Autorregulação funciona bem´, Luís Mergulhão
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Autorregulação funciona bem´, Luís Mergulhão
Luís Mergulhão, Parcerias entre media e carriers são inevitáveis - 30 Briefing 2016 - © Ramon de Melo CEO do Omnicom Media Group Portugal ENTREVISTA www.briefing.pt LUÍS MERGULHÃO, NA SEDE DA OMG PORTUGAL O caminho dos operadores passa por entrarem na área dos conteúdos, defende o CEO do Omnicom Media Group Portugal, Luís Mergulhão, considerando inevitáveis as parcerias com grupos de media. O mercado – sustenta – já não tem margem para crescer. Quanto ao planeamento de meios, passa, cada vez mais, por conhecer e aplicar a pegada de informação que os consumidores deixam. Mais do que o big data, hoje o que conta é o people data. Briefing | Como é que olha para a atual turbulência dos meios, sobretudo da imprensa, e para o impacto que terá no mercado publicitário? Luís Mergulhão | É preciso combater um equívoco, que é pensar-se que o mercado publicitário pode crescer significativamente. O mercado publicitário tem hoje uma dimensão adequada à realidade económica do País, mas também em relação ao perfil de consumo que existe hoje. Olhando de uma maneira prática para a questão verificamos que a expectativa do agregado de famílias é muito menos negativa do que há três ou quatro anos, estamos com uma expectativa de confiança na economia de -20. Pode parecer um valor muito negativo, mas já tivemos -50 nos três grandes anos de crise, numa altura em que a zona euro tinha uma expectativa de -20. Segundo, vemos que o rendimento disponível das famílias aumentou e, além disso, vemos que os portugueses não estão a aforrar mais – aliás, temos um valor mínimo histórico, à volta de cinco por cento. Quer dizer que estão a consumir. Mas estão a consumir onde? Não no consumo corrente, mas principalmente em bens duradouros. Ora, sabemos que o mercado publicitário é principalmente movido pelos bens de consumo corrente, quer alimentares, quer não alimentares. Nos alimentares, o crescimento está à volta de um por cento e nos não alimentares anda à volta de 2,5%. Já ao nível dos bens de consumo duradouros, estamos com níveis de 16%. A primeira grande ideia é, pois, esta, a de que o mercado publicitário corresponde à realidade da economia e à alteração do comportamento do consumidor. A segunda grande ideia é que os grupos de media conseguiram fazer uma coisa extraordinária em Portugal e fizeram-no desde os finais dos anos 90: num período em que a economia não crescia conseguiram fazer uma reconversão do ponto de vista de criar sinergias e criar plataformas tecnológicas baseadas em elementos digitais. Hoje não têm muita capacidade para crescerem porque a procura não aumenta – ao nível da televisão free-to-air temos “O mercado publicitário tem hoje uma dimensão adequada à realidade económica do País, mas também em relação ao perfil de consumo que existe hoje” - 31 Briefing 2016 - dos níveis mais elevados de audiência da Europa, na televisão por subscrição também remos dos níveis mais elevados de cobertura, próximos dos 92% dos lares possíveis; temos uma qualidade na largura de banda de internet também muito elevada, o que permite que a oferta quadruple play dos carriers seja muito alargada do ponto de vista territorial e com grande qualidade. Isto faz com que, provavelmente, o caminho seja no sentido de criação de parcerias com as plataformas de distribuição de sinal. É algo que poderá ser claramente benéfico, porque essas plataformas têm o valor de disporem de redes com níveis de cobertura muito elevados. E o caminho dos operadores passará por entrarem na área dos conteúdos. Aliás, mais facilmente haverá parcerias entre produtores de conteúdos e distribuidores do que entre os próprios media, porque o mercado não tem hipótese de crescer. Briefing | Essas parcerias entre os media e os carriers são inevitáveis? Porquê? LM | Porque para os distribuidores a capacidade ENTREVISTA “O caminho dos operadores passará por entrarem na área dos conteúdos. Aliás, mais facilmente haverá parcerias entre produtores de conteúdos e distribuidores do que entre os próprios media, porque o mercado não tem hipótese de crescer” de crescimento não acontece tanto pelo aumento do número de subscritores, mas sim pela concorrência entre si. E esta é normalmente gerada por mecânicas de preço – mas são complexas, porque diminuem as margens – ou por uma diferenciação ao nível da oferta. E o caminho a médio prazo será no sentido da diferenciação pela oferta. E aqui é que poderá haver uma lógica de parcerias muito interessantes com os grupos de media. Já temos exemplos relevantes: O CMTV que era exclusivo do MEO, o Benfica TV que também o era, o Fox Play que é uma certa antecipação ao Netflix, os canais exclusivos da TVI num dos carriers… Briefing | Estamos a falar essencialmente de televisão. E a imprensa, que é um dos meios mais em queda, que lugar ocupa neste novo cenário? LM | Os grupos de media não se resumem à área da televisão, têm também expressão nas plataformas digitais. Mais uma vez, temos bons exemplos de como canais ao nível digital foram criados a partir de uma revista ou de um jornal: é o caso do Público, que desde o princípio apostou muito na área digital e tem uma boa plataforma. Mas também temos exemplos ao nível da rádio, que passam muitas vezes despercebidos: é que a rádio está associada a praticamente a todos os eventos de outdoor que se passam em Portugal, o que gera audiências, mas também gera negócio. Por isso, não é apenas a televisão que tem perspetivas de poder vingar: existe essa capacidade nos jornais e na rádio. O que significa que, no fundo, o que vale são as marcas. Voltemos ao CMTV: vale por ser a marca Correio da Manhã, como a Benfica TV vale por ser a marca Benfica, o site abola. pt vale por ser A Bola, o Publico.pt vale por ser o Público. Este quadro que os media enfrentam é também o ponto de partida para as marcas quando comunicam publicitariamente. Briefing | Isso significa que o modelo de negócio tradicional já não existe, nem para os media, nem para as marcas? LM | Não só já não existe, como aquele que se pensava que ia existir não aconteceu. Porque não há escala em Portugal. Os media têm uma questão importantíssima, que é a língua. Porque é que os canais generalistas têm níveis muito elevados de audiência? Porque é que, no processo de introdução privada, os operadores tiveram a preocupação de passar conteúdos falados em português e reduzir os legendados? Uma das razões é o facto de o consumidor, quando consome televisão, estar ao mesmo tempo a consumir outros meios e a utilizar vários equipamentos. A nossa televisão com a televisão mantém-se muitas vezes pelo ouvido. Daí a importância da música na comunicação publicitária: faz a ligação direta a um filme que nem chegamos a ver mas que nos impacta. Quando se pensava que o mundo ia caminhar no sentido de as televisões perderem importância e outros meios, como o digital, a ganharem, o que verificamos é que os conteúdos de televisão já estão em plataformas digitais e já são consumidos nessas plataformas e de outra forma, através da possibilidade de visionamento diferido. As capacidades técnicas ao dispor dos media são um grande beneficio para o consumidor, sendo que fazem com que os conteúdos tenham valor porque podem ser vistos em equipamentos distintos. - 32 Briefing 2016 - Há dez anos, um jovem gostava de ter um televisor no quarto, hoje a maior parte não quer, porque tem tudo no computador. E neste quadro que temos de perceber que não devemos falar em big data, porque big data sempre houve. O que variou foi que era inicialmente descritivo, depois passou para uma área de previsão e hoje é prescritivo. Hoje o mundo é um mundo de people data: há muita informação disponível sobre o cidadão, o consumidor, informação que pode ser utilizada e que, muitas vezes, é partilhada voluntariamente pelo próprio consumidor, quer nas redes sociais, quer quando subscreve alertas. Hoje, as pessoas não consideram esses contactos intrusivos porque também têm maneira de os bloquear. O grande desafio não é, por isso, utilizar o big data, mas sim o people data, porque a informação sobre as pessoas é friendly, colaborativa e cada vez mais interativa. Esta é uma oportunidade extraordinária para as marcas mas também para os meios, porque são eles que têm a capacidade de agregar conteúdos interessantes. Não é a questão de o conteúdo ser rei, porque sempre foi, é a questão de o conteúdo www.briefing.pt “As capacidades técnicas ao dispor dos media são um grande benefício para o consumidor, sendo que fazem com que os conteúdos tenham valor porque podem ser vistos em equipamentos distintos” poder estar em várias plataformas e de se criarem condições para as marcas também estarem presentes e interagirem. Briefing | Marcas e meios enfrentam então os mesmos desafios? LM | Sim, os grandes desafios que se colocam às marcas são, na realidade, os desafios que se colocam aos media. As marcas têm de contactar o consumidor em qualquer momento que ele queira e de uma forma inesperada, numa lógica experimental, algo de surpresa que seja oferecido quando ele não procura. Mas isso é também o que precisam os meios para manter o contacto com os seus consumidores, porque é isso que permite a monetização, num meio pelas audiências, visualizações ou vendas, numa marca pela capacidade de vender no imediato mas também pela capacidade de criar no consumidor a vontade de voltar a comprar. O grande desafio é um - 33 Briefing 2016 - consumidor que não é infiel nem errático, mas gosta de trabalhar na experimentação e de ir à descoberta. Briefing | Neste contexto, o planeamento de meios é mais complexo? LM | Torna-o diferente. Hoje, quem trabalha no planeamento estratégico BRIEFING ENTREVISTA www.briefing.pt “Não é a questão de o conteúdo ser rei, porque sempre foi, é a questão de o conteúdo poder estar em várias plataformas e de se criarem condições para as marcas também estarem presentes e interagirem” Autorregulação funciona bem Luís Mergulhão entende que, em matéria de publicidade, a autorregulação tem “funcionado muito bem”. O ICAP – Instituto Civil de Autodisciplina da Publicidade, que agrega anunciantes, agências criativas e agências de meios, funciona “com grande eficácia”, tendo retirado à tutela a necessidade de atuar. Tanto mais que os meios acabam por estar indiretamente envolvidos, na medida em que aceitam as deliberações do ICAP. O que também funciona “e de uma maneira muito ativa” é a CAEM – Comissão de Análise A estes mecanismos Luís e Estudos do Meio. Mergulhão soma o IAB É – reconhece – uma – Interactive Advertising entidade que está sempre Bureau. Reúne meios, envolvida em discussões, plataformas, operadores, porque nas audiências agências, agregadores de há sempre quem ganhe e conteúdos e, embora os sempre quem perca e isso anunciantes não estejam – ressalva – não depende representados, o processo apenas da realidade, foi discutido previamente depende das convenções com a respetiva que são adotadas, sendo associação, a APAN. necessário assegurar que “Na área da publicidade essas convenções são temos uma maturidade equidistantes. “O nosso muito grande, um é um modelo muito perfeito entendimento no avançado, abrange todas respeito pelos interesses as áreas e é tripartido de cada um dos setores e – tem anunciantes, a preocupação maior de meios e agências. E criar valor acrescentado”, uma regra de ouro: as conclui. decisões são tomadas por - 34 Briefing 2016 unanimidade”, reforça. de uma campanha tem de prestar mais atenção à estratégia do que à componente de negociação. Principalmente tem de conhecer o consumidor. E para conhecê-lo tem de trabalhar sobre a informação e tirar conclusões adequadas ao caminho que se quer traçar: não há conclusões certas ou erradas, depende da altura em que se está, depende do que se pretende. Daí a importância do people data. Os planeadores de meios têm de ser cientistas da informação. E uma marca é tanto mais poderosa quanto mais conseguir www.briefing.pt obter dessa informação. É preciso ter essa capacidade de visão estratégica, tal como os media têm de ter uma grande elasticidade e grande disponibilidade para mexerem nos formatos e nos conteúdos. Não para responderem às necessidades das marcas, mas para captarem novos leitores, novos espetadores, novos ouvintes. Uma marca tem de estar onde estão as pessoas e o que leva as pessoas a esse sítio não são as marcas, são os conteúdos. Alguns deles são produzidos pelas marcas, mas em Portugal a capacidade de as marcas produzirem conteúdos é limitada porque não se amortizam e o mercado da língua é significativo. Briefing | Os próximos tempos são, pois, de mudança… LM | Sempre foram. A cada momento, os tempos são de mudança, até porque há questões geracionais. Hoje fala-se muito nos millennials, as pessoas que nasceram no século XXI. Acho extraordinário que se fale mais nesses consumidores do que num grupo etário que é cada vez mais interessante do ponto de vista do consumo e que são as pessoas que no passado eram consideradas da terceira idade, mas que são cada vez mais população ativa. São dois targets completamente diferentes. Vemos isso no turismo, que vive muito de faixas etárias que, no passado, dificilmente viriam a Portugal – ou muito jovens ou com mais idade. O tal people data refere-se a muitos tipos de públicos-alvo. A informação voltou a ser importante e temos de a transformar em ideias e das ideias têm de resultar conteúdos, quer para os meios, quer para as marcas. Tem de ser um trabalho científico. E o nosso papel é trabalharmos não numa lógica de triangulação, em que o consumidor era um dos vértices, mas numa lógica em que o consumidor está no centro e deixou uma pegada – a informação. O papel do planeamento hoje é pensar como é que juntamos o consumidor às marcas e como é que fazemos com que os meios possam ser o elemento envolvente. Os meios têm de chamar a atenção pelos conteúdos que difundem, mas as marcas também estão nos conteúdos e também são conteúdos, disputando o espaço aos conteúdos dos media. Briefing | Mas esta permeabilidade entre os conteúdos dos meios e os conteúdos das marcas não corre o risco de se tornar promíscua? LM | Há permeabilidade sim, mas não promiscuidade. Em Portugal fazemo-lo com muita qualidade. Não há do lado dos media nem das marcas a vontade de entrar em relações promíscuas, que seriam, além disso, sancionadas pelo consumidor. As marcas e os meios são escrutinados e são escrutinados ao momento, quer em sede de autorregulação (ICAP), quer de regulação (ERC). E o número de casos é extremamente diminuto quando comparado com outros países europeus. Briefing | A propósito de regulação e voltando à questão das parcerias entre os meios e os distribuidores, admite um cenário de regulação conjunta? LM | Temos de separar as questões fundamentais das secundárias. O facto de haver parcerias não quer dizer que deva haver uma regulação única. Não seria bom para o mercado, para as marcas que houvesse uma fusão entre a ERC e a ANACOM. Tocam-se, interpenetram-se, mas não se devem fundir num universo justaposto. Vivemos “Os media têm uma questão importantíssima, que é a língua. Porque é que os canais generalistas têm níveis muito elevados de audiência? Porque é que, no processo de introdução privada, os operadores tiveram a preocupação de passar conteúdos falados em português e reduzir os legendados?” - 35 Briefing 2016 - num mundo cada vez mais global, mas a regulação deriva da construção jurídica do próprio Estado: a área da comunicação tem a ver com a liberdade dos cidadãos, com o direito à informação, com o exercício da cidadania; a área das telecomunicações tem a ver com outros direitos. Não vejo qualquer valor numa fusão, pelo contrário vejo como um retrocesso querer juntar as duas áreas.