Boletim da AMEAM n°2 Dez/2013
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Boletim da AMEAM n°2 Dez/2013
Boletim da Publicação Mensal N.º 002 » Dezembr o de 2013 Editor: Helder Martins Corpo Redactorial: Aldino Muianga, João Schwalbach, Pedro Utui e Cátia Fernandes Editorial Da Solução de Problemas aos Desafios do Futuro!... O O ano de 2013 está a terminar. Nestas ocasiões é costume fazer-se o balanço do que foi realizado e analisar as perspectivas para o futuro! A AMEAM nasceu em 2013 e ainda não atingimos o nosso primeiro aniversário. A criação da AMEAM não foi fácil! Eramos poucos e em alguns deles ainda persistiam dúvidas sobre a oportunidade de criar uma Associação. Aos poucos mais colegas se foram convencendo da utilidade de nos associarmos. Os procedimentos para registar uma Associação não são muito complexos, mas exigem trabalho, persistência, dedicação e solução de muitos problemas administrativos sempre maçadores e demorados. Mas mesmo assim, a nossa capacidade de solução de problemas foi grande e conseguimos criar oficialmente a AMEAM a 25 de Abril e de ter a sua legalização no Boletim da República no último dia de Maio. Depois disso 4 actividades principais dominaram a nossa atenção e os nossos esforços: A realização dum primeiro Acto Cultural, Artístico e Literário; A consolidação e organização interna da nossa Associação; A publicação e distribuição do nosso Boletim electrónico; Os preparativos para a realização em Maputo do 9º Congresso da UMEAL, a que passámos a pertencer. Tudo isto implicou novos desafios e novos problemas a solucionar. Por Helder MARTINS A 12 de Julho, depois de muitos problemas para os quais foi preciso encontrar soluções pragmáticas, realizou-se, com grande êxito, o nosso 1º Acto Cultural, Artístico e Literário. Para o êxito desse Acto Cultural muito contribuiu a colaboração do ISCTEM (Instituto Superior de Ciência e Tecnologia de Moçambique), por nós muito apreciada e que sentidamente agradecemos. A realização deste Acto Cultural foi um estímulo para muitos colegas, confreiras e confrades, que sentiram que a AMEAM era capaz de desenvolver uma actividade cultural de acordo com os seus objectivos. Sentiram que envolver-se na AMEAM tinha valido a pena! A consolidação e organização interna da nossa Associação está sendo feita lenta, mas seguramente, sempre com novos problemas a solucionar. O nosso Boletim é uma realidade. Depois do Número Especial de Lançamento que começámos a distribuir em Outubro, este já é o segundo número regular, com novo formato e com uma maquetização profissional, que devemos também a um patrocínio generoso da Elográfico Lda., que muito agradecemos. O nosso Boletim chega já a milhares de destinatários, em diversas partes do mundo, muitos dos quais nos têm enviado mensagens de felicitações e de encorajamento, mas ainda temos problemas de distribuição a solucionar, para chegar a um número sempre crescente de destinatários interessados. Muito foi feito para a organização do 9º Congresso da UMEAL, a realizar em Maputo. Isso também implicou a solução de muitos problemas. Por razões já explicadas em devido tempo, o Congresso foi adiado, mas fica-nos a consolação da compreensão e solidariedade dos nossos parceiros do Brasil e Portugal e a certeza que um próximo Congresso da UMEAL se realizará em Maputo, na devida altura. Apesar de todos este sucesso demonstrativo da nossa capacidade de solução de problemas, temos muitos desafios pela frente! A consolidação e organização interna da nossa Associação e a sua expansão e divulgação têm que continuar e desenvolver-se e vai ainda exigir a solução de muitos e novos problemas! O Boletim tem que continuar a sair mensalmente e tudo faremos para a melhoria da sua qualidade e por uma mais eficaz, mais extensa e mais rápida distribuição! O novo grande desafio imediato é de fazer colocar no ar a nossa página da Net, ainda neste ano de 2013. Para isso dispomos do patrocínio generoso da Lógica Software, que muito agradecemos. Um novo Acto Cultural, Artístico e Literário já está previsto para 28 de Fevereiro de 2014 e importantes actividades Culturais, Artísticas e Literárias para a celebração do nosso primeiro aniversário em 25/04/2014. Um Plano de acção a curto prazo e um Plano Estratégico para 2014/16 já estão em processo de elaboração. Os grandes eixos do Plano de acção para 2014 já foram aprovados. Há ainda que enriquecê-los. As perspectivas fara o futuro parecem-nos boas. Estou seguro que, assim como solucionámos os problemas a que tivemos que fazer face, venceremos todos os Desafios do Futuro! A todos, Votos de Boas Festas e um 2014 Próspero! “Lutei a vida toda contra o racismo. Vou continuar a lutar até ao fim dos meus dias” - Nelson Mandela (1962) Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique 1 BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013 Destaques Paulina CHIZIANE Premiada no Brasil E m meados de Novembro, a nossa Membro Associado, a consagrada escritora Paulina Chiziane participou no Congresso de Africanidades, na Universidade Federal do Espírito Santo, no Brasil. Depois, esteve em S. Paulo, no Festival do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, que decorreu entre 15 e 17 de Novembro, no Memorial da América Latina e que se integra nas comemorações da Semana da Consciência Negra. Neste Festival a nossa querida Paulina recebeu o troféu Raça Negra, edição 2013. Este troféu homenageia as pessoas de todas as raças e de todos os continentes que lutam pela valorização e inclusão social do negro brasileiro, luta que começou com Zumbi dos Palmares. Zumbi dos Palmares, foi um líder negro (nascido em 1655 – falecido a 20 de Novembro de 1695), descendente de escravos, que lutou contra a escravatura, até ao fim dos seus dias. Por isso, o Brasil decretou o dia 20 de Novembro, dia da sua morte, como o dia da Consciência Negra. Os organizadores do grande evento, a Universidade Zumbi dos Palmares, atribuíram o Óscar a Paulina Chiziane, porque a sua literatura é de luta pela identidade do negro e ajuda a fortalecer a consciência do negro no Brasil. Discute, de forma assumida, os problemas dos africanos: religião, sociedade, ancestralidade e a luta contra o racismo. Representando a literatura moçambicana Paulina recebeu a homenagem, que já foi concedida a personalidades de renome mundial como: o Reverendo Jasse Jackson, dos Estados Unidos da América e Agostinho Neto (Primeiro Presidente de Angola e lutador pela libertação dos povos de África), para além de diferentes individualidades brasileiras que se destacaram ao longo dos anos, na luta pela igualdade entre as raças. Por ocasião deste Festival foi lançado no Brasil o livro da Paulina: «Andorinhas» (publicado pela primeira vez em Moçambique em 2009). Dados biográficos da Paulina estão contidos no nosso Número Especial de Lançamento, de Outubro de 2013. (H. Martins com dados e foto fornecidos pela própria) “Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito e inspirar esperança onde há desespero.” Nelson Mandela Portugal Condecora Escritores Moçambicanos P aulina Chiziane (nossa Membro Associado) e o escritor moçambicano Francisco Esaú Cossa, Presidente da AEMO (Associação dos escritores Moçambicanos) e conhecido nos meios literários por Ungulani BA KA KHOSSA foram condecorados a 26 de Novembro, pelo Presidente da República Portuguesa, com o grau de «Grande Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique». ções verdadeiramente notáveis, que devem servir de modelo à Sociedade». O comunicado afirma ainda que «a atribuição destas condecorações é sinal inequívoco do apreço e do reconhecimento por estes dois escritores e intelectuais moçambicanos que se destacaram pelo grande contributo que têm dado para o enriquecimento das letras moçambicanas e para a divulgação de Moçambique e das suas culturas a nível internacional». O comunicado da Presidência da República indica que esta condecoração «premeia os serviços prestados no exercício de cargos públicos, pelo mérito artístico, científico ou empresarial», «permitindo destacar personalidades e institui- Dados biográficos da Paulina e do Ungulani estão contidos no nosso Número Especial de Lançamento, de Outubro de 2013. (H. Martins com dados divulgados pela Agência Lusa e foto de João Schwalbach) “Democracia com fome, sem Educação e Saúde para a maioria é uma concha vazia.” - Nelson Mandela 2 Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013 Notícias Mia Couto Homenageado em Portugal O nosso Membro Associado, o prestigiado escritor Mia Couto, foi homenageado recentemente em Portugal, pelas Câmaras Municipais de Lisboa e Paredes. Na Câmara Municipal de Lisboa Mia recebeu a Medalha de Mérito Grau Ouro, que lhe foi atribuída por unanimidade, sob o lema «Mia Couto: 30 anos a escrever, 30 anos de Maravilhamento». Na Câmara Municipal de Paredes Mia recebeu como prémio uma cadeira intitulada «Princesa de África», concebida pelo designer italiano Luigi Baroli, que se inspirou no escritor nosso compatriota. Este prémio enquadra-se no projecto DUETS, em que 11 designers criaram cadeiras inspiradas em 11 personalidades representativas da sociedade contemporânea, que incluíram futebolistas, treina- dores de futebol, cantores e outros intelectuais. A finalidade deste projecto da Câmara Municipal de Paredes é que as cadeiras fossem leiloadas a favor do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Em declarações à agência Lusa, Mia Couto reafirmou o que já disse noutras ocasiões, que «o escritor não tem carreira. Tem um percurso feito de paixão e entrega» e acrescentou que «é preciso que o escritor perceba que tem que aprender sempre». Ele considerou-se «um viajante que está a fazer uma travessia» e afirmou que um escritor não pode dizer: «agora já tenho credenciais, já sou consagrado. Se ele fizer isso morre». (H. Martins com dados da Agência Lusa e foto de João Schwalbach) “Ser pela liberdade não é apenas tirar as correntes de alguém, mas viver de forma que respeite e melhore a liberdade dos outros.” - Nelson Mandela Direcção da AMEAM recebida pelo Ministro da Cultura S ua Excelência o Ministro da Cultura, o conceituado poeta Armando Artur, recebeu recentemente, no seu Gabinete de trabalho, o Presidente e o Secretário da AMEAM, respectivamente os Colegas e Confrades Helder MARTINS e Altino Felizardo Boavida Zandamela. A audiência decorreu em ambiente de grande cordialidade e permitiu que os dirigentes da AMEAM viessem explicar ao Ministro, que depois do adiamento «sine die» do Congresso da UMEAL em Maputo, as atenções da nossa associação estão viradas para o plano nacional. O Presidente da AMEAM descreveu a SExa. Ministro as grandes linhas do Plano de Acção para o próximo ano e sublinhou a intenção de realizar um 2º Acto Cultural, Artístico e Literário, a 28 de Fevereiro próximo e grandes celebrações do Primeiro Aniversário da criação da AMEAM, em 25 de Abril de 2014. Os dirigentes da AMEAM convidaram SExa. Ministro a honrar-nos com a sua presença nestes eventos. No final o Ministro agradeceu a explicação que lhe foi fornecida e louvou os médicos que tiveram a iniciativa de criar uma Associação de carácter cultural, que tem por objectivo, entre outros, difundir a cultura entre os médicos e mesmo entre os estudantes de SExa. Ministro da Cultura (ao centro) ladeado pelos dirigentes da AMEAM: Presidente (à esquerda) e o Secretário (à direita) Medicina. Considerou isso como «uma mais-valia para a Cultura moçambicana». Desejou sucessos à AMEAM e disponibilizou-se para que o seu Ministério pudesse apoiar no que fosse necessário. (H. Martins com foto de Altino Zandamela) “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, pela sua origem ou pela sua religião. Para odiar, as pessoas precisam de aprender e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” Nelson Mandela Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique 3 » BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013 » 50º Aniversário da Faculdade de Medicina da UEM O Colega e Confrade João Schwalbach quando pronunciava a sua alocução A Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane (ex-Universidade de Lourenço Marques) completou agora 50 anos. Esta Faculdade formou grande parte dos médicos moçambicanos, pois que durante muitos anos foi a única em todo o país. A efeméride foi celebrada com toda uma semana de eventos culturais, científicos, académicos e desportivos, mas a grande celebração ocorreu numa ce- rimónia pública, muito concorrida, no Centro Cultural da Universidade, no dia 29 de Novembro, que foi presidida pelo Magnífico Reitor da Universidade, o Prof. Doutor Orlando Quilambo, coadjuvado pela Vice Reitora para a Área Académica, Profª. Doutora Ana Maria MONDJANA. Na mesa de honra estavam também o actual Director da Faculdade, Prof. Doutor Moshin Sidat, e representantes de SExas. Ministros da Saúde e da Educação. Coube ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da AMEAM, Colega e Confrade João Schwalbach (um dos primeiros alunos da Faculdade e mais tarde seu Director durante vários anos) fazer, com todo o brilhantismo que lhe é habitual, a alocução principal, sob o título: Crónica da Música Médicos Músicos T odas as quartas-feiras à noite, o centro cirúrgico dá lugar ao palco. Em vez de bisturis, curativos e tesouras, o que se vê nas mãos dos médicos são flautas, violinos e clarinetes. Essa é a rotina de ensaios da Orquestra Filarmônica dos Médicos do Hospital Albert Einstein. Formada em Agosto de 1989, quando as apresentações se resumiam às festas de final de ano de médicos apaixonados por música erudita, o grupo hoje tem mais de 80 integrantes, incluindo contratados e convidados. É uma entre tantas orquestras, formadas por profissionais de diversas áreas, que encontraram na música uma forma de reduzir o stresse e descobrir uma nova vocação. (Pedro Utui com informação e foto colhida de: http://www.folhauniversal.com.br/ brasil/noticias/imagens/14-abre.jpg) 4 Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique «De Sonho em Sonho... 50 anos duma Existência!». Na cerimónia houve premiações de muitos daqueles que, ao longo dos anos contribuíram para o sucesso da Faculdade, incluindo alguns a título póstumo. Foram também premiados estudantes vencedores das provas desportivas realizadas no quadro das celebrações. De entre os membros da AMEAM foi premiado o próprio Colega e Confrade João Schwalbach, com um Diploma de Mérito de Liderança, o Presidente da AMEAM, Prof. Helder Martins e a recém-admitida Membro Efectivo da AMEAM, Profª. Doutora Carla Carrilho, com Diplomas de Mérito Académico. (H. Martins com foto de Hamilton Simão D’Almeida) BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013 Contar Clinicando Introdução N a generalidade o profissional de Saúde sempre acalentou o sonho de registar as suas experiências com os pacientes; porém, numa perspectiva que se situasse fora do território formal das unidades sanitárias. Aquelas experiências para-clínicas acumuladas seriam – e é assim que nós desejamos que elas sejam – o fio condutor da relação médico/paciente para Por Aldino Muianga o lado humano e social, porque cremos que, por detrás de cada história existe sempre outra história. E é nessas outras histórias onde muitas vezes achamos o bálsamo que no sub-consciente desanuvia os dramas do quotidiano, onde se desintrincam os novelos da psicologia dos pacientes e fazem-nos perceber quão complexa pode ser a natureza humana ou quanta grandeza se oculta numa palavra, ou ainda em gestos simples como aqueles que vão discorrer ao longo das narrativas nesta coluna. Contar Clinicando constitui uma digressão ao outro lado dos enfermos, espaço onde ele ou ela se redescobre e reencontra, e onde o profissional de saúde reconquista a sua dimensão de ser social. Assim sendo, vamos então contar clinicando. «Os bebés que dormem no ventre das mães…» N o longínquo ano de 1962, quando era ainda um jovem médico, fui trabalhar em Marrocos. Fui colocado no Hospital de Bou Izakarn, um Oásis no Sul de Marrocos, no Deserto do Saará, a 200Km da capital da Província de Agadir, que se situava junto da costa. Chegado a Agadir, pedi ao Médico Chefe Provincial para me autorizar a ficar no Hospital Provincial, algum tempo, para me familiarizar com o Sistema de Saúde marroquino e com os hábitos culturais da população. Era o meu primeiro contacto com um país, com o Islão como religião de Estado, o que condicionava muito a cultura das populações e as suas percepções sobre a Saúde e a Doença. O Médico Chefe Provincial concordou e acabei por ficar um mês. Agadir era uma cidade que, 2 anos e meio antes, tinha sido devastada por um terrível terramoto. Só cerca de 25% da população sobreviveu. Quase todas as famílias tinham sido afectadas. Aproveito fazer um parêntesis para contar uma estória verídica que ocorreu durante o terramoto. Este aconteceu pouco depois da meia-noite, duma noite de lua cheia. Um dos edifícios mais afectados, situado mesmo no epicentro do terramoto, foi um hotel de 12 andares situado perto da praia, que estava cheio. Ruiu completamente, como um castelo de cartas, e todos os ocupantes (em grande parte turistas) faleceram. Entre os hóspedes do hotel havia um jovem casal de franceses, re- Por Helder Martins cém-casados, que passavam a lua-demel. Estava uma noite quente e como já indiquei de lua cheia. Um pouco antes da meia-noite, a recém-casada achou que seria muito romântico e idílico ter relações sexuais na praia, dentro de água. O marido preferia o conforto da cama, mas ela insistiu no seu desejo e ele gentilmente acedeu. Foram os únicos sobreviventes do hotel. No meio do seu delírio sexual assistiram ao hotel a desmoronar-se. O noivo achou que daí em diante devia ceder a todos os caprichos da esposa. Não era caso para menos...! Voltando à minha narrativa: Logo no primeiro dia, no Hospital de Agadir dou com uma médica portuguesa minha amiga dos tempos de Faculdade, muito embora ela estivesse uns anos à minha frente. Foi uma grande alegria. Ela era a Ginecologista do Hospital e foi com ela que comecei a trabalhar. Ela deu-me as primeiras orientações e foi uma ajuda extraordinária, para me fazer penetrar nos meandros daquela cultura e daquele modo de vida. Antes de iniciar a consulta, a minha amiga explicou-me uma crença existente naquela população, de que, durante a gravidez, os fetos podiam «adormecer no ventre das mães e voltar a acordar mais tarde». As causas desse adormecimento e posterior acordar estavam em relação com acontecimentos mais ou menos felizes ou infelizes da vida do casal. Uns meses mais tarde, comecei a ler o Corão e percebi donde vinha essa crença. Na realidade o Corão é um tratado de Direito. Maomé, o Profeta, ia fazendo justiça, à medida que os casos lhe eram apresentados e o Corão contém toda essa jurisprudência. Uma vez, confrontado com um caso complicado, de heranças de uma criança nascida muito tempo depois do alegado pai ter morrido, Maomé, para evitar confusões, declarou que a gravidez durava normalmente 9 meses, mas excepcionalmente, podia durar mais, até 5 anos. Daí esta crença dos «bebés que dormem nos ventres das mães». O certo é que essa crença resolve a vida de muita gente. Quando a minha amiga começou a consulta, a primeira cliente era uma viúva, com uma gravidez de 4 meses, que dizia estar grávida do marido, falecido no terramoto, 2 anos e meio antes. Com o desgosto da morte do pai, o feto teria ficado a dormir e agora acordara de novo. Ela só não sabia porquê. A minha amiga explicou-lhe que, ela podia dar aquela explicação a quem quisesse, mas nós médicos sabíamos que ela tinha tido relações sexuais, 4 meses atrás e, de certeza, não tinha sido com o defunto marido. Mas não serviu de nada. Ela continuou a jurar a pés juntos, que nunca tinha conhecido outro homem, senão o defunto marido. Durante a minha actividade clínica de um ano em Marrocos e mais tarde de 2 anos na Argélia, tive que fazer face a vários casos de «bebés que dormem no ventre das mães». Essa crença arranjava sempre a vida de alguém! Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique 5 BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013 Foto do Mês Uma voz Por: Onestaldo GONÇALVES Na profundeza do meu silêncio Na penumbra do meu quarto vazio E no sossego de uma noite de luar Ponho-me a pensar Oiço uma voz penetrante Uma voz firme e persistente Vejo uma ténue luz Caminhando para mim Sinto uma dor voraz Que se aninha em mim. Chamem-me de lunático De esquizofrénico Se quiserem, louco Mas não me impeçam de sonhar Com um novo raiar E o despontar De um futuro que pressinto risonho Rio Zambeze (Foto de João Fumane) “A educação e o ensino são as mais poderosas armas que podes usar para mudar o mundo.” - Nelson Mandela «Quem é Quem?» Entrevista com: Pedro Manuel UTUI – Vice-Presidente da AMEAM Nome, onde nasceu, como cresceu, como foi o seu percurso escolar/académico? Chamo-me Pedro Manuel UTUI, nasci em Maputo, no Hospital Central de Maputo, no Distrito Municipal de Kamavota, em 13 de Abril de 1952. Residi no bairro do Aeroporto “A”, perto do Cinema Império, próximo da escola do Bairro Indígena, perto do Xipamanine, onde fiz os estudos primários e onde também acabei por ser professor da escola primaria. Tive uma infância normal para as crianças daquela época. Gostava muito de jogar futebol, esquecendo-me diversas vezes de coisas importantes, incluindo de al- 6 Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique moçar. Durante as férias ajudava a minha mãe camponesa na Machamba, no Bairro da Costa do Sol. Nos domingos ajudava o meu pai que tinha uma banca de venda no mercado. Fiz os estudos secundários na ex. Escola Governador Joaquim de Araújo, hoje Escola Secundária Estrela Vermelha, entre 1966-1968, e depois na Escola Secundária Josina Machel e ainda, na Francisco Manyanga. De 1972 a 1974 fiz o curso de enfermagem na ex. Escola Técnica Calouste Gulbenkian, hoje Instituto de Ciências da Saúde de Maputo. De 1977 a 1978 fiz o curso de Enfermeiro especializado em Anestesiologia no BOLETIM DA AMEAM • Nº 002 » Dezembro de 2013 mesmo Instituto de Ciências da Saude de Maputo. De 1988-1995 fiz a Licenciatura em Medicina na Universidade Eduardo Mondlane. De 1997 a 2002 fiz a pósgraduação em Anestesiologia e Reanimação no Hospital Central do Maputo. A opção pela Medicina nasceu desde cedo ou foi uma opção tardia? Fiz medicina, como uma continuação natural do curso de enfermagem e porque gosto muito de atender doentes como de forma de ajudar o próximo. O que gosta de fazer nos tempos livres? Nos tempos livres medito na palavra de Deus. Vou à igreja geralmente nos domingos e também participo em actividades agropecuárias. Também me dedico à colecção de moedas (Numismática). Durante tempo que leccionei na Escola Secundária Josina Machel (19691971) formámos um grupo musical de Professores da Escola na qual posso salientar o escritor Juvenal BUCUANE (viola solo) e o nosso colega e membro da AMEAM, Benjamin MOIANE (organista). Depois da Independência Nacional integrei o grupo de Makwela dos jovens do Bairro do Aeroporto e o grupo Raul Baza como dançarino. No grupo de Makwaela destaco o malogrado Júlio MATHOMBE que depois pertenceu à Companhia Nacional de Canto e Dança como bailarino e depois como coreógrafo. Este grupo apresentou-se em várias cerimónias oficiais, algumas delas, presididas pelo nosso querido falecido Presidente Samora MACHEL, por vezes, por ocasião das visitas de grandes dignatários estrangeiros. Porque acha que os médicos devem ter actividade cultural? Acho os médicos devem se envolver em actividades culturais, principalmente a música, porque há uma ligação entre a Medicina e Música pois ambas envolvem sentimento, arte e dedicação. Além disso, estas actividades permitem aliviar o stress do dia-adia. Um grande exemplo dum médico músico que conseguiu introduzir uma grande inovação na prática médica é o de Leopold Auenbrugger que, em 1761, introduziu a percussão do tórax. Porque achou que devia aderir à AMEAM? A AMEAM oferece uma oportunidade de partilhar experiências, fazer novos amigos e de aliviar o stress quotidiano do trabalho. O que gostaria que ainda se soubesse sobre si? Depois de muitos anos voltei a constituir um grupo musical, desta vez em Xai-Xai, com colegas da Saúde. O grupo era constituído inicialmente por 2 médicos (Pedro UTUI e Toni SOUSA) 1 enfermeiro (Augusto) tendo-se juntado ao grupo posteriormente um enfermeiro e um técnico de fisioterapia, respectivamente, Abner e Nelson. Este grupo teve actuações no Hospital Provincial de Xai-Xai, no Ministério da Saúde, no Seminário de Educação Médica da Ordem dos Médicos e no Bairro de Xilembene nas comemorações alusivas ao Presidente Samora Machel. Este último concerto contou com a presença de altas personalidades do país salientando-se SExa. o Presidente Armando GUEBUZA. Este grupo foi criado devido à iniciativa da Dra. Helena MULA, Directora do Hospital Provincial de Xai-Xai, que estimulou a sua formação para aumentar o convívio entre os profissionais de Saúde nos tempos livres. Para si como foi o ano de 2013? E um desejo para 2014... Para mim o ano em curso foi ano de sucesso e prosperidade e espero o ano 2014 seja um ano de muita paz para o povo moçambicano. (Entrevista conduzida por Cátia Fernandes e foto de João Schwalbach) “Se falares a um homem numa linguagem que ele compreenda, a tua mensagem entra na sua cabeça. Se lhe falares na sua própria linguagem, a tua mensagem entra-lhe directamente no coração.” Nelson Mandela Adeus Madiba! Até Sempre… T odos nós africanos perdemos o nosso grande símbolo de tudo o que a África, até hoje, teve de melhor. O mundo perdeu o seu melhor cidadão e em todo o mundo, por toda a gente de bem, ele foi e será chorado como tal! Fisicamente Madiba partiu, mas a sua obra, os seus ensinamentos e o seu fantástico exemplo de luta intransigente pela Liberdade e contra o racismo, de humanidade, de dignidade, de honradez, de compreensão humana, de tolerância, de tranquilidade, de reconciliação, de boa governação e de PAZ (que tanta falta nos faz) vão perdurar para sempre, como um exemplo para toda a humanidade. Oxalá todos nós nos deixemos iluminar pelo exemplo deste grande HOMEM. Neste momento de imensa dor, queremos exprimir à nossa compatriota Graça MACHEL as nossas sentidas condolências e expressar-lhe toda a nossa solidariedade. (Notícia da Redacção com foto extraída da InterNet por Helder de Brito Martins – Neto) Ficha técnica AMEAM - Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique Associação autorizada por despacho Ministerial de 27 de Março de 2013, publicado no Boletim da República nº 44, III Série, de 31 de Maio de 2013. Legalmente constituída a 25 de Abril de 2013. Registada (Registo Definitivo) na Conservatória do Registo das Entidades Legais de Maputo, em 28/05/13, com o nº 100392615. NUIT nº 700127036 Sede Provisória, na Sede da Associação Médica de Moçambique, na: Av. Salvador Allende, 560, 1º andar, em Maputo. E-mail: [email protected] Boletim maquetizado com o patrocínio da EloGráfico – Rua Kwame Nkrumah, 1591, 1º Maputo Tel: 21417333 e 21418600, E-mail: [email protected] Associação de Médicos Escritores e Artistas de Moçambique 7