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ISSN 1519-7204
N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
106 páginas
Ricardo de Figueiredo Lucena
e Ricardo da Silva Araújo
(Orgs.)
João Pessoa - Paraíba - Brasil
Agosto de 2013
A revista Conceitos é uma publicação para divulgação de artigos científicos-pedagógicos,
produzidos por docentes da Universidade Federal da Paraíba e colaboradores, promovida pela ADUFPB Seção Sindical do ANDES-SN, com distribuição gratuita e dirigida aos filiados da Entidade.
Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba
C744
Conceitos / Ricardo de Figueiredo Lucena e Ricardo da Silva
Araújo (Orgs.). – Vol. 1, n. 18 (Ago. 2013).- João Pessoa:
ADUFPB-Seção Sindical do ANDES-SN, 2013.
Semestral
ISSN 1519-7204
1. Ensino superior - periódicos. 2. Política da educação periódicos. 3. Ensino público - periódicos. I. Lucena, Ricardo
de Figueiredo. II. Araújo, Ricardo da Silva. III. ADUFPB.
CDU: 378
É UMA PUBLICAÇÃO DA ADUFPB/SSIND. DO ANDES-SN
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João Pessoa - Paraíba - Agosto de 2013 - Edição número 18
APOIO CULTURAL
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Autor:
Bertrand Lira
Professor do Departamento de Comunicação
em Mídias Digitais da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB).
Virgínia Maria Magliano de Morais
Waldemir Lopes de Andrade (UFPB)
ORGANIZAÇÃO, EDIÇÃO, PROJETO GRÁFICO
E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA:
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A ADUFPB disponibiliza no site do sindicato (www.adufpb.org.br),
na seção Revistas, todos as edições da Revista Conceitos em formato
digital (PDF), que podem ser adquiridas gratuitamente (downloads)
para consulta.
Sumário
Revista Conceitos - Ano 2013, Número 18, Volume 1.
PÁG. 9
PÁG. 56
APRESENTAÇÃO
Qualidade hospitalar: expectativa e percepção dos pacientes
Maria Bernadete de Sousa Costa
PÁG. 10
Juraci Dias Albuquerque
Qualidade de vida, resiliência, história de trauma, transtorno
Pedro Eugenio López Salazar
do estresse pós-traumático, impulsividade, religiosidade e suas
Jozemar Pereira dos Santos
relações com transtornos mentais em professores universitários:
uma revisão da literatura
PÁG.66
Raimunda de Fátima Neves Coêlho
O lúdico como atividade do pensar na educação infantil
Lucas de Castro Quarantini
Tânia Rodrigues Palhano
Rita de Cássia Lucena
Iria da Costa Silva
PÁG. 18
PÁG. 73
Fundamentos da educação e a prática educativa:
O papel da escolarização no processo da cidadania
uma breve coletânea reflexiva...
das pessoas com deficiências da cidade de João Pessoa - Paraíba
Ana Maria Nóbrega
Sandra Alves da Silva Santiago
Maria Tereza L. de Oliveira Chaves
Maria Tereza Lira de Oliveira Chaves
Ana Maria Nóbrega
PÁG. 25
A relação teórico-prática na formação docente em EJA
PÁG. 81
Genilson José da Silva
Decodificando as ações corporais na prática docente
Maria das Graças de Almeida Baptista
Djavan Antério
Pierre Normando Gomes da Silva
PÁG. 34
Considerações sobre o aparecimento do livro
PÁG. 89
didático da educação de jovens e adultos no Brasil
Falas em preto e branco
Erenildo João Carlos
José Maria Tavares de Andrade
Dafiana do Socorro Soares Vicente
PÁG. 96
PÁG. 46
CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA:
O axonômetro no ensino da Axonometria
A inserção da mulher no mundo do crime
Marcos A. R. de Barros
Marlene Helena de Oliveira França
DIRETORIA EXECUTIVA DA ADUFPB - GESTÃO 2013/2015
Presidente
JALDES REIS DE MENESES (CCHLA)
Diretora para Assuntos de Aposentadoria
AUTA DE SOUSA COSTA (CE)
Vice-Presidente
ROMILDO RAPOSO FERNANDES (CE)
Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus de Areia
ABRAÃO RIBEIRO BARBOSA (CCA)
Secretária Geral
TEREZINHA DINIZ (CE)
Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus de Areia
PAULO CÉSAR GEGLIO (CCA)
Tesoureiro
MARCELO SITCOVSKY SANTOS PEREIRA (CCHLA)
Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus de Bananeiras
MARINO EUGÊNIO DE ALMEIDA NETO (CCHSA)
Diretor de Política Educacional e Científica
FERNANDO JOSÉ DE PAULA CUNHA (CCS)
Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus de Bananeiras
NILVÂNIA DOS SANTOS SILVA (CCHSA)
Diretora de Política Social
MARIA DAS GRAÇAS A. TOSCANO (CCS)
Diretor da Secretaria-Adjunta do Campus do Litoral Norte
CRISTIANO BONNEAU (CCAE)
Diretor Cultural
CARLOS JOSÉ CARTAXO (CCTA)
Suplente da Secretaria-Adjunta do Campus do Litoral Norte
BALTAZAR MACAÍBA DE SOUSA (CCAE)
Diretor de Divulgação e Comunicação
RICARDO DE FIGUEIREDO LUCENA (CE)
Suplente da Secretaria
WLADIMIR NUNES PINHEIRO (CCM)
Diretor de Política Sindical
CLODOALDO DA SILVEIRA COSTA (CCM)
Suplente da Tesouraria
MARIA APARECIDA BEZERRA (CCS)
Este é o número 18 da Revista Conceitos. Forjado no empenho da Diretoria
2011-2013, fica à disposição dos leitores agora, já na nova gestão 2013-2015.
Essa é mais uma prova de que a Revista Conceitos vem se firmando cada vez mais
como parte de uma política de ação sindical e acadêmica da ADUFPB e sempre
buscando qualificar-se enquanto veículo de ideias e debates, fruto da produção
intelectual dos nossos professores sindicalizados.
Nossa gestão acredita que uma das formas de enfrentar o processo de precarização do trabalho docente nas universidades públicas brasileiras é fazendo
ver, à comunidade em geral, a nossa produção acadêmica e a qualidade dos textos
aqui veiculados. Uma outra forma, acreditamos, é a UNIDADE no enfrentamento da política adversa que vem sendo imposta pelo governo federal, com ações
contra a autonomia universitária (vide a lei que cria a EBSERH e o Decreto n.
4330/2013) como também a LUTA com o propósito de mostrarmos, ao governo
e a sociedade em geral, que a defesa da universidade pública, gratuita e com
qualidade acadêmica foi, é e sempre será a tônica do nosso sindicato. Portanto,
UNIDADE e LUTA por uma política de pleno investimento em educação pública.
Neste número, o leitor poderá desfrutar de uma leitura ampla e diversa. E
essa diversidade temática é uma de nossas características, que pode ser atestada em artigos que tratam, por exemplo, de “O lúdico como atividade do pensar
na educação infantil”, da Profa. Dra. Tânia Palhano; também, “Criminalidade e
violência: a inserção da mulher no mundo do crime”, da Profa. Dra. Marlene Helena
França, e, ainda, “Qualidade hospitalar: expectativa e percepção dos pacientes”, da
Profa. Dra. Maria Bernadete Costa e outros. Provas textuais da diversa e instigante
produção docente da UFPB.
Ao leitor caberá a decisão de quais e como serão lidos, comentados e,
sob o crivo da mais necessária ação acadêmica, criticados os trabalhos aqui
apresentados. Pois, estamos certos que a melhor crítica é aquela que contribui
para a ampliação e a renovação do conhecimento. Assim, esperamos que todos
tenham bons motivos para ler e usufruir do conhecimento que está disponível
nas páginas da nossa Revista Conceitos.
APRESENTAÇÃO
Provas da diversa e instigante
produção docente da UFPB
Os organizadores.
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN
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Raimunda de Fátima Neves Coêlho*, Lucas de Castro Quarantini** e Rita de Cássia Lucena***
Qualidade de vida, resiliência, história de trauma,
transtorno do estresse pós-traumático, impulsividade,
religiosidade e suas relações com transtornos mentais
em professores universitários: uma revisão da literatura
RESUMO:
No âmbito da profissão docente, o professor universitário enfrenta diferentes
adversidades, decorrentes de exigências dessa profissão, como maior carga de trabalho e produtividade, o que contribui para o aumento de adoecimento dessa categoria.
Diante dessa realidade, este artigo pretendeu abordar os estudos relevantes sobre
qualidade de vida, resiliência, história de trauma, transtorno do estresse pós-traumático,
impulsividade e religiosidade e suas relações com transtornos mentais em professores
universitários. As bases de dados pesquisadas foram ScieLo, PubMed,LILACS e Banco
de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior. As buscas confirmaram poucas pesquisas. Os resultados sugerem estudos
sobre características clínico-comportamentais em professores.
Palavras-chave: Características clínico-comportamentais. Professor universitário. Qualidade de vida.
Religiosidade.
ABSTRACT:
Within the teaching profession, the university lecturer faces a variety of challenges, such as a heavy workload and the need for greater productivity, arising from
the demands of the profession and leading to increased sickness within this sector.
Given this situation, this article intends to address relevant studies regarding quality
of life, resilience, history of trauma, post-traumatic stress disorder, impulsivity, religiosity
and their relationships with mental disorders in university lecturers. The databases researched were SciELO, PubMed, LILACS and the Data Bank of Theses and Dissertations
of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior: CAPES). These searches revealed that
few studies have been undertaken and the results suggest the need for future research
about lecturers’ clinical and behavioural characteristics.
Key words: Clinical and behavioural characteristics; University lecturers; Quality of life; Religiosity.
(*) Professora Mestre da Unidade Acadêmica de Educação, Centro de Formação de Professores, Universidade Federal de Campina Grande e Doutoranda da Universidade Federal da Bahia. E-mail:
[email protected]. (**) Professor Doutor do Departamento de Neurociências e Saúde Mental. Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia. E- mail: [email protected].
(***) Professora Doutora do Departamento de Neurociências e Saúde Mental. Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]
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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)

ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN
INTRODUÇÃO
Inicialmente, é necessário, mesmo que de
forma breve, tecer considerações sobre a profissão docente, uma vez que este estudo envolve
professores universitários.
A docência é considerada uma profissão tão
antiga quanto a Medicina e o Direito.
Durante muito tempo, foi apresentada como
uma vocação, um sacerdócio leigo, um apostolado. No que diz respeito à valorização, do ponto de vista social, foi considerada, inicialmente,
como uma profissão de prestígio, porquanto se
voltava mais para preparar uma classe elitista,
e seu exercício era determinado pelas qualidades morais que o professor deveria exibir para
aqueles que controlavam seu trabalho. Porém,
perde seu valor quando se volta para a classe
trabalhadora.
Nas últimas décadas, no contexto de generalização e de massificação da educação, o sindicalismo docente e as associações profissionais
insistiram para que o ensino fosse reconhecido
como um ofício, e os docentes, na qualidade de
trabalhadores qualificados, fossem tratados pelo
seu empregador nos planos material, social e
simbólico. Recentemente, respondendo, de certa forma, ao discurso de formadores de professores pelo mundo, certas políticas educativas
nacionais consideram que a profissão docente
deve evoluir conforme uma lógica de profissionalização, entendida no sentido de a sociedade reconhecer o status, diante de sua desvalorização
historicamente reconhecida até os dias atuais
(TARDIF; LESSARD; GAUTHIER, 1998).
A não valorização tem causado apreensão e
tem sido alvo de frequentes críticas e mobilizações do movimento docente, face à realidade do
Ensino Superior no Brasil, principalmente, sua
mercantilização, que transforma a educação de
direito do cidadão e dever do Estado em mercadoria. Na prática, tal tendência exige da profissão docente mais produtividade, maior carga de
trabalho e torna precárias as condições de trabalho e a redução de custos, entre outros.
Nesse processo de desvalorização da categoria, resultante de mudanças ocorridas na
década de 1990, a imposição de metas produtivistas e a precarização do trabalho atingiram
o meio acadêmico, com a implantação de reforConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN
mas educacionais e modelos pedagógicos que
a profissão docente vem enfrentando ano após
ano, dificuldades de diferentes tipos, que contribuem para que não se reconheça o lugar central
que ocupam os professores na sociedade. Assim,
compreende-se que, especificamente dessa década aos dias atuais, o trabalho nas Instituições
de Ensino Superior é permeado pela mesma lógica da racionalidade que preside a empresa capitalista, como desígnio das políticas neoliberais
(MOURA, 2009).
Impõe-se, desse modo, a ideia de eficácia,
de eficiência e de produtividade, sob a influência
dessas novas configurações do trabalho docente, na sociedade contemporânea da informação
e do conhecimento e das tecnologias avançadas
que exigem permanente requalificação como
condição de trabalho. Nesse contexto, o professor universitário insere-se na lógica da empresa
capitalista quantificadora, materializada no produtivismo acadêmico que, de forma exacerbada
e premiada, conduz à competitividade entre os
pares.
Em face dessa realidade, os professores
enfrentam dificuldades psicossociais, quando
se confrontam, cotidianamente, com “um sentimento pessoal de perda de controle, de aceleração [de suas] vidas, de uma corrida interminável rumo a metas [...]” (CASTELLS, 2003, p.
51), e isso vem contribuindo para o aumento dos
índices de adoecimento na categoria. Um recente estudo com professores de universidades privadas do Rio Grande do Sul evidencia que, de
uma amostra de 1800 docentes, cerca de 50%
usavam algum tipo de medicação psicotrópica,
em razão do comprometimento da esfera psicoafetiva (CAMPOS, 2009).
Diante dessa situação, abordam-se, neste
artigo de revisão, o conteúdo, o método e os estudos pertinentes a aspectos como: resiliência,
qualidade de vida, história de trauma, transtorno do
estresse pós-traumático, impulsividade e religiosidade, relacionados aos transtornos mentais em
professores universitários.
METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão sistemática de literatura, em cuja busca científica foram utilizados os descritores: qualidade de vida, resiliência,
11
impulsividade, história de trauma, transtorno do
estresse pós-traumático, religiosidade e transtornos mentais em professores universitários e seus
respectivos vocábulos em língua portuguesa e
inglesa. As bases de dados pesquisadas foram:
Scielo, PubMed, Lilacs e Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Foram incluídos todos os artigos que apresentavam texto
completo e algum indicador relacionado a professores universitários, bem como a cada aspecto acima descrito, e excluídos artigos em que os
professores universitários apresentaram doenças
físicas associadas.
RESULTADOS
Encontraram-se 330 artigos; 183 teses/dissertações, envolvendo professores e os demais
descritores. Foram excluídos 290 artigos, conforme critério mencionado. Apenas 15 artigos e sete
teses/dissertações incluíam, especificamente,
professores universitários. Desse número, oito
artigos e quatro teses/dissertações abordaram
o tema qualidade de vida; cinco artigos e três
teses/dissertações enfocaram transtornos mentais; em relação à religiosidade, só se encontrou
um artigo; sobre história de trauma, também
um artigo; e para impulsividade, transtorno do
estresse pós-traumático e resiliência em professores universitários, não foi encontrado nenhum
estudo. Dentre as publicações em periódicos, 12
são estudos nacionais, e três, internacionais.
Metodologicamente, os resultados são apresentados sob a forma de eixos temáticos, discorrendo-se sobre eles, o conteúdo, o método e a
inclusão de seus respectivos estudos, segundo
os critérios estabelecidos e, principalmente, de
acordo com a questão da pesquisa, ou seja, aspectos como: resiliência, impulsividade, história
de trauma, transtorno do estresse pós-traumático, religiosidade e qualidade de vida que podem estar relacionados aos transtornos mentais
em professores universitários. Para tanto, por
meio de um processo sistemático de localização
da literatura em questão, procedeu-se à análise
das evidências dos estudos científicos, para se
ter uma visão geral confiável, a fim de verificar
as confluências, as dissonâncias e as possíveis
lacunas no conhecimento acumulado, conforme
12
descrito a seguir.
Ao discorrer sobre os transtornos mentais, destaca-se a existência de dois sistemas de
classificação (DSM-IV e CID-10), que definem e
descrevem esse problema específico de forma
clara. Porém, considera-se útil clinicamente a
abordagem inicial dos quadros mentais através
da perspectiva sindrômica (DALGALARRONDO,
2008). Assim, o transtorno, de acordo com a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10, é um conjunto de sintomas
ou comportamentos clinicamente reconhecíveis,
associados, na maioria dos casos, a sofrimento
e a interferência com funções pessoais. Desvio
ou conflito social sozinho, sem disfunção pessoal, não deve ser incluído como transtorno mental (WHO, 1993). Para avaliar esses transtornos,
a partir de 2001, recomenda-se a aplicação do
M.I.N.I. Plus (Mini Internacional Neuropsychiatric
Interview). É uma entrevista diagnóstica padronizada, breve (15-30 minutos), compatível com os
critérios do DSM- IV e da CID- 10, que representa
uma alternativa para selecionar pacientes, segundo critérios internacionais e epidemiológicos
da American Psychiatric Association [APA], 1984,
1987. World Health Organization [WHO] 1992
(AMORIM, 2000).
Na literatura internacional, destacou-se o
Estudo da Área de Captação Epidemiológica do
Instituto Nacional de Saúde Mental (ECA-MIMH),
considerado o primeiro de grandes dimensões,
realizado entre 1980 e 1985, em cinco cidades
dos Estados Unidos, e que avaliou transtorno
mental em cerca de 20 mil pessoas (BLAZER,
2000). Entre 1990 e 1992, realizou-se um segundo estudo nos Estados Unidos - a Pesquisa
Nacional de Comorbidade (National Comorbidity
Survey – NCS), em que cerca de oito mil pessoas foram investigadas. O estudo mostrou que a
maioria dos indivíduos com transtornos mentais
(56%) apresentou diagnóstico comórbido (KESSLER et al., 1994).
No período de 2001 a 2002, outro estudo
realizou a replicação da National Comorbidity Survey (NCS – R), que avaliou mais de nove mil indivíduos, utilizando a CIDI e os critérios diagnósticos do DSM-IV. Identificou-se que 26% haviam
apresentado algum transtorno mental no último
ano, e 46%, ao longo da vida. Dos 26 % com
transtornos mentais, no último ano, 60 % relaConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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taram transtornos classificados como graves ou
moderados (KESSLER et al.,2005).
Na Europa, um amplo estudo multicêntrico,
que envolveu a França, a Alemanha, a Bélgica,
a Espanha e os Países Baixos, tratou da prevalência na vida e, no último ano de transtornos
depressivos, ansiosos e relacionados ao álcool,
identificou a prevalência de pelo menos um desses transtornos, com frequências de 10 %, no
ano, e de 25%, ao longo da vida (LÉPINE et. al.,
2005). Evidencia-se alta prevalência de transtornos mentais na população geral entre 30 e 50%
(DALGALARRONDO, op. cit.). No Brasil, um país
com estimativa de 10 milhões de portadores de
doença mental persistente (TOLMAN, 2009), os
índices variam de 13,5 a 35%.
Nos anos de 1990, um importante estudo,
realizado em três capitais brasileiras, evidenciou
que cerca de 31 a 50% da população brasileira
apresenta, durante a vida, pelo menos, um episódio de algum transtorno mental (ALMEIDA FILHO
et al., 1997). Um segundo estudo investigou índices de transtornos psiquiátricos na comunidade,
nos Bairros Jardim América e Vila Madalena, em
São Paulo, onde 45,9% da população estudada
tinha, no mínimo, um diagnóstico de transtorno
mental ao longo da vida, 26,8%, no último ano,
e 22,2% no mês anterior à entrevista (ANDRADE
et al., 2002).
Outro estudo sobre desordem psiquiátrica
realizado em Pelotas, na região sul do país, em
uma amostra de 1277 pessoas, encontrou um índice de 26,5% entre as mulheres e 17,9% entre
os homens. Esse estudo verificou uma relação
inversa entre ganhos, escolaridade e prevalência
de transtornos emocionais (LIMA et al., 1999).
Os transtornos psíquicos são associados aos
fatores estressores ambientais. Um estudo realizado em Hong Kong mostrou que a profissão
de ensinar é altamente estressante e que, aproximadamente, um terço dos professores pesquisados apresentou sinais de estresse e de burnout
(CHAN, 2003). Na Bulgária, um estudo avaliou
69,5% dos professores de uma região desse país
e constatou elevada taxa de morbidade devido a
distúrbios mentais e a doenças do sistema nervoso (DIMITROV, 1991).
Professores do Reino Unido e de Hong Kong
foram avaliados sobre a relação entre o ambiente psicossocial do trabalho e sua saúde mental.
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN
Os resultados demonstraram comprometimento
excessivo na profissão docente (TANG; LEKA; MACLENNAN, 2012). Em Belo Horizonte, um estudo
mostrou que os transtornos psíquicos ocupam o
primeiro lugar entre os diagnósticos que provocaram os afastamentos (16%) na rede municipal
de ensino (ASSUNÇÃO, 2003).
A frequência de riscos para se desenvolverem transtornos mentais, detectados entre os
docentes pesquisados em Vitória da Conquista
(BA), foi duas vezes maior do que na população
geral, sem diferença significativa entre homens
e mulheres (DELCOR et al., 2004). Outros estudos sobre a saúde dos professores, nos diversos
níveis de ensino, realizados na Bahia, também
constataram prevalências elevadas de riscos de
transtornos mentais em docentes (ARAÚJO et
al., 2003; SLIVANY NETO et al., 2000).
Uma pesquisa descritiva da Universidade
Federal de Goiás detectou que professores universitários percebem o estresse como um estado
do organismo, decorrente do processo de enfrentamento de situações adversas, com manifestações de natureza biopsicossocial (COSTA, et
al., 2005). Em Belo Horizonte, realizou-se uma
pesquisa sobre prevalência de transtornos mentais comuns em professores, cujos resultados
mostraram que eles foram significativamente associados à experiência com violência e a piores
condições ambientais (GASPARINI; BARRETO;
ASSUNÇÃO, 2006).
Um estudo realizado pelo Núcleo de Epidemiologia da Universidade Estadual de Feira
de Santana (Bahia) revelou que os professores
universitários apresentavam significativo padrão
de desgaste físico e mental (SILVA et al., 2006).
Outro estudo na Bahia, em Vitória da Conquista,
sobre trabalho e distúrbios psíquicos em professores, revelou que a prevalência de distúrbios
psíquicos menores foi de 55,9% entre os 808
professores estudados. Concluiu-se que a saúde
mental desses profissionais estava fortemente
associada ao conteúdo de seu trabalho (REIS,
2005).
Docentes de Enfermagem de universidades
públicas e de uma privada, no município de Alfenas (MG), foram avaliados e constatou-se que a
maioria apresentou ansiedade mínima, ausência
de depressão e autoestima alta. Porém, os pertencentes à universidade privada apresentaram
13
maiores medianas de escores de ansiedade e de
depressão e menores medianas de escores de
autoestima (TERRA, 2010).
Uma pesquisa realizada na cidade de Santa Cruz (RN) com professores universitários da
Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, Núcleo da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, revelou que 50% dos entrevistados não
apresentaram sintomas clínicos de depressão,
42% tinham sintomas depressivos leves, e 8%,
moderados (FREITAS et al., 2011).
Aspectos como resiliência, história de trauma, impulsividade, qualidade de vida, religiosidade e transtorno do estresse pós-traumático podem estar relacionados aos transtornos mentais.
Para comprovar essa hipótese, foi necessário estudar e conhecer esses fatores.
O construto resiliência refere-se ao conjunto
de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam o desenvolvimento saudável do indivíduo,
ainda que ele esteja vivenciando experiências
desfavoráveis. Esse aspecto envolve a interação
entre eventos de vida adversos e fatores de proteção internos e externos ao indivíduo (RUTTER,
1987). Para avaliar a resiliência, utiliza-se como
instrumento a Escala de Resiliência, que objetiva
medir os níveis de adaptação psicossocial positiva em face de eventos adversos (WAGNILD; YOUNG, 1993). Estudos com esse enfoque com professores universitários não foram identificados
na literatura científica, porém destacou-se uma
pesquisa na Austrália sobre resiliência e depressão, segundo a qual a resistência pessoal é importante diante de problemas de saúde mental
(DOWRICK, 2008).
O conceito de história de trauma está relacionado a eventos graves ou traumáticos durante a vida (GREEN, 1996), para cuja avaliação
se emprega o questionário de história de trauma
(trauma history questionaire -THQ), um questionário de autorrelato composto por 24 itens, que
compreende a exposição a acontecimentos traumáticos incluídos no critério A de estresse póstraumático e de transtorno de estresse agudo do
DSM- IV. Aborda uma série de eventos traumáticos em três áreas: crime e eventos relacionados
(ex.: roubo, assalto); desastre geral e trauma (ex:
dano, desastre, morte testemunhada) e experiências físicas e sexuais indesejadas (FISZMAN,
2005). Um estudo retrospectivo feito na Escola
14
de Enfermagem, da Universidade Rush de Chicago, nos EUA, demonstrou que assaltos representaram 2480 dias de trabalho perdidos e que a
taxa de ataque de três anos foi de 3,24 por 1000
professores (LEVIN, 2006).
A partir dos anos 1990, a qualidade de
vida passou a ser definida de modo mais genérico, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), como a percepção do indivíduo de sua
posição na vida no contexto da cultura e sistema de
valores, nos quais ele vive em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupação (WHOQOL GROUP, 1995). Dentre os diferentes instrumentos utilizados para se avaliar a qualidade de
vida, destaca- se o SF- 36 (Brasil SF- 36) (Medical
Outocomes Study 36- Item Short- Form Health Survey), um instrumento genérico dos mais utilizados, em particular, para avaliar a qualidade de
vida em saúde. É constituído de oito domínios:
capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais,
aspectos emocionais e saúde mental. Apresenta
um escore de 0-100, no qual zero corresponde ao
pior estado de saúde, e cem, ao melhor. Trata-se
de um instrumento traduzido para diversas línguas e validado no Brasil (WARE; SHERBOURNE,
1992, 1994).
Na literatura, foram identificados os seguintes estudos sobre qualidade de vida em professores universitários: um, em Campo Grande (Mato
Grosso do Sul), em que a maioria se encontrava
com sua qualidade de vida não prejudicada (SOUZA, 2004); outro, realizado em Jequié (Bahia),
segundo o qual os professores apresentaram
uma boa avaliação do estilo de vida, associada
ao sexo feminino e à união civil estável (FERNANDEZ, 2009), e, recentemente, um estudo sobre a
percepção da qualidade de vida, saúde e fatores
de riscos de professores universitários em uma
instituição pública do sul do Brasil, cujo resultado evidenciou uma boa percepção da qualidade
de vida e da saúde entre os docentes, embora os
fatores de riscos para a saúde tenham apresentado elevada incidência no grupo avaliado (OLIVEIRA FILHO; NETTO OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2012).
Quanto ao transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), foi reconhecido na terceira edição
do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM- III) de 1980. Caracteriza-se por uma
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reação de medo intenso, impotência ou horror,
quando um indivíduo vivencia, testemunha ou se
depara com um ou mais eventos que envolvam
morte, ferimento grave ou ameaça à integridade física própria ou de outros. Para avaliar esse
transtorno, aplica-se a Escala Pós-traumatic Stess
Disorder Checklist- Cilivian Version (PCL-C), que
dimensiona as consequências de diversos tipos
de experiências traumáticas (BERGER, 2004).
Estudos anteriores sobre transtorno do estresse pós-traumático e qualidade de vida em populações diferentes não específicas, de docentes
universitários, evidenciaram associação negativa
entre o transtorno do estresse pós-traumático e
a qualidade de vida (BOTTINO, 2009; SMITH et
al.,2002). Outro estudo indica que o transtorno
do estresse pós-traumático atinge 2 a 5% da população geral, decorrente, na maioria das vezes,
da banalização da violência (SILVA, 2011).
Outro aspecto importante deste estudo é
a religiosidade, um construto multidimensional
que envolve crenças, práticas e uma devoção
pessoal. A relação entre religiosidade e saúde
mental tem sido uma perene fonte de controvérsias (ALMEIDA; LOTIFO NETO; KOENIG, 2006). A
religiosidade é avaliada em pesquisas por meio
da Escala de Religiosidade da Duke (Duke Religion
Index – DRI) (STORCH et al., 2004), em que se
analisam as relações entre saúde e religiosidade,
constituída de cinco itens de autorrelato, objetivando avaliar as dimensões de religiosidade que
mais se relacionam (Veja se na página 11 isso
foi dito de novo.) com desfechos em saúde. Uma
pesquisa com professores de uma universidade
particular revelou que eles percebem sua saúde
geral como nem melhor e nem pior e que existe
associação entre religiosidade e as variáveis sexo
e prática religiosa e as relativas ao ambiente de
trabalho (ROCHA; SARRIERA, 2006).
Finalmente, a impulsividade é a maneira
como as pessoas se comportam e pensam em
situações distintas, isto é, como agem e pensam
(MOELLER et al., 2001). Para avaliá-la, utilizase a Escala de Impulsividade (Barratt Impulsiveness Scale – BIS 11) autoaplicável, composta de
30 itens do tipo Likert, que oferecem um total
de escore de impulsividade e três subescores:
atenção, falta de planejamento e impulsividade
motora (DIEMEN et al., 2009). Estudos sobre impulsividade com docentes do ensino superior não
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foram localizados na literatura.
CONCLUSÕES
Como essa revisão se restringiu aos professores universitários, observou-se que as buscas
identificaram poucos estudos destinados a essa
categoria profissional. No tocante à qualidade de
vida, os estudos evidenciaram que sua qualidade
de vida não se encontrava prejudicada (SOUZA,
op. cit.; OLIVEIRA FILHO; NETTO OLIVEIRA; OLIVEIRA, op. cit.).
Os estudos sobre transtornos mentais revelaram maior prevalência em professores da área
de Ciências Humanas e Sociais (SOUSA, 2013).
Outro estudo desenvolvido em uma universidade
do Nordeste mostrou que 42% dos professores
de saúde apresentavam sintomas depressivos leves (FREITAS, op.cit.).
Pesquisas evidenciaram alta prevalência de
transtornos mentais na população geral, entre
30 e 50%. No Brasil, um país com estimativa
de 10 milhões de portadores de doença mental
persistente, os índices variam de 13,5 a 53%
(DALGALARRONDO, op. cit.; TOLMAN, op. cit.).
Outros estudos, também no Brasil, concluíram
que, em três capitais, 31 a 50% da população
têm um diagnóstico de transtorno mental ao
longo da vida (ALMEIDA FILHO et al., op. cit.); o
maior índice de transtorno mental está entre as
mulheres (CHAN, op. cit.); os afastamentos de
professores da rede municipal de ensino são decorrentes de transtornos psíquicos (ASSUNÇÃO,
op. cit.); estudos com professores, nos diversos
níveis de ensino, constataram prevalência elevada de transtornos mentais e que a prevalência
de transtornos mentais comuns em professores
está associada a experiências com violência e
piores condições ambientais (ARAÚJO et. al., op.
cit.; SLIVANY NETO et al., op. cit.).
Pesquisa revelou que professores universitários apresentavam significativo padrão de
desgaste físico e mental (SILVA et al., op. cit.).
Quanto ao aspecto história de trauma, constatou-se que, nos EUA, os assaltos representaram
2.480 dias de trabalho perdidos e que a taxa de
ataque de três anos foi de 3,24 por 1000 professores (WARE; SHERBOURNE, op. cit.). Concluise, também, que o transtorno do estresse póstraumático (TEPT) atinge 2 a 5 % da população
15
geral decorrente da violência (SILVA, op. cit.) e
que estudos em populações não específicas de
professores evidenciaram associação negativa
entre transtorno do estresse pós-traumático e
qualidade de vida (BOTTINO, op.cit.; SMITH et
al., op. cit.).
(Veja se isso já foi dito na página 10.)Professores de universidade particular percebem
sua saúde geral nem melhor, nem pior, associada
à prática religiosa (ROCHA; SARRIERA, op. cit.).
Estudos sobre impulsividade com professores
não foram localizados na literatura.
Estudos sobre resiliência em professores
universitários não foram identificados, por se tratar de uma nova área de investigação científica
no campo da saúde. A literatura relata um estudo
longitudinal feito na Austrália, com ênfase na relação resiliência e na depressão. Isso denota que
a resistência pessoal é importante em problemas
de saúde mental (DOWRICK, op. cit.).
Convém registrar que, como os transtornos
mentais são considerados um grande problema
de saúde pública e existem poucos estudos com
professores universitários, é preciso realizar
estudos epidemiológicos de população específica. Prioritariamente, que envolvam a profissão
docente das universidades públicas, ante a carência de pesquisas sobre transtornos mentais
e comportamentais associados a fatores como
resiliência, impulsividade, história de trauma,
transtorno do estresse pós-traumático, religiosidade e qualidade de vida dessa profissão, em
diferentes áreas do conhecimento, tendo em
vista a descrição de características que se relacionem com transtornos mentais e aspectos
clínico-comportamentais em professores universitários. Essas informações deverão gerar
conhecimentos para respaldar programas de
prevenção e intervenção destinados a essa categoria profissional.
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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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17
18
Ana Maria Nóbrega* e Maria Tereza L. de Oliveira Chaves**
Fundamentos da educação e a prática educativa:
uma breve coletânea reflexiva...
RESUMO:
O artigo propõe uma reflexão sobre a relação entre os fundamentos da
educação e a prática educativa do Ensino. Procura contextualizar as práticas
ancoradas nos enfoques sócio-históricos, filosóficos e psicológicos da educação, discorrendo sobre os grandes pensadores da humanidade. Para isso, foram selecionados alguns teóricos que tratam do tema, visando compreender
como as influências teóricas atuam nas práticas educativas dos professores da
Educação Básica e do Ensino Médio na realidade escolar atual. Quanto à metodologia, o artigo baseou-se na revisão literária, que trata da melhoria da prática
pedagógica. Sendo que as duas pesquisadoras professoras, são formadoras
dos cursos de Licenciaturas e em Pedagogia.
Palavras-chaves: Prática pedagógica. Formação de professores. Ensino Médio e Básico.
ABSTRACT:
The article proposes a reflection between Basic of Education and Educational Teaching Practice, looking contextualize practices anchored by approaches socio-historical, philosophical, psychological education, discussing the
great humanity philosophers. It has been collected some theorists, and through these to understand the theoretical influences in the educational practices
of teachers of basic education, secondary education in the school today. The
article´s methodology looked theoretical foundation, through literature review,
improving teaching practice. Being that, the two reserched teachers have majors from Pedagogy and graduation.
Keywords: Teaching practice. Formation of teachers. Highschooland basic education.
(*) Professora Mestra do Departamento de Fundamentos da Educação da UFPB – CE. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected].
(**) Professora Mestra do Departamento de Habilitações Pedagógicas da UFPB – CE. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected]
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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN
INTRODUÇÃO
À medida que o professor torna seu cotidiano fonte de
investigação, buscando elementos para a sua formação e a dos alunos [...] possibilita que os futuros professores compreendam a complexidade das práticas
institucionais e das ações ai praticadas pelos seus profissionais como alternativa no preparo para a inserção
profissional (PIMENTA, 2004).
Os Fundamentos da Educação têm uma importância singular na prática educativa dos professores, tanto para o Ensino Básico quanto para
o Médio notadamente. Neste artigo, amparados
por alguns teóricos da Educação, levantamos algumas reflexões que não são automáticas, mas
influenciadas pelo imediatismo empírico a que
estamos submetidos no cotidiano. Nosso intuito,
aqui, é refletir sobre a realidade escolar atual,
debatendo sobre tais questões em várias searas,
prioritariamente, a seara escolar.
escolar não é a sua única prática e o professor
profissional não é o seu único praticante”. Por
essa razão, não pode ser tratada como categoria abstrata, desvinculada de uma prática. Para
conceituá-la, temos que levar em conta o que
ela tem sido historicamente, sem nos deixarmos
aprisionar por possíveis vícios ou reducionismos.
Nessa perspectiva, a Educação tem que ser
um processo de construção consciente, que corresponda ao amplo esforço, pessoal e coletivo,
de constituir o ser humano em sua plenitude. O
grande instrumento de trabalho na escola é o conhecimento. A meta última é a humanização, a
libertação. Portanto, o conhecimento é um caminho, como refere Vasconcelos (2003, p. 38):
A educação escolar é um sistemático e intencional
processo de interação com a realidade, através do
relacionamento humano baseado no trabalho com o
conhecimento e na organização da coletividade, cuja
finalidade é colaborar na formação do educando na
sua totalidade – consciência, caráter, cidadania-, ten-
MARCO TEÓRICO
do como mediação fundamental o conhecimento que a
emancipação humana.
1. Conceituando a Educação e
seus fundamentos
Há muitas pesquisas, escritos e discussões
sobre a educação. Essa preocupação é pertinente, já que a educação é o foco principal do ser
humano. Pensar em Educação é ver o ser humano em sua totalidade, em seu corpo, em seu
meio, seus gostos, suas preferências e seus prazeres, nas relações que vivencia historicamente.
Afinal, o homem nasce potencialmente inclinado
a aprender, e a Educação é uma resposta desse
processo de aprendizagem. Observa-se, desde as
antigas civilizações, o esforço de se sobreviver e
de consolidar-se culturalmente. Adultos treinavam jovens em comunidades, no desenvolvimento de habilidades e conhecimentos necessários
para que pudessem transmiti-los. Sabemos que
a evolução da cultura e dos seres humanos depende do processo de transmissão de conhecimentos os quais se restringiam à imitação e à
oralidade.
Na visão de Brandão (1982, p. 7-9), “não
há uma forma única nem um único modelo de
educação; a escola não é o único lugar onde ela
acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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Ressalte-se, porém, que uma sociedade que
acolha a todos só será possível em um mundo
em que coexistam vários mundos, e a educação
se confronta com essa apaixonante tarefa, contextualizando as relações entre as práticas educativas escolares e a comunidade em que a escola está inserida, como mediação no processo
político- pedagógico e tendo em vista a melhoria
da qualidade do ensino e, consequentemente, a
garantia de êxito no processo ensino-aprendizagem. O estudo dos fundamentos da educação
inclui História, Filosofia, Sociologia, Economia,
Psicologia da Educação e outras áreas do saber
que fundamentam a essência da educação e o
processo educativo através dos conhecimentos
produzidos historicamente pela humanidade.
2. Enfoque sócio-histórico
Conhecer a história não é apenas ter acesso
às informações sobre o passado, mas usar essas
informações para compreender como o presente
e o futuro são construídos. Essa é uma das tarefas básicas do professor, do pesquisador, do
educador.
19
Séculos de reflexões sobre o oficio de educar dão base à prática de cada professor, de cada
educador, em qualquer sala de aula de qualquer
escola de um país e do mundo. Portanto, falar
em uma perspectiva sociológica, histórica, filosófica e psicológica da Educação é discorrer
sobre os grandes pensadores da humanidade. A
importância desses conhecimentos na formação
do educador é indiscutível, uma vez que lhe possibilitam entender o universo dos processos educativos e contribuem para situar a dinâmica da
sociedade e as relações de poder que interferem
na educação.
A seguir, faremos uma abordagem sobre alguns teóricos da educação que tratam dos enfoques supracitados neste artigo.
2.1 Consciência coletiva e
fatos sociais (Émile Durkheim)
Sociólogo francês (1958-1917), Émile
Durkheim é considerado o criador da Sociologia.
Ele preconizava que, somente através do consenso dos indivíduos ou da consciência coletiva, é
que se chegaria à organização social, opondo-se
ao idealismo, que entende a sociedade conforme
sua moldagem pelo espírito ou pela consciência
humana. Nessa teoria funcionalista (também
chamada a concepção durkheimiana), as consciências individuais são formadas pela sociedade1.
Durkheim ampliou o foco conhecido até então,
considerando e estimulando também algo formado por um sistema de ideias que exprimem, dentro das pessoas, a sociedade de que fazem parte
(SAVIANI, 2008). Dessa forma, a sociedade seria
mais beneficiada pelo processo educativo. Segundo o teórico, a educação é uma socialização
da jovem geração pela geração adulta, e quanto
mais eficiente fosse o processo, melhor seria o
desenvolvimento da comunidade em que a escola estaria inserida. A principal função do professor era de formar cidadãos capazes de contribuir
para a harmonia social.
Para compreender a concepção de
Durkheim, recorremos ao conceito de fatos sociais que, em sua concepção,
consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir
exteriores aos indivíduos, dotados de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõem e, é geral na
extensão de uma sociedade dada, apresentando uma
existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter (DURKHEIM, 1999).
Podemos, todavia, afirmar que nem todo
acontecimento humano é fato social, somente
aqueles especificamente repassados e assimilados coercitivamente, conscientemente ou não,
pelos indivíduos: como modos de convívio, ideias
e sentimentos tidos como normais e pertencentes à ordem natural das coisas. “Os fatos sociais
são coisas’’, ou seja, uma realidade objetiva passível de ser observada (DURKHEIM, 1999).
Parafraseando os pensamentos de Durkheim,
afirmamos que a ação educativa deveria funcionar
de forma normativa. Assim, desde cedo, a criança
deve reconhecer a autoridade na fala do professor
e, por isso, submeter-se ao seu comando, o que a
faz aprender, desde a tenra idade, a se conformar,
a ser obediente, dentro de uma visão hierárquica
de sociedade. Subjacente a essa ação, está a ideia
de colocar as pessoas certas nos lugares certos
de que a comunidade ou a sociedade, de modo
geral, precisam. Concordamos com Dermeval Saviani (2008, p. 23), quando enuncia que “a sociedade e cada meio social particular determinam o
ideal que a educação realiza”.
2.2. Ação social e poder
(Max Weber)
Ao contrário do que aconteceu com
Durkheim e com Marx, não há uma teoria geral
da sociedade nem da Educação no pensamento
de Weber. Em sua teoria, o campo de investigação da Sociologia ocorre através do conceito de
ação social e do poder, fundamentais à organização da sociedade humana. Por isso, a orientação
de Weber é denominada de compreensiva, por
oposição à de Durkheim, chamada de positivista.
Sobre isso, o teórico afirma:
Ação social significa uma ação que, quanto ao sentido
visado pelo agente ou os agentes, se refere ao com-
1. A principal função da Educação, até o Século XIX, era de promover o desenvolvimento do indivíduo formado pelos estados mentais de cada pessoa - a chamada individualidade psíquica
(DURKHEIM, 1999).
20
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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portamento de outros, orientando-se por este em seu
curso. Só há uma ação social quando ela possui um
significado atribuído pelos indivíduos e orientada pelas
ações alheias. A explicação causal das ações sociais
reclama a compreensão dos seus significados subjetivamente atribuídos pelos indivíduos. (MAX WEBER,
1991, p. 3)
Outro conceito trabalhado por Weber é o de
poder que, sob seu ponto de vista, não se limita
ao sentido político ou econômico, mas perpassa todos os níveis da sociedade. Diz, ainda, que
o poder é bem onipresente na vida social, e a
organização social resulta de sua distribuição
desigual. O estudioso levantou estudos sobre racionalização, desencantamento, burocratização
do Estado e das empresas, formação dos quadros para as burocracias e problematizou sobre
os rumos da educação racional e burocratizada
das sociedades modernas. Também destacou
que a burocratização estava ensejando uma escola baseada na Pedagogia do “treinamento”, em
oposição à “Pedagogia do cultivo”, centrada no
conhecimento clássico em literatura e artes.
Em verdade, as concepções de organização
social de Weber e de Durkheim não se repelem,
mas se completam, vez que a ação social, quando advinda da influência pela conduta do outro,
atribuindo-lhe significados, só será manifestada
plenamente quando incorporada às maneiras de
agir e de pensar dos indivíduos, dotada de um
poder de coerção que lhes é imposta. A ação social, então, não exclui a coerção, pelo contrário,
os significados da ação atribuídos pelos sujeitos
impõem-se a eles, independentemente dos sujeitos envolvidos na ação social.
2.3. A relação de produção e as classes sociais
(Karl Marx)
Pensador alemão (1818-1883), Karl Marx,
foi um cientista social que produziu, no Século
XIX, uma teoria que marcaria as ciências sociais:
o materialismo histórico. Ele previu que o sistema, fruto da sua investigação sobre a mecânica
do capitalismo, seria superado pela emancipação do proletariado, dando origem a uma nova
sociedade.
A essência do marxismo é a ideia de que
tudo se encontra em constante processo de muConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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dança, e a força desse movimento ocorre através dos conflitos resultantes das contradições
existentes em uma mesma realidade social. Esse
conflito é a luta de classes e explicar a história
da humanidade, o proletariado vende a sua força
de trabalho à burguesia - a classe dominante - e
recebe apenas parte do valor que produz.
Ao contrário do que pensa Durkheim, a
consciência social não explica as relações sociais, ela própria é que precisa ser explicada:
“não é a consciência dos homens que determina a sua existência é, pelo contrário, a sua existência social que determina a sua consciência’’
(VILA NOVA,1995 p.67). Os modos de pensar e
de agir em sociedade são um reflexo das relações entre os homens, para conseguir os meios
necessários à sobrevivência.
Na visão desse pensador, as relações capitalistas eram consideradas como um fenômeno
histórico, mutável e contraditório, cuja essência
traz os impulsos de ruptura, principalmente através do processo de alienação a que o trabalhador
era submetido mediante a divisão do trabalho.
Combater a alienação e a desumanização geradas pelo capitalismo, através da industrialização, seria a função social da Educação. Marx via,
na instrução das fábricas criadas pelo capitalismo, qualidades a serem aproveitadas, para que
se formasse um ensino transformador. A escola
deveria lutar contra um ensino baseado na tendência tecnicista, um ensino profissionalizante,
que levava as escolas industriais a ensinarem o
estritamente necessário para tão somente uma
função determinada. Para ele, a Educação deveria ser, ao mesmo tempo, intelectual, física e
técnica. Esse seria o objetivo da revolução preconizada por Marx, na qual o capitalismo seria
superado pela emancipação dos trabalhadores.
2.3.1. Equilíbrio e conflito, duas correntes:
Durkheim e Max
Durkheim protagoniza um sistema de
ideias, a “corrente do equilíbrio”, baseado na
concepção de sociedade como um sistema de
relações que tende a manter a ordem estabelecida para a sua organização através do CONSENSO, enfatizando os fatores da estabilidade e de
manutenção da organização social. Tal funcionamento social só será possível, segundo essa
21
teoria, a partir da concepção de homem por ela
difundida - a do homem como coisa, como objeto
social (VILA NOVA, 1995).
De Marx, originou-se a “corrente do conflito”,
que concebe a educação como um sistema em
equilíbrio precário, em que a organização social
ocorre mediante relações sociais estabelecidas
pelo conflito de classes, uma realidade em contínua e necessária transformação. Aqui, o fundamento da sociedade é o conflito, e a visão de homem como sujeito, um ser social historicamente
determinado, é uma ideia básica (IBID, 76).
Longe de um purismo na organização social, depreende-se que, na sociedade, consenso
e conflito de interesses coexistem, alternam-se e
se influenciam mutuamente. Mais adiante, continuaremos falando de outros pensadores e refletindo sobre essa mesma problemática.
2.4. O teórico da superestrutura
(Antonio Gramsci, 1891-1937)
Filosofo italiano e cofundador do partido comunista italiano, Gramsci é um expoente do pensamento de esquerda do Século XX. Mediante a
revisão do conceito de Estado em Marx, Gramsci
subdividiu-o em duas esferas, a saber: a sociedade política e a sociedade civil. Na sociedade
civil, a dominação se expressa sob a forma de
hegemonia, e na sociedade política, sob a forma de ditadura. Gramsci foi caracterizado como
o teórico da superestrutura, o que lhe permitiu
pensar em uma teoria dialética da educação,
mesmo sem ser considerado um teórico dessa
área. Diferentemente dos teóricos marxistas, deteve-se notadamente no papel da cultura e dos
intelectuais orgânicos de classe nos processos
de transformação histórica.
Gramsci acreditava na revolução proletária através da transformação das mentalidades,
uma espécie de revolução das ideias, das formas
de pensar do indivíduo. Nesse contexto, a função social dos intelectuais orgânicos de classe
da escola é evidente. Foi o teórico que atribuiu à
escola e a outras instituições da sociedade civila
uma dupla função estratégica, a função dialética
de conservar e minar as estruturas capitalistas.
Somente nesse esquema de Gramsci é possível
conceber uma pedagogia do oprimido e uma
educação emancipatória institucionalizada, pois,
22
para o autor, as instituições estatais não são
somente instâncias reprodutoras mecânicas da
ideologia do Estado, mas também o início, a possibilidade de transformar e de fazer surgir uma
nova mentalidade ligada às classes dominadas,
à construção de uma visão de mundo que viabilizasse o acesso à condição de cidadão ao indivíduo pertencente às classes desfavorecidas. Para
tanto, defendia Gramsci que, logo nos primeiros
anos de vida escolar, deveria haver um currículo
que apresentasse noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e os direitos e deveres do cidadão.
Antonio Gramsci propõe uma escola unitária, que esteja acima das diferenças entre classes, através do trabalho como um princípio educativo e do esforço, para superar o senso comum.
Essa visão de educação influenciou e influencia,
até hoje, as ciências sociais voltadas para a educação de modo geral. Autores da importância de
Apple, Giroux, Saviani, Frigotto, Kuenzer, entre
outros, retratam essa afirmação.
2.5. Pedagogia do Oprimido
(Paulo Freire) (1921-1997)
Resistir a Paulo Freire seria fazer um discurso enfadonho. Ele é considerado o educador brasileiro mais reconhecido no Brasil e
no mundo. Segundo sua ideia, o processo de
conscientização, que determina a mudança
e a transformação social em uma sociedade,
ocorre, necessariamente, através da educação
para a consciência. A educação, isolada, não
pode alavancar a transformação social, embora,
sem ela, não possa haver transformação social
(FREIRE, 1982).
O fio condutor das obras de Paulo Freire
reside nos temas geradores, que levam à conscientização e à mudança. Para ele, a consciência
crítica da realidade social, cultural e política possibilita a descoberta e a compreensão da própria
identidade, da cidadania, do valor dos diferentes
saberes, do respeito a si mesmo e do respeito ao
saber pessoal, acumulado em uma época em que
a educação era entendida como pertencente ao
bojo das condições sociais e políticas decorrentes do nacionalismo e da chamada era desenvolvimentista brasileira, iniciada pela revolução de
1930 e terminada com o golpe militar de 1964.
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A filosofia freireana, a partir do desenvolvimento de um pensamento pedagógico eminentemente político, originou o “método de alfabetização” de adultos, que o tornou o mais célebre
educador brasileiro. O principal livro do educador é a Pedagogia do Oprimido, em que se conceituam e se explicam os caminhos da sua teoria. Freire afirma que vivemos em uma sociedade
dividida em classes, onde os privilégios de uns
impedem que a maioria usufrua os bens produzidos, em especial, a educação. Refere-se, assim,
a dois tipos de Pedagogia: a Pedagogia dos Dominantes, em que a educação existe como prática da dominação, e a Pedagogia do Oprimido,
que precisa ser exercitada, para que a educação
se torne uma prática da liberdade. Esse tipo de
educação Freire qualificou de educação bancária, pois, como o próprio nome diz, o professor
deposita conhecimento no aluno, que recebe docilmente o saber. Havia, portanto, uma escola
alienante e ideologizada.
Assim, poder-se-iam adquirir condições,
através da alfabetização, de romper com a cultura
do silêncio, transformando a realidade, como sujeito de sua própria história, pronto a aprender, a
transformar e a se transformar. Nas palavras de
Freire, “o mundo não é, o mundo está sendo”.
Outros teóricos poderiam ser referidos aqui,
porém isso será feito em outra ocasião.
CONCLUSÃO
Diante de todo esse aparato teórico, deixamos nossas conclusões propositivas dialogadas
desejosas de, em outro momento, mencionar
outras teorias e outros conhecimentos. Mas, entendemos que é mister destacar a relação entre
as práticas desenvolvidas no interior da escola e
a percepção do professor sobre o processo ensino-aprendizagem. A adoção do professor de
qualquer viés sobre a relação desenvolvimento
e aprendizagem requer, necessariamente, que o
professor compreenda e defina o seu papel nesse
processo. Dessa forma, os professores e as pessoas, em geral, podem aderir a essas políticas e
a essas diretrizes, resistir a elas ou dialogar com
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elas e passar a formular, coletivamente, outras
práticas formativas que levem à construção de
outro tipo de sujeito a ser educado - o sujeito
crítico e construtor da própria história.
Interessante também registrar a importância de os professores e os que fazem a escola
terem uma postura equilibrada e não adotarem
atitudes sonhadoras, que acha ser possível uma
autonomia total das escolas, prescindindo totalmente dos instrumentos normativos e operativos
das instâncias superiores.
A escola não está isolada do sistema social,
político e cultural em que está inserida. Nesse
contexto, os professores podem recriar seu espaço de trabalho junto com seus pares, em função da qualidade das aprendizagens dos alunos
e de objetivos pessoais, profissionais e coletivos.
A educação continuada do educador é apontada como condição indispensável à implantação
das mudanças em uma escola que se redireciona
em busca de saberes e de práticas. Os educadores são desafiados a mudar e a inovar, a fim
de atender às expectativas da atual sociedade e
de adquirir novas técnicas metodológicas capazes de transformar o espaço-escola do aprendiz
em algo dinâmico, significativo e participativo e
aproximar a teoria da prática, com uma postura
interdisciplinar, por meio da qual seja possível
criar estratégias para viver. No entanto, esse espaço, esse tempo e este artigo são um instrumento pedagógico didático para o enfrentamento dessa situação. Afinal, acreditamos no poder
do conhecimento, da critica, da prática educativa
do professor, do educador, na construção de uma
escola e de sociedade mais justas e mais compromissadas com a justiça social cidadã.
Assim, à guisa de uma conclusão, ancoramonos também em um imperativo, como fizemos no
início deste texto, com Boa Ventura de Souza Santos, que reverencia Sartre ao afirmar: “Antes de
concretizada, uma ideia apresenta uma estranha
semelhança com a utopia” (SARTRE apud SANTOS, 2006, p.31). É necessário e urgente, portanto, acreditarmos na possibilidade de o sonho se
tornar realidade e, nesse processo, transformar a
utopia em uma realização concreta.
23
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MORIN, Edgar – Os sete saberes necessários à educação do futuro.
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24
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Genilson José da Silva* e Maria das Graças de Almeida Baptista**
A relação teórico-prática na
formação docente em EJA
RESUMO:
O presente estudo tem como objetivo compreender a relação teoria e prática na formação docente continuada em Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A metodologia desenvolve-se numa perspectiva qualitativa, fundada no materialismo histórico dialético, porquanto é o caminho epistemológico para se compreenderem as relações estabelecidas no processo de formação docente e dos
conflitos e das contradições da prática educacional. Os resultados apontam que
há uma carência histórica, no âmbito da formação de educadores(as) em EJA
e no campo da escolaridade dessa população, que atravessa os documentos
oficiais e os pensamentos dos teóricos, que esboçaram suas ideias sobre essa
temática, focando-as no preparo técnico e pedagógico dos(as) professores(as).
Esses aspectos favorecem uma reflexão sobre os saberes que são produzidos
na prática educacional, mediante o trabalho humano, e que marcam as condições da unidade entre teoria e prática. O trabalho docente, ao dissociar a teoria
da prática, o pensar do fazer, o idealizar do projetar, a ação contemplativa da
ação prática e o ato de conhecer do ato de criar, faz o educador sentir-se fora
do trabalho e fora de si mesmo no trabalho.
Palavras-chave: Teoria. Prática. EJA. Formação docente continuada.
ABSTRACT:
The present study aims to understand the relationship between theory and
practice in teacher education in young and adults education (EJA). The methodology is developed in a qualitative perspective founded in historical and
dialectic materialism, which is the epistemological path to understanding the
(*) Graduado em Pedagogia pela UFPB – CE. Campus João Pessoa. (**) Professora Doutora do Departamento de Fundamentação da Educação da UFPB – CE. Campus João Pessoa.
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25
relationships established in the context of teacher training and of the conflicts
and contradictions of educational practice. The results show that there is a
historical lack in the context of teachers training in EJA, and in the field of
education of this population, through official documents and the thoughts of
the theorists, which outlined his ideas on this subject, focusing on the technical
and pedagogical preparation of the teachers. These aspects lead to a reflection
on the knowledge that is produced in educational practice by human work that
mark the conditions of unity between theory and practice. The teaching work
decoupling theory and practice, thinking and doing, idealize and the design,
the contemplative action and practical action, the act of knowing and the act
of creating, does the educator feel out of work, and out of each other at work.
Key words: Theory. Practice. EJA. Continuing teacher education.
INTRODUÇÃO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), no
Brasil, tornou-se um tema de política educacional, sobretudo a partir dos anos 60, com a proposta de alfabetização de adultos do educador
Paulo Freire, um dos principais expoentes da
educação popular na época, embora tenha havido ações educativas muito tímidas nesse sentido, que data das décadas de 30 e 40, com a
Constituição Federal de 1934.
Historicamente, essa modalidade de ensino
esteve e está cercada por difíceis desafios, como
a fragilidade nas políticas públicas, o alto índice
de analfabetismo, a evasão escolar, a pobreza, a
vulnerabilidade social, os baixos salários, o orçamento insuficiente e uma grande carência, ainda
na formação docente, para os educadores e as
educadoras que lecionam nessa modalidade de
ensino. No entanto, detemo-nos nas propostas
educacionais referendadas nos documentos oficiais para a formação docente e a profissionalização dos educadores de adultos que, há muitos
anos, transitam na agenda da educação pública
como requisito fundamental ao crescimento sócio-econômico e cultural da sociedade.
Nessa modalidade de ensino, a taxa de evasão, no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de
Educação Básica de 2012, corresponde a mais
de 42%, na Região Nordeste. Em 2010, a EJA
teve, aproximadamente, 1,2 milhões de alunos
matriculados no Ensino Fundamental, no 1º seguimento da EJA, incluindo a educação presen26
cial, a semipresencial e a integrada à educação
profissional presencial e semipresencial. Nesse
mesmo ano, nessa modalidade de ensino, a Região Nordeste contou com 92.592 professores
atuando na educação presencial, 2.191, na semipresencial, e 1.002, na presencial e semipresencial. A Paraíba se coloca nessa estática como um
dos estados com a maior taxa de analfabetismo
do país, o que corresponde a 21,9% as pessoas
com 15 anos ou mais de idade e que serão matriculadas na EJA porque se encontram fora da
faixa etária regular.
Por conseguinte, a formação do educador
para atuar nessa modalidade de ensino é um caminho de construção de conhecimentos e aprendizagens, razão por que entendemos que o papel
mais importante do educador, perante a realidade escolar e a sociedade, em seu contexto político e cultural, é de colaborar para transformar
a sociedade em suas dimensões sócio-políticas,
considerando a dimensão econômica. É formar os
sujeitos em sua totalidade socioeducativa e apontar-lhes as ferramentas que possam ajudá-los a
conhecer, a compreender, a alcançar, a considerar,
a julgar e a apropriar-se do conhecimento.
Nesse sentido, algumas inquietações nos
levam a buscar respostas para as seguintes
perguntas: Para o educador de EJA, existe uma
formação docente continuada? Como conciliar a
formação do educador da EJA com a prática educacional, buscando a compreensão e a dinâmica
dessa prática, assim como as experiências teórico-práticas? Essas e outras questões nos instiConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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gam a investigar como ocorre a relação entre a
teoria e a prática da formação docente continuada, nos documentos oficiais, em âmbito nacional
e municipal.
A necessidade de observar a EJA em outra
perspectiva é latente, de forma que contribua
para a formação dos indivíduos como seres políticos e produtores de cultura, como um ser autônomo, capaz de ser, de ler e de dizer o mundo,
que tem um saber, que é capaz de conhecer cada
vez mais, que é capaz de fazer e de viver junto.
sujeitos concretos que a engendraram com sua
atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só
existe pelo homem e para o homem, como ser
social” (Ibid., p. 194).
A prática é aqui a finalidade que determina a teoria,
e, como toda finalidade, essa prática ou mais exatamente, esse projeto ou antecipação ideal da prática, só
será efetiva com o concurso da teoria. A prática, como
objetivo da teoria, exige um correlacionamento consciente com ela, ou uma consciência da necessidade da
prática que deve ser satisfeita com a ajuda da teoria
CONCEPÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA
Ressaltamos que a concepção de teoria que
se quer expressar neste trabalho é no sentido de
unicidade entre teoria e prática, como guia e direcionamento teórico na efetivação do trabalho
e na formação docente continuada, como define
Vázquez (1968, p. 202): “a atividade teórica em
seu conjunto – ideologia e ciência – considerada
também ao longo de seu desenvolvimento histórico, só existe por e em relação com a prática, já
que nela se encontra seu fundamento, sua finalidade e seu critério de verdade”.
O autor também nos alerta que a atividade
teórica, por si só, não transforma o mundo nem
a realidade e permanece apenas como uma ideia
que justifica o real, porquanto não se realiza e se
objetiva conscientemente na prática:
Ao nosso ver, a atividade teórica não é de per si uma
forma de práxis. Ainda que a ‘prática’ teórica transforme percepções, representações ou conceitos, e crie um
tipo peculiar de produtos que são as hipóteses, teorias,
Leis, etc., em nenhum desses casos se transforma a
realidade (Ibid., p. 202).
Ressaltamos, ainda, que a concepção de
prática concebida neste trabalho é a prática
como trabalho humano, objetivo, criativo, transformador e materializado conscientemente, com
a finalidade de transformar o real para satisfazer
à necessidade humana. Como destaca Vázquez
(1968), “a atividade prática é real, objetiva ou
material”, e sua finalidade é a “transformação
real, objetiva do mundo natural ou social para
satisfazer a determinada necessidade humana”,
cujo resultado será “uma nova realidade, que
subsiste independentemente do sujeito ou dos
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(Ibid., p. 233).
A formação do educador concebe-se, segundo Freire (1997, p. 11), pela “tensão dialética entre teoria e prática. É pensar a prática enquanto
a melhor maneira de aperfeiçoar a prática. Pensar a prática através de que se vai reconhecendo
a teoria nela embutida”.
OS DOCUMENTOS OFICIAIS SOBRE A EJA
Nos documentos oficiais, em âmbito nacional, a EJA é uma política educacional, considerada como um direito subjetivo ao indivíduo
e obrigação do Estado, sobretudo, posterior à
Constituição Federal de 1988, que garante, no
Título dos Direitos Individuais e Coletivos, o direito à educação a todos os cidadãos brasileiros.
O art. 208 dispõe que “o dever do Estado com
a educação será efetivado mediante a garantia
de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito,
assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para
todos os que a ele não tiveram acesso na idade
própria” (BRASIL, 1988).
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), nº 9.394/96, no Título V, art.
37º, a EJA é definida como uma Modalidade da
Educação Básica: “a Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio, na idade própria” (BRASIL,
1996).
No Título III, art. 4º, do direito à educação
e do dever de educar, consta que “o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de” “oferta de ensino
noturno regular, adequado às condições do educando” (Inciso VI), e “oferta de educação escolar
27
regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que
forem trabalhadores as condições de acesso e
permanência na escola” (Inciso VII).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para
o primeiro seguimento da EJA, aprovadas em
2000, por meio do Parecer da Câmara de Educação Básica (CEB) nº 11/2000, do relator Carlos Roberto Jamil Cury, educador e intelectual da
educação, deram um grande passo ao considerar
a educação como um direito social à cidadania.
excluídos do sistema regular de ensino.
Estão incluídas, nesse contingente, pessoas que dominam tão precariamente a leitura e a escrita que ficam
impedidas de utilizar eficazmente essas habilidades
para continuar aprendendo, para acessar informações
essenciais a uma inserção eficiente e autônoma em
muitas das dimensões que caracterizam as sociedades
contemporâneas. Em países como o Brasil, marcados
por graves desníveis sociais, pela situação de pobreza
de uma grande parcela da população e por uma tradição política pouco democrática, baixos níveis de escolarização estão fortemente associados a outras formas
Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pú-
de exclusão econômica e política (2001, p. 35).
blica será efetivado mediante a garantia de: [...] VII.
Oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às
suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se
aos que forem trabalhadores as condições de acesso e
permanência na escola (BRASIL, 1996).
O Plano Nacional de Educação (PNE) para
o decênio 2011-2020, que tramita no Congresso
Nacional, ressalta, na meta número 10, que dispõe especificamente sobre a EJA, a reserva de
25% das matrículas para a EJA, integrada à educação profissional: “oferecer, no mínimo, 25% das
matrículas de educação de jovens e adultos na
forma integrada à educação profissional nos anos
finais do ensino fundamental e no ensino médio”.
A meta número 15, sobre o processo de
formação inicial e continuada de professores e
profissionais da educação em geral, dispõe, na
submeta 15.10, que é preciso “implementar cursos e programas especiais para assegurar formação específica em sua área de atuação aos
docentes com formação de nível médio na modalidade normal, não-licenciados ou licenciados
em área diversa da de atuação docente, em efetivo exercício”.
A Proposta Curricular para o primeiro seguimento da EJA aponta a necessidade de um
projeto curricular direcionado a ela, como subsídio para a formulação de currículos e planos de
ensino aos educadores e aos objetivos do programa. Convém ressaltar que quase todo o público
de educandos da EJA compõe-se de adolescentes e jovens trabalhadores, com responsabilidades profissionais e domésticas, que tiveram passagem fracassada pela escola e/ou que foram
28
Quanto ao educador de jovens e adultos,
ressalta, além das qualidades necessárias, como
a solidariedade, a autonomia, a sensibilidade, a
responsabilidade, a disposição para encarar os
desafios e a confiança na capacidade dos educandos de aprender, para ensinar, precisa “buscar conhecer cada vez melhor os conteúdos a
serem ensinados, atualizando-se constantemente. Como todo educador, deverá também refletir
permanentemente sobre sua prática, buscando
os meios de aperfeiçoá-la” (Ibid., p. 46).
Em âmbito municipal, as Diretrizes Curriculares de 2012, para o Município de João Pessoa,
indicam, em seus objetivos, que a proposta da
EJA deve garantir uma prática pedagógica sistemática, de modo que os estudantes jovens, adultos e idosos consigam dominar o saber em processo permanente de construção e reconstrução
do conhecimento integrado à qualificação profissional, assim como promover a escolarização e
superar o analfabetismo:
Promover a escolarização, promoção e protagonismo
dos jovens, adultos e idosos que não puderam ter acesso aos estudos na faixa etária correspondente, bem
como superar os índices de analfabetismo e dos baixos
níveis de escolarização da população com 15 anos de
idade ou mais, dentro da perspectiva de uma política
de inclusão social emancipatória (2012, p. 21).
Define que a Formação Continuada em EJA
tem, dentre seus objetivos, “propor novas metodologias e colocar os profissionais a par das discussões teóricas atuais, com a intenção de contribuir para as mudanças que se fazem necessárias
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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a melhoria da ação pedagógica” (2012, p. 18).
Ao tratar da gestão administrativa e pedagógica, defende que será necessário aos docentes “participação efetiva na Formação Continuada, de acordo com as especialidades de cada
segmento”. Por isso, a EJA é um segmento de tamanha relevância, numa instituição educacional,
e, para o crescimento coletivo e sócio-político da
comunidade de educandos e da escola de modo
abrangente, é necessário, sobretudo, a formação
continuada do seu corpo docente, uma vez que
são diversas as questões e os desafios da prática
educativa.
No tópico que diz respeito às atividades previstas para a formação docente na EJA, constam
dois seminários de formação para professores,
durante o ano letivo, com caráter orientador e
avaliativo (JOÃO PESSOA, 2012, p. 23). Portanto,
um programa de formação docente que contemple os diversos segmentos da educação, como
os(as) educadores(as) dos Ciclos I e II da EJA,
exige um diálogo entre teoria e prática, tensão
entre experiências e trabalho docente, entre a
idealização e a ação e entre o fazer pedagógico e o pensar pedagógico, como ressalta Ireland
(2000, p. 1), ao tratar da formação de educadores e alfabetizadores de adultos:
A história da formação de educadores para a educação
de adultos, seja popular ou não popular no Brasil tem
sido marcada, na maioria das experiências de grande
ou pequena escala, pelo improviso. Basta boa vontade,
um mínimo de compromisso político e uma semana de
formação e o educador está preparado para enfrentar o
grande desafio da educação da população adulta.
Compreendemos a formação docente continuada não só como um processo de formação
profissional dos(as) professores(as), mas também como um processo de formação política,
científica, didática, pedagógica, teórica e prática, que consiste em descobrir, organizar, fundamentar, revisar e construir conhecimentos sobre
o exercício do seu trabalho, da sociedade e, sobretudo, da realidade que vivencia cotidianamente, como define Freire (1997, p. 74):
A formação permanente das educadoras, que implica
a reflexão crítica sobre a prática, se funda exatamente
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nesta dialeticidade entre prática e teoria. Os grupos de
formação, em que essa prática de mergulhar na prática para, nela, iluminar o que nela se dá e o processo
em que se dá, são, se bem realizados, a melhor maneira de viver a formação permanente.
Assim, a Prefeitura Municipal de João
Pessoa (PMJP), seguindo essas orientações,
mantém, por meio da Secretaria de Educação
e Cultura (SEDEC), o Programa de Formação
Continuada presencial, denominado Formação
Continuada dos Trabalhadores em Educação. No
link, Programas/Formação Continuada dos Trabalhadores em Educação, no site da SEDEC João
Pessoa, está escrito que essa formação “objetiva subsidiar os trabalhadores dessa área, para
uma melhor sistematização de sua prática, especialmente com relação ao processo de ensino
e aprendizagem escolar, centrado em uma perspectiva de educação inclusiva”. Há, também, o
Projeto Professor Plugado, no site SEDEC João
Pessoa, cuja formação continuada ocorre a distância e objetiva “garantir um amplo processo de
inclusão digital de todos os educadores da Rede
Municipal através da formação de novas tecnologias [...] melhorando suas aulas, participando de
formações à distância e atuando nos sistemas
de informação da SEDEC”. No entanto, ambos
os projetos são voltados para o preparo técnico e
pedagógico dos(as) professores(as), (o ensino de
conteúdos, metodologias, manuseio dos recursos tecnológicos, avaliações de aprendizagem e
planejamento) e não sinalizam para o fato de que
a reflexão sobre a relação teoria e prática implica
não somente para a formação técnica e profissional, mas também para o processo de formação
política, como um todo, ou seja, transformação,
ascensão e emancipação social.
A FORMAÇÃO CONTINUADA EM EJA
A partir do exposto, conclui-se que os cursos de formação continuada carecem de uma
reflexão acerca da prática educacional, com o
objetivo de transformar a sociedade e a si próprio, mediante o trabalho humano, marcar as
condições que tornam possível a passagem da
teoria para a prática e assegurar a unidade indissociável. Por isso, o desafio posto na relação
entre teoria e prática, na formação docente con29
tinuada em EJA, é problematizar, estimular e provocar os(as) educadores(as) a refletirem sobre
uma prática educacional consciente, considerando que não há prática sem teoria nem teoria sem
prática, pois, como define Freire (1996, p. 38),
em sua obra Pedagogia da Autonomia, ensinar
exige reflexão crítica sobre a prática.
A prática docente crítica, implicante do pensar certo,
envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer
e o pensar sobre o fazer. [...] é fundamental que, na
prática da formação docente, o aprendiz de educador
assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores
que iluminados intelectuais escrevem desde o centro
do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador.
O Plano Municipal de Educação (PME) de
João Pessoa menciona que a educação já não dá
mais conta das mudanças e das inovações tecnológicas da sociedade moderna e reconhece que,
para acompanhar o ritmo acelerado das transformações no atual contexto da globalização, a
educação precisa atender às demandas quantitativas e qualitativas emergentes da sociedade,
desprezar o caráter assistencialista das políticas
públicas e incorporar as mais variadas concepções e práticas educativas para atender às complexidades inerentes à EJA. Assim, refere que
o trabalho com esse público, numeroso e heterogêneo,
com interesses e competências adquiridas na prática
social, requer que se diversifiquem os programas e as
formas de atendimento, bem como se fortaleça a autonomia do professor como resgate do seu papel técnico
e profissional (2003, p. 64).
O plano também reconhece que a EJA
precisa incorporar, em sua prática pedagógica,
o conhecimento construído cotidianamente, dentro e fora da sala de aula, objetivando a troca
de experiências e o diálogo entre os educandos
e a comunidade. O currículo deve se pautar na
formação ética para a cidadania, na convivência
social, na pluralidade cultural, no trabalho, no
consumo, na sexualidade e na saúde.
A formação continuada presencial e semipresencial promovida pela PMJP, por meio da
30
SEDEC, para os professores da Rede Municipal
de Ensino, enfatiza que a formação inicial e continuada do educador deve levar em conta as dificuldades sentidas pelos educadores em seu dia
a dia, a participação e a integração da escola
com a comunidade e os aspectos econômicos,
cultural, político e social relacionados à prática
pedagógica: “é preciso que os educadores se
conscientizem do seu compromisso com o desenvolvimento pessoal e educacional dos alunos,
criando situações [...] articuladas aos aspectos
éticos do convívio sociocultural” (Ibid., p. 65).
Também admite a importância da formação
inicial e de sua continuidade na constituição do
educador e na concepção de um novo fazer pedagógico, consonante com a realidade e com
as dificuldades de seus educandos: “no tocante
à formação dos professores, é importante que a
mesma ocorra considerando a etapa inicial e continuada, [...] possibilitando-lhes novas formas de
conceber o seu fazer pedagógico” (Ibid., p. 65).
Nesse pressuposto, compreendemos que
a formação continuada é uma fase fundamental para o crescimento profissional e intelectual
dos professores, por isso, essa responsabilidade
deve ser assumida tanto pela Secretaria Municipal de Educação quanto pelo próprio profissional
da educação, a qual é o principal instrumento da
docência que garante a superação dos desafios
do cotidiano, da prática educacional e a reflexão
sobre o seu trabalho.
A formação do educador em EJA tem sido
um processo de estudos, pesquisas e inquietações no âmbito educacional, pois o desafio posto aos educadores(as), atualmente, exige novas
alternativas teórico-metodológicas e didático-pedagógicas que prezem pela formação sócio-política, profissional e pelas mudanças correntes no
mundo do trabalho, visto que os alunos da EJA
estão vinculados a algum tipo de atividade e buscam na escola possibilidades de aprendizagem
e capacidades que enriqueçam o conhecimento
e aperfeiçoem suas qualificações técnicas e profissionais.
As exigências do mercado, dos meios de
produção e dos setores de serviços formais e informais, na sociedade, ficam mais complexas a
cada dia. Com os avanços tecnológicos, o processo de modernização empresarial, as influências
da globalização, os saberes e as competências
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dos educadores e das educadoras também devem acompanhar essas mudanças sem desprezar os avanços científicos no âmbito da educação
e da formação docente continuada, por isso, o
aperfeiçoamento profissional é fundamental ao
professor de EJA.
Assim, partimos da reflexão que faz Freire
(1997, p. 40), em sua obra, Professora sim, tia
não, sobre a ação pedagógica no trabalho docente, ao sustentar que a segurança, a firmeza
e o domínio da prática educacional prescindem
de reflexão teórico-científica, que possibilita ao
educador compreender o educando e o contexto
sociocultural em que está inserido:
Não posso estar seguro do que faço se não sei como
fundamentar cientificamente a minha ação, se não tenho pelo menos algumas ideias em torno do que faço,
de por que faço, para que faço. Se pouco ou nada sei
sobre ou a favor de que e de quem, de contra que e
contra quem faço o que estou fazendo ou farei.
Baptista (2008, p. 211) também aponta
que o encontro das dimensões teoria e prática
posto em questionamentos instiga a novas perspectivas e a novas possibilidades de solucionar
os obstáculos provenientes do ambiente de trabalho, num constante devenir:
Toda educação deve necessariamente implicar a ação
humana consciente e objetivada. Em Gramsci, a educação deve superar o senso comum e favorecer a construção de uma concepção crítica do mundo em que o
sujeito se compreenda, além de sujeito ativo (embora
efetivamente já o seja), protagonista da história, mesmo que dentro de certos limites.
Na formação continuada do(a) educador(a)
em EJA, são imprescindíveis a troca de experiências e o diálogo com outros profissionais,
como já se faz nos cursos de formação. Porém,
carecem de orientações teóricas metodológicas
que respondam às necessidades da realidade e
apontem caminhos para as mudanças e a transformação no contexto histórico social condicionado pelos elementos políticos ideológicos que
atendem aos interesses da consciência social
dominante.
No processo de formação do educador, os
docentes têm possibilidades de se apropriar do
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conhecimento mediante seu trabalho e a formação continuada, frente às exigências da prática
educacional recheada de desafios, como a mecanização da rotina e a fragmentação dos conteúdos didático-pedagógicos aliados às mudanças
politicas, sociais, tecnológicas e econômicas. Porém, esse processo também faz com que os(as)
educadores(as) mergulhem em sua prática inundada com respostas espontâneas, equivocadas,
distorcidas e desarmadas da curiosidade epistemológica, como ressalta Freire (1996, p. 38): “o
saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, ‘desarmada’, indiscutivelmente
produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica
que caracteriza a curiosidade epistemológica do
sujeito”.
A relação entre teoria e prática é um dos
grandes desafios não só para a EJA, como também para os demais cursos de formação de professores, tanto na fase inicial de sua formação
quanto na continuidade. As dimensões teoria e
prática estão inter-relacionadas e são imprescindíveis em todo o processo educacional e profissional dos(as) educadores(as).
A formação docente continuada é o momento de sistematizar a atuação prática, refletir
sobre ela e planejar a articulação da teoria com
os conhecimentos e o contexto social, cultural
e econômico. É, também, o ponto de partida
para uma leitura crítica da história e das lutas
políticas acerca da educação e do processo de
formação docente, no Brasil, circunstanciada
pelas desigualdades e oportunidades, pelas jornadas duplas de trabalho, pelo subemprego, pelas carências que a EJA sofre nas cidades e no
campo e pelos desafios políticos e pedagógicos
enfrentados pelos(as) educadores(as) na prática
docente.
Freire (1992, p. 168), ao esboçar seu pensamento sobre a formação permanente dos educadores da EJA, ressalta:
Qualquer tentativa de pôr em prática uma educação
que, primeiro, respeitando a compreensão do mundo
dos educandos os desafie a pensar criticamente; segundo, que não separe o ensino do conteúdo do ensino do pensar certo, exige a formação permanente dos
educadores e das educadoras. Sua formação científica,
mas, sobretudo, exige um empenho sério e coerente no
31
sentido da superação das velhas marcas autoritárias,
elitistas, que perduram nas pessoas em que elas ‘habitam’, sempre dispostas a ser reativadas.
A esse respeito, Ireland (2000, p. 2) nos esclarece que a formação de educadores de adultos tem como ponto de partida a experiência e
que as demandas do mercado de trabalho, das
novas tecnologias e da globalização da economia
exigem respostas à altura do campo da educação, sobretudo quando se trata da formação do
educador(a) e, mais especificamente, do educador popular: “consideramos a formação como o
componente chave que articula e intermedia esta
distância dinâmica entre a proposta escrita/idealizada e a realidade cotidiana da prática”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação de Jovens e Adultos atende,
majoritariamente, a trabalhadores que querem
se sentir sujeitos ativos, participativos e que almejam, sobretudo, melhores situações de trabalho, econômicas, culturais e sociais. Pertencem à
mesma classe social, porém com baixos salários,
e consomem o básico para sobreviver, como educação, saúde, segurança e outros. Contudo, essa
modalidade de ensino precisa, urgentemente, de
seriedade com seus educandos, compromisso
com a educação pública gratuita e acessível a
todos e responsabilidade com a política pedagógica de formação docente.
Quanto à formação docente continuada em
João Pessoa, há uma carência histórica, não só
no âmbito da formação de educadores(as) em
EJA mas também do nível de escolaridade da população. Compreende-se, então, que a formação
continuada não é só um processo de formação
profissional dos(as) professores(as), mas também de formação política, científica, didática,
pedagógica, teórica e prática e, por isso, não
32
pode focar apenas o preparo técnico e pedagógico dos(as) professores(as) (o ensino de conteúdos, metodologias, manuseio dos recursos
tecnológicos, avaliações de aprendizagem e planejamento).
Nessa perspectiva, o desafio é problematizar, estimular e provocar o momento de reflexão
sobre a prática educacional consciente dos professores(as), buscando envolvê-los nas lutas políticas educacionais e no processo de formação
docente circunstanciado pelas desigualdades e
oportunidades, pelas jornadas duplas de trabalho, por suas carências nas cidades e no campo e
pelos desafios políticos e pedagógicos enfrentados pelos(as) educadores(as) na prática docente.
A relação teoria e prática tem sido colocada
frente ao processo de formação continuada para
os(as) educadores(as) da EJA em duas formas:
a primazia da dimensão teórica sobre a prática
e a prática dissociada da teoria. Entretanto, a
reflexão sobre essa relação na formação docente, inicial e continuada, deve favorecer o questionamento sobre a validade e o seu significado
para os(as) educadores(as), para os sujeitos com
quem trabalham e para a comunidade da qual
fazem parte.
Assim, considerando a relevância dos saberes que são produzidos na prática educacional
para a constituição docente e para a finalidade
do seu trabalho - a transformação da sociedade
mediante o trabalho humano - compreende-se
que essa relação só poderá ocorrer, de fato, com
a unicidade entre a teoria e a prática.
Por fim, devido aos desafios e aos obstáculos postos à EJA, sabe-se que não há fórmulas
que sejam válidas para todos e em todos os lugares, o que se deve é levar o conhecimento à
crítica em função da história e do contexto educacional, e para que isso ocorra, a teoria deve
ter sentido à luz da prática docente, e a prática
docente deve dar sentido à teoria.
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Referências
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oprimido. Ed. 10. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992.
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IRELAND, T. D. A construção de um processo de formação para educadores-alfabetizadores: reflexões em torno de uma experiência no
nordeste brasileiro. La Piragua, Ciudad de Mexico, n.17, p. 29-37,
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2011/2020). Projeto em tramitação no Congresso Nacional / PL no
8.035 / 2010 / Organização: Márcia Abreu e Marcos Cordiolli. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2011. 106 p. – (Série
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JOÃO PESSOA. Professor plugado. PMJP/SEDEC. Disponível em:
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Janeiro de 2003.
FREIRE, P. Professora sim, tia não. São Paulo: Editora Olho da Água,
1997.
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Editora Civilização
Brasileira S.A., 1968.
33
34
Erenildo João Carlos* e Dafiana do Socorro Soares Vicente**
Considerações sobre o aparecimento do livro
didático da educação de jovens e adultos no Brasil
RESUMO:
Assentado em uma ótica analítica e bibliográfica, o presente texto discute o aparecimento do livro didático, destinado à educação escolar de jovens,
adultos e idosos, no contexto da sociedade brasileira. Para tanto, realiza um
movimento de análise que problematiza duas dimensões articuladas da questão: o surgimento do livro como produto da própria invenção da escrita e como
um momento de ruptura no processo de produção do livro, provocada, sobretudo, pela intencionalidade pedagógica exigida pelo espaço social de aprendizagem escolar. Finaliza com o entendimento de que a trajetória do livro didático
da EJA, no país, resultou do reconhecimento e da garantia da especificidade
da EJA: inicialmente, como uma prática educativa específica; posteriormente,
como uma modalidade de ensino própria.
Palavras-chave: Escrita. Livro didático. Educação de jovens e adultos.
ABSTRACT:
Framed in a biographical and analytical view, this text discusses the appearance of the school textbook intended to youth, adults and elderly people education in the background of the Brazilian society. Aiming to achieve this goal,
it carries out an analysis work that problematizes two articulated dimensions
of the issue: on the one hand, the appearance of book as an outcome of the
invention of writing itself is highlighted; on the other hand, it emphasizes the
appearance of textbook as a breaking point in the process of book manufacturing, which was caused mainly by the pedagogical intentionality required on
the social area of school learning. It terminates with the understanding that
the path of EJA textbook in Brazil has resulted from the acknowledgement and
assurance of EJA specificity: initially as a specific educational practice, and
subsequently as a teaching modality itself.
Keywords: Writing, Textbook, Youth and Adult Education.
(*) Professor Doutor em Educação do Departamento de Fundamentação da Educação da UFPB/CE - Campus João Pessoa.
(**) Pedagoga, graduada pelo Curso de Pedagogia Presencial da UFPB/CE - Campus João Pessoa.
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INTRODUÇÃO
Historicamente, a humanidade tem sido
marcada por processos de desenvolvimento sociocultural. Os seres humanos - racionais e laborais - foram produzindo mecanismos de sobrevivência ao longo de sua t rajetória existencial.
Nesse processo, devido à necessidade de registrar os acontecimentos, de expressar, de compartilhar e de comunicar o que viviam, sentiam e
pensavam, inventaram a escrita que, ao longo de
sua história, passou por várias transformações.
Estudos arqueológicos comprovam que,
antes da invenção da escrita, outros artefatos
culturais foram inventados. Inicialmente, as
pinturas e os desenhos foram alternativas encontradas pelos primitivos para registrarem os
acontecimentos de sua vida, sua cultura, seus
modos de produção, suas divindades, enfim,
suas ideias sobre a realidade concreta. Esse tipo
de escrita, isto é, de registros simbólicos grafados em pedras, foi denominado pelos arqueólogos de petróglifos.1
Esses achados apontam que, apesar da carência de instrumentos mais sofisticados e de
uma noção mais complexa sobre a realidade, as
pinturas rupestres expressavam a cosmovisão
que o homem primitivo tinha e transmitia. A pedra foi o primeiro meio de expressão permanente em suportes.2 Oliveira (1984, p. 17) destaca
que foi nesse momento em que se concretizou
a possibilidade da “necessidade de se criarem
meios permanentes de expressão”, com os
quais os seres humanos pudessem não só dizer
algo uns para os outros, em situações concretas
de existência, mas também deixar seu legado
para as gerações futuras. Por sua vez, Martins
(1996) defende que o esforço humano de utilizar
as mãos, em suas primeiras tentativas de gravar as paredes da caverna, fazia com que eles
exercitassem sua capacidade de abstração e de
representação, e não, apenas, sua habilidade de
utilizar as mãos.
Graças ao esforço humano para registrar
os acontecimentos do cotidiano, os petróglifos
foram sofrendo modificações. A partir de 5.000
aC., surgiram povoações que encontraram na
agricultura o meio de desenvolvimento urbano e
agrícola. O povo sumério foi quem investiu nesse modelo econômico. Além disso, a Suméria foi
construída aos redores dos templos sagrados,
recebeu as marcas da religiosidade e propiciou
o sustento dos cléricos. Essas transformações
societárias exigiam os registros da movimentação e do armazenamento dos bens, a definição
dos dias de trabalho dos trabalhadores e o registro do rol do rebanho nos templos. Nessa nova
realidade cultural, acentou-se o desenvolvimento
da escrita.3
Antes da escrita, a imagem foi o símbolo
através do qual os seres humanos se comunicavam. Essas imagens-símbolos evoluíram e se
tornaram diversos sistemas de escrita.4 Posteriormente, a escrita aproximou-se da linguagem,
chegou aos sinais fonéticos, depois passou pelo
sistema silábico e, por fim, chegou às escritas
consonânticas, que se desenvolveram, inicialmente, no Oriente Médio, e só chegou ao alfabeto na Fenícia, desde o Século XVI ou XV aC. Só
no Século IX a.C., os gregos adotaram o alfabeto
da Fenícia, acrescentando-lhes as vogais e dispondo a escrita da esquerda para a direita. Foi a
partir desse alfabeto que se originaram o alfabeto latino e o moderno.
Assim como a palavra, que exigia a fala e
a voz como veículo, a escrita também requeria
um suporte no qual pudesse operar o registro
simbólico daquilo que se pretendia transmitir e
comunicar. Nesse processo, a pedra, a argila, a
madeira, o metal, o couro e o papel foram os suportes da escrita, o que denota que sua invenção
sempre esteve associada a algum tipo de material que possibilitasse sua existência. E no seio
da articulação entre escrita e suporte, surgiu a
ideia de livro. Labarre (1981, p. 07-08) destaca,
em sua obra, “A história do livro”, que “[...] o
aparecimento do livro está ligado aos suportes
da escrita e que o mais antigo livro parece ser
1. Gravuras rupestres: pinturas e desenhos preservados nas cavernas e as imagens gravadas nas pedras. Oliveira (1984) diz que os petróglifos seriam mensagens propiciatórias dirigidas
às forças misteriosas reverenciadas pelo grupo ou uma preleção endereçada às gerações futuras, demonstrando o desejo de materializar o pensamento através de sinais acessíveis à
compreensão da coletividade.
2. Instrumento capaz de imobilizar, fixar o pensamento e a linguagem articulada.
3. Oliveira (1984, p. 45) destaca que foi na Suméria onde a escrita nasceu, desenvolveu-se e se transformou em admirável instrumento de trabalho.
4. Cuneiformes sumérios, depois, mesopotâmios, hieróglifos egípcios, creto-minoicos, hititas, caracteres chineses e ideogramas. É no estágio dos ideogramas em que as representações
já não sugerem apenas objetos, mas também ideias abstratas.
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de pedra, desde as pictografias rupestres até as
estelas e as inscrições do antigo Oriente e da Antiguidade Clássica”. O autor afirma que, apesar
de reconhecer que essa técnica de registrar em
pedras os acontecimentos das sociedades tem
um valor documental, ela não se configurava,
ainda, como um livro, e a madeira foi o primeiro
suporte dos verdadeiros livros. Além desses elementos, a ideia de livro estaria vinculada a sua
edição, ao desejo de difundi-lo e de conservá-lo,
diferenciando-o dos documentos de arquivo.
Mesmo com o avanço na confecção e na
produção do livro em diversos suportes5 ou formas, Escolar (1977, p.09) afirma que “o papiro, denominado de volume,6 foi a forma de livro
mais usada na Antiguidade Clássica por todos
os povos, principalmente entre os gregos e os
romanos”, independentemente de outros formatos, como as tabuinhas cobertas de cera e o código de pergaminho. Esse tipo de produção, tanto nos rolos de papiro quanto nas tabuinhas de
argila, configurou-se como um tipo de livro por
mais de dois mil anos. Os conteúdos veiculados
nessas produções eram conjuros, poemas religiosos, normas jurídicas, tratados e narrações
históricas, atos administrativos e comerciais, rudimentares conhecimentos médicos, agrícolas e
astronômicos.
No Século III aC., o pergaminho começou a
ser usado na confecção dos livros. Era feito com
pele curtida de animais. Labarre (1981, p. 10)
descreve esse tipo de material como “simultaneamente mais sólido e mais flexível que o papiro e
permitia que se raspasse e apagasse”. Todavia,
apesar desse avanço, só no Século IV o papiro
foi suplantado e deu lugar ao pergaminho.
Para Escolar (1977, p. 13), esse tipo de produção iniciou-se na cidade de Pérgamo, durante
o imenso império de Alexandre Magno. Nesse
mesmo período, havia a famosa Biblioteca de
Alexandria, onde essa produção era depositada,
e havia difusão comercial. Seu papel, na transmissão dos textos, era capital. Labarre (1981,
p.10) complementa, afirmando que
Pérgamo foi, sem dúvida, um importante centro de
fabricação desse novo material, que, em latim, chamava-se de pergamineum. Utilizavam-se peles de carneiro, bezerro, cabras, bode, até mesmo de jumento ou
antílopes, e submetiam-nas a uma preparação cujas
modalidades pouco variavam até à Idade Média.
Quanto ao papel, foi inventado pelos chineses e substituiu o pergaminho, que se tornou o
instrumento fundamental do desenvolvimento
humano. Apesar de ser descoberto na China, foi
conquistado, primeiramente, pelos árabes, que
o introduziram no mundo islâmico. Seu acesso à
Europa cristã só aconteceu nos últimos anos da
Idade Média. A resistência da Europa Cristã por
esse novo material era devido a sua fragilidade.
Apesar da fragilidade apontada pelos gregos, o papel potencializou a proliferação de textos, o que promoveu o avanço do ensino e da
pesquisa e um considerável crescimento no
campo da Medicina, da Teologia, da Astronomia, da Filosofia, da História, da Geografia e
de textos de caráter narrativo e poético. Também fomentou a secularização da cultura e o
desenvolvimento das Universidades na Europa
cristã. Essas mudanças aconteceram porque
o papel era um material de mais fácil acesso e
mais barato que o pergaminho.7 Como destaca
Escolar (1977, p.20), a “generalização do papel
provocou o incremento do livro, passando a ser
copiado agora pelos próprios estudantes universitários ou por profissionais, o que deu lugar a
um comércio de livro muito ativo”. O autor enfatiza que o comércio de livros se expandiu com a
criação da imprensa, no Século XV, na cidade de
Mogúncia, graças à iniciativa de Gutemberg, que
facilitou a reprodução e a divulgação do livro e o
libertou da cópia manuscrita.
No Brasil, o livro começou a ser produzido
em 1808, quando D. João VI, fugido da invasão
napoleônica, criou a primeira imprensa. Todos
os equipamentos foram oriundos de Portugal,
da imprensa Régia,8 assim como o núcleo do
acervo que, posteriormente, constituiu-se na
5. Argila, usada na Mesopotâmia; os tecidos (principalmente a seda), os ossos, as carapaças e o bronze entre os chineses; em conchas, fragmentos de cerâmica, os óstracas, entre os
povos semitas e gregos; folhas de palmeiras, nas índias; além desses, o tijolo, o marfim, a ardósia e metais diversos. (LABARRE, 1981.p, 08)
6.Em seu livro, ‘História do livro em cinco mil palavras’, Escolar (1977) afirma que o volume era uma longa tira enrolável, ou seja, um rolo de lâminas de papiro, presas umas às outras
pelos lados, e onde largas colunas, escritas em um único lado, equivaliam às atuais páginas.
7.Mais detalhes sobre o aparecimento do papel, ler: LABARRE, Albert. História do livro. Trad. Maria Armanda Torres e Abreu. São Paulo: Editora Cultrix. INL. 1981, p. 32.
8.Razzine (2005, p.100), ao tratar da Imprensa Régia, declara que, posteriormente, ela foi denominada de Imprensa Nacional.
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Biblioteca Nacional. Contudo, segundo Lindoso
(2004, p.56), a “impressão de livros só veio a
acontecer comercialmente bem mais tarde, e até
o final do Século a maior parte dos livros editados no Brasil era feita em Portugal ou em Paris”.
Em todo o Império, as Editoras se concentravam
no Rio de Janeiro e, com algumas exceções, em
São Paulo. Esses fatores eram devidos às poucas condições econômicas e tecnológicas para
a produção de livros. Tanto o atraso tecnológico
da produção de papel, no Brasil, quanto o preço
das tarifas alfandegárias desestimulavam a fabricação local.
no que tange às produções de manuais didáticos no Brasil, tanto Hallewel (1982, p. 206-211)
quanto Lindoso (2004, p.63) estabelecem uma
vinculação entre o desenvolvimento editorial no
país com o avanço no campo educacional, conforme mostra este fragmento:
Francisco manteve a linha de trabalho do tio, ampliando-a com a inclusão de material didático para a escola
primária e desenvolvendo a parte editorial. Os livros
didáticos proporcionam uma linha de vendas segura
e permanente; dão também ao editor nacional uma
vantagem sobre os competidores estrangeiros, cujos
produtos jamais podem adaptar-se tão bem as condi-
A PRODUÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO
NO BRASIL E SUA ESPECIFICIDADE
ções e aos currículos locais. Baptiste Garnier já tinha,
por essa razão, começado, a desenvolver a publicação
de livros didáticos, mas Francisco Alves foi o primeiro
A necessidade do livro didático e de sua valorização, nos espaços públicos e privados, urbanos e rurais de aprendizagem, fez com que ele
adquirisse o estatuto pedagógico de componente curricular crucial do processo ensino-aprendizagem, constituído em uma espécie de bússola
orientadora do fazer pedagógico de um número
considerável de educadores. Para muitos, a única fonte do conhecimento sistematizado.
A produção de livros com autores brasileiros ocorreu através do francês, Garnier, que se
tornou o mais importante editor brasileiro do
Século XIX. O tino comercial desse visionário o
ajudava na escolha dos autores para a publicação de livros em sua editora. José de Alencar e
Machado de Assis foram os mais importantes
autores que compuseram a sua equipe. Das
publicações editadas por Garnier, havia romances, poesias, mas também teve como destaque
as edições de livros 9 escolares. Foi o primeiro
a investir em livros voltados para a educação.
Todavia, foi Francisco Alves o primeiro editor
brasileiro a fazer dos livros escolares a base fundamental do seu negócio, cuja política era de
produzi-los com preços baixos. A livraria de Francisco Alves foi fundada em 1854, na cidade do
Rio de Janeiro, e se expandiu por São Paulo, em
1894, e Belo Horizonte, em 1910.10 Em relação
à nacionalização do livro e seu desenvolvimento,
editor brasileiro a fazer disso o principal esteio de seu
negócio. (1982, p. 207)
As tendências que marcarão a edição brasileira nas décadas seguintes são: a primeira
e mais importante é a estreita relação entre o
desenvolvimento da indústria editorial e o crescimento da rede de escolas e do número de estudantes. (2004, p 63-64)
Com a pretensão de esboçar os aspectos relevantes da trajetória do livro no Brasil, Razzine
(2005, p. 100) assinala que, no Século XX, com
a expansão da escola pública e os novos modos
de ler na escola, foram definidas demandas para
a produção de livros didáticos. Esse fenômeno
histórico assegurou a presença do livro didático
no cotidiano escolar, assim como a exigência de
formulação e regulamentação de uma política
nacional destinada à sua produção e circulação
no país. Segundo Bittencourt (2008, p. 28-29a),
a questão do livro didático emergiu, no cenário
brasileiro, no final do Século XVIII, para oferecer
suporte à formação dos professores e assegurar-lhes o domínio de um conteúdo básico a ser
transmitido aos alunos. Já no Século XIX, predominou como principal instrumento de trabalho
dos professores e dos alunos, como depositário
dos saberes provenientes das diferentes disciplinas escolares.
9. Garnier publicou para as escolas livros de gramática, aritmética e geometria, história natural, instrução moral e cívica e dicionários.
10. Quanto a esse dado, consulte: HALLEWELL (1982); LINDOSO (2004); RAZZINI (2005); BITTENCOURT (2008).
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37
Nessa mesma linha de investigação, Freitag (1989, p.12) lembra, com propriedade, que
“remontam a 1937 as primeiras iniciativas desenvolvidas pelo Estado Novo para assegurar a
divulgação de obras de interesse educacional
e cultural, criando o Instituto Nacional do Livro
(INL), órgão subordinado ao MEC”, visando dar
maior legitimação aos livros didáticos nacionais
e, consequentemente, contribuir para o aumento de sua produção. Competia, ainda, ao INL gerenciar todos os trabalhos relacionados ao livro
didático, como planejar atividades e estabelecer
convênios com órgãos e instituições, a fim de assegurar sua produção e distribuição. Concordando com o entendimento de que esse momento
foi um marco na história do livro didático no Brasil, assinala Gatti (2005, p.382):
pedagógico dos livros didáticos. Quanto à função da Comissão Nacional do Livro Didático, o
Decreto-lei 1.006 de 30/12/1938, em seu Art.
10, afirma:
Compete à Comissão Nacional do Livro Didático: a)
examinar os livros didáticos que forem apresentados,
e conferir julgamento favorável ou contrario a autorização de seu uso; b) estimular a produção e orientar
a importação dos livros didáticos; c) indicar os livros
didáticos estrangeiros de notável valor, que mereçam
ser traduzidos e editados pelos poderes públicos, bem
como sugerir-lhes a abertura de concurso para a produção de determinadas espécies de livros didáticos de
sensível necessidade e ainda não existentes no país;
d) promover, periodicamente, a organização de exposições nacionais dos livros didáticos, cujo uso tenha
sido autorizado na forma dessa lei.
[...] até a década de 1920 os livros destinados ao Brasil eram de origem estrangeira, advindos da Europa
(França e Portugal). Eram editados no exterior o que
consequentemente nem todos os brasileiros tinham
acesso devido ao valor exorbitante, ficando nas mãos
dos filhos da elite.
Ensina-nos, ainda, Freitag (1989, p.12)
que, nessa década, o Ministério da Educação
instituiu a Comissão Nacional do Livro Didático
(CNLD), por meio do Decreto-lei nº 1.006/38,
de 30/12/1938, produzindo, em seu Art. 2º, §
1º e § 2º, uma compreensão sobre a natureza
didático-pedagógica do livro utilizado nos espaços escolares, conforme pode ser lido no trecho
abaixo:
Art. 2º, § 1º - Compêndios são livros que exponham
total ou parcialmente a matéria das disciplinas constantes dos programas escolares; § 2º - Livros de leitura
de classe são os livros para leitura dos alunos em aula;
tais livros também são chamados de livros texto, livrotexto, compêndio escolar, livro escolar, livro de classe,
manual, livro didático.
Além disso, a CNLD instituiu uma composição da organização da comissão, representada
por sete membros indicados pela presidência.
Vale ressaltar que a função da Comissão era a
de examinar e julgar o valor dos livros didáticos.
Na verdade, ela exercia muito mais um controle político-ideológico do que avaliava o caráter
38
Sobre isso, assinala Freitag (1989, p. 24)
que “a criação da Comissão insere-se em um rol
de medidas visando à reestruturação e o controle ideológico de todo o sistema educacional
brasileiro”. Naqueles anos, foram criadas outras
medidas que contribuíam para o reforço do aparato ideológico da Comissão, como o ensino de
moral e cívica, em todos os níveis, a expansão do
ensino profissionalizante para a classe operária,
entre outras. A autora (1989, p.13) destaca que,
no artigo 20 do decreto em questão, dos onze
enumerados, somente cinco diziam respeito a
questões genuinamente didáticas, os demais se
referiam a critérios associados à autorização de
sua publicação.
Na década seguinte, com o Decreto-lei nº
8.460, de 26/12/45, o Estado brasileiro não
somente ratificou a legislação sobre a produção
e a utilização do livro didático, como também
realizou um ato administrativo profundamente
democrático, ao possibilitar que os professores
escolhessem os livros a serem usados em suas
escolas, conforme ressalta seu Art. 5º:
[...] Os poderes públicos não poderão determinar a
obrigatoriedade de adoção de um só livro ou de certos e determinados livros para cada grau ou ramo
de ensino nem estabelecer preferência entre os livros
didáticos de uso autorizado, sendo livre aos professores de ensino primário, secundário, normal e profissional a escolha de livros para uso dos alunos, uma
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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vez que constem da relação oficial das obras de uso
autorizado.
Segundo Molina (1988, p.22), esse dispositivo ganhou força a partir de 1985, quando
aumentou a possibilidade de que os professores seriam realmente os detentores do poder
no mercado do livro didático, já que, segundo
a autora, o governo, na Nova República, colocou
como uma de suas metas educacionais a autonomia do educador na escolha dos materiais
didáticos que seus alunos da rede pública receberiam gratuitamente do Estado.
No país, a consolidação da trajetória específica do livro didático fez com que, em 1966, o
governo militar inserisse, no acordo estabelecido
entre o MEC e a USAID (Agência Norte-americana
para o Desenvolvimento Internacional), a criação
da Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED), que passou a substituir a CNLD.
Essa nova Comissão tinha a responsabilidade de
coordenar as ações referentes à produção, à edição e à universalização/democratização do livro
didático, assim como à criação de bibliotecas e
à formação de educadores e de instrutores em
todo o território nacional. Lindoso (2004, p. 9293), ao tratar sobre o livro didático no Brasil, diz
que “[...] a COLTED produzia cadernos e outros
materiais didáticos escolares e estava iniciando
um programa de edições de dicionários, atlas e
alguns outros títulos com preços altamente subsidiários” e que as suas ações “[...] envolviam
uma consulta aos professores dos livros disponíveis, seguindo de uma seleção por especialistas e da aquisição das quantidades definidas de
exemplares diretamente das editoras para distribuição nas escolas”. Segundo o autor, “com
a implantação do programa, em 1969, foram
distribuídos, aproximadamente, seis milhões de
exemplares”.
Alinhando-se a esse movimento, a Portaria
nº 35, de 11/3/1970, do Ministério da Educação, implementou o sistema de coedição de livros com as editoras nacionais, com recursos do
Instituto Nacional do Livro (INL) que, em 1971,
passou a desenvolver o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLINDEF) e
assumiu as atribuições administrativas e de gerenciamento dos recursos financeiros, até então
sob a responsabilidade da COLTED. A contrapartida das Unidades da Federação passou a ser
necessária, com o término do convênio entre o
MEC e a USAID, e se efetivou com a criação do
sistema de contribuição das unidades federadas
para o Fundo do Livro Didático. 11
Com o Decreto nº 77.107, de 4/02/1976, o
Estado compra grande quantidade de livros para
distribuir com parte das escolas e das unidades
federadas. Com a extinção do INL, a Fundação
Nacional do Material Escolar (FENAME) torna-se
responsável pela execução do programa do livro
didático. Os recursos advinham do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e
das contrapartidas mínimas estabelecidas para
participação das Unidades da Federação. 12
Um fato relevante, no que tange à configuração do livro didático, é que sua impressão
sofreu várias alterações, inclusive em sua dimensão didática, que foi se tornando mais rebuscada e rigorosa pedagogicamente, o que se faz
presente até hoje. Essas modificações e adaptações foram adequando-se não somente ao desenvolvimento tecnológico, mas também às mudanças da realidade escolar brasileira, advindas
do processo de democratização do ensino, o que
permitiu o acesso de outros sujeitos, oriundos
das classes populares (da zona urbana ou rural),
como jovens, adultos e idosos, no ambiente escolar, expressando-se, desse modo, na lógica de
produção dos livros escolares.
Gatti (2005, p. 383) afirma que, a partir da
década de 1970, a elaboração e a atualização
dos livros didáticos produzidos no Brasil tiveram
um avanço considerável e urgente e passaram
a ter propostas didático-pedagógicas diferenciadas, com forte teor cognitivista na configuração
das metodologias de ensino. Sofreram um processo de modernização na estrutura física (forma) e mudanças no perfil dos seus autores, que
atuavam, exclusivamente, em faculdades e universidades, e passaram também a ter a presença de docentes de escolas destinadas às classes
médias e, preferencialmente, com experiência
no Magistério. Vale destacar que, somente na
11. Sobre isso, ver: BRASIL, Programas – Livro didático: histórico. <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-historico>.
12. Quanto aos aspectos históricos dos programas do livro didático, consultar: <http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-historico>.
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década de 1990, os autores não ficaram restritos ao papel de escritores, mas também de responsáveis pela divulgação de suas obras.
Em 1983, foi criada a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), com a finalidade de
examinar os problemas dos livros didáticos,
com critérios de avaliação puramente técnicos,
porquanto se analisavam a durabilidade, a qualidade do papel e da encadernação, a quantidade
de cores utilizadas, entre outros aspectos. Esses critérios partiam dos pressupostos encontrados na Resolução nº 113, de 31 de março
de 1976, em que sete itens foram elencados
para a análise das obras didáticas na época, a
saber: em primeiro lugar, a forma, incluindo os
aspectos editoriais, como título, índice, prefácio,
glossário, bibliografia, identificação e o aperfeiçoamento físico, que envolvia impressão, encadernação, marginação, ilustração, tipo de papel,
espaçamento e linguagem. Em segundo lugar,
analisavam-se o conteúdo informativo, a metodologia e o planejamento pedagógico.13
A partir de 1997, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) se tornou o
responsável pela política de execução do PNLD,
que foi resultado de um processo de formulações e reformulações, propostas por diferentes
governos, diferentes políticas e diferentes interesses. Tinha como objetivo adquirir e distribuir,
gratuitamente, livros didáticos de qualidade das
diversas áreas - Alfabetização, Matemática, Língua Portuguesa, Ciências, História, Geografia e
Dicionários da Língua Portuguesa para todos os
alunos matriculados na rede pública.
Pelo exposto, o livro didático foi, gradativamente, sendo erigido pelo Estado brasileiro como
um recurso necessário ao processo de transmissão dos saberes sistematizados, atrelados às
economias, às políticas e às concepções específicas. Nesse sentido, Bittencourt (2008, p. 72b)
assinala que o livro didático é desenhado a partir
de “um sistema de valores, de uma ideologia, de
uma cultura”, expressão da concepção de mundo
hegemônica de determinada época e lugar.
Sobre a dimensão ideológica do livro didático, alguns estudos ganharam visibilidade no
âmbito nacional, a partir de 1980, através de
Freitag e colaboradores (1993); Nosella (1981),
Bonazzi e Eco (1980) e Molina (1988), que
analisaram as ideologias subjacentes nos livros
didáticos e concluíram que, nesses materiais,
havia valores oriundos das classes dominantes,
que se contrapunham à realidade concreta da
grande massa da sociedade brasileira - as classes populares. Ademais, além de mediador da
proposta curricular oficial e dos aspectos ideológicos hegemônicos, o livro didático sempre
teve uma dimensão pedagógica, como ressalta
Gatti (2005, p.386):
[...] pode-se afirmar que é possível examinar o núcleo
constitutivo de uma disciplina escolar nos livros didáticos que, no caso brasileiro, assumiram um duplo
papel: o de portador dos conteúdos disciplinares e
o de organizadores das aulas. É perceptível o fato de
que nos livros didáticos apresentam-se os conteúdos
disciplinares de formas explicitas. Assim, esses conteúdos, que constantemente mudam, são sempre uma
seleção daquilo que deve ser trabalhado nas escolas.
Esse caráter seletivo é extremamente importante na
compreensão dos livros didáticos.
Garantido juridicamente, mediante um ordenamento jurídico específico, assumido pelo
Estado mediante uma política nacional própria,
valorado pedagogicamente no cotidiano escolar,
por docentes e discentes, o livro didático acabou
por se tornar uma mercadoria, um produto a ser
ofertado pelas editoras e a ser comprado pelo
Estado, pelas escolas privadas ou por pais de
alunos. Antes de chegar às mãos dos professores e dos alunos, os materiais didáticos passam
por processos de industrialização e comercialização que obedecem à lógica do mercado, dos
interesses do Estado e dos segmentos dominantes da sociedade.
Com efeito, pensar o livro didático exige
considerar suas diferentes fases de elaboração,
construção, circulação e consumo. Entretanto,
tudo isso só tem sentido por causa de sua função escolar. Todo investimento é possível devido
ao entendimento constituído historicamente e
compartilhado socialmente de que o livro didático é um recurso pedagógico relevante para professores, pais e alunos e indispensável para o estudo e o acesso ao conhecimento sistematizado.
13. Esses itens estão elencados no texto de MOLINA, Olga. Quem engana quem? Professor X Livro didático. Papiro. Campinas, SP. 1988, p. 28.
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Certamente, nos últimos anos, o livro didático passou a ser 14 objeto de apreciação e de
crítica pedagógica, ao se avaliarem sua qualidade e correção gráfica, seus efeitos na aprendizagem do aluno e no ensino do professor; de
reflexão estética, ao se discutirem as implicações da cultura visual e seus entrelaçamentos
na aprendizagem e no ensino do saber escolar;
de investigação e de luta ideológica, pelo fato de
se analisarem a mensagem de seu conteúdo e a
concepção de mundo e de homem que pretendem instituir e circular na sociedade; de crítica
política, por se debaterem a responsabilidade
da intervenção do Estado e a participação da
sociedade civil organizada em sua elaboração e
reprodução; de investimento econômico, ao se
ponderar sobre seu caráter mercadológico e as
implicações dessa lógica no processo de produção, comercialização e consumo.
O LIVRO DIDÁTICO NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS
Conforme foi exposto, existe uma relação
entre escrita e livro. Ora, se essa vinculação pode
ser considerada intrínseca ao movimento histórico de invenção do livro, em geral, e do didático,
em particular, em se tratando de Educação de Jovens e de adultos, agregam-se as peculiaridades
próprias de sua história e a realidade sociocultural dos educandos brasileiros. Por essa razão,
pode-se dizer que, no Brasil, o aparecimento e a
consolidação do livro didático da educação de jovens e adultos constituem um capítulo da história
geral do livro didático em nosso país.
Pode-se dizer que, no cerne da mobilização do Estado e da sociedade civil organizada
em prol da luta contra o analfabetismo no Brasil, o livro não foi o foco principal das preocupações pedagógicas por dois motivos: por conta
de as condições precárias dos próprios sujeitos
que a EJA sempre atendeu serem oriundas das
camadas menos favorecidos e excluídos socialmente e por causa da impossibilidade de um
livro contemplar a diversidade cultural e social
do povo brasileiro, o que, do ponto de vista po-
lítico-pedagógico, acarretaria profundas dificuldades na condução do próprio trabalho de
aquisição da escrita.
O texto e o material didático adotado, geralmente fichas ou cartilhas, conferiam mais liberdade e flexibilidade ao educador em considerar
a realidade do educando com quem trabalhasse.
Entretanto, gradativamente, por razões pedagógicas, culturais, ideológicas, políticas e econômicas, mencionadas nos tópicos anteriores, a
questão do livro didático começou a ser tratada, na década de 1940, no ínterim das iniciativas em prol da erradicação do analfabetismo
no país. Exemplos conhecidos da mobilização
a que estamos nos referindo são: a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário
(FNEP), em 1942, durante o Estado Novo; a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa
(INEP), com o surgimento das primeiras obras,
especificamente destinadas ao ensino supletivo;
a primeira Campanha de Educação de Adultos
Analfabetos (CEAA), através da qual tiveram início reflexões sobre a elaboração de materiais
didáticos voltados para adultos e a realização
de eventos que oportunizaram diálogos entre
os agentes da educação sobre a temática: o 1º
Congresso Nacional de Educação de Jovens e
Adultos (1947) e o Seminário Interamericano de
Educação de Adultos (1949). 15
A primeira Campanha de Educação de
Adultos (CEA), em 1947, resultou na atuação do
setor público no sistema de produção e elaboração de materiais didáticos para essa modalidade de ensino, tendo em vista o desenvolvimento
das habilidades da escrita e das operações de
matemática; noções de cidadania, saúde e higiene e Geografia e História. Foi nesse cenário
que a União promoveu a articulação entre os governos estaduais e municipais e arregimentou o
apoio da sociedade civil organizada, que envolveu diferentes sujeitos na produção de recursos
didáticos. A produção de materiais didáticos,
durante a Campanha de Educação de Adultos,
foi destinada ao setor de Orientação Pedagógica do Serviço de Educação de Adultos (SEA).
Segundo Beisiegel (2004, p.100), o SEA foi ins-
14 Sobre esses olhares, consultar GATTI, Décio Jr. In. Entre políticas de Estado e práticas escolares: uma história do livro didático no Brasil. STEPHANOU, Maria; Bastos, Maria Helena
Câmara. (Orgs.). Histórias e memórias da Educação no Brasil Vol. III – Século XX. Petrópolis, RJ. Vozes, 2005.
15 Sugerimos a leitura de Baisiegel (2008) para aprofundar esse assunto.
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talado como serviço especial do Departamento
Nacional de Educação, ainda no ano de 1947,
que, nessa ocasião, “... concluía a elaboração de
cartilhas e textos de leituras e iniciava sua distribuição, em larga escala, para todas as unidades
do ensino já instaladas”.
Se a Primeira CAE foi um marco histórico
no âmbito nacional da educação de jovens e
adultos, também se configurou como a primeira
iniciativa na elaboração e produção de materiais
didáticos em larga escala, visando à distribuição
em todo o território nacional. A quantidade de
publicações de materiais didáticos distribuídos
durante a CEA demonstra a dimensão do impacto da Campanha na produção didática.
Fávero (1986) e Beisiegel (2004) assinalam
que, até o final da década de 1950, os materiais
produzidos pelo Serviço de Educação de Adultos
(SEA) foram: Ler - Primeiro guia de leitura; Saber
– 2o livro de leitura; Caderno de Aritmética; Tirar
leite com Ciência, Como guardar ovos; Lindaura
vai fazer manteiga, O grão de ouro, Lindaura vai
fazer requeijão, Guerra à saúva, Terra cansada,
Uma das Melhores Frutas do Mundo; Cartilha de
Saúde (Alfabeto da Saúde); Maranduba; Tuberculose, malária e Maria Pernilongo. Beisiegel (Idem)
assinala que todas essas publicações “desenvolviam, coerentemente, na prática, a orientação imprimida ao ensino supletivo pela direção central
da Campanha de Educação de Adultos” e que o
conteúdo das publicações – materiais didáticos
básicos para a alfabetização – identificava-se
como os do ensino primário infantil.
Na década de 1960,16 novas perspectivas
para a Educação Básica e para a Educação de
Adultos foram formuladas, no bojo do debate
gestado durante o II Congresso de Educação de
Adultos, realizado em 1958, e das discussões
sobre a elaboração da primeira LDBEN, depois
de cuja promulgação foi elaborado o PNE. Durante o Governo de Jânio Quadros, emerge, no
cenário nacional, o Movimento de Cultura Popular (MEB), num convênio entre a Conferência Na-
cional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Ministério de Educação e Cultura (MEC). Nessa mesma
ocasião, foi organizada a Mobilização Nacional
contra o Analfabetismo (MNCA), que não chegou
a ser implantada; ocorreram o Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular (1963) e a
criação da Comissão Nacional de Alfabetização,
com o Plano Nacional de Alfabetização (1964).
Assinala Baisiegel (2004) que o governo federal foi perdendo, gradativamente, o controle
e a liderança no campo da educação de adultos. Uma nova liderança emergiu e se fortaleceu,
oriunda dos movimentos de cultura e educação
popular, com uma proposta17 teórico-metodológica freireana para a alfabetização de adultos,
como o Movimento de Cultura Popular de Recife
(MCP), a Campanha de pé no chão também se
aprende a ler, de Natal, que chegou a produzir
um livro de leitura para a alfabetização, o Centro Popular de Cultura da União dos Estudantes
(CPC) da UNE, o Movimento de Educação de
Base da Igreja Católica (MEB) e a Campanha de
Educação Popular da Paraíba.
A partir de Freire, foi introduzida, no campo
da educação de adultos, uma série de materiais
didáticos que possibilitaram uma maneira diferente de se alfabetizar. Moura (2007, p. 24) assevera que esse “[...] período foi extremamente
fértil no campo de produções de livros didáticos
destinados à educação popular, à educação de
adultos e à Alfabetização, graças à grande efervescência no âmbito das instituições públicas e
dos Movimentos de Cultura Popular”. Nessa ocasião, Osmar Fávero foi um dos elaboradores da
produção de materiais didáticos para a EJA, utilizados no início da década de 60, nas escolas
radiofônicas do Movimento de Educação de Base
(MEB), patrocinado pela Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB), apoiado pelo MEC.
Na ótica de Fávero (1982), o Sistema Rádio Educativo Nacional (SIRENA) foi organizado
com a presença de diversos profissionais de várias áreas do conhecimento - Educação, Saúde,
16. No início de década de 60, os movimentos de caráter popular que emergiram no cenário nacional eram compostos por intelectuais, políticos e estudantes, oriundos da esquerda
marxista, vinculados a grupos liberais ou provenientes de movimentos católicos, que tinham como objetivo promover a participação política das massas e com o processo de tomada
de consciência em torno das problemáticas vigentes na sociedade brasileira.
17. Segundo Moura (2005), as ideias e as propostas de Freire fazem eco entre todos os que optaram por se dedicar às tarefas de educação e alfabetização das classes populares, na
perspectiva da leitura do mundo e da leitura da palavra de forma em que seus sujeitos pudessem intervir conscientemente na estrutura social. Beisiegel (2008), ao fazer referência
ao modelo de educação proposto por Paulo Freire, destaca que seria uma educação fundada na prática do diálogo, que estimulasse a participação do adulto analfabeto, visando à
resolução de problemas e ao desenvolvimento da capacidade de refletir criticamente sobre esses problemas, formando a consciência crítica e a personalidade democrática, tendo em
vista a emancipação dos sujeitos, na perspectiva de torná-los protagonistas de suas histórias.
18. A Radiocartilha foi elaborada no final da década de 1950, pelo Sistema Rádio Educativo Nacional (SIRENA), e se estendeu até o início dos anos 60.
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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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Agronomia e Veterinária. Produziu a Radiocartilha,18 utilizada nas escolas radiofônicas, sobretudo no sistema mãe de Leopoldina, no âmbito
da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, e em alguns sistemas radiofônicos do
MEB, aproximadamente até o final de 1962.
Moura (Idem) destaca alguns materiais didáticos produzidos nesse período, quais sejam:
em 1963, foram elaborados o primeiro e o segundo volumes dos livros de leitura para adultos:
“Saber para viver”; “Viver é lutar”19, “Saber para
construir” e a Coleção mutirão,20 produzidos pelo
MEB, que objetivavam alfabetizar para formar a
consciência crítica dos alunos. Nesse mesmo
ano, a Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR) produziu um livro de leitura para
recém-alfabetizados, chamado de “Força e trabalho”, que não chegou a ser impresso. A Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”
elaborou um livro de leitura com esse título.
Além desses, outros materiais didáticos foram produzidos pelo Centro Popular de Cultura
(CPC). Porém, grande parte foi destruída por um
incêndio criminal da sede na UNE em 1964. Os
materiais traziam em seu arcabouço conteúdos
vinculados à cultura popular, como música, poesia, peças de teatro, filmes e folhetos de cordel,
a saber: o cordel Bumba-meu-boi, de Capinam,
representado pelo CPC/Bahia; o Livro de leitura
para adultos, do CPC/Goiás, e a cartilha Uma
família operária, do CPC/Belo Horizonte, além
das poesias divulgadas no Violão de rua.
No Brasil, após os anos de ditadura militar,
na década de 1990, foi criada a Coleção Viver
e aprender,21 direcionada para o primeiro segmento do Ensino Fundamental e elaborada pela
Ação Educativa, sob a coordenação do MEC, que
distribuiu, aproximadamente, seis milhões de
livros. Em 2004, foi ampliada, com livros temáticos para o segundo segmento do Ensino Fundamental. Nesse mesmo ano, o Instituto Paulo
Freire produziu livros para o primeiro segmento
do Ensino Fundamental, destinado ao novo Tele-
curso da Fundação Roberto Marinho.
Nessas duas últimas décadas, diversas organizações e instituições contribuíram para a
produção de materiais didáticos para a EJA. A
ONG “Serviços de apoio à pesquisa em Educação” produziu os paradidáticos intitulados Aluá
(almanaque). Todavia, entre os paradidáticos
destinados à EJA, destacaram-se os livros do
Projeto Integrar, da Central Única dos Trabalhadores, e a coleção do Núcleo de Educação Popular do Centro de Educação da UFPE.
Entre 2001 e 2007, foi sendo elaborada a
Coleção Cadernos da EJA,22 adotada pelas escolas municipais da cidade de João Pessoa/PB, no
período de 2009 a 2010, como resultado da parceria entre a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade e o Ministério
da Educação (SECAD/MEC) e a Fundação Unitrabalho, mediante o convênio estabelecido com
o FNDE. As duas entidades têm produzido materiais didáticos para o 1º e o 2° segmentos do
ensino fundamental de jovens, adultos e idosos.
A coleção tinha como tema gerador “o trabalho”
e foi composta de 27 livros.
Nota-se, portanto, que o reconhecimento
da especificidade da existência social da educação de adultos, como uma prática educativa
peculiar, e sua assunção à modalidade de ensino, a partir das Leis de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, promulgadas em 1996, e
das Diretrizes Nacionais da EJA, fixadas pelo
Conselho Nacional de Educação, em 2000, assegurou a EJA como parte integrante do cenário da educação escolar brasileira e gerou a necessidade de se elaborar uma política própria
do livro didático, que considerasse as especificidades da EJA, nas várias etapas do processo
de escolarização.
Com efeito, observamos que a trajetória da
invenção da escrita e do livro sofreu uma série
de modificações sucessivas, provocadas pelo
advento da própria escola moderna, que passou
a exigir uma espécie de recontextualização do
19. Em seu texto, “Materiais didáticos na educação de jovens e adultos”, Fávero confirma a sua participação como responsável pela produção e edição do Conjunto didático “Viver é
lutar” (1963).
20. Essa coleção era composta por: Mutirão I (para alfabetização); Mutirão II (para os recém-alfabetizados) e um encarte para o segundo livro: Mutirão para a saúde, financiado pelo
Ministério da Saúde. (MOURA. 2005, p. 26)
21. Vóvio (2001, p.125-135), ao tratar sobre esses materiais didáticos, diz que os livros se organizaram em torno de módulos temáticos que articulam os conteúdos com as áreas de
Língua Portuguesa, Matemática e Estudos da Sociedade e da Natureza. A coleção é composta por quatro livros, cada um deles corresponde a um guia dos educadores, que contém
explicações quanto às opções temáticas adotadas no módulo e orientações didáticas específicas para a modalidade EJA.
22. Esse material didático está disponível no Portal dos professores de EJA do MEC. Disponível em: <http://www.eja.org.br>. Acesso em: 22/07/2010.
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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livro, tendo em vista sua particularidade educativa - o que provocou a necessidade de se criarem
o livro didático e uma política nacional própria
- e a conquista do direito público subjetivo à escolarização, efetivada por jovens, adultos e idosos que não tiveram acesso à escola no tempo
certo ou que dela se evadiram. A garantia desse
44
direito implicou, entre outras coisas, uma modificação no seio da dinâmica de produção do livro
didático, por considerar e contemplar as especificidades da realidade sociocultural e pedagógica desses novos sujeitos de direitos, instituídos
pelo ordenamento jurídico educacional brasileiro, a partir da metade da década de 1940.
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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45
46
Marcos A. R. de Barros *
O axonômetro no ensino da Axonometria
RESUMO:
O presente trabalho apresenta o equipamento axonômetro, criado para
facilitar a compreensão no ensino do Sistema Axonométrico, utilizado no desenho técnico, na representação gráfica de sistemas hidráulicos e elétricos,
bem como em mecânica, em arquitetura, em gráficos e em diagramas. Esse
equipamento tem como objetivo mostrar, de maneira racional e espacial, como
podemos construir uma representação axonométrica, partindo da adoção do
triângulo fundamental EFG, e a origem do triângulo fundamental, através da
projeção ortogonal do paralelepípedo de referência sobre um plano. Demonstra, visual e analiticamente, a utilização do triângulo fundamental na construção de uma axonometria.
Palavras-chave: Projeção ortogonal; Axonometria; Triângulo fundamental; Axonômetro.
ABSTRACT:
This paper presents the equipment Axonômetro, designed to facilitate
comprehension in the teaching of Axonometric System, used in the Technical
Drawing, representing electrical and hydraulic system as well as in Mechanies,
Architecture, graphics and diagrams.
The equipment was named Axonômetro and has the aim to show, rationally
and spatially, how we can construct an axonometric representation, starting
from adoption of EFG Fundamental Triangle. The equipment shows the origin of
fundamental triangle starting from orthogonal and parallelepiped projection of
reference, over a plan of projection. It shows, both visually and analytically, the
use of fundamental triangle in the construction of an axonometry.
Keywords: Orthogonal Projection; Axonometry; Triangle fundamental; Axonometro.
(*) Professor Adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Tecnologia da UFPB
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ANTECEDENTES HISTÓRICOS
As técnicas matemáticas desenvolveram-se,
historicamente, através de desenhos e gráficos encontrados em paredes de cavernas onde viveram
os primitivos homens que agiram e registraram
suas existências. Nossos ancestrais também produziram mapas de divisões de terras gravados em
blocos de argila, há, aproximadamente, 3.000 anos
antes da era cristã.
Pesquisas mostram que decorações cenográficas do Século V tornaram-se fundamentais para
as análises e as pesquisas de muitos estudiosos,
como os gregos Vitruvio, Agatharco de Samos,
Demócrito, Anaxágora, Euclides e outros. Entre os
romanos, destacam-se: Apartarius e Asclepiodoro,
e renascentistas como Paolo Uccello, Brunelleschi,
Pietro de Franceschi, Leonardo da Vince e Guido
Ubaldi. Outros que também se destacaram, como
Albert Dürer, Desargues e Taylor, foram criadores e
formuladores de princípios e de leis que regem os
fundamentos integrados da Geometria e dos vários
sistemas de representação gráfica.
A Geometria, representada com base nessas primeiras técnicas de gráficos, era a apresentação de quadros visuais e registros do mundo real, interpretados por conhecidos produtores
de gráficos. O método gráfico desses povos trouxe até nós suas visões de mundo, em seus sucessivos estágios. Foi e continua sendo um mundo
voltado para as construções geométricas e as
configurações que não poderiam existir sem as
relações geométricas específicas. Recentemente,
podemos observar a configuração dos átomos e
das moléculas para compreendermos bem mais
o passado remoto.
A criação de novas técnicas de gráficos contribuiu para se visualizar o mundo real e conduz a novos gráficos, cada vez mais complexos, usando-se,
todavia, os conceitos da Geometria que foram aplicados pelos projetistas de catedrais da Idade Média. Esses métodos gráficos ainda não haviam sido
formalizados, até o Século XVIII, quando Gaspard
Monge sistematizou a Geometria descritiva, com o
título de Descriptiva Geometrie, primeiro sistema
de representação gráfica publicado em 1795.
Durante toda a vida, Monge foi um insistente
estudioso de tudo o que se referia à fortificação
militar em sua pátria e chegou a ocupar o cargo de
Ministro da Marinha. Suas descobertas, no campo
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da Geometria, estão, em algum ponto, ligadas aos
interesses militares da época. Seus estudos faziam
parte dos segredos militares de sua nação.
Ao analisar com mais detalhes o conceito de
gráficos como linguagem, verificamos que, na sequência dos séculos, a Geometria, em suas várias
manifestações em “duas e três dimensões”, tem
sido expressa na forma de desenhos, diagramas,
pinturas e esculturas. Assim, aprendemos que a
linguagem dos gráficos envolve o uso dos “olhos,
da mente e das mãos” (SLABY, 1988). Essa combinação é fundamental para o desenvolvimento de
expressões gráficas que facilitam a visualização e
as derivações de formas físicas complexas do mundo real ou imaginário, tanto na Ciência, quanto na
Tecnologia e na Arte.
Para melhor compreensão, vale considerar a
história que mostra o desenvolvimento da teoria e
da prática da Geometria e dos gráficos, que sempre foram utilizados pela humanidade, desde os
tempos mais recuados, para visualizar e gravar o
mundo real e o abstrato. Portanto, os geômetras
descritivos e especialistas em gráficos da atualidade vêm desenvolvendo os aspectos teóricos dessa
área do conhecimento e enfatizando o aumento
do poder de visualização e, consequentemente, o
desenvolvimento da “Ideia Gráfica”. Essas observações pesquisadas são precursoras, na verdade, da
base dos gráficos gerados por computador.
Entre outros sistemas de representação gráfica, enfocamos o sistema axonométrico, que é amplamente aplicado na área das tecnologias. Mesmo
sendo pouco compreendido e, às vezes, utilizado
artesanalmente, sua aplicação correta merece ênfase. O sistema axonométrico é uma representação
que expressa, em uma única imagem, as três dimensões do objeto representado, perspectivado.
ANTECEDENTES DIDÁTICOS E O NOVO ESPAÇO
O ensino da representação gráfica (desenho)
sempre aconteceu nos moldes da velha pedagogia
de forma incipiente. O professor era limitado devido à constante falta de material didático e a um
ambiente inadequado, desagradável e sem equipamentos necessários. Modernamente, pensamos
em um ambiente dimensionado e devidamente
programado visualmente, tentando desenvolver
integralmente as potencialidades dos sujeitos da
educação, com o projeto de um Gabinete de Ex47
pressão e Representação Gráfica.
O equipamento criado recentemente - o “AXONÔMETRO” - é uma peça integrante desse Gabinete, por meio do qual é possível promover uma aprendizagem contextualizada. O Gabinete de Expressão
e Representação Gráfica, cuja proposta se reveste
de uma metodologia de ensino mais laboratorial,
tem em vista os aspectos específicos de aplicação
da representação gráfica na solução de problemas
técnicos ou, simplesmente, na representação gráfica superficial. As concepções, futuros projetos,
só seriam concretizados com a evidência de um
processo de representação gráfica, através de uma
simbologia específica, própria daquelas áreas profissionais de abrangência do projeto.
O novo método criado para o ensino do Desenho Técnico e das disciplinas afins recebeu do autor a denominação de Método Visográfico (MVG),
por ser embasado na comunicação visual e no grafismo e se constitui uma abordagem sistemática
centrada em uma tecnologia da educação aplicada
ao ensino do Desenho Técnico.
Com base na especificação de objetivos, em
termos operacionais, são delineados os objetivos
imediatos e os objetivos últimos. Os objetivos imediatos são especificados em termos comportamentais visíveis, durante o processo da aprendizagem
e em seu final. Os objetivos últimos se relacionam
com modificações de comportamentos ligados à
vida futura do aluno, num contexto mais abrangente na sociedade.
O MVG, como todos os outros métodos, fundamenta-se em uma teoria psicológica da aprendizagem, que, nesse caso, é a Teoria Associacionista
de Estímulo-resposta (S-R). A associação estímulo
-resposta (S-R), aplicada em experiências com animais, fundamenta a construção de várias teorias
da aprendizagem, já conhecidas. Esse método é
uma abordagem em nível de laboratório, por meio
do qual os alunos (sujeitos) são submetidos à análise experimental de comportamento (SKINNER,
1930), com base nos comportamentos iniciais,
seguindo-se as várias etapas do processo instrucional, para a obtenção do comportamento final
esperado, ou seja, a comprovação de que houve
aprendizagem.
METODOLOGIA
Foi da práxis direta, no ensino das disciplinas “Geometria Descritiva” e “Desenho Técnico”, que surgiu a motivação para desenvolver
um projeto orientado, cujo objeto fosse a criação
de equipamentos didáticos, capazes de facilitar
a aprendizagem de princípios e conceitos que
levam a uma compreensão espacial mais abrangente, em relação aos sistemas de representação
gráfica.
Logo, pensou-se em uma tecnologia da educação aplicada ao ensino da representação gráfica, que foi feita com recursos do MEC – SESU
– e cujo projeto foi desenvolvido com sucesso. O
equipamento AXONÔMETRO foi um dos últimos
a ser criado.
A figura 1 mostra as três arestas do paralelepípedo, projetadas ortogonalmente sobre o
plano alfa’:
48
As três arestas OA, OB e OC interceptam o
plano alfa’ de projeção e determinam as projeções O’A’, O’B’ e O’C’ do paralelepípedo, bem
como o triângulo fundamental EFG. A fig. 2 representa, simplesmente, as três arestas que partem
de O, (OE), (OF) e (OG) do paralelepípedo, determinando o triângulo fundamental EFG.
As figuras 2 e 3 vão mostrar que O’ é o ortocentro do triângulo EFG. Prolonguemos GO’ até
encontrar P sobre EF.
O plano OGP hachuradalfo (fig. 3) é perpendicular a alfa’ porque contém a reta OO’ perpendicular a esse plano e também ao plano OEF por
conter OG. Como OGP é perpendicular a alfa’ e a
OEF, é perpendicular a EF. Do triângulo OEF, OP é
altura e GP do triângulo EFG fundamental. EO’Q
e FO’R são também alturas de EFG, logo, O’ é o
ortocentro.
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FIGURA 1 - PROJEÇÃO ORTOGONAL DO PARALELEPÍPEDO DE
REFERÊNCIA MOSTRANDO A ORIGEM DO TRIÂNGULO FUNDAMENTAL EFG
FIGURA 2
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FIGURA 3
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CONVERSÃO GRÁFICA DO SISTEMA MONGEANO EM SISTEMA AXONOMÉTRICO E VICE-VERSA
Constrói-se, inicialmente, o triângulo fundamental EFG e traçam-se as alturas perpendiculares aos lados, determinando-se o centro do
triângulo e o vértice do paralelepípedo. Agora, rebate-se o triângulo EO’F e o EO’G sobre o plano
do desenho, tendo como charneiras EF e EG, respectivamente. Sobre os triângulos rebatidos (O)
EF e (O)EG, marcam-se as três dimensões reais
dadas (O)(A) = 3cm (O)(B) = 2cm e (O)(C) = 5cm
que, projetadas sobre os eixos que passam por
O’ (Fig. 4), determinam os valores das arestas
em perspectiva, formando a axonometria do paralelepípedo desejado.
Resumo: partiu-se das três dimensões reais
dadas, para se construir a axonometria (bimetria) do paralelepípedo. Assim, podemos converter uma peça qualquer representada em épura
mongeana (Fig. 5), em axonometria, envolvendo
-a no paralelepípedo (Fig. 6). Agora é válido observar as três vistas (Fig. 7) em detalhes.
FIGURA 4
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VISUALIZAÇÃO DA PEÇA DENTRO DAS TRÊS VISTAS
FIGURA 5
VISUALIZAÇÃO DA PEÇA DENTRO DO PARALELEPÍPEDO
FIGURA 6
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FIGURA 8
FIGURA 6
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53
A fig. 8 mostra a aplicação do método descritivo “REBATIMENTO”. Dadas as dimensões
reais das arestas dos dois sólidos geométricos
(verdadeira grandeza), determinar a axonometria ou, partindo da axonometria, determinar a
verdadeira grandeza.
No sólido superior, rebatem-se as faces
O’EF e O’EG sobre o plano do desenho, tendo
como charneiras EF e EG. As verdadeiras grandezas são (OA), (OB) e (OC).
No sólido inferior, rebatem-se O1 (E1), G1 e
O1(F1)G1 iguais, sobre o plano do desenho, tendo
como charneiras (E1) G1 e G1(F1). As verdadeiras
grandezas são (O1A1), (O1B1) e (O1C1).
CONSTRUÇÃO E USO DO EQUIPAMENTO
O AXONÔMETRO é composto por um plano
horizontal de 65cm x 54cm, construído em chapa de madeirite de 1cm, apoiada em dois pés e
barrotes de 45cm x 5cm x 3cm.
Sobre o plano horizontal, funciona um paralelepípedo construído em varão de 1/4” de aço
inoxidável. O paralelepípedo é projetado ortogonalmente sobre o plano horizontal e se pode
visualizar uma isometria, uma bimetria ou uma
trimetria.
O prolongamento das três arestas de vér-
tice comum intercepta o plano horizontal, determinando o triângulo fundamental EFG. Dois
dos prolongamentos têm uma regulagem que
permite aumentar os seus comprimentos, demonstrando, geometricamente, que o triângulo
EFG pode ser equilátero, isósceles ou escaleno.
Assim, pode-se construir uma isometria, uma bimetria ou uma trimetria. Esse equipamento demonstra espacialmente o que é a axonometria.
Nas fotos apresentadas (Figs. 9 e 10), o
equipamento AXONÔMETRO tem três hastes uma fixa e duas reguláveis. As hastes são os prolongamentos das arestas do paralelepípedo. No
uso do equipamento AXONÔMETRO, o professor
demonstra para os alunos que, quando o alongamento das três arestas (hastes) são iguais,
tem-se demarcado um triângulo equilátero.
Consequentemente, pode-se construir uma ISOMETRIA. Quando se alonga apenas uma aresta
(haste), tem-se um triângulo isósceles e se pode
construir uma BIMETRIA. Por último, com as três
arestas (hastes) desiguais, tem-se um triângulo
escaleno, com o qual é possível construir uma
TRIMETRIA.
O uso do AXONÔMETRO delineia sobre o
plano horizontal os vértices do triângulo fundamental EFG. É a mais perfeita demonstração espacial de como se constrói uma axonometria.
EQUIPAMENTO AXONÔMETRO
Sombra projetada
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CONCLUSÕES
Da exposição e do uso do equipamento “AXONÔMETRO”, conclui-se que essa inovação tecnológica
é bem aceita, que professores e estudantes apoiaram sua criação e promoveu mudanças comportamentais nos jovens educandos.
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55
56
Maria Bernadete de Sousa Costa* , Juraci Dias albuquerque** ,
Pedro Eugenio López Salazar*** e Jozemar Pereira dos Santos4****
Qualidade hospitalar:
expectativa e percepção dos pacientes
RESUMO:
O trabalho objetivou avaliar a qualidade da assistência e dos serviços prestados pelos hospitais credenciados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade
de Campina Grande, Paraíba, na percepção dos pacientes. Pesquisa quantitativa,
realizada em seis hospitais da rede SUS, de novembro de 2010 a abril de 2011,
envolvendo 310 pacientes. Para a coleta dos dados, utilizou-se a Escala Servqual
e efetuaram-se estatísticas descritivas. Foram constatados 60% de pacientes do
sexo feminino, 55,2%, entre 20 e 40 anos, e 64,6% com baixo nível de escolaridade. Na percepção dos pacientes, os hospitais públicos apresentaram baixa
qualidade de serviço prestado, o que não atendeu às expectativas dos pacientes.
Palavras-chave: Gestão da qualidade; gestão hospitalar; SUS.
ABSTRACT:
That aimed to quality of care and services provided by hospitals accredited
by Health System - SUS in Campina Grande, Paraíba, from patients perception.
The research was conducted in six hospitals accredited by SUS, from November
2010 to April 2011, involving 310 patients. Data collection used a the SERVQUAL
Scale, analysis descriptive statistics. We found 60% of female patients, being 55,
2% between 20 and 40 years, and 64, 6% the low level of education. According
to patients’ perception, public hospitals services quality was lower the quality of
care and service did not meet the expectations of patients.
Keywords: Quality management, hospital management, SUS.
(*) Enfermeira; Doutora em Administração Sanitária e Hospitalar; Professora Associada do Departamento de Enfermagem Clínica do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal
da Paraíba; Membro e pesquisadora do GEPAIE. Email: [email protected]. (**) Enfermeira; Doutora em Administração Sanitária e Hospitalar; Professora do Departamento de
Enfermagem da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Membro e pesquisadora do GEPAIE - Grupo de Estudos e Pesquisa em Administração e Informática em Saúde. Email: [email protected]. (***) Doutor em Ciências Econômicas e Empresariais (Universidade Complutence); Professor titular de Organización de La Facultad de Ciencias Económicas y
Empresariais/ Departamento de Direción de Empresas y Sociologia de La Universidad de Extremadura - Badajoz, España. (UEX), Badajoz/Extremadura, España; Membro do GEPAIE.
Email: [email protected] (****) Professor do Departamento de Estatística do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal da Paraíba; Doutorando em Ciências da
Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email: [email protected]
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INTRODUÇÃO
A avaliação da qualidade resulta da comparação realizada pelos clientes entre as expectativas
sobre o serviço que vão receber e as percepções da
atuação das organizações prestadoras de serviço.
O sistema de saúde brasileiro é composto
por dois subsistemas: o público (SUS) e o privado, constituído pela saúde suplementar (predominante), além dos serviços particulares autônomos.
Segundo dados da Agência Nacional da Saúde,
45,5% dos brasileiros têm plano de saúde (CRONIN; TAYLOR, 2006). O Sistema de Saúde brasileiro é misto (público, para quem não pode pagar,
e privado, para quem tem plano de saúde) e está
longe de se modelar pelo desnível da qualidade da
assistência entre as duas clientelas, ou seja, tem
duas portas, através das quais são oferecidos serviços completamente diferentes. O SUS beneficia
todos os brasileiros, direta ou indiretamente, em
campanhas de vacinação, resgate de urgência, medicamentos de alto custo, métodos contraceptivos,
vigilância sanitária e transplantes (FITZSIMMNOS;
FITZSIMMNOS, 2000).
O serviço é uma atividade ou uma série de
atividades, de natureza mais ou menos intangível
que, normalmente, mas não necessariamente,
acontece durante as interações entre clientes e
funcionários de serviços e/ou recursos físicos ou
bens e/ou sistemas do fornecedor de serviços que
são fornecidos como solução para o(s) problema(s)
do(s) cliente(s) (BERWIK et al., 2007).
De forma geral, o serviço é fruto da interação
entre prestador e cliente, na qual estão presentes
desejos, emoções ou expectativas no recebimento
de um beneficio. Há que se ressaltar que compete ao prestador realizar a expectativa do cliente,
transformando o serviço intangível em tangível.
Porém essa é a parte mais difícil, pois se requer
do prestador (profissional) conhecimento profundo
e reconhecimento do cliente (BIGNE et al., 2007).
O conceito de qualidade está intimamente
ligado às ciências da saúde. Toda a formação do
profissional de saúde é orientada no sentido de
melhorar e restaurar a saúde do paciente ou, quando isso não é possível, melhorar suas condições de
vida. Observando-se os grandes avanços da Medicina, conclui-se que todos eles se devem a pessoas
que pensaram em melhorias (CARMAN, 2009).
A qualidade de serviço tem se tornado um
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importante tema de pesquisa, em virtude de seu
envolvimento significativo quanto à satisfação do
consumidor e à garantia dos serviços. Assim, a
qualidade de serviço tem sido reconhecida como
um condutor de marketing corporativo e performance financeira (VEIGA, 1998).
Para se implantar e assegurar uma excelente
qualidade do serviço, é preciso compreender que a
qualidade é definida pelo cliente; é uma jornada e
um trabalho de todos, em que liderança e comunicação, qualidade e integridade são inseparáveis. A
determinação da qualidade dos serviços se baseia
em estudos e na comparação entre expectativas e experiências para uma série de atributos de qualidade.
Um serviço é normalmente percebido de maneira subjetiva. A essência do serviço, entretanto, é
a intangibilidade do próprio fenômeno. Por isso, é
normalmente difícil para os clientes avaliarem um
serviço. Quando os clientes avaliam a qualidade
de um serviço, eles o julgam em função de algum
padrão interno que existia antes da experiência de
serviço7. Esse padrão interno constitui a base para
as expectativas do cliente.
O objetivo principal da assistência deve ser o
de prestar serviços de boa qualidade, mediante a
utilização de todos os recursos existentes nos hospitais quer sejam públicos ou privados. Convém
enfatizar que a qualidade do serviço reside em
obter a utilidade funcional, simbólica e a relativa
às vivências a um custo razoável para o cliente,
ou seja, que o valor seja positivo para ele. Medir a
qualidade de serviços é uma tarefa difícil quando
comparada com a de medir a qualidade dos produtos, os quais têm muitas características físicas que
podem ser detectadas, inclusive com uma precisão
alta, por meio de instrumentos de medição. Por sua
vez, os serviços detêm características psicológicas
e aspectos qualitativos difíceis de serem captados
com um alto nível de confiança. Nesse contexto, a
qualidade do serviço normalmente se estende para
além da prestação de serviços em hospitais, como,
por exemplo, os serviços impactam na qualidade
de vida futura dos clientes (BERWIK et al, 2007).
Quanto ao nível de satisfação dos clientes, as informações se constituem uma das maiores prioridades
de gestão nas empresas comprometidas com a qualidade de seus produtos e serviços e, por conseguinte,
com os resultados alcançados com seus clientes.
No que diz respeito à qualidade, a literatura
(BABAKUS; MANGOLD, 2002; GRÖNROOS, 1983)
57
registra que os serviços são intangíveis e se constituem como performances e experiências, o que
impede o estabelecimento de especificações precisas para se alcançar a uniformidade em relação
à qualidade no processo de produção. Por outro
lado, são heterogêneos, porquanto sua performance varia de pessoa para pessoa, de consumidor
para consumidor e de dia para dia.
Os principais determinantes de avaliação
em serviços consistem em: acesso, competência, comunicação, confiabilidade, conhecimento
do cliente, cortesia, credibilidade, receptividade,
segurança e tangibilidade. Esses determinantes
da qualidade de serviço foram reduzidos a cinco,
segundo Feldman (2003):
Tangíveis/visíveis: Dizem respeito à atratividade das instalações, aos equipamentos e aos
materiais usados por uma empresa de serviços,
bem como à aparência dos funcionários do serviço;
 Confiabilidade/credibilidade: Significa
que a empresa de serviços oferece aos seus clientes serviço correto da primeira vez, sem cometer
nenhum erro, e entrega o que prometeu no prazo
estipulado;
 Capacidade de resposta/prontidão: Os
funcionários de uma empresa de serviços estão
dispostos a ajudar os clientes e a atender aos seus
requisitos, bem como informá-los quando o serviço
será prestado e executá-lo com presteza;
 Segurança/domínio: O comportamento
dos empregados transmitirá aos clientes confiança
na empresa, o que faz com que se sintam seguros.
Além disso, os empregados são sempre corteses e
têm o conhecimento necessário para responder às
perguntas dos clientes;
Empatia: A empresa entende os problemas
dos clientes e executa o serviço, tendo em vista
seus melhores interesses, dá-lhes atenção pessoal,
individual e trabalha em horários convenientes.
Quanto à mensuração da qualidade de serviços, tem sido um desafio para os pesquisadores,
pois a satisfação dos clientes é determinada por
um número muito grande de fatores intangíveis
(GIANISI; CORRÊA, 2002). Então, pode-se dizer
58
que a qualidade dos serviços é avaliada comparando-se o que o cliente esperava do serviço com
o que percebeu do serviço prestado. Embora haja
um consenso de que a satisfação do paciente nos
serviços é importante para garantir a qualidade nos
serviços médicos e hospitalares, há uma escassez
de informações empíricas sobre a aceitação dos
consumidores da prática do tratamento de saúde.
O modelo de qualidade de serviço percebida
pretende oferecer uma estrutura conceitual para
que se entendam as características de um serviço,
inclusive, seu resultado, o processo e as dimensões
de imagem, o que não é um modelo de medição.
Ao contrário, o intuito é dar ao gerente e ao pesquisador de marketing uma base para desenvolver
uma oferta de serviço de boa qualidade (BROWN;
SWARTZ, 1989).
A literatura (BATESON; HOFFMAN, 2004)
enfatiza a importância de se entender que, nem
sempre, o paciente-consumidor tem condições de
julgar a qualidade do serviço de saúde no aspecto
técnico. Todavia, com base em sua experiência, o
serviço vai ser avaliado considerando-se a atenção
que as pessoas irão dispensar à prontidão das informações, ao atendimento prestado, à qualidade
da alimentação e dos serviços auxiliares, entre outros aspectos. Isso quer dizer que raramente o paciente poderá avaliar a qualidade médico-assistencial, mas julgará sempre e muito bem a qualidade
administrativa ou do atendimento.
Na atual conjuntura política brasileira, a qualidade é o novo imperativo que enfrenta o sistema
nacional de saúde, depois de ter passado por uma
radical descentralização e municipalização de seus
serviços. Entretanto, no modelo de atenção à saúde desenvolvido no âmbito hospitalar, há uma lacuna na avaliação da satisfação de seus pacientes
quanto à prestação da assistência e dos serviços.
Partindo das considerações que envolvem a
avaliação da qualidade dos hospitais no Brasil, surgiram os seguintes questionamentos: Qual a percepção dos pacientes/ clientes sobre a qualidade
dos serviços e da assistência e quais as dificuldades e as vantagens de se investir no processo de
melhoria contínua da qualidade? Diante da situação observada nos serviços hospitalares credenciadas pelo SUS na cidade de Campina Grande - PB,
este estudo se propôs a avaliar a qualidade da assistência e dos serviços prestados pelos hospitais,
na percepção dos pacientes.
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa exploratória descritiva, com abordagem quantitativa, realizada no
estado da Paraíba (Brasil), na cidade de Campina
Grande, em seis hospitais credenciados pelo Sistema Único de Saúde (SUS): dois públicos, dois
filantrópicos e dois privados. Para classificar os
hospitais, foram adotados como parâmetros de
avaliação os instrumentos elaborados pela Coordenação de Assistência Médica do Ministério da
Saúde, com base nos critérios estabelecidos pelo
Conselho Nacional de Classificação Hospitalar
(GONÇALVES, 2000).
A população do estudo foi constituída de 310
pacientes, que foram selecionados de acordo com
os seguintes critérios: faixa etária acima de 20
anos; alfabetizados; hospitalizados há mais de 48
horas, em unidade de internação médico-cirúrgica
e com quadro clínico estável, do ponto de vista
médico e de enfermagem.
Nesta pesquisa, foram contemplados os
aspectos éticos preconizados pela Resolução nº
196/1996, do Ministério da Saúde, registrados
no Comitê de Ética CEP/HULW, com o protocolo
nº 006/2009. Depois que a pesquisa foi aprovada
pelo Comitê de Ética, os pacientes inseridos na investigação assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, com os devidos esclarecimentos sobre os objetivos do estudo, a importância
de sua participação na pesquisa e a disposição
do pesquisador para quaisquer esclarecimentos
adicionais.
Para a coleta de dados com o paciente, foi utilizado o questionário SERVQUAL (PARASURAMAN,
1985), constituído de dois blocos: o primeiro, com
dados referentes à classificação das instituições
de saúde (públicas, privadas e filantrópicas) e aos
dados demográficos dos participantes (gênero,
faixa etária, renda e escolaridade do paciente); e
o segundo, com questões sobre a expectativa e o
desempenho (percepção), que contemplam cinco
dimensões, cada uma com 15 questões a serem
respondidas em escala de Likert de 7 pontos (1:
discordo totalmente, ..., 7: concordo totalmente).
Esse formato tem sido recomendado para pesquiConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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sas na área de saúde, seguido de duas avaliações
gerais, também em escala de 7 pontos (1: Muito
ruim, ..., 7: Excelente): qualidade dos serviços oferecidos e qualidade da assistência prestada pelos
hospitais (BERRY; PARASURAMAN, 1992).
Para atender aos objetivos do estudo, foram
feitas algumas modificações na Escala Servqual,
baseada na relevância das questões inerentes ao
serviço hospitalar, e no entendimento dos pacientes para responderem as questões. Foi mantida
a estrutura original do instrumento, apesar de
a linguagem ter sido adaptada para o contexto
hospitalar. O questionário foi previamente testado para assegurar que o vocabulário, o formato,
a extensão e a sequência das perguntas estavam
apropriados.
Neste estudo, as cinco dimensões foram
assim definidas: Tangíveis: aparência das instalações físicas, equipamentos, pessoal e material
de comunicação; Confiabilidade: habilidade para
realizar o serviço prometido de forma confiável,
precisa e consistente; Responsividade: disposição
e vontade para ajudar os clientes e proporcionarlhes o serviço prontamente; Segurança: conhecimento e atenção demonstrados pelos empregados
e suas habilidades para transmitirem confiança,
segurança e credibilidade; Empatia: zelo e atenção individualizada que a empresa proporciona
aos seus clientes (KOTLER; BLOOM,2004).
Os dados foram organizados e analisados
por meio da técnica de modelagem de equações
estruturais (SEM) e do software Amos 8.0, SPSS
13.0, além de outros testes estatísticos (médias e
desvio-padrão) (BLUMENTHAL, 2002). A consistência interna ou medida de fidedignidade (Alfa
de Cronbach) apresentou coeficiente de medida:
a = 0,971, considerado “excelente” (classificação
do coeficiente Alpha de Cronbach: valores de 0,80
a 1,0 (satisfatório a excelente), de 0,70 a 0,80
(bom) e de 0,60 a 0,70 (aceitável). Com valores
abaixo de 0,60, o coeficiente foi considerado insatisfatório ou insuficiente). A análise da literatura
e as respostas dos profissionais garantiram um
nível apropriado para validar a pesquisa.
59
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na análise dos dados das instituições de saúde, observa-se uma predominância de pacientes no hospital privado (52,6%). Esse fato é atribuído à ocorrência de maior rotatividade dos pacientes internados
em detrimento do hospital público e do filantrópico, onde a permanência dos pacientes é mais longa.
Gráfico 1 - Distribuição dos participantes da pesquisa de acordo com a classificação
dos hospitais. Campina Grande, PB – Brasil, 2012
Fonte: Pesquisa de campo
Perfil sociodemográfico dos pacientes
No que diz respeito às características sociodemográficas dos participantes, predominam os
do sexo feminino (60%). Do total de entrevistados, 55,2% se encontram na faixa etária entre 20
e 40 anos. Isso significa que a demanda desses
hospitais é constituída de adultos jovens.
Na análise da variável escolaridade, observa-se que 64,6% dos pacientes pesquisados só
cursaram o ensino fundamental, o que denota
um nível educacional baixo. Esse fato influencia
o indivíduo a buscar o cuidado, por isso tem dificuldade de distinguir expectativa e percepção
da qualidade. Nesse sentido, a literatura afirma
que a população com baixo nível de escolaridade apresenta elevadas taxas de morbidade e
mortalidade.
Avaliação das expectativas e percepções dos pacientes
Embora os pacientes participantes deste estudo tenham sido orientados, individualmente, a não
avaliarem um serviço de excelência, eles atribuíram
valores máximos às cinco dimensões da Escala
Servqual. Assim, é necessário registrar que os resultados obtidos na realização desta pesquisa estão
baseados na qualidade percebida pelos pacientes,
aqui entendidas como instrumento para incorporar
a opinião do paciente à gestão do hospital.
60
Para avaliar as expectativas e a percepção
dos pacientes assistidos pelos hospitais nas dimensões tangibilidade, confiabilidade, responsividade, segurança e empatia, utilizou-se a medida de fidedignidade ou consistência interna.
Para efeito de operacionalização do modelo, cada
construto foi substituído pelo seu indicador equivalente, obtido através da média da soma dos
seus indicadores, como ilustra o Quadro 1.
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Quadro 1
Medida de fidedignidade ou consistência interna para as dimensões do questionário SERVQUAL
(Coeficiente Alfa de Cronbach) - Campina Grande, PB-2012
Fonte: Elaboração própria
O quadro1 mostra a medida de fidedignidade ou consistência interna. Verifica-se que o tipo
de medida diagnóstica utilizada é o coeficiente
de confiabilidade, que avalia a consistência da
escala inteira. Porém o Alpha de Cronbach é a medida mais amplamente usada, e o limite inferior
geralmente aceito é de 0,706. Em seguida, foram
realizados os Testes de Comparação Múltipla de
Tukey relativos às dimensões do SERVQUAL que
apresentaram diferenças significativas (p-valor <
0,05) (LOVELOCK; WIRTZ, 2004).
As diferenças significativas seguiram a
mesma tendência para as dimensões ‘Tangível’,
‘Confiabilidade’ e ‘Segurança’. O Teste de Tukey
demonstra que o hospital público apresentou
percepção (ou qualidade de serviço prestado)
diferente da dos hospitais privado e filantrópico.
Quanto às dimensões ‘Responsividade’ e ‘Empatia’, só houve diferença significativa da percepção
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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entre os hospitais público e filantrópico.
Assim, a qualidade dos serviços e a satisfação dos clientes dependem, em grande medida,
daquilo que ocorre em tempo real, incluindo as
ações dos funcionários e das interações entre eles
e os clientes. As percepções se mostram inferiores às expectativas em todas as dimensões, indicando lacunas de serviço negativas (percepção
- expectativa).
Vale ressaltar que a expectativa entre os
pacientes é a segurança de que serão atendidos
por uma equipe capacitada e competente, que
os tratará profissional e eficientemente, e de
que os procedimentos corretos serão adotados
desde o início. Portanto, quanto maior o nível
de segurança fornecida pela equipe do hospital, maior será o nível de satisfação do paciente.
Esse resultado mostra que as cinco dimensões
– ‘Tangibilidade’, ‘Responsividade’, ‘Confiabili61
dade’, ‘Segurança’ e ‘Empatia’ - propostas pela
Escala Servqual não apresentam a mesma importância relativa (REIDENBACH; SANDIFER-SMALLWOOD, 2004).
Os resultados obtidos das estatísticas descritivas revelaram que as expectativas dos pacientes
são muito elevadas, o que se traduziu em desvios
negativos. Assim, pode-se inferir que os pacientes
são bastante exigentes, e suas expectativas são
muito elevadas, ou então, são pouco exigentes
quando classificam as percepções atribuindo valores muito baixos.
Gráfico 2 - Expectativas e percepções dos pacientes assistidos nos hospitais.
Campina Grande, PB-Brasil, 2012.
Fonte: Pesquisa de campo
A análise do gráfico 2 demonstra que há um
elevado nível de expectativa com médias que variaram entre 6,2 e 6,6, em detrimento do nível de
percepção, que registra uma média entre 2,9 e
3,4. Esses resultados apontam níveis de serviço
percebido muito abaixo das expectativas dos pacientes. As diferenças entre as percepções e as expectativas dos pacientes podem ocorrer com base
nas variáveis gerais, como: nacionalidade, cultura,
complexidade do serviço, subjetividade do serviço
e no poder que a mídia exerce ao expor as fragilidades dos serviços à população, mostrando que
o quantitativo de investimento que os governantes
62
disponibilizam para a saúde é insuficiente e mal
distribuído. Destacam-se, ainda, como variáveis
específicas, o quadro clínico e emocional do paciente, a experiência de internação vivenciada e o
número de contatos com as equipes em ambientes hospitalares.
Na análise das comparações entre as médias
das percepções dos pacientes, em relação às variáveis ‘qualidade do serviço oferecido’ - QSS - e ‘qualidade da assistência prestada’ – QAS, segundo os
três tipos de hospitais pesquisados, foi aplicado o
teste de comparação de médias ou análise de variância paramétrica - a ANOVA (UZUN, 2001).
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Gráfico 3 Avaliação média de QSS - qualidade dos serviços nos hospitais pesquisados.
Campina Grande, PB-Brasil, 2012.
Fonte: Pesquisa de campo
Gráfico 4 - Avaliação média de qualidade da assistência prestada nos hospitais pesquisados.
Campina Grande, PB-Brasil, 2012.
Fonte: Pesquisa de campo
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63
A qualidade dos serviços e da assistência
prestada pelas instituições de saúde pesquisadas,
avaliadas pelas dimensões do SERVQUAL, aponta uma performance mais positiva dos serviços
prestados aos usuários do SUS pelos hospitais filantrópicos, e a mais negativa, pelos hospitais públicos, infere-se esse resultado, as características
dos hospitais já mencionados.
Pode-se inferir que a menor média foi atribuída ao hospital público, em decorrência de alguns aspectos que são vivenciados no dia a dia
pelos usuários desses serviços, tais como: filas e
tempo de espera para o atendimento, falta de vagas para internação, superlotação, acomodações
desconfortáveis (excesso de camas nos quartos),
tempo de internação prolongado e assistência deficitária, além da existência de outros fatores que
contribuem para a má qualidade dos hospitais
públicos, a saber: ingerência dos serviços pela
ausência de gestores qualificados, interferência
política, má aplicação dos recursos e burocracia.
Na avaliação da qualidade dos serviços e da
assistência, o hospital filantrópico obteve média
superior à do hospital público e do privado (3,82)
para avaliar a qualidade dos serviços (3,69) e a
assistência. Podem-se inferir, com esse resultado,
as características dos hospitais filantrópicos (são
isentos de impostos, não têm fins lucrativos, não
distribuem dividendos, seus diretores são isentos
de pró-labore, reaplicam os resultados financeiros
em investimentos na própria instituição e disponibilizam percentual de leitos para pessoas carentes) (MEDEIROS, 1999).
A segunda média faz referência ao serviço
privado, que obteve média 3,63, na avaliação da
qualidade dos serviços, e 3,38, na qualidade da
assistência. Esse resultado se justifica pelo fato de
os serviços pesquisados atenderem também a pacientes particulares e de planos de saúde privados
(MEZZOMO, 2003). Nessa realidade, esses serviços são mapeados dentro de uma mesma planta
física, onde fica clara a diferença entre pacientes e
clientes. Portanto, a qualidade da assistência nesses serviços está prejudicada devido a múltiplos
fatores, a saber: prioridade na assistência aos pacientes particulares e conveniados, superlotação
dos serviços, redução do número de profissionais
e falta de material e de equipamentos. Esses fatores interferem na produtividade, na humanização
64
e na qualidade da assistência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelos resultados obtidos, concluiu-se que a
qualidade da assistência e do serviço não atendeu às expectativas dos pacientes pesquisados,
pois está muito abaixo dos padrões desejados
pelos pacientes. Os valores atribuídos às suas
expectativas foram muito altos, apesar dos esclarecimentos. Esse fato demonstra que o nível
de instrução da maioria dos pacientes era muito
baixo, razão por que eles tiveram dificuldades de
responder ao questionário, o que influenciou o
resultado do estudo.
Uma das críticas mais frequentes feitas pela
literatura à Escala Servqual é incluir expectativas
na definição de qualidade de serviço, já que o paciente não sabe ao certo o que espera do hospital
e, na maioria das vezes, não escolhe voluntariamente o serviço, mas se submete a ele devido às
circunstancias e ao seu quadro clínico. Por isso,
avaliar apenas as percepções dos pacientes pode
ser um procedimento mais simples e menos oneroso para os serviços hospitalares do que avaliar
as expectativas e as percepções, o que pode trazer
resultados mais exatos, além de maior rapidez na
coleta dos dados.
Então, espera-se que este estudo possa contribuir para que os profissionais da área de saúde
reflitam mais sobre a avaliação da qualidade da
assistência e dos serviços nos hospitais credenciados pelo SUS, na Paraíba e no Brasil, e para
que se ampliem as publicações acerca da qualidade, visto que essa temática ainda é escassa na
literatura, sobretudo no que diz respeito ao emprego de instrumentos e parâmetros passíveis de
aferir a qualidade e, consequentemente, compará
-lo com padrões desejáveis.
Com base nos resultados obtidos, recomenda-se a monitoração da qualidade dos serviços,
utilizando-se periodicamente a Escala Servqual,
com a qual será possível planejar estratégias precisas de intervenção de alta performance nos hospitais, monitorar a resposta a essas ações, avaliar
como seus clientes percebem a qualidade dos serviços prestados e verificar quais são as dimensões
da qualidade que precisam de mais atenção por
parte da gerência/ supervisão.
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Tânia Rodrigues Palhano* e Iria da Costa Silva **
O lúdico como atividade do pensar
na educação infantil
RESUMO:
Este artigo tem como foco principal a análise sobre o lúdico e o ato de pensar como atividade integrada à Educação infantil. Realiza uma sucinta apresentação sobre o currículo na educação infantil. O processo de revisão de documentos
curriculares oficiais acerca da educação infantil faz parte do desenvolvimento
deste trabalho, que tem o propósito de analisar o lúdico como uma atividade do
pensar nas atividades da educação infantil. Quando brinca, a criança também
pode explorar o mundo de maneira prazerosa e provocar o prazer no pensamento
reflexivo ao relacionar atividades lúdicas com o ato de pensar.
Palavras-chave: Educação infantil. Lúdico. Ato de pensar.
ABSTRACT:
This article focuses mainly on the analysis of the playful and the act of
thinking as an activity integrated into the education of children. Performs a brief
presentation on the curriculum in early childhood education. The process of document review curricula about early childhood education is part of the development of this work, which aims to analyze the playful activity of thinking as an
activity in early childhood education. When you play, the child can also explore the
world in a pleasurable manner and cause pleasure in reflective thought to relate
activities with the act of thinking.
Keywords: Early childhood education. Playful. Act of thinking.
(*) Profª. Drª. do Departamento de Fundamentação da Educação da UFPB. email: [email protected].
(**) Graduada em Pedagogia e Professora de Educação infantil. email:[email protected]
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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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ADUFPB - Seção SIndical do ANDES-SN
INTRODUÇÃO
A discussão atual a respeito da educação vem
crescendo de forma significativa no campo da educação infantil. Entre outros temas, o debate gira
em torno da necessidade de expandir a quantidade
de escolas e de formar e capacitar professores nessa área de ensino. Por isso, inovações são pretendidas para a educação infantil e discutidas visando
sua melhoria.
O processo de revisão de documentos curriculares oficiais acerca da educação infantil faz
parte do desenvolvimento deste trabalho, que tem
o propósito de fazer uma abordagem sobre o lúdico e sua relação com o pensar nas atividades
educativas da educação infantil e de creches, que
representam os anos básicos em que as crianças
constroem conhecimentos. Nesse contexto, é imprescindível uma mediação competente do professor para fazer acontecer um currículo vivo e significativo para os alunos.
A escolha do tema partiu da necessidade de
analisar como a educação lúdica vem evoluindo e
ganhando espaço na realidade escolar e exercendo
um papel estimulante e relevante na aprendizagem
das crianças, que precisam brincar para desenvolver suas habilidades, de forma transformadora e
libertadora. Nosso intuito é de investigar a relação
entre as atividades lúdicas e o ato de pensar no
desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, na Educação infantil, e sua contribuição
para a formação da criança.
Nesse aspecto, pretendemos analisar algumas das principais ideias de Vygotsky (1998;1979;
1991) sobre o processo de aprendizagem que, em
sua concepção, deve partir da realidade em que se
insere a criança. O autor acrescenta que as funções
de desenvolvimento começam num âmbito social,
desde o seu nascimento, assim como o aprendizado. Isso significa que todo conceito trabalhado na
escola apresenta um grau de aprendizagem que se
relaciona às aprendizagens anteriores, às vivências
e às experiências construídas em seu meio social.
Nessa envergadura, também recorremos
aos estudos de Jean Piaget (1978), Faria (1995)
e Valente (2008), que tratam do desenvolvimento
da criança e do adolescente e destacam o lúdico
como um forte aliado para o desenvolvimento da
criança, já que ela trabalha os movimentos físicos
e motores e é através das brincadeiras que o seu
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desenvolvimento intelectual é estimulado, e todo o
conhecimento existente é associado ao novo, que é
transformado em outras aprendizagens.
Ainda sobre o entendimento do lúdico e sua
relação com a Educação infantil, Almeida (1990, p.
43) relata que a educação por meio do lúdico, além
de “contribuir e influenciar na formação da criança e do adolescente possibilita um crescimento
sadio, um enriquecimento permanente, integra-se
ao mais alto espírito de uma prática democrática
enquanto investe em uma produção séria de conhecimento”.
O CURRICULO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL EM DOCUMENTOS OFICIAIS
A Educação infantil tem papel social importante no desenvolvimento humano e social da
criança, em seus aspectos intelectual, emocional,
social e motor. Então, devido à importância do desenvolvimento da criança, é imprescindível que o
profissional de Educação infantil desenvolva um
trabalho educacional que a conduza a descobrir e
construir sua identidade, apropriando-se de saberes necessários à constituição de sua autonomia.
Dando suporte ao tema abordado, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9.394/96 apoia-se no pressuposto de que a criança de zero
a seis anos tem características e necessidades
diferenciadas de outras faixas etárias e considera
a educação infantil como importante no trabalho
pedagógico, de modo a atender às especificidades
do desenvolvimento das crianças dessa faixa etária
e auxiliar na construção do exercício de cidadania.
No capítulo sobre a educação básica, a LDB define
a finalidade da educação infantil como etapa inicial
da educação básica e integrante dos sistemas de
ensino, conforme se evidencia em seu art. 29:
Art. 29: A educação infantil, primeira etapa da educação
básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral
da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade.
A LDB foi construída com base na Constituição de 1988 - que reconheceu como direito da
criança pequena o acesso à educação infantil em
creches e pré-escolas – e colocou a criança no lugar de sujeito de direitos. Todas as famílias que op67
tarem por partilhar com o Estado a educação e o
cuidado de seus filhos deverão ser contempladas
com vagas em creches e em pré-escolas públicas.
Em 1998, com o objetivo de promover a unidade
na diversidade através de um conjunto de referências e orientações pedagógicas, propôs o Referencial Curricular Nacional para a educação infantil
(RCNEI), no contexto da definição dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, que atendiam ao estabelecido no art. 26 da LDB, quanto à necessidade de
uma base nacional comum para os currículos do
ensino fundamental.
Já o Conselho Nacional de Educação definiu
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação infantil (DCNEI), com caráter mandatório. A
Resolução CNE nº 1, de 7 de abril de 1999, em seu
art. 2º, estabelece:
Art. 2º: Essas Diretrizes constituem-se na doutrina sobre
princípios, fundamentos e procedimentos da Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as instituições de Educação infantil dos sistemas
brasileiros de ensino na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas.
O processo de aprendizagem deve partir da
realidade em que se insere a criança. É assim que
se efetiva um dos princípios das ideias de Vigotsky,
ao afirmar que as funções de desenvolvimento começam num âmbito social, desde o seu nascimento, assim como o aprendizado, o que significa que
todo conceito trabalhado na escola apresenta um
grau de aprendizagem que se relaciona às aprendizagens anteriores, às vivências e às experiências
construídas em seu meio social.
Nessa contextura, a relação professor/aluno
ultrapassa a dimensão da mera transmissão de informações e se configura com uma relação de trocas e de produção de saberes, em que o educador
é o mediador dos processos de aprendizagem e da
interação do aluno com o objeto a ser conhecido,
oportunizando-lhe o processo de reconstrução e
criação do conhecimento.
A Lei de Diretrizes e Bases acompanha essa
ideia, porque seu objetivo é de avançar na busca
por um trabalho comum, de caráter educativo-pedagógico, adequado às especificidades das crianças de zero a seis anos, e ressalta que é preciso
trabalhar todas essas etapas do desenvolvimento
infantil, ou seja, não basta “cuidar”, mas educar
68
e cuidar, nessa fase em que se inicia o despertar
para o conhecimento do mundo.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação infantil (RCNEI) deixa claro que fazer acontecer o currículo da educação infantil em creches e
pré-escolas significa trabalhar em uma perspectiva
lúdica, uma vez que toda a criança que está na faixa etária da educação infantil constrói todo o seu
conhecimento por meio de ações lúdicas e espontâneas ou promovidas pelo professor. Nesse sentido, o documento analisado não inova, pois muitos
teóricos têm feito menções às benesses do lúdico
para o desenvolvimento infantil, especialmente na
educação infantil. O RCNEI (1998, p. 23) menciona
que, nas brincadeiras, as crianças vivenciam concretamente a elaboração e a negociação de regras
de convivência e elaboram um sistema de representação dos diversos sentimentos, das emoções e
das construções humanas.
Mesmo tendo um caráter espontâneo, o jogo
representa a realidade e as atitudes relacionadas
ao mundo adulto, e a criança caracteriza essa realidade usando os jogos. Percebemos que o documento RCNEI já demonstra a importância da
educação infantil no contexto nacional, a qual, até
então, era vista com caráter puramente assistencialista. A LDB concebe a educação infantil como
um nível de ensino que faz parte da educação básica do Sistema de Ensino do país e a reconheceu
legalmente, devido ao seu papel social inquestionável. É como se a LDB tivesse promovido a educação
infantil a um nível mais considerável.
Para que se elabore um currículo significativo, há de se considerar o complexo processo que
abrange os diversos aspectos que incluem desde o
sistema social mais amplo até os pequenos atores
desse nível de ensino. Então, ao conceituar currículo e educação infantil, devemos considerar a
questão da relação dos princípios norteadores do
âmbito escolar, pois eles revelam e traduzem, no
processo de ensino, a eficácia da construção do conhecimento, não mais pautada na concepção equivocada de educação assistencialista, mas baseada
numa concepção de educação que abrange as especificidades e os aspectos em que se fundamenta
esse sujeito singular: a criança. Portanto, a concepção de criança é uma noção que vem se modificando historicamente. Na atualidade, a criança é
entendida como um ser que, desde cedo, em suas
interações, estabelece a compreensão do mundo,
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de sua formação pessoal e o convívio com o outro.
Quanto à nova configuração de criança, a LDB,
que foi construída a partir da Constituição Federal
de 1988, vem reconhecer como direito da criança o acesso à educação infantil, nos âmbitos da
creche e da pré-escola e, mais concretamente, nos
espaços públicos de ensino. Nessa perspectiva, a
Instituição que trabalha com a educação infantil,
segundo o RCNEI (1998), precisa oferecer às crianças que compreendem esse nível de ensino condições de aprendizagem pautadas nas brincadeiras,
imersas em situações pedagógicas intencionais e
orientadas “pelos adultos”.
Vale destacar, no entanto, que essa compreensão da especificidade do caráter educativo das
instituições de educação infantil, no que tange às
condições de aprendizagem orientadas pelos adultos, é criticada duramente por Cerisara (2002),
quando afirma que a questão da formação das
professoras, principalmente e a partir deste destaque para o gênero feminino, a autora coloca que irá
tratar assim, por ser mais presente este sexo frente à educação infantil. As abordagens de pesquisa,
quanto à formação das professoras da educação
infantil, demonstram que há uma grande problemática quanto à qualificação das mesmas. Alguns
quadros estatísticos apresentam que muitas dessas mulheres não têm sequer o ensino fundamental completo. A partir do texto legal que rege nossa
educação, houve um período em que essas professoras deveriam ser qualificadas através da formação continuada ou fazendo cursos de nível superior,
pois, no final da década da educação estava escrito
na LDB n° 9.394/96 que todos os professores deveriam ser formados em nível superior para poderem
atuar no Magistério, especialmente em regência de
sala de aula. Entretanto, no caso da Educação infantil e dos cinco primeiros anos do ensino fundamental, ainda é aceitável o curso de nível médio como
qualificação. Ressalte-se, no entanto, que existem
problemas quanto à compreensão da própria Lei
Nacional, pois, de um lado, ela estabelece que todos devem ter o nível superior para atuar em sala de
aula e, de outro, refere que, apesar de essa norma
ser obrigatória, o curso de nível médio também servirá como formação para aqueles que estão em sala
de aula nessa primeira fase do ensino.
Por essa razão, o RCNEI dá grande ênfase ao
desenvolvimento de ações curriculares no contexto
da Educação infantil com base em atividades lúdiConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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cas. Outro fator que foi verificado e merece destaque é o fato de se dissociabilizar o cuidado da educação como concepção da Educação infantil. Em
todo esse contexto curricular aqui analisado, os documentos analisados e os teóricos estudados são
unânimes em afirmar que o educador da Educação
infantil deve, além de estar preparado, valorizar os
momentos lúdicos como algo que estimule a constituição da ética, o respeito mútuo e a construção
do conhecimento pela criança.
No ano de 2007, foi instituído o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB), com o objetivo de atender às necessidades da omissão legal presente na LDB de 1996.
Segundo dados obtidos no endereço eletrônico, o
FUNDEB foi instituído pela Emenda Constitucional
nº 53, de 19 de dezembro de 2006, e regulamentado pela Medida Provisória nº 339, posteriormente convertida na Lei nº 11.494/2007. O FUNDEB
substituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério (FUNDEF), que só previa recursos para
o fundamental. Os recursos do Fundo destinam-se
a financiar a educação básica (creche, pré-escola,
ensino fundamental, ensino médio e educação de
jovens e adultos).
Os recursos do FUNDEB são distribuídos de
forma automática, sem necessidade de autorização
ou convênios para esse fim. É também periódica,
mediante crédito na conta específica de cada governo estadual e municipal. A distribuição é realizada
com base no número de alunos da educação básica
pública e são computados os alunos matriculados
nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, conforme art. 211 da Constituição Federal. Ou seja, os
municípios recebem os recursos do FUNDEB com
base no número de alunos da educação infantil, do
ensino fundamental e do ensino médio.
Diante do exposto, mostramos uma breve
análise do currículo da educação infantil identificado no texto legal brasileiro e colocamos em evidência a importância do lúdico, seja em jogos ou
brincadeiras, como instrumentos pedagógicos de
grande consideração contemplados pelo RCNEI.
O LÚDICO COMO ATIVIDADE INTEGRADA
AO ATO DE PENSAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL
As pesquisas sobre o lúdico têm demonstra69
do que ele exerce um papel relevante na aprendizagem das crianças que precisam brincar para
desenvolver suas habilidades, porque a brincadeira
é sobremaneira significativa para elas e pode ocorrer em qualquer lugar. Porém, quando as crianças
– sobretudo as da educação infantil - não têm o
hábito de brincar, sua criatividade é inibida, e sua
aprendizagem é prejudicada.
Nesse contexto, pode-se perceber que a ludicidade contempla o desenvolvimento integral da
criança, por isso há que se entender que o espaço
destinado às crianças da educação infantil deve estar adequado as suas necessidades e apropriado
para o desenvolvimento das atividades. Quanto ao
educador, deve estar capacitado e apto para exercer sua atividade educativa e consciente de que,
enquanto a criança brinca, está sendo desafiada
a resolver conflitos, o que possibilita alternativas
de intervenção no mundo, porque, segundo Novaes (1992, p. 28), “o ensino, absorvido de maneira
lúdica, passa a adquirir um aspecto significativo e
efetivo no curso de desenvolvimento da inteligência
da criança”.
A educação voltada para o lúdico facilita o
processo de socialização e de aprendizagem, desenvolve a criatividade, a imaginação e a curiosidade e torna as aulas mais atraentes, visto que dá
mais abertura para o professor trabalhar com a
interdisciplinaridade, promovendo conquistas cognitivas, emocionais e sociais. Brincando, a criança
também pode explorar o mundo de maneira prazerosa e, com a imaginação, produzir conhecimento
e elaborar as informações adquiridas através de experiências cotidianas. Portanto, é importante respeitar sua bagagem de conhecimentos e estimular
nelas o hábito de pensar.
A atividade lúdica está relacionada a muitas
teorias, que envolvem o desenvolvimento psicológico, intelectual, emocional e social do ser humano. Nesse aspecto, o professor deve reconhecer
a importância da utilização de atividades lúdicas
na construção e no desenvolvimento do raciocínio
lógico dos seus alunos e aprofundar seus conhecimentos sobre determinadas teorias.
Para Vygotsky (1998), uma das questões
mais importantes da Psicologia e da Pedagogia infantil diz respeito à criatividade das crianças. Ele
concebe que, através do trabalho com o lúdico, as
crianças podem evoluir e amadurecer e, com o uso
da imaginação, satisfazer seus desejos não realizá70
veis e brincar como se pudessem agir no mundo
dos adultos, porque elas criam a partir do que conhecem, das oportunidades do meio e de acordo
com suas necessidades e preferências.
Na educação infantil, o uso do lúdico deve ser
utilizado de forma que respeite as características
próprias das crianças, seus interesses e esquemas
de raciocínio próprio, para que sua ação seja autônoma e espontânea, e elas se sintam atraídas e
motivadas, o que resultará no bom desempenho
físico e intelectual dos sentidos. O que vemos em
nossas escolas é que as mesmas não despertam
no aluno o prazer de descobrir o conhecimento,
não possibilita a satisfação de aprofundar os estudos, de desvendar coisas novas, produzindo assim,
um aluno capaz apenas de repetir e reproduzir
aquilo que lhe foi ensinado.
O trabalho da escola deve considerar as crianças como seres sociais e trabalhar com elas no
sentido de que sua integração na sociedade seja
construtiva. E para adquirir uma aprendizagem
significativa, elas precisam ser motivadas. Assim,
tendem a se esforçar para fazer coisas mais complexas. Nesse contexto, a interação social e as atividades lúdicas são indispensáveis para seu desenvolvimento moral, cognitivo, político e emocional.
Consequentemente, teremos crianças espertas,
independentes, curiosas, confiantes, cidadãs e capazes de intervir nas mudanças do contexto social.
Na prática educacional, é preciso criar estratégias metodológicas de forma construtiva, e as
atividades lúdicas são consideradas como uma
alternativa significativa e importante. Vygotsky foi
um teórico que se aprofundou no estudo do papel
das experiências sociais e culturais a partir da análise do jogo infantil e afirma que, no jogo, a criança
transforma, com a imaginação, os objetos produzidos socialmente. Esse processo dialético entre ela
e a sociedade tem na linguagem um dos signos
mais importantes do desenvolvimento infantil.
Freire (2000) reforça esse pensamento ao dizer que, desde cedo, a criança deve entender que
o ato de aprender envolve disciplina e exige dedicação do aluno, pois, mesmo que seja difícil adquirir
o conhecimento, é muito prazeroso, e a vida cotidiana está interligada ao saber. Por conseguinte,
a comunicação entre os sujeitos é de fundamental importância para que a educação se configure,
pois é através do diálogo que se pode ler o mundo,
problematizá-lo, compreendê-lo e transformá-lo.
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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Assim, é fundamental se trabalhar com uma proposta pedagógica que considere o cotidiano das
crianças e o conhecimento construído cientificamente pela sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na educação infantil, o uso do lúdico deve ser
utilizado de forma que respeite as características
próprias das crianças, seus interesses e os esquemas de raciocínio próprio, para que sua ação seja
autônoma e espontânea, e elas se sintam atraídas
e motivadas, propiciando o desempenho físico e intelectual dos sentidos. Preocupa-nos sobremaneira
o fato de muitas de nossas escolas ainda não desenvolverem um trabalho que desperte no aluno o
prazer de descobrir o conhecimento, a satisfação de
aprofundar os estudos e de descobrir o novo. Nesse
caso, estamos diante de um que se limita a repetir e
reproduzir o que lhe foi ensinado. Nesse norte, o trabalho da escola deve considerar as crianças como
seres sociais e trabalhar com elas no sentido de que
sua integração na sociedade seja construtiva.
Vale destacar que a interação social e as atividades lúdicas são indispensáveis para o desenvolvimento moral, cognitivo, político e emocional. Por
isso, é muito importante direcionar as suas necessidades e interesses, com o objetivo de que ela se
torne esperta, independente, curiosa, confiante e
decidida quanto a expor seus pensamentos, sendo
ativa como cidadã e intervenha nas mudanças do
contexto social.
Vislumbramos neste trabalho que as atividades desenvolvidas nas aulas de educação física
tragam muitas contribuições, dentre elas, o fato
das aulas serem consideradas prazerosas e servirem como meio de interação entre as crianças,
os objetos, as pessoas, um ensaio para a vida em
sociedade.
Por fim, os aspectos abordados neste trabalho nos levam a inferir que o lúdico é sobremaneira
relevante para que, no âmbito da educação infantil,
as crianças tenham uma multiplicidade de atividades relacionadas às muitas teorias que abordam o
desenvolvimento psicológico, intelectual, emocional e social do ser humano. Para isso, os professores podem buscar o apoio de disciplinas como
a Educação Física, por exemplo, cujo objetivo é de
auxiliar, neste caso, a criança a conhecer o próprio
corpo –no âmbito físico, cognitivo ou intelectual – a
buscar sua autonomia e a autoconfiança e ter um
bom relacionamento com o outro, ou seja, a ser
capaz de pensar por conta própria. Nesse processo, há que se promover o bem-estar dos pequenos,
durante o processo de ensino e aprendizagem, e
resgatar o lúdico como instrumento de construção
do conhecimento.
Fica aqui o nosso desejo de que, em um futuro bem próximo, a educação de qualidade seja
possível para todos, na perspectiva de que as crianças possam exercer a cidadania com dignidade e
competência.
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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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73
Sandra Alves da Silva Santiago*,
Maria Tereza Lira de Oliveira Chaves** e Ana Maria Nóbrega***
O papel da escolarização no processo da cidadania
das pessoas com deficiências da cidade
de João Pessoa - Paraíba
RESUMO:
Este artigo, resultado de uma pesquisa PIBIC, realizou uma análise dos
indivíduos de João Pessoa, em 2010 e 2011, caracterizando-os por área de
deficiência. Coletamos dados do Censo 2010 e do relatório do ano de 2011
da Fundação de Apoio à Pessoa com Deficiência (FUNAD), relativos à escolarização desse público. Submetemo-los a análise quantitativa e qualitativa, focalizando a política de escolarização. Os resultados demonstraram que o apoio
que as pessoas deficientes recebem ainda está aquém do necessário. Isso se
configura como uma situação de exclusão educacional, porquanto se nega o
direito à educação, defendido pela Constituição Federal de 1988.
Palavras-chaves: Inclusão. Escolaridade. Deficiência. Diversidade.
ABSTRACT:
The PIBIC´s survey article resulted of an analysis in João Pessoa 2010 and
2011, characterized by the area of disability. Its collected datas from 2010´s
Census and reports from the People´s with Disabilities Support Foundation- FUNAD, regarding grade´s level(schooling) from these people, subjecting them to
the quantitative and qualitative analyses, focusing on politics of schooling. The
results show us a lack of people´s support with disabilities, with evidence situation in educational exclusion, denying the right eduaction, defended by Federal
Constitution of 1988.
Keywords: Inclusion. Scholarity. Shortcoming. Diversity.
(*) Professora Doutora do Departamento de Habilitações Pedagógicas da UFPB – CE. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected]. (**) Professora Mestra do Departamento
de Habilitações Pedagógicas da UFPB – CE. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected]. (***) Professora Mestra do Departamento de Fundamentos da Educação da UFPB –
CE.Campus João Pessoa. E-mail: [email protected].
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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73
INTRODUÇÃO
A escola, historicamente, se caracterizou pela
visão de educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas e práticas
educacionais reprodutoras da ordem social
(BRASIL, 2007, p.1).
Não se pode negar que os avanços da ciência
e da tecnologia trouxeram importantes conquistas
para o homem e a mulher modernos que facilitaram o acesso ao conhecimento socialmente construído. No entanto, é importante considerar que,
quando esse sujeito tem alguma deficiência, a situação nem sempre é tão favorável, principalmente
no que se refere à escolarização. Isso parece se
agravar, se a mesma pessoa tem outros atributos
comumente utilizados como fonte de discriminação, tais como: ser mulher e pertencer às classes
mais desfavorecidas economicamente (SANTIAGO, 2011).
Assim, pode-se afirmar que, apesar de estarmos no Século XXI, farto de descobertas e de
inventos que fascinam o homem e a mulher modernos, a condição de não ouvir, não enxergar ou
de não se locomover, por si só, pode colocar algumas pessoas na situação de exclusão social, em
suas mais diferentes expressões, confirmando que
ainda estamos longe de nos aceitarmos indistintamente. Nesse sentido, a escola poderia ser um
espaço promovedor dessa inclusão, porém ainda
se mostra reforçadora de exclusão nas salas de
aula. Esse panorama, que se percebe em todo o
mundo, no caso brasileiro, vem sendo enfrentado
com bastante reflexão, sobretudo, no campo educacional (TESSARO, 2005; SKLIAR, 1997; SANTIAGO, 2011). Desde meados dos anos 90, as políticas públicas brasileiras acenam para a direção da
tolerância e da inclusão educacional, independentemente das diferenças apresentadas pelos educandos. O direito à educação não é mais alvo de
discussão, é legítimo a todos/as.
Para os objetivos deste estudo, o termo deficiência é aqui definido como defende a Convenção de
Guatemala, ou seja, algum tipo de restrição física,
intelectual ou sensorial, de natureza permanente,
que limita a capacidade de o indivíduo exercer uma
74
ou mais atividades essenciais da vida diária (In:
BRASIL, 2007). A deficiência intelectual, de acordo com os documentos do MEC, é uma condição
que “não se esgota na sua condição orgânica e/ou
intelectual e nem pode ser definida por um único
saber. Ela é uma interrogação e objeto de investigação de inúmeras áreas do conhecimento” (BRASIL,
2007, p. 15). Situando as deficiências estudadas:
A respeito da deficiência auditiva, os documentos oficiais dizem que significa toda perda parcial ou total da capacidade de ouvir. Essa condição
é medida em decibéis e classifica-se em leve, moderada, severa e profunda. Para todos eles, existem
especificidades que precisam ser respeitadas, que
vão desde o posicionamento em sala de uso de recursos visuais até o aprendizado e o uso da língua
de sinais como primeira língua (BRASIL, 2007). No
caso da deficiência visual, os documentos oficiais
a dividem em cegueira e baixa visão. A primeira
é definida como “alteração grave ou total de uma
ou mais funções elementares da visão que afeta
de modo irremediável a capacidade de perceber
cor, forma, tamanho, distância, posição ou movimento em um campo mais ou menos abrangente”
(BRASIL, 2007, p. 15). Já a deficiência físico-motora é a “alteração completa ou parcial de um ou
mais segmentos do corpo humano, acarretando
o comprometimento da função física”. Esse comprometimento pode assumir diferentes formas:
“paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros
com deformidade congênita ou adquirida” (BRASIL, 2007, p. 22-23).
É importante considerar que, na sua política
nacional, o Brasil elegeu alguns caminhos para efetivar a inclusão de alunos com deficiência. Entre elas,
destacamos: a matrícula de alunos com deficiência
em escolas regulares e a complementação com o
atendimento educacional especializado (AEE) como
os dois principais recursos para esse fim. O AEE é o
complemento educacional previsto pelo modelo inclusivo para suprir as necessidades dos alunos com
deficiência, sempre que esses não conseguirem assegurar plena aprendizagem nas classes regulares.
Assim, se a política de inclusão assegura a matrícula dos/as alunos/as com deficiência, na rede regular de ensino, oportunizando o que se convencionou
chamar de atendimento educacional especializado
para cada caso, sempre que se fizer necessário, inConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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teressa-nos avaliar de perto a situação atual de escolarização desses alunos, verificando a efetivação
da política inclusiva em João Pessoa e quantos, de
fato, estão usufruindo dos seus direitos.
Assim, o presente artigo analisou a situação
de escolarização de indivíduos com deficiência em
João Pessoa, categorizando-os por área de deficiência, a saber: auditiva, visual, físico-motora,
intelectual e múltipla, contemplando a qualidade
dos serviços prestados a partir da oferta efetiva do
AEE. Sabendo que as lutas em prol das crianças
com deficiência começam, agora, a alcançar sucessos e mudanças nesse panorama da cidade de
João Pessoa, na escolarização dos indivíduos deficientes, esperamos que surja uma nova sociedade,
que seja baseada no respeito às diferenças e na
igualdade de direitos.
METODOLOGIA
Do ponto de vista metodológico, trata-se de
uma pesquisa explicativa, cujos dados demográficos e escolares são os principais instrumentos de
análise qualitativa e quantitativa. Quanto à natureza dos instrumentos utilizados, a pesquisa se configura como bibliográfica e documental, pois utilizou os principais referenciais da área na discussão
sobre inclusão e deficiência.
Assim, a pesquisa dividiu-se em três partes.
A primeira voltou-se para o estudo do fenômeno da
inclusão/exclusão de pessoas com deficiência no
Brasil, tomando como principais referenciais para a
reflexão os trabalhos de Tessaro (2005) e Santiago
(2011). Nessa mesma direção, identificou os elementos da política de inclusão educacional defendida em âmbito nacional, cujas principais fontes de
pesquisa foram os seguintes dispositivos legais: a
Constituição Federal (1988); a LDB n.º 9.394 (1996)
e a Lei n.º 10.098 (2000), que são subsídios para a
Política Nacional de Inclusão (2005) e para o AEE
(2007), que estabelecem os direitos da pessoa com
deficiência e as adaptações necessárias para sua
escolarização, definindo regras, parâmetros e recursos específicos para cada área. Com base nesses
documentos, organizamos as áreas de deficiência a
serem investigadas pela pesquisa.
Na segunda parte, recorremos à pesquisa documental, utilizando os seguintes documentos para
a coleta dos dados: o Censo demográfico 2010 – Brasil, dados sobre o quantitativo de pessoas com defiConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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ciência em João Pessoa; o Relatório de Gestão 2011,
da Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador
de Deficiência (FUNAD) e o Censo Escolar 2010 da
Paraíba, especificamente os dados de matrícula de
pessoas com deficiência nas escolas oficiais.
O Censo Demográfico (2010) foi utilizado, especialmente, porque revela a situação demográfica
de pessoas com deficiência em nosso estado e em
outras partes do Brasil. Os relatórios da FUNAD
(2011) e o Censo Escolar (2010) foram sobremaneira importantes, pois ambos nos possibilitam
precisar a situação de escolarização das pessoas
com deficiência no Estado. É importante considerar que a pesquisa feita nesses documentos oficiais obrigou-nos a ir muitas vezes ao campo de
investigação (FUNAD), realizando contatos, agendamentos, pesquisas, entre outros.
Foram escolhidos os relatórios da FUNAD,
pois essa entidade é o principal órgão oficial do
estado da Paraíba responsável pela política de inclusão de pessoas com deficiência e, portanto, capaz de revelar dados sobre a escolarização desses
sujeitos. De posse dos dados coletados na FUNAD
e nos Censos, destinamos a etapa seguinte à sua
categorização, a partir das áreas previamente definidas na pesquisa bibliográfica, a saber: deficiência intelectual, deficiência visual, deficiência auditiva, deficiência físico-motora e deficiência múltipla.
Depois de categorizados, os dados foram
analisados do ponto de vista quantitativo, para os
quais construímos gráficos e quadros para ilustrar
a situação, e qualitativo, com base nos dispositivos
legais. Com essa última análise, pretendemos apresentar os significados desses índices para o processo inclusivo defendido pelo Ministério da Educação
(MEC) e sua efetivação em termos locais, tomando
como referência o que determinam os dispositivos
legais. Esse tipo de análise busca, ainda, identificar
a condição de inclusão de pessoas com deficiência,
tomando por base o direito à educação como elemento essencial para a efetivação da política.
De acordo com o próprio MEC, a política de
educação que se volta para pessoas com deficiência ainda é reconhecida como “especial” e é ela
que estabelece que a inclusão é prioridade. Nesse
sentido, a intenção primeira é de que pessoas com
deficiência exerçam o direito de aprender em classes comuns e que o ensino especial seja uma possibilidade pouco utilizada no contexto educacional
brasileiro. Vejamos o que ocorre na prática.
75
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os dados coletados através do Censo 2010
revelaram que a população geral de João Pessoa equivale, hoje, a 723.515 habitantes. Desse
montante, na cidade de João Pessoa, existe, de
acordo com o Censo 2010, um quantitativo de
185.729 pessoas com deficiências permanentes, o que equivale a 25,68%. Embora reconhecendo que possa haver incoerência no processo
de coleta de dados do Censo demográfico, especialmente na pouca definição do que significam
as deficiências, correndo o risco de que limitações de toda ordem sejam computadas como
deficiência, verifica-se uma crescente em relação
ao número apresentado em 2000, que ficava
perto dos 14%. Por outro lado, salientamos o
fato de que, no Censo, são pontuadas apenas as
consideradas deficiências permanentes, e não,
as transitórias, causadas por motivações várias,
mas com tempo determinado para desaparecer,
como é o caso das imobilizações de membros,
infecções de ouvido, tratamentos oculares. Com
isso, a margem de erro cai bastante, e os dados
obtidos chegam muito perto da realidade.
Ainda no que diz respeito aos dados, verificamos, com base no Censo 2010, que a situação
da Paraíba, por área de deficiência, é bastante
significativa. Na área da deficiência visual, o
quantitativo de pessoas com deficiência informado no censo é de 145.009, variando entre os
que declararam ter grande dificuldade, alguma
dificuldade ou não conseguem, de modo algum,
utilizar a visão.
Quanto à deficiência auditiva, o número revelado pelo Censo 2010 é de 37.140 pessoas,
em João Pessoa, variando entre os que não conseguem, de modo algum, ouvir, têm alguma dificuldade de ouvir ou grande dificuldade de ouvir.
Portanto, inclui-se nesse grupo todo tipo de perda auditiva - leve, moderada, severa e profunda
– e todas as etiologias (BRASIL, 2007).
Em relação à deficiência físico/motora,
76
o Censo 2010 apresentou um quantitativo de
54.076 pessoas, variando entre os que não conseguem, de modo algum, realizar suas atividades no tocante ao movimento, os que apresentam alguma dificuldade e os que apresentam
grande dificuldade. Nessa área, também foram
classificadas apenas deficiências permanentes,
portanto, as transitórias não foram computadas
pelo Censo. Diante disso, é evidente que as classificações utilizadas, de fato, abrangeram todas
as variações de deficiência e suas motivações amputações, acidentes, paralisias, deformidades
congênitas etc. - conforme documentos oficiais
(BRASIL, 2000).
No tocante à deficiência intelectual (também
referida nos documentos como mental), o quantitativo revelado pelo Censo 2010 foi de 11.005
pessoas. Nessa área, não há diferenciação entre
o nível de dificuldade apresentada. Nesse contexto, incluem-se as dificuldades de aprendizagem,
a paralisia cerebral e algumas síndromes (SANTIAGO, 2011). É importante registrar que o Censo não registrou múltiplas deficiências, portanto,
ficamos sem esses dados demográficos.
De posse desses dados, passamos a verificar, no Censo Escolar da Paraíba, a situação de
escolarização desses sujeitos com deficiência.
Verificamos, inicialmente, qual o quantitativo de
alunos com deficiência matriculados nas redes
oficiais de ensino. Os dados obtidos no Censo
Escolar (2010) revelaram que o índice ainda é
inexpressivo.
Assim, através do Relatório de Gestão
(2011), que contém os dados solicitados do Censo Escolar 2010 sobre pessoas com deficiência
no Estado, identificamos, em linhas gerais, uma
disparidade entre o quantitativo de sujeitos com
deficiência, ou seja, de 185.729, e os que têm
deficiência, matriculados na rede oficial - de
10.876. O gráfico 1, a seguir, demonstra esses
resultados:
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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Gráfico 1: Situação das pessoas com deficiência na Paraíba
Fonte: Produzido pelo autor, com base no Censo 2010; Censo Escolar, 2010.
Esses dados apontam que a política de inclusão ainda está distante de se efetivar no município de João Pessoa, tendo em vista o número
reduzido de estudantes matriculados na rede oficial de ensino. Em termos percentuais, podemos
acrescentar que, do número de 185.729 pessoas
com deficiência, no município, apenas 0,83% estão matriculadas na rede oficial de ensino.
De acordo com o próprio Censo escolar
(2010), em relação às áreas específicas de deficiência, temos os seguintes números de alunos
atendidos em João Pessoa:
Quadro 1: Alunos com deficiência, por área, atendidos em João Pessoa
Fonte: Produzido pela pesquisadora a partir de dados do Censo Escolar 2010.
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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É importante considerar que os documentos
oficiais não revelam os dados com precisão, sobretudo, porque comentem equívocos na classificação
das deficiências. Até citam alunos com altas habilidades, síndromes e alguns transtornos como portadores de deficiência. Nesse sentido, recorremos
à literatura sobre o assunto ou documentos que
orientam esse debate, como a Carta de Guatemala
(1999) e os subsídios para o AEE (2007), a fim de
não repetir os mesmos erros e trabalhar apenas
com as informações pertinentes ao nosso objeto
de estudo – pessoas com deficiência.
ANÁLISE DA DEFICIÊNCIA POR ÁREA
Deficiência múltipla
Como se pode observar no quadro acima, o
número de alunos com deficiência atendidos por
área é bastante diversificado. Em termos gerais,
a deficiência múltipla é a que apresenta o menor
percentual de atendimento, tanto em razão da
demanda mais reduzida desse público que quase
não procuram escolarização, quanto por causa da
especificidade do atendimento que inviabiliza que
sejam atendidos mais alunos, portanto, constatam-se apenas 3,64%.
Deficiência intelectual
A deficiência intelectual é a área com o maior
número de atendimentos, com 562 alunos distribuídos nas escolas de João Pessoa, o que equivale
a 36,56%. No entanto, é importante considerar
que esperamos que todos esses alunos tenham,
de fato, diagnósticos que comprovem a deficiência identificada (intelectual), pois os relatórios não
dão detalhes a respeito deles. Nossa preocupação
se fundamenta na disparidade entre o público
com deficiência intelectual, em João Pessoa, de
acordo com dados do Censo 2010, que equivale
a pouco mais de 5,62% do total, enquanto, em
termos de escolarização, esse número cresce assustadoramente e atinge um percentual até sete
vezes maior, ou seja, de 36,56%.
No que diz respeito ao AEE destinado a esse
público (deficiência intelectual), dos 562 alunos,
recebem atendimento apenas 140 em João Pessoa. Então, como o relatório de Gestão (2011) organizado pela FUNAD ressalta seu papel na construção do diagnóstico e do acompanhamento dos
alunos das escolas da rede oficial de ensino, esperamos que esses dados correspondam à realidade
da deficiência intelectual nesse município.
78
Deficiência visual
Em segundo lugar, temos a área da deficiência visual. Santiago (2011) refere que fazem parte
desse grupo alunos com cegueira ou baixa visão.
De acordo com os documentos oficiais, cegueira é
a perda total da capacidade de enxergar, e a baixa visão, a perda parcial, mas com resíduo visual
compatível com o uso de recursos específicos. Temos um grupo de 429 alunos, o equivalente a um
percentual de 27,91% atendidos na rede oficial de
ensino. Desses, apenas 33 estão recebendo AEE
em salas de recursos multifuncionais.
Ao analisar a situação da pessoa com deficiência visual, conclui-se que esse é um aspecto bastante preocupante, tendo em vista que as
adaptações necessárias para esse público dizem
respeito à utilização de recursos para leitura e
escrita, como é o caso do Braille, cujos materiais
a serem utilizados estão disponíveis nas salas de
recursos multifuncionais, conforme determinação do MEC.
Deficiência auditiva
A deficiência auditiva ocupa o terceiro lugar
na quantidade de alunos atendidos - um total de
255 alunos - o que significa um percentual de
16,59%, no qual incluímos alunos com qualquer
tipo de perda auditiva (leve, moderada, severa e
profunda), sem estabelecer distinção, como registrado no Censo Escolar (2010), que classifica de
maneira diferente: alunos com deficiência auditiva
e alunos surdos. Esse tipo de divisão não é feito
pelos documentos do MEC nem pelos teóricos da
área. Portanto, não a utilizamos nesta pesquisa
(BRASIL, 2007).
Ao analisar o quantitativo de alunos atendidos no AEE, verificamos que, dos 255, apenas 66
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recebem atendimento. Então, ao analisar a situação de AEE para alunos com deficiência auditiva,
vimos que os documentos oficiais preveem, pelo
menos, três atendimentos específicos, em contraturnos (BRASIL, 2007). O primeiro prevê o ensino
de língua de sinais; o segundo, o ensino de conteúdos escolares através da língua de sinais; e o
terceiro, o ensino da língua portuguesa.
Deficiência físico-motora
No que diz respeito a esse tipo de deficiência,
o total de alunos matriculados na escola regular é de
125, que corresponde a um percentual de 8,13%,
dos quais apenas 18 são atendidos pelo AEE.
De acordo com o MEC, em documento produzido especificamente para o AEE em 2007, a
pessoa com deficiência física tem direito a recursos humanos especializados para atendê-la, avaliação e implementação de tecnologias assistivas
as suas necessidades, auxílio em atividades da
vida diária, material escolar e pedagógico adaptado, comunicação aumentativa e alternativa,
acessibilidade arquitetônica, recursos de acessibilidade ao computador, além de alinhamento e
estabilidade postural, sempre que essas interferirem nas questões de aprendizagem (BRASIL,
2007). No relatório de gestão apresentado pela
FUNAD, essas informações não estão disponíveis.
Sabe-se que há salas de recursos e que 18 dos
125 alunos com deficiência físico-motora são
atendidos, mas não se informa que tipo de atendimento eles recebem e se há recursos compatíveis
com as necessidades de todos.
CONCLUSÃO
O AEE procura viabilizar o cumprimento dos
preceitos legais de promoção da igualdade de
oportunidades previstas pela legislação brasileira,
com destaque para a Constituição Federal (1988)
e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei n.º 9.394 (1996). Portanto, o AEE procura garantir às pessoas com deficiência o direito à
educação.
A Constituição Brasileira (1988) defende a
dignidade do ser humano (art. 1º, inc. I, II, III), e
seu objetivo fundamental é de promover o bem de
todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor,
idade e outros (art. 3º, Inc. IV). Portanto, é nessa
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perspectiva que o AEE se configura numa forma
de respeitar o direito da pessoa com deficiência
à educação, dando-lhes condições de igualdade,
especialmente quando sua matrícula ocorrer na
rede regular de ensino.
Da mesma forma, na LDB 9.394 (1996), o
AEE é recomendado para ser feito em escolas,
salas ou por serviços especializados, sempre em
função das necessidades dos alunos. Reforçando
tais ideias, outros documentos foram produzidos
para garantir a inclusão dos alunos com deficiência, como, por exemplo, o ano do atendimento
educacional especializado, produzido pelo Ministério da Educação, entre outros. Em todos eles, o
estímulo e o reforço pela efetivação de uma proposta inclusiva se pautam, essencialmente, no
AEE, como principal instrumento para viabilizar a
permanência dos alunos com deficiência na rede
de ensino, garantindo não somente “estar”, mas,
principalmente, “estar aprendendo”.
A realidade que identificamos na cidade de
João Pessoa não é diferente do resto do estado ou
do país. A situação atual, portanto, não é compatível com o que proclamam os documentos oficiais
a respeito da inclusão. Vive-se, efetivamente, uma
situação de exclusão de pessoas com deficiência
do direito à educação. E, escondido numa política
romântica, falseia a verdadeira condição desses
indivíduos.
É preciso que se investigue, mais profundamente, esse cenário, para que possamos contribuir com as reflexões na área e as possíveis
soluções para o problema. Uma parte desse problema se assenta no preconceito latente que a
maioria de não deficientes nutre pelos deficientes. Outra parte diz respeito a decisões tomadas
para eles, e não, com eles, porque se subestima
a capacidade de indivíduos diferentes dos padrões socialmente aceitos.
Esperamos que as reflexões promovidas até
aqui possam favorecer um profundo debate sobre
os significados da inclusão e o papel da escolarização de indivíduos com deficiência e que, no
confronto entre os dados demográficos e os educacionais, possamos vislumbrar a exclusão sendo
anunciada.
Entendemos que as pessoas com deficiência
estão sem alternativa, e por questões socioeconômicas e culturais, têm optado por essa inserção na rede regular de ensino, sem buscar apoio
79
especializado. Em João Pessoa, assim como em
outras regiões do Brasil, vem se delineando um
quadro preocupante: de um lado, observa-se certo aumento no número de matrículas no ensino
regular de alunos com deficiência, nos níveis infantil, fundamental e médio, mas não vem recebendo o AEE. Então, perguntamos: será que os
alunos é que não querem receber o AEE ou o AEE
não está disponível para receber os alunos? Certa-
mente ainda há muito a se discutir nessa área, e
esperamos contribuir com tais reflexões em novas
pesquisas.
Esse é um desafio que não se acaba por
aqui. Mais do que garantir o ensino especializado
para esses educandos, é preciso garantir a inclusão, tendo em vista que só por meio da verdadeira
inclusão é que poderemos pensar numa escolarização cidadã inclusiva e justa para todos.
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80
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81
Djavan Antério* e Pierre Normando Gomes da Silva**
Decodificando as ações corporais
na prática docente
RESUMO:
O artigo discute as ações corporais na prática docente, enfatizando a problemática da relação comunicativa entre educador e educando. Aborda, ainda,
uma específica concepção de corpo e as contribuições advindas de sua linguagem para um agir pedagógico mais consciente. Por meio do prisma da comunicação corporal, fundamenta-se a possibilidade de decodificar e transmitir
mensagens que, geralmente, são imperceptíveis à linguagem verbal. O estudo
objetivou consolidar as contribuições pedagógicas que podem emergir da inter
-relação não verbal e fortalecer a premissa de que o corpo, em sua completude,
é sobremaneira significativo para o processo educacional como um todo.
Palavras-chave: Educação; Prática docente; Comunicação corporal.
ABSTRACT:
The article discusses the bodily actions presented in the teaching practice,
emphasizing the problem of communicative relationship between educator and
student. It also addresses one specific body design and the contributions arising from its language for pedagogical action more aware. Through the prism of
bodily communication, is based on the possibility of decoding and transmitting
messages that are usually imperceptible to verbal language. The study aimed to
consolidate the pedagogical contributions that can emerge from the interplay
nonverbal, thus strengthening the premise that the body, in its entirety, it is
extremely significant to the educational process as a whole.
Keywords: Education, Teaching practice, Bodily communication.
(*) Professor Mestre do Departamento de Pedagogia (modalidade à distância) - CE/UFPB. Campus João Pessoa. E-mail: [email protected].
(**) Professor Doutor do Departamento de Educação Física - CCS/UFPB. Campus João Pessoa.E-mail: [email protected]
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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81
INTRODUÇÃO
As discussões acerca do corpo, nos vários
momentos históricos, tiveram diferentes focos e
concepções. Contudo, independentemente da temática central, o corpo sempre provocou inquietações. Por meio de uma leitura substancial, anos a
fio, é possível encontrar concepções, ora similares,
de que emergem pontos inclinados num mesmo direcionamento acerca do corpo como uma entidade
material, ora por uma vertente mais filosófica, extraindo pensamentos transcendentais de um corpo desmitificado e mais subjetivo, além de outras
esferas mais comuns, como, por exemplo, o corpo
como matéria, orgânico, objeto motriz.
Evidenciamos a concepção de corpo como
linguagem. Isso implica dizer que nós, como corpus que somos, temos voz ativa não só através da
linguagem falada (ou mesmo a escrita), como também de nossos gestos, olhares e outros diversos
canais de comunicação. Pensamos o corpo como
fonte de uma subjetividade rica em elementos não
concretos, não racionalizáveis, porque vividos emocionalmente. Por isso são necessários novos mapeamentos que revelem o desenho subjetivo desse
corpo, buscando compreender, dentre outras coisas, sua identidade expressa pela gestualidade,
pela postura e por sua ocupação no espaço. É preciso entender e aceitar que o ato de se mover vai
além de mudar de posição, de se deslocar de um
espaço para outro (ANTÉRIO; GOMES-DA-SILVA,
2011).
Adentrando, mais especificamente, a comunicação realizada por esse corpo, em seu contexto, é
que abordaremos a comunicação corporal em seu
arcabouço teórico. Entendemos por comunicação
corporal a capacidade de o sujeito comunicar-se
corporalmente, por meio da linguagem não verbal.
A partir de Rector e de Trinta (1985), entendemos
a comunicação verbal ou não verbal como um fenômeno humano, portanto social, ou seja, “comunicar é manifestar uma presença na esfera da vida
social. É estar-no-mundo-junto-com-outros” (p. 8).
Comunicar envolve uma perspectiva de partilha e
de transferência de informação entre dois ou mais
sistemas.
É importante frisar que, ao tratar de comunicação corporal, tratamos, consequentemente, do
ato de nos movimentarmos, sobre o qual clareamos uma concepção que vai além do deslocamen82
to do corpo, do movimento evidente de membros.
Partimos do pressuposto de que o movimento está
impregnado na ativação corporal que todos temos
pelo simples fato de estarmos vivos. Assim, respirar já se caracteriza como um movimento. Nessa
perspectiva, mesmo em se tratando de suas propriedades neurofisiológicas, biomecânicas, cognitivas, o movimento é visto tanto por seus determinantes exteriores, que são evidentes aos olhos,
quanto pelos interiores, que acontecem dentro de
nós, sobre uma confidencialidade extrema, às vezes, até imperceptível.
No âmbito escolar, o corpo, segundo Freire
(2009), é subutilizado, ou seja, não é exigido de
forma adequada, muito menos na quantidade certa, frente a sua potencialidade. A escola insiste
em usar o corpo como mero realizador de ações
mecânicas e com rígidas funções disciplinares. Ele
não tem a oportunidade de se desenvolver de forma lúdica, em sua movimentação intencional ou
aleatória, espontânea, sem intenção aparente. A
escola, geralmente, impede-o de se movimentar
por prazer, de mexer-se por alegria e sacudir-se intuitivamente.
Encaramos o movimento como criador de
significados que vão muito além das determinações abstrativas das medidas de desempenho. Do
contrário, seríamos coniventes com a vertente que
omite a vida do movimento em si próprio, “calando
sua voz”, tornando-o mudo, sem significado algum.
Eis a razão de consideramos insuficiente uma teorização que conceba o movimento distante do seu
sentido vivido, por estar exclusivamente atenta aos
padrões de desempenho e/ou habilidade. Concebemos o corpo como nossa condição existencial,
mas consideramos insuficiente a interpretação do
movimento em si mesmo.
Desvencilhamo-nos de perspectivas somente objetivas e, de certa forma, limitadas. Dentre
elas, a de adaptar os corpos à conduta laboral e
às práticas desportivas que produzem um sujeito
conforme as exigências de um sistema impiedoso,
que visa, sobretudo, à sua motilidade. Sobre isso,
comungamos do pensamento de Bombassaro e de
Vaz (2009), defendendo que, num contexto estrategicamente sistemático, o sujeito é imerso em um
processo de subjetivação vinculado a um conjunto
de condutas externamente determinadas.
Logo, preocupados em elucidar as ações corporais inerentes ao processo de intervenção docenConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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te, que fazem o sujeito agir com significação, foi
que nos propusemos a investigar a comunicação
corporal a partir da perspectiva do corpo como
percepção e expressão inter-relacional do sujeito
no mundo e, por conseguinte, pensar a ação comunicativa corporal do educador consigo mesmo,
com os alunos e com o seu entorno. Discutimos
o corpo comunicativo em sua inter-relação social
com base nos pesquisadores Knapp e Hall (1999),
Rector e Trinta (1985), Pease e Pease (2005), Picard (1986) e Weil e Tompakow (1986). Nessa
perspectiva, a questão-problema deste artigo é:
Que configurações da comunicação corporal podem
ser identificadas no ato docente?
CAMINHO METODOLÓGICO
Trata-se de uma pesquisa descritiva e de
abordagem qualitativa, por caracterizar o entendimento de um fenômeno, envolvendo significados,
valores e atitudes por meio dos quais é possível
aprofundar as relações dentro do processo social,
como aponta Minayo (2001). Como eixo epistemológico, adotou-se o conceito de corpo como um elemento perceptivo, ativo-expressivo e fundamental
para a inter-relação comunicativa do sujeito com
ele mesmo e com os outros, o que se configura
como uma dimensão da corporeidade. Isso implica
afirmar que o corpo foi tratado na pesquisa como
um elemento subjetivo, além de suas perspectivas
orgânicas, biológicas e estéticas.
Nossa pesquisa justifica-se pela importância
de se trabalharem as diferentes possibilidades do
corpo como um elemento prioritariamente presente no cotidiano do sujeito, não de forma natural,
mas ligadas pela materialidade. Elencamos uma visão transcendental da relação entre corpo e sujeito,
considerando-os híbridos, pois não é possível um
seguir sem o outro. Estabelecemos, ancorando-nos
no arcabouço teórico recorrido, uma ruptura na lógica da separação corpo e sujeito, na medida em
que rompemos com o primado da concretude do
ser material e propomos a subjetivação do corpo.
Partindo desse bojo contextual, o presente artigo objetivou consolidar as contribuições pedagógicas que podem emergir da inter-relação não verbal, visando fortalecer a premissa de que o corpo,
em sua completude, é extremamente significativo
para o processo educacional. Diferentes linhas de
pensamento são discutidas, fomentando um diáConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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logo reflexivo com e entre os autores analisados.
Para isso, valemo-nos de obras literárias conceituadas sob a ótica da revisão bibliográfica, por permitir integrar as relações de um conjunto de pesquisas realizadas por determinadas intervenções,
podendo apresentar resultados semelhantes e/ou
contrários, além de aproximar temas que precisam
de evidências para estudos futuros.
Também nos apoiamos nos eixos da fenomenologia, por entendê-la como uma atitude de reflexão do fenômeno em meio à diversidade complexa.
Salientamos que, com base na análise fenomenológica, suspendemos posicionamentos ideológicos, crenças e teorias não fundamentadas e nos
concentramos, fundamentalmente, no sujeito e
sua presença no mundo. E ao localizar nosso problema na descoberta da significação originária do
movimento do corpo humano no mundo, estamos
dentro da análise existencial proposta pela fenomenologia. Em nosso entender, é complexo querer
explicar que o ato de se movimentar concebe sentido se não utilizarmos as noções subjetivas de teorias como a da corporeidade e a da comunicação
corporal.
O MOVIMENTO COMO LINGUAGEM
Para iniciar um proveitoso diálogo com os
conceitos trazidos pelos autores aos quais recorremos, é pertinente aclarar a essência significativa
que temos em relação ao ato de se movimentar. À
luz de pensadores como Freire (1999), Hildebrandt-Stramann (2005), Laban (1978) e Picard (1986),
comungamos da tese de que o movimento é gesto,
dotado de significado e não corresponde à tradução da representação, mas à operação existencial
por participar da mudança de coordenadas enviadas ao esquema corporal. Ao tratar da significação
do movimento, da atmosfera criada por ele e do horizonte de expressão do corpo situado no mundo,
já estamos no âmbito da corporeidade.
A partir do dito, é natural que pensemos em
linguagem ao falar de movimento. Isso porque movimento é expressão, é comunicação. Obviamente,
como bem adiantamos, há movimentos que são
interiorizados, sem uma eloquência perceptível, tal
como o tônus dos nossos músculos, o batimento
do nosso coração, o pulsar de nossas veias e artérias. Contudo, mesmo que transcendamos a compreensões tradicionalistas, podemos discutir sobre
83
possíveis comunicações desses movimentos. Mas
deixemos para outra oportunidade.
Ao tratar de linguagem, referimo-nos ao conceito trazido por Silva (2010), que a define como
um conjunto de hábitos e prescrições, articulados
em meio à vida social e à história, que o sujeito
assimila para compor a si mesmo. Isso equivale
à sua inserção na vida social e histórica, de modo
que a subjetividade se revela, necessariamente,
uma intersubjetividade. Na visão do autor, da qual
compartilhamos, conforme se alheia de seu próprio corpo e lida com a vida social e histórica, em
si, é que o sujeito se constrói. A linguagem está no
movimento tal como a olhar está na visão. Isto é,
o movimento configura-se por um emaranhado de
informações que podem ser decodificadas e, por
conseguinte, assimiladas como mensagens, portanto, comunicação. Afirmamos isso com base na
conjuntura comunicativa que temos como seres sociais, que interagem através de inúmeras e diferentes comunicações. A questão é que ainda é minoritária a percepção do movimento como linguagem.
Pensando pelo prisma da corporeidade, o movimento não se encontra isolado, mas em meios
às relações estabelecidas pelos sucessivos gestos.
Da mesma forma, o movimentar-se humano não
detém uma significação imanente, porquanto se
limita a indicar certa relação entre o homem e o
mundo sensível. “No movimento, homem e mundo
sensível transformam-se numa unidade, isto que
dizer que o mundo é sempre mundo vivido e o movimento é sempre gesto com sentido/significado
para quem individual ou coletivamente o praticou”
(GOMES-DA-SILVA, 2011, p. 37).
O fato é que nossos gestos revelam muitos
mais do que aparentemente percebemos. O corpo,
de uma forma geral, é depositário de códigos condizentes com a cultura que temos. Por isso nossas ações são próprias das condutas instintivas e
representam o que aprendemos e assimilamos ao
longo dos anos, razão por que nosso movimentar
não é neutro, mas vinculado a um interesse cultural, que, inclusive, forma o sujeito social. Isso,
de uma forma ou de outra, garante a utilidade e o
ajustamento por meio do abrandamento das emoções e do arrefecimento do poder do corpo.
Dialogando com o pensamento de Merleau
-Ponty (1999), sustentamos a ideia de que,
na linguagem corporal, não há uma fragmentação entre o pensamento e o gesto. Na ação con84
templativa do olhar, envolvo-me com o objeto olhado, percebendo-o por meio dos meus movimentos.
O corpo se estabelece de forma complexa, compilando diversificados elementos que se encontram
entrelaçados, tornando impossível fragmentar o
todo. Na perspectiva da fenomenologia de Merleau-Ponty, o corpo é considerado como obra de arte
sensível às relações que se estabelecem ao seu
entorno. Assim, o que temos são constantes modificações oriundas da inter-relação entre sujeito e
mundo, uma vez que o homem é produto do meio,
e o meio é modificado pelo homem.
A COMUNICAÇÃO CORPORAL
Ao tratar de comunicação corporal, priorizamos
a comunicação efetuada por meio da linguagem não
verbalizada. Isto é, apesar de entendermos por comunicação corporal a que se faz por meio do corpo,
verbal ou não, nossa ênfase escoa na expressão dos
gestos, na postura do sujeito; na ocupação do espaço
onde se insere. Portanto, os fundamentos aqui apresentados são subsidiados pela ação comunicativa
corporal não verbal. Isso se justifica pela intencionalidade de ampliar o “mover-se” para se comunicar, ou
seja, para que o sujeito se expresse, nesse contexto
que apresentamos, deverá, antes de qualquer coisa,
ser consciente de sua capacidade de se comunicar
empregando a linguagem não verbal.
Ao abordar o sistema comunicativo não verbal, Argyle (1988) distingue os seguintes canais
de comunicação: expressão facial; olhar; gestos e
movimentos posturais; contato corporal; comportamento espacial; roupas, aspecto físico e outros
aspectos da aparência. Esses canais fazem parte
de uma categorização denominada por ele de “diferentes sinais corporais”. Os gestos e os movimentos, de acordo com Argyle (1988), compõem os
inúmeros canais de comunicação que o ser humano utiliza para se expressar, comunicar-se, enfim,
transmitir informações que considera necessárias
para se fazer entender em um dado momento.
Tendo em vista que a questão norteadora do
estudo fomenta a busca pela decodificação das
configurações da comunicação corporal no ato docente, é pertinente elucidarmos um pouco do contexto no qual o professor está inserido, ressaltando
questões referentes à comunicação corporal estabelecida (ou não) por ele com seus alunos. Assim,
pensando na comunicação corporal do professor
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em sala de aula, começamos exemplificando a paralinguagem, para demonstrar que o ato de ensinar
é linguagem verbal e não verbal continuamente,
inseparável. Ao lado do verbal e do não verbal, no
trabalho docente, há um atrelamento dos dois níveis
comunicativos, p. ex., ao mudar o tom da voz para
disciplinar ou ao bater no birô pedindo silêncio, o
professor está utilizando a paralinguagem. Dificilmente o professor pode se comunicar, interagir com
os alunos, sem que o gesto corporal não se atrele
à linguagem verbal. Contudo, nos cursos de formação de professor, por exemplo, a noção de corpo,
no processo de ensino-aprendizagem, ainda é muito
vaga e apresenta-se como uma simples matéria, um
envelopamento da mente (PICARD, 1986).
Na direção contrária, estamos alertando os
professores para compreenderem que a comunicação entre eles e os alunos pode ser otimizada, se
desencadearem um processo comunicativo mais
consciente, por isso mesmo mais fluente e eficaz.
Contrariando a compreensão do corpo como um
envelopamento da mente, destacamos a comunicação corporal como uma ferramenta poderosa,
equivalente ao poder da palavra, para criar uma
ligação com o conhecimento informado, porque
sabemos que o comportamento não verbal pode
perfeitamente repetir, contradizer, substituir, complementar, acentuar ou regular o comportamento
verbal (KNAPP; HALL, 1999).
Nesse contexto, evidenciamos que os profissionais da área de Educação, especificamente os
que atuam no âmbito escolar, devem considerar a
comunicação do corpo, para que sejam mais eficientes no desenvolvimento de suas atividades. O
fato é que ainda são escassos os trabalhos que estudam a relação corpo-movimento-comunicação,
com a intenção de ativar a percepção dos sinais
não verbais em busca de melhorar a ação interventiva do professor. Sobre esse caráter profissional,
Knapp e Hall (1999), ao discutir sobre os trabalhos
relativos à habilidade de profissionais (médicos,
professores, psicólogos), comentam que aqueles
que se ocupam de condutas não verbais obtêm
uma pontuação maior em sua competência profissional. É justamente nesse sentido que caminhamos com nossa proposta, procurando excitar os
educadores a atentarem para o real valor do apri-
moramento sensitivo da comunicação corporal,
para uma docência mais comunicativa, portanto,
mais interativa e integrativa. Isso porque acompanhamos o pensamento de Pease e Pease (2005, p.
48), quando asseveram que, “entendendo o que o
corpo diz, entendemos melhor o que os outros nos
têm a dizer”. Contudo, nossa abordagem sobre a
comunicação corporal não se restringe aos canais
comunicativos, porque também compreendemos a
comunicação como um diálogo entre o homem e o
mundo. O movimentar-se é uma forma de existir,
em que se têm os próprios valores e onde o homem realiza sua expressividade.
Defendemos que os movimentos humanos
em sala de aula não se reduzem à funcionalidade
das tarefas docentes, mas se constituem em mensagem, transmitem uma intenção educativa. Os
atos corporais do professor em sala de aula, mesmo que sejam inconscientes para ele, comunicam
suas mensagens. A intenção é de que os professores tomem consciência do sentido comunicativo
dos seus movimentos em sala de aula, contrariando a teoria e a prática da educação hegemônica,
que trata os movimentos como destrezas ou habilidades motoras padronizadas. O movimento deve
também ser concebido pela linguagem, considerando sua conexão via posturas, posições, deslocamentos e feições, que não devem ser tomados
como fragmentos inocentes da comunicação, mas
constituintes de configurações múltiplas e cambiantes de uma teia de significados. Os movimentos e os não movimentos são identificados como
dizíveis (GOMES-DA-SILVA, 2011).
AS AÇÕES CORPORAIS NA PRÁTICA DOCENTE
A comunicação vai muito além de saber falar
e escrever, ou seja, saber verbalizar. Caracterizase pela ação interativa entre duas ou mais partes.
Contudo, pode ser expressa das mais diversas formas. À luz da prerrogativa descartiana1, comunicarse é informar ao outro, de antemão, sobre a existência do “eu”, mostrar que tal informação advém
de alguém concreto, pensante, portanto, existencial. Para tanto, a linguagem não verbal, tal qual a
verbal, tem profundo valor. O fato é que, nos tempos de hoje, cada vez mais corridos, conturbados,
1. René Descartes (1596-1650) foi um filósofo, físico e matemático francês que se notabilizou, sobretudo, por seu trabalho revolucionário na Filosofia e na Ciência. Figurando de forma efetiva na
Filosofia, ele instituiu a dúvida de que só se pode dizer que existe aquilo que puder ser provado, e que o ato de duvidar é indubitável. Baseado nisso, busca provar a existência do próprio eu. Daí a
aclamada questão “Cogito, ergo sum”. (“Penso, logo existo”).
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negligenciamos a comunicação do nosso corpo e
valorizamos mais aquela que ouvimos, lemos, mas
não, a que expressamos.
Baseamo-nos na perspectiva trazida por Corraze (1982), que afirma ser a comunicação não
verbal um meio, entre outros, de transmitir informação, sem se valer de linguagem escrita, falada
ou seus derivados não sonoros (linguagem dos surdos-mudos, por exemplo). De acordo com o autor,
para o ser humano, as comunicações não verbais
se processam através de três suportes: (i) no corpo,
por meio de suas qualidades físicas, fisiológicas e
por seus movimentos; (ii) no homem, através dos
objetos associados ao corpo, como os adornos, as
roupas ou mesmo as mutilações (marcas, cicatrizes, tatuagens); e (iii) na dispersão dos indivíduos
no espaço, por meio do englobamento do espaço
físico que cerca o corpo até o espaço que a ele se
relacione - o espaço territorial.
Intervindo diretamente no corpo, registramos
as diversas possibilidades que podemos ter ao
atuar de forma a explorar a capacidade comunicativa corporal. Assim, o professor, alvo de nossa
intervenção, ao ter consciência de seus potenciais
corporais, comunica-se, expressa-se e educa, mais
efetivamente, através de sua prática docente. Todavia, é fundamental que avancemos para além do
aspecto da instrumentalidade ou para um conjunto
de órgãos, sistemas ou o objeto de programas de
promoção de saúde ou de lazer.
Entendemos que o corpo é a instância primária de toda a significação do homem no mundo, que
está em constante relação, ora equilibrada, ora em
total desequilíbrio. Assim, ligarmo-nos ao nosso corpo, além do aspecto natural da vida, é tornar mais
perceptível nossas transformações, nossas mudanças, nossas modificações corporais. Notar que nosso corpo, com o tempo, não é mais o mesmo, é fato
inegável. Por conseguinte, para que haja, de fato,
uma decodificação das ações advindas do corpo comunicativo, é necessário estabelecer com ele uma
confidente relação transcendental e, consequentemente, considerar suas possibilidades, respeitar
suas limitações, confiar em sua potencialidade relacional. Então, compreendendo os fatores inerentes
a esse processo e assimilando suas contribuições, é
viável mudar-se, transformar-se corporalmente.
Recorremos à comunicação corporal, creditando a ela a possibilidade de uma mudança, uma efetiva transformação no ato de educar. Aclaramos, por86
tanto, a importância da intervenção focada no corpo
do professor, bem como a relevância de se considerar
a comunicação corporal no processo de ação comunicativa do sujeito com o meio que o entorna, nesse
caso, a sala de aula. O corpo, quando trabalhado adequadamente, pode se mostrar surpreendentemente
contribuinte para a ação relacional do sujeito social.
Logo, considerar a comunicação corporal como um
elemento fundamental para tal acontecimento é revelar ao sujeito a potencialidade da linguagem não
verbal e suas efetivas implicações.
Guiados por essa concepção, percebemos
que o professor insere-se, por meio de sua prática
docente, na construção do processo pedagógico
como um todo. Isso garante a diversidade de olhares que contribuem para ampliar as possibilidades
e a construção de outros novos saberes. Por isso
é essencial conhecer o trabalho dos professores,
seus saberes cotidianos. Tal postura rompe com o
tradicionalismo que sustenta a ideia de que professores nada mais são do que transmissores de
saberes produzidos por outros grupos.
Na perspectiva da comunicação corporal, o
ato de movimentar-se toma mais proporções do
que as convencionais do nosso cotidiano. Isso significa ir além do deslocamento, da postura mais
confortável, do mover-se por alguma necessidade. Promovemos a compreensão dos significados
do vocabulário corporal para poder ampliá-los e
compartilhá-los. Tratando-se, especificamente, da
esfera educacional, a linguagem corporal deve ser
ensinada e instrumentalizada em prol de mais interação entre professor e aluno, o que possibilita
novos arranjos nos repertórios educacionais e em
suas representações sociais.
Preocupam-nos
o “texto corporal” e as informações que, constantemente, estão em trânsito, oferecendo aos olhos
mais atentos uma compreensão da realidade que,
muitas vezes, opera-se disfarçadamente e encontra no medo, no receio, na timidez o abrigo perfeito para continuar recolhida. Conclamamos pelo
atentamento dos indícios que o corpo oferece, não
apenas os mais visíveis, perceptíveis. Referimo-nos
àqueles que são ofuscados pela avalanche de informações que temos na contemporaneidade, sobretudo devido a essa massificação tecnológica das
informações instantâneas e voláteis.
Somos seres naturalmente comunicativos e,
por isso, precisamos estar atentos às informações
que emergem não só da fala e da escrita, mas tamConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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bém dos sinais particulares do corpo em si, através
de seus pormenores, seus vestígios linguísticos,
que denominamos de “léxico corporal”, ou seja,
o repertório de informações que emergem do movimento, dos gestos, da expressividade corporal.
Desconsiderar tais sinais é, no mínimo, omitir-se
das informações que evidenciam, de fato, quem
somos. Nesse aspecto, consubstanciamo-nos a
Merleau-Ponty (1999), o qual fundamenta que “o
uso que um homem fará de seu corpo é transcendente em relação a esse corpo enquanto ser simplesmente biológico” (p. 257).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Evidenciamos, no discorrer do estudo, nossa
concepção de comunicação por meio do corpo, fundamentando-a em aspectos que podem ser transpassados para a prática docente. Tal entendimento
se fortifica por se constituir de perspectivas educacionais que são inerentes ao processo de ensinar e
aprender. Compreendemos que a ação interventiva
do professor está diretamente ligada a uma relação pedagógica centrada nas necessidades e nos
interesses do processo ensino-aprendizagem. Nesse contexto, a especificidade do saber docente ultrapassa a formação acadêmica e abarca a prática
cotidiana e a experiência vivida daquele que educa.
Nesse cenário, o corpo se faz extremamente
significativo, devido, principalmente, à sua evidenciação naquilo que pode ou não estar comprometendo o bom andamento comunicativo entre aquele que educa e aquele que é educado. Partimos em
defesa de que, ampliando a capacidade comunicativa corporal, é possível aprender as linguagens e,
ao mesmo tempo, adquirir a capacidade de modificá-las. Então, possibilitar uma otimização da prática docente por meio da comunicação corporal é,
na verdade, maximizar a competência de comunicação que se estabelece entre as partes envolvidas.
Concluímos afirmando que “corpo é voz”,
uma vez a força comunicativa que o corpo, em sua
completude, tem. Isto é, tomando consciência da
linguagem abrangente inerente ao corpo, podemos
ampliar sua capacidade comunicativa indo além da
verbalização. Nossos gestos, nossa postura, nossa
presença/exploração espacial, tanto quanto a fala
e a escrita, oferecem plenas condições para que
nos comuniquemos. Assim, referenciando o aspecto educacional no qual nos propusemos aprofundar, é preciso que o professor tome consciência de
seu corpo para explorá-lo melhor e usufruir dele.
Para isso, é primordial que ele se veja no ato docente de forma completa, enxergando sua interação comunicativa com o outro e, de maneira mais
ampla, como o próprio mundo.
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89
José Maria Tavares de Andrade*
Falas em preto e branco
RESUMO:
O texto trata de problemas de língua popular e erudita, recordando inicialmente que tivemos no Brasil uma língua nacional, chamada de “língua geral” e
de questões etnolinguisticas do Brasil como também do Haiti - segundo o escritor Frankétienne. A língua aparece como arma de resistência política e cultural,
instrumento de submissão ou de posição subalterna: em 1968 uma entrevistada
conta sua versão da libertação dos escravos; outra prefere “falar errado, para
ficar em seu lugar”. Philippe Girand enfrenta o grande desafio etnolinguistico das
fontes disponíveis para reescrever a História do Haiti apartir do emaranhado de
versões étnicas, culturais e políticas, passando pelas línguas crioula, francesa,
espanhola e inglesa.
Palavras chaves: língua popular/erudita. Etnolinguística. submissão/resistência.
ABSTRACT:
The text deals with issues of the popular and classical languages. We begin
by recalling that Brazil has had a national language called “língua geral” as well
as its ethnolinguistic issues, the same as Haiti’s, according to author Frankétienne. Language is taken as a weapon of political and cultural resistance or as
an instrument of submission: in 1968 an interviewee tells her version of the
liberation of the slaves and another one prefers to speak wrongly as to take a
subordinate position. Philippe Girand faces the big ethnolinguistic challenge of
the available sources to rewrite the History of Haiti from the tangle of ethnical,
cultural and political versions, through the Creole, French, Spanish and English
languages.
Keywords: popular/ classical languages. Ethnolinguistics. submission/resistance
osdnfgsdofgsdfkgjhsdflgkhsfd lgkjshdf glksjdfhg lsdkfjgh sldfkjghs dlfkgjhsd flgkjhsdf lgkjshdf glkjsdfhg lksdjfgh lkjsdfg
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APRESENTAÇÃO
O artigo trata de problemas de língua popular
e erudita. Iniciaremos recordando que tivemos no
Brasil uma língua nacional, chamada de língua geral. Em termos de Direitos Humanos e culturais nos
perguntamos: quem teve direito à nação e à língua?
Vale à pena comparar a respeito de questões
etnolinguisticas situações brasileiras com a do
Haiti, por exemplo. Na segunda parte evocaremos
a experiência linguística do escritor do Haiti, chamado Frankétienne – um mulato na escola de Branco. Trata-se também de uma forma de confronto
entre minha (auto) história com a história do outro
(exo), o Frankétienne, revelando em branco e preto
o que de comum e de diferente pode existir em
situações comparáveis.
Em seguida aparece a língua falada ou literária, como arma de resistência política e cultural,
como também um instrumento de submissão,
como no caso de Antônia da Conceição (Tonha).
Ela se considerava como sendo meio-mucama e
meio-irmã de criação; e mesmo tendo aprendido a
falar corretamente em nossa família ela pretendeu,
a um determinado momento, “falar errado” para,
humildemente, segundo ela, “assumir seu lugar”.
Tonha evitava assim de ser considerada como uma
“neguinha enxerida e metida”; ou seja, ela preferia
reocupar seu lugar, como se ela fosse ainda escrava, um século depois da abolição no Brasil.
A complexidade humana do fenômeno da escravidão pode ser ilustrada através do testemunho
de uma entrevistada que viu de perto a escravidão
na cidade de São Lourenço da Mata (PE). A Senhora Maria Santana, quase centenária, foi entrevista
em maio de 1968, contando sua versão da libertação dos escravos no Brasil.
O historiador Philippe Girand, inconformado
com a simplificação das versões historiográficas,
sobre a independência do Haiti, enfrenta o grande
desafio etnolinguistico das fontes disponíveis, para
reescrever este emaranhado de versões étnicas,
culturais e políticas, passando pelas línguas: crioula, francesa, espanhola e inglesa.
Língua brasileira
“Até o fim do século XVIII, em São Paulo,
falava-se a língua geral, o nhangatu, uma
derivação do tupi. Foi uma língua imposta
pelos missionários, até hoje ouvida em
alguns locais da Amazônia.”
(Eduardo Viveiros de Castro)
De fato tivemos uma língua realmente brasileira, se bem que os intérpretes da UNESCO inventaram, em décadas passadas o termo “brasileiro”
para chamar assim o português do Brasil. Na Europa, usa-se frequentemente essa expressão para
designar a língua portuguesa do Brasil, tendo em
vista suas diferenças com relação ao português
de Portugal. Nestas mini – crônicas etnolinguisticas tornam-se indispensáveis algumas referências
ao nascimento, vida e declínio ou quase morte da
língua geral, ou seja, da língua brasileira. O poeta
Manuel Bandeira, dizia, romanticamente: “língua
errado do povo, língua certa do povo”, como se a
língua não fosse também obra e graça da política e
da dominação colonial ou neocolonial.
Esta língua franca foi sistematizada e praticada inicialmente pelos missionários da Ordem dos
90
Jesuítas em São Paulo. Composta por vocábulos e
pronúncia da língua dos índios tupinambás - instalados nas regiões paulistas da Região do Alto Tietê
e São Vicente (SP) -, foi sendo completada por expressões do português e do espanhol.
Três línguas coexistiam de fato na sociedade
colonial brasileira: o português, trazido pelo colonizador; a língua latina, na qual se fundava todo o
ensino secundário e superior dos jesuítas, além de
ser a língua da liturgia e das comunicações da Igreja em geral; e a língua geral uma espécie de média
ou tipo de esperanto, nesta interface do português
com a língua tupi – a mais usada pelos indígenas
da costa.
Tratava-se de uma exigência de comunicação
no trabalho de catequese daqueles missionários a
criação de um língua para o Brasil colonial. SisteConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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matizada por padre José de Anchieta, em sua obra
“Arte da gramática da língua mais usada na costa
do Brasil”, esta língua crioula, correspondia igualmente a uma exigência indispensável de comunicação entre os portugueses e os autóctones - de
etnias e línguas tão diversas. Darcy Ribeiro afirmou
que existiram mais de mil troncos linguísticos, no
grande território que se tornou o Brasil. Enquanto
os Jesuítas falavam e escreviam, para a evangelização, peças dramáticas na língua geral, os bandeirantes empregavam esta mesma língua para designar espécies nativas de nossa flora e fauna, além
de acidentes geográficos e povoações.
Antonio Houaiss lembra - in “O português no
Brasil” – que a língua geral “foi ainda a língua primeira de muitas crianças, tanto dos filhos dos colonizadores, quanto dos indígenas”. Ela chegou a
ser língua dominante do vasto território brasileiro,
ao lado de sua irmã idiomática, a língua geral paulista, sendo a língua comum aos índios, jesuítas e
bandeiras, e aos colonos portugueses em geral, a
partir do século XVII.
Esta grande aventura da língua nacional brasileira, chamada de língua geral durou pouco, pois
a política portuguesa visava implantar a língua da
corte, tentando proibir definitivamente o uso de
todas as outras línguas. O Marquês de Pombal, o
mesmo que expulsou três vezes os Jesuítas do Brasil e dos outros territórios ocupados pelo império
português, em 1757 implantou uma reforma do
ensino em Portugal, como em todas as suas colônias, proibindo o uso de outras línguas. A língua
geral, sendo a mais utilizada no Brasil meridional
chegou a exigir a presença de intérpretes na comunicação entre elite e massa; ou seja, entre as
autoridades coloniais e o nascente povo brasileiro.
Lembramos finalmente que uma segunda língua geral indígena continua, entretanto, até hoje a
ser utilizada, na região do vale do Rio Negro (AM),
por mais de oito mil indivíduos: é a chamada língua
geral amazônica, língua brasílica, tupi e tupi moderno ou inhangatu.
Constatou-se o declínio da língua geral seja em
São Paulo, seja na Amazônia. Em São Paulo ela foi
falada por 60 a 70 por cento da população, até os
anos 1830, quando morreram os últimos remanescentes indígenas na pauliceia. O declínio da língua
geral amazônica ou nheengatu se acentuou com o
fenômeno de imigração de nordestinos, os novos falantes do português brasileiro na Amazônia.
Mulato em escola de branco
“A linguagem estrutura
o ser e o pensamento
(Frankétienne)
Frankétienne, o grande escritor do Haiti conta
em uma recente entrevista (1) um pouco de seu
percurso linguístico, literário e político de meio
século. Ainda pequeno sua mãe o colocou numa
“escola de meninos ricos”, ele que era filho de
pai branco. Era um colégio de religiosas e logo de
chegada uma freira pergunta a ele: “qual é o seu
nome”. Ele sorriu, mas não entendeu nada, pois
a pergunta foi feita em francês. Um colega ao seu
lado percebendo que ele não podia responder traduz então a pergunta na língua em comum – língua
crioula. Ele diz que saiu dali humilhado querendo
vingar-se daquela língua, na qual ele não podia se
comunicar, nem em seu país e em sua escola. Entre os oito a dez anos ele diz que decorou todo um
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dicionário de francês - daí ter se tornado escritor.
Em minhas experiências pessoais evoco que
passei por um apuro quase desta natureza. Chegando à Universidade de Louvaina (Bélgica), em
1970, tive que me apresentar, já no dia seguinte,
para um teste de suficiência em francês. Chegada
minha vez falei meu nome e a funcionária me disse
que eu já havia me apresentando, no dia anterior,
dizendo ela dizia ontem - em francês “hier”. Sem
entender o que ela disse e o que estava acontecendo, perguntei ao colega que estava atrás de mim,
na fila de inscrições. Ele disse-me que também não
sabia o que vinha ser aquela palavra enigmática:
“hier”. Voltei para meu quarto preocupado com
as consequências, inclusive para a continuidade
91
de meus estudos, como bolsista da Universidade.
Meses depois, facilmente passei no teste e a vida
continuou. Entendi depois que foi certamente meu
colega, vindo de Minas Gerais, Paulinho Tavares,
que havia se apresentado no dia anterior, surgindo
este incidente linguistico.
No caso de Frankétienne, ainda criança, a situação foi mais grave: ele estava em seu país e não
conseguia se comunicar em francês, pois ele vivia,
até então, isolado no contexto da cultura e língua
crioula. Este fato o fez bater de cara com a barreira do bilingismo. A situação no Haiti serve-nos,
em termos comparativos, para ilustrar bem a diferença de situação etnolinguística no Brasil, com
a hegemonia absoluta do português e, sobretudo
no Nordeste, onde não encontrávamos ainda nem
imigrantes, nem turistas, de línguas estrangeiras.
Situação de isolamento, inclusive linguistico,
onde não temos visinhos e não escutamos outras
línguas, sobretudo na época. Já era homem feito
quando escutei em Recife, de viva foz, uma confe-
rência feita em francês. Com a chegada dos seriados de cinema norte-americano - a exemplo d’O
Rei Artur - podemos escutar alguém falando inglês.
Sob uma aparência de língua única percebíamos,
desde criança, que havia uma diferença considerável de linguagem falada entre a elite e a massa.
Com os meios de comunicação de massa – a partir
do programa radiofônico, diário: Hora do Brasil - o
fenômeno tende, paulatinamente a diminuir, inclusive quanto às variações regionais da linguagem.
Esta situação vivida no Brasil, como um fenômeno tão visível de diferenciação social continua
sendo muito raramente estudado. Mesmo sem
existir um bilinguismo entre elite e massa pelo
menos existe uma “diglossia”. Até mesmo o termo “diglossia” encontra-se dificilmente em nossos dicionários, em sua denotação propriamente
linguística, referindo-se apenas à denotação básica sentido de bífido ou bifendido. Constatamos
uma linguagem dos escolarizados e uma linguagem popular, oral.
Língua de resistência ou submissão
“O escravo era obrigado a falar
uma língua codificada diante
do senhor todo-poderoso”
(Frankétienne)
Outro aspecto que calha bem com a situação
de bilinguismo é a necessidade de resistência, pela
clandestinidade, de uma linguagem codificada pelos escravos, diante dos senhores, no Haiti, como
explica Frankétienne. A língua crioula parecia ao
autor, ainda bem jovem: “como uma língua barroca, uma língua do dizer e do não-dizer, herança do
tempo em que o escravo era obrigado a falar uma
língua codificada diante do todo-poderoso senhor.
O francês me parecia um espaço de fala transparente [...] Comecei a viver o caos da minha terra,
da cultura e do povo comparando o funcionamento
das duas línguas limítrofes”.
Vejamos um exemplo da diglossia no Nordeste brasileiro. Quando fui estudar na Bélgica levei
comigo muitas gravações de músicas tradicionais
nordestinas - que inclusive mostrei a Geraldo Vandré e a Marcelo Santos, do Quinteto Violado. Mas,
quando mostrei, por exemplo, as cantorias, impro92
visos de violeiros, aos colegas brasileiros vindo do
Sul maravilha, eles afirmam que não entendiam
direito; um chegou a perguntar de que país eram
aqueles cantares.
Mais um elemento de comparação: enquanto
a língua crioula no Haiti garantia a comunicação e
a continuidade da cultura popular, no Brasil mantinha-se uma distância entre fala popular e português padrão.
Tive uma irmã de criação, chamada Tonha,
Negra e analfabeta que chegou para morar com
os meus pais, no final dos anos trinta, antes d’eu
nascer e ficou conosco até morrer. Meio filha
adotiva e meio mucama, descente dos “malunguinhos”, escravos de meus bisavôs, ela falava
normalmente com todos da grande família. Por
morte de meu pai a família foi morar em Recife e então Tonha passou a perceber de maneira
mais acentuada a diferença de língua falada entre:
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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pobres e ricos; brancos e não brancos; escolarizados e analfabetos; citadinos ou matutos. Pois
bem, Tonha um triste dia tomou então a decisão
linguista, dizia ela de: “procurar meu lugar”, passando a falar a língua popular, dos analfabetos e
matutos, por exemplo, sem as concordâncias no
plural ou sem os “esses e os erres”. Este fenômeno ocorria, sobretudo quando chegava alguém de
fora em nossa nova casa em Recife. Fomos unâni-
mes em reagir ao fenômeno perguntando por que
esta mudança. Ela explica claramente: “se eu não
procurar meu lugar esse povo vai dizer: que negrinha mais atrevida e metida, querer falar que nem
gente”. Anos depois ela estava interna num Hospital de luxo, e pediu a minha irmã que estava com
ela: “Zui, fecha esta porta; esse povo passando ai
me ver aqui dentada vai dizer: o que essa nega tá
fazendo ai?”
Brasil ou Haiti, complexidade da escravidão
Uns eram mais brancos outros mais
pretos, pois muitos eram filhos do senhor.
Tinha uma ‘Filha de Maria’ que era até
Secretária da Irmandade, que sabia ler.
Maria Madalena de Santana in “Jornal
do Commércio”, Recife, 1968.
No Brasil, no Haiti, como em outras sociedades escravagistas a situação de vida dos escravos
não era padronizada como se podia imaginar. Em
07.05.1968 fui com meu colega José Adaison entrevistar uma testemunha da escravidão, na cidade de São Lourenço da Mata (PE). No texto: “D.
Santana lembra a alegria da abolição” (2), citado
acima, escrevíamos que depois de uma enxurrada
espontânea de lembranças dos tempos da escravidão, conseguimos canalizar a entrevista. Depois
de desabafar intempestivamente as marcas dos
sofrimentos e suplícios dos escravos, ela responde
sobre: sua história pessoal; a convivência com seus
irmãos, que eram escravos; a figura dos senhores
de escravos; os divertimentos dos escravos; e finalmente a grande festa da abolição.
O que mais nos chamou a atenção nesta entrevista foi a constatação de uma grande variedade
de situações vivenciadas pelos Negros, escravos ou
não. A entrevistada, de quase cem anos, era bem
jovem quando assistiu a festa da abolição, ali mesmo, próximo da igreja Matriz da cidade, onde sempre morou.
A Sra. Maria Madalena de Santana nasceu
logo depois da lei do “ventre livre”; seu irmão, entretanto nasceu escravo, justamente um dia antes
da promulgação da lei, em1871 (3). Como diz a
frase da epígrafe os escravos, filhos dos senhores
de engenho tinham às vezes uma situação privileConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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giada. Foi o caso da ‘Filha de Maria’ que de fato era
filha de Neco Paes Barreto. Outros, mesmo sendo filhos de Senhor de Engenho, eram vendidos:
“Elem vendiam a outro senhor de Engenho, quando
num gostavam.”
Outro escravo, diz ela, inventou de casar:
mas, “foi uma confusão medonha quando ele casou”. Logo depois do casamento - que na época
era só religioso - a noiva ficou sabendo que o noivo
era escravo, e não quis ir morar com ele. Entendese neste caso que não havia diferenças visíveis de
modo que o escravo passou facilmente por homem
livre diante da noiva, da Igreja e dos outros.
Quanto aos senhores de engenho nos perguntamos:
- A senhora conheceu alguns deles.
- Eu via eles aqui: o [do engenho] Muribara,
do engenho Constantino; de Matriz da Luz; do engenho Cova; o de Camaragibe, de Moxotó, Penedo
de Baixo e Penedo de Cima.
- A senhora tinha medo deles?
- Eu tinha, pra eles não me pegar. Uma vez um
[senhor de engenho] mandou amarrar um escravo
num rabo de um cavalo, um soldado (a)montando
o cavalo daqui até Muribeca.
- Ele morreu?
- Isfolou todo [esfolou todo o corpo]. Ele fugiu
para essa beira de rio e foi parar em Camaragibe.
Ele era preto. Anastácio. Os que obedeciam demais
93
aos donos tinham liberdade, mas os outros dormiam no chão... Sabe o que o estrado?
- Sei.
- Comiam bacalhau puro, cru, sem lavar. Tiravam o couro e comia salgado assim; quando acabava bebia água; era o café deles.
O escravo Antônio que foi alforriado pelo
chefe da estação de trem, Antônio Betâneo, que
havia chegado a pouco em São Lourenço. Depois
dele frequentar escola e de trabalhar algum tempo
em casa do então patrão tornou-se independente,
definitivamente.
- Como era a brincadeira dos Negros?
- Num sei não. Só sei que eram criados juntos e [se] queriam bem. Agora aqueles que não
gostavam num sai pra canto nenhum. Eu dancei
a “capemba” [?]. Agora eu não sei [mais] a música. Fazia [-se] um arco [círculo], assim pulando ali
dentro, cantando a capemba. Eles fugiam, queriam
ganhar o mundo; os que fugiam pro mato [para] se
esconder tinha[m] apanhado muito. Viviam assombrados. Fugiam pro mato e ele botava gente atrás
para pegar. Às vezes eles estavam cochilando,
sem querem dormir, ali se virava[m]...um sono...
e quando viam eram pegados. Agora ai ia apanhar
até ficar mole.
- A senhora lembra quando houve a libertação
dos escravos?
- Ah! Foi a festa, foi: tudo cantando, bandeira, tudo cantando treze de maio, e foguete muito,
bomba, tudo. Foi a Princesa Isabel. Depois num
quer saber de nenhum senhor. Sai tudo, ficava tudo
ventre livre. Saia da casa do senhor e ganhava a rua
pra ir brincar, ter liberdade. Foi a rua toda: viva a
Princesa Isabel que acabou a escravidão! Foi uma
festa linda!
Versões de etnias, classes e nações
“Toussaint Louverture, não obstante
sua pele Negra é também um Branco.”
Philippe Girand
O historiador Philippe Girand (4) inconformado com a simplificação das versões historiográficas, sobre a independência do Haiti enfrenta
o grande desafio etnolinguistico das fontes disponíveis, tendo percorrido vinte e sete centros de
arquivos e bibliotecas, dispersas na França, Reino
Unido, EEUU e nas Antilhas.
As versões de etnias, classes e nações se embaralham nas fontes históricas quanto à luta pela
independência da primeira república Negra (Haiti
- Santo Domingo).
As versões racistas, escravagistas do século XIX e contadas do ponto de
vista do Império de Napoleão, em retirada da ilha,
destacam o massacre de soldados brancos - dos
43.800 soldados voltaram vivos apenas 7.000,
em1803. Houve também na mesma guerra o mas94
sacre de 100.000 haitianos, da mais rica região
das Antilhas, que até hoje continua sendo o país
mais pobre das Américas.
O autor se fez etnolinguista tendo inclusive elaborado um precioso “glossário franco-kleyol”, tendo
que ler em fontes em várias línguas: francês, inglês,
espanhol e a língua crioula local. Do comentário da
obra, que foi feito por Antoine de Baecque traduzo,
a título de conclusão, sua frase final: “a lógica que
reunia em mesmo partido, as coerentes: Brancos,
ricos, colonos, Franceses; contra Negros, pobres,
colonizados, haitianos não resiste à verdade dos fatos, da cultura, das línguas e das transcrições nos
arquivos”. Como disse justamente Philippe Girand,
o grande líder Toussaint Louverture, não obstante
sua pele Negra é também um Branco.
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Notas
(1) “Des mots salés, des mots sucré, des aigre-doux », in « Libe-
(4) Philippe R. Girand nasceu em Guadalupe, estudou na França
ration », 06.06.2013, entrevista de Émile Rabaté.
e ensina nos EEUU. Sua obra “Esses escravos que venceram Napoleão. Toussaint Louverture e a guerra de independência hai-
(2) D. Santana lembra a alegria da abolição, in “Jornal do
tiana” - “Ces esclaves qui ont vaincu Napoléon. Toussaint Lou-
Commércio”, Recife, 12.05.1968.
verture et la guerre d’indépendance haïtienne », Le Perséides,
Paris, 2013. Ver também o comentário de Antoine de Baecque,
(3) Lei de 28.09.1871: Art. 1.º - Os filhos de mulher escrava que
in “Le Monde”, 07.06.2013: “Haïti à toutes ses souces”- nasci-
nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados
mento da primeira república Negra forra, contada segundo os
de condição livre.
pontos de vistas contraditórios de seus protagonistas.
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Marlene Helena de Oliveira França*
CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA:
A inserção da mulher no mundo do crime
RESUMO:
A discussão apresentada neste artigo é parte integrante da Tese de Doutorado intitulada: Violência, tráfico e maternidade: Um estudo sobre as mulheres encarceradas. O
trabalho versa sobre a questão da criminalidade feminina bem como o crescimento da
população carcerária enquanto fenômeno recente. As pesquisas mostram que o estudo
acerca da criminalidade praticada por mulheres é mais difícil do que o de homens, não
somente porque elas cometem menos crimes, mas pelo fato de que o número reduzido,
implica em maiores dificuldades para pesquisar. A investigação pautou-se no método
da história de vida das mulheres presas no Júlia Maranhão na cidade de João Pessoa.
Os resultados apontaram para a prevalência de relatos de violência, vivenciada pelas
mulheres em distintas fases de sua vida. A modalidade da violência física e sexual foi a
mais relatada. Alguns relatos dão conta da violência dentro do estabelecimento prisional
cometido em grande parte por agentes prisionais. Os dados da pesquisa retratam que
a violência sofrida, vivenciada e praticada nas suas mais distintas formas, permeou o
histórico de vida dessas mulheres.
Palavras-chave: Criminalidade. Violência. Mulher encarcerada. Prisão.
ABSTRACT:
The discussion presented in this article is part of the doctoral thesis entitled:
Violence, trafficking and motherhood: A study on women in jail. The work focuses on
the question of female crime as well as the growth of the prison population as a recent
phenomenon. Research shows that the study about the crime committed by women
is more difficult than that of men, not only because they commit less crimes, but by
the fact that the small number, implies greater difficulties for search. The investigation
was in the method of the life story of female prisoners in Julia Maranhão in the city of
João Pessoa. The results pointed to the prevalence of reports of violence experienced
by women in different phases of his life. The mode of physical and sexual violence was
the most reported. Some accounts tell of violence within the prison committed largely
by prison officers. The research data show that the violence suffered, experienced and
practiced in their different ways, permeated the history of life of these women.
Keywords: Crime. Violence. Woman incarcerated. Prison.
(*) Profa. Doutora do Departamento de Mídias Integradas na Educação CE/UFPB - Campus de João Pessoa
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INTRODUÇÃO
No Brasil, a questão da criminalidade feminina ainda não foi suficientemente explorada. Uma
das razões, de acordo com Perruci (apud FRINHANI, 2003), é pelo fato de os autores que vem se
dedicando a essa temática não diferenciarem a
criminalidade feminina da masculina. Tal postura
é amparada pela percepção de que a participação
feminina, se comparada à masculina, é praticamente invisível na criminalidade geral, uma vez
que representa, aproximadamente, apenas 6% do
total de presos. Logo, a impressão que se tem é
de que esses teóricos não têm porque se espantar
com números tão insignificantes do ponto de vista
criminal.
No entanto, a taxa de encarceramento feminino cresceu 135,37% entre 2000 e 2006, número
muito superior ao crescimento do encarceramento masculino, que no mesmo período sofreu um
incremento de 53,36% (BRASIL, 2009). O crescimento da população feminina é um fenômeno recente e aponta para a necessidade de estudos que
considerem a perspectiva de gênero no ambiente
prisional, garantindo que não haja a invisibilidade
das necessidades e direitos das mulheres presas.
Não há dúvidas de que, nas últimas décadas,
a relação da mulher com a criminalidade tem sido
tratada de uma forma mais abrangente, resultando
na divulgação de estudos, documentários, reportagens sobre a “mulher criminosa”. No entanto, tais
avanços ainda não conseguiram revelar a dimensão deste fenômeno, dado sua peculiaridade. Nas
palavras de (PERRUCI, 1983), talvez isso possa ser
explicado pela própria insignificância numérica da
criminalidade feminina, cuja por ser considerada
ainda como “parte” da criminologia geral, não representa um estudo especifico dentro da ciência
criminológica.
Ainda são incipientes os estudos sobre este
fenômeno, mas alguns dados apontam para a presença de uma maior participação da mulher na
criminalidade. Elas assumem o comando de organizações criminosas após a prisão ou assassinato
de seus parceiros, dando assim continuidade aos
crimes cometidos e iniciados por eles, assumindo
então, uma nova identidade social: “dona ou gerente da boca de fumo”.
Sendo assim, a partir de uma literatura de
certa forma escassa, no espaço acadêmico, preConceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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tendemos abordar a criminalidade e a violência
numa perspectiva feminina e todas as imbricações
que estes fenômenos carregam.
APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ACERCA
DA CRIMINALIDADE E DA VIOLÊNCIA
Segundo Giddens (2002), o estudo sobre crime e desvio é uma das áreas não apenas mais intrigante da sociologia, mas também, complexa e,
por essa razão demanda uma reflexão mais cuidadosa. Estes estudos nos mostram que nenhum de
nós é tão normal quanto gostaríamos de ser; também nos ajudam a constatar que as pessoas, cujo
comportamento possa parecer incompreensível ou
estranho, podem ser vistas como seres racionais,
a partir do momento em que compreendemos os
motivos que as levam a agirem do modo como agiram, isto é, de uma forma inadequada do ponto de
vista social.
Nessa direção, as diferentes abordagens teóricas evidenciam que o crime, mesmo considerado
como uma subcategoria do comportamento desviante envolve várias tipologias e formas variadas
que seria simplesmente, impossível restringi-lo a
um único conceito ou até mesmo a uma única teoria capaz de explicar todos os tipos de comportamento criminoso. Por isso, no nosso entendimento,
se se levar em conta as múltiplas motivações que
podem gerar a prática criminosa, dentre as quais
destacamos: crises estruturais, conjuntura social
desfavorável, interação com pessoas com conduta
criminosa, interação entre desviantes e não-desviantes, isto é, todos os aspectos desenvolvidos e
destacados pelas teorias sociológicas, sobre crime
e desvio podem conduzir juntos ou não à entrada
no mundo da criminalidade.
Nesse caso, haveria o que Musumeci (2002),
denomina de retroalimentação recíproca, como
ocorre, por exemplo, com a violência contra a mulher, que nasce dentro dos lares, em alguns casos,
ainda na infância, e a acompanha durante toda a
sua trajetória de vida, até refletir no filho que, carregando o histórico de violência, acaba por reproduzi-la através de uma conduta criminosa, que na
maioria das vezes, passa pelo caminho das drogas, dos roubos, do narcotráfico, enfim, do crime
organizado.
Para além do que se possa supor, o fato é que
a violência e o crime são comportamentos sociais
97
inerentes à natureza humana. Cada sociedade,
com suas regras de conduta e seu corpo de leis,
determina o seu nível de tolerância em relação à
violência. Desta forma, o limite imposto à violência
não ocorre somente numa perspectiva legal, mas,
sobretudo social. Como numa espécie de contrato
social moderno, que permita um nível mínimo de
bom senso e de convivência pacífica.
Somos em última análise, obrigados a concordar com Cerqueira e Lobão (2002), de que com
base nas diversas teorias descritas fica claro a
complexidade do tema e a dificuldade de classificar os diversos fatores que determinariam ou explicariam a criminalidade. Simplesmente pelo fato de
não existir “a criminalidade”, mas diversas “criminalidades”, que se distingue por algumas variáveis
que, juntas, constituem um tipo de dinâmica criminal que, por sua vez, se associaria a algumas variáveis determinando outro tipo de conduta criminal
e assim por diante, como num círculo vicioso, mas
muito perigoso.
Definir a violência não nos parece uma tarefa fácil, mas mesmo assim, com base na leitura
de diferentes autores, tentaremos atingir tal empreitada. Em princípio, o conceito de violência(s)
tem sido utilizado para falar de muitas práticas,
costumes, condutas e disciplinas, de tal modo que
todo comportamento social poderia ser visto como
violento inclusive aquele baseado nas práticas
educativas, uma vez que é carregado de normas,
dispositivos legais, diretrizes, entre outros, semelhante à noção de violência simbólica proposta por
Bourdieu (2001), a qual se manifesta, sutilmente,
evitando-se demonstrar ou perceber qualquer conotação violenta, inclusive pela vítima, pois se insere em tramas de relações de poder naturalizadas
histórico, social e culturalmente.
Ainda que consideremos as dificuldades em
definir precisamente a violência, embora não seja
difícil encontrar a formulação de conceitos, apropriados a cada sociedade e ao tempo histórico; a literatura, aqui apresentada, aponta uma tendência
no sentido de conceituar a violência de forma mais
abrangente do que relacioná-la com atos que imputam danos físicos a pessoas ou grupos de pessoas.
Chauí (1999, p. 3-5), por exemplo, define violência
como:
(...) 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de alguém (é desnaturar); 2) todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém
(é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de
transgressão contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como direito. Consequentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou
psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo
medo e o terror (...).
Partindo desse entendimento, a impressão
que temos é de que a concepção de violência é,
originalmente, imprecisa. Não existe um único
conceito do que seja violência, mas multiplicidade
de ações violentas, cujos significados e consequências devem ser analisados a partir de normas e
condutas sociais, das condições e dos contextos
sociais, variando de um período histórico a outro,
de uma sociedade para outra, de um segmento
social para outro.
Ao tomar por base o cenário brasileiro dos
grandes centros urbanos, que potencializa ainda
mais as violências, Peralva (2000) levanta algumas
hipóteses que podem explicar tanto a cidadania
parcial quanto a violência, são elas: 1) o acesso a
armas em áreas pobres1 2) a juvenilização da criminalidade; 3) a reação violenta da polícia contra
jovens das periferias; 4) o fortalecimento do narcotráfico em diversos centros urbanos; e 5) a cultura individualista e consumista. O aparecimento de
cada um desses elementos seria então, o resultado
de expectativas não satisfeitas, o que em tese, alimentaria a violência e estimularia, cada vez mais,
o cometimento de atos violentos de todos os tipos
por jovens das áreas periféricas.
A leitura de Vieira (2001) remete a ideia de
que, o modo como as desigualdades e impunidades em relação às violações de direitos e o arbítrio no uso das leis são canalizados, é que geram
o descontentamento, resultando no exercício da
violência, de uma maneira muito mais visível do
que as desigualdades sociais, propriamente ditas.
Isto é, no momento em que os sujeitos se sentem
desrespeitados perante a lei, mas não só isso: no
momento em que não tem suas necessidades aten-
1. - Alguns estudos realizados por Peralva 2000; Zaluar 1999; Castro et al 2001; Abramovay et al 1999 e UNESCO 2001 atestam que um número cada vez maior de jovens tem
tido acesso a armas.
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Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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didas, tendem a adotar condutas inadequadas em
relação a outros indivíduos, colocando em risco as
regras de convívio social.
Embora os dados estatísticos revelem que os
homens se envolvem mais com a criminalidade do
que as mulheres, Ceccheto (2004) defende que o
exercício da violência não é um elemento estrita e
diretamente relacionado à figura masculina, isto
é, não existem mais genes violentos presentes na
estrutura biológica masculina do que na feminina.
Para ele, o emprego da violência como mecanismo
de auto-afirmação da masculinidade pode ser explicado por meio da ideologia compartilhada por
determinado segmento populacional, em um dado
contexto histórico. Nestas circunstâncias, o emprego de ações violentas é concebido por esses grupos
como uma recompensa, expressa nos resultados
físicos e financeiros.
Na perspectiva jurídica, há uma tendência de
associar violência à criminalidade. Nesse caso, pode-se então conceituar ambas as categorias como
sendo o ato violento praticado por um indivíduo ou
por um grupo. Aqui, a relação entre o agressor e
a vítima ganha legitimidade, obrigando o direito
penal a assumir um importante papel: mediador
universal desse tipo de conflito.
No discurso político, o Estado detém o monopólio exclusivo e legítimo da violência. Com isso,
administra a dosagem da pena, controla a agressividade dos sujeitos sob sua tutela (os apenados
e apenadas do sistema penitenciário) e promove
a harmonia nas relações intersubjetivas. Seguindo
esse fundamento, cabe ao Estado, assumir funções
que vá além da necessidade de administrar à punição, isto é, espera-se desse agente político que
ele seja capaz de ao mesmo tempo minimizar o
impacto da violência, criar condições de reintegração social por meio da criação de políticas públicas
(ADORNO, 1998). Ao que nos parece, esse modelo
poderia ser considerado como ideal se o mesmo
correspondesse ao que ocorre de fato na realidade,
sobretudo, na realidade das prisões brasileiras2.
Além dos discursos, jurídico e político, há
o discurso conservador. De acordo com os seus
adeptos, a violência é uma consequência do excesso de liberdade e da tolerância de costumes e
hábitos opostos aos valores religiosos e familiares
tradicionais. Segundo esse princípio, na medida
em que uma sociedade democrática aceita como
fato normal e cotidiano, a prostituição, a homossexualidade, a igualdade de gênero e étnica, acaba
somente contribuindo para legitimar ainda mais, a
crise dos valores tradicionais.
Na tentativa de encontrar um conceito sobre
a violência mais apropriado à nossa investigação
também recorremos a Minayo (2003, p. 56) que
afirma: “A violência não é uma, é múltipla”. Isto é,
ela se apresenta com várias “faces”, levando em
conta, sobretudo, que o comportamento violento
se mostra de formas diferentes, tais como: a violência do Estado, a criminalidade, a discriminação
étnico-racial, a violência contra grupos vulneráveis
(mulheres, idosos, crianças e adolescentes) etc. Variados também são os contextos e maneiras como
essa violência se expressa: “seja em nível interpessoal, familiar ou institucional, seja nos pequenos
grupos, nas grandes metrópoles ou entre nações”.
A nosso ver, a imprecisão em torno do conceito além de tornar a problemática da violência
ainda mais complexa, nos leva a acreditar que
uma contribuição mais substancial ainda está por
ser feita.
Por outro lado, se consolida a ideia de que
hoje o crime não se restringe apenas ao mero enfrentamento simbólico entre o infrator e a lei nem
tampouco a noção de que o delito interessa somente aos órgãos jurídico-penais. Pelo contrário,
a discussão sobre a criminalidade vem ocupando
diferentes cenários, inclusive os considerados de
menor prestígio social, a exemplo das comunidades periféricas, talvez pelo fato das pessoas que
lá residem serem as mais afetadas com o aumento nos índices de violência. É aí que encontra-se a
principal vantagem: o debate sobre a violência sai
do âmbito policial e também ganha visibilidade no
cenário público (MINAYO, 2003).
A partir deste breve panorama teórico, é possível perceber o quão complexo é tratar o tema da
criminalidade; porém, mais intrigante ainda é compreender a variação entre os índices de criminalidade feminina e masculina. Discussão que passaremos a nos ocupar a partir de agora.
2. - Na visão de Paoli (1982), o mundo jurídico-repressivo, ainda que legal, é arbitrário e selvagem contra aqueles que o infringe. Ao se tornar um criminoso, o sujeito inicia um
longo drama em busca de uma afirmação aguardada pelo poder: a expiação pela culpa. São poucos os indivíduos condenados que entenderam no ato de seu julgamento, as regras
do jogo, só tomando parte quando já estavam na prisão e, embalados por um único objetivo: “negociar” o tempo de encarceramento (p.51-52).
Conceitos - N. 18, Vol. 1 (Ago. 2013)
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A INSERÇÃO DA MULHER NA CRIMINALIDADE:
UM CAMINHO SEM VOLTA?
Para Giddens (2002), semelhante o que ocorre com outras áreas da sociologia, os estudos sobre criminalidade têm historicamente ignorado as
mulheres. Daí a crítica das intelectuais feministas,
que acusa essa área do conhecimento de disciplina “masculina”, pois segundo elas, além de ter o
domínio dos homens relegam as mulheres a uma
total invisibilidade, tanto no que se refere às abordagens teóricas quanto em estudos empíricos.
O estudo da criminalidade feminina constitui um campo ainda pouco explorado, mas com
preciosidades a serem reveladas e perguntas a serem respondidas: por que as mulheres delinquem
menos? Será que o sistema de justiça possui uma
postura conservadora, que enfatiza a criminalidade masculina e deixa em segundo plano os delitos
cometidos por mulheres, em decorrência da sua
imagem socialmente construída, trazendo aspectos de docilidade, maternidade e fragilidade?
Como vemos, são muitas as perguntas e
maior ainda é o caminho a percorrer a fim de respondê-las. É, pois, neste contexto que alguns pesquisadores têm se dedicado ao estudo do crime
cometido por mulheres. Os olhares e as formas de
abordar a temática são múltiplos e vão de acordo
com a formação teórica de cada um deles, mas,
uma coisa é comum a todos: buscar nas pesquisas, quantitativas ou qualitativas, respostas para
entender a prática criminosa feminina.
Apesar de, durante séculos, terem sido consideradas como seres de segunda classe, as mulheres alcançaram inúmeras conquistas e promoveram importantes mudanças sociais. Apontadas por
muitos estudiosos como sendo menos inteligentes
do que os homens, e, portanto, menos perigosas,
algumas delas, embaladas, talvez, pelo sentimento
do desprezo, de inferioridade, desejaram ser vistas, ouvidas e reconhecidas, e para tanto, tiveram
que romper com normas e valores estabelecidos,
adentrando no mundo da criminalidade. Como
consequência, assumiram outro papel: o de prisioneiras de um sistema jurídico-penal.
Com relação à história da mulher criminosa,
só iremos presenciar os primeiros sinais por volta do século XI, momento em que se constata a
desobediência da mulher à lei. Evidentemente que
a mulher já havia delinquido antes, no entanto, é
100
somente neste período, que a delinquência feminina assume características específicas até então
inexistentes nas sociedades da época. Para Buglione (2011, p. 32),
[...] é como se a lei ao preservar e prescrever determinadas condutas como certas ou erradas o faça separando aquelas tipicamente masculinas e tipicamente
femininas, mas é uma separação realizada através de
um olhar masculino.
Numa tentativa de explicar este processo, alguns estudos foram realizados sobre a mulher e
sua relação com a violência, com o crime e com o
poder punitivo. Um desses trabalhos é o de Rachel
Sohiet (1989) em Condições femininas e formas de
violência. Nele, a autora apresenta as concepções
históricas a respeito da “natureza” da mulher.
Para embasar seu estudo, a autora se apropria em primeira instância das teorias de Lombroso e Ferrero, conceituados representantes da
corrente evolucionista e com grande influência nos
meios jurídicos e policiais no fim do século XIX.
Esses teóricos se empenharam em provar a inferioridade feminina, apontando inúmeras deficiências
e infantilizando a mulher. Para eles, a natureza comanda a mulher, que é biológica e intelectualmente inferior ao homem.
Com base nas características das mulheres
que consideravam “normais”, os autores buscaram analisar àquelas consideradas desviantes,
compostas por prostitutas e criminosas, separadas em três modalidades: as criminosas natas,
que constituíam um tipo mais perverso, em razão
da grande quantidade de caracteres degenerativos
(evoluíram menos do que os homens). Apesar dos
“defeitos genéticos” era a que mais se aproximava
das características masculinas, isto é, demonstravam um comportamento mais violento do que muitos homens; as criminosas por ocasião, portadoras de características femininas, porém, de forma
dissimulada, demonstrava tendência delituosa em
graus variados; e por fim, as criminosas por paixão
que agem conforme a intensidade de suas paixões.
Lombroso e Ferrero não levavam em conta
as questões culturais que perpassavam a vida das
mulheres, defendiam apenas que a mulher era menos tendenciosa ao cometimento de crimes, pelo
fato de evoluírem (biologicamente) menos que os
homens. Do ponto de vista orgânico, assumiam
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uma posição de passividade e conservadorismo,
notadamente, pela posição imóvel do óvulo comparada ao espermatozóide (excesso de mobilidade).
Outros teóricos, como Lemos de Britto e Nelson Hungria também formularam hipóteses sobre as possíveis especificidades da criminalidade
feminina. Com ideias próximas as de Lombroso,
vinculavam a mulher às suas características biológicas. Tais concepções acabavam por dificultar a
realização de estudos que remetessem à questão
de gênero, já que o discurso jurídico se apropriava
de algumas referências ditas científicas e, a maior
parte delas era baseada nas diferenças de natureza anatômica e biológica. Nesse caso, os estudos
revelam que na análise entre mulher e criminalidade, tende-se a considerar muito mais a natureza do
que os aspectos culturais.
Assim, a mulher ficava mais suscetível à prática criminosa quando influenciada por elementos
biológicos, tais como a puberdade, a menstruação,
a menopausa, o parto, uma vez que, no período
desses acontecimentos, ela se mostrava mais irritada, instável, agressiva e psicologicamente abalada. (LOMBROSO, apud SOHIET, 1989).
Desde o final do século XIX até os dias atuais,
os poucos trabalhos existentes sobre a criminalidade feminina têm sido encarados sobre diferentes
abordagens teóricas, “apesar da presença feminina nos estudos positivistas, a tendência a tomar a
mulher criminosa como objeto de estudo tem sido
escassa, evitada em alguns casos e não raro, ignorada” (ESPINOZA, 2004, p. 58).
Reconhecer o cometimento de um delito por
uma mulher como sendo uma falha de sua condição/estrutura biológica (genética) e, como se
não bastasse, considerar que sua conduta criminal
representa menor impacto, logo, menos prejuízo
para a sociedade do que a do homem, induzem a
uma responsabilidade penal marcadamente discriminatória.
De acordo com Soares; Ilgenfritz (2002), foi
somente com Durkheim que à reflexão sobre a
criminalidade feminina passou a ser feita à luz de
uma abordagem sociológica. As práticas criminais
das mulheres começaram a ser vistas a partir da
importância dos diferentes papéis que ela começa
a ocupar na sociedade. Foi então que se começou
a entender com mais clareza porque os delitos
cometidos pela mulher eram de difícil descoberta, não só pelo tipo de infração, mas também pelo
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perfil de suas vítimas: crianças e velhos.
Para as autoras, esses estudos provaram que
os crimes cometidos pelas mulheres se restringiam aos espaços privados, isto é doméstico. De
fato, se considerarmos que, durante muito tempo,
era reservado à mulher apenas o espaço do lar, já
que era a responsável direta pelas tarefas de casa,
educação e cuidado das crianças, não é de se surpreender que a maior parte de seus crimes tenha
ocorrido nesse contexto. Sem mencionar que a
restrição da mulher ao espaço privado, dava a ela
maiores possibilidade de ocultar tais crimes. Assim, em não descobrindo a verdadeira autoria, elas
jamais poderiam ser punidas.
De acordo com o pensamento de Julita Lemgruber (1999), a relação entre mulher e crime envolve vários aspectos, entre eles: diferenças biológicas e sócio-culturais, em que as conquistas sociais
das mulheres, creditado, sobretudo, ao movimento
feminista e, provocando a gradativa mudança de
papéis, leva a supor segundo a autora que “à medida que as disparidades sócio-econômicas entre
sexos diminuem, há um aumento recíproco da criminalidade feminina” (LEMGRUBER, 1999, p. 6).
Por outro lado, com o aumento da precarização das condições sociais de sobrevivência para
amplas parcelas sociais, independentemente de
gêneros e papéis, há uma tendência no agravamento tanto da questão penitenciária como também da
mulher presa.
O aumento das estatísticas no número de mulheres presas é um reflexo não apenas do aumento real dos delitos cometidos por ambos os sexos,
mas também uma elevação dos níveis de reprovação do Sistema de Justiça Criminal em relação às
mulheres delinquentes, que outras conjunturas sociais eram submetidas a um julgamento diferente,
isto é, os magistrados costumavam ser mais tolerantes nas suas decisões/sentenças, se baseando
até mesmo no imaginário que envolvia os papéis
de gênero (SOARES; ILGENFRITZ, 2002).
Com base nesse entendimento e no cenário
que ora se apresentam, cabe-nos a seguinte indagação: foi a criminalidade feminina que de fato
sofreu alteração ou a mudança está na visão que
o poder punitivo tem hoje sobre as mulheres criminosas?
Ao trabalhar com a historicidade das prisões,
Lemgruber (2002, p.72) esclarece que: “Na Antiguidade e na Idade Média, o reconhecimento do
101
gênero como categoria, na comunidade acadêmica
ascende pela via do movimento de mulheres”, condição que leva a investigá-lo como construção histórico-social. Na atualidade, há uma infinidade de
conceitos acerca desta categoria, sendo necessário
por parte daqueles que o estudam, contextualizá
-lo. Para Scott (1995) “gênero” é definido como
uma categoria de análise histórica, pois identifica
as experiências históricas masculinas e femininas
e a relação entre estas e as vivências atuais.
Ao nos debruçarmos mais atentamente sobre
as peculiaridades dos espaços prisionais, notadamente, se o foco do nosso olhar for às mulheres
que cumprem pena privativa de liberdade, iremos
observar que as dificuldades são bem mais assustadoras do que podemos imaginar. O cárcere feminino exprime e revela as desigualdades de gênero
presente nos diferentes espaços sociais, mas que
ganha maior proporção, se considerarmos as desigualdades sociais, econômicas e étnico-raciais.
As mulheres, mesmo representando uma parcela pequena em relação à população carcerária
masculina, são tratadas com certa indiferença,
para não dizer com inferioridade, uma vez que, no
ambiente penitenciário, elas não usufruem equitativamente do atendimento que é dispensado aos
homens, que, por sua vez, já é muito precário. A
impressão que se tem é de que, no cárcere feminino, o processo de ressocialização parece ser ainda
mais complexo.
Nas incursões pelo presídio, em conversas
particulares, nos corredores ou através de bilhetes, enfim, de várias maneiras ouvia histórias de
mulheres que relatavam histórias de violência e
humilhações anteriores ao evento de suas prisões,
nas quais não tiveram voz ou não foram ouvidas ou
levadas em conta enquanto pessoas.
A situação inerente e, exclusivamente relacionada ao feminino, traduzida no contato com a
violência de forma precoce e a sua perpetuação
até a fase adulta, a inserção na criminalidade e a
experimentação dos diferentes processos violentos, exigem de nós pesquisadores, um olhar mais
cuidadoso e minucioso sobre a questão de gênero
no cárcere, atentando ainda mais para suas peculiaridades.
A Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (OEA),
adotada pela ONU, em 1993 e ratificada pelo Brasil
em 1995, define a violência contra a mulher como:
102
[...] qualquer ato de violência baseado no gênero, que
resulte, ou possa resultar, em dano físico, sexual ou psicológico ou em sofrimento para a mulher, inclusive as
ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da
liberdade, podendo ocorrer na esfera pública ou privada
(OEA, 2010).
O conceito de violência, destacado acima, explicita que este tipo de violência decorre de relações assimétricas de poder, por meio das quais o
masculino e o feminino ocupam papéis que não se
restringem às diferenças anatômicas dos corpos.
A problemática da violência abordada neste
estudo, já que se trata da violência sofrida por mulheres, deve ser conceituada como sendo violência de gênero. A violência de gênero na vida das
mulheres numa perspectiva histórica se constrói
na medida em que o fenômeno da violência seja
passível de transmissão geracional. Isto implica dizer que as mulheres que experimentam processos
de violência na infância ou adolescência são mais
vulneráveis, além de representarem o segmento
feminino que mais chances têm de ocuparem as
estatísticas criminais ora como vítimas ora como
autoras de violência durante a fase adulta.
Soares; Ilgenfritz (2002), em pesquisa realizada com mulheres presas no Rio de Janeiro, constataram que 71,9% das entrevistadas afirmaram
ter sofrido alguma forma de violência por parte de
seus responsáveis, sendo que 68% relataram ter
sofrido violência física e 11,2%, violência sexual.
Para melhor sustentar as possíveis conclusões do
estudo, as referidas autoras apresentam dados de
uma pesquisa americana em que quase metade
das mulheres presas relatou ter sofrido algum tipo
de abuso físico ou sexual em algum momento de
suas vidas, antes da prisão.
O fato é que, praticamente, todas as pesquisas realizadas sobre a temática da violência, tendo
como recorte as mulheres encarceradas, revelam
que a prisão, tanto pela privação da liberdade
como pelos abusos que ocorrem, representa apenas mais um elo na cadeia de múltiplas violências
que formam a trajetória de uma parte da população feminina (ILGENFRITZ; SOARES, 2002).
Os dados do InfoPen, em 2011, revelaram
que o crime que leva mais mulheres para a prisão, atualmente, é o tráfico de entorpecentes –
7.809 infratoras, seguido do roubo qualificado
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– 1.250 infratoras3.
Apesar de observarmos um aumento na criminalidade feminina, os dados mais recentes mostram que não houve uma elevação tão substancial
da participação das mulheres no rol dos crimes comumente praticados pelos homens, revelando que
o crescimento da criminalidade feminina pode ter
relação muito mais com a dinâmica proporcionada
pelo tráfico de drogas do que por uma maior disposição das mulheres para cometer crimes.
Embora menos expostas ao nível de violência
experimentada por presos, seja praticada pela polícia ou autoridades penitenciárias, muitas presas
informaram, durante a pesquisa, ter sofrido algum
tipo de violência estatal ou outros maus tratos durante sua prisão.
Ao mesmo tempo em que as detentas, ao
adentrarem o caminho da criminalidade e da prisão, conseguindo entre seus pares um reconhecimento, são excluídas pelo resto da sociedade, que
impõe regras, valores e condutas morais à vida
dessas mulheres. Assim, elas são vistas como piores que os homens que cometem crimes, pois não
seria da “natureza” feminina, na qual a sociedade
acredita e que foi legitimado pelos discursos científicos, o cometimento de crimes.
É mais comum do que os dados possam mostrar que, em boa parte das unidades prisionais femininas, as detentas experimentem uma variedade
de violências relacionadas a gênero por parte de
funcionários, principalmente homens. É evidente
que o tamanho exato desse tipo de violência fica
quase impossível de quantificar através de estudos
ou de possíveis denúncias, muito menos pouco divulgar, notadamente pelo fato de que, no cenário
prisional, as mulheres presas costumam omitir
quaisquer informações que envolvam a violência
ou o assédio sexual.
Elas temem que suas denúncias não sejam levadas em consideração, principalmente em razão
de estarem presas e não terem a credibilidade, que
mulheres em liberdade comumente gozam, ou ainda, silenciam com medo de experimentarem represália por parte dos agressores ou das autoridades
penitenciárias.
A violência e agressão entre presas são elementos que pertencem ao universo carcerário e
esses aspectos também estão presentes na vida
cotidiana da penitenciária visitada. Os poucos
agentes penitenciários com os quais estabeleci rápidos contatos fizeram questão de comentar sobre
a alta incidência de violência entre as presas. “Elas
brigam por qualquer coisa, até um pedaço de pão”
(afirmou um deles).
Geralmente, as mulheres presas são mais resistentes do que os homens em tecer abertamente
comentários sobre a violência existente entre elas;
no entanto, aquelas, que não tinham passagem
pela prisão (primárias) ou que haviam sido detidas
por crimes cometidos sem grave ameaça à vítima,
afirmaram, por algumas vezes, se sentirem inseguras por estarem detidas com aquelas que tinham
uma longa história criminal4 ou que são acusadas
de terem cometido crimes considerados violentos.
Contraditoriamente, algumas mulheres afirmaram, nos seus depoimentos, que não tolerariam
em silêncio, a violência, sobretudo sexual e, principalmente, se esta for praticada por autoridades policiais, de maneira que, se viesse a ocorrer, elas relatariam. Apesar dessa atitude, as mulheres tinham
consciência das represálias que poderiam sofrer de
agentes ou de outras presas, caso denunciasse à
violência sofrida. No Presídio Feminino Júlia Maranhão, uma mulher disse: “Se falar sobre essas coisas
é pior, entram, matam a gente e fica por isso mesmo”.
Uma coisa ficou muito clara na pesquisa,
nem todas as mulheres presas sabiam a quem
poderiam recorrer: “Reclamar. Para quem, quem
vai acreditar numa presa, numa criminosa?”. Perguntou uma mulher durante a entrevista. E, por fim, a
descrença no sistema e, notadamente, na certeza
da impunidade que uma denúncia dessa natureza
pode gerar, leva ao isolamento e à falta de solidariedade entre as própria presas, situação que reconhecemos no comentário feito por uma apenada
durante a entrevista:
Olhe Doutora, vou lhe dizer uma coisa, eu só abriria a boca de
uma violência contra mim, se fosse muito grave, porque cada
uma (refere-se a sua condição de presa) tem que ficar no seu
lugar. Aqui a gente num é nada. Eu tô presa, mas ainda tem
juízo, viu? E num quero me queimar à toa não, porque acaba
sobrando pra gente mesmo. Nunca vi, presa se dá bem. (Vânia, condenada há 15 anos por homicídio).
3. Os homens, por sua vez, são presos em maior quantidade por roubo qualificado – 82.797 infratores, seguido de tráfico de entorpecentes – 52.367 e roubo simples – 33.622 infratores.
4. Apenadas com “uma longa história criminal” são, sobretudo aquelas que já são reincidentes, com diversas passagens por instituições carcerárias.
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103
Dentre as principais razões apontadas pelas
mulheres presas para a prática delituosa, destacaram-se as necessidades materiais básicas seguidas pelo desejo de consumir alguns produtos
que, se não fosse através do crime, jamais teriam
acesso. Entre aquelas condenadas por roubo, 80%
alegou que o não atendimento de suas necessidades materiais básicas foi o principal motivo para
a prática do crime. Durante os nossos encontros,
essas queixas eram bastante frequentes, ou seja,
reclamavam de que só haviam se envolvido com o
mundo da criminalidade em função de sua baixa
condição socioeconômica e, também, de que só
estavam presas porque eram pobres.
Esse quadro é apenas a ponte do iceberg da
dramática realidade das condições socioeconômicas e do mercado de trabalho experimentadas por
essas mulheres. No caso de muitas mulheres, sobretudo aquelas responsáveis pelo sustento de seus
filhos, as dificuldades encontradas para conseguir
se inserir no mercado de trabalho, acaba se tornando um fator decisivo na reincidência criminal.
Indubitavelmente, a maior participação da
mulher no crime está relacionada, atualmente, ao
tráfico de entorpecente. Constatação que foi tão
somente confirmada por esta pesquisa. Ele responde por 71,2% das condenações das mulheres
que hoje se encontram detidas, seguido por roubo
(artigo 157 do CP), atingindo um percentual de
11,3% (DEPEN/MJ, 2010). Na leitura de alguns
processos na Vara de Execução Penal, consta dos
autos, que a maioria das mulheres envolvidas com
o crime de tráfico, ocorreu em virtude do envolvimento com seus companheiros, consequentemente, influenciadas por eles. No entanto, em praticamente todos os casos, a detenção ou o flagrante se
deu em empreitadas solitárias, isto é, não estavam
na companhia daqueles a quem atribuíam serem
seus companheiros.
Eu entrei no crime por causa dele, sabe? Depois eu fui
gostando e resolvi pegar minha própria droga, queria minha independência, né? Sei lá, se ele num ia me deixar
por outra, mulher de traficante é assim, nunca sabe o
que ele vai fazer, sabe? Eles num transmite segurança pra
nóis, não. Aí, fui pega sozinha e num entreguei ele não,
porque o bagulho era meu, sabe? A gente entrou no barco
junto, vamo afundar ou flutuar também junto, temo que
aguentar tudo, o amor vence tudo (Valeska, condenada
por tráfico de drogas).
104
A constatação de que muitas mulheres são
“levadas” para o tráfico pelos seus companheiros
rebate direta e irreversivelmente junto às estatísticas existentes sobre as mulheres encarceradas, visto que o tráfico de drogas ilícitas, conforme previa
a Lei n° 8.072 de 1990, era considerado crime hediondo, determinando que o cumprimento da pena
deva ocorrer em regime integralmente fechado. Essa
previsão legal gerou, por seu turno, um acréscimo
significativo no índice de mulheres encarceradas.
Claro que isso não ocorreu em virtude do aumento
na prática de delitos, mas pelo fato de que o crime,
que encabeçava as estatísticas dos delitos por elas
cometidos, era enquadrado no regime fechado.
O sistema prisional feminino brasileiro, talvez
mais do que em qualquer outro lugar, mostra-se
como um terreno fértil na reprodução de modelos
masculinos, mas, contraditoriamente, constata-se
a falta de um olhar sobre o “eu feminino”, isto é, as
políticas públicas voltadas para o sistema prisional
não levam em conta as diferenças relativas à questão de gênero, notadamente, no que diz respeito às
consequências negativas provocadas pela permanência no cárcere (BUGLIONE, 2011).
A mulher criminosa é duplamente discriminada, por ser mulher e por ter rompido com o modelo
inferiorizado que a sociedade impôs a ela historicamente. Quando comete um crime ela assume
um lugar, aparentemente, reservado ao homem:
o lugar de violadora da ordem estabelecida, uma
agressora. Para Spangerberg (apud GRAZIOSI,
1999), a mulher que pratica uma ação criminosa
fazendo uso de agressividade é temida e repudiada
por boa parte da população.
O binômio mulher e agressão, ao ser submetido à apreciação e ao imaginário social, não forma
um par aceitável. Assim, a resposta social às mulheres que cometeram crimes tem se revelado sutilmente desprezível e excludente, sobretudo, por
parte do Estado, isto é, por mais que se discuta a
necessidade de diferenciação, tudo continua como
se essas necessidades não existissem.
No instante em que a mulher criminosa tornou-se objeto de estudo, o direito penal imputou a
ela, a condição de portadora de desvios psicológicos e, estes passaram a ser a principal motivação
para o cometimento de delitos. Na atualidade, observa-se, na mulher criminosa, um perfil diferente
do daquela época, assim como, as razões para a
prática de atos delituosos são gerados por outras
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motivações que não sejam apenas os desvios psicológicos: a mulher atenta contra a vida de seu
companheiro por não aceitar a condição de submissa na relação conjugal; comete crimes de toda
espécie e praticamente os mesmos que são cometidos por homens, embora a maioria deles, sem
violência e crueldade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reconhecemos que, embora as mulheres sejam diferentes dos homens, elas têm direitos humanos iguais, que devem ser levados em conta.
Não se admite mais que os agentes públicos, responsáveis pelo aprisionamento feminino, ignorem
e continuem tratando as demandas da criminalidade feminina como “questões de homens.” Esse
entendimento corresponde seguramente ao que
Fernández (1995) nomeou direito de gênero. Atualmente, as mulheres criminosas são condenadas à
luz dos mesmos princípios jurídicos, que são usados na condenação dos homens, mas não podem
nem devem receber tratamento semelhante àqueles, pela própria diferença de gênero.
É inegável que as mudanças sociais ocorridas,
nas últimas décadas, tenham reflexo direto sobre
as mulheres, colocando-as, de uma maneira geral,
diante de vários e diferentes dilemas. Num curto
espaço de tempo, os arranjos familiares sofreram
uma drástica mudança, de modo que, hoje, muitas
mulheres são chefes de família e são responsáveis
pelo sustento dos filhos e do companheiro.
Sendo assim, quando uma mulher, que assume esse perfil social, é condenada à prisão, verifica-se um esfacelamento, quase que completo
da estrutura familiar. E os desdobramentos desse
processo causam, nas mulheres, comportamentos
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completamente diferentes daqueles demonstrados
pelos homens submetidos às mesmas condições.
O processo de estigmatização pelo qual passam as mulheres encarceradas é algo que perpassa toda a sua história. Costuma-se atribuir a elas
adjetivos do tipo: más esposas, mães más, mulheres sem alma. Geralmente, quando se pensa em
pessoas más, costumamos excluir, dessa definição, as mulheres e, principalmente, mães, porém,
no caso da mulher delinquente, esta normalmente
é vista como alguém que possui muita maldade.
Os resultados da pesquisa me levaram a acreditar na ideia de que a prisão atua em duas frentes.
De um lado, é capaz de articular um discurso hegemônico e, por vezes, favorável à mulher; de outro,
atua na intenção de dificultar a relação das mães
encarceradas com seus filhos, consolidando ainda
mais a situação de exclusão e de invisibilidade a
que já é submetida.
O que pudemos observar durante a pesquisa
é de que a estrutura do CRJM consegue romper,
pelo menos aparentemente, com uma violência
simbólica que perpassa as unidades penitenciárias
de um modo geral. No entanto, essa instituição prisional, assim como as demais, tem falhado no seu
processo de (re)socialização das mulheres que lá
se encontram.
Muitas dessas detentas ainda são muito jovens, com valores morais muito frágeis. Desse
modo, a experiência do cárcere e de todas as humilhações, regras e pressões de toda ordem vivenciadas na prisão reforçam ainda a inserção no mundo
da criminalidade, representando, na maior parte
dos casos, um caminho sem volta. Ao vivenciar
todo tipo de situação e dependendo da posição
que ocupam na constelação prisional, conseguem
reconhecimento e respeito das demais.
105
Referências
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106
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SOARES, B. M. e ILGENFRITZ, Iara. Prisioneiras: Vida e Violência Atrás das Grades. Rio de Janeiro, Ed. Garamond Ltda., 2002
SOHIET, Rachel. Condição feminina e formas de violência. mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
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