Editorial por Véronique Vienne Agradecimentos por

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Editorial por Véronique Vienne Agradecimentos por
www.antalis.com
Editorial por Véronique Vienne
A escolha de um papel é um ato criativo!
Olhar fixamente para um pedaço de papel em branco é como observar uma bola de cristal.
O poder da magia é palpável. Quase conseguimos tocar-lhe. Esta série de cadernos de
notas foram concebidos para revelar as inúmeras formas de como o papel pode realçar
a beleza oculta das coisas, em particular na nossa era digital, em que a dimensão táctil
da comunicação visual é desafiada tão intensamente.
Mas para os designers de hoje em dia, será que a escolha do papel ainda é um ato criativo? Se sim, como conciliam
a pressão dos suportes eletrónicos com a capacidade necessária de sentir a gramagem, a textura e entender
as diferenças para selecionarem o melhor papel quando as circunstâncias o exigem? Em que medida é que a escolha
do papel contribui para o sucesso da comunicação de uma mensagem, de uma ideia ou de um conceito?
Para responder a estas perguntas, decidimos entrevistar doze designers conceituados em doze países diferentes
e explorar com eles as questões e preocupações mais críticas relativamente à função do papel nos dias de hoje.
Escolhemos artistas gráficos que trabalham para instituições culturais, assim como especialistas de marcas e produtores
de agências de publicidade.
Em vez de apresentarmos o resultado da nossa investigação como um livro, achámos que seria mais útil criar
uma série de pequenos cadernos de notas que permitissem aos leitores escrever, desenhar ou rabiscar para
experimentarem o toque dos vários papéis. Optámos pela linha de Papéis Criativos Arjowiggins distribuídos pela
Antalis, que foi a patrocinadora deste projeto.
Entre as conclusões que podemos retirar das conversas com os nossos doze entrevistados, existem várias que se
destacam. Em primeiro lugar, o papel proporciona uma sensação e uma experiência emocional que os sistemas digitais
não conseguem. Em segundo lugar, as informações impressas em papel são mais memoráveis do que as informações
apresentadas num ecrã. Por último, mas não menos importante, os nossos designers concordaram todos que o sucesso
de um projeto depende tanto da escolha do papel como da fonte, do layout ou da técnica de impressão. O papel é mais
do que um meio para um fim, é uma parte integral do conceito.
Atualmente, apesar de os materiais impressos comuns estarem a atravessar um retrocesso, o papel, por incrível
que pareça, aparece na vanguarda da segunda revolução digital, onde inovações na área do design impulsionam a
investigação ao nível da tecnologia eletrónica. Não conseguimos ler o futuro numa folha de papel em branco, mas
podemos ter a certeza que contém algumas das respostas que procuramos à medida que avançamos no século XXI.
Agradecimentos por Véronique Vienne
Os doze designers que amavelmente responderam às minhas perguntas fizeram-no porque acreditavam que o tema era
suficientemente crucial para merecer a sua participação. Reinventar a função do papel está no centro da sua prática.
Estou extremamente grata pelo tipo de conhecimentos profundos que partilharam comigo. Foram francos nas suas
observações e generosos nas suas explicações.
Igualmente generosa foi a nossa patrocinadora, a Antalis, principal distribuidora europeia de papel, soluções de
embalagem e produtos de comunicação visual para profissionais. Agradecimentos especiais para Xavier Jouvet,
Véronique Tripard, Isabelle Lombard e Laetitia de La Motte Rouge. Embora nunca interferindo com a minha direção
editorial, facilitaram as questões de logística e produção em cada etapa do processo. Sem eles, nunca poderíamos
ter tido esta conversa globalmente.
Obrigada à agência de publicidade francesa Bambuck que coordenou este projeto. Através dela, beneficiei do apoio
de Jérôme Duby, Emmanuelle Plaça, Oriane Gibarroux e Jean Louis Bambuck.
Agradecimentos especiais para o meu mentor, Milton Glaser, que aceitou participar e falar de uma forma eloquente
sobre o futuro da nossa profissão.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Editorial / Agradecimentos
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Hans Wolbers
“É assim que escolho o papel: como parte do meu conceito inicial.”
Hans Wolbers é um diretor artístico holandês que estudou Artes
Aplicadas e Design na Universidade de Artes em Utreque, Holanda.
Depois de se licenciar, fundou a Lava Amsterdam, um estúdio que
depressa se tornou uma das principais agências de design da Holanda,
conhecida pelo seu talento em criar e desenvolver publicações
editoriais elegantes e modernas. Em 2002, tornou-se membro da AGI
(Alliance Graphique Internationale). Atualmente, enquanto diretor
da Lava, Wolbers e a sua equipa concentram-se na estratégia criativa, no design editorial, no design
interativo e nas identidades dinâmicas. A agência conquistou numerosos prémios internacionais
e o seu trabalho foi exposto em vários países. Wolbers realiza regularmente “workshops”
e palestras na Europa, Rússia, Taiwan, China, Indonésia e Irão. Em 2012, a Lava expandiu as
suas atividades criativas através de projetos de colaboração em Moscovo, Istambul e Seul, bem
como a inauguração de um escritório permanente em Pequim.
O escritório da Lava, no interior de um antigo elevador de cereais na zona portuária de Amesterdão, é uma catedral cheia
de luz. Mas quando lá entramos, o que chama primeiro atenção não é o espaço elevado, mas antes a perspetiva ao nível
dos olhos. Ficamos com a sensação que cada superfície disponível está coberta com pilhas de papel. Montes de
papel. Resmas de papel. Rolos de papel. As folhas brancas estão empilhadas em longos balcões, havendo locais de
trabalho pelo meio. À volta do local, em quadros informativos, são publicados gráficos de papel, cobertos com notas
em camadas sobrepostas. “As pessoas que usam mais papel na nossa empresa são os web designers”, explica
Hans Wolbers, que fundou a Lava há 25 anos. “Eles precisam de papel para pensar. É muito mais rápido do que as
ferramentas digitais.”
Atualmente, apenas um terço do trabalho feito na agência acaba impresso. Costumava ser muito mais, quando o design
editorial era o foco principal da Lava. Agora as equipas criativas incluem designers gráficos, digitais e produtores que
se ocupam de projetos de “branding” e comunicação para um vasto leque de clientes. “Não especificamos papel com
tanta frequência como fazíamos há dez anos, mas quando fazemos, damos uma atenção particular ao que a nossa
escolha diz sobre o projeto”, refere Wolbers. “A personalidade do papel deve refletir a personalidade da mensagem da marca.”
Na Holanda, o papel é um assunto sério. Para as suas gravuras águas-fortes, Rembrandt experimentava diferentes
papéis (alguns locais, outros importados do Japão) a fim de obter variações de tons radicalmente diferentes. No final
do século XVIII, o papel holandês era considerado o melhor da Europa. As técnicas de fabrico eram as mais avançadas,
permitindo obter resultados excecionalmente belos em gravuras. “Mas o melhor papel do mundo não vale nada se as
informações a seu respeito não fizerem sentido”, observa Wolbers. “É por isso que tenho uma relação de amor-ódio com
o papel. É complicado: temos de escolher o papel certo porque o ele faz parte do conteúdo.”
Véronique Vienne
VV: Como sabe que é o papel “certo”?
HW: A escolha do papel começa no seu “toque”, mas também na sua gramagem. Se desejamos acrescentar valor ao seu
trabalho, então a gramagem é importante. Quanto mais leve for o papel menos valor acrescentado terá o trabalho. Existem
muitos clichés como estes, que embora pareçam banais não podem ser ignorados.
Temos de pensar nas suposições que os leitores farão relativamente ao toque do papel. Por exemplo, ainda que um papel
não revestido possa ser muito mais caro que um revestido, existe a perceção que o primeiro é mais barato. Também já não
se imprime algo sobre o meio ambiente num papel com brilho - ainda que seja mais ecológico do que um qualquer papel
mate extravagante - pois podia simplesmente transmitir uma mensagem errada.
A escolha do papel não só faz parte da mensagem da marca, como também informa os utilizadores sobre o que fazer a seguir,
seja guardar ou deitar fora a publicação, o livro ou a revista que acabaram de ler.
O material impresso é algo que a maioria de nós tem dificuldade em deitar fora. As informações vistas ou lidas
numa página são mais memoráveis do que as mesmas informações vistas ou lidas no ecrã, pelo que,
naturalmente, a tendência é para mantê-las.
Reconheço que as coisas que queremos conservar, em que queremos pensar, etc, são melhor impressas em papel. Os
suportes de impressão pertencem a um período de tempo muito mais lento do que o seu equivalente digital. Não só
porque perduram mais tempo, mas também porque a sua produção é mais lenta. Mas essa não é a principal questão.
Vamos partir do princípio de que algures na Coreia do Sul – neste preciso momento – alguém está a inventar um ecrã
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Hans Wolbers
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digital com um aspeto e um toque exatamente iguais ao papel. E depois? O que significa isso em termos de longevidade?
As informações nele contidas irão sobreviver? Serão mais atraentes, mais interessantes ou mais memoráveis do que
as informações impressas em papel tradicional?
O aspeto mais importante para mim é durante quanto tempo as informações permanecerão relevantes, e não apenas
se estão disponíveis em papel, num ecrã ou noutra qualquer superfície milagrosa.
Está a falar das informações como texto? E as imagens? Têm melhor aspeto numa superfície brilhante, não
têm?
O problema das imagens impressas não é o aspeto que têm, mas sim, a forma como funcionam. Devido à tecnologia,
não há falta de fotografias visualmente excelentes hoje em dia, mas o que significam? A verdade é que as pessoas
querem histórias visuais – histórias contadas em imagens. Mas deixe que lhe pergunte: porquê olhar fixamente para
imagens quando podemos ver pequenos documentários no nosso tablet? Quando envio fotógrafos em trabalho,
digo-lhes para fazerem filmes curtos de cinco segundos em vez de retratos ou imagens. Se quisermos imagens,
podemos ir a museus contemplar quadros, desenhos, gravuras, aguarelas e belos cartazes impressos.
Não acha que as imagens já não têm lugar na nossa cultura?
Verdade seja dita, nós já não sabemos realmente o que é de facto a comunicação visual. Perdemos a capacidade de ler
imagens como símbolos. No passado, as pessoas que não sabiam ler podiam mesmo assim ler sinais. As pessoas analfabetas
olhavam para as imagens e percebiam a mensagem de uma forma que nem nós conseguimos compreender hoje.
Comentários como “Esta imagem é verdadeiramente bela” não fazem sentido, na minha opinião. Pessoalmente, não
me interessam imagens belas – eu quero saber o que elas tentam dizer. Sou uma típica pessoa de agência. Não sou
um artista. Escolho o conceito que está certo.
Infelizmente, demasiados designers digitais ainda pensam como designers de impressão, com as informações apresentadas
num ecrã como uma série de imagens fixas – quase como cartazes rotativos em painéis de rua. Eu até sei de alguns
designers que desenham cartazes estáticos e em seguida publicam-nos num ecrã em formato PDF. É ridículo. Nesse
mesmo ecrã, eles podiam com a mesma facilidade mostrar imagens em movimento ou pelo menos publicar ligações
para vídeos. Isto é algo que ainda temos que ensinar aos designers: parar de traduzir suportes de impressão em
suportes digitais e em vez disso pensar diretamente em imagens em movimento.
Se ao menos conseguíssemos dar vida às imagens impressas!
É precisamente nisto que trabalho atualmente. Desenvolvi um novo dispositivo de visualização que nos permite ver
filmes de imagens impressas sob luz RGB controlada. Quando alteramos lentamente o equilíbrio entre a luz vermelha,
verde e azul, as diferentes partes das imagens ganham vida. É espetacular. Ficamos com a impressão de que a
imagem está a mover-se mesmo à frente dos nossos olhos. O que parece ser um cartaz normal, à luz do dia,
torna-se uma imagem viva e animada quando o visualizamos através do meu dispositivo.
É analógica ou digital? Não me interessa.
O que me interessa é que as minhas imagens sejam impressas no melhor papel possível, para que os brancos
sejam luminosos e as cores impressas sejam o mais brilhantes possíveis. É assim que escolho o papel: como parte do
meu conceito inicial. Adoro o papel, mas tem de servir um fim que eu possa identificar.
Diria que o papel tem uma linguagem própria? É mais do que apenas uma superfície, é uma forma
de expressão?
Pergunte aos meus web designers. Para eles, o papel é a linguagem do pensamento, da investigação, da análise.
Eles apreciam a versatilidade do papel, os seus formatos e a sua conveniência. Para os designers de livros, poderá
ter a ver com a textura, a cor e a gramagem. Para os impressores, poderá ser a forma como o papel reage às várias
tintas. Para mim, o papel é uma ferramenta de comunicação. Mesmo quando o material impresso não é o produto
final, a dado momento ao longo do processo criativo, eu sei que o papel irá desempenhar um papel fundamental.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Hans Wolbers
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Reza Abedini
“Quando uma ideia começa a formar-se na minha cabeça,
o seu papel manifesta-se em simultâneo.”
© Hamid Eskandari
Reza Abedini nasceu em Teerão em 1967. O seu avô e tio eram
ambos calígrafos talentosos e ele aprendeu as noções básicas do ofício
em adolescente. Depois de obter a sua licenciatura na Escola de Belas-Artes de Teerão, prosseguiu os seus estudos em Pintura e Belas-Artes
na Universidade de Artes de Teerão. Desde que estabeleceu uma
prática independente em 1987, tem trabalhado como designer,
professor e investigador no campo da tipografia, design gráfico e artes visuais. Entretanto,
recebeu inúmeros prémios e galardões, entre os quais o Prémio Príncipe Claus da Holanda.
É membro da Iranian Graphic Designers Society (IGDS) desde 1997 e da Alliance Graphique
Internationale (AGI) desde 2001. Tem feito parte do júri de várias bienais no mundo inteiro.
Dividindo o seu tempo entre o Líbano e a Holanda, atualmente é professor de Design Gráfico
e Cultura Visual na Universidade Americana de Beirute.
“Quando obtenho reações negativas acerca de um dos meus cartazes por parte de um designer ocidental, sinto que
devo ter feito alguma coisa certa!”, afirma Reza Abedini. Um tal criticismo é uma ocorrência rara. Embora Abedini não
utilize a linguagem clássica do design gráfico que prevalece no Ocidente, a poesia do seu trabalho é universal e é
celebrada no mundo inteiro. À semelhança de vários designers gráficos japoneses, tal como Ikko Tanaka, que tem sido
uma fonte de inspiração para si, Abedini desenvolveu uma forma de integrar características específicas da sua própria
cultura num modo de expressão muito contemporâneo.
Concebe cartazes, capas de livros e anúncios para promover eventos no mundo árabe, mas também na Holanda,
França, Irlanda, Grécia ou Inglaterra. O seu estilo pode ser descrito como “persa”: uma vez que tem naturalmente
fortes elementos caligráficos, e o texto, seja em fontes árabes ou romanas, apresenta uma qualidade compacta,
coordenada e delicada. As suas cores são densas, porém suaves, com uma predominância dos tons terra.
No entanto, um dos atributos mais reconhecíveis do seu trabalho é a presença muito especial da figura humana.
Recordando o tipo de retratos formais que eram populares no Irão do século XIX, as pessoas que desenha são
aparições gráficas que enchem a página com um aprumo considerável.
De alguma forma, a textura do papel está sempre presente no trabalho de Abedini, não visualmente, mas como
um campo de força por baixo dos seus desenhos. É como se a mão do designer tivesse sido guiada por algum
conhecimento proveniente do toque, do cheiro e do som guardado dentro do próprio papel.
Véronique Vienne
Antes de responder às suas perguntas, gostaria de dizer que o momento mais assustador, mais excitante e mais
desafiador no mundo visual para mim é quando seleciono um pedaço de papel em branco e olho fixamente para ele,
e durante algum tempo não sou capaz de fazer nada…
VV: Que função desempenhou o papel no desenvolvimento da caligrafia árabe?
RA: O papel influenciou a criação de muitas escritas iraniano-islâmicas. Um exemplo é a escrita Nastaliq, que requer
movimentos suaves e livres da mão e inclui muitas formas circulares. Não seria possível em superfícies mais ásperas
como pedra ou madeira, ou mesmo azulejos. Mais tarde, estas novas tradições foram aplicadas em outras utilizações
da caligrafia, tais como, mosaico e cerâmica e, continuam a influenciar-se mutuamente de forma contínua.
Na sua própria prática, está atento à qualidade, textura, cor ou gramagem do papel no qual o seu trabalho é impresso?
Deixe-me responder a partir de dois ângulos diferentes: do ponto de vista de um artista visual e do de um designer gráfico.
Enquanto artista, desde os meus primeiros anos de estudo num liceu de belas-artes (quando tinha 14 anos), o tipo de
papel, a sua textura, a sua gramagem, e até as suas laterais, eram uma grande preocupação para mim. Sobretudo mais
tarde, quando desenvolvi um interesse em gravuras, onde, como todos sabemos, o papel tem uma enorme importância.
Fora isso, as minhas peças mais recentes baseiam-se numa variedade de papel fino e/ou artesanal quando trabalho
nelas com tinta preta e pintura acrílica. Aqui, o papel não faz apenas parte da estética da peça: tem também um
significado técnico. O papel deve ser capaz de resistir à tinta, água e outros aditivos.
Enquanto designer gráfico, considero o tipo de papel, a sua cor, a sua gramagem e a sua textura uma parte importante
de cada projeto. Tenho de explicar que, em muitos casos, o produto final de uma peça de design gráfico (um cartaz, por
exemplo) é criado pela síntese de muitos elementos; por exemplo, um tipo de impressão específico, num tipo de papel
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Reza Abedini
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específico, cortado de forma específica. Como tal, o papel é uma parte da ideia do design gráfico, não apenas
a superfície na qual o design é impresso.
Faz o esboço em papel antes de traduzir um design para formato digital?
Sim, quase sempre. Porque gosto realmente de desenhar. Quando o papel que está por baixo da minha mão é agradável
ao toque, consigo alcançar um design ou conceito de forma muito mais fácil e fluida, ou pelo menos assim parece.
Portanto, tenho sempre uma variedade de papéis comigo, que uso para tomar notas ou fazer esboços.
Gosto particularmente de papéis grossos e kraft.
Que percentagem do seu trabalho acaba impresso em papel?
Mais de 90% do meu trabalho final é visto apenas em papel, seja em peças de desenho ou design gráfico. Na maioria
dos casos, quando uma ideia começa a formar-se na minha cabeça, o seu papel manifesta-se em simultâneo.
Como se certifica que desenhos que parecem excelentes quando retroiluminados num ecrã possam parecer
igualmente bons quando são impressos em papel?
Comecei a trabalhar em design gráfico numa altura em que os computadores e ecrãs não existiam! Ou pelo menos não
eram usados para desenhar. Por isso, o facto de haver uma diferença entre a visão e o produto final é um conceito
familiar para mim. É verdade que, por vezes, as imagens num ecrã são mais nítidas e atraentes. Mas como sabemos,
essas imagens não são reais. Tendo isto em conta, tenho mais respeito por uma impressão ou desenho real, pela sua
tangibilidade. Não podemos esquecer-nos de que cada uma destas imagens – digitais e físicas – interagem com uma
parte diferente de nós. Cada uma delas pode ser bela, e têm a sua própria utilização.
Ao mesmo tempo, sinto-me muito mais confiante quando o meu design começa no papel e acaba no papel.
Ser capaz de tocar no papel durante o processo de design tem um enorme impacto positivo na minha alma.
Sou viciado em tocar em papel.
Aquilo em que podemos tocar faz parte da estética da peça. Por exemplo, imagine uma série de cores que são impressas
num papel texturado. A sensação do toque e a imagem visual ajudam a remover-nos de um ambiente mais
comercial. Ou imagine uma série de cinzentos coloridos que são impressos em papel grosso para nos dar uma sensação
de concreto. Esta é uma combinação muito complexa de comunicação visual, funcionalidade e estética.
Quando tem de especificar papel, confia na sua própria avaliação ou consulta especialistas em papel?
Em determinadas ocasiões, aconselho-me sempre junto de especialistas em impressão. Às vezes eles têm
recomendações interessantes para novos materiais e técnicas, mas a decisão final é sempre minha. Corro riscos
calculados quando acho que vale a pena.
A qualidade de arquivo do papel é algo que o preocupa?
Com o material impresso, o tempo tem um significado que não está presente nas peças digitais. Os materiais podem
guardar e refletir o tempo. É por isso que estamos tão interessados em examinar minuciosamente quadros e aguarelas
do século XIX, por exemplo, porque também podemos presenciar o tempo nelas.
Sabia que o som que o papel faz quando desenhamos nele, ou quando viramos as páginas, desencadeia
uma agradável sensação de formigueiro no cérebro? Já alguma vez teve a oportunidade de tirar partido
das qualidades auditivas do papel?
No meu último projeto gravei os sons ao desenhar letras uma e outra vez. Em seguida, apresentei-os com a imagem
de cada letra desenhada para que o público pudesse ver e ouvir os sons da letra “B”, por exemplo. Também concluí
alguns projetos neste campo com os meus alunos. Todo o processo de começar e acabar um projeto, como tocar
no papel, ouvir os sons do desenho, as laterais do papel, tudo isso é um ritual religioso para mim.
Em que momento do seu processo de design é que a escolha do papel constitui um ato criativo?
Como eu disse, a ideia e os materiais para a ideia tendem a ocorrer-me ao mesmo tempo. Mas já aconteceu, após
a progressão do design, eu mudar de ideias e achar que ficaria melhor num papel diferente. Há uns tempos atrás, um
certo tipo de papel passou a fazer parte da minha linguagem visual, tal como um autor que favorece determinadas
palavras.
Pode descrever uma circunstância quando a escolha do papel fez uma diferença crucial num dos seus projetos?
Acredito que é possível mudar a opinião pública e introduzir outras pessoas a novas experiências. Consigo pensar em
muito exemplos, como imprimir o mesmo trabalho em dois tipos de papel diferentes e ver como um conseguiu muito
mais atenção do que o outro. Poder imprimir tinta branca em cartão cinzento (o que não é fácil de fazer e sai sempre
imperfeito), em vez de imprimir a cinzento em cartão branco e deixar algumas partes brancas (para simular o mesmo
efeito), o que cria uma atmosfera completamente diferente.
Quais são alguns dos seus trabalhos favoritos em papel de designers gráficos que admira?
Tenho uma coleção pessoal de muitos cartazes e livros antigos. O tipo e o cheiro do papel e até a tinta de impressão,
afetam-me sempre que remeto para eles. Esta relação íntima com o material impresso é infinitamente aprazível.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Reza Abedini
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Michal Batory
“Se escolhermos o papel errado, não haverá magia.”
© MB
Nascido na Polónia, Michal Batory estudou Design Gráfico na
Escola Nacional de Artes de Lodz, ainda sob o regime comunista.
Uma influência mais importante na sua sensibilidade foi a rua, onde
cartazes inteligentes e coloridos proporcionavam uma libertação da
triste rotina do dia a dia. Em 1987, recebeu uma prestigiada bolsa
do Ministério da Cultura polaco, que lhe permitiu imprimir os seus
cartazes utilizando serigrafia. Um ano mais tarde, mudou-se para Paris
em busca de oportunidades de trabalho. Nunca regressou à Polónia, tendo-se fixado em vez
disso na capital francesa, onde se tornou conhecido entre os designers gráficos locais.
De 2001 a 2008, foi o responsável de comunicação do Théâtre National de Chaillot, onde criou
uma série de cartazes lendários. Durante esse tempo, embora vivesse em França, trabalhou para
editoras e instituições culturais na Polónia, tendo o seu trabalho sido exibido em exposições de
cartazes no mundo inteiro.
Michal Batory é um artista polaco que constrói estranhos talismãs: um smartphone com a forma de uma ponta de seta
do Neolítico, um balão amarelo com um boné de aviador ou uma arma carregada feita de películas de filme enroladas.
As suas metáforas híbridas incorporam coroas, asas, crânios, lábios, flores, pegadas, espartilhos e dedos ensanguentados.
Fotografados contra fundos de cores vivas e impressas em cartazes, tornam-se conceitos visuais de fazer cair o queixo:
gigantescos artefactos surrealistas mais reais do que o objeto real.
Fazer isto acontecer não é diferente de tirar um coelho da cartola. O truque aqui reside na escolha do papel no qual o cartaz
é impresso. “Se escolhermos o papel errado, nunca conseguiremos as cores que queremos”, diz Batory. “Nunca. Por mais
que tentemos, os laranjas serão acastanhados e os verdes serão caqui sujo. Não haverá nenhuma magia. Nenhuma
admiração. Nada.”
A casa de Batory em Paris, situada num beco, é oficina, estúdio de fotografia, agência de design, garagem, atelier e
estufa. Grandes cartazes coloridos contrastam com a sua suave decoração “La Bohème”. A intensidade dos amarelos
de cádmio, magentas puros ou azul-pavão recordam os cartazes polacos desenhados por artistas como Jan Lenica
ou Roman Cieslewicz. Neste pacato canto do nordeste de Paris, podíamos estar em Varsóvia, nas águas-furtadas de um
artista no bairro vanguardista de Praga. Atualmente, a maioria das encomendas de Batory chegam de clientes na Polónia.
Famoso em França pela sua campanha para o teatro Chaillot e vários festivais de prestígio, Batory é também uma figura
importante na arte do design gráfico polaco.
Véronique Vienne
VV: A Polónia é conhecida pelos seus cartazes conceptuais. Pode explicar porquê?
MB: O cartaz moderno foi inventado na Polónia nos anos 50, ainda sob o regime comunista, como uma reação à censura.
As pessoas costumavam rir-se da estupidez dos críticos que nunca percebiam a ironia, ou a mensagem política, escondida
nestas imagens. Fazer troça dos críticos era quase um desporto nacional. É por isso que os meus cartazes polacos são
mais provocadores do que os concebidos para um público francês menos politizado. Na Polónia, o público está habituado
a imagens chocantes que mostram ossos, tripas, sangue, sangue derramado, nudez e partes do corpo cortadas!
Por vezes utiliza o Photoshop, mas as suas colagens 3D nunca parecem geradas por computador.
Qual é o seu segredo?
Eu crio objetos surrealistas usando coisas vulgares do dia a dia. Começo com esboços no papel para entender o conceito,
e só então começo a criar a esculpir e a juntar as formas híbridas que tenho em mente. Por vezes nem sequer
preciso de retocar as imagens. Os meus cartazes são envolventes porque construo os objetos à escala certa, pelo que
a perspetiva, a luz e as texturas são totalmente naturalistas. A qualidade vem daí. E do aspeto que as cores têm uma
vez impressas no papel que eu escolho.
Pode explicar porque o papel faz tanta diferença?
O papel sem revestimento absorve a tinta, espalha-a, une-a e a definição das cores pode ser menos viva. Por isso,
na teoria, o papel revestido é melhor para reproduzir fotografias. Mas temos de selecionar o tipo certo de revestimento.
Qual a espessura? Qual o grau de resistência à água? Qual é o melhor acabamento: mate, semi-brilhante ou de alto
brilho? O resultado final é muitas vezes uma questão de julgamento: que parte da imagem devemos privilegiar, as áreas
de luz ou as sombras? Que subtileza deve ter a escala de cinzentos? Quão preto queremos que o preto seja?
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Michal Bator y
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Veja a diferença entre estas duas reproduções do mesmo cartaz em dois livros diferentes. Num livro, em papel revestido,
a imagem é brilhante, alegre, mas um pouco morta. No outro livro, impresso num papel mais grosso de maior qualidade –
um belo papel offset não revestido –, a imagem é mais rica, mais cheia, com mais detalhe. Tem muito mais impacto.
Concebe cartazes, mas também capas de livros. As regras são diferentes?
Sim, são. As regras de papel revestido versus papel não revestido nem sempre estão corretas no que diz respeito aos
livros. O papel revestido é normalmente mais branco, por isso é melhor? Sim e não. Por vezes, prefiro um papel mais
amarelo, e compenso isso na fase de separação das cores. Temos de estar preparados para desafiar a sabedoria
convencional de modo a conseguir o que queremos.
Também temos de escolher o papel de acordo com as condições de visualização das imagens, seja no interior ou exterior,
na capa de um livro, num postal ou no interior de um catálogo. Os meus cartazes têm sido reproduzidos em imensas
situações diferentes, e eu tenho consciência de como podem ser diferentes os resultados, consoante a natureza
da superfície onde são impressos.
Como aprendeu a escolher o papel certo?
A escolha do papel exige o tipo de “know-how” e experiência que poucos designers têm atualmente. A maioria dos
produtores não dedicam tempo a falar com impressores ou representantes de papel, para lhes pedirem sugestões ou
conselhos. E poderão nunca compreender o motivo de um resultado ser dececionante. Eles acharão que a culpa
é do fotógrafo, ou do impressor, ou poderão nem sequer se aperceber de que há um problema.
Hoje em dia, olhamos simplesmente para as imagens de relance num ecrã – já não sabemos como
contemplar imagens no papel. Concorda que as imagens impressas são mais aprazíveis porque não nos
apressamos tanto quando olhamos para elas?
Nós apressamo-nos! O problema com os cartazes expostos na rua é que, cada vez mais, estão em rotação. Permanecem
parados apenas durante cinco segundos. Estão realmente lá para as pessoas em movimento, para as pessoas em
carros – mais para os condutores do que para os peões.
A maioria das pessoas, estejam a conduzir ou a andar, não conseguem decifrar mais de 30 ou 50 sinais em tão pouco
tempo. As formas que eu crio têm de ser antes de mais nada compreensíveis na rua, com pressa. As minhas imagens
podem ser “descodificadas” por pessoas comuns. Para mim, a coisa mais importante é a mensagem. Sou um “criador de
cartazes”, o que significa que estou mais interessado no conceito do que na forma.
Eventualmente, os meus cartazes são reproduzidos online ou em livros. Só então conseguimos começar a apreciar
o trabalho que eu invisto neles. No entanto, apesar de serem belos – as cores vivas são parte da sua atração –,
a beleza não é a sua principal função.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Michal Bator y
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Catherine Zask
“A sensação agradável que experimentamos quando manuseamos um
papel fica associada à mensagem nele impressa.”
Artista gráfica, designer de cartazes, escritora: Catherine Zask é
tão multifacetada quanto os componentes da sua linguagem visual.
Licenciada pela ESAG de Paris em 1984, estabeleceu a sua prática
independente em 1985. Trabalha com instituições e empresas
privadas, criando a sua identidade visual e desenhando vários aspetos
dos seus materiais promocionais, para os quais combina escrita,
tipografia, design, vídeo e fotografia. Entre os seus clientes figuram L’Hippodrome, o Teatro
Nacional de Douai; o Ministério da Cultura francês; a Universidade Paris Diderot; o Prémio Émile
Hermès; e La Scam a Sociedade Civil de Artistas de Multimédia. Em 1993-94, durante a sua
residência na Academia Francesa de Roma (Villa Medici), criou o Alfabetempo, um sistema de
anotação experimental baseado na decomposição das batidas de traços das letras. Este trabalho
continuou a investigação que ela tinha começado dez anos antes sobre letras, traçados e sinais:
Alcibiades, Gribouillis, Radiographies de pensées, Sismozask, Cousu-Zask, o projeto Iris ou Happy Dots. Ela ensina e dá
palestras em escolas de artes em França e no estrangeiro. Tem feito inúmeras exposições a solo e conquistou vários
prémios, incluindo o Grande Prémio na 20.ª Bienal Internacional de Design Gráfico em Brno, em 2002. Em 2010,
recebeu uma prestigiada distinção do Ministério da Cultura francês, a medalha Chevalier de l’Ordre des Arts et Lettres.
É membra da AGI, a Alliance Graphique Internationale.
O estúdio espaçoso de Paris de Catherine Zask parece-se mais com uma galeria do que com um espaço de trabalho.
Quando entramos, a primeira coisa que vemos é o seu trabalho gráfico a preto e branco exposto nas paredes brancas.
Andamos alguns passos em frente para ver mais de perto e esbarramos contra mesas compridas sobre as quais
estão dispostos artefactos em filas aprumadas: vários cartões brancos impressos com interações de um mesmo
motivo pontiagudo, peças de casca de árvore desbastadas e polidas ou canetas e lápis alinhados como pinceladas.
Suspensos num carril num canto do estúdio estão os seus famosos cartazes. Pelo canto do olho conseguimos
identificar o seu Macbeth, uma monumental obra-prima preta e dourada para o teatro Douai, e logo atrás a chamativa
presença amarela de um dos seus “manifestos” Scam.
O trabalho pessoal e profissional de Catherine Zask é uma construção contínua. Outros designers fazem questão
em separar o seu trabalho artístico do comercial, para realçar o facto de que são antes de mais nada solucionadores
competentes de problemas, mas Zask não. Poucas pessoas sabem tanto como ela quando se trata de tipografia,
design e produção de impressão, porém ela nunca se gaba da sua competência e experiência. Os clientes vêm ter
com ela pela sua abordagem tipográfica distinta caracterizada por uma economia de meios, composições rigorosas
e elegantes formas de letras orquestradas com um estilo próprio.
Colecionadora apaixonada de todas as coisas feitas de fibras de celulose, ela trata cada pedaço de papel que encontra
como se fosse especial. Também escreve sobre a sua relação amorosa com a pasta de madeira. Numa coleção recente
das suas observações sobre o tema, publicadas sob o título Casual Drawings, afirma que parte do seu processo criativo
envolve manipular e avaliar pedaços de papel até um deles lhe sussurrar: “Leva-me!” Só então pode começar a criar e
explorar os contornos do seu pensamento conceptual.
Véronique Vienne
VV: Porque é que a textura do papel é tão importante no seu trabalho?
CZ: O meu trabalho é criar documentos que as pessoas não só querem ler, como também guardar. Para tal, tento combinar
a visão e o toque. Ambos os sentidos são necessários, na minha opinião.
Imagine, por exemplo, um convite impresso em papel que é revestido num lado e não revestido no outro. No lado revestido,
as cores são frescas e vivas, enquanto no lado não revestido são mates e aveludadas. Os seus dedos conseguem dizer-lhe que os dois lados não são iguais. Há uma diferença entre frente e verso. Há uma parte da frente e uma parte de trás.
É palpável. As mãos têm uma inteligência própria. Eu tento tirar o máximo partido das suas capacidades.
Reconheço que é uma pequena diferença. Mas a subtil sensação agradável que experimentamos quando manuseamos
papel de duas faces fica associada à mensagem nele impressa. O ligeiro formigueiro nas pontas dos dedos acalma
os nervos e eleva o estado de espírito. Em contraste, quando recebemos um convite impresso em papel comum e coberto
de ambos os lados com o mesmo verniz acrílico aborrecido, é mais provável que olhemos para ele de relance antes
de o atirarmos para o cesto do lixo.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Catherine Zask
8
Como aprendeu a avaliar papel?
Eu coleciono todos os tipos de papéis. Pode dizer-se que sou uma recuperadora de lixo, fundamentalmente.
Estou sempre a recuperar e reclamar envelopes antigos, papel de embrulho, pedaços de cadernos de apontamentos
que alguém deitou fora, papel mata-borrão, papéis industriais, papel de cigarro, peças de cartão, qualquer coisa.
Também obtenho amostras de papel através de profissionais no setor da embalagem e mudanças, encadernadores,
eletricistas, empreiteiros de construção ou pessoas na indústria do vestuário – eu encontro coisas como papel usado
para plissar tecido, ou cartão para isolar fios.
Experimento imprimindo e desenhando nestes tesouros encontrados. Testo diferentes técnicas de impressão em várias
superfícies bizarras. Na medida do possível, quando estou a trabalhar num projeto específico, ponho-me ao telefone
e peço sugestões a impressores, representantes de papel e distribuidores de papéis especiais.
E em que momento do processo criativo seleciona o papel?
No início do processo deixo a minha mente vaguear. Tomo nota das ideias. Experimento à parte com vários papéis.
Só mais tarde contacto os representantes de papel com quem tenho uma relação e descrevo-lhes o que tenho em
mente. Talvez eu procure um papel muito fino que é brilhante num lado e mate no outro? Falo com eles e fazem-me
algumas sugestões. Ajudam-me a pensar sobre o assunto.
Quais são alguns dos seus papéis favoritos?
Não tenho um papel favorito: a escolha derradeira depende do design, da personalidade do cliente e da mensagem.
No entanto, sei do que não gosto. Parte-me o coração, por exemplo, quando vejo um belo papel não revestido
arruinado com verniz acrílico frente e verso.
Porque aplicaria alguém acrílico em papel não revestido?
Os vernizes acrílicos, sejam eles mates ou brilhantes, protegem a superfície impressa de nódoas, manchas ou pó.
A sua aplicação protege o resultado final contra manchas. É considerado mais económico em termos de produção
porque o trabalho fica sempre com um aspeto imaculado – apesar de o verniz específico erradicar a dimensão táctil
do papel. O produto final já nem sequer se parece com papel!
Nesse caso, como preserva e melhora a qualidade táctil do papel?
A minha forma de trabalhar é combinar um papel específico com uma técnica de impressão distinta. Uma vez tentei
a impressão por termoestampagem em papel mata-borrão. Noutra ocasião poderei querer experimentar a impressão
mate em papel aveludado.
Um dos aspetos de que eu mais gosto é uma cor sólida sensual impressa em papel não revestido. Mas isso é um grande
feito, tecnicamente. Para conseguir o melhor resultado, um impressor por vezes tem de experimentar todos os truques
incluindo revestir os rolos com camadas grossas de tinta. É particularmente difícil com tinta preta. As superfícies pretas
são conhecidas por borrarem. Não conheço muitos impressores atualmente que consigam fazê-lo.
Eu supunha que os avanços nas tecnologias de impressão deram aos designers mais opções criativas?
Na teoria, sim. No entanto, as máquinas de impressão tornaram-se tão sofisticadas – e tão caras – que não são rentáveis
a menos que funcionem a alta velocidade e de preferência com impressão a quatro cores. Como resultado, os
impressores hoje em dia estão receosos de experimentar tudo o que possa atrasá-los, tal como pedidos especiais como
uma mistura de cores personalizada.
Infelizmente, a tecnologia eliminou a vontade de correr riscos. Tudo tem de funcionar sem problemas, uma vez que todos
os passos do processo de impressão estão agora interligados. Desde as instruções cuidadosamente redigidas pelo
cliente até à data de entrega apertada, há uma longa cadeia de operações precisas que dependem umas das outras.
Se uma coisa correr mal, todo o projeto irá tropeçar. Os imprevistos têm que ser eliminados.
Como se mantém criativa, então?
Por vezes ser criativa parece-se com tentar plantar flores em gravilha. Mas eu não desisto. Mantenho a minha relação
com o papel bem viva graças ao meu trabalho pessoal. Preencho cadernos de apontamentos com desenhos,
esboços, gatafunhos, rabiscos e borrões de tinta. Ao mesmo tempo, atraio clientes que sabem que eu consigo propor
soluções de design invulgares. Tenho uma reputação para oferecer, e para alguns projetos esta abordagem faz todo o
sentido.
Dito isso, qual é o lugar da tecnologia digital no seu trabalho?
Adoro papel, mas também adoro computadores. Eles libertaram-nos da obrigação entediante de fazer aquilo a que
costumávamos chamar “mecânicas” ou “maquetas”: os complexos layouts preparados para a câmara e montados à mão
com cera ou cola. Hoje em dia, posso começar a minha investigação criativa utilizando o papel mas também posso
sentar-me em frente ao computador e começar a explorar formas ali, diretamente no ecrã.
Estou constantemente a modificar as minhas ferramentas digitais: hardware, software, aplicações, ou tudo o que me permita
tirar fotografias, criar animações ou acrescentar som às imagens. Adorar o papel como eu adoro não é um obstáculo
para apreciar a comodidade e os prazeres de estar ligada eletronicamente.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Catherine Zask
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Elaine Ramos
“O papel irá determinar a flexibilidade de um livro:
é uma escolha crítica.”
© Nino Andrès
Elaine Ramos, conhecida no Brasil mas também na cena do design
internacional pelo seu trabalho gráfico imaculado, licenciou-se pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
em 1999. Igualmente designer gráfica, tornou-se, em 2004, diretora
artística na Cosac Naify, a principal editora no Brasil dedicada às artes
visuais. Ali, ela não só é responsável pelo design de mais de uma
centena de livros, como também coordena todos os lançamentos de títulos sobre design, muitos
deles traduções para português de textos clássicos, tais como A History of Graphic Design
de Philip Meggs. Simultaneamente, ela desenvolve livros originais, incluindo uma história abrangente
do design gráfico brasileiro, Linha do tempo do design gráfico no Brasil. Para esta obra, reuniu
mais de 1.600 imagens, que evidenciam dois séculos de criatividade brasileira. É membro da
AGI (Alliance Graphique Internationale) desde 2012.
Nas livrarias no Rio, Salvador, Brasília ou São Paulo, os livros concebidos por Elaine Ramos e a sua equipa destacam-se.
Algo neles atrai o olhar, mas também o toque. Não é apenas a sua colorida excelência tipografia – isso não é assim tão
invulgar no Brasil, onde o design gráfico é exercido por profissionais muito talentosos –, é outra qualidade, muito mais
difícil de identificar. “A minha abordagem é sempre estrutural”, refere Ramos. Arquiteta com provas dadas, ela concebe
de dentro para fora em vez de fora para dentro. Por outras palavras, começa com o conteúdo. Com o toque do livro
à medida que o abrimos. Com a experiência da leitura à medida que folheamos as páginas. E com o papel no qual o texto
e as imagens são impressos.
Fundamentalmente modernista, Ramos é também herdeira de uma tradição portuguesa que remonta séculos.
No passado, em Portugal, mas também no Brasil, os livros impressos de forma económica eram vendidos em
barracas no exterior, presos por um fio, pendurados como roupa lavada num estendal. O equivalente à “literatura
barata”, estas humildes publicações pertenciam a um género literário acessível a todos, conhecido como literatura
de cordel. Ilustrados com belas xilogravuras, os populares folhetos eram muitas vezes escritos por poetas locais
que promoviam a sua produção cantando ou lendo em voz alta para grandes multidões em mercados ao ar livre. Ramos,
talvez inconscientemente, mantenha viva esta herança vibrante com livros acessíveis que incorporam uma dimensão
poética. As suas criações incluem frequentemente badanas divertidas, dobras inesperadas, inserts elegantes
e variações de papel criativas.
Design para um mundo complexo, de Rafael Cardoso, é um exemplo de como ela transforma papel numa funcionalidade
interativa. O livro está envolto num grosso cartaz dobrado que serve de sobrecapa externa. Quando o abrimos, revela
uma capa macia e acetinada de azul brilhante. Igualmente divertido é Zazie no Metrô, de Raymond Queneau. Impresso em
papel bíblia translúcido, à primeira vista parece uma pilha de páginas num maço. Está ilustrado com cartazes de períodos
franceses, impressos no verso das páginas, com imagens fantasmagóricas a conferirem uma misteriosa sensação visual.
Outro bonito exemplar é Conversas com Paul Rand, de Michael Kroeger, cuja capa é uma impressionante composição verde
e púrpura. No interior estão páginas coloridas, eriçadas como os espinhos de um porco-espinho.
Nunca ostentosos, produzidos com o mínimo de custos, os livros que Elaine Ramos concebe são peças de coleção
engenhosas, comuns mas preciosas. Os leitores brasileiros são de facto pessoas com sorte.
Véronique Vienne
VV: Diria que é uma verdadeira modernista, não apenas alguém que trabalha nesse “estilo”?
ER: Ser uma arquiteta certamente tem uma ligação forte com a forma como concebo. Ter um “estilo” nunca é uma preocupação
para mim. Tento encarar cada projeto como um novo desafio: o meu objetivo é sempre traduzir um conteúdo específico
para um objeto tridimensional que comunica com o seu público.
As suas conceções não têm nenhum “estilo”, mas têm muita personalidade!
Nenhum “estilo” não significa que as minhas conceções não tenham alma, ou que sejam neutras. Tento fazer com que
o meu trabalho seja suficientemente discreto para não eclipsar o conteúdo, mas suficientemente interessante para
fazer a diferença. Cada um dos meus livros pertence a uma edição específica, com uma personalidade específica,
e deve destacar-se como tal. Encontrar o equilíbrio não é fácil. Por um lado, sou influenciada pela ética modernista,
por outro não acredito na neutralidade.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Elaine Ramos
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Utiliza computadores para criar as imagens nos seus livros?
Faço todo o meu trabalho num computador. Penso através do computador, é a ferramenta com que estou mais
familiarizada. Sou terrível com as capacidades manuais, a minha abordagem é demasiado conceptual. Um contributo
importante para as minhas criações é discutir com a equipa de design, os editores e os autores. Tenho melhores ideias
quando falo do que quando desenho!
Concebe num ecrã, porém a tipografia dos seus livros não parece ser gerada por computador.
Pode explicar porquê?
Talvez porque, para mim, a tipografia nunca é um fim em si. A minha escolha da fonte, e o que faço com ela, é sempre
um meio para comunicar uma ideia, ou um conteúdo.
Passa-se o mesmo com o papel. Penso na textura do papel como uma peça de informação essencial para partilhar uma
mensagem, uma ideia, um conceito ou uma impressão com os leitores. O material impresso geralmente depende do
papel no qual se imprime. Quando se trata de livros, esta escolha é ainda mais complexa e absolutamente fundamental.
Além da qualidade táctil de cada página, a escolha do papel está fortemente ligada à gramagem, ao volume, e, mais
importante, à flexibilidade de um livro.
A flexibilidade?
A flexibilidade do papel é muito importante. Mas nunca é um fator isolado. Quando falamos de livros, muitos elementos
têm de ser orquestrados. A flexibilidade depende igualmente do formato, da encadernação, do número de páginas, etc.
A flexibilidade está ligada à gramagem do papel, e esta está ligada à sua transparência. A transparência, por sua vez,
está ligada ao layout e ao conteúdo do livro. Por exemplo, Zazie no Metrô está impresso em papel de bíblia, inclusive
a capa. Faz parte do conceito inicial, o design tira partido da flexibilidade do papel, bem como da sua transparência.
Eu queria que o livro fosse indescritível, para evocar a qualidade sonhadora da narração. A capa é tão fina como
o próprio livro.
Em que momento concebe a capa de um livro?
Normalmente, a capa é o último elemento que eu concebo num livro. Eu avanço de dentro para fora. A capa ideal é uma
síntese de tudo o que está no interior, que não conseguimos ver. É uma continuação lógica do design interno e, ao mesmo
tempo, deve chamar a atenção das pessoas que folheiam num contexto excessivamente estimulante de uma livraria.
Uma boa capa captura a essência do livro. Fica ali sem fazer nada, silenciosamente, pacientemente, mas a sua sedução
visual é o resultado de uma série de decisões de design muito cuidadosas e deliberadas.
Na introdução do seu livro, Steven Heller escreve “Eu não fazia ideia que o Brasil tinha um legado de design
tão antigo ou que fosse tão rico e conceptualmente astuto.” Na sua opinião, qual é a qualidade mais singular
do design gráfico brasileiro?
É sempre difícil responder a essa pergunta. Certo, as influências europeias e norte-americanas são visíveis à primeira
vista, mas é mais complicado do que isso. O design brasileiro tem uma identidade própria, sendo Alexander Wollner
o seu pioneiro mais aclamado. Ele estudou na Escola de Design de Ulm nos anos 50 antes de regressar ao Brasil,
onde promoveu a sobriedade e a simplicidade de linhas do estilo Concreto iniciado por Max Bill. Mais tarde, nos anos
60, o eixo moderno, geométrico, minimalista e funcional baseado na filosofia Bauhaus coexistiu com a arte popular
e com as influências pop do movimento “Tropicália”, tal como encarnado pelo grande designer gráfico brasileiro
Rogério Duarte.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Elaine Ramos
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Leonardo Sonnoli
“É mais fácil sentir que podemos possuir uma mensagem quando está
impressa em papel.”
Leonardo Sonnoli nasceu em Trieste em 1962. Parceiro do estúdio
Tassinari/Vetta, com escritórios em Trieste e Rimini, ocupa-se
principalmente da identidade visual de instituições públicas e
empresas privadas. Trabalhou, entre outros, para a Bienal de Veneza;
o Château de Versailles; o Centro Pompidou; o Palazzo Grassi, da
Fundação François Pinault; o Mart, em Rovereto; o estúdio Giulio
Iacchetti; a Superintendência para a Herança Arqueológica de Roma; o New York Times;
a SNCF (empresa dos caminhos de ferro franceses); a Artissima, a Feira Internacional de Arte
Contemporânea em Turim; e a empresa de mobiliário Zanotta. Ensinou na RISD – Rhode Island
School of Design (EUA) – e no IUAV, em Veneza; ensina atualmente no ISIA em Urbino e organiza
“workshops” e palestras regulares sobre a sua atividade em Itália e no estrangeiro. É membro
da AGI (Alliance Graphique Internationale) desde 2000. As suas conceções são mantidas em
numerosas coleções públicas internacionais e Sonnoli recebeu prémios prestigiados, incluindo o Prémio Rodchenko
2008, a medalha de prata na Trienal de Toyama (Japão), o primeiro prémio na Bienal de Hangzhou (China), o Prémio de
Mérito do Art Directors Club New York (EUA) e, em 2011, o Prémio Compasso d’Oro. Colabora com o jornal de negócios
diário Il Sole 24 Ore. Vive em Rimini com a sua família há vinte anos.
O conceito de “metadesign” foi provavelmente inventado para descrever o trabalho de Leonardo Sonnoli. As suas
soluções de design não são apenas conceptuais, são uma abstração de um conceito. De uma forma prática significa que
ele vai além do óbvio para expressar um ponto de vista no próprio trabalho. Por outras palavras, quando olhamos para
um cartaz ou uma publicação de Leonardo Sonnoli, sentimo-nos ligeiramente mais inteligentes do que um minuto antes.
É uma sensação fantástica!
Sonnoli transforma material impresso num suporte interativo que contém sempre um elemento surpresa: formas de letras
inesperadas, um tratamento gráfico invulgar ou um aterrador sentido de escala. A superfície do papel no qual o seu
trabalho é impresso torna-se um ambiente dinâmico para a mensagem. “Quando comunicamos no papel, damos aos
leitores algo em que pensar”, explica.
As suas conceções apresentam frequentemente formas tipográficas que, à primeira vista, poderão parecer difíceis
de decifrar, mas no fim de contas acabam por ser completamente legíveis. A forma como escreve o nome na sua página
web, por exemplo, com as consoantes por cima (Lnrd Snnl) e as vogais por baixo (eoao ooi) sugere o ritmo de uma
pronúncia italiana acentuada. Para ele, as palavras estão vivas: desde os seus rabiscos pixelizados excessivamente
grandes para uma série de cartazes que fez recentemente para o Palazzo Grassi, em Veneza, até à sua divertida
tipografia caleidoscópica para a Artissima, uma feira de arte contemporânea em Turim.
Sonnoli é um apreciador de tipografia preta, utilizando cores com moderação, e, apenas pastéis para os seus fundos. A
qualidade carregada das suas formas de letras é tão notável (ele imprime frequentemente a preto sobre preto) que
deve ser-lhe reconhecido o mérito de trazer de volta o grafite, uma forma de carbono parecida com o diamante,
para o design gráfico.
Véronique Vienne
VV: Utiliza papel como se fosse mármore branco: a sua tipografia parece quase “esculpida”, em vez de ser
meramente impressa. É influenciado pelas gravuras em pedra romanas?
LS: Sou italiano, evidentemente, e vivo em Rimini, a poucos passos do monumento com belas inscrições romanas. Mas há
mais nas minhas raízes do que apenas influências romanas. Em Rimini há uma biblioteca com uma enorme coleção de livros
impressos do século XVI, por isso pode dizer-se que a tipografia do Renascimento é também outra influência. Mas na realidade,
são os movimentos vanguardistas do século XX que tiveram mais impacto no meu trabalho. Tudo porque nasci em Trieste, uma
cidade no mar Adriático, perto da Eslovénia, numa região onde as culturas latina, eslava e germânica colidiram. A dada altura,
Trieste fez parte do Império Austro-Húngaro. Era então um centro artístico em pé de igualdade com Viena, Praga e Budapeste.
Como tal, prosperou um grande número de movimentos de arte gráfica vanguardista, da Secessão de Viena aos Futuristas.
Foi capaz de traduzir todas estas correntes tipográficas para um estilo pessoal muito coerente. Como o faz?
Nada do que eu faço é decorativo ou sem fundamento. Foco-me sempre na mensagem. Uma vez, pediram-me para
conceber um cartaz para um festival de cartazes internacionais na China, mas não havia nenhum tema central, nenhum
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Leonardo Sonnoli
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tópico principal. Por isso, decidi aproveitar esta ausência de ideias como a minha ideia e concebi um cartaz tipográfico
que realçava esta falta de conteúdo. Escrevi com furos a palavra “emptypeness” a toda a largura de uma folha de papel
branco, como um gesto crítico para ridicularizar a futilidade de tentar dizer algo quando não temos nada para dizer.
Comprimiu “empty” e “type” e acrescentou o sufixo “ness” para denotar uma condição que deplora:
design sem nenhuma mensagem real?
Sim, o cartaz estava nu, vazio, desprovido de significado, à exceção de um pequeno texto que explicava a minha intenção.
Em geral, há muito pouca cor no seu trabalho. É porque sente que as cores retiram a pureza da tipografia?
Imaginei que se algo funciona a preto e branco, normalmente significa que funciona. E uma vez que uso sobretudo
letras nas minhas conceções, isso não me incomoda: é como escrever com tinta em papel. No entanto, em Itália, o preto
é considerado uma cor “triste”, por isso, para defender esta escolha, tenho muitas discussões animadas com os meus
“patrocinadores” ou “comissários” (desculpe, não gosto da palavra “cliente” para descrever as pessoas que vêm ter
comigo pela minha experiência e serviços de design).
É um minimalista com as cores, mas, em contrapartida, experimenta com muitas técnicas de impressão
diferentes…
Desde que não sejam simplesmente decorativas, mas tenham uma função, eu irei considerar a utilização de todos os
tipos de revestimentos, vernizes, tintas metalizadas, recortes, etc. Eu procuro sempre a forma mais económica de realçar
alguns elementos chaves numa página sem criar distrações adicionais. Na verdade, pequenos acabamentos bem
escolhidos podem fazer com que a composição global pareça menos espalhafatosa.
E acerca do próprio papel? Tem algum favorito?
Prefiro papel que absorva luz a papel que a reflita. Por outras palavras, prefiro papéis não revestidos ou papéis revestidos
muito opacos. Mas, obviamente, a escolha depende da função do produto final. Alguns livros requerem um papel revestido
fotográfico, mas muitas vezes uso papel não revestido opaco; em seguida aplico um verniz acetinado apenas
nas fotografias. Isto impede o brilho ofuscante no resto da página: as superfícies brilhantes otimizam as fotografias,
mas diminuem o conforto de leitura do texto. Na verdade, quando há muito texto, eu especifico um papel natural,
algo não demasiado branco, para garantir que ler não é cansativo para a vista.
Por vezes concebe para o ecrã?
Tal como todas as pessoas hoje em dia, eu uso a tecnologia digital, mas para mim o computador é uma ferramenta de
visualização e não um fim em si. Muitas vezes, faço animações no computador para explorar todas as dimensões das
formas de letras que concebo. Elas tornam-se mais interessantes quando vistas de alguns ângulos invulgares. Mas quando
acabo de brincar, acabo por selecionar apenas um par de capturas de ecrã das imagens em movimento.
Acredito que quando tentamos comunicar um conteúdo real, o papel é melhor. Se estamos a ler uma mensagem, é mais
fácil sentir que possuímos uma mensagem em papel do que uma mensagem num ecrã, onde é propriedade pública.
Mas os cartazes são concebidos para serem vistos num espaço público!
Sim, não podemos generalizar. Nem todos os objetos feitos de papel são iguais. Existem conjuntos de regras específicas
que se aplicam a um tipo de produto de papel, mas seriam completamente inadequadas para outros.
Nos cartazes, por exemplo, a informação deve estar disposta como um “mapa” simples, com uma hierarquia visual
estrita que realça algumas partes da mensagem ao mesmo tempo que minimiza outras. Com os livros, a aplicação da
informação obedece a regras completamente diferentes: a hierarquia é gerida não num layout simples, mas também
numa sequência de páginas. Com os livros, lidamos com duas, três e até quatro dimensões, sendo o tempo que
demoramos a virar as páginas um elemento crítico.
Outra diferença importante entre cartazes e livros é a distância a partir da qual os vemos. Os cartazes devem ser vistos de muito
longe, por isso devem “gritar” para nós, enquanto os livros são objetos íntimos que são graficamente muito menos ruidosos.
De que tipo de livros gosta?
Alguns dos meus livros favoritos não são apenas visuais, são melódicos: produzem sons. Um exemplo é o famoso livro
Sounds de Keith Godard, feito com diferentes tipos de papéis, alguns finos, outros delicados e alguns muito densos. À
medida que viramos as páginas, o livro produz uma série de ruídos distintos e intrigantes. Mas nem sempre é possível
usar papel pelas suas qualidades auditivas! Os papéis mais finos são normalmente os mais ruidosos, mas são delicados
ou não absorvem a tinta uniformemente. Tenho de dar prioridade à legibilidade do texto e imagens, por isso raramente
especifico papéis translúcidos ou leves, apesar de serem irresistíveis ao toque... e ao ouvido.
A maioria das pessoas apenas conhecem a versão digital dos seus cartazes. Isso incomoda-o?
Na minha opinião, a versão digital e a versão analógica são ambas experiências válidas. O papel e o ecrã são dois
meios de comunicação diferentes. Não precisam de competir entre si. No entanto, para garantir que um cartaz tem a
mesma qualidade de aspeto que tem num monitor LCD, temos de fazer alguns testes de impressão. Há um motivo para
ainda fazermos provas no mesmo papel no qual iremos imprimir o projeto final. Melhor ainda é escolher o papel antes
de começarmos a conceber, e ajustar o brilho do ecrã ao papel e não ao contrário. Mas cuidado: para um resultado
excelente, a qualidade do papel é quase sempre tão importante como a qualidade do design.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Leonardo Sonnoli
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Eike König
“Escolher um papel é tão importante como escolher uma fonte
ou uma cor.”
© Cat Garcia
Eike König foi diretor artístico da empresa discográfica Logic antes
de abrir a sua agência de design em 1994 em Frankfurt, na Alemanha.
A agência chama-se EIKES GRAFISCHER HORT (“Jardim Infantil Gráfico
do Eike”), que concebeu antes de mais nada como um recreio
criativo. A HORT depressa se tornou conhecida na indústria musical,
concebendo capas de discos para diferentes empresas discográficas
independentes e líderes de mercado. Hoje é um estúdio sediado em Berlim especializado
no desenvolvimento de linguagens visuais para marcas grandes e pequenas. A Disney, Nike
e Microsoft figuram entre os muitos clientes aclamados. A Hort também interage com instituições
culturais, entre elas a Fundação Bauhaus Dessau, para a qual concebeu uma nova identidade.
Eike tem organizado numerosos “workshops” criativos a nível local e internacional e ensina Design
Gráfico e Ilustração duas vezes por semana na Universidade de Artes de Offenbach, na Alemanha.
Na Hort, no escritório de Berlim de Eike König, existem tantas bicicletas como computadores. Pelo menos uma dúzia
de bicicletas estão estacionadas ao longo das estantes ou apoiadas em mesas e secretárias. Nas traseiras, há uma oficina
grande; contudo, estranhamente para uma agência que lida com clientes de prestígio, não há uma sala de reuniões.
O estúdio é um local atarefado: por toda a parte existem pessoas a fazer coisas. Algumas constroem modelos ou
fazem colagens. Outras fazem esboços em papel, enquanto outras ainda desenham em tablets eletrónicos. “Esta
é uma instituição dedicada a transformar ideias em realidade”, refere König. Designers, estagiários, estudantes,
visitantes e clientes convivem num ambiente de camaradagem diligente. “Aqui somos todos jogadores da mesma
equipa”, acrescenta. “Partilhamos o mesmo ideal, apesar de cada um de nós ter uma forte personalidade.”
A filosofia de design de König baseia-se na experimentação. A sua própria abordagem é mais analógica do que digital:
a sua relação com o design é física. Ele pensa melhor quando está imerso na ação. “A minha forma de meditação favorita
é ir à gráfica e brincar com papel e tinta”, afirma. “Para mim, imprimir um cartaz à mão é o equivalente a fazer ioga.”
Cerca de dois terços das soluções de design da HORT envolvem papel de uma maneira ou outra: papel como
superfície, como suporte, como fonte de inspiração ou como metáfora visual.
Os principais clientes da HORT são marcas internacionais que procuram estratégias de comunicação inovadoras. Elas
confiam na abordagem pouco convencional de König à resolução de problemas e estão dispostas a correr riscos por
isso. Apenas uma coisa é certa: as respostas da HORT ao seu problema – cartazes, vídeos, livros, brochuras ou instalações
interativas – serão inesperadas, inteligentes e contemporâneas. “Eu digo aos meus designers: surpreendam-me!”, afirma
König. “É a minha motivação para ir trabalhar todas as manhãs. Mal posso esperar para ver que novas ideias vamos arranjar.”
Véronique Vienne
VV: O papel atualmente ainda é uma das fontes de soluções mais surpreendentes para o design?
EK: Enquanto trabalhar em frente a computadores fomenta o isolamento, trabalhar com papel convida à experimentação,
participação e socialização. Para começar, quando esboçamos as nossas ideias no papel, ou quando construímos um modelo
ou um protótipo usando papel ou cartão, as pessoas param sempre para ver o que estamos a fazer. Elas dão-nos conselhos,
fazem comentários, fazem perguntas, e antes de darmos por isso, há novas ideias a surgir do nada à direita e à esquerda.
O trabalho que envolve papel exige muitas experiências para conseguir o resultado pretendido; isso é uma boa coisa.
O papel não é fácil de controlar, mas é isso que o torna empolgante. Os acidentes podem ajudar. Temos de aceitá-los
como parte do processo criativo.
Agora, com a minha equipa da HORT, temos muitas discussões sobre o papel que vamos usar para um determinado
projeto. Falamos sobre o facto de que optar por um papel é o mesmo tipo de decisão que tomamos quando escolhemos
uma fonte ou uma cor. Escusado será dizer que as pessoas jovens têm uma ligação diferente com o papel do que eu
tenho. Enquanto para mim o papel é parte da ação, para elas é parte de uma decisão posterior. No entanto, incentivo
toda a gente no meu estúdio a estar ciente da importância do papel bem como podemos integrá-lo não só no nosso
processo de design, mas também nas nossas soluções de design.
Ainda assim, a dada altura do processo, os computadores tomam o controlo, confirma?
Os computadores são excelentes ferramentas, mas desenhar é algo mais do que se sentar, ajustar os auriculares e
mover o rato. A dada altura, temos de trazer o mundo material de volta para o processo. O que mais me incomoda nos
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Eike König
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computadores é o facto de não haver limite para o que podemos fazer com eles. Também não há um limite para
o nosso trabalho. Falta o “momento” físico. Com o trabalho em papel, posso afastar-me dele, virar-me e ver todo
o seu alcance.
As suas soluções de design têm uma qualidade tridimensional, mesmo quando são apenas impressas.
É premeditado?
Eu venho da cultura da colagem: tem tudo a ver com montar, ligar, colar e cortar diferentes texturas, a maioria
delas importadas de enquadramentos de referência para novos enquadramentos. E enquanto faço isso, ocorrem-me
muitas ideias novas. As pessoas no escritório fazem o mesmo: elas usam colagens para descobrir coisas novas,
seja por acidente ou através de uma investigação deliberada. Por vezes faço colagens digitais, mexendo com ficheiros
digitalizados de imagens recicladas.
Como aprendeu a integrar o papel no seu trabalho?
A primeira coisa que tive de aprender para poder tornar-me um designer foi coordenar o meu cérebro com a minha
mão, e a minha mão com o papel. Rapidamente, a única maneira em que eu conseguia pensar e visualizar os meus
pensamentos era com um pedaço de papel à minha frente. Tive sorte, o meu primeiro emprego foi como produtor numa
empresa discográfica, a conceber capas de discos – e as capas de discos são algo que seguramos na mão enquanto
ouvimos música.
Bem nunca tinha pensado nisso dessa forma. Está a dizer que o contacto táctil com o papel estava
associado ao prazer da audição?
Sim, estava. Nessa altura, eu era capaz de escolher o papel tanto para o interior como para o exterior das capas. Eu podia
fazer vernizes localizados. Eu podia escolher a técnica de impressão. Eu podia fazer recortes e gravações em relevo.
E durante esse tempo, eu sabia que o que estava a conceber iria parar à mão de alguém. Essa sensação tangível e artesanal
do toque era muito importante nessa altura, e ainda está muito presente no meu trabalho hoje em dia.
Mas o papel não é apenas textura. Para mim também tem a ver com temperatura: a frescura do papel, ou o seu calor,
seja ao toque ou à vista.
A gramagem também é crítica. Para a identidade visual dos Jazzanova, o grupo musical de “nu-jazz” de Berlim,
fizemos um logótipo de colagem 3D usando papel especial que vem com diferentes gramagens. O intervalo de cores
desse papel específico ajudou-nos a definir a linguagem gráfica dos Jazzanova. Imprimimos todo o seu material
relacionado nesse mesmo papel. É disso que eu gosto realmente. Papel! Este é o mundo onde eu trabalho.
Eu reparei, que parede no seu escritório, está um cartaz que diz “I LIKE IT. WHAT IS IT?” (EU GOSTO DISSO.
O QUE É?)* Está relacionado com a sua filosofia?
Sim, está. Faz parte da mentalidade de recreio da HORT. Por vezes faço “workshops” com crianças. Ao contrário
da maioria dos designers, que pensam demasiado, as crianças começam a trabalhar instantaneamente no minuto
em que se sentam. Elas são muito mais espontâneas e aparecem com surpresas genuínas. Eu e a minha equipa
falamos muito nisso. Às vezes gostaria que pudéssemos todos libertar-nos da nossa educação. Um grande número
de boas ideias surgiriam se conseguíssemos aceder à fonte criativa dentro de nós diretamente, como fazem as crianças.
A HORT tem a ver com trabalhar e brincar, com ênfase no brincar.
* impressão original de Anthony Burrill.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Eike König
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Milton Glaser
“No que se refere a papel, as pessoas associam autenticidade a textura.”
© Michael Somoroff
Milton Glaser é provavelmente o designer gráfico mais famoso nos
Estados Unidos, bem conhecido pelo seu logótipo “I ♥ NY” e pelo
seu cartaz de 1967 de Bob Dylan. O jovem Glaser estudou com o pintor
Giorgio Morandi em Bolonha. De volta aos Estados Unidos em 1954,
fundou o Push Pin Studio com Seymour Chwast. Em 1968, criou
a New York Magazine com Clay Felker. Em 1974, abriu a sua própria
agência, Milton Glaser, Inc., e desde então produziu espetaculares
projetos de design, ilustrações, publicações e cartazes. Tem sido distinguido com exposições
individuais no Museu de Arte Moderna e no Centro Georges Pompidou. É membro da AGI
(Alliance Graphique Internationale) desde 1975. Em 2009, foi o primeiro designer gráfico
a receber o Medalha nacional do prémio Arts. Atualmente, é considerado um dos oradores
mais eloquentes sobre a prática ética do design.
Milton Glaser é sempre a pessoa mais alta da sala. Mesmo quando se senta para falar connosco, parece um gigante.
Domina a situação com o seu tamanho, mas também com as suas ideias nobres. É provável que uma conversa
com ele sobre o seu trabalho se transforme num colóquio sobre a natureza da realidade ou o estado do mundo.
Ao ouvi-lo, ficamos com a sensação de que o design gráfico é um ramo da filosofia.
Apesar de 90% do seu trabalho acabar na “flatland” – impresso em papel –, as suas soluções de design são o
resultado de um processo de investigação que explora várias dimensões: os reinos históricos, sociais, políticos,
éticos e culturais. “Mas não há nada absoluto”, afirma. “Ser consciente de que não existe nenhuma resposta
definitiva para nada inspira-me a criar novas formas.”
Hoje em dia, as novas formas que Milton Glaser cria incluem o “rebranding” do Reino do Butão – sim, Butão, o país
nos Himalaias; cartazes para a temporada final da série de televisão Madmen; um livro intitulado The Design of Dissent:
Socially and Politically Driven Graphics; uma nova embalagem para a popular empresa Brooklyn Brewery; e uma campanha
controversa de “rebranding” do movimento climático.
Um filósofo disfarçado, Milton Glaser não é um eremita. Mesmo com 86 anos, o envolvimento político ainda
é uma das suas prioridades.
Véronique Vienne
VV: O material impresso é a sua vida e o seu trabalho, no entanto, ao telefone disse-me que tinha dúvidas
acerca da função do papel na era digital. Pode explicar?
MG: Sim, tenho interesses pessoais a defender no que se refere ao papel, ou, mais especificamente, no que se refere aos livros
tradicionais. Vivemos numa altura da história em que temos de parar de imprimir livros que ficam parados nas prateleiras sem
serem lidos. Na melhor das hipóteses, os livros são lidos uma vez e arrumados, para nunca mais serem vistos. Em cada casa que
eu conheço, incluindo a minha própria casa, há milhares de livros, filas deles, pilhas deles, simplesmente a ocupar espaço.
No entanto, as pessoas adoram os seus livros!
Não estou a dizer que temos de queimar livros! O que eu defendo é que paremos de produzir a maioria deles. Na era
em que vivemos, temos outros meios de partilhar o conhecimento entre nós. Podemos fazê-lo eletronicamente.
O que eu estou a dizer é que os livros devem ser reinventados.
Os livros de hoje devem ser obras de arte. Têm de propor experiências instantâneas, como quadros. Podemos olhar
para o mesmo quadro toda a nossa vida e nunca nos cansarmos dele: pode permanecer para sempre como uma fonte
de conhecimento e informação. De igual modo, os livros não devem precisar que os leiamos para podermos usufruir
deles. Imagine um livro que podemos deixar aberto em cima de uma mesa, um livro cuja função principal seria ser
contemplado, folheado, usado para brincar, e nunca deixaria de nos satisfazer.
Pode dar-me um exemplo?
Por uma estranha coincidência, fui contactado recentemente por Joshua Prager, um autor e jornalista eminente, que
me deu uma oportunidade de testar a minha teoria. Originalmente, ele queria que eu concebesse um livro de citações
inspiradoras, com uma citação para cada aniversário, desde um ano de idade até aos cem anos. Convenci-o a transformar
o livro em algo que se parece com um livro, mas é parte escultura, parte poesia, parte antologia e parte obra de arte.
Acredito firmemente que há mais nos livros do que uma simples leitura.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Milton Glaser
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O livro de citações que eu criei está na convergência da narrativa, forma e cores, com as páginas a escurecerem
progressivamente tanto horizontal como verticalmente, indo de tons pastéis leves a tonalidades profundas de azul
e verde à medida que o folheamos. Ainda não escolhi o papel. Só sei que deve ser mate e brilhante para realçar as subtis
variações de cor.
Vê o desaparecimento dos livros tradicionais como um resultado positivo da era digital?
Nós não sabemos as consequências de todas estas mudanças. Os dispositivos eletrónicos estão a redefinir a nossa
relação com os livros, mas também com os amigos, colegas e família. Poderemos ter de esperar muito tempo para
descobrir a influência que o mundo digital tem na nossa cultura. A única coisa que sabemos é que tem uma influência
positiva e negativa!
Entretanto, o design digital influenciou o seu trabalho?
É claro que sim. Um dos meus cartazes favoritos é uma imagem digital que criei recentemente para o Museu Nacional
do Hermitage, em São Petersburgo. Pude aplicar na superfície do papel uma sucessão de camadas visuais, cerca de dez
camadas diferentes. Eu não avancei de forma sistemática, contudo. Pelo contrário, o computador permitiu-me ser
brincalhão e excêntrico. Primeiro combinei duas imagens. Em seguida introduzi um padrão sobre o qual coloquei
uma grelha. Seguindo os meus caprichos, mudei a grelha antes de impor um padrão diferente. Depois disso, diminuí
a intensidade de algumas cores, ao mesmo tempo que intensifiquei outras. E assim sucessivamente.
O meu objetivo era transformar papel em algo que não fosse uma superfície plana. Eu queria quebrar os limites
do papel. Podia ter continuado indefinidamente. A verdadeira questão neste jogo digital é: como sabemos quando
terminámos? Quando paramos?
Quando parou?
Os limites do papel são os limites do trabalho. E depois existem as nossas necessidades, e as necessidades do nosso
público. Mas verdade seja dita, eu podia ter parado mais cedo, ou continuar por mais dez camadas.
Sente que é possível ir além dos limites 2D do material impresso?
Sejamos realistas: cada vez mais, a diferença entre digital e analógico é turva. Tenho cada vez mais dificuldade para
descobrir o que é o quê. Veja o meu trabalho, por exemplo. Além das ilustrações, dos cartazes e dos livros, eu concebi
embalagens, sistemas de sinalização, logótipos, fontes, revistas, interiores e até produtos; no entanto, ainda consigo
diferenciar o design bidimensional do tridimensional. Para mim, faz tudo parte da mesma ilusão. Basicamente,
não acredito que exista uma realidade absoluta lá fora. Aquilo a que chamamos realidade é uma representação
composta dentro do nosso cérebro.
Contudo, não concorda que as imagens impressas em papel parecem mais “reais” do que as imagens
vistas no ecrã?
As pessoas associam autenticidade – realidade – com textura. A perceção é que se podemos tocar-lhe, é real. É por
isso que coisas impressas em papel mais áspero, papel que tem uma textura tangível, transmitem a sensação de serem
mais “reais” do que coisas impressas em papel macio e acetinado ou coisas apresentadas num ecrã brilhante.
Ao mesmo tempo, a questão da autenticidade é complicada. A reprodução magnificamente impressa, assinada e autorizada
do meu célebre cartaz de Dylan é muito menos “autêntica” do que o cartaz incluído no álbum Bob Dylan’s Greatest Hits
em 1967. Francamente, o cartaz mais recente tem muito melhor aspeto e é muito mais brilhante do que o original, impresso
em papel barato. No entanto, é muito menos valioso porque não é “a coisa real”.
Mas para mim, as questões de textura e autenticidade têm mais a ver com a mão do que com o próprio papel.
O que quer dizer?
Para mim, a principal questão na era digital é a relação entre a mão e o processo de design. Cada vez menos designers
desenham à mão, e isso é uma perda terrível. Já não conceptualizam formas alternativas porque encontram imagens
prontas online. Do meu ponto de vista, estão meramente a “encontrar” soluções de design em vez de criá-las.
Contudo, Picasso costumava dizer “Eu não procuro, encontro.”
Picasso passava o tempo todo a desenhar! Desenhar não tem a ver com criar uma representação, mas com aumentar
a atenção. Quando desenhamos algo, ficamos atentos. É assim que o mundo começa a fazer sentido para nós. Desenhar
tem a ver com compreender. E uma vez que a mão é um cérebro modificado – não é apenas uma extensão do cérebro –,
desenhar com a mão é desenhar com uma parte do nosso cérebro.
Para mim, é o encontro mais extraordinário: uma superfície áspera – papel – que aceita o traçado de uma ferramenta
de escrita. Para um designer, é o compromisso fundamental.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Milton Glaser
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Park Kum-jun
“O meu trabalho no papel revela de forma gradual, o mistério
da descoberta.”
© Goo Han
O premiado designer sul-coreano Park Kum-jun fundou a 601BISANG,
a sua agência de design, em 1998. Ao longo dos anos, o seu trabalho
tem refletido um compromisso profundamente filosófico com os
valores existenciais associados à herança cultural coreana. Para os
seus clientes, concebe catálogos, cartazes de exposições, calendários,
capas de revistas e instalações conceptuais.
“Nós não concebemos apenas para clientes: tornamo-nos clientes de nós próprios para
concebermos o que quisermos”, afirma. Vários dos seus projetos mais aclamados são os que
criam para a própria agência. A agência ganhou inúmeros prémios, medalhas de ouro, primeiros
prémios e troféus de organizações de design internacionais, incluindo, em 2012, a prestigiada
distinção “Red Dot: Agency of the Year”.
Este reconhecimento honra os feitos de design continuamente elevados da 601BISANG, um
estúdio que é altamente respeitado na área do design asiático pela sua criatividade incansável. Park Kum-jun é membro
da AGI (Alliance Graphique Internationale) desde 2008.
Desde a Coreia do Sul, Park Kum-jun expediu um grande pacote com exemplos maravilhosos dos seus fantásticos
projetos. No interior, convenientemente embrulhados, estavam pacotes individuais fechados em elegantes caixas de
cartão. Abrir cada uma delas era um ritual. Algumas caixas, como se descobriu, estavam não só impressas no exterior,
como também no interior com bastante requinte. Em seguida vieram camadas de papel de proteção estaladiço.
A expectativa era deliciosa: quando segurámos na mão o conteúdo final – um livro, um catálogo, uma calendário, uma
brochura –, todos os nossos sentidos estavam alerta: não só os dedos, mas também as papilas gustativas.
Quem diria que folhear uma publicação pudesse ser uma experiência de fazer crescer água na boca?
“O papel é uma criação muito sensível e tem vida própria”, afirma Park Kum-jun. “Respira e revela os seus sentimentos
de uma forma única.” Ele acredita firmemente que o design é um processo que deve realçar a beleza inerente de um
objeto. Para ele, este objeto é com muita frequência o papel. A sua agência em Seul lida com projetos culturais para
museus, festivais ou eventos especiais. Ele conquistou tantos prémios de design que ficamos com a cabeça a andar
à roda. Tudo aquilo em que toca, temos a sensação que se transforma numa obra de arte.
O segredo de Kum-jun é o seu amor pelo “hanji”, o papel coreano tradicional feito a partir da casca interior das amoreiras.
Muito substancial, porém macio ao toque, diz-se que este papel artesanal dura mil anos. Uma das suas propriedades
é a forma irregular como absorve a tinta, criando resultados imprevisíveis e trazendo espontaneidade para conceções
que poderiam de outra forma parecer demasiado rígidas. “Imprevisível, mas preciso”, refere Kum-jun para descrever
a qualidade que tenta alcançar nos seus trabalhos. O objetivo é “chamar a atenção constantemente” com criações que
capturam uma dimensão espiritual.
Véronique Vienne
VV: Acha que há o perigo de nos tornamos uma “sociedade sem papel”?
PK-J: É verdade que os dispositivos móveis, tais como smartphones e tablets, estão cada vez mais a tomar o lugar
do papel. Esta tendência irá sem dúvida continuar a acentuar-se. No entanto, o papel tem propriedades que estimulam
a nossa intuição: o toque e o cheiro do papel, que mudam com o tempo, não podem ser fornecidos através de um ecrã.
Acho que a crise que o papel enfrenta atualmente pode ser transformada numa oportunidade para abrir novas
possibilidades e inventar novas funções para o papel.
Embora o papel possa ter atingido o seu limite como suporte de impressão, o seu valor continuará a crescer em diversas
áreas. Na verdade, a indústria do papel está continuamente em expansão. O papel está a tornar-se um material multiúso
no meio industrial. A própria natureza do papel, ao contrário do “papel digital”, contribui para o crescimento do seu
valor. O papel está a restabelecer a sua identidade como um suporte que não só satisfaz as nossas necessidades
emocionais, como também nos ajuda a explorar a nossa criatividade.
Em que momento do processo de design a escolha do papel é um ato criativo?
O papel transmite emoções para conteúdo e forma, por isso seleciono o papel na etapa de pré-planeamento. Por vezes,
um plano inteiro ou uma ideia começa e cresce a partir de um tipo de papel específico. Uma análise detalhada da seleção
do papel, do método de impressão e do método de processamento ajuda a fornecer a intenção planeada. No entanto,
é crucial ter em conta os objetivos de comunicação, o tom e a linguagem cultural do projeto.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Park Kum-jun
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Como seleciona o melhor papel para um projeto específico?
Foco-me em examinar que ambiente, ou conjunto de emoções que pretendo alcançar. Um “ambiente” ou conjunto de
“emoções”, num sentido estético, é o resultado de uma montagem estritamente estruturada de elementos, semelhante
a um organismo vivo. Um destes elementos é o papel. Na minha opinião, comunica emocionalmente sobretudo através
da sua textura, seja ela áspera ou macia ao toque.
Mas não podemos esquecer-nos das qualidades auditivas do papel! Uma vez criei três “flipbooks” que capitalizavam
os sons feitos pelo papel. Estes sons, em combinação com os símbolos, destinavam-se a estimular o sentido auditivo
dos espectadores e levá-los a imaginar mais sons. Estou sempre a tentar quebrar os limites da “sinestesia” a sua
capacidade para processar várias impressões ao mesmo tempo. A sinestesia é um fenómeno neurológico no qual um
caminho sensorial ou cognitivo pode desencadear caminhos cognitivos secundários, tais como a perceção das cores ou
o reconhecimento de padrões.
Que outras técnicas utiliza para comunicar emocionalmente?
A forma como trabalho exige paciência e perseverança de mim, mas também dos meus leitores. O papel é ideal para
trabalhos que envolvem texto intuitivo e formas emocionalmente atraentes e subtilmente sensuais, tais como ilustrações
e tipografia. Posso usar pistas visuais ambíguas para reforçar uma mensagem específica ou, pelo contrário, usar linguagem
simbólica para sugerir diferentes interpretações. Por exemplo, poderei deixar um borrão de tinta numa página como
que por engano e levar os espectadores a olharem mais atentamente para o produto impresso à procura de borrões
adicionais. Por vezes, de modo a acrescentar camadas de complexidade, perturbo deliberadamente a forma como as
pessoas lêem um livro, com base naquilo a que chamo a “estética da inconveniência”. Poderei criar recortes ocasionais
num cartaz ou num livro numa tentativa de convidar o exterior a entrar, e incorporar elementos surpreendentes na
composição.
Muito frequentemente, certifico-me de que as minhas conceções parecem diferentes em função da distância a que
olhamos para elas. Elas poderão formar uma única imagem à distância, mas revelar uma rede de detalhes sensoriais
e formas delicadas quando vistas em grande plano. Muitos dos meus trabalhos, ao longe, parecem ser um texto, mas
tornam-se tridimensionais à medida que nos aproximamos deles.
Outro exemplo da forma como comunico emocionalmente é exemplificada por uma publicação anual experimental,
o 601 Artbook Project. O meu objetivo era estimular o sentido de admiração dos leitores cada vez que virassem as páginas.
Tive o cuidado de não revelar todas as minhas intenções de uma vez. Escondi símbolos e metáforas em escalas diferentes,
juntamente com os habituais sinais visuais. O meu trabalho em papel nunca é compreendido à primeira. Crio publicações
e cartazes que revelam o seu mistério gradualmente, passo a passo, uma descoberta de cada vez.
Pode descrever um dos seus projetos favoritos?
Estou interessado atualmente em reinterpretar os valores asiáticos: a harmonia do “yin” e “yang”, os elementos naturais
como a água, o solo, o ar e camadas sedimentares que refletem o fluir do tempo. Por isso, um dos meus projetos favoritos
é o Digilog 601: Harmony thru Design, uma série de quatro cartazes que fiz recentemente.
O termo “digilog” foi cunhado criado numa combinação ente o digital e analógico. Pode parecer que digital e analógico
colidem, mas coexistem de uma forma complementar. Na minha forma de ver, o design “digilog” abraça o pensamento
racional do Ocidente e a espiritualidade do Oriente. Os meus quatro cartazes traduzem este conceito graficamente,
usando imagens altamente simbólicas e ambíguas, mas a impressão global é a de um ser vivo orgânico. Em geral,
o meu trabalho foca-se no conceito de interdependência no âmbito de um enquadramento mais vasto.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Park Kum-jun
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Flavia Cocchi
“Estou no céu quando representantes de papel vêm
mostrar-me as suas últimas novidades.”
Nascida na Suíça, Flavia Cocchi teve uma formação clássica como
designer gráfica na linha de Emil Ruder, Josef Müller-Brokmann e
Armin Hoffmann. A sua prática foca-se na tipografia, sendo a fonte
Akzidenz Grotesk uma favorita. O material impresso é o seu amor
e o papel a sua paixão. Antes de abrir o seu próprio estúdio em 1997,
trabalhou para Werner Jeker em Lausana, para a agência Anatome em Paris
e para Massimo Vignelli em Itália. Atualmente, o Atelier Cocchi em Lausana especializa-se em livros
e catálogos para clientes no campo da cultura. Desde 2000, Cocchi tem concebido para o Mudac
(Musée de design et d’arts appliqués contemporains), em Lausana, mais de uma dúzia de livros,
bem como inúmeros cartazes, catálogos, brochuras e artigos relacionados. É membro da
AGI (Alliance Graphique Internationale) desde 2012.
Na Suíça, o Atelier Cocchi é o estúdio de design de eleição se queremos um livro, um catálogo ou uma brochura que apele
aos nossos sentidos. Para Flavia Cocchi, virar páginas é uma experiência que envolve os olhos, a mente, os ouvidos e as
pontas dos dedos. As publicações que cria são o equivalente visual de pratos gourmet de fazer crescer água na boca.
Quando potenciais clientes entram no seu estúdio em Lausana, ela está atenta aos seus gostos e ao que não lhes
agrada. “Quando os clientes entram tento imaginar que tipo de papel será mais adequado para eles”, afirma. Fornece aos
clientes pequenas amostas para aprovarem. “Mostro-lhes exemplos do meu trabalho – livros, catálogos ou cartazes – e
observo como reagem. À medida que discutimos o seu projeto, tento obter uma imagem mental do que seria certo para
eles.” Para uma empresa de arquitetura, ela poderá imaginar um papel de aguarela de algodão. Para um museu, a sua
intuição poderá sugerir inserções de pergaminho translúcidas. Para um fotógrafo, ela poderá imaginar um papel não
revestido muito macio de cor creme.
No entanto, agradar aos clientes não é tão difícil como agradar a si própria. Para ficar satisfeita, Flavia Cocchi sente
que deve controlar cada passo do processo de impressão, desde a seleção do papel até ao último ponto da encadernação.
“E quando algo não está exatamente da forma como eu acho que deve estar, apetece-me chorar”, diz, “… e por vezes
choro mesmo, apesar de os clientes raramente serem tão exigentes como eu.”
Véronique Vienne
VV: Então começa sempre um projeto com a escolha do papel?
FC: Sim, começo. É o que desperta a minha criatividade. Tento sempre misturar papéis nos meus livros. Se usar papel
revestido numa secção com fotografias, irei escolher papel não revestido para os textos, para conferir a essa parte
um toque mais atraente e sensorial. Ou então imprimo o texto em papel quase transparente, como papel bíblia.
Um dos meus livros favoritos é um catálogo que fiz em 2008 para o Mudac, o Musée de design et d’arts appliqués
contemporains em Lausana. Foi para uma exposição que incluía sobrecapas decorativas de papel tangerina, do tipo
utilizado para envolver citrinos importados de alta qualidade de Itália ou Espanha. Usei um papel enrugado ultrafino
de cinquenta gramas, imitando a realidade. Conhece o tipo de papel que não conseguimos evitar de alisar com a mão e
proteger entre as páginas de um livro.
Os seus clientes suíços estão tão despertos para a qualidade como você?
Estão, e é por isso que regressei a Lausana depois de trabalhar em França durante algum tempo. Os padrões de fabrico
aquí são muito mais altos. É possível notar uma perda de qualidade à escala global, mas isso verifica-se em menor
grau na Suíça. Se nos preocuparmos o suficiente, podemos obter exatamente o que queremos aqui, enquanto noutro
lado isso já não é possível. E eu sou exigente: o toque do acabamento é tudo para mim. É por isso que não concebo
interfaces digitais, tais como páginas Web. Não há materialidade nisso, não há interação táctil. Recuso envolver-me
num projeto a menos que possa gerir tudo, até ao último pormenor.
Este amor pela precisão é muito suíço, não é?
Sou muito suíça, de facto: sou precisa, mas também minimalista. Acredito que o espaço vazio é mais atraente
à vista do que espaço cheio de coisas. O espaço branco não está vazio. O branco para mim é uma cor, em particular
quando está serigrafado. Trabalho frequentemente com um gráfico que adora experimentar técnicas de serigrafia,
e incentiva-me a fazê-lo. Por exemplo, poderei serigrafar uma grelha branca em cima de papel branco, ou imprimir
em ambos os lados de um papel semitranslúcido.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Flavia Cocchi
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Qual é a parte mais divertida do processo para si?
É quando representantes de papel vêm mostrar-me as suas novidades mais recentes. Estou no céu. Todas as amostras
deixam-me excitada com novas possibilidades. Mal posso esperar pela oportunidade certa para usar este ou aquele
tipo de papel; e quando surge, contacto imediatamente o representante, peço mais informações e exemplos para
mostrar ao cliente.
As gráficas são úteis como fornecedores de papel?
Falar com as gráficas é igualmente importante. Eles sabem como conseguir os melhores resultados, mas, no que me
diz respeito, não são a principal autoridade quando se trata de especificar o papel. Uma vez, para economizar papel
– e para poupar dinheiro –, a gráfica cortou algumas das páginas de um dos meus livros em contrafibra – contra o
sentido das fibras do papel. Eu mal conseguia manter o livro aberto. Estava empenado, e foi uma visão muito bizarra.
O papel não conseguia rolar na direção em que viramos as páginas.
Todos os livros belos são necessariamente caros?
Oh, não! Eu consulto os representantes de papel e as gráficas para tentar manter o baixo custo dos livros. No entanto,
por muito complexos que os livros ou catálogos possam ser, devem ter sempre um preço moderado. Têm de ser
acessíveis. Caso contrário, ninguém os compra. E qual é a utilidade de um belo livro que fica parado numa prateleira?
De onde vem o seu fascínio pelo papel?
Uma grande influência na minha vida foi o meu pai, um arquiteto, que adorava desenhar. Ele desenhava para mim todas
as noites, antes de me aconchegar na cama. Contava-me histórias e, à medida que falava, desenhava imagens de pessoas,
monstros, castelos e arquiteturas fabulosas. Eu guardei os pedaços de papel com os seus esboços, rabiscos e riscos
de lápis. Com o passar dos anos, ficaram dobrados, comprimidos, rasgados e amarrotados, mas continuam preciosos
mesmo assim.
Como prevê que será o futuro do papel na era digital?
Acho que os belos livros de ilustrações estão aqui para ficar, preocupa-me mais o futuro da imprensa. Os jornais,
folhetos, diários, revistas, livros de banda desenhada e a literatura barata? Adoro papel fino, mas também adoro coisas
impressas em papel que ficam amarelas com o tempo. Tal como os desenhos amarrotados do meu pai, estes exemplos
muito humildes falam em nome da nossa humanidade.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Flavia Cocchi
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Kati Korpijaakko
“Um papel superior, com maior gramagem e mais acetinado
foi a recompensa suprema.”
A designer editorial finlandesa Kati Korpijaakko é muito admirada por
diretores artísticos de revistas no mundo inteiro pela sua forte
sensibilidade para o design, na tradição modernista escandinava. Na
Finlândia, trabalhou para a revista VIKKO antes de vir para os Estados
Unidos no início dos anos 70. Após uma década na direção artística
de revistas mais pequenas como a Art News e a New Jersey Monthly,
conseguiu um emprego na aclamada revista feminista mensal Ms. Magazine, onde demonstrou
o seu instinto tipográfico e atraiu a atenção de headhunters da Condé Nast Publications. De 1983
a 1988, esteve na Mademoiselle; de 1988 a 1998, na Glamour; e de 1998 a 2004, na Self: três
revistas de moda e estilo de vida com uma tiragem de mais de um milhão de exemplares.
Agora divide o seu tempo entre a Finlândia e os EUA, e está a construir uma carreira como artista
contemporânea utilizando suportes mistos, incluindo fibra, pasta de papel, cera e cerâmica.
Kati Korpijaakko lembra-se dos dias em que ser diretor artístico de uma revista significava manusear papel papel o
dia inteiro. Nessa altura, os designers editoriais utilizavam o seu sentido do tato em cada etapa do processo: avaliar
a qualidade de uma impressão fotográfica, gerir volumosas provas de granel de composição, fazer esboços rápidos,
conceber layouts de páginas, ajustar imagens, colar cabeçalhos ou verificar as provas da gráfica. “As nossas mãos nunca
estavam paradas”, recorda. “E o papel estava por toda a parte, em cada superfície, em cada secretária e em cada gaveta.”
Nascida na Finlândia – o país que é um dos maiores produtores de papel da Europa –, cresceu entre as serrações.
De onde vem, as pessoas estão familiarizadas com todos os produtos derivados da indústria da madeira e pasta de
papel. Elas conhecem o papel da mesma forma que os Franceses conhecem vinhos. Korpijaakko não é exceção. Quando
era responsável pelo design da Mademoiselle e Glamour em Nova Iorque, pedia incessantemente ao departamento
de produção para comprar o melhor papel da Finlândia. “O prestígio de uma revista de moda está intimamente
associado ao brilho do papel no qual é impressa”, refere. “Quanto mais brilhante, melhor.” À medida que as vendas das
suas revistas aumentaram, o mesmo aconteceu com a qualidade do seu papel. Para Korpijaakko, um papel superior, com
mais gramagem e mais acetinado foi a recompensa suprema pelo alto desempenho das suas revistas nas bancas.
Hoje em dia, de volta à Finlândia durante os meses de verão, longe do ostentoso cenário das revistas de Nova
Iorque, ela trabalha como artista, sendo o papel ainda o seu suporte favorito, mas agora a natureza é a sua principal
fonte de inspiração. Ali, no seu tranquilo estúdio numa colina, numa zona remota do país perto da fronteira com a
Rússia, cria colagens tridimensionais, misturando texturas e técnicas. Concebe instalações de iluminação, jarras e
esculturas em pasta de papel. “O que faço hoje é mais pessoal do que fiz enquanto diretora artística. No entanto,
agora que penso nisso, os layouts que fiz na altura também eram muito pessoais.”
Véronique Vienne
VV: Esteve ativa como diretora artística de revista “antes” dos computadores, mas também “depois”.
Como negociou a transição para a era digital?
KK: Basicamente, “antes” fazíamos colagens de papel. Éramos incentivados para utilizar esta técnica pelo lendário
diretor editorial Alexander Liberman, um pintor e escultor russo que supervisionava o design de todas as revistas para
as Condé Nast Publications. Alguns diretores artísticos não gostavam de fazer colagens, mas eu gostava. Demorei algum
tempo a apanhar-lhe o jeito, mas acabei por me tornar boa nisso. Lembro-me de rasgar pedaços de papel colorido,
cortá-los, dispô-los em camadas e colá-los juntos para criar “patchworks” visuais. O resultado era distinto, um olhar
único para a Condé Nast, diferente de todas as outras revistas americanas da altura, porém um sucesso comercial.
Entre 1988 e 1998, quando eu era diretora artística da Glamour, a sua tiragem era de três milhões de exemplares –
mais um milhão do que a Vogue –, um número impressionante, mesmo segundo os padrões americanos.
Liberman reformou-se em meados dos anos noventa, sensivelmente por volta da altura em que os computadores foram
introduzidos nos departamentos artísticos. As coisas nunca mais foram as mesmas depois disso. A criatividade excêntrica
tinha desaparecido. Acabaram-se as colagens desordenadas. Depressa os contabilistas tomaram o controlo. Os
orçamentos ficaram mais apertados. Eu era então diretora artística da revista Self, outro título da Condé Nast.
Alguma vez concebeu revistas num escritório “sem papel”?
Com o aparecimento dos computadores, o papel não desapareceu completamente. Mas o que desapareceu foi a atividade
alegre e a camaradagem da era pré-digital. Durante os primeiros vinte e cinco anos da minha carreira como diretora
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Kati Korpijaakko
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artística de revistas, quando ainda concebíamos revistas à mão, eu raramente me sentava. Todos trabalhávamos numa
sala artística comum, de pé, em frente às secretárias altas e oblíquas como mesas de arquitetos. A andar de um lado
para o outro. Iamos buscar coisas. A andar para trás e para a frente. A contar histórias. Seria de pensar que era
fisicamente esgotante, mas não era. Caramba, era divertido! Trabalhávamos no duro, mas ao mesmo tempo
sentíamo-nos como meninos mimados, empregados de uma das mais prestigiadas empresas de revistas do planeta.
A qualidade das revistas sofreu quando os computadores foram introduzidos?
O que sofreu mais foi a nossa saúde! O departamento artístico tornou-se um local sedentário. Perdemos todo o exercício
e o convívio. E ganhamos peso extra devido a estarmos o dia todo sentados.
Que outras mudanças notou?
O que mais mudou as revistas não foi a tecnologia sem papel. É certo que alguns designers e diretores artísticos ficaram
doidos com software como o Photoshop ou Ilustrator, mas na Condé Nast, a diferença no design não foi percetível
de início. Apenas o que mudou as revistas foi a Internet, os tablets para ser mais específica. Os novos hábitos
de leitura têm sido o maior fator de influência na reformulação das revistas.
Eu sou um bom exemplo: adoro papel e prefiro as versões impressas das revistas, mas leio revistas online.
Quanto às revistas de moda, apenas as leio no cabeleireiro, quando vou cortar o cabelo. Pego sempre em revistas
de papel quando as encontro, mas, por alguma razão, não as compro.
Os meus filhos também lêem revistas online, mas eles lêem igualmente revistas de papel artesanal e revistas que
são uma combinação de arte e design. Estas publicações utilizam a fotografia e o design gráfico de forma criativa.
Eu olho para estas revistas experimentais para arranjar alguma inspiração.
Como prevê que será o futuro dos materiais impressos?
O papel veio para ficar, apenas será entendido de forma diferente. Em vez de ser uma superfície onde imprimir texto
e imagens, será “reformulado” como suporte criativo, como um material excitante para artistas e designers. Já está
a acontecer. Algumas livrarias em Nova Iorque, mas também em Paris, Barcelona ou Oslo, estão a fazer um negócio
dinâmico a vender livros, revistas alternativas, cartazes de edições limitadas, jornais “underground” e revistas de artistas.
Alguns dos meus locais favoritos em Manhattan são a Printed Matter, uma livraria na baixa, e o Drawing Center, um pequeno
museu na Wooster Street, no bairro Soho. Ficamos doidos só de olhar para tudo. Como seria de esperar, há muitos livros
de poesia impressos em coisas que parecem papel artesanal. Mas também encontramos elegantes catálogos de museus,
magníficos livros de fotografias e revistas literárias, todos publicados em papel extraordinário: algum papel reciclado
não revestido, mas também um material maravilhoso e irresistível diferente de tudo o que vi antes.
Depois existem todas as galerias na baixa que mostram o trabalho de artistas contemporâneos que retalham, rasgam,
dobram ou moldam papel em esculturas extraordinárias. Para mim, que tenho lidado toda a minha vida com um elegante
papel acetinado, esta nova evolução é verdadeiramente inspiradora. Vejo uma vida interminável para o papel. Já nada
consegue pará-lo.
Para si o que significa atualmente o papel?
Eu uso papel no meu próprio trabalho. Tive aulas de fabrico de papel. O papel para mim já não é uma mera superfície:
é um material de construção estrutural, como mármore, argila ou vidro. Faço formas a partir dele. Pinto-o com finas
camadas de cera. Coloro-o com grafite em pó. Tenho-o pendurado em tapeçarias de parede trémulas que fazem
ruídos na brisa. E por vezes faço compostagem de papel de jornal e transformo-o em matéria vegetal para as plantas
no meu jardim na Finlândia!
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Kati Korpijaakko
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Daniel Eatock
“O papel tem seis faces: uma frente, um verso e quatro laterais.”
Na página web de Daniel Eatock há mais de vinte versões diferentes
da sua biografia. São inteligentes, espirituosas, intrigantes, e cada uma
apresenta uma faceta diferente do seu trabalho. Em vez de tentar
plagiá-las numa tentativa de dar aos leitores a história completa, decidi
reproduzir aqui a mais breve, escrita por Tim Milne para a página
web Container: Daniel Eatock é célebre pela sua exploração
da ironía espirituosa e conceptual que existe nos objetos
e nas situações do dia a dia. Imagina sistemas, modelos e oportunidades de colaboração,
convidando os colaboradores a moldarem o desfecho e a participarem na criação do seu
trabalho. Aceita as contradições e os dilemas, procurando ajustes, paradoxos, circunstâncias
oportunas, círculos, impossibilidades e contrassensos. Gosta de criar a sensação de cair
de costas. Daniel recebeu formação no Royal College of Art como designer gráfico, mas agora
é um artista estabelecido que expõe no mundo inteiro e conta com fiéis seguidores.
Daniel Eatock começou a divertir-se com papel quando tinha 10 anos de idade. O seu pai era designer e dava-lhe uma
quantidade de papel e deixava-o brincar com os seus marcadores fluorescentes. O rapazinho gostava de desenhar,
mas do que ele gostava mesmo era de ver como a tinta colorida atravessava as camadas de papel e deixava manchas
por toda a parte. Ele sentia-se particularmente cativado pelos desenhos que apareciam na segunda, terceira e até
quarta folha de papel. Quanto mais afastado das camadas superiores, mais abstratos eram os desenhos. Quando mais
lentamente desenhava, mais interessantes eram os resultados.
Atualmente, Eatock é mais conhecido pelas suas “pen prints”, belas composições de pontos ou manchas coloridas
feitas com marcadores assentes sobre a respetiva base e com os bicos virados para cima. Sobre a cama de pontas
de feltro são assentes cuidadosamente em folhas individuais de papel. A pasta de papel absorve as cores, puxando-as
como que por atração capilar. Igualmente famosos são os “Hand Drawn Circles” de Eatock, que cria utilizando exercícios
meditativos que desafiam a própria ideia de perfeição. Alguns dos seus círculos estão melhor desenhados do que
outros, mas todos eles expressam o seu fascínio por gestos conceptuais “excêntricos”.
Uma visita a eatock.com documenta estas experiências e muitas mais, desde como utilizar o iPhone para tirar
uma fotografia da palma da mão até conceções alternativas para o verso de postais, ou instruções sobre a melhor
forma de pulverizar uma lata de aerossol com o seu próprio conteúdo. Eatock demonstra uma curiosidade inesgotável
por todos os aspetos do design, conseguindo sempre fintar as expectativas convencionais com qualquer partida
visual descontraída.
Véronique Vienne
VV: Que lugar ocupa o papel na sua prática de design gráfico?
DE: Recebi formação como designer gráfico, mas não me considero um designer gráfico. O motivo disto é que, para
mim, a palavra “gráfico” sugere uma imagem, e eu não me preocupo assim tanto com as imagens. Preocupo-me muito
mais com os conceitos.
No entanto, os seus conceitos são traduzidos em formas, formas essas que são muitas vezes feitas de papel.
Para a maioria dos designers gráficos, o papel é uma superfície na qual palavras e imagens podem ser impressas. Mas
para mim, o papel nunca foi um suporte para gráficos. Mesmo em estudante, eu considerava o papel um objeto, com
seis faces: uma frente, um verso e quatro laterais.
Atualmente, uso o papel como material, e quanto mais grosso é o papel, mais óbvia é a sua materialidade. Até empilho
folhas de papel para criar pilhas dele. Esse é o princípio que uso quando faço as minhas conceções com marcadores.
Observo a forma como a tinta dos marcadores fluorescentes penetra nas várias folhas de papel, nas várias camadas.
Não considero a camada superior como a original, pelo contrário. Sinto-me igualmente fascinado com o que acontece
à medida que a tinta penetra através das quatro ou cinco camadas seguintes.
Como descreve a “materialidade” do papel?
O que eu gosto no papel é o facto de ser tão humilde. É uma qualidade que tenho apreciado toda a minha vida. O
papel é omnipresente, disponível, acessível e genérico. Estou fascinado por ser tão “quotidiano”. Um pedaço de papel
em branco tem um potencial infinito; podemos fazer tantas coisas com ele: podemos escrever nele, desenhar nele,
dobrá-lo, cortá-lo, etc.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Daniel Eatock
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Além disso, o papel é flexível. Não fico frustrado com o papel da mesma forma que fico com os computadores.
O ecrã, a interface… são limitados, e nem sempre compreendo como trabalhar com eles. Com as ferramentas digitais,
encontrei rapidamente as minhas próprias limitações, ao passo que com o papel posso experimentar à minha vontade.
Está a dizer que a humildade do papel, as suas qualidades não pretensiosas, a sua presença muda,
são estas as qualidades que o tornam precioso para si?
O que estou a tentar dizer é que o que fazemos com o papel transporta-o para um nível superior. Podemos transformar
o papel mais vulgar em algo sublime realçando uma das suas dimensões conceptuais.
As coisas que eu faço são sempre objetos conceptuais. Por acaso, faço muitos objetos conceptuais com papel.
Nesse sentido – e só nesse sentido –, o papel é uma extensão da minha prática.
Que outros objetos conceptuais faz com papel?
Faço algo chamado “círculos de um minuto”. Desenho círculos à mão, com a minha caneta a mover-se à mesma velocidade
do que os segundos à volta do relógio, sem deixar a página. Também faço “círculos de 60 minutos”. É muito mais
meditativo. Nos “círculos de uma hora”, a minha mão não deve mover-se na superfície do papel mais rapidamente
do que os minutos à volta do relógio.
Quando faço “workshops” ou exposições em museus ou galerias, incentivo os participantes a desenharem círculos
maiores sem controlo. Acabei por descobrir como encaixar 60 pessoas à volta de uma única folha de papel para
desenhar “círculos de uma hora” num minuto, ou “círculos de um minuto” num segundo. Em ambos, os círculos são
desenhados simultaneamente em 60 secções.
Também cria muitos projetos de “cartões”: postais, cartões de cumprimentos, cartões de visita.
Como é que estes cartões aparecem no seu trabalho?
Eu adoro livros, mas imprimir livros é caro, ao passo que podemos fazer uma edição de 100 cartões quase de graça.
No passado, eu imprimia estes cartões nas margens dos projetos de outras pessoas, nas partes do papel que normalmente
são deitadas fora. Eu falava com o impressor e ele deixava-me encaixar os meus cartões nas margens. Mas estas
margens são normalmente pequenas, daí o formato dos meus cartões serem pequenos!
As pessoas colecionam os seus cartões da mesma forma que colecionam cartazes?
Eu não quero incentivar as pessoas a colecionarem o que faço. Recuso-me a fazer coisas que contribuem para a confusão.
Apesar de o papel ser muito omnipresente e disponível, devemos estar sensibilizados para a forma como o usamos.
Não devemos imprimir coisas que sejam desnecessárias.
Está a dizer que com os cartões se desperdiça mais do que com os cartazes?
Para mim, o que importa é a dimensão conceptual de um projeto. Como regra, gosto de criar objetos que apenas
podem existir no formato em que se encontram. A esse respeito, alguns dos meus cartões são uma espécie de dilema,
porque cada vez mais pessoas enviam convites por e-mail. Se um cartão de cumprimentos ou um convite puderem
ser substituídos por um ficheiro digital, eu não quero imprimi-los.
Por outro lado, ainda faço postais porque têm uma frente e um verso (e quatro laterais), e a experiência de olhar para
eles frente e verso não pode ser replicada digitalmente.
Então não coleciona o trabalho de outras pessoas…
Eu não sou um colecionador. Quando as pessoas me enviam cartões, não fico com eles: não gosto de ter demasiadas
coisas à minha volta. De igual modo, não envio os meus cartões a pessoas que vão colecioná-los. Como eu disse, prefiro
conceitos a imagens. Assim que obtemos um conceito, não temos de nos agarrar a ele. É a beleza da coisa.
Reparei que também gosta de transformar livros em conceitos.
Sim, interessam-me os aspetos dos livros que outras pessoas tendem a ignorar: a gramagem do papel, por exemplo. Tenho
uma pequena estante com livros pesados alinhados numa prateleira fina de tal forma que fazem a prateleira arquear,
mas na parte superior os livros estão perfeitamente alinhados.
Noutra experiência, fotocopiei cada página do Concise Oxford English Dictionary para produzir uma pilha de mais de mil
e quinhentas páginas. As cópias são mais valiosas do que o original devido ao tempo e ao custo investido na sua elaboração.
A altura da pilha de cópias (cerca de três vezes a do livro) torna a quantidade de informação mais tangível e mais pesada,
física e conceptualmente.
Uma vez, com os vinte volumes do Oxford Dictionary, criei um grande círculo de livros com as suas encadernações
ligeiramente abertas e as capas a tocarem nas capas de livros adjacentes. De certa forma, era um círculo perfeito,
formado por cada palavra e cada definição individual da língua inglesa.
Há alguns anos, concebi um livro de fotografias no qual o horizonte das imagens desaparece num destacável central,
obrigando os leitores a partir a encadernação para obterem a vista completa, gerando assim uma mudança morfológica
na forma do livro como um todo.
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Daniel Eatock
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E acerca da forma como reutiliza as etiquetas adesivas, e os autocolantes que destacamos e reaplicamos
em diferentes superfícies?
Estou a ver onde quer chegar! Está a ligar estes projetos porque todos são feitos de papel, mas na verdade não têm nada
a ver uns com os outros, ou pelo menos o papel não é a ligação entre eles. Eu trabalho com livros, por exemplo, mas não
é porque são feitos de papel. Não é por isso que me interessam. O que me interessa é a sua “realidade”.
Eu sou conhecido por usar livros como moeda, por exemplo. Gosto de trocá-los como uma alternativa ao dinheiro. Foi desta
forma que consegui muitos dos meus livros favoritos. Nunca peço livros caros, repare, mas peço um livro específico que
gostaria de ler.
Sou bombardeado com pedidos de entrevistas. Normalmente passo mais tempo a responder do que propriamente as
pessoas a enviarem-me emails. Por isso, ao pedir-lhes para me darem um livro em troca, separo as pessoas que
não têm motivações sinceras. Ao mesmo tempo, é muito mais agradável ter livros dados do que livros comprados.
E quando abro um destes livros, recordo o que fiz para obtê-lo. Confere a esse livro uma história de fundo.
O que posso dar-lhe em troca desta entrevista?
Gostaria de pedir-lhe o livro conceptual mais belo alguma vez feito; além do mais, usa o papel de forma perfeita.
É o Every Building on the Sunset Strip, de Edward Rusha (1966).
O PAPEL CRIATIVO NA ERA DIGITAL – Daniel Eatock
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