CÓDIGO

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CÓDIGO
CÓDIGO
0.
Extensão do termo
0.1. Instituição e correlação
A palavra /código/ era usada até à primeira metade do século (aparte
raros casos, como quando Saussure fala de «code de la langue») em três sen­
tidos precisos: paleográfico, institucional e correlacionai. Que é afinal o modo
como dela falam ainda os dicionários correntes.
A acepção paleográfica oferece-nos uma pista para compreender as outras
duas. O codex era o tronco da árvore, de onde se extraíam as tabuinhas
de madeira para escrever, e toma-se depois o livro. Também na base dos
outros dois sentidos de /código/ está sempre um livro: um code-book ou um
dicionário para o código correlacionai, que faz corresponder certos símbolos
a certos outros, e um livro como recolha de leis ou de normas para o código
institucional. Temos o código Morse e o código Gelli. Esta oposição vai
dominar as páginas que se seguem.
A acepção institucional presta-se a numerosos equívocos: um código é um
corpo orgânico de leis fundamentais, como os códigos jurídicos, ou um con­
junto de normas cuja organicidade não é sempre explicitada, como o código
cavalheiresco? O código de direito penal parece ser um código correlacio­
nai: não explicitamente que matar é mau, mas relaciona várias formas de
homicídio com várias formas de pena; o código de direito civil é, pelo con­
trário, ao mesmo tempo um conjunto de disposições sobre o modo como
se deve agir (‘faz assim’) e de sanções relacionadas com a violação da norma
(‘se assim não fizeres, incorrerás em tal sanção’).
A acepção correlacionai parece mais precisa e rigorosa, como bem sabem
os agentes secretos: nada mais fácil de definir que um código criptográfico.
E, contudo, uma breve inspecção ao universo da criptografia fará surgir uma
tal quantidade de problemas que da acepção criptográfica, analisada em todos
os seus aspectos, facilmente se poderá remontar a todas as outras.
0.2. Sucesso do código
Mas o que por ora devemos eleger como problema é precisamente o
sucesso que o termo /código/ teve na segunda metade do século. Digamos
desde já que escolhemos esta data com uma certa razão: são os anos em
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que aparecem The Mathematical Theory of Communication de Shannon e Wea­
ver [1949] e Fundamentals o f Language de Jakobson e Halle [1956].
Podemos dizer que a partir desta viragem do século o termo conhece
um sucesso cada vez maior: reformula-se a oposição saussuriana langue-parole
em termos de código-mensagem, fala-se de código fonológico, código linguís­
tico, código semântico; introduz-se a noção de código parental e de código
dos mitos; faz-se muitas vezes referência a um código estético e em todo
o caso a numerosos códigos artísticos e literários; repropõe-se a noção de
código para os sistemas de normas nos quais se baseia uma cultura e fala-se
de códigos das várias culturas; a biologia induz o conceito de código ge­
nético, procuram-se códigos da comunicação animal, perguntando-se no
máximo se existem formas de comunicação baseadas no código e outras sem
código; a este respeito, precisamente onde se avança em várias partes a sus­
peita de uma linguagem sem código, discute-se acerca da existência de um
código icónico; ao opor o discreto e o digital ao contínuo e ao analógico, por
um lado pergunta-se se o segundo pólo da oposição constitui o lugar do
‘natural’ e ‘espontâneo’ não codificado, e por outro pergunta-se se é pensável um código analógico: avança-se a ideia de um código da percepção e
de um código dos processos neurofisiológicos; e enfim, eis que abrem cami­
nho os códigos sociais, os códigos de comportamento interactivo, os códi­
gos de classe, os códigos etnolinguísticos; ao mesmo tempo que parece
doravante fora de dúvida que existem códigos gestuais, códigos fisiognómicos, códigos culinários, códigos olfactivos, musicais, tonémicos e paralinguísticos, prossémicos, arquitectónicos...
A ideia de código parece penetrar não só no universo do cultural mas
também do natural, criando suspeitas de homonímia, metaforização, emprés­
timo ilegítimo, indulgência às modas terminológicas. Mas ainda que estas
suspeitas fossem legítimas, seria sempre de perguntar qual o motivo destas
liberdades. A explosão de um termo, que do seu cadinho disciplinar se eleva
às honras de termo-chave para várias disciplinas, e de termo de ligação que
assegura a circulação interdisciplinar, não é um facto novo: evolução, ener­
gia, inconsciente, estrutura, mas ainda antes filologia, barroco (era apenas
o nome de um silogismo), mecanismo, a história cultural pulula de inquinamentos terminológicos do género, que criam a um tempo confusão e coe­
são, involução fétichista e desenvolvimentos fecundos. No entanto, em cada
um destes casos o termo toma-se o estandarte de uma intempérie cultural,
muitas vezes o emblema de uma revolução científica: sob o uso difuso do
termo está uma espécie de tendência geral (em literatura artística dir-se-ia
um kunstwollen), e, se o uso do termo se arrisca a ser vago, a tendência
é precisa, discritível e analisável nas suas componentes.
Digamos, para começar, que a noção de código implica em todo o caso
a de convenção, de acordo social —por um lado — e de mecanismo regido
por regras — por outro. Note-se que não se disse ainda ‘mecanismo comu­
nicativo’, como seria espontâneo anotar, porque se código é também uma
instituição, como a cavalheiresca, ou o sistema das regras de troca parental,
não está dito que estas instituições e estas regras sejam concebidas para fins
de comunicação.
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0.3. Do parentesco à linguagem
O conceito de código vem sancionar uma persuasão que circulava já
quando o termo não havia ainda feito a sua aparição oficial. Nas Stmctum
élémentaires de la parente de Lévi-Strauss [1947] a palavra código só aparece
acidentalmente, nunca como termo técnico (por exemplo aludindo a «mui­
tos códigos contemporâneos», trad. it. p. 71): as categorias são as de regras,
sistema, estrutura. E, por outro lado, mesmo quando propõe o seu paralelo
entre linguística e antropologia [1945], Lévi-Strauss fala de sistema fonológico e não de código. O termo só aparece como categoria com a análise dos
mitos em La Geste d ’Asdival [1958-59].
Mas no capítulo conclusivo das Structures élémentaires, a equação regra-comunicação-socialidade era já posta de modo inequívoco: «Linguistas e
sociólogos não apenas empregam os mesmos métodos mas dedicam-se ao
estudo do mesmo objecto. Deste ponto de vista, de facto, “ exogamia e lin­
guagem têm a mesma função fundamental” » [Lévi-Strauss, 1947, trad. it.
p. 631]. Poder-se-ia avançar a hipótese de que, através da influência do dis­
curso de Lévi-Strauss, a equiparação entre funcionamento social e funcio­
namento linguístico, remetendo para a linguística jakobsoniana, impõe
definitivamente a referência à noção de código.
Contudo, a equação parentesco-linguagem não visa tanto demonstrar que
interagir parentalmente é comunicar como que a sociedade comunica a todos
os seus níveis precisamente porque existe um código (ou uma regra) comum
qüer à linguagem quer às relações parentais e à estrutura da aldeia, e a outros
fenómenos mais ou menos explicitamente comunicativos.
Se existe regra e instituição, existe sociedade e existe mecanismo construível e desconstruível, eis a questão. E, portanto, pode afirmar-se que falar
de código significa já ver a cultura como facto de interacção social regu­
lada, a arte, a língua, os artefactos, a própria percepção como fenómenos
de interacção colectiva regidos por leis explicitáveis. A vida cultural já não
é vista como criação espiritual livre, produto e objecto de intuições, lugar
do inefável, pura emanação de energia criadora, teatro de uma representa­
ção dionisíaca, regida por forças que a precedem e sobre as quais a análise
não tem poder. Afirma-se, com a noção de código, que mesmo onde se veri­
ficam fenómenos ainda em grande parte desconhecidos não existe em prin­
cípio o incognoscível, porque algo continua a ser objecto de indagação, e
é o sistema das regras, sejam elas profundas, universais, constitutivas ou
históricas, transitórias, superficiais. A confirmar que a ideia de código se
afirma não tanto para sustentar que tudo é linguagem e comunicação, mas
para sustentar a existência de tuna regra, veja-se o primeiro texto onde, como
cremos, Lévi-Strauss introduz explicitamente o termo: é o ensaio (publi­
cado originalmente em inglês) sobre linguagem e sociedade [1951] onde ele
retoma as teses das Structures élémentaires e se detém em particular nas ana­
logias entre troca parental e troca linguística. Consciente do risco da sua
hipótese, ele adverte de que não basta limitar a indagação a uma única socie­
dade, ou mesmo a muitas, se não se estabelecer um nível onde se torne
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possível a passagem de um fenómeno ao outro. Trata-se então de elaborar
um ‘código universal’ capaz de exprimir as propriedades comuns às es­
truturas específicas de cada fenómeno; código cujo uso se revele legítimo
tanto no estudo de um sistema isolado como na comparação entre sistemas
diversos. Trata-se de encontrar «estruturas inconscientes similares... uma
expressão verdadeiramente fundamental... uma correspondência formal»
(trad. it. p. 78).
Por isso, logo que aparece pela primeira vez, como já na fonologia jakobsoniana, o código apresenta-se não tanto como um mecanismo que permite
a comunicação, mas como um mecanismo que permite a transformação entre
dois sistemas. Que estes sejam afinal sistemas de comunicação de outro é
por ora acessório: o que conta é que sejam sistemas que comunicam entre eles.
Já por estas propostas a ideia de código aparece envolvida numa aura
de ambiguidade: ligada a uma hipótese comunicativa, ela não é garantia de
comunicação mas de coerência estrutural, de mediação entre sistemas diver­
sos. É uma ambiguidade que mais adiante esclareceremos e que depende
de uma dupla acepção de /comunicação/: como transferência de informações
entre dois pólos e como transformação de um sistema noutro sistema, ou
entre elementos do mesmo sistema. De momento basta observar que a fusão
dos dois conceitos é fecunda: sugere que devem existir regras solidárias para
duas operações distintas e que estas regras, além de descritíveis, sejam de
certo modo domináveis por um algoritmo.
0.4. A filosofia do código
Basta também isto para insinuar a suspeita de que toda a batalha dema­
siado prematura contra a invasão dos códigos possa esconder na sombra o
desejo de um regresso ao inefável. Podemos até suspeitar —é certo — que
o sucesso do código tenha todas as características de um exorcismo, consti­
tua uma tentativa no sentido de pôr ordem no movimento e organização
nas pulsões telúricas, de ver um guião onde apenas existe tuna dança extem­
porânea de eventos casuais. Suspeita que abala também os metafísicos do
código, porque o código, mesmo quando é regra, nem por isso é uma regra
que ‘fecha’, pode também ser uma regra-matriz que ‘abre’, que permite
gerar ocorrências infinitas, e portanto a origem de um ‘jogo’, de um ‘vór­
tice’ incontrolável. Sinal de que o medo do código anima a própria noção
que o põe como chave omniexplicativa, e de que a ideia de código não é
necessariamente garantia de armistício e paz, mas pode também ser pro­
messa de uma nova guerra.
De facto, a cultura da segunda metade do século é atravessada pela dupla
tentativa no sentido de ir do vórtice ao código para bloquear o processo
e repousar na definição de estruturas manejáveis, e de vir do código ao vór­
tice, para mostrar que é o próprio código que não é manejável, dado que
nós o não pusemos, mas ele é um dado que nos põe a nós (nós não falamos
as linguagens, são as linguagens que nos falam). E, contudo, o facto de ter
sentido a necessidade de travar esta batalha significa que o problema das
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regras, da sua origem e do seu funcionamento foi proposto, e com ele a
exigência de explicar em termos unificados os fenómenos individuais e
sociais. Por conseguinte, a irrupção do código diz-nos que a cultura con­
temporânea quer construir objectos de conhecimento ou demonstrar que na
raiz do nosso funcionar como seres humanos estão objectos sociais cognoscíveis. A noção de código é a um tempo condição preliminar e consequên­
cia imediata de um projecto institutivo das ciências humanas. Utopia as
ciências humanas, utopia será a busca dos códigos: a sorte dos dois concei­
tos está intimamente ligada, o código é o instrumento categorial dessa tarefa
científica que são as ciências humanas. Derrotado o código, do humano não
haverá mais ciência, e será o regresso às filosofias do Espírito criador.
A irrupção do código significa, para começar, que nós não somos deu­
ses: somos movidos por regras. O segundo passo (e aqui se dividem as epistemologias do código) está em decidir se não somos deuses porque nos
movemos com base em regras que historicamente nos pomos uns aos outros
ou se não somos deuses porque a divindade é precisamente a Regra (o Código
dos Códigos) que está por detrás de nós. Curiosamente, é possível demons­
trar que ambas as assunções dependem de (ou apelam para) uma assunção
materialista: basta decidir se se trata de um materialismo histórico ou de
um materialismo mecanicista. Por outras palavras, o código pode ser ou physis
ou nomos, ou o clinamen epicureano ou a lei da polis. Se /código/ implica
tudo isto, é indubitavelmente uma metáfora. Mas, se é tuna metáfora, nasce
de uma similitude; e, se houve similitude possível, devia existir algo que
alguém percebia, sob certos aspectos, como similar.
Trata-se então de construir a categoria do código, de distingui-la daquilo
que não pode ser definido como tal, de delimitar as suas possibilidades de
emprego. O que não significa dizer que se deixarão na sombra as outras ques­
tões ventiladas nestas páginas introdutórias. Serão simplesmente reconduzi­
das ao modelo de base. Mesmo quando consideradas metodologicamente
ilegítimas, deverá revelar-se a sua legitimidade histórica, ou seja, procurar-se-á perceber por que razão, apesar da ilegitimidade da metaforização, a metá­
fora se revela convincente. Uma vez estabelecidas as similaridades, poder-se-á
afirmar que a partir da similaridade não se constrói um silogismo. Ao menos,
porém, ter-se-á percebido como e porquê funcionou um curto-circuito. O zoó­
logo sabe muito bem que Aquiles não é um leão, e a sua tarefa é circunscre­
ver a unidade zoológica leão nas suas características peculiares. No entanto,
se tiver um mínimo de sensibilidade poética, deverá perceber por que motivo
Aquiles é dito leão e não cão ou hiena. Por pouco que saiba acerca de Aquiles.
1.
Criptografia e línguas naturais
1.1. Códigos e cifras
Em criptografia um código é um sistema de regras que permitem trans­
crever uma dada mensagem (em princípio um conteúdo conceptual, na prá­
tica uma sequência linguística já preconstituída e expressa em alguma
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linguagem natural) mediante uma série de substituições tais que através delas
um destinatário que conheça a regra de substituição seja capaz de obter de
novo a mensagem original. A mensagem original é dita ‘claro’, a sua trans­
crição é dita ‘cifrado’. A criptografia distingue-se dos métodos esteganográficos, que consistem em tomar não perceptível uma mensagem em claro
(mensagens em tinta simpática ou escondidas no salto de um sapato, e até
os acrósticos, onde todas as letras da mensagem são explicitadas, bastando
saber que só se devem considerar as primeiras de cada palavra ou de cada
verso). São afins dos métodos esteganográficos os chamados de Segurança da
Transmissão (por exemplo transmite-se via rádio uma frase a uma tal veloci­
dade que $ó um aparelho de registo a pode recolher e restituir ‘ao retardador’).
A criptografia, pelo contrário, procede quer por transposição quer por
substituição. Os métodos de transposição não requerem regras específicas,
basta saber que a ordem da sequência do claro foi alterada: um exemplo
típico é o anagrama, Roma que se torna Amor (mas é também um caso de
palindromia), ou secreto que se torna etcorse.
Os métodos de substituição, pelo contrário, dão lugar à cifra ou ao código
em sentido estrito (também dito cloák). Na cifra, cada elemento mínimo
do claro é substituído por um elemento mínimo do cifrado. Uma cifra bana­
líssima é aquela que substitui cada letra do alfabeto por um número de
1 a 23. A cifra não trabalha com entidades semânticas, mas com entidades
pertinentes, e neste sentido as letras do alfabeto cifram os fonemas da lin­
guagem falada. De igual modo é uma cifra o chamado código (ou mais cor­
rectamente ‘alfabeto’) Morse. Uma cifra pode introduzir para além dos
elementos correspondentes termo a termo aos do claro elementos homôfonos: a letra /e/ por exemplo pode ser indicada contemporaneamente pelos
números 5, 6 e 7. Os homófonos introduzem-se habitualmente para evitar
revelar as frequências. Com efeito, quem tivesse de interpretar uma mensa­
gem cifrada composta por números poderia basear-se nas tabelas de frequên­
cia da /e/ numa dada língua e determinar o número que lhe corresponde,
se a letra não for mascarada por vários homófonos. De igual modo se podem
introduzir no cifrado elementos nulos, que não correspondem a elementos
do claro, para tomar ainda mais difícil a reconstrução da mensagem original.
Um cloák, pelo contrário, faz corresponder a grupos cifrantes (ou gru­
pos de código) palavras inteiras, ou mesmo frases e textos do claro. Pro­
cede, em suma, por equivalências semânticas. Um dicionário bilingue (cão:
dog) é um cloák.
As fronteiras entre cifra e cloák são, aliás, bastante lábeis, porque não
é claro a que a categoria adscrever, por exemplo, o código do abade bene­
ditino Tritémio (1499) que fazia corresponder a cada letra do alfabeto em
claro uma frase em cifrado:
A = Nos Céus
B = Sempre e Sempre
C = Mundo sem fim
D = Numa infmitude
E = Perpetuidade
etc.
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pelo que a palavra Icade (cai)/ deveria ter sido posta em código como ‘Mundo
sem fim nos céus, numa infinitude, (em) perpetuidade’.
De igual modo, um código em blocos, que faz corresponder por exemplo
um número a um grupo de letras, tem as características formais da cifra
(os seus elementos não são significantes) mas as condições de uso do cloak.
De facto, com uma cifra podem gerar-se infinitas mensagens, enquanto um
cloak predetermina o número das mensagens concebíveis; e enquanto uma
cifra apenas exige o conhecimento de uma série de correspondências minimais (por exemplo os números de 1 a 23 para as vinte e três letras do alfa­
beto), um cloak (na medida em que tem muitos elementos) exige um livro,
ou code-book, isto é, um dicionário.
Diremos ainda que se entende por cifrar a actividade de transformar um
claro num cifrado inventando as suas regras; por codificar a transcrição de um
claro num cifrado com base num código preestabelecido; por descodificar (ou
decifrar, ou traduzir) a transcrição de um cifrado num claro com base num
código prefixado; e por descriptar (ou criptoanalisar) a actividade de transcre­
ver um cifrado em claro não conhecendo o código e extrapolando as suas regras
da análise da mensagem (quase sempre com base em tabelas de frequência e
sempre com base numa boa dose de intuição) [cf. Saffin, 1964 e Kahn, 1967].
1.2. Código e correlação semiótica
Destes elementos se deduz que um código põe sempre uma regra de equi­
valência, ou de transcrição: A equivale a B, ou A transcreve-se como B,
ou ainda A está no lugar de B.
Esta última expressão serve-nos para esclarecer a natureza eminentemente
semiótica de um código. Assumindo que um signo seja, segundo a defini­
ção de Peirce (1897), «algo que está no lugar de qualquer outra coisa aos
olhos de alguém sob algum aspecto ou capacidade» [ed. 1960 II, § 228],
todo o elemento de um código é um signo.
Em termos mais precisos, diremos que um código associa a um elemento
fisicamente perceptível e presente (expressão) um elemento não perceptível
e não presente (conteúdo).
É, no entanto, raro encontrar um código (cloak ou cifra que seja) que fun­
cione com base numa única regra de equivalência. De facto, até a cifra mais
elementar é resultado da sobreposição e interdependência de vários códigos.
Examinemos por exemplo uma cifra muito simples, que faça corresponder
um número a cada letra do alfabeto; suponhamos que as mensagens assim codi­
ficadas correspondem em claro a textos da língua portuguesa; suponhamos ainda
que o cifrado deve ser transmitido com base em impulsos eléctricos. Eis que
teremos de considerar uma hierarquia de cifras e cloak de que só duas perten­
cem ao código em questão, enquanto as outras se referem a outros códigos
parasitários relativamente ao primeiro e de que o primeiro é parasitário:
1) um código de transmissão que faz corresponder a cada cifra um dado
impulso: por exemplo /3/ é transmitido como /.../;
2) a cifra verdadeira (onde /3/ corresponde a C);
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3) uma cifra alfabética subentendida, onde a letra C corresponde aos fone­
mas [c] e [k];
4) uma cifra ‘posicionai’, onde a sucessão temporal dos elementos deve
ser entendida, no momento da descodificação, como sucessão espa­
cial. Estamos aqui em presença de uma segunda articulação semelhante
à da linguagem. A cifra em questão poderia também decidir alterar
as regras articulatórias da língua natural de referência (por exemplo:
os sintagmas devem ler-se às avessas). Em todo o caso, a ordem dos
elementos é signifkante;
5) um cloak, que se identifica com o da língua natural de referência,
onde a um sintagma dado (palavra) corresponde uma cadeia ou uma
hierarquia de traços semânticos ou uma definição;
6) um código (de que é incerto se se trata de cifra ou de cloak) que diz
respeito às leis de primeira articulação da linguagem, e que fixa a fun­
ção signifkante das posições sintácticas dos termos do cloak 5).
Como é claro, pertencem à cifra criptográfica em questão apenas os códi­
gos 2) e 4). O primeiro é um código de transmissão (que também poderia
não existir), o segundo é próprio da codificação gramatológica da lingua­
gem falada, o quarto pertence também e o quinto e o sexto pertencem ape­
nas à língua natural de referência.
1.3. Os códigos das línguas naturais
Uma língua natural exibe, pois, vários tipos de regras. Enquanto dotada
de dupla articulação, ela exibe um primeiro nível de entidades discretas (os
fonemas) que se diferenciam mutuamente graças a um sistema de oposições
(presença ou ausência de traços distintivos). Este nível de segunda articula­
ção é impropriamente dito código quando é apenas um sistema de regras
(para mais esclarecimentos cf. § 4.3) que permite aos fonemas combinar-se
para formar morfemas, aos quais é conferido um significado. Só nesta atri­
buição de significado aos morfemas (como elementos de uma sucessiva pri­
meira articulação) a língua começa a funcionar como um código: as
expressões estão relacionadas com um conteúdo. A modalidade desta corre­
lação não é em cifra mas em cloak, porquanto uma expressão é relacionada
com uma série de traços ou marcas semânticas, os quais constituem os ele­
mentos de um sistema semântico em princípio independente do sistema dos
fonemas e do sistema dos morfemas (de facto, numa outra língua — num
outro código — o mesmo conjunto de marcas pode ser exprimido por outra
palavra). Os elementos do sistema semântico estruturam-se em subsistemas,
campos, eixos que não consideramos aqui. A puro título de exemplo, con­
sideremos a palavra /pai/ com a qual está relacionado (a par de outros tra­
ços como «singular», «macho», etc.) um traço «parente» que orienta para o
campo semântico das relações de parentesco.
Neste campo se relacionarão os elementos de subcampos específicos, como
aquele que opõe os sexos, aquele que concerne as hierarquias de geração
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(dado Ego como geração 0, o pai pertencerá à primeira geração anterior,
o avô à segunda, o filho à primeira posterior, etc.) e as relações de descen­
dência (descende-se em linha recta do pai, está-se numa relação lateral com
o irmão, numa relação de colateralidade ulterior com o primo). Por conse­
guinte, organizando numa espécie de grosseira matriz os elementos destes
subcampos semânticos obtém-se a caracterização dos papéis parentais apre­
sentada na tabela 1. Por consequência, a expressão /pai/ pode ser analisada
como «G + l, Sm, Ll».
Tabela 1.
Caracterização dos papéis parentais através da organização dos subcampos semânticos rela­
tivos às hierarquias de gerações, aos sexos e às relações de descendência.
Avô
Avô
+
+
Pai
Mãe
+
+
Irmão
Irmã
+
+
Filho
Filha
Tio
Geração
G+2
G+l
G 0
G —1
G —2
+
+
+
Sexo
Sm
Sf
+
+
+
+
+
+
+
+
+
Descendência
Ll
L2
L3
+
+
+
+
+
+
+
+
+
Se considerarmos que uma língua natural associa a tuna expressão como
/pai/ não só estas denotações mas também conotações institucionalizadas como
«bondade», «autoridade», etc., apercebemo-nos do motivo por que um código
linguístico é um cloak de que se pode ter uma posse mais ou menos com­
pleta (de um falante ao outro pode haver uma diferença na complexidade
de análise semântica de um termo: estas diferenças produzem subcódigos,
com base nos quais um falante atribui aos termos significados que outros
falantes não atribuem; a posse destes subcódigos estabelece diferenças de
classe, cultura, censo, etc.). Esta complexidade toma também problemáti­
cas as relações de sinonímia (nas quais se baseiam, em contrapartida, mui­
tos dicionários bilingues que relacionam duas expressões de línguas diversas
que têm ‘quase’ as mesmas componentes semânticas). /Pai/ não é sinónimo
de /papá/, porque o primeiro possui uma marca de «respeito», e o segundo
substitui-a por uma marca de «confiança». Não é, pois, exacto traduzir /papá/
por /father/.
Calculando que, além disso, as regras contextuais podem levar a seleccionar algumas marcas em detrimento doutras, apercebemo-nos de que na
vida das línguas naturais se criam múltiplos subcódigos e desvios entre código
de codificação da mensagem e código de descodificação; em termos cripto-
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gráficos, a um único cifrado correspondem muitas vezes claros diversos
[cf. Eco, 1975, pp. 196-97].
Subcódigos específicos se estabelecem também graças à presença, entre
as marcas semânticas, de denotações e conotações. É conotativo um código
onde o plano do cifrado é constituído pelo claro de outro código: /pai/ denota
«G + 1, Sm, Ll» mas /G + 1, Sm, L l/ conota «autoridade» [cf. Eco, 1975,
§§ 2.3 e 2.9.1].
É em todo o caso claro que, a níveis de diferente complexidade, o prin­
cípio base do código linguístico é o mesmo que rege um código criptográ­
fico. Em ambos os casos a regra de correlação estabelece que A está para
A, ou que A se transcreve (ou se traduz, ou se interpreta) como B. A par­
tir daqui anotaremos esta relação de correlação como A->B.
Se um código criptográfico constitui um modelo satisfatório do código
de uma língua natural, constitui por maioria de razão o modelo de outros
códigos mais simples.
Um cifrário do tipo /x/-> «y» é modelo de um alfabeto. Um cloak do tipo
/xxx/ -*• «yyyy» é modelo de um dicionário bilingue. Um cloak do tipo
/xxx/-> «y» + «z» + «k» é modelo de um vocabulário da língua X. Um cloak
do tipo /xx/-+«yy + zzz + kkk» estabelece que a palavra /stop/ está para
«se estás num automóvel pára neste cruzamento até que tenhas a cer­
teza de que não vêm outros carros da direita». Um cloak do tipo
/xx + yy/->«zzz + kkk + jjjj...» é modelo de muitas expressões diplomáticas
onde uma certa frase por convenção quer dizer uma outra. Um cloak do
tipo /xxxxx + kkkkk/-> «y» é modelo de muitas fórmulas de cortesia (/como
está, lindo dia, não é verdade?/ está para «contacto»).
Mais complexos são certos códigos retóricos, que implicam operadores
lógicos: por exemplo na litote admitindo (p VS q) a expressão /~ p / está
para «q», ou seja, diz-se de alguém que não é um estúpido para dizer que
é inteligente; na ironia /~ p / está para «p», ou seja, afirma-se o contrário
do que se quer dizer.
2.
Códigos e textos
2.1. Códigos criptográficos, códigos enigmísticos de género
A panorâmica sobre os princípios da criptografia ter-nos-ia fornecido um
modelo satisfatório de correlação semiótica (ou de reenvio) se não fosse o
facto de que, no momento em que sai das mãos dos agentes secretos para
entrar nas dos enigmistas, a criptografia oferece-nos outros motivos de
reflexão.
O enigmista não parece um descodificador mas descriptador: deve des­
cobrir, a par do claro, o código, que lhe não foi dado. Na realidade, ele
não está completamente privado de uma regra, porque sabe que o jogo que
está a resolver é um rébus, ou um anagrama, ou uma criptografia mnemó­
nica, ou uma charada. E, portanto, possui ‘linhas de acção’ para chegar
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à solução. E, contudo, as directrizes fornecidas pelo título do jogo (charada
ou rébus, etc.) não lhe permitem um tipo de descodificação semelhante à
do agente secreto que conhece o código. O enigmista encontra o anagrama
Rotnea e não sabe se a solução é Amore, Morea, O ermal, A remo, E mora,
Mao re. Pode ter uma pista, e habitualmente as revistas de enigmística
fornecem-na; o anagrama tem um título e o título serve para conduzir à
solução. Por outro lado, mesmo sem uma pista o jogo seria legítimo, por­
que a regra enigmística existe, e é precisamente a regra anagramática da
permutação ou transposição. Existe, pois, uma regra operativa, mas ela não
consente uma e uma só solução.
Vejamos o rébus: uma imagem mostra uma série de objectos ou de cenas,
e cada um dos elementos visivos pertinentes tem sobreimpressa uma ou mais
letras do alfabeto. Examinenos um rébus, descrevendo as imagens e pondo
entre parênteses os elementos alfabéticos sobreimpressos: uns anzóis (ami)
em cima duma mesa (L) — um equilibrista num arame (abile) (R) — um
pequeno templo com arcos (archi) em semicírculo (T) — um homem (E)
enfia uma rolha numa garrafa (ottura) (T) — um jovem (BR) beija uma jovem
(ama) (N) — junto deles outro anzol com uma minhoca (esca) (T). A solu­
ção é ‘La mirabile architettura bramantesca’.
A regra era a mesma de todos os rébus: ‘dá nomes às imagens e compõe
o nome das imagens com a letra sobreimpressa’. Mas quem me diz que
devo compor L + ami e não ami + L (como no caso de archi + T)? E por
que motivo o equilibrista e ‘abile’ (hábil)? Não poderia ser, precisamente,
‘equilibrista’? Porque B R ‘ama’ N e não Br ‘beija’ N? (Deixemos de parte
a questão de saber se as imagens são reconhecidas com base num código
ou por razões ‘naturais’: a isto nos iremos referir no § 8.)
Se respondermos: ‘vale a solução dotada de sentido’, dizemos que quem
resolve deve completar a regra de género com uma inferência contextuai. Esta
inferência é do tipo daquela a que Peirce chamava abdução e que não é mais
do que a hipótese: trata-se de arriscar uma regra ad hoc que dê forma à
situação tornando-a compreensível (que é afinal a operação que executa o
descriptador, o qual supõe um código ainda desconhecido e procura ver se
à luz dele a mensagem é legível). Por conseguinte, o enigmista tem por um
lado uma regra geral, e por outro deve procurar uma regra contextuai.
E, no entanto, também tem à sua disposição costumes enigmísticos. Sabe
que as minhocas enfiadas nos anzóis estão habitualmente para «esca» (isca);
se houvesse dois altares gregos saberia sem sombra de dúvida que eles são
«are» (aras). O enigmista, portanto, não tem só uma regra mas também um
‘léxico’ de género não diverso das convenções iconográficas na história das
artes figurativas e das ‘frases feitas’ da língua natural (querer é poder, agarrar
o mundo com as duas mãos, um seu criado).
A situação do rébus parece idêntica à das frases ambíguas que tanto dão
que pensar aos estudiosos de semântica: /Luís faz amor com a mulher uma
vez por semana. Henrique também/. Com quem faz amor Henrique? Com
a sua mulher ou com a mulher de Luís? Há uma regra de co-referência
de /também/ que nos permite aplicá-lo seguramente à acção de fazer amor
ou à acção de fazer amor com a mulher de Luís? Ou valemo-nos de um
CÓDIGO
109
conhecimento das regras de boa educação? Ou das informações que temos
sobre a lealdade de Henrique e sobre a fidelidade da mulher de Luís?
Devemos agora perguntar-nos se não existem jogos ainda mais ‘regula­
dos’ que o rébus, onde por exemplo estejam formuladas regras de decidibilidade contextuai capazes de dirigir a hipótese de modo mais vinculativo.
Vejamos, por exemplo, as criptografias mnemónicas. Em termos de regra
de género elas consistem numa expressão-estímulo dotada de sentido (o
cifrado) que deve ser transcrita numa segunda expressão que veicula por
homonímia dois claros, ou dois níveis de conteúdo, ou ainda duas isotopias
de sentido. A primeira constitui uma espécie de paráfrase, comentário, defi­
nição, transformação sinonímica da expressão-estímulo, a segunda é inde­
pendente do conteúdo da expressão-estímulo. A segunda isotopia faz da
expressão-resposta um lugar-comum, já preestabelecido no repertório das
maneiras de dizer e, portanto, reconhecível mnemonicamente como dèjá vu.
Uma série de expressões-estímulo clássicas transcritas na expressão-resposta tornarão evidente a regra genérica:
—» Credenza piena (Plena crença ou
credença cheia)
Lacrimata saltna (chorados des­ -* Pianta spoglia (Planta despida)
pojos)
-*• Signore sole (Senhor Sol)
Astro dominante
-» Campo incolto (Campo inculto)
Asino vivo (asno vivo)
-*• Recinto di spine (Coroado de
Jesus
espinhos)
-* Campo di fiori (Campo florido)
Sono Vape (Sou a abelha)
Gesú nelForto (Jesus no horto) -» II verbo riflessivo (O verbo
reflexo)
1) Fede absoluta (fé absoluta)
2)
3)
4)
5)
6)
7)
Examinando as criptografias l)-4) apercebemo-nos desde logo de que as
respostas a um primeiro nível constituem quer definições quer transforma­
ções sinonimicas da expressão-estímulo; ao passo que, examinando as crip­
tografias 5)-7) apercebemo-nos de que estímulo e resposta encontram-se numa
relação de implicação (se, então; se Jesus, então homem coroado de espi­
nhos; se sou uma abelha, então vivo de flores; se Jesus está no horto, então
o Verbo reflecte e medita). Ao segundo nível, as sete respostas constituem
outras tantas frases feitas: a planta despida, o senhor sol, o campo inculto,
etc. O mecanismo da dupla isotopia da criptografia I) seria, pois, o seguinte:
Novo cifrado
Credenza piena
Fede assoluta ‘Credenza (no sentido de crer)
piena’
C ifrad o
C laro
Novo claro
‘Móvel de cozinha cheio’
CÓDIGO
110
Dir-se-ia que, para além da regra genérica, o resto é matéria de pura infe­
rência e de agilidade em encontrar por intuição uma frase feita que se ponha
em relação de homonímia com a expressão de resposta ao primeiro nível.
Apercebemo-nos, pelo contrário, de que existem regras comuns. Tente­
mos formular algumas:
I) verifica se a expressão estímulo é um polissentido [só responde a
esta característica a 4): burro (animal) vivo VS (eu) vivo (como um)
burro (ignorante)];
la) se a resposta à I) é sim, encontra para ambos os membros da frase
duas expressões sinónimas pertencentes à mesma categoria gramati­
cal [burro (adj.) -►inculto-, vivo (verbo) -* campo];
Ib) verifica se a expressão sinónima é homónima de um lugar-comum
(campo inculto como terreno não cultivado);
II) se a resposta à I) é não, substitui cada membro da frase pelo seu
sinónimo (respondem a esta característica as 1), 2): lacrimata tom a-se planta, salma torna-se despida;
lia) verifica se a expressão sinónima é homónima de um lugar-comum,
ainda que se deva aceitar uma mudança de categoria gramatical
(na 2), para a segunda isotopia, planta de adjectivo passa a substan­
tivo, e despida de substantivo passa a adjectivo;
III) se a substituição por um sinónimo não faz sentido, tenta com outras
figuras retóricas (no caso da 3) a primeira substituição faz-se por
sinédoque: o sol pertence ao género astro. Se a resposta tem sen­
tido, procede como em lia);
IV) Se as regras I) e II) não dão resultados apreciáveis, tenta construir
uma implicação (se, então) e considera entre as soluções possíveis
a que responde à regra 1), aplicada não ao estímulo mas à resposta.
Naturalmente, observando um corpus mais completo de criptografias,
apercebemo-nos de que as regras são muito mais complexas. Mas não são
informuláveis. Não permitem a solução automática, porque também aqui
deve jogar a hipótese contextuai, a par da hipótese mnemónica, e isto faz
que o jogo enigmístico seja precisamente um jogo, prova de sapiência e de
intuição ao mesmo tempo. Mas a sapiência exercita-se experimentando várias
regras dotadas da sua recursividade, e a intuição exercita-se apreendendo
por rápida inspecção, entre todas as regras possíveis, a regra certa.
Por conseguinte, a criptografia tem não apenas regras genéricas mas tam­
bém regras de decidibilidade contextuai.
2.2. Regras (gramáticas) do texto
Naturalmente, a criptografia mnemónica vive em relação parasitária com
o código da língua natural e explora a sua complexidade, isto é, vive do
facto de que não existem sinónimos absolutos, e cada substituição sinonímica faz deslizar o significado da expressão substituinte para áreas que não
111
CÓDIGO
eram abrangidas pelo significado da expressão substituída (cf. § 1.3). Mas
por isso mesmo os seus problemas não parecem diferentes dos da análise
textual em linguística, onde as regras da língua muitas vezes não conseguem
dar conta da ambiguidade de cenas expressões e reenviam, ponanto, para
um conhecimento extratextual ou para laboriosas inferências contextuais. Em
/Nancy diz que quer casar com um norueguês/ é, por exemplo, indecidível
com base no código se Nancy quer casar com uma pessoa precisa que ela
conhece e que é norueguesa, ou se pretende casar com qualquer um, con­
tanto que tenha nacionalidade norueguesa. Para tirar a ambiguidade à frase,
exigem-se ou conhecimentos de ordem extralinguística (noções sobre a situa­
ção de Nancy) ou conhecimentos de ordem contextuai (o que dizem as fra­
ses precedentes ou seguintes acerca de Nancy). Por exemplo a frase perde
automaticamente a ambiguidade se seguida da frase: /Eu vi-o e não me parece
mau rapaz/.
Todas estas observações bastariam para afirmar que uma língua natural
não é um código [assim o afirma por exemplo Ducrot, 1972] porque não
só relaciona frases com claros mas também fornece regras discursivas e por­
tanto mistura problemas de sintaxe e de semântica com problemas de prag­
mática. No entanto, o problema que aqui nos devemos pôr é o seguinte:
um código é simplesmente uma regra de correlação que obriga uma coisa
a estar no lugar de outra coisa precisa? Desde a análise dos processos de
codificação ao seu nível mais elementar (a criptografia) apercebemo-nos de
que a situação não é assim tão simples. Existem, a par dos códigos, siste­
mas de prescrições criptográficas. Bastaria por certo dizer que estes não são
códigos. Mas, se não são códigos, serão regras de interpretação textual.
Podem estas regras assumir as formas da correlação de código?
As recentes gramáticas do texto orientam-nos neste sentido. Perguntam-se elas se, posto que exista um código das línguas naturais que atribui um
significado a determinadas expressões, não é preciso que seja integrado por
uma série de regras textuais que tenham também em conta aplicações con­
textuais alternativas. É o caso do artigo indeterminado /um/ que tanto pode
significar «um membro qualquer da categoria X» como «um membro pre­
ciso da categoria X». É o caso de uma expressão como /ao invés (invece)/
que tem em primeira instância tuna marca semântica de alternatividade mas
esta alternatividade pode aplicar-se a diversos elementos da frase precedente:
a) a toda uma proposição apresentada como referencialmente opaca (por
exemplo, no caso de: Lúcia diz que foi a Roma. Ao invés (invece), ficou
em casa, /ao invés (invece)/ nega o què se afirmou de Lúcia, opondo-lhe
uma proposição considerada Verdadeira; b) ao verbo /Lúcia gosta de rosas.
Carlos, ao invés (invece), detesta-as); c) a um ou ambos os sujeitos (Lúcia
ama Carlos. Carlos, ao invés (invece), ama Paula; d) ao objecto e ao verbo
(Lúcia gosta de rosas. Ao invés (invece), detesta os cravos).
Não existe aparentemente valor semântico fixo para /ao invés (invece)/.
Vejamos, porém, cada uma destas frases inserida num contexto. Imagine­
mos que cada uma delas é a resposta a uma pergunta diferente: a) Onde
diz Lúcia que foi?; b) Carlos e Lúcia gostam de rosas; c) Carlos e Lúcia
amam-se?; d) De que flores gosta Lúcia? A linguística da frase havia já avan­
CÓDIGO
112
çado a hipótese de que todo o enunciado fornecesse uma informação explícita
(dita ‘comentário’ ou ‘foco’) e remetesse para algo dito anteriormente, implí­
cito (‘pressuposição’ ou topic ou tema). Ora cada uma das perguntas acima
enunciadas estabelece um topic: e é a ele que /ao invés ([invece)/ se opõe.
No caso a) o topic é aquilo que Lúcia diz e /ao invés (invece)/ nega pre­
cisamente a asserção de Lúcia; no caso b) o topic é a opinião de Carlos e
Lúcia, que se pressupõe homogénea, onde /ao invés {invece)/ se opõe a esta
presunção de homogeneidade; no caso c) o topic é a suposta reciprocidade do
amor de Carlos e Lúcia; no caso d) o topic é a diferença entre flores de
que Lúcia gosta e flores de que Lúcia não gosta. Deveremos, pois, pressu­
por uma correlação de códigos que tenha também em conta os contextos,
e cuja fórmula mais simples consistiria em atribuir a /ao invés (invece)/ uma
marca de «alternativa ao topic do contexto».
Significaria isto que um código linguístico de formato suficientemente
flexível deve relacionar uma expressão com diversos conteúdos tendo em
conta diversas inserções contextuais [cf. Eco, 1975, § 2.11]. Que é afinal
o modo como se articula provavelmente a nossa competência semântica.
3.
Códigos e gramáticas
Mas, admitindo mesmo que existam, de um lado, códigos correlacionais
e, do outro, regras de interpretação textual que são meras prescrições ope­
rativas (porventura de ordem sintáctica), o problema não se resolve. De facto,
a linguagem comum chama /códigos/ também a sistemas de prescrições ope­
rativas, como o código cavalheiresco, o código do direito, o código de mora­
lidade publicitária, etc.
Esta ambiguidade pode ser esclarecida voltando à definição criptográfica
do código, e melhor ainda dos códigos que são cifras, na própria articulabilidade dos quais se esconde um potencial explosivo.
Examinemos uma cifra utilizável para fins biblioteconómicos, ou seja,
para marcar e classificar os livros de uma biblioteca pública. Podem usar-se
para este fim dois tipos de códigos [cf. Nauta, 1972, p. 134]: ou um código
selectivo ou um código, significante, que preferimos designar por representa­
tivo.
Um código selectivo atribui um número progressivo a cada livro: para
a descodificação é necessário um code-book, porque de outra forma seria difí­
cil saber qual o livro 33 721; de facto, um código selectivo é um cloak, por­
que poderia designar cada livro por uma palavra convencional.
Um código representativo é, em contrapartida, uma cifra para todos os
efeitos: e tem da cifra a possibilidade de consistir em várias cifras interde­
pendentes e de poder gerar um infinito número de mensagens (cf. § 1.1).
Suponhamos, com efeito, que cada livro é definido por quatro expressões
numéricas de que a primeira indica a sala, a segunda a parede, a terceira
a prateleira da estante e a quarta a posição do volume na estante a partir
da esquerda. Portanto, o cifrado /1.2.5.33/ indicará o trigésimo terceiro livro
da quinta prateleira da segunda parede da primeira sala. Neste caso o código
113
CÓDIGO
não só permite a formulação de infinitas mensagens, sempre interpretáveis
contanto que se conheça a regra correlacionai enunciada (facilmente memorizável sem necessidade de code-book), mas permite também ‘representar’
o livro, ou seja, descrevê-lo pelo menos nas suas características de coloca­
ção espacial. A interpretação do cifrado é possível com base em regras de
correlação de que faz parte também um código ‘posicionai’ (semelhante aos
códigos 4) e 6) desditos no § 1.2), que teria ao mesmo tempo um léxico
(com o seu dicionário) e uma sintaxe, e seria portanto uma gramática, no
sentido chomskyano do termo.
Mas há mais: com este código seria também possível gerar um número
infinito de mensagens mentirosas e, no entanto, dotadas de significado. Por
exemplo, o cifrado /3000.1500.10000.4000/ significaria o quarto milésimo
livro da décima milésima prateleira da milésima quingentésima parede da
terceira milésima sala, deixando entrever uma biblioteca com milhares de
salas enormes em forma de polígonos megaedros — ainda que tal biblioteca
de Babel não existisse. Um código do género seria, pois, um dispositivo
para gerar descrições intensionais de objectos de extensão nula. Propriedade
que é típica de uma língua natural.
Este código utiliza dois sistemas de correlação. Por um lado, diz-nos que
/4/ deve ser interpretado como «quarto», por outro diz-nos que a primeira
posição significa «sala». Associa a posição do número no sintagma a uma
dada função categorial que completa a atribuição de conteúdo à expressão.
A segunda correlação é de carácter vectorial. Por isso a informação veiculada
por um código representativo «é estrutural e é representada por um vector
num espaço informacional» [Nauta, 1972, p. 135].
Uma gramática da língua natural é mais redundante porque reconhece
uma fisionomia categorial aos seus elementos mesmo fora da posição sintáctica. Dada uma regra de geração como
Frase — SN, AUS, SV
SN — ART, N
SV
— AUS, V, FRASE
um léxico que estabelece que /criança/ é Nome e /persuadir/ é Verbo, per­
mite gerar e interpretar /a criança foi persuadida a comer a sopa/ como tam­
bém reconhecer como agramatical a frase /a persuadida foi criança a sopa
a comer/, enquanto com o código biblioteconómico seria possível inverter
a ordem das expressões numéricas sem que se pudesse dar conta do erro
(salvo conhecimento extralinguístico sobre as dimensões da biblioteca: mas
também sabendo que a biblioteca é pequena, a inversão de /3.3.10.333/ para
/333.10.3.3/ seria sempre significante ainda que aparecesse como referência
a uma sala e a uma parede inexistente).
O código verbal, portanto, permitindo o reconhecimento das categorias
lexicais, permite também perceber variações posicionais do tipo /foi persua­
dida a sopa a comer a criança/ e portanto permite em estrutura superficial
variações da estrutura profunda, ao passo que no código biblioteconómico
estrutura profunda e estrutura superficial não podem deixar de coincidir.
CÓDIGO
114
Tudo isto porém apenas significa que existem códigos mais ou menos com­
plexos e mais ou menos capazes de ‘autocontrolo’.
Por outro lado, também numa língua natural é habitualmente a posição
que permite reconhecer o papel ‘actancial’ dos elementos da frase. Estamos
a pensar na oposição de significado entre /a doença da mãe causou a crise
nervosa do filho/ e /a crise nervosa do filho causou a doença da mãe/. E em
casos de homonímia a posição sintáctica é decisiva para esclarecer também
a categoria lexical: veja-se o que acontece com /a escavação {cavo) é feita
(condotto) segundo as regras/ e /a conduta (condotto) é escavada {cavo) segundo
as regras/.
4.
Código e sistema
4.1. O código dos computadores
Os mesmos problemas aparecem nas linguagens de programação e nas
linguagens das máquinas a propósito dos elaboradores electrónicos. Um com­
putador digital ou numérico, sensível a instruções formuladas em notação
binária, pode funcionar, em termos de linguagem de máquina, com base
num código que relaciona expressões em notação binária com números deci­
mais e com letras do alfabeto.
Tabela 2.
Exemplo de código de 6 bit.
Carácter
Zona
0
1
2
3
4
5
6
7
00
00
00
00
00
00
00
00
00
00
8
9
Numérico
0000
0001
0010
0011
0100
0101
0110
0111
1000
1001
Um exemplo de código (neste caso de 6 bits) é o apresentado na tabela 2
(com o qual se podem formular termos de 24 bits) [cf. London, 1968, trad.
it., p. 76]. Mediante este código, as expressões /1966/ e Icatsl poderão ser
comunicadas ao computador do seguinte modo:
1966 — 000001 001001 000110 000110
cats — 100011 100001 110100 110011
CÓDIGO
115
Por vezes a linguagem de programação é alfanumérica (as instruções têm
forma literal e numérica ao mesmo tempo), como READ 01 ou MULTIPLY
03 15 87 (que significa ‘multiplica o conteúdo da casa 03 pelo conteúdo
da casa 15 e dispõe o produto na casa 87’)- Dado um código operativo que
contemple por exemplo
READ
MULTIPLY
-► 01
03
o comando MULTIPLY 03 15 87 assumirá a forma numérica 03 03 15 87.
Mas, para que a máquina ‘perceba’ que tem de multiplicar um primeiro
conteúdo pelo segundo, e assim por diante, serão necessárias várias outras
instruções de código. Ela terá de reconhecer antes de mais numa instrução
numérica a posição de uma dada casa da memória, terá de saber que o
número de casa significa o conteúdo dessa casa, e em segundo lugar deverá
reconhecer a posição das várias instruções:
Código operativo Primeira posição Segunda posição Terceira posição
cifra 1 cifra 2 cifra 3 cifra 4 cifra 5 cifra 6 cifra 7 cifra 8
Tendo em conta que, naturalmente, a instrução numérica decimal será
traduzida em código de notação binária, a máquina receberá no fim a
seguinte instrução
000000 000011 000000 000011 000001 000101 001000 000111
Apercebemo-nos de que o processo exige pelo menos três tipos de con­
venção:
1) um código que associa a cada expressão em notação binária uma
expressão em notação decimal;
2) um código que associa às mesmas expressões em notação decimal —
de cada vez— instruções operativas e posições de casa;
3) um código representativo que associa valores operativos específicos à
posição das cifras, como já acontecia no código biblioteconómico con­
siderado no parágrafo anterior.
Devemos naturalmente observar que o código 1) não deve ser conhecido
pela máquina; ele serve para o programador. A máquina só ‘sabe’ que, rece­
bidas certas instruções binárias, deve seleccionar certas informações e
combiná-las em termos de cálculo. De facto, a máquina não recebe sequer
expressões numéricas: recebe impulsos (ausência e presença, aberto e
fechado), combinando os quais segundo as leis do cálculo binário, inscritas
nos seus circuitos, executa as operações. A máquina apenas conhece sequên­
cias de 0 e de 1, e distingue uma sequência da outra: mas também para
estabelecer esta distinção ela possui regras posicionais, dado que, se con­
116
CÓDIGO
fundisse 000001 com 000010, confundiria o número um com o número dois.
Por conseguinte, o sistema binário é uma estrutura feita de posições e oposi­
ções de que a máquina deve saber analisar todas as possíveis transforma­
ções. A máquina age sobre esta estrutura e não sobre o código. Ora não
se pode, porém, ignorar que um costume terminológico indica como /código/
também esta estrutura.
4.2. O código na teoria matemática da comunicação
Se formos reler os textos originais dos teóricos da informação, veremos
que eles distinguem a informação, como medida estatística da equiprobabilidade dos eventos na fonte, e portanto como entidade mensurável em ter­
mos puramente quantitativos, do significado, que é justamente o valor que
atribuímos a um ou mais elementos de informação com base num código
que faz corresponder ao sistema dos elementos informativos outras entida­
des (com elas relacionadas por convenção), que de facto não são transmiti­
das. Shannon [1948], depois de ter distinguido cuidadosamente o significado
de uma mensagem, irrelevante para uma teoria matemática da informação,
da medida da informação que se produz quando uma determinada mensa­
gem é seleccionada dentro de um conjunto de mensagens equiprováveis, dis­
tingue cuidadosamente um código (como por exemplo o código que se
quereria elaborar para transmitir a sequência das quatro letras A, B, C, D
segundo certas medidas de probabilidade) do problema de uma teoria da
comunicação que antes diz respeito ao modo mais económico de codificar
a mensagem.
Simplificando o problema, poderemos dizer que um código como
A
B
C
D
—
—
-*•
—
00
01
10
11
apresenta certas vantagens em termos de economia mas poderia ter fraca
redundância e prestar-se a erros de transmissão. Poder-se-á, pois, resolver
complicá-lo assim:
A
B
C
D
—
—
—
—
0001
1000
0110
1001
Mas o problema de que nos fala a teoria matemática da comunicação é a
sintaxe interna da sequência dos 0 e dos 1, a maior ou menor facilidade e
segurança com que estes sinais podem ser transmitidos, não o facto de que
este sistema (sintáctico) de sinais esteja associado a um sistema de letras alfabéti­
cas ou de outros conteúdos. Portanto, a este ponto devemos estabelecer uma
117
CÓDIGO
distinção entre os elementos de um sistema enquanto ligados por relações
recíprocas (segundo o Lalande, um sistema é um «conjunto de elementos,
materiais ou não, que dependem reciprocamente uns dos outros de modo
a formarem um conjunto organizado» [1926, trad. it, p. 828] e a correlação
que se estabelece entre os elementos deste sistema e os elementos doutro
sistema. Só esta correlação tem direito ao nome de código. Voltemos ao exem­
plo de código de 6 bit antes fornecido. Dos três tipos de correlação que
implica (decimal-+binário; binário-*■instrução; posição-»valor), podemos
dizer que põem em jogo quatro sistemas, cada um deles autónomo nos seus
termos, ou seja:
a)
b)
c)
d)
o sistema dos números decimais;
o sistema dos números binários;
o sistema das operações possíveis (multiplicar, registar, etc.);
o sistema das posições sintácticas (à esquerda de, à direita de, antes
de, etc.).
Para uma decisão convencional, estes sistemas, imbricados dois a dois,
formam três códigos, mas seria possível concebê-los separadamente como
estruturas independentes, e como tais os considera o engenheiro das comu­
nicações quando tem de decidir as condições óptimas para fazer passar ao
longo de um determinado canal a informação constituída quer pela presença
ou ausência de sinal quer pela sucessão de sinais.
Estabelecemos, pois, chamar /sistemas/ às estruturas sintácticas e /códi­
gos/ às correlações entre os elementos independentes de duas estruturas sin­
tácticas.
Como, por outro lado, se costuma chamar /código/ também a uma estru­
tura ou sistema sintáctico, designaremos estes sistemas pelo termo /s-códigos/.
4.3. O código fonológico
O impulso de chamar /códigos/ aos s-códigos veio provavelmente no
momento da aplicação dos critérios informacionais aos sistemas fonológicos
[cf. Jakobson e Halle, 1956].
Os elementos de um sistema fonológico são, como se sabe, destituídos
de significado. Não correspondem a coisa nenhuma, não estão-no-lugar-de
nada, não são portanto os elementos de um código. Como explica a teoria
fonológica, os traços distintivos que constituem e caracterizam reciproca­
mente os fonemas, fazem parte de um puro sistema de posições e oposi­
ções, uma estrutura. A ausência ou a presença de um ou mais traços
(exprimível e calculável em termos binários) distingue um fonema doutro.
Um sistema fonológico é regido por uma regra (sistemática) mas esta regra
não é um código. Porque se falou então de código fonológico, e não apenas
e mais correctamente de sistema fonológico? Jakobson [1961], elaborando
pela primeira vez da maneira mais acabada a sua teoria das relações entre
118
CÓDIGO
fonologia e teoria matemática da comunicação, parece consciente da dife­
rença que aqui sublinhamos. Mas noutros textos apercebe-se de que o sis­
tema não significante dos traços distintivos está intimamente ligado ao
verdadeiro código linguístico. Não é que venha primeiro o sistema fonológico e depois, graças a ele, a língua com a sua dialéctica de signantia e de
signata, mas a própria língua, no seu pôr-se em acção para funções de sig­
nificação, organiza a um tempo as suas regras correlacionais e os sistemas
a correlacionar. E joga nesta confusão propositada a exigência que procurá­
vamos mostrar no § 0.3: ou seja, que sob o apelo ao código está, não tanto
a ideia de que tudo é comunicação, mas de que tudo o que é comunicação
(natureza ou cultura que seja) está sujeito a regra e a cálculo, e portanto
é analisável e cognoscível, assim como é passível de ser gerado por trans­
formações de matrizes estruturais que são objecto (e fonte) de cálculo.
O que, pensando bem, é a exigência dos teóricos da comunicação; é possí­
vel pôr em código (para tomar as mensagens facilmente transmissíveis) por­
que na raiz da comunicação está um cálculo, e portanto o processo da
comunicação pode ser objecto de ciência (para o conhecer) e de técnica (para
o dominar).
Neste nó de exigências filosóficas reside o duplo uso de código. Distin­
guir as duas acepções do termo (s-códigos de códigos propriamente ditos)
é fundamental para a prossecução correcta de um discurso semiótico. Re­
conhecer o porquê da sua confusão é fundamental para, através da história
da palavra código, fazer uma história das ideias do nosso tempo.
5.
Código e estimulação
5.1. O código genético
Ê interessante notar como também a temática da comunicação gené­
tica faz a sua aparição em termos explícitos na segunda metade do século,
embora as premissas se hajam desenvolvido anteriormente: a descoberta
da dupla hélice é dos anos 50, em 1961 Jacob e Monod descobrem os
processos de transcrição de DNA em RNA e é definitivamente ao Congresso
de Moscovo de 1961 que se faz remontar a primeira decifração do código
genético.
Não foi dito que a mecânica do código genético tal como é hoje re­
conhecida pelos estudiosos é a mecânica real e que o código genético não
é por ora mais do que uma pura construção hipotética dos geneticistas. Que­
reríamos, porém, dizer que, ainda que errada, a hipótese seria significativa
em termos de história das ideias. Esquematizando ao máximo, digamos que
a informação genética contida no cromossoma e armazenada no DNA (ácido
deoxiribonucleico de estrutura helicoidal dupla cuja unidade fundamental,
o nucleótido, contém uma base, um açúcar e um ácido fosfórico) determina
a construção de uma molécula proteica. Uma molécula proteica é feita de
CÓDIGO
119
aminoácidos. Os aminoácidos são 20 e da sua combinação nascem as diver­
sas moléculas proteicas.
No d n a se dispõem diversas sucessões de quatro bases azotadas (adenina, timina, guanina e citosina) e é a sucessão destas bases que determina
a sucessão dos aminoácidos. Como os aminoácidos são 20 e as bases azota­
das quatro, são precisas várias bases para definir um aminoácido. Visto que
uma sequência de duas bases permitiria 16 permutações e uma sequência
de quatro bases permitiria 266, a maior economia combinatória parece ser
alcançada por sequências de três bases, ou tripletas, que permitem tam­
bém —com as suas 64 combinações para 20 aminoácidos — definir o mesmo
aminoácido através de ‘homófonos’ ou sinónimos e servir-se de algumas com­
binações nulas, em função de sinais de interpunção entre sequências ‘significantes’. Não iremos aqui discutir se tal economia depende de um
processo evolutivo ou não é mais do que uma economia metalinguística
devida ao biólogo; as sequências reais poderiam ser 266 (e o código de qua­
tro bases), só que apenas 20 aminoácidos sobreviveram à selecção evolu­
tiva e todas as combinações não utilizadas são os nulas ou homófonas. Em
todo o caso é claro que o sistema das tripletas do DNA é ainda um s-código
e, como tal, sujeito a cálculos de transformação e a avaliações de economia
estrutural.
Mas o DNA está na célula, ao passo que a informação que ele armazena
deve transportar-se para o ribossoma onde se dá a síntese proteica. Por isso
as tripletas do DNA são duplicadas, na célula, por outro ácido nucleico, o
RNA (ácido ribonucleico) que em função de RNA-mensageiro transporta a
mensagem no ribossoma.
Aqui o RNA-solúvel (provavelmente através de uma nova tradução em
tripletas complementares, que não iremos considerar por razões de sim pli­
cidade) insere um aminoácido em correspondência com cada tripleta de bases
azotadas.
A tradução do DNA em RNA faz-se por substituição complementar de
tripletas, com a complicação que a timina do DNA é substituída por uma
nova base, o uracilo. E aqui estamos em presença, pelo menos formalmente,
de um código verdadeiro a que por comodidade chamaremos ‘código de célula’:
A
U
T “*• A
G
C
C “*■ G
Portanto, se o DNA transporta a sequência adenina-guanina-citosina, o
RNA traduz: uracilo-citosina-guanina.
No momento em que se realiza a síntese proteica no ribossoma entra
em jogo aquilo a que chamaremos ‘código de ribossoma’, pelo qual, por
exemplo, à tripleta GCU (e seus homófonos GCC e GCA e GCG) corresponde
o aminoácido alanina (cf. tab. 3).
CÓDIGO
120
Tabela 3.
O código genético: palavras de código e aminoácidos correspondentes.
Palavras de código
Aminoácido
GCU GCC GCA GCG
GCU GCG CGA CGG AGA AGG
AUU AAC
GAU GAC
UGU UGC
GAA GAC
CAA CAG
GGU GGC GGA GGG
CAU CAG
AUU AUC
UUA UUG CUU CUC CUA CUG
AAA AAG
AUA AUG
UUU UUC
CCU CCC CCA CCG
UCU UCC UCA UCG AGU AGC
ACU ACC ACA ACG
UGG
UAU UAC
GUU GUC GUA GUG
UAA UAG UGA
Alanina
Arginina
Asparagina
Ácido aspártico
Cisteína
Ácido glutâmico
Glutamina
Glicina
Istidina
Isoleucina
Leucina
Licina
Metionina
Fenilalanina
Prolina
Serina
Treonina
Triptofano
Tirosina
Valina
Sem sentido (nulos)
O código genético tem todas as características de uma cifra engenhosa
e responde à nossa definição de código como correlação e como regra posi­
cionai (a diferença posicionai entre UAU e UUA distingue a tirosina da leucina). E também pensável uma correspondência em cifra entre dois
geneticistas que decidam escrever, em vez de isoleucina, AUU. Além disso,
eles poderiam também recorrer ao código dito de célula, e transcrever iso­
leucina como TAA, ou seja, em termos de linguagem DNA.
Acontece o mesmo no organismo? Quer dizer, podemos antropomorfizar o processo e imaginar que o RNA-solúvel ‘vendo’ a tripleta AUU ‘pense’
que ela está para a isoleucina e aja de acordo com isso? Claro que não. As
reacções do processo genético são reacções estéricas, ou seja, mais seme­
lhantes a um encaixe. Elas funcionam um pouco como o Lego, o jogo
de construções para crianças, onde quando há um cheio se insere um
vazio e vice-versa. DNA e RNA-mensageiro (assim como RNA-mensageiro e
RNA-solúvel) funcionam como fitas transportadoras de uma cadeia de mon­
tagem automatizada em que, por assim dizer, onde aparece algo de vazio
enche-se e onde aparece algo de cheio faz-se um decalque em negativo. Trata-se de uma cadeia cega de complementaridade. O código dos geneticistas
é um código, o «código genético» é uma metáfora que descreve metalinguisticamente o que não é comunicação mas processo de acção e reacção, estí-
CÓDIGO
121
mulo e resposta. O código genético teria a sua consistência ‘ontológica’ se
e só se existisse uma divindasse que fornecesse a estrutura do DNA ‘visando’
a tradução final, ou que soubesse ler no DNA os aminoácidos que não estão
presentes, e que só estarão presentes quando o DNA estiver ausente. Eis
que se desenha, pois, uma segunda distinção no nosso discurso sobre o
código. Não só há que distinguir códigos de s-códigos mas também siste­
mas de códigos (correlações) de sistemas de estímulos (interacções).
5.2. Signos e estímulos
O discurso sobre o código genético leva naturalmente a olhar com des­
confiança as várias tentativas no sentido de estabelecer códigos de comuni­
cação animal. A ave que reconhece o grito de alarme e o distingue dos gritos
de reunião, o insecto que atribui a uma dada emanação química o signifi­
cado de chamamento, reconhece uma correlação ou reage a um estímulo
do mesmo modo como o cérebro electrónico ‘sabe’ que, dadas as cifras biná­
rias 0001 e 0010 e a ordem SOMA, a resposta mecânica, já inscrita como
regra nos seus circuitos, só pode ser
0001
0010
0011
uma vez que em termos de cálculo binário 1 + 0 = 1, 0 + 0 = 0, e 1 + 1= 0
com transporte?
O limiar entre fenómeno sígnico e estímulo estaria então no princípio
de reversibilidade (que segundo Piaget é também característico das opera­
ções da inteligência): já que num código, se 0011 significa (ou está para,
na ausência de) 3, também é verdade que (uma vez aceite a regra correla­
cionai) 3 está para 0011. E uma vez que se haja mostrado definitivamente
que certas espécies animais são capazes destas operações de reversibilidade,
também para elas se poderá falar de significação e de código. Por ora deve­
mos estabelecer que existe código quando, através de uma regra de correla­
ção, a relação entre o elemento inicial e o elemento final de uma cadeia
comunicativa é mediada por interpretantes. Além disso, a presença de um
código pode ser reconhecida pela possibilidade de, através dele, elaborar men­
tiras, ou seja, de nomear objectos e estados do mundo que não têm equiva­
lência no mundo real. Por outras palavras, a presença de um código permite
supor objectos e estados de um mundo possível. Tudo leva a crer que o DNA
e o RNA não podem mentir. Podem no máximo emitir mensagens abnormes. A possibilidade de mentir, se fosse demonstrada nos animais, faria crer
que eles fazem uso de códigos. Finalmente, um sistema de estímulos pro­
voca respostas, enquanto um código só pode estabelecer correlações entre
um sistema de significados e um sistema de respostas. Suponhamos, com
efeito, que o código, usado no § 4.1 para fornecer instruções a um cérebro
electrónico, seja usado para enviar instruções a um funcionário. Com base
CÓDIGO
122
no primeiro código, o funcionário sabe que o sistem a dos números binários
está relacionado com o sistem a dos números decimais; com base noutros
códigos ele sabe que os números decimais estão, na primeira posição, rela­
cionadas com instruções alfanuméricas e traduz portanto 03 como MULTIPLY; a este ponto passa para o universo desse sistema de códigos que é
uma língua natural. /MULTIPLY/ deve ser entendido como uma tripla men­
sagem: «IMPERATIVO, tu, multiplicar.» O morfema /m ultiplicar/ deve ser
relacionado com uma operação que faz parte de um sistema de operações
aritméticas (multiplicar VS dividir, adicionar VS subtrair):
Aritmética
Progressão
Regressão
ADD
subt
Geométrica
MULT
Div
Mas aprender o conteúdo «progressão geométrica» não significa saber que
eu devo realizá-lo. É a expressão /tu/ que se relaciona com um sistema de
actantes, que refere a mim a forma imperativa que se relaciona com um sis­
tema deôntico (obrigação versus proibição). Através, pois, de uma cadeia
de mediações, o funcionário estabeleceu uma correlação entre um número
binário e uma resposta comportamental. Mas existem precisamente as media­
ções e o número binário não estimula necessariamente a resposta. Esta pode
ter mandado multiplicar indicando casas onde não está contida nenhuma
informação quantitativa (mentira) assim como o funcionário pode perceber
tanto a operação como a ordem para a executar, mas recusar-se a fazê-lo.
Também o cão se pode recusar a executar uma ordem: resta perguntar
se o estímulo foi recebido (também o funcionário poderia receber o número
binário alterado pelo ruído, ilegível ou inaudível) ou se não foi neutralizado
por um estímulo contrário (como se o empregado houvesse recebido con­
temporaneamente uma ordem que soa como «não obedeças às injunções
expressas em números binários»). Dado que tentamos aqui dar uma defini­
ção formal de código, podemos limitar-nos a estabelecer que existe código
quando a sequência das mediações funciona como tal e não se cria um circuito
obrigatório entre estímulo e resposta.
5.3. As bases materiais do código
Não é, porém, caso para eliminar como pura extrapolação ilegítima a
noção de ‘código’ genético. Porque ainda não foi dito como e por que razão
a mente humana é capaz de estabelecer correlações e de usar uma coisa no
lugar doutra coisa.
Pode acontecer que, na raiz desta capacidade para pôr os elementos de
dois sistemas em contacto reversível, exista uma disposição para a resposta
que tem as suas raízes nos fenómenos de interacção celular.
O princípio do código residiria já nos s-códigos biológicos, onde um
objecto se toma significativo para a estrutura capaz de o ‘ler’. A leitura
institui o código: isto é, a estrutura forma uma espécie de ‘complementa-
CÓDIGO
123
ridade para’ o objecto, instituído portanto embrionaimente como signo.
O código forma-se assim obscuramente nas próprias bases da vida como uma
história de escolhas, de selecções, de joeiramentos sancionados pelo ‘juiz’ —
que o conjunto das coisas que suprime ou acolhe as complementaridades
que se instituem [vejam-se as sugestões Prodi, 1977].
Mas é bom que fique claro que esta suspeita (fecunda em futuras inves­
tigações acerca dos fundamentos materiais da relação de significação) nada
tem que ver com a fácil atribuição de capacidade correlacionai às moléculas
de DNA. Antes se trata do processo metodológico inverso: os geneticistas
sugerem que o universo biológico funciona como o universo cultural,
enquanto aqui se sugere que o universo cultural (linguístico) funciona como
o universo biológico. Isto é, não se diz que, na sua simplicidade, o mole­
cular é tão complexo como o molar mas que, na sua complexidade, o molar
é tão simples como o molecular.
6.
Lógica do sistema e lógica do código
6.1. Lógica do sistema: regras de cálculo
Voltando ao exemplo dado no § 5.2, o funcionário que recebesse instru­
ções em termos de código para cérebro electrónico estaria na posse de uma
hierarquia de correlações, ou seja, de vários códigos encaixados:
— Operações matem.
Números binários — Números decimais — Alfabeto alfanumérico — Actantes
— Comportamentos
Independentemente deste sistema de correlações, o funcionário pode­
ria executar operações no seio de qualquer um dos sistemas correlatos:
poderia adicionar números binários, alinhar números decimais, compor
palavras entre elas e decompô-las em anagramas, fazer adições e subtracções, ver-se como eu e como tu num sistema de relações interpessoais, fazer
ou não fazer coisas. Perguntamo-nos por que razão também as operações
que ele executa no seio de cada um destes sistemas não hão-de ser consi­
deradas como operações de codificação e descodificação e, portanto, como
operações sígnicas.
Consideremos o sistema das operações aritméticas. Não se poderia dizer
que /I + 2/ está para «3»? Não é esta uma correlação como /pai/-» «G + 1,
Sm, Ll» (cf. § 1.3)? É verdade que /3/ se transcreve também como «4-1»
ou como «136-133», mas isso quereria dizer que no ‘código’ aritmético exis­
tem muitos sinónimos e muitos homónimos. Existem, no entanto, diferenças.
Se afirmo que um mais dois são quatro, não ‘minto’. Antes se dirá que
‘erro’. Executei uma operação incorrecta que viola as regras tautológicas do
sistema. Violo as regras porque é necessário que um mais dois sejam três.
Digamos então que a violação das regras tautológicas de transformação no
interior dum sistema não constitui mentira mas incorrecção.
CÓDIGO
124
Suponhamos agora que defino o pai como o parente do sexo feminino,
segundo em linha de geração. Terei cometido uma incorrecção ou dito tuna
mentira? Convém, no entanto, distinguir entre /pai/ como expressão linguís­
tica e «pai» como termo metalinguístico que caracteriza o conjunto de tra­
ços do conteúdo veiculados pela expressão linguística. Se digo que o semema
«pai» se analisa como «G + 2, Sf, Ll», violei as regras de um sistema, tal
como se tivesse dito p D (p D q), ou seja, ex verum sequitur quodlibet (quando
apenas se pode dizer que verum sequitur a i quodlibet e que ex falso sequitur
quodlibet).
Seria diferente se dissesse que /pai/ (ou seja, a palavra, a expressão pai)
significa «G + 2, Sf, Ll». Nesse caso, é como se tivesse dito que /pai/-* «avó»,
ou, traduzindo de uma língua para a outra, tivesse dito /pai/-* «grand­
mother». Nesse caso teria cometido outro erro de violação, já classificável
como mentira metalinguística (que é afinal mentira sobre o código, ou men­
tira intensional).
Finalmente, dado um código (/pai/-* «G + 1, Sm, Ll», posso usar a cor­
relação para mentir extensionalmente, isto é, usar o termo impropriamente
num acto de referência, isto é, como se dissesse de alguém que é meu pai
quando é meu tio. Seria uma mentira mediante o código.
Pode mentir-se do mesmo modo com os números? Poder-se-ia observar
que se mente também com os números, isto é, que se falseiam os balanços,
que se falsificam os recibos. Quanto a isto devemos, porém, entender-nos:
estamos a falar de entidades matemáticas ou de palavras que designam quan­
tidades de objectos? Eu posso por certo dizer que há três maçãs em cima
da mesa, quando na realidade há seis, mas neste caso /três/ não é uma enti­
dade matemática, é a palavra da língua italiana que por convenção se usa
para indicar uma dada quantidade. Falando de três maçãs quando são seis,
eu terei mentido, precisamente porque o código linguístico faz correspon­
der à expressão /três/ uma dada quantidade que, expressa na proposição «há
três maçãs», deve ser comparada com o estado do mundo real para estabe­
lecer se é verdadeira ou falsa. Mas se, depois de ter dito que há três maçãs
(verdadeiro ou falso que seja), afirmo que, se destas tiro duas, ficam oito,
já não menti, cometi simplesmente uma incorrecção violando as regras do
sistema semântico a que me refiro ao falar. Uma coisa é mentir com os núme­
ros, outra coisa é errar acerca dos números. O mesmo aconteceria se seguisse
as regras de um sistema musical (por exemplo tonal) e as violasse termi­
nando uma melodia com uma nota diferente da tónica. Teríamos ainda uma
incorrecção. Se pelo contrário, entoo uma dada melodia, incorrecta, dizendo
que é o primeiro movimento da Quinta de Beethoven, minto, porque nesse
caso a melodia que entoo quer ser o acto de referência desse objecto que
é a melodia escrita por Beethoven.
O facto é que os sistemas lógico-matemáticos são sistemas tautológicos
(que põem em jogo verdades ditas ‘necessárias’) que permitem um cálculo
rigoroso, ao passo que os sistemas semânticos são históricos, mutáveis, sujei­
tos a mudança e objecto de uma lógica dos sistemas esfumados. Mas também
eles são teatro de processos de cálculo próprios (por exemplo regras de amál­
gama, pelas quais uma entidade que tem o traço semântico «não humano»
CÓDIGO
125
nãü pode amargamar-se com a acção «pensar» que pelo contrário o possui
e assim por diante; vejam-se por exemplo na gramática transformacional as
regras de subcategorização estrita) e, sobretudo, no momento em que são acei­
tos por dois ou mais falantes, têm uma constritividade — tal que permite dis­
tinguir frases semanticamente incorrectas de frases semanticamente correctas.
Diremos então que há que distinguir claramente correlação semiótica
(A -►B) das várias formas lógicas de implicação e do entailment ou implicitação: estas exercem-se sobre elementos vazios de conteúdo de um sistema
homogéneo (ainda que este fosse o sistema esfumado das entidades semân­
ticas), ao passo que as regras de código se exercem sobre elementos de dois
sistemas não homogéneos de que um é o conteúdo do outro.
6.2. Possibilidade de significação interna dos sistemas
No entanto, em sistemas como o matemático e o musical a que Hjelmslev
teria chamado sistemas simbólicos, privados de conteúdo e portanto monoplanares, existe uma possibilidade de correlação significante. Esta estabelece-se com base numa dialéctica de expectativas e satisfações. O início de uma
melodia inspirada nas leis tonais ‘avisa-me’ de que devo esperar pela tónica.
A sequência 1 + 2 + 3 avisa-me de que devo esperar o 6 como resposta, assim
como, a um nível mais complexo, as regras da tragédia clássica (formuladas
implicitamente pelas modalidades de recitação, tipo de versificação, relação
entre protagonista e coro, etc.) me avisam de que devo esperar a derrota do
herói. Em certa medida, os antecedentes de uma cadeia inspirada nas leis do sis­
tema estão para os seus consequentes. Jakobson [1974], a propósito do «reenvio
de um facto semiótico a um facto equivalente no seio do mesmo contexto»,
diz-nos que «o reenvio musical que nos conduz do tom presente ao tom espe­
rado ou conservado na memória vê-se substituído na pintura abstracta por um
reenvio recíproco dos factores em jogo». Poder-se-ia dizer naturalmente que
estes fenómenos são fenómenos de significação que não dependem de código:
dependem de uma noção alargada de signo, onde Peirce inseria também a rela­
ção de reenvio da premissa à conclusão de um silogismo. Mas pode falar-se
de código no sentido que iremos esclarecer a propósito da hipercodificação
(cf. § 7.1). A tópica representa um sistema de silogismos preformados que
funciona como código na medida em que relaciona por costume certas pre­
missas com certas conclusões; assim como as regras de género constituem um
repertório precodificado onde A é usualmente relacionado com B, se há Luta,
haverá Vitória do Herói — pelo menos no «código» do conto de fadas russo.
7.
Códigos e instituições
7.1. Hipercodificação e hipocodificação
Uma língua natural é um sistema de códigos. E é-o a tal ponto que somos
tentados a excluir as línguas naturais do rol dos códigos [cf. Ducrot, 1972;
e Cherry, 1961, p. 7]. Para Cherry a linguagem desenvolve-se organicamente
CÓDIGO
126
ao longo de um período de tempo prolongado, ao passo que os códigos ape­
nas seriam inventados para propósitos específicos e seguiriam regras explí­
citas. Ora, o facto de a linguagem ter uma elevada taxa de organicidade
não exclui que seja um código: é um sistema de códigos muito complexo,
e o facto de todas as suas regras não estarem definitivamente esclarecidas
não implica que não existam regras. De igual modo, o facto de ela se desen­
volver no tempo não lhe tira a qualificação de código: basta pensar que os
códigos evoluem, porventura por contradição interna, ou por forças exter­
nas. Tão-pouco basta afirmar que a linguagem se vale de referências infra
e intertextuais e que muito do conteúdo transmitido por um texto é ‘não
dito’, pressuposto ou aludido. Vimos que uma gramática textual visa encon­
trar regras, mesmo para estes reenvios internos e externos.
O que distingue uma língua natural de um código criptográfico artificial
é sobretudo o grande número de regras adjuntivas, que tanto podem assumir
a forma de uma hiper-regulação de regras já existentes como de hipo-regulação
de correlações não suficientemente codificadas. A regra retórica que permite
a geração (e a interpretação) da sinédoque é um caso de hipercodificação: dado
um termo de que se convencionaram já os traços semânticos que compõem
o semema correspondente, substitui o termo por aquele que corresponde a
um seu hipónimo ou a um seu hiperónimo (relação de género a espécie, parte
a todo, plural a singular) regra que depois dá em termos interpretativos:
‘remonta do hipónimo ao hiperónimo — ou vice-versa — quando o termo que
aparece no texto é demasiado restrito ou demasiado genérico’.
As regras que, pelo contrário, disciplinam a aprendizagem progressiva
e o uso comum dos termos técnicos são de hipocodificação: não sei exactamente o que significa /isoleucina/ mas sei que é um aminoácido; não sei
o que é exactamente um aminoácido, mas sei que é uma substância quí­
mica que forma as proteínas; não sei seguramente o que são as proteínas
mas sei que são um elemento da célula viva.
Deixemos de parte os casos de hipocodificação: fazem parte dos proces­
sos de formação, aperfeiçoamento, aprendizagem de códigos mais articula­
dos. São momentos transitórios, por vezes essenciais para estabelecer relações
comunicativas aceitáveis.
Deixemos também de parte os casos de hipercodificação estrita, como acon­
tece com as fórmulas de etiqueta e litúrgicas (queira aceitar os meus mais
respeitosos obséquios, em nome do povo italiano, Introibo ad altare Dei); são
elementos de um cloak (§ 1.1). São fenómenos que é difícil designar como
de hiper ou hipocodificação (e que designaremos genericamente por fenóme­
nos de extracodificação) entre os quais podemos inserir as regras de conversa­
ção, vários tipos de regra pressupocional, e também as regras estilísticas, as
prescrições de género artístico ou social, numa palavra as instituições (cf. 0.1).
7.2. As instituições como sistemas deônticos
Consideremos o código em sentido jurídico. Dissemos já que é composto
por um sistema de prescrições (deve fazer-se ou não deve fazer-se isto e
aquilo) e de um aparente sistema de correlações (Edito dos Rotários: se cor­
127
CÓDIGO
tares um dedo, pagas tantos escudos, dois dedos tantos outros, um olho,
outros tantos mais). Deixemos por ora o aspecto correlacionai e considere­
mos apenas o aspecto institucional.
Neste sentido, estes códigos são ainda sistemas, ou seja, s-códigos. Têm
o formato de um cálculo: se assinas um contrato, então és obrigado a observá-lo (só a secção correlacionai estabelece: se o não observares, pagas a multa).
0 cálculo pode ser subentendido: deve haver uma razão pela qual, se o
artigo 1 da Constituição italiana estabelece que a Itália é tuna repüblica fun­
dada no trabalho, o artigo 4 estabelece que a República defende a paisa­
gem; e, com efeito, essa conexão existe, e que a violação do artigo 4 implica
a violação dos direitos dos trabalhadores toma-se claro quando, justamente,
a violação assume formas macroscópicas.
Mas o cálculo do código institucional não pode ter a mesma forma que
o cálculo dos sistemas lógico-matemáticos. Um sistema de prescrições comportamentais envolve aceitações e repulsas, considera a possibilidade da vio­
lação, introduz imperativos, concessões, abre-se para a ‘possibilidade’: é um
cálculo de ordem modal. E, com efeito, não pode ser dado senão através
de sistemas de lógica deôntica ou de lógica da acção, partindo de axiomas
ainda coerentes com as leis da lógica matemática, como por exemplo
(p D Op) . (q D r) D (p D Or) (primeiro axioma de Mally, onde o operador
O está para ‘é obrigatório’) e procurando gradualmente formalizar cálculos
onde se tem em conta um estado do mundo e a modificação que daí advém
pela acção de um agente, ou cálculos que tenham em conta (precisamente
a propósito de normas éticas ou jurídicas) o conceito de ‘permissibilidade’
e o conceito de ‘interdito’: «É interdito desobedecer à lei, portanto é obri­
gatório obedecer-lhe. Devemos fazer aquilo que não nos é permitido deixar
de fazer. Se um acto e a sua negação são ambos permitidos, então o acto
é indiferente... Dois actos são moralmente incompatíveis se a sua conjun­
ção for interdita» [Wright, 1951, trad. it., pp. 127-28].
O facto de que os códigos institucionais sejam, porém, sistemas exprimíveis em termos de lógica modal não impede que estejam sujeitos a regras
de cálculo.
Do mesmo modo funcionam as instituições que são as regras da conver­
sação, estudadas pela etnometodologia, pela análise da linguagem comum,
pela lógica das linguagens naturais e pelas várias formas de pragmática: a
uma pergimta deve dar-se uma resposta; se afirmo alguma coisa, pressupõe-se
que esteja a dizer a verdade; se uso um etcetera, os membros da lista pres­
suposta devem ser da mesma categoria que os membros explicitados, pelo
menos do ponto de vista da enumeração em acto, e o conjunto de todos
os enumerandos deve ser conhecido do interlocutor (e é esta a razão por
que se não pode terminar correctamente a seguinte lista de regras de con­
versação com um etcetera).
Se, no entanto, voltarmos agora ao aspecto correlacionai do código jurí­
dico, apercebemo-nos de que ele não é inteiramente idêntico ao de um ciffário. É verdade que o código jurídico sanciona que ao delito x corresponde
a pena y, mas esta correlação não é reversível como a correlação entre /sol­
teiro/ e «não casado». Segundo o artigo 580 do Código Penal, quem induz
ao suicídio merece de um a cinco anos, mas não se diz que quem merece
CÓDIGO
128
de um a cinco anos é alguém que induziu outrem ao suicídio. Poder-se-ia
objectar que o código jurídico é um dicionário com poucos conteúdos e uma
infinitude de expressões sinónimas, mas a questão não é esta. Num código
semiótico a expressão está para o conteúdo no momento em que a comuni­
dade aceita a convenção, ao passo que o código jurídico só prescreve a obri­
gação de tomar executiva a correlação entre delito e pena. O aspecto
correlacionai está ligado ao aspecto institucional e também as correlações
se organizam aqui segundo uma lógica deôntica. Em todo o caso a correla­
ção não é entre delituoso e pena (posso saber que alguém é um ladrão e
ao mesmo tempo saber que nunca será punido) mas entre reconhecimento
judicial do delito e obrigação de lhe fazer corresponder a pena. A correla­
ção não é entre um facto e outro facto, mas entre o reconhecimento da vio­
lação de uma obrigação e o respeito doutra obrigação. Quando muito pode
dizer-se que, em termos de semiótica do comportamento, todo o delito conota
a pena que pressupõe e implica. Ou que o delito de x me induz a esperar,
por força de convenção, a pena infligida a x por y.
Efectivamente, basta observar que, se y não inflige a pena devida a x
(uma vez demonstrado o crime), não se diz que mente, mas que se com­
porta incorrectamente, ou que ‘erra’. E portanto o código jurídico, mesmo
no seu aspecto correlacionai, é sempre um código institucional, lugar de um
cálculo e de uma série de transformações; é código, não enquanto code-book,
mas enquanto Livro (sagrado) ou manual de comportamento.
7.3. As instituições como códigos
Uma prova do facto de que as instituições são s-códigos é, portanto, que
no facto de as observar ou de lhes desobedecer não se verificam casos de
mentira mas tão-somente de correcção ou incorrecção.
E, contudo, há um sentido em que as instituições valem como sistema
de correlações, ao contrário dos s-códigos de tipo tautológico. E esta sua
natureza correlacionai é justamente consequência da sua natureza modal.
Com efeito, a adequação à regra institucional está sempre, antes de mais,
para a minha decisão de parecer fiel à própria instituição. E nesta possibili­
dade de correlação se insere a possibilidade de mentir.
à) Suponhamos que quero fingir que sou um cavaleiro do Graal. Pode­
rei fazê-lo montando insígnias próprias (mas neste caso refiro-me a um código
verdadeiro, como o das divisas ou das bandeiras). Poderei fazê-lo socorrendo
uma virgem indefesa, ainda que habitualmente eu não defenda os oprimi­
dos nem trave combates leais. A possibilidade de mentir é dada pelo facto
de que as regras do sistema cavalheiresco não são necessárias (como as da
matemática) mas são em primeira instância proairêticas, ou seja, baseiam-se
numa lógica da preferência, e portanto admitem a sua repulsa. Não posso
fingir que sou um matemático afirmando que dois mais dois são quatro.
Sou tido por sabê-lo em todos os casos. Posso quando muito decidir usar
o meu conhecimento de algumas regras complicadas como ‘sinal’ do meu
conhecimento de todas as regras matemáticas, por um processo de tipo sine-
129
CÓDIGO
dóquio. As regras da cavalaria, pelo contrário, não são obrigatórias para todos
e, seguindo uma, faço crer que as sigo todas. A não obrigatoriedade da acei­
tação das regras de um sistema toma significante a sua observância.
b) Suponhamos agora que, telefonando a João em presença de Luciano,
eu quero fazer crer a Luciano que João me fez uma pergunta. Formulo,
pois, o enunciado /não, não creio que vá/ (quando porventura João afirmou
que Luciano é um tolo). É bom que fique claro que não estou ainda a jogar
com inclusões semânticas (dizer /não vou/ deixa pressupor que me foi pedido
Ar/): estou simplesmente a esconder o facto de que João afirmou e estou
a fazer crer que interrogou. Neste caso estou a referir-me a uma regra da
conversação (‘a uma pergunta responde-se’) e a sugerir uma reversibilidade
correlacionai da regra (se se responde, é sinal que se foi interrogado) faço
supor pelo consequente que deve ter havido um antecedente de um certo
tipo. De igual modo, baseando-se na regra da conversação ‘interroga-se sem­
pre um interlocutor presente’ (a regra só suporta violações hipercodificadas
retoricamente: a apóstrofe), posso fazer perguntas ao telefone para fazer crer
a Luciano que estou a falar com alguém quando não é verdade. Ou, pres­
supondo a regra ‘uma pessoa deve levantar-se quando entra um superior’,
levanto-me quando entra João para fazer crer a Luciano que João é o chefe.
Neste caso, é a suposta constritividade da regra que toma os consequentes
significantes dos antecedentes.
A diferença entre a) e b) é dada pelo facto de que no primeiro caso finjo
aceitar um sistema de regras não obrigatório (mas constritivo uma vez aceito)
e para fingir observo uma das suas regras; no segundo caso pressuponho
que aceitei já com outros um sistema obrigatório de regras constritivas e
finjo observar uma regra (de facto, violando-a). Há, pois, uma mentira sobre
as regras e uma mentira com as regras.
c) De igual modo se pode mentir usando impropriamente as modalida­
des de um género literário: posso iniciar um poema segundo os modos da
épica, com uma invocação às musas, e depois trair as expectativas com um
anticlímax caindo no herói-cómico ou no grotesto. Posso pôr em acção, num
conto, um actor que tenha todas as qualidades do adjuvante que depois se
revele como o inimigo. Posso dotar o mau das características do herói
(romance negro) ou o herói das características do mau (hard-boiled novel).
É um caso misto entre à) e b) porque, por um lado, a não obrigatoriedade
da regra me permite fingir aceitá-la; por outro a constritividade das regras,
uma vez aceites, permite-me tomar significante a minha violação (ainda que
no caso do anticlímax se não trate de mentira, mas de incorrecção proposi­
tada).
d) Fora das práticas mentirosas, posso tornar significante, como se viu
em c) a violação propositada das regras: não observo as regras da etiqueta
cavalheiresca para significar que não sou um cavalheiro e para em todo o
caso conotar que não reconheço a validade dessas regras. Não aperto a mão
a uma pessoa que desprezo para significar que está fora do círculo da socia­
bilidade.
Em todo o caso, devia ser agora claro por que motivo as instituições
(que são s-códigos) são tão frequentemente entendidas como códigos: por-
130
CÓDIGO
que a sua função social toma significativa a sua observância (/aceitação da
regra/-*■«conformismo») e porque a sua constritividade interna relaciona por
costume a presença dos consequentes com a pressuposta presença dos antecedentes.
8.
Código e representação
Restaria agora dizer se se pode falar em código para as representações,
ou seja, para dizer como MacKay [1969], para «cada estrutura (pattem, ima­
gem, modelo), quer abstracta quer concreta, cujos traços pretendem sim­
bolizar ou corresponder de certo modo aos de alguma estrutura». O que
vem a ser afinal a definição peirceana do ícone como de um signo que man­
tém uma relação de similaridade com o seu objecto [cf. Eco, 1975, §§ 3.4,
3.5, 3.6]. Não cabe aqui debruçar-nos sobre o problema: não podemos, no
entanto, ignorar as questões que o conceito de representação põe a uma defi­
nição de código.
Consideremos o comportamento comunicativo das abelhas como se as abe­
lhas produzissem signos e não estímulos (poderíamos perfeitamente substi­
tuir as abelhas por mímicos humanos que comunicam com apicultores). Uma
abelha exploradora informa as companheiras acerca da posição do alimento
graças a uma dança onde a orientação do seu corpo em relação à colmeia
é proporcional à orientação do alimento em relação à colmeia e ao sol.
Existe certamente uma relação de reenvio: as posições das abelhas estão
para as posições do sol e do alimento. Existe relação de similitude entre
as grandezas geométricas realizadas na dança e as que estabelecem as rela­
ções entre sol e alimento. Pareceria não haver convenção, a relação seria
‘analógica’. E contudo há regras, quanto mais não seja as regras de transfor­
mação proporcional das grandezas geométricas. Não é que não haja correla­
ção: há regras de projecção (de transformação) que permitem estabelecer
a correlação. As regras de projecção permitem à exploradora codificar a infor­
mação relativa à fonte (o alimento) e permitem às abelhas obreiras descodi­
ficar a dança em termos de ‘claro’. Existe uma relação entre expressão e
conteúdo. Podemos dizer que as regras de transformação são regras de
código?
Não basta objectar que, enquanto num código linguístico as palavras estão
para uma classe de objectos, na dança das abelhas o movimento da explora­
dora torna-se significativo se relacionado com uma posição específica do sol
e do alimento, pela qual a mensagem da exploradora tem sempre um ele­
mento indicai subentendido (‘estou a falar deste alimento e deste sol de hoje
neste sítio’). Se um mímico imitar a dança das abelhas, estamos de novo
numa situação generalizada, sem que por isso tenha desaparecido a modali­
dade representativa.
O problema complicar-se-ia se o mímico inventasse as regras de repre­
sentação de algo enquanto executa a comunicação: os destinatários ver-se-iam nesse caso numa relação, não de descodificação, mas de descriptação
(cf. § 1.1). Assistiríamos, do lado generativo, a um processo de instituição
de código e, do lado interpretativo, a um processo de criptoanálise. Diga-
CÓDIGO
131
mos que os momentos de representação são mais facilmente aqueles em
que um código nasce do que aqueles em que um código preexistente é
observado.
O mesmo aconteceria se se quisesse considerar a possibilidade de um
código psicanalítico [cf. Gear e Liendo, 1975; Fornari, 1976].
Existem imagens oníricas largamente codificadas: objectos verticais que
estão para o pénis, objectos côncavos que estão para a vagina, etc. Existem
em contrapartida imagens que apenas significam no âmbito da experiência
idiossincrática do indivíduo singular, por razões de curto-circuito metonímico: um paciente reage neuroticamente a todos os tecidos cor-de-rosa por­
que a mãe, durante a cena primária, vestia uma camisa de noite cor-de-rosa.
Neste caso, o analista deve reconstruir o código privado do paciente através
de uma série de inferências contextuais. Mas, por um lado, ele quer sem­
pre chegar a um código (ainda que privado, individual, obscuramente con­
vencionado pelo Es para falar a si mesmo e que o Ego ainda não conhece),
por outro possui algumas regras generativas (não dissemelhantes das da retó­
rica) que lhe dizem como se estabelecem substituições de pars pro toto, efeito
causa, deslocamento e condensação. O facto de que nem sempre conhece­
mos as correlações estabelecidas pelo inconsciente não significa que o incons­
ciente não esteja estruturado de modo a produzir correlações: sugeriu-se que
ele correlaciona, por cadeias conotativas, o universo das representações com
o dos afectos, classes de relações objectuais com classes de angústias. A rela­
ção deve ser estabelecida com os criptogramas de solução livre (cf. § 2.1)
como os rébus e as criptografias mnemónicas. O sistema de regras é com­
plexo e permite também um erro com aparência significante, mas a solução
óptima existe, e deve ser encontrada. O inconsciente é um criptógrafo e
o doente é um criptoanalista quezilento.
9.
A definição do código
9.1. Definição de código
A este ponto estamos em condições de propor uma definição de código
que tenha em conta os vários problemas examinados. Entende-se por código
uma convenção que estabelece as modalidades de correlação entre os elementos
presentes de um ou mais sistemas assumidos como plano da expressão e os ele­
mentos ausentes de outro sistema (ou mais sistemas ulteriormente relacionados com
o primeiro) assumidos como plano do conteúdo. Esta convenção estabelece tam­
bém as regras de combinação entre os elementos do sistema expressivo de modo
que sejam capazes de corresponder às combinações que se querem exprimir no
plano do conteúdo. Exige-se ainda que os elementos relacionados (e os sistemas
em que se inscrevem) sejam mutuamente independentes e em princípio utilizáveis
para outras correlações. Exige-se além disso que os elementos do conteúdo sejam
ulteriormente exprimíveis também de forma mais analítica por meio de outras
expressões, ditas os interpretantes das primeiras.
CÓDIGO
132
A definição é suficientemente flexível para ter em conta vários tipos de
regras de correlação e elementos de diversas entidades. Os elementos do sis­
tema expressivo não devem necessariamente pertencer a um único sistema:
por exemplo o código do cérebro electrónico (§ 4.1) considera como ele­
mentos de expressão tanto os números como a sua colocação ‘vectorial’; a
linguagem verbal usa, além disso, como elementos expressivos também os
tonemas (além dos fonemas e dos vectores). Há códigos (de tipo represen­
tativo) que usam cores e relações geométricas. Finalmente, dizer que um
código estabelece ‘também’ as regras de combinação entre os elementos não
implica necessariamente que um código deva ter, a par de um dicionário,
também um conjunto de regras sintácticas: de facto, um dicionário bem pen­
sado, que registe também as marcas sintácticas da expressão (além das suas
marcas semânticas) poderia registar as possíveis posições sintácticas da expres­
são em causa no interior de um contexto e em relação a outras expressões.
Por outras palavras, não é talvez necessário que um código de tipo linguís­
tico, depois de ter registado os significados da palavra /casa/, deva referir
as suas condições de uso, enquanto Nome, a regras sintácticas do tipo: Frase
Nominal -> Artigo + N om e± Adjectivo.
Bastaria que na representação sintáctica do elemento singular se estabe­
lecesse /casa/: Nome, Feminino ( + Art. ----, ± ---- Adj. ----- ) onde os tra­
ços marcados indicam a inserção da expressão em causa na cadeia (a regra
indicaria que casa pode ser inserido em sintagmas como /a (uma) casa bonita/
ou /a (uma) bonita casa/). A regra sintáctica geral derivaria destas proprie­
dades sintácticas da expressão singular por abstracção estatística, pelo que
uma sintaxe não seria outra coisa que não o comentário a um código.
A nossa definição tem também em conta o uso dos sistemas de institui­
ções e prescrições como código, quando existe uma convenção pela qual a
observância (ou a violação) de uma regra do sistema se torna a expressão
de um elemento de um sistema de valores (como «obséquio», «não confor­
mismo», «educação», «boa vontade», etc.).
A definição tem ainda em conta sistemas de correlação vaga (como no caso
dos rébus e das criptografias) porque a regra de correlação não exclui a cor­
relação entre uma única expressão e muitos conteúdos (homonímia) ou a espe­
cificação de selecções contextuais e circunstanciais muito vastas. Por outro
lado, não é de excluir a este ponto que um rébus seja um caso de hipercodificação (codificação de género artístico) que age sobre um conjunto de vários
códigos (verbal, icónico, criptográfico, etc.). Finalmente, o requisito da inde­
pendência dos elementos correlatos parece também preenchido pelos códigos
ditos representativos, onde, ainda que os elementos da expressão se dispo­
nham segundo a disposição dos elementos do conteúdo, isso não impede que,
diversamente dispostos, eles possam ser utilizáveis para outras correlações.
9.2. Alguns empregos do termo /código/
À luz destas precisões, podem recuperar-se muitas das acepções de código
que circulam hoje na cultura contemporânea.
133
CÓDIGO
O código lévi-straussiano do parentesco é: a) um sistema (s-código) de
tipo lógico onde, em princípio, alguém poderia operar equivalências e trans­
formações mesmo sem saber que os símbolos usados correspondem a rela­
ções parentais; b) um sistema de prescrições, que pode ser observado ou
violado; c) na medida em que observá-lo ou violá-lo prova a fidelidade à
instituição dominante, é um código em sentido correlacionai; d) na medida
em que casando com uma certa mulher o Ego assume (deixa esperar) uma
série de obrigações específicas perante os seus parentes, temos possibilida­
des de significação do tipo das estudadas por Jakobson para os sistemas musi­
cais e a pintura abstracta; como também Lévi-Strauss havia observado, a
mulher torna-se ao mesmo tempo o ‘signo’ das obrigações que implica.
Passando ao código dos mitos, é bom observar que Lévi-Strauss usa o
termo /código/ segundo acepções discordantes. Quando fala de uma «arma­
dura» como «conjunto de propriedades que permanecem invariantes em dois
ou mais mitos», fala de um s-código como sistema de unidades de conteúdo;
quando fala de código como do «sistema das funções atribuídas em cada
mito a estas propriedades», está já a falar de correlações sujeitas a seleçções
contextuais (o motivo das vísceras flutuantes tem duas funções: em código
aquático, as vísceras são congruentes com os peixes, em código celeste com
as estrelas [cf. Lévi-Strauss, 1964, trad. it. p. 321]). Quando fala de um
código de terceiro grau (o código metalinguístico da sua investigação) «des­
tinado a assegurar a traduzibilidade recíproca entre os vários mitos» [ibid.,
p. 28], fala de um sistema de regras de cálculo que impõe também correla­
ções. Em L ’homme nu [1971, trad. it. pp. 38-39], ele fala também de códi­
gos dos mitos singulares, cuja traduzibilidade é confiada a um código de
grupo de mitos que relaciona os elementos dos códigos singulares, e que
ele designa por «intercódigo». Por outro lado, no interior dos mitos singu­
lares, ele vê agir códigos diversos (astronómico, geográfico, anatómico, socio­
lógico, ético [cf. Lévi-Strauss, 1968, trad. it. pp. 148-49], os quais, no
entanto, se nos afiguram de novo s-códigos ou porções de campo semântico
cujos elementos são associados, pelo código do mito, a funções.
Falámos já do duplo uso que Jakobson faz do termo código: s-código
quando se refere ao sistema fonológico, e código correlacionai quando, pelo
contrário, o autor numa interminável série de artigos fala sucessivamente
de código mímico, cinematográfico, funções semânticas dos shifters, subcódigos, código da adivinhação, etc.
Mais vaga parece ser a acepção de código na investigação sociolinguística de Basil Bernstein: os códigos são ‘quadros significantes’ mas são tam­
bém probabilidades com as quais é possível prever os elementos estruturais
que serão seleccionados para organizar os significados; quando A emite um
sinal para B, desenvolve-se um processo de orientação, associação e organi­
zação (e integração dos sinais para produzir uma resposta coerente): «O termo
código tal como eu o emprego assume os princípios que regem estes três
processos» [1971, parte V, I]. Como se vê, o termo parece abranger a um
tempo vários dos significados já examinados. Por outro lado, o código sociolinguístico tem que ver com «a estruturação social dos significados e as suas
diversas mas conexas realizações linguísticas contextuais». Uma diferença
CÓDIGO
134
entre código elaborado e código restrito sublinha os dois níveis de diferente
liberdade e facilidade simbólica de sujeitos pertencentes a classes diversas:
e neste sentido a noção abrange a de posse mais ou menos articulada de
uma linguagem natural e suas regras.
Mais vasta é a noção de Jurij Lotman e Boris Uspenskij no contexto
da sua tipologia das culturas. O ponto de partida é dado pelo conceito informacional de código, relacionado com a noção lotmaniana de texto. O código
é um sistema de modelização do mundo, sistema de modelização primário é
a linguagem, secundários os outros sistemas culturais, da mitologia à arte.
Enquanto modeliza o mundo, o sistema tem já a sua natureza correlacionai
precisa. Lotman distingue muito claramente os códigos no sentido por nós
elaborado (transcodificação externa), onde se estabelece uma equivalência entre
duas cadeias de estruturas (geminada) ou entre várias cadeias (plurima), con­
siderando ainda a diferença entre códigos semânticos e códigos pragmáticos
(entendidos estes últimos como modelos estilísticos particulares que modifi­
cam a atitude face ao objecto modelizado). Mas sublinha que no interior
do texto se formam significados adjuntivos devidos à mútua referência dos
segmentos textuais (que se tornam sinónimos estruturais) e se verifica uma
transcodificação interna, própria dos sistemas semióticos «nos quais o signifi­
cado se forma, não pela aproximação de duas cadeias de estruturas, mas
de modo imanente ao interior do mesmo sistema» (cf. § 6.2). Reconhece
a existência de signos representativos (cf. § 8) onde não jogam códigos com­
plexos e «ao destinatário ingénuo» se afigura que não há nenhum código
[Lotman, 1970]. Em todos estes casos se trata de códigos correlacionais.
Com sistemas, em contrapartida, parece tratar a tipologia das culturas
[Lotman, 1969], dado que a tarefa da tipologia é a descrição dos principais
tipos de códigos culturais com base nos quais tomam forma as ‘línguas’ das
várias culturas. Estes códigos sociais são naturalmente instituições (e, por­
tanto, sistemas de normas) ou sistemas de valores (como ‘honra’, ‘glória’),
mas o exame dos textos é também o exame do modo como estes elementos
sistemáticos podem ser expressos. Por isso a tipologia das culturas oscila
em tomo da dupla acepção de código como instituição e código como cor­
relação, sendo em ambos os casos o código cultural um modelo do mundo
e, portanto, algo que permite aos seus elementos expressivos estar para outros
conteúdos. Por outro lado, Lotman [1970] distingue culturas a que chama­
ríamos hipocodificadas, baseadas em textos que propõem modelos de com­
portamento, e culturas a que chamaríamos hipercodificadas, baseadas em
manuais ou gramáticas [cf. também Lotman e Uspenskij, 1975].
Distingue ainda, com a pluralidade dos códigos e dos subcódigos, a dialéctica entre códigos do emissor e códigos do destinatário [cf. também Eco,
1968, a propósito dos desvios interpretativos de uma mensagem devidos à
diferença dos códigos], dialéctica particularmente operante, e de modos diver­
sos, tanto na comunicação estandardizada dos meios de massa como na lei­
tura do texto poético.
Diremos que em Lotman, aparecendo claramente a distinção entre cor­
relação e instituição, os dois aspectos do problema se fundem continua e
conscientemente, a sublinhar a instância comunicativa que penetra o seu
135
CÓDIGO
modo de considerar as instituições e o uso que os membros do corpo social
delas fazem. Instância unificadora que justifica o florescimento contempo­
râneo do conceito de código mesmo onde se faria necessária (como tentá­
mos fazer) uma mais acurada distinção entre as várias acepções do termo.
Igualmente representativa para esta temática é a obra de Roland Barthes,
das primeiras obras semióticas [1964], onde as noções são claramente preci­
sadas, às da maturidade, onde volta a dominar a tendência unificadora.
Roland Barthes refere-se várias vezes a códigos correlacionais: dá o título
de Système de Mode [1967] o seu conhecido ensaio e em parte examina as
regras internas de transformação dos traços indumentários, mas vê também
a moda como código correlacionai ou código indumentário real (uma peça
de vestuário está para qualquer outra coisa) e, sobretudo, elege como objecto
do seu estudo a correlação entre a linguagem verbal que descreve a moda
e a moda indumentária descrita (código indumentário falado).
Em S/Z [1970], Barthes estabelece ao longo da investigação cinco códi­
gos, sémico, cultural, simbólico, hermenêutico e proairético. O código proairético, ou das acções, é simplesmente um sistema de comportamentos; o
código hermenêutico apresenta-se como inventário dos termos formais atra­
vés dos quais um enigma é centrado, posto, atrasado (e, portanto, tratar-se-ia de um sistema) mas também formulado (e pensa-se numa correlação)
na medida em que o código hermenêutico é também o conjunto das unida­
des que têm a função de articular uma pergunta, a sua resposta e vários
acidentes que preparam a pergunta e atrasam a resposta. Prosseguindo com
a leitura de S/Z, poder-se-ia dizer que Barthes, ainda que de modo metafó­
rico, passa neste livro em resenha todas as várias acepções de código que
temos vindo a considerar. E há um trecho da obra onde, referindo-se ao
universo dos códigos intertextuais a que a narrativa reenvia, ele nos faz ‘sabo­
rear’ as razões por que a cultura contemporânea vê códigos em toda a parte
e a todo o custo: a exigência de encontrar em toda a parte o culturalizado
e o já dito e de ver a vida cultural como uma combinatória mais do que
como uma criação ex nihilo: «O código não é uma lista, um paradigma a
reconstruir a todo o custo. O código é uma perspectiva de citações, uma
miragem de estruturas... são outros tantos fulgores desse algo que foi sem­
pre já lido, visto, feito, vivido: o código é o sulco deste já. Cingindo-se
àquilo que foi escrito, ou seja, ao Livro (da cultura, da vida como cultura),
faz do texto o prospecto deste livro. Neste texto ideal as redes são múlti­
plas... os códigos que mobiliza perfilam-se a perder de vista... Cada código
é uma das forças que se podem apossar do texto (de que o texto é a rede),
uma das Vozes de que é tecido o Texto» (trad. it. pp. 24-25).
E a concluir uma indagação que pretendeu distinguir ao máximo as carac­
terísticas de uma categoria que não é destituída de ambiguidades, esta refe­
rência metafísica à unidade da perspectiva: ver a vida da cultura como tecido
de códigos e como contínua referência de código a código significa restituir
ao animal humano a sua natureza.
E ao dizer isto não queremos sugerir que na base de toda a actividade
mental, e porventura da própria actividade biológica, esteja um código único,
um Código dos Códigos, um hipersistema da transformação recíproca de
CÓDIGO
136
todas as regras de transformação e de correlação, dado de uma vez por todas.
A variedade dos processos de codificação examinada nestas páginas diz-nos
muito sobre a historicidade dos códigos e sobre a variabilidade das suas apa­
rições e organizações. Bastará, pois, admitir que, por uma razoável indu­
ção, o homem é um animal que codifica onde pode e assim que pode.
Se é movido por uma lei universal, esta será a lei da Tendência para o
Código. [U. E.].
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□ No centro não só das operações inerentes aos processos de comunicação quer no que se refere
à língua e seus componentes estruturais quer no que se refere aos diversos tipos de linguagem, o
código intervém em todas as formas de vida de uma cultura (cf. cultura/culturas). O carácter de con­
venção social do código —termo originalmente ligado à prática da lei— pode, pois, fazer sentir-se
tanto em determinados comportamentos colectivos (cf. comportamento e condicionamento'), como o jogo,
o rito, o cerimonial, o gesto, quanto justamente na instituição linguística, onde a realização de um
certo número de actos linguísticos subentende a adequação a regras codificadas precisas do dizível/indizível. Além disso, dos sistemas de classificação (cf. sistemática e classificação) de factos sociais, como
por exemplo o parentesco, ãs variedades de formalização presentes nas linguagens científicas, a noção
de código intervém diferenciando-se conforme se trate de ordem simbólica (cf. símbolo) ou de ordem
lógica (cf. lógica): no primeiro caso aplicando o código é possível mentir (cf. verdadeiro/falso), no
segundo apenas errar (cf. erro). Neste último caso cabem também as linguagens artificiais dos com­
putadores (cf. natural/artificial, analógico/digital, autômato, máquina). Formas complexas de codifi­
cação, onde se interseccionam vários níveis e diversos tipos de produção semiótica (cf. signo, significado),
estão presentes nas linguagens artísticas (cf. artes, literatura). Com efeito, no plano dos géneros e da
poética, da escola (cf. maneira), das formas estilísticas, métricas, retóricas (cf. estilo, métrica, retó­
rica), o texto, entendido como unidade de comunicação pertencente a uma cultura determinada, é
produzido (cf. atribuição, crítica, leitura) sobretudo enquanto sujeito a uma variedade finita de codi­
ficações. Historicamente relativo, o código entra em suma no universo da representação como o
elemento organizador preponderante, aquele que funda a própria possibilidade da comunicação.
A processos de estímulo /resposta se refere, em contrapartida, a metáfora do código genético (cf.
gene, genótipo/fenótipo).
Director
Ruggiero Romano
Consultores do projecto
Alfredo Salsano, Giorgio Bertoldi, Alessandro Fontana,
Jean Petitot, Massimo Piattelli Palmarini, Massimo Galuzzi,
Fernando Gil, Krzysztof Pomian, Giuseppe Geymonat,
Giuseppe Papagno, Gian Paolo Caprettini, Renato Betti,
Giulio Giorello, Clemente Ancona.
EDIÇÃO PORTUGUESA
Coordenador responsável
Fernando Gil
Secretariado
Maria Bragança, Jorge Teixeira
Orientação gráfica
Departamento de Edições da
incm
© 1994 Imprensa Nacional-Casa da Moeda
Este trigésimo primeiro volume da Enciclopédia Einaudi
foi fotocomposto e impresso nas oficinas gráficas da
Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
numa tiragem de 3000 exemplares.
Outubro 1994
Código 270031000
Edição 21120329
DEPÓSITO LEGAL 75 059/94
ISBN 972-27-0660-8

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