como tomo adicional às Obras Completas. Finalmente temos os catorze volumes das Obras Completas de H.P.B. que contêm textos adicionais, dos quais só o primeiro volume corresponde ao período comprendido entre 1874 e 1878, anterior a Ísis sem Véu. Estes catorze volumes foram publicados em Londres (Inglaterra), Madrás (Índia) e Wheaton (Illinois, EUA) entre 1933 e 1985 e contêm artigos, contos, anotações várias, respostas a cartas (contidas em O Teósofo e Lúcifer, dos quais H.P.B. foi editora), e inclusivamente material apresentado em livros a partir de 1874. Por exemplo, o volume XII inclui o pequeno livro de aforismos compilados por H.P.B. para cada dia do ano publicado sob o título «Jóias do Oriente» em 1890. Também foram incluídos, cronologicamente, os Contos de Pesadelo (publicados em espanhol sob o título de Narrações Ocultistas), e outros textos anteriormente apresentados em forma de livros ou compilações (por exemplo Cinco Anos de Teosofia). Os catorze volumes também incluem o material de A Doutrina Secreta que não apareceu na edição original de dois tomos. Este material, que aparece no tomo XIV das Obras Completas corresponde ao tomo V de A Doutrina 27 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 28 Secreta, edição de Adyar, e tomos V e VI da edição espanhola publicada pela editora Kier em Buenos Aires. Os primeiros escritos de H.P. Blavatsky Não existe prova concludente de que H.P.B. tenha publicado artigos antes de Outubro de 1874. No entanto, é altamente provável. Por exemplo, numa entrevista a H.P.B. publicada no jornal Daily Graphic de Nova Iorque em 13 de Novembro de 1874, H.P.B. referiu-se ao facto de ter escrito anteriormente para a Revue de Deux Mondes de Paris e de ter sido uma correspondente do Independence Belge e de outras publicações francesas. Também existem referências orais a outras publicações nos EUA, traduções para o russo, etc. Entre 1874 e 1878, durante a sua estadia nos Estados Unidos, H.P.B. escreveu uma série de artigos polémicos nos jornais espiritistas mais conhecidos: Banner of Light (Boston, Massachussets), Spiritual Scientist (Boston, Massachussets), Religio-Philosophical Journal (Chicago, Illinois), The Spiritualist (Londres) e a Revue Spirite (Paris). Também escreveu uma série de contos ocultistas para alguns dos jornais americanos mais importantes como The World, The Sun e The Daily Graphic, todos de Nova Iorque. O primeiro artigo de H.P.B. sobre os habitantes do mais além intitulou-se «Maravilhosas manifestações de Espíri- 28 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 29 tos» (O.C. Vol. I pág. 30) e foi publicado a 30 de de Outubro de 1874 no Daily Graphic de Nova Iorque. O artigo é uma resposta a um artigo anterior do Dr. G. M. Beard que tratava de desmentir os fenómenos espiritistas que estavam a suceder na quinta dos Eddy em Vermont, EUA. Na sua resposta, H.P.B. escrevia no seu estilo inimitável: «Durante as últimas semanas, o Dr. G. M. Beard assumiu o papel de “leão que ruge” procurando um medium para “devorar”. Ao que parece, hoje este culto cavalheiro tem mais fome do que nunca. Logo, o fracasso que experimentou com o “leitor de pensamento” de New Haven não é de surpreender. Não conheço o Dr. Beard pessoalmente, nem me interessa saber até que ponto merece ter os louros da sua profissão de doutor em Medicina. O que sim sei, é que jamais poderá aspirar a igualar, e muito menos ultrapassar, homens sábios como Crookes, Wallace, ou inclusivamente Flammarion, o astrónomo francês, qualquer um dos quais se dedicou, durante anos, à investigação do espiritismo. Todos eles chegaram à conclusão de que, mesmo supondo que o bem conhecido fenómeno de materialização dos espíritos não provasse a identidade das pessoas que dizem representar, não se tratava, de qualquer modo, da acção de mãos humanas, e muito menos uma fraude». Recordemos que H.P.B. havia chegado aos Estados Unidos em Julho de 1873 e que o seu conhecimento do inglês 29 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 30 era, no melhor dos casos, rudimentar. Durante a sua infância havia aprendido noções de inglês com uma instrutora de Yorkshire, Inglaterra. No entanto, como ela própria nos relata, jamais voltou a falar e menos ainda escrever a dita língua entre os 14 e os 40 anos de idade. Na mesma nota autobiográfica (compilada por Mary K. Neff) recorda também uma instância em que lhe havia sido extremamente difícil entender um livro escrito em inglês durante uma estadia em Veneza em 1867. Porém, logo depois, teria que começar a escrever a sua grande obra em inglês, com a qual ganharia uma bem merecida reputação de insuperáveis conhecimentos ocultistas: Ísis sem Véu. Ísis sem Véu Ísis sem Véu foi escrita entre 1875 e 1877, abarcando menos de dois anos de trabalho contínuo nesta magna obra que, talvez pela primeira vez desde a desaparição dos platónicos e neoplatónicos, representa um esforço coerente de sintetizar fragmentos de sabedoria esotérica de todas as idades e culturas do mundo. No prefácio à obra, H.P.B. explica que o «seu objectivo é ajudar o estudante a descobrir os princípios vitais que subjazem nos antigos sistemas filosóficos». Ísis sem Véu teve um enorme êxito, esgotando-se na primeira edição de mil exemplares em dois dias. Em reconhecimento dos enormes conhecimentos desenvolvidos nas 30 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 31 suas obras, H.P.B. recebeu o mais alto grau maçónico, o de «Princesa coroada» (Rito de Adopção sob os Ritos de Memphis e Mizraim). Aclaramos que H.P.B. jamais pertenceu à Maçonaria regular e, portanto, nas suas próprias palavras: «Não nos encontramos sob nenhuma promessa, obrigação ou juramento, e portanto não violamos nenhuma confiança», referindo-se à sua crítica da Maçonaria ocidental em Ísis sem Véu. O leitor atento notará que Ísis sem Véu começa com uma exposição dos princípios fundamentais da tradição pitagórico-platónica e outras fontes gregas de sabedoria tradicional, ou seja, das raízes do Esoterismo no Ocidente. Nas suas referências a Platão, H.P.B. analisa entre outros o «Mito da Caverna» (A República) e refere-se à filosofia platónica como «o mais perfeito compêndio dos abstrusos sistemas da antiga Índia, e o único que pode oferecer-nos terreno neutral... Platão foi, na mais plena acepção da palavra, o intérprete do mundo, o maior filósofo da era pré-cristã...». Em Ísis sem Véu H.P.B. demonstrará o mesmo espírito filosófico que caracterizará todo o seu labor. É uma obra de síntese que se esforça em demonstrar a identidade das ideias essenciais de todo o grande sistema filosófico. Segundo H.P.B.: «Há uma regra de interpretação que deve guiar-nos no exame de qualquer opinião filosófica. A inteligência humana, sob a necessária acção das suas próprias leis, está impelida em manter as mesmas ideias fundamentais, e o coração do homem a alimentar os mesmos sentimentos em to- 31 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 32 da a época». Em Ísis sem Véu e suas obras posteriores, especialmente A Doutrina Secreta, H.P.B. esforçar-se-á por provar esta afirmação. Um facto lamentável em relação à publicação de Ísis sem Véu foi que o material que viu a luz na primeira edição de dois tomos corresponde aproximadamente à metade ou a um terço do que H.P.B. havia reunido para a obra. O resto foi destruído, facto que ela lamentaria quando chegou a hora de escrever A Doutrina Secreta. A Doutrina Secreta A Doutrina Secreta foi indubitavelmente a obra literária mais importante de H.P.B. Inicialmente havia sido concebida como uma revisão do material contido em Ísis sem Véu. No entanto, o produto final, para nossa sorte, contém poucas repetições e muitíssimo material original que, segundo H.P.B., não seria compreendido ou discutido inteligentemente até ao «próximo século» (nosso século XX). Olcott relata que em 1879 havia começado a ajudar H.P.B. a escrever «o seu novo livro teosófico». No dia 24 de Maio de 1879 havia esboçado um índice e em 4 de Julho havia terminado de escrever o prefácio. Esta havia sido a semente da qual germinaria anos mais tarde A Doutrina Secreta, cujo título Olcott havia sugerido durante um esboço inicial. 32 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 33 O primeiro aviso da publicação da obra e solicitude de subscrições apareceu em O Teósofo de Fevereiro de 1884. Porém, a publicação não seria possível até finais de 1888. O primeiro volume saiu da gráfica em Londres no dia 20 de Outubro de 1880 e o segundo em finais de Dezembro do mesmo ano ou Janeiro de 1881. O plano original da obra, segundo o que H.P.B. havia concebido, comprendia quatro volumes. A primeira edição foi publicada em dois volumes dos quais faltava muito material que H.P.B. havia preparado. O material que faltava compreendia fundamentalmente um «longo prefácio» (não o prefácio que conhecemos) relativo à história dos grandes Adeptos e do Esoterismo através do tempo. Este é provavelmente o material publicado no tomo V da edição de Adyar e tomos V e VI das edições em espanhol, excluindo as notas para a Escola Esotérica (publicadas como Alguns Apontamentos sobre o Significado da Filosofia Oculta na Vida no tomo VI da edição em espanhol). A respeito do conteúdo do tomo IV original, existem várias referências que nos fazem crer que versaria sobre Magia e Ocultismo prático. Parece-nos altamente provável que parte deste material tenha sido incluido posteriormente nas instruções para a Escola Esotérica. Tal com chegou até nós, o material de A Doutrina Secreta, no qual se citam 1.200 autores e obras, incluidos alguns como O Livro Caldeu dos Números, que não foi possível encontrar, foi ordenado do seguinte modo (incluindo o material publicado postumamente): 33 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 34 — Estâncias de Dzyan sobre Cosmogénese e comentários. — Estâncias de Dzyan sobre Antropogénese e comentários. — Simbologia arcaica. — Capítulos sobre Ciência. — História dos grandes Adeptos e do Esoterismo. — Algumas instruções para a Escola Esotérica. As estâncias e comentários obedecem à tradicional forma de exposição oriental conhecida como sutri, sutra e smrti, ou seja, a apresentação dos textos sagrados (sutra) e comentários qualificados aos mesmos (smrti). No que diz respeito aos capítulos relacionados ao Simbolismo, H.P.B. esclarece que, sem comprender Simbologia arcaica, é impossível desvendar e compreender as antigas concepções acerca da origem do Universo (Cosmogénese) e do Homem (Antropogénese). Em relação ao modo recomendado por H.P.B. para estudar o material contido em A Doutrina Secreta, devemos as seguintes anotações, atribuidas a conversações com H.P.B., a Robert Bowen, membro da Loja Blavatsky de Londres: «Alguém que imagine que obterá uma imagem satisfatória da constituição do Universo de A Doutrina Secreta, só ficará confuso com o seu estudo. Não pretende dar tal veredicto da existência, mas sim conduzir até à VERDADE... 34 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 35 Deve encarar-se o estudo de A Doutrina Secreta como um meio de exercitar aquele aspecto da mente jamais tocado por outros estudos». H.P.B. recomendava, para além disso, a reflexão acerca das seguintes ideias: • A unidade fundamental de toda a existência. Trata-se do ensino de que a existência é uma coisa, não simplesmente muitas coisas ligadas. Fundamentalmente só existe um Ser. Este Ser tem dois aspectos, positivo e negativo. O aspecto positivo é Espírito ou Consciência. O negativo é substância. • A segunda ideia vital é a de que não existe a matéria morta. Todo o átomo está vivo. Não pode ser de outro modo posto que cada átomo é em si mesmo o Ser Absoluto. • A terceira ideia fundamental é que o Homem é o Microcosmos. E se é tal, todas as Hierarquias dos Céus existem dentro de si. Mas, na verdade, não existe um Macrocosmos nem um microcosmos mas uma só Existência. O grande e o pequeno são tais somente vistos por uma consciência limitada. • A quarta e última ideia fundamental é a expressa no grande axioma hermético que sintetiza as demais. «Como é no Interior, é no Exterior; como é o Grande é o Pequeno; como é Acima é Abaixo: só existe uma Vida e uma Lei; e aquele que actua é Uno. Nada é Interior, nada Exterior; 35 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 36 nada é Grande nem Pequeno; nada é Alto nem Baixo na divina Economia». A Chave da Teosofia A Chave da Teosofia foi publicada em 1889. Trata-se de uma obra fundamentalmente pedagógica dedicada por H.P.B. «a todos os seus discípulos, que possam aprender e por sua vez ensinar». A obra está estruturada em forma de perguntas e respostas, mais um glossário de termos esotéricos e filosóficos. Segundo H.P.B.: «Não se trata de um livro de texto de Teosofia completo ou exaustivo, mas só de uma chave que permita abrir a porta que conduz a um estudo mais profundo. A obra traça as grandes linhas da Sabedoria-Religião, e explica os seus princípios fundamentais, enfrentando ao mesmo tempo as várias objecções do investigador ocidental comum, e tratando de apresentar conceitos pouco familiares numa forma e linguagem o mais simples possível. Seria demais esperar que tenha êxito em mostrar de maneira inteligível a Teosofia sem muito esforço intelectual por parte do leitor. No entanto, esperamos que a obscuridade que permaneça seja devido ao pensamento e não à linguagem, à profundidade das ideias e não à confusão. Ao intelectualmente preguiçoso ou confundido, a Teosofia tem que parecer um enigma; pois nos mundos 36 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 37 mentais e espirituais, cada homem deve progredir pelos seus próprios méritos». A obra representa um esforço importante por parte de H.P.B. de tornar os princípios básicos da Filosofia esotérica em termos acessíveis ao leitor médio, que teria dificuldade ao confrontar-se com os difíceis delineamentos e exposições de Ísis sem Véu e A Doutrina Secreta. A sua utilidade adicional é a de resumir num livro traduzido em muitos idiomas respostas a cartas e perguntas planeadas ao longo dos anos através das revistas O Teósofo e Lúcifer. No entanto, não se trata de uma simples compilação do que apareceu nas referidas publicações, material este que pode ser consultado nas Obras Completas. A Voz do Silêncio A tradução de A Voz do Silêncio, que, como H.P.B. nos relata no prefácio, ela havia memorizado durante o seu treino ocultista no Tibete, está relacionada com a abertura da Escola Esotérica. Isto fica manifestado na dedicatória da obra: «Dedicada aos poucos». Quer dizer, aos verdadeiros aspirantes à Sabedoria. Esta obra importantíssima, que contém, segundo H.P.B., inspiração tanto pré-budista como budista (Budismo Esotérico), explica o «espírito» da verdadeira Tradição esotérica. 37 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 38 Nela despreza-se a aquisição de poderes psíquicos e exalta-se a «Sabedoria ou Doutrina do Coração», conhecida exotericamente como a «doutrina de compaixão» de Buda. As Transacções da Loja Blavatsky Contrariamente às instruções para a Escola Esotérica, o material contido em As Transacções da Loja Blavatsky jamais foi considerado de uso restringido. O livro está baseado em notas tomadas taquigraficamente por assistentes às reuniões da Loja Blavatsky, nas quintas-feiras em Londres (1889-1891), nas quais se discutiam as estâncias de Dzyan, nas quais se baseia A Doutrina Secreta, e em que H.P.B. respondia a diversas perguntas. Por se tratar do período final da vida de H.P.B., só contém respostas a perguntas sobre as quatro primeiras estâncias de Dzyan correspondentes a Cosmogénese. O Glossário Teosófico O Glossário Teosófico foi a obra póstuma de H.P.B. Na introdução à primeira edição de 1892 o editor lamenta que ela só tenha visto em vida as primeiras 32 folhas das provas de impressão, pois tinha intenção de estender consideravelmente o volume da obra, tal como nós conhecemos. A maior 38 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 39 parte dos escritos pertence em punho e letra a H.P.B., exceptuando certos conceitos das doutrinas cabalísticas, rosacruzes e herméticas, que ela delegou a W. W. Wescott, um erudito cabalista e rosa-cruz. Pelas Grutas e Selvas do Indostão Esta obra, publicada como tomo adicional aos XIV volumes das Obras Completas, corresponde a contribuições literárias de H.P.B. publicadas em jornais russos. Ela havia começado a escrever regularmente para jornais russos em 1877, desde Nova Iorque. Encontraram-se 17 artigos deste período. Pelas Grutas e Selvas do Indostão começou a ser publicado em Novembro de 1879 em forma de cartas de viagem. A primeira série, publicada originalmente na Crónica de Moscovo, foi interrompida em Janeiro de 1882. Em Novembro de 1885, o Mensageiro Russo, que havia reimpresso a série original entre Janeiro e Julho de 1883, reassumiu a publicação de uma segunda série, que chegou a compreender 7 capítulos, terminando no final de um parágrafo com a promessa de continuar, e assinado com o pseudónimo de H.P.B. Raddha-Bai. A obra não é simplesmente uma descrição literal das aventuras de viagem de H.P.B. Não sabemos até que ponto História, Literatura e Esoterismo se misturam. Na edição es- 39 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 40 panhola, o Dr. Roso de Luna tratou de elucidar estas perguntas nos seus copiosos comentários a cada capítulo. No entanto, grande parte do mistério permanece... Devemos um detalhe biográfico notável (compilado nos escritos de H.P.B. em russo) à sua irmã Vera de Zhelihovsky, que nos conta que durante a guerra entre a Turquia e a Rússia ela deu instruções para doar todos os seus honorários à Cruz Vermelha e às famílias dos soldados feridos. O Teósofo e Lúcifer Pouco depois da sua chegada à Índia a 16 de Fevereiro de 1879, em colaboração com Olcott, Blavatsky começou a planificar a publicação de uma Revista exclusivamente dedicada a temas ocultistas: O Teósofo. Esta viu a luz a 1 de Outubro do mesmo ano e até finais do mês já contava com 381 subscrições. Nela H.P.B. verteu muitos esforços e conhecimentos através de artigos, notas editoriais, respostas a cartas, etc. Infelizmente nem tudo o que ela escreveu tem a sua assinatura ou um de um dos seus pseudónimos, facto que dificultou o trabalho do editor das sua Obras Completas. Ao longo da sua trajectória literária, H.P.B. havia utilizado diversos pseudónimos como Hadji Mora, Raddha-Bai, Sanjna e «Adversário». O seu inimitável estilo teve que servir muitas vezes de guia para o reconhecimento de artigos e comentários não 40 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 41 assinados, especialmente aqueles que aparecem em O Teósofo e Lúcifer. Em Março de 1885 H.P.B. abandonaria a Índia para não regressar mais. Durante os seus últimos seis anos de vida, seguramente os mais difíceis, daria luz às suas mais maravilhosas flores: A Doutrina Secreta, A Voz do Silêncio e a Escola Esotérica. A este período corresponde também a fundação de uma nova revista sob o nome de Lúcifer. O primeiro número de Lúcifer apareceu em Londres a 15 de Setembro de 1887. A página titular levava a seguinte inscrição: «Uma revista teosófica, dedicada a “trazer à luz as coisas ocultas da obscuridade”». Em Lúcifer, H.P.B. continuou a expressar a sua inesgotável creatividade e conhecimento que incluíram importantes trabalhos como «O carácter esotérico dos evangelhos», que surgiu em Lúcifer naquela época. Conclusão: um Enigma chamado H.P.B. Não conseguimos saber plenamente quem foi o ser que o mundo conheceu como H.P.B... mas não é necessário comprender a essência da luz para seguir um sinal luminoso. A obra de H.P.B. foi plena desses sinais luminosos que permitem descobrir um património espiritual comum para toda a Humanidade. Esperamos que o leitor tenha a coragem de enfrentar estes ensinamentos com os seus 41 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 42 próprios meios e através dos seus próprios esforços. A recompensa talvez seja aquela Liberdade da qual tanto falamos e tão pouco vivemos. Harry Costin 42 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 43 H.P.B. e o discipulado Ao fim de cem anos da sua desaparição física, H.P.B. parece-nos ainda mais atractiva e misteriosa do naqueles momentos em que, ao alcance dos humanos, seja para elogiá-la ou criticá-la, também escapava ao comum denomindador da gente. Ela encarnou e continuará a encarnar uma personagem complexa, de riquíssimas matizes, enigmática e simples ao mesmo tempo. Torna-se muito difícil separar aspectos isolados da sua vida sem referirmos o conjunto, que é o que outorga valor a cada elemento integrante. Uma existência plena de aventuras físicas e metafísicas, uns textos que pelo seu conteúdo em Sabedoria escorrem pelas duras arestas da mente somente racional, tudo se une ao tentarmos analisar o factor discipulado em relação a H.P.B. Numa primeira aproximação, o que é o discipulado? Uma forma de vida, em que um homem ou uma mulher ficam sob a orientação directa de um Mestre, impulsionados por uma ânsia de perfeição moral e espiritual e dispostos a 43 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 44 vencer todas as provas necessárias por amor à Sabedoria que o seu Mestre encarna. Esta questão, inclui pois, vários factores inseparáveis: O facto da existência dos Mestres de Sabedoria (sem os quais não haveria discípulos) e que, neste caso particular, H.P.B. deu a conhecer no Ocidente, às vezes de maneira específica e concreta, e outras vezes referindo-se à presença constante desses Seres que animavam o seu labor e o de todos os homens de consciência desperta. Apesar das críticas que reuniu a seu respeito, e ainda que até ao final da sua vida H.P.B. tenha sido tratada como impostora, entre outras coisas, por mencionar uns Mestres que só viviam na sua fantasia, este é um facto fundamental que motivou, motiva e motivará uma boa parte do impulso espiritual e evolutivo que anima a humanidade. O facto da existência de discípulos (sem os quais não haveria Mestres), em que se inclui a própria H.P.B., e todos os que autenticamente decidem aceder a estes graus de aperfeiçoamento progressivo. A relação entre Mestres e discípulos, é muitas vezes tingida de romântica ingenuidade e escasso conhecimento. Relação que pode ser mais ou menos directa e concreta, mais ou menos conhecida e publicitada, mais ou menos frequente segundo as circunstâncias históricas e humanas. Relação muito difícil de definir pois baseia-se em princípios de amor, compreensão, compromisso e entrega que ultrapassam o sentido vulgar desses termos. Traduz-se em Devoção, Inves- 44 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 22-05-2008 22:10 Page 45 tigação e Serviço por parte do discípulo; Provas, Orientação, Exigências e Energia por parte do Mestre. Tendo em conta estes três factores que acabamos de considerar, propomo-nos a dividir este trabalho nas seguintes partes: 1 - H.P.B. como Discípula Posto que o foi de coração durante toda a sua vida, não podemos fazer mais do que apoiar-nos em alguns pontos biográficos que nos ajudem a introduzir a sua constante relação com os Mestres, a sua fidelidade e obediência, e a dedicação à obra por Eles recomendada. 2 - H.P.B. como Mestra Aqui focaremos um determinado período da sua vida; incluiremos alguns aspectos do seu carácter pessoal, a sua capacidade para se rodear de gente; os seus discípulos, as suas obras, e o particular estilo do seu ensino. H.P.B. como Discípula Se bem que não exactamente dentro do contexto discipular, encontraremos sim referências às características extraordinárias que distinguiram H.P.B. desde a sua mais tenra idade. É possível que estas características tenham sido a evidência inicial ou o ponto de partida da sua relação 45 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 46 com os Mestres, ou melhor dito, com o Seu Mestre e muitos outros «Irmãos» - como ela costumava chamá-los - no Caminho espiritual. Desde muito pequena assombrou os seus familiares e conhecidos com dotes insólitos para desencadear todo o tipo de fenómenos ao seu redor, para recordar o que ninguém recordava e ver ou entender o que ninguém via ou entendia. Devemos interpretar esta inata predisposição como um contacto inconsciente com os Mestres e com outros planos de manifestação, ou mais como uma habilidade prematura favorecida por outras muitas encarnações dedicadas ao desenvolvimento do potencial humano interior? A. P. Sinnett assume a hipótese de que já na sua primeira infância, H.P.B. (a Srta. Hahn como ele a chama) estava protegida por uma certa intervenção inexplicável, capaz de actuar no plano físico quando as circunstâncias o requeriam. E, efectivamente, foram muitas as ocasiões no decurso da sua vida em que poderia ter sofrido perigosos acidentes ou ter morrido não fosse por essas intervenções «milagrosas». No mesmo sentido escreve a condessa Wachtmeister: «Durante a sua infância ela via, perto dela, uma forma astral que sempre lhe aparecia num momento de perigo e a salvava justamente no momento mais crítico. H.P.B. considerava essa forma astral como o seu anjo da guarda encontrando-se sob o Seu cuidado e orientação.» A mesma figura imponente acompanhou-a durante a sua adolescência; era sempre o mesmo protector e o seu rosto 46 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 22-05-2008 22:11 Page 47 era inconfundível, ao ponto de que quando tinha 20 anos e o encontrou sob uma forma humana, o reconheceu imediatamente e sentiu que sempre crescera sob o seu cuidado. Depois do seu matrimónio, aos 17 anos, e após abandonar o seu marido ancião, embora conservando para sempre o seu apelido, partiu do seu país e durante dez anos viajou por lugares insólitos da Ásia Central, Índia, América do Sul, África e Europa. Não é fácil saber com exactidão o que fez H.P.B. nos dez anos de incessantes viagens que mencionámos. Não há relatos precisos a seu respeito, salvo os seus próprios comentários nem sempre extensos nem esclarecedores. Como foi a sua viagem para a Índia e para o Tibete? Quanto durou e o que fez nesse tempo? Alguns dados perfilados fazem ver que tentou várias vezes entrar no Tibete; e evidenciam que foi um samám tártaro quem a ajudou a entrar convenientemente disfarçada, e a recolher pessoalmente experiências interessantíssimas . Quando ao fim de dez anos, H.P.B. regressa para onde estava a sua família de sangue, faz notar o indubitável desenvolvimento que haviam adquirido as suas faculdades, até à altura inseridas no conceito de espiritismo, que ganhava terreno e adeptos no Ocidente. Enumerar a quantidade de fenómenos mais ou menos chamativos que ocurriam ao seu redor seria uma tarefa interminável: móveis que se moviam sozinhos, aumento ou diminuição do peso dos objectos, possibilidade de ver coisas 47 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 22-05-2008 22:11 Page 48 invisíveis e pessoas ausentes, espectros de falecidos, ruídos, sussurros, golpes rítmicos, campainhas, músicas... Não obstante H.P.B. não trabalhava como uma simples médium, quer dizer, não era governada por nenhum tipo de entidade, mas pela sua própria vontade, rasgo este que foi desenvolvido cada vez com mais vigor, ainda que para sua infelicidade se tenha visto forçada a oferecer ao público muitos fenómenos que comprovassem em parte as sua palavras, ou que ajudassem a despertar inquietudes espirituais adormecidas nos seus observadores. A sua irmã, a Sra. Zhelihovsky, comenta nos seus escritos que H.P.B. não estava sob a influência de fantasmas ou espectros de defuntos mas pela presença no corpo astral dos seus «potentes amigos». Uma experiência particular que viveu perto dos seus 30 anos, podia interpretar-se como um contacto mais profundo com os Mistérios Iniciáticos e com a sua missão perante o mundo orientada pelos Mestres. O episódio parte de uma incompreensível doença que a levou a permanecer vários dias em estado de coma. Ela mesmo relata que então vivia uma dupla personalidade: uma era H.P.B., que ainda doente abria os olhos e respondia quando se chamava por esse nome; a outra - que nunca revelou quem era - actuava plenamente noutro mundo e não fazia ideia de quem era H.P.B.. A gravidade da doença fez com que fosse aconselhável transferi-la para Tiflis, com os seus parentes. Durante a viagem, no fundo de uma simples barca que seguia a irregular corrente de um rio, as suas criadas viam-na levan- 48 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 49 tar-se e desaparecer entre os bosques da margem, apesar do seu corpo debilitado e inconsciente não se mover da embarcação. Com quem se encontrava então e para quê? Cremos que a resposta forma parte dos muitos segredos a que ela foi tão fiel quanto aos seus próprios Mestres. Depois de outra estadia de vários anos no Oriente dedicados a uma sólida formação relacionada com o domínio dos seus poderes e a sabedoria oculta, e após ter acedido muito provavelmente à Iniciação, compreende que a sua tarefa é a de divulgar os seus conhecimentos entre as pessoas, mas ainda não vê claramente como deve fazê-lo. Poderíamos considerar esta data [1870] como o início do seu trabalho concreto enquanto Mestra, mas antes de abordarmos este aspecto da sua vida, devemos insistir que jamais, em nenhuma circunstância, deixou de ser uma fiel discípula. De acordo com os seus relatos, ela tomou conhecimento no seu primeiro encontro com o seu Mestre, aos 20 anos, do trabalho que a esperava no mundo, a fundação daquilo que futuramente viria a ser a Sociedade Teosófica, e todas as dificuldades que isso acarretaria. Mas o seu amor e a sua obediência levaram-na a aceitar tudo quanto fosse necessário: «Desde o início eu sabia o que devia esperar porque me haviam dito, e não cessei de o repetir aos demais: Quando alguém entra tão rápido no Caminho... o karma pessoal, em vez de lhe ser atribuído ao longo de toda a vida, chega em bloco e esmaga-o com todo o seu peso. Aquele que acredita naquilo que professa e no seu Mestre, aguentará e sairá vito- 49 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 50 rioso da prova; aquele que duvida, o cobarde que teme receber o que em justiça merece e trata de evitá-lo, FRACASSA». H.P.B. como Mestra Poderíamos assegurar, sem receio de estarmos equivocados, que a maior lição de mestria de H.P.B. foi a sua inquebrantável lealdade para com os seus Mestres. E talvez por isso tenha sido Mestra; não porque se sentisse segura do seu saber e da sua força, mas porque sempre tentou transmitir aos demais a procedência Superior da sua energia espiritual e da sua extraordinária Sabedoria. Foi Mestra para louvar os seus Mestres, humilde quando errava e mais humilde todavia quando colhia triunfos. Os seus discípulos? Essa é outra longa e confusa história ainda por esclarecer. Em todo o caso ensinou, escreveu e fez o que fez porque assim lhe ordenaram. Quem entendeu isso, seguiu-a, e quem não entendeu, nunca chegou a alcançá-la, nem à sua Mensagem. Retomemos o fio da sua vida em 1870. No princípio pensou em actuar apoiando-se na difusão das ideias espiritistas. Encontrava-se então no Egipto onde fundou uma associação para a investigação dos fenómenos espiritistas que lhe trouxe mais desgostos e problemas do que satisfações. A partir dessa tentativa tem início a longa saga de críticas e calúnias 50 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 51 invejosas e ignorantes que a perseguiram até ao final dos seus dias... e ainda perseguem, cem anos depois. Mas este projecto falhado serviu-lhe para voltar a contactar o seu velho amigo, o mago copta. Foi em 1873 que se radicou nos Estados Unidos, e em Novembro de 1875 fundou, em Nova Iorque, a Sociedade Teosófica, designando o Coronel Olcott Presidente Vitalício e reservando para ela o obscuro cargo de Secretário Correspondente. Este facto suscita-nos um importante enigma quanto à sua função de Mestra, pois aparentemente deixa de lado uma excelente oportunidade de gerir de maneira directa a transmissão do seu ensino. Ainda que seja provável que essa fosse a sua intenção ao desligar-se de todo o labor burocrático (se bem que nunca pudesse afastar-se dele) e rotina. Mas nesse caso, é assombrosa a escassa selectividade que exercia sobre a gente que se aproximava da Sociedade Teosófica e dela própria, tanto que foi vendida, atraiçoada e injuriada muitas vezes por quem havia tido o raro privilégio de estar junto a ela. Tinha H.P.B. intenção de escolher e formar um núcleo de discípulos, ou voltava o seu saber a mãos cheias e com toda a confiança para todos os que ensinava? Era Mestra de todos e para todos, ou alguma vez pretendeu constituir um grupo,particular, assim como os seus Mestres haviam feito distinguido-a em especial? Talvez a resposta esteja na Es- 51 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 52 cola Esotérica e no Grupo Interno em que colocou as suas esperanças nos seus últimos anos, aos quais faremos referência em seguida. Não obstante, a Sociedade Teosófica tinha finalidades bem concretas desde o seu começo, como testemunham tanto H.P.B. como o coronel Olcott. Este último reconhece que a obra foi levada a cabo sob a direcção de um grupo de Mestres, especialmente de um Deles; Mestres a que Olcott teve grande acesso graças à mediação de H.P.B.. E ela adjudicou à Sociedade Teosófica a difícil tarefa de despertar as consciências adormecidas para Sabedoria Atemporal e para as transcendentes faculdades do Homem. Mas o conhecimento dos motivos que levaram à fundação da Sociedade Teosófica não implicava que os Mestres lhe tivessem assinalado o método exacto para o fazer. Assim, H.P.B. enfrentou a terrível dificuldade de desvelar as ciências ocultas e a existência dos grandes Mestres, adaptando as ideias da «Religião da Sabedoria» ao estilo do raciocínio ocidental. Como resultado, muitos dos integrantes da Sociedade Teosófica consideraram que não era suficiente gozar dos ensinamentos de H.P.B. e quiseram entrar em contacto directo com os Mestres, sem analisarem primeiro a sua capacidade. Para tal choviam as solicitudes para serem aceites como candidatos ao discipulado, o que conduziu a uma liberalização das regras de admissão a fim de que fossem dadas maiores oportunidades a quem demonstrasse um forte impulso e convicção. 52 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 53 Mas mesmo assim, a Sociedade Teosófica e a própria H.P.B. foram objecto de duras acusações por parte de quem se sentia excluído, rejeitado ou até enganado com o fantástico relato de uns Mestres que, de ansiados, passaram a ser qualificados de inexistentes. Estes membros da Sociedade Teosófica consideravam-se discípulos de H.P.B., ou tomavam-na como simples intermediária, tratando de imitar os seus passos? A todo momento ela fazia saber as difíceis condições que eram exigidas aos verdadeiros discípulos e advertindo para o perigo do fascínio pelo adeptado e do exercício dos fenómenos sem antes obter frutos no âmbito do trabalho pelo próximo, animando e elevando os mais débeis e menos favorecidos. Isso, sem contar com o facto de passar a estar sob a observação de um Mestre (quer o discípulo o veja ou não com os seus olhos) o que equivale a despertar toda essência nobre, mas também todas as paixões adormecidas da natureza animal, assim como carregar com os factores kármicos que afectam ao seu próprio grupo ou nação, atraindo a antipatia do meio circundante enquanto tenta alterá-lo com fins benéficos. H.P.B. cita, desanimada, a grande quantidade de fracassos desses presumidos discípulos, ainda que destaque algumas honrosas excepções. «Durante os onze anos de existência da Sociedade Teosófica (escrito em 1886) conheci, de setenta e dois probacionistas aceites regulares à experiência, e de centenas de candidatos laicos, somente três que não fracassaram até agora, e somente um que alcançou com- 53 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 54 pleto êxito.» «... a esses teósofos que estão descontentes com a Sociedade em geral, ninguém lhes fez nenhuma promessa imprudente; além de que, nem a Sociedade nem os seus Fundadores lhes ofereceram os seus “Mestres“ como prémio de boa conduta. Durante anos, a cada novo membro era-lhe dito que não se lhe prometia nada, e que tinha que esperar tudo a partir do seu próprio mérito pessoal.» De certa forma, H.P.B. sentia-se responsável por ter dado a conhecer no Ocidente a existência dos Mestres e por ter revelado os sagrados nomes de alguns Deles, originando mais curiosidade e especulação do que um autêntico desejo de progredir. Por isso viu-se obrigada a recorrer à natureza desses Mestres, que são por sua vez discípulos de outros Maiores e que em conjunto estão submetidos a leis, como todos. «Apesar da sua santidade e avanço na ciência dos Mistérios, são ainda assim, homens, membros de uma Fraternidade, onde são os primeiros a observar as suas leis e regulamentos correspondentes.» Desta forma, durante a sua estadia nos Estados Unidos viu-se sempre rodeada de gente que a visitava no seu domicílio e ainda que ela fosse extraordinariamente constante e leal para com os seus amigos, estes nem sempre lhe pagaram na mesma moeda. As tertúlias prolongavam-se em longas e eruditas conversas que atraíram um interessante núcleo de pensadores em Nova Iorque. Mas, como dizia um jornalista do New York Times, «nem todos os que a visitavam partilhavam as suas opiniões, pois em verdade so- 54 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 55 mente alguns seguiam os seus ensinamentos com implícita fé. Muitos dos seus amigos e dos que se filiaram na Sociedade Teosófica por ela fundada, eram pessoas que afirmavam pouco e não negavam nada.» Sempre ganhava e perdia amigos. E discípulos...? Ao mudar-se para a Índia em 1879, pensou que ali encontraria um meio propício para a difusão das suas ideias. Mas não foi exactamente assim. Ainda que a gente simples do povo a amasse pela sua generosidade e benevolência, não faltaram novas traições e mal-entendidos no ambiente político inglês que imperava, sendo curioso que H.P.B. pensasse que este era o melhor governo para a Índia tal como se encontrava então. E também não foi ali que a sua enorme capacidade para produzir fenómenos se reflectiu nas reacções positivas que eram esperadas. Sempre foi muito trabalhadora e activa. Madrugava para escrever artigos e traduções – faria o mesmo ao dedicar-se à sua Doutrina Secreta – quer fosse para revistas inglesas, americanas, russas ou para redigir intermináveis cartas relativas ao funcionamento da Sociedade Teosófica. Atendia durante horas a fio os indígenas que iam visitá-la ou então discutia com os adoradores do moderno hinduísmo que, segundo ela, contradizia o verdadeiro significado dos Vedas. Mas estivesse na actividade que estivesse, bastava que ouvisse «a voz que os demais não podiam ouvir» (o chamamento do seu Mestre ou de algum dos «Irmãos») para que abandonasse tudo e se encerrasse no seu quarto para receber instruções. 55 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 56 A partir de 1881 teve que suportar uma série de ataques, cada vez mais duros e continuados, que se centravam na sua capacidade de produzir fenómenos, na sua presumida qualidade de «espiã russa», nas suas «manipulações» económicas, na sua «encenação» a respeito dos Mestres e um grande e igualmente etc.. Infelizmente, isto roubou-lhe muitas energias, atrasou em parte a compilação da Doutrina Secreta e contribuiu para o agravamento da sua débil saúde. Em 1882 adoeceu gravemente e recebeu um aviso para se encontrar com os seus ocultos Instrutores em Sikkim. Então escreveu a Sinnett: «Adeus a todos, e se eu morrer antes de vos ver, não me rotulem de “impostora”, porque juro que vos disse a verdade, ainda que tenha ocultado muita dela. Espero que a senhora X não se desonre evocando-me com alguma médium. Tenham a segurança de que se alguém aparecer, não será nunca o meu espírito nem nada que me pertença, nem sequer a minha casca, que morreu há muito tempo. A vossa, todavia em vida, H.P.B.» Foram vários os que quiseram acompanhá-la nesta viagem na certeza de poderem conhecer algum desses excepcionais Mestres, mas Eles maquinaram formas de despistar toda a gente – bem ou mal intencionados – e manter o encontro a sós. Esta durou apenas dois ou três dias, após os quais regressou curada da terrível doença que tinha estado a ponto de acabar com a sua vida. 56 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 57 De regresso à Europa, passou por França, Alemanha, e Inglaterra, relacionando-se com os membros da cada vez mais florescente Sociedade Teosófica. Se bem que muitos deles fossem partidários da doutrina exposta por H.P.B. no seu aspecto mais sério e profundo, é triste comprovar que o que continuava a chamar a atenção eram os fenómenos que se produziam ao seu redor e as suas comunicações com os Mestres. Em finais de 1885 começou a recompilar a sua ciclópea Doutrina Secreta. A este respeito são interessantíssimas as notas da já mencionada condessa Wachtmeister, que viveu junto a H.P.B. e cuidou dela nos seus últimos anos, nas quais explica a maneira prodigiosa como foi escrita a obra, assim como a integridade pessoal da sua autora. «A Doutrina Secreta é, na verdade, uma magna obra. Eu tive o previlégio de ver como ia escrevendo, ler o manuscrito e presenciar o oculto procedimento com que obtém a suas informações.» «Um dia, ao entrar no seu escritório encontrei o piso coberto por folhas manuscritas e quando lhe perguntei o significado daquilo respondeu-me: “Sim, tentei doze vezes escrever esta página correctamente e o Mestre dizia sempre que estava mal. Creio que vou enlouquecer escrevendo-a tantas vezes, mas deixa-me sozinha, não me deterei até conseguir, mesmo que tenha que passar toda a noite a fazê-lo“.» «Logo, cedo pela manhã, eu vi sobre a sua escrivaninha um pedaço de papel com caracteres des- 57 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 58 conhecidos traçados em tinta vermelha. Ao perguntar-lhe o significado dessas misteriosas notas, ela respondeu que indicavam o seu trabalho para esse dia.» «Frequentemente lamentei ver como resmas de manuscritos, cuidadosamente preparados e copiados, eram atirados às chamas após uma palavra, uma intimação dos Mestres...!» Passou os seus últimos anos em Londres, onde morreu a 8 de Maio de 1891, quase de repente, sentada numa cadeira junto à sua cama, já que o médico lhe havia dito nessa mesma manhã que não havia perigo eminente de morte. Que conclusões extrair ante um panorama tão rico e complexo, tão pouco usual, tão extraordinário e enigmático? Há, pelo menos, um par de ideias que ficam relativamente claras: não há nenhuma dúvida da condição de discípula de H.P.B., existem sim pontos obscuros quanto aos discípulos que ela formou. H.P.B. é um modelo impecável de discipulado. H.P.B. é um mistério como Mestra, parece que o seu labor nesse sentido foi transmitir e ensinar aquilo que a ordenaram, com amor pela humanidade, sim, indiscutivelmente, mas também por Amor aos seus Mestres. Se os seus poderosos Instrutores a elegeram para cumprir uma missão específica no mundo, se ela foi um dos poucos escolhidos no Ocidente, é difícil dizer o mesmo a respeito dos discípulos que H.P.B. elegeu. Falámos na quantidade de decepções causadas por amigos, discípulos e membros da Sociedade Teosófica em 58 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 59 geral, ainda que soubesse carregá-las com grandeza filosófica, a Sociedade Teosófica não foi para H.P.B. o viveiro de homens e mulheres ansiosos pela Sabedoria Superior que se esperaria. Nos sete anos anteriores à sua morte, parece que existiram tentativas – sempre a pedido dos Mestres – de formar um grupo de discípulos mais capacitados em esoterismo profundo. Em 1887 é Judge – a cargo da Secção Americana da Sociedade Teosófica – que solicita a H.P.B. um corpo de ensinamentos que respondesse ao sincero desejo de muitas pessoas de realizarem um trabalho probatório preliminar que as tornasse dignas de serem aceites como discípulos dos Mestres. Tudo isso se materializou na Secção Esotérica ou Escola Esotérica, dirigida por H.P.B., que desde Londres enviaria as Instruções a Judge, na América, e a Olcott nos países asiáticos. Esta Escola, independente da Sociedade Teosófica, fundamentou o seu trabalho e a formação dos seus conteúdos com base num «Livro das regras», redigido sob a inspiração do Mestre M. e de H.P.B. O primeiro escrito com indicações específicas – num momento estritamente privado, confidencial e pessoal para os membros da Escola – foi uma Memória Preliminar elaborada por H.P.B. em 1888, na qual expõe uma série de razões para a formação deste grupo e explica o que se espera dos seus integrantes. À intenção especial da Escola Esotérica há que agregar outra mais profunda e preponde- 59 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 60 rante: a constituição de um Grupo Interno para doze discípulos pessoais, que receberam aulas de H.P.B. desde o dia 20 de Agosto de 1890 até ao dia 22 de Abril de 1891, um total de 23 aulas com uma periodicidade de 2 a 4 por mês, e até poucos dias antes da sua morte. Os resultados de tudo isso? A História, como sempre, terá a última palavra e expressar-se-á em factos concretos. Não importa que muitos dos discípulos de H.P.B. tivessem ficado pelo caminho ou que tivessem caído no esquecimento; o seu labor não foi infrutífero porque apesar do tempo continua a despertar almas e a gerar discípulos através da sua obra. É provável que a sua grande missão tenha sido escrever incansavelmente, deixando provas de uma Sabedoria quiçá demasiado avançada para o seu tempo e mesmo, quem sabe, para o nosso. O inegável é que H.P.B. conhecia perfeitamente as suas dificuldades para actuar como Mestra, mas não para se projectar na sua obra escrita, que é onde devemos procurá-la. Vejamos as suas próprias palavras, numa carta dirigida à condessa Wachtmeister: «Se está “preocupada” eu estou completamente perplexa para compreender o que se espera de mim. Nunca prometi desempenhar o papel de gurú, mestre de escola ou professor... Disse-lho, em várias ocasiões, eu nunca ensinei ninguém a não ser no meu próprio estilo pessoal... Se tivesse de me castigar repartindo instruções ordenadas, à maneira de um professor, durante uma hora – e nem digo nada se fossem duas horas por dia – eu 60 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 61 preferiria escapar para o Pólo Norte ou morrer a qualquer momento cortando inteiramente as minhas ligações com a Teosofia. Sou incapaz de fazer tal coisa, como qualquer um que me conheça deveria saber.» Muito se insistiu sobre o enigma de H.P.B., tanto o da sua personalidade – aparentemente em contacto com os homens mas vivendo a maioria das vezes em relação com outros seres – como o da sua obra, extensa, complexa e difícil de apreciar através de uma simples leitura. A sua linguagem abscura tende a enganar: a obscuridade é a de quem não está à altura dos seus ensinamentos e a falta de clareza é própria de temas que nunca serão claros para a mente, mas sim para a intuição. Porém, soube transmitir com bastante clareza o sentido da sua vida, a sua entrega a um Ideal nobre e o seu inalterável amor por quem a guiou no Caminho. Nada melhor, pois, que as suas próprias palavras para demonstrar o brilho luminoso da verdade, a força da luz que arrasa as trevas: «Se me perguntarem: Quem sois vós, para encontrades falhas em nós? Sois quem comunga com os Mestres recebendo diariamente os Seus favores, tão santa, tão impecável, tão digna? A isto respondo: NÃO SOU. Imperfeita e defeituosa é a minha natureza, muitos e notórios são os meus erros e por isso o meu karma é mais pesado que o de qualquer outro teósofo. É assim (e deve ser) desde que por tantos anos estou no alvo de inimigos e até de alguns amigos. No entanto, aceito a prova alegremente. Porquê? Porque sei que tenho, 61 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 62 apesar de todas as minhas faltas, a protecção do Mestre que se extende sobre mim. E se a tenho, a razão é simplesmente esta: ao longo de mais de 35 anos, desde 1851, quando vi ao meu Mestre em corpo real e pessoalmente pela primeira vez, jamais o neguei nem duvidei Dele, nem sequer em pensamento. Jamais uma reprimenda, uma queixa contra Ele se escapou dos meus lábios ou cruzou o meu cérebro por um instante, sob as provas mais duras... Devoção incondicional Àquele que encarna o dever que me toca, e crença na Sabedoria (colectivamente, dessa grande, misteriosa, mas real Irmandade de homens santos), é o meu único mérito e razão do meu êxito na filosofia oculta.» Delia Steinberg Guzmán 62 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 63 JÓIAS DO ORIENTE GEMS OF ORIENT J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 64 PREFACE Few words will be needed by way of preface to these Gems from the East. At a time when Western minds are occupied in the study of Oriental Literature, attracted possibly by its richness of expression and marvelous imagery, but no less by the broad yet deep philosophy of life, and the sweet altruistic doctrines contained therein, it is thought seasonable to present the public with a useful and attractive little volume such as this. The Precepts and Aphorisms, compiled by «H.P.B.» are culled chiefly from Oriental writings considered to embody, in part, teachings which are now attracting so much attention in the West, and for the diffusion of which the Theosophical Society is mainly responsible. As far as possible we have endeavoured to make the volume attractive, handy, and useful to all. It contains a Precept or an Axiom for every day in the year; lines of a Theosophical nature, selected from sources not invariably Oriental, preface each month; and the whole 64 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 65 PREFÁCIO Poucas palavras serão necessárias em jeito de prefácio a estas Jóias do Oriente. Num tempo em que as mentes Ocidentais estão ocupadas com o estudo da Literatura Oriental, provavelmente atraídas pela sua riqueza de expressão e pelo imaginário maravilhoso, mas não menos pela vasta, mas profunda filosofia de vida e pelas doces e altruístas doutrinas nela contidas, entendeu-se que era oportuno apresentar ao público um pequeno e atractivo livro como este. Os Preceitos e Aforismos, compilados por «H.P.B.», são principalmente escolhidos a partir dos escritos Orientais que se considera incluírem, parcialmente, os ensinamentos que actualmente tanta atenção merecem no Ocidente e por cuja difusão a Sociedade Teosófica é a principal responsável. Tanto quanto possível, tentámos tornar a obra atraente, de fácil manuseio e útil para todos. Ela contém um Preceito ou um Axioma por cada dia do ano; cada mês é prefaciado por algumas linhas de natureza 65 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 66 is embellished with drawings from the pen of F. W., a lady Theosophist. It is hoped that our efforts will meet with approval from all lovers of the good and beautiful, and that they may not be without effect in the cause of TRUTH. W.R.O. «THERE IS NO RELIGION HIGHER THAN TRUTH» 66 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 67 Teosófica, seleccionadas de fontes não invariavelmente Orientais e todo o livro é embelezado com desenhos feitos por F. W., uma Teósofa. Esperamos que os nossos esforços mereçam a aprovação de todos os apaixonados do bom e do belo e que eles sejam úteis à causa da VERDADE. W.R.O. «NÃO HÁ RELIGIÃO SUPERIOR À VERDADE» 67 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 68 JANUARY «UTTISHAT! - Rise! Awake! Seek the great Teachers, and attend! The road Is narrow as a knife-edge! Hard to tread!» «But whoso once perceiveth HIM that IS; Without a name, Unseen, Impalpable, Bodiless, Undiminished, Unenlarged, To senses undeclared, without an end, Without beginning, Timeless, Higher than height, Deeper than depth! Lo! Such an one is saved! Death hath not power upon him!» THE SECRET OF DEATH (fr. The Katha Upanishad). 1 The first duty taught in Theosophy, is to do one’s duty unflinchingly by every duty. 2 The heart which follows the rambling senses leads away his judgment as the wind leads a boat astray upon the waters. 68 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 69 JANEIRO «UTTISHAT! - Levantem-se! Acordem! Procurem os grandes Mestres e prestem atenção! O caminho É estreito como o fio de uma navalha! Difícil de trilhar!» «Mas quem uma vez O entendeu, esse que É; Não tem nome, é Invisível, Intangível, Imaterial, Não Diminuído, Não Aumentado, Não Revelado aos sentidos. Não tem um fim, Nem começo, é Intemporal. Mais Alto do que a altura, Mais profundo do que a profundeza! Vejam! Esse está salvo! A morte não tem poder sobre ele!» THE SECRET OF DEATH (fr. The Katha Upanishad) 1 O primeiro dever ensinado na Teosofia é cumprir firmemente o nosso dever através de cada dever. 2 O coração que segue os sentimentos errantes afasta o seu julgamento, tal como o vento que desencaminha um barco nas águas. 69 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 70 3 He who casts off all desires, living free from attachments, and free from egoism, obtains bliss. 4 To every man that is born, an axe is born in his mouth, by which the fool cuts himself, when speaking bad language. 5 As all earthen vessels made by the potter end in being broken, so is the life of mortals. 6 Wise men are light-bringers. 7 A just life, a religious life, this is the best gem. 8 Having tasted the sweetness of illusion and tranquillity, one becomes free from fear, and free from sin, drinking in the sweetness of Dhamma (law). 9 False friendship is like a parasitic plant, it kills the tree it embraces. 10 Cut out the love of self, like an autumn lotus, with thy hand! Cherish the road of peace. 11 Men who have not observed proper discipline, and have not gained treasure in their youth, perish like old herons in a lake without fish. 12 As the bee collects nectar, and departs without injuring the flower, or its color or scent, so let a Sage dwell in his village. 70 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 71 3 Aquele que abandona todos os desejos, vivendo livre de algemas e livre de egoísmo, atinge a felicidade. 4 Por cada homem que nasce, nasce um machado na sua boca, com o qual o tolo se corta, sempre que profere palavras grosseiras. 5 Tal como todas as vasilhas de barro feitas pelo oleiro acabam partidas, assim é a vida dos seres humanos. 6 Os homens sábios são portadores de luz. 7 Uma vida íntegra, uma vida devota é a melhor jóia. 8 Tendo provado a doçura da ilusão e da tranquilidade, libertamo-nos do medo e do pecado, bebendo a doçura do Dhamma (lei). 9 A falsa amizade é como uma planta parasita, mata a árvore que abraça. 10 Arranca com a tua mão o amor por ti próprio, tal como fazes a um lótus de Outono! Acarinha o caminho da paz. 11 Os homens que não observaram uma disciplina correcta e não conseguiram ganhar riquezas na juventude, perecem tal como velhas garças num lago sem peixe. 12 Tal como a abelha recolhe o néctar e parte sem afec- tar a flor, a sua cor ou o seu cheiro, assim deixem o Sábio habitar a sua aldeia. 71 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 72 13 As rain does not break through a well-thatched house, passion will not break through a well-reflecting mind. 14 He who hath too many friends, hath as many candidates for enemies. 15 That man alone is wise, who keeps the mastery of himself. 16 Seek refuge in thy soul; have there thy Heaven! Scorn them that follow virtue for her gifts! 17 All our dignity consists in thought, therefore let us contrive to think well; for that is the principle of morals. 18 Flattery is a false coin which circulates only because of our vanity. 19 Narrowness of mind causes stubbornness; we do not easily believe what is beyond that which we see. 20 The soul ripens in tears. 21 This is truth the poet sings - That a sorrow’s crown of sorrows / Is remembering happier things. 22 Musk is musk because of its own fragrance, and not from being called a perfume by the druggist. 72 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 73 13 Assim como a chuva não entra numa casa bem coberta, a paixão não irrompe através de uma mente pensadora. 14 Aquele que tem demasiados amigos, tem o mesmo número de candidatos a inimigos. 15 Só é sábio quem possui profundo conhecimento de si próprio. 16 Procura refúgio na tua alma; encontra lá o teu Céu! Despreza quem persegue a virtude pelas suas dádivas! 17 Toda a nossa dignidade reside no pensamento, por isso deixemo-nos pensar bem; porque este é o princípio da moral. 18 A lisonja é uma moeda falsa que só circula devido à nossa vaidade. A tacanhez de espírito provoca obstinação; não acreditamos com facilidade no que está para além daquilo que vemos. 20 A alma amadurece nas lágrimas. 19 21 Isto é verdade, canta o poeta - Que a coroa de lamen- tações de uma lamentação / É recordar coisas mais felizes. 22 O almíscar é almíscar por causa da sua própria fragrância e não por ser chamado perfume pelo farmacêutico. 73 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 74 23 Not every one ready for a dispute is as quick in trans- acting business. 24 It is not every graceful form that contains as graceful a disposition. 25 If every pebble became a priceless ruby, then pebble and ruby would become equal in value. 26 Every man thinks his own wisdom faultless, and every mother her own child beautiful. 27 If wisdom were to vanish suddenly from the universe, no one yet would suspect himself a fool. 28 A narrow stomach may be filled to its satisfaction, but a narrow mind will never be satisfied, not even with all the riches of the world. 29 He who neglects his duty to his conscience, will neglect to pay his debt to his neighbor. 30 Mite added to mite becomes a great heap; the heap in the barn consists of small grains. 31 He who tasteth not thy bread during thy lifetime, will not mention thy name when thou art dead. 74 __________ J ias do Oriente_novoform_FINAL1:Layout 1 15-05-2008 17:14 Page 75 23 Nem todo aquele que está pronto para uma discussão é tão expedito para fazer negócio. 24 Nem todas as formas graciosas contêm um temperamento igualmente encantador. 25 Se todos os seixos se transformassem em rubis sem preço, então o seixo e o rubi teriam o mesmo valor. 26 Todo o homem pensa na sua própria sabedoria perfeita e toda a mãe na beleza do seu próprio filho. 27 Mesmo que a sensatez desaparecesse de repente do universo, ninguém se julgaria tolo. 28 Um estômago pequeno pode encher-se até ficar satisfeito, mas uma mente limitada nunca ficará satisfeita, nem mesmo com todas as riquezas do mundo. 29 Aquele que descura o dever perante a sua consciência, esquecer-se-á de pagar a dívida ao vizinho. 30 Migalha mais migalha formam um grande monte; no celeiro o monte é constituído por pequenos grãos. 31 Aquele que não provou o teu pão durante a vida, não pronunciará o teu nome quando morreres. 75 __________