é O PRIMEIRO HOTEL DE CHARME A SURGIR NO MEIO DAS

Transcrição

é O PRIMEIRO HOTEL DE CHARME A SURGIR NO MEIO DAS
dar el
medina
é o primeiro hotel de charme a surgir no
meio das labirÍnticas e estreitas ruelas da
Medina de Tunis, a cidade antiga, datada do
século XVIII e Património Cultural Mundial
Estava calor quando ali chegámos, um vento quente vinha
do sul, do deserto, a lembrar que estamos no Norte de África.
O carro deixou-nos mesmo à porta do hotel, apesar de percorrermos ruelas estreitas e curvas angulosas impensáveis de
passar. Dar el Medina: o seu nome, significa em árabe a Casa
da Medina. Uma porta grande de madeira trabalhada estava
aberta de par em par, deixando a descoberto um espaço,
denominado de driba, para lá das portas e de um enorme
portão de ferro forjado. Este pátio/corredor ladeado de paredes brancas com janelas também de ferro forjado, conduzem-nos até à entrada principal da casa, forrada de mármore e
pedra. Ao fundo a recepção, que mais parece uma pequena e
charmosa loja decorada, com o seu balcão de madeira trabalhada. Mustapha Belhaouane, o proprietário, estava à nossa
espera para desejar as boas vindas. Uma empregada, de olhar
curioso e sorriso envergonhado, trouxe-nos o sempre bem
vindo sumo de laranja tunisino, para refrescarmos e adoçarmos a garganta. No ar pairava, suave, uma música árabe – na
melancólica voz de Zeava Ben.
Mustapha diz para nos sentirmos em casa e, após breve conversa, Nazir, um jovem e simpático empregado, acompanha-nos pelas escadas forradas de zellijs (azulejos) geométricos
até ao nosso quarto, o Beya. Enquanto subíamos, perguntou-nos se éramos portugueses. À resposta afirmativa esboça um
imenso sorriso dizendo: O meu ídolo é o Luis Figo!
O nosso quarto ficava ao fundo, para lá de outras portas, de
outros recantos... Ao abri-lo, uma escadaria fazia adivinhar, lá
em baixo, meio escondido através de um arco, parte do quarto.
Numa alcova, ao fundo, um espaço, como um pequeno
lounge com almofadas grandes no chão entre uma mesa baixa
de madeira e um belíssimo tapete. De um lado, uma janela
que dá para a dhriba; do outro um moucharabieh. Espreitei pelo
seu rendilhado sentindo-me como as antigas mulheres da
casa que podiam olhar lá para fora sem serem vistas. Lá em
baixo, do outro lado da rua, o barbeiro, sentado à porta do
seu modesto estabelecimento, certamente à espera de algum
cliente. Continuei mais uns momentos sentada, espreitando
por entre o meu novo olhar rendilhado e indiscreto, a contemplar simplesmente. De repente, começa a ouvir-se o canto
dos muezzins a chamarem os crentes para a oração. Palavras
sagradas para os muçulmanos, palavras doces e mágicas para
os meus ouvidos. Deixo-me ficar quieta, à espera que este
nostálgico cantar acabe, que o seu som deixe de entrar pelo
quarto adentro e tudo volte ao silêncio.
Desci para me encontrar com o meu anfitrião. Passámos para
o pátio ao lado da recepção, onde nos sentámos junto a uma
buganvília branca que trepava por uma das paredes. Um odor
inebriante a jasmim pairava no ar. Reparei em dois canteiros
com estas flores que, juntamente com as rosas, são as rainhas
dos perfumistas. O seu nome tem origem no árabe, yâsamîn,
quarto Daddov
ica num dos locais mais bem situados e bonitos da
Medina, bem perto da Mesquita Ezzitouna, na
famosa rue Sidi Ben Arous, uma rua cheia de passagens, arcos e janelas rendilhadas de ferro forjado,
conhecida pelas suas casas apalaçadas (se bem que
algumas, infelizmente, a precisarem de restauro).
O Dar el Medina é sem dúvida um hotel único no género e
espera-se que o primeiro de uma série que comecem a surgir
na capital tunisina – fala-se que está outro em construção,
pertencente aos proprietários do mais conhecido e afamado
restaurante da cidade, o Dar el Jeld. A medina de Tunis bem
que merece pequenos hotéis, charmosos oásis de tranquilidade
para se desfrutar de perto os seus encantos, onde a intimidade
e paz dos seus interiores contrastam com o bulício dos souks,
bem ali ao lado, onde se misturam cores, odores, sons, objectos
e gentes. Babouchas, kaftans, djelabas, vestimentas coloridas ao
estilo das Mil e Uma Noites, ouro, cerâmica, latoaria, ramos
de hortelã, essências naturais onde o jasmin sobressai, e gente,
sempre muita gente que percorre aquele emaranhado de ruelas.
Ouvem-se alguns barulhos
da rua, miúdos que passam
a rir, brincando, correndo,
ouvem-se os passos
silenciosos das mulheres,
das mulheres da bela
medina que, apesar do seu
emaranhado de ruas e ruelas
não é tão complicado quanto
parece, comparando com
outras do mundo árabe
considerada como símbolo da tentação feminina e conhecida
como encantadora de homens por ser bastante usada em feitiços
de amor. No Pátio, um casal de franceses, de malas aviadas, esperava –contrariado – por um táxi.
Quis saber mais sobre a casa da medina, a sua história. Mustapha
Belhaouane conta que a casa pertence à sua família desde a sua
construção, em 1825. O seu bisavô foi um dos Beys (governador
quando a Tunísia integrava o Império Turco-Otomano). Sai por
um instante e volta com um livro, que mostra com orgulho, onde,
em fotografias de época, aparece o seu bisavô. Aliás, nas paredes
da casa vêm-se retratos dos seus familiares amarelados pelo tempo.
Mustapha sempre ali viveu com toda a sua família: os pais, avós e
o irmão, Salah. Depois de ambos se casarem e formarem família,
ainda continuaram por ali, como uma tradicional família muçulmana, com os pais e avó ainda vivos. Os quartos melhores repartiam-se segundo uma posição hierárquica. Anos mais tarde, Salah,
actualmente banqueiro, resolveu comprar uma casa fora da medina,
na belíssima região costeira de Cartago. Nessa altura já só a mãe
era viva. Mustapha é engenheiro agrónomo e tem propriedades de
cultivo, principalmente trigo. Hoje vive em La Marsa, outra
das zonas chiques nos arredores de Tunis mas, não querendo
desfazer-se da casa de família, ele e o irmão resolveram comprar a do lado, juntá-las e erguer um hotel sob a direcção do
arquitecto tunisino Zoubeir Mouhli.
O pátio era o centro fulcral da casa, como em todas as
casas árabes, explica. Entrámos numa divisão que é actualmente um café maure – uma instituição na Tunísia. Um
espaço com esteiras numa plataforma alta, com almofadas
no chão e onde, em mesas baixas, quase rasteiras, se toma
o famoso narguilé ou chicha – o cachimbo de água com
tabaco e sabores frutados – ou um thé à la menthe. Dantes
funcionava ali a cozinha da casa. Mustapha, com uma voz
carregada de nostalgia, diz que é uma das partes da casa
que mais gosta, pois traz-lhe lembranças da avó, à volta do
fogão, dando indicações às empregadas.
O pequeno-almoço, informa-me, é tomado logo à
entrada, no corredor exterior, numa sala que dá para a
Dhriba. Não há horário para tomá-lo: temos apenas que
informar de véspera a que horas o desejamos, para irem
um pouco antes buscar pão fresco.
O quarto dos pais, que outrora foi dos avós, é actualmente
a sala de estar. Entramos na entreaberta porta verde de
madeira, e deparo-me com um belíssimo espaço. As paredes são decoradas com estuques delicadamente tabalhados, tapetes em tons de vermelho, amarelo e preto, lustres,
espelhos, e objectos nítidamente de sabor oriental. Numa
alcova, o tecto forma uma pequena cúpula com um minucioso trabalho de estuque esculpido e madeira pintada. É
um espaço que nos faz viajar no tempo e imaginar, quem
sabe, por aqui sentado um rico mercador de sedas.
De volta ao pátio, encontramos mais um quarto. Leva o
nome de Chama – os quartos, em vez de números, têm
nomes de mulheres. Ao perguntar-lhe porquê, diz que a
casa é feminina, pertence à mulher. E, por isso, achou mais
bonito dar aos quartos nomes de mulher, concluindo: é mais
bonito que dar-lhes um número ou nomes de homem. De seguida
entramos no Douja, o quarto oposto à sala de estar. Parece
saído de um dos contos das Mil e Uma Noites. Não é grande,
mas é lindíssimo, com estuques rendilhados. De um lado a
cama, de frente para a porta, um majless (recanto de salão)
forrado de zellijs que brilhavam, contrastando com a alvura
do estuque.
Não passou desapercebido a Mustapha o meu encanto por
este quarto. Disse-me prontamente que, se desejasse mudar
para aqui, mesmo já tendo desfeito as malas, os empregadas
traríam tudo, que não precisava de me preocupar. Como que
a justificar-se, disse que me tinha escolhido o Beya por ser
maior, e por ter um moucharabieh de onde podia ver a rua.
Resolvi não contrariar a primeira escolha do meu anfitrião:
seria até indelicado. Para uma mulher é um luxo misterioso
e exótico ter um quarto com moucharabieh. Poder espreitar
sem ser vista, ouvir os ruídos da medina, tentar decifrá-los
por detrás do rendilhado da madeira.
Antes de me deixar para sair para o almoço, Mustapha
mostrou-me o livro de hóspedes que, em poucos meses de
existência – diz com orgulho – já conta com uma série de
hóspedes vips. Folheando-o apontava: os Embaixadores dos
E.U.A, do Paquistão, da França, um Ministro da Holanda,
outro das Telecomunicações do Senegal, ainda o Embaixador da Coreia e até a Miss Espanha.
Saímos para passear pela medina. Apesar do seu emaranhado
de ruas não é tão complicada quanto parece, comparando-a
com outras medinas do mundo árabe. Dá para nos perdermos, pois apetece mesmo deambular por ali sem destino, mas
se levarmos um pequeno mapa, passado pouco é fácil orientarmo-nos. É interessante embrenharmo-nos pelas ruelas,
desembocar em amplas praças – onde normalmente se ergue
uma mesquita –, espreitar as Medersas (escolas corânicas),
e deixarmo-nos embalar pelo som musical das orações do
Corão; admirar fachadas de belíssimos edifícios e deixar que
a imaginação voe, tentando imaginar o que se encontra por
detrás destes altos muros: que segredos, belezas e mistérios
escondem. É bom parar, depois, para descansar num dos cafés
do Souk, pedir um thé à la menthe com pinhões, um narguilhé
com sabor de maçã, e deixar que o burburinho e azáfama da
medina continue a correr à nossa frente... como um filme.
Voltámos para o hotel. Estava um calor abrasador. Depois
de tanto andar, apetecia a frescura, a calma e o silêncio da
nossa casa na medina. Espreitei pelo moucharabieh antes de
me estender no pequeno lounge do Beya, entre as almofadas. Escutam-se alguns barulhos na rua, miúdos que passam
a rir, brincando e correndo; ouvem-se os passos silenciosos
das mulheres, das mulheres da medina. O barbeiro colocava
toalhas num pequeno estendal portátil, montado na rua.
Certamente já teve clientes. Torço por isso: sinto alguma
intimidade com o meu vizinho, que certamente nem sabe da
minha existência. Tudo por causa de um moucharabieh!
Depois de me recompôr do calor com um merecido descanso,
resolvi descer para conhecer o resto dos quartos. Na recepção
só se encontrava Nazir, que me disse que o patrão tinha ido
um pouco até sua casa. Voltaria mais logo, mas havia deixado
indicações para ver o que quisesse, que a casa “era minha”.
Silenciosa, a casa parecia embalada apenas por uma lânguida
voz de mulher. A sua música enchia o pátio, e o som parecia
Grand Souk des Chéchias
subir, depois, de forma voluptuosa enchendo o ar. Nazir disse-me
que era uma cantora egípcia, de nome Chirine. Sentei-me com ele
no pátio, embalada pela melodia. Quis saber um pouco mais sobre
Nazir, para além de ter o Figo como ídolo. Diz-me, com ar orgulhoso, que é tunisino descendente de gregos, e que o seu nome
significa “estrela”, rematando: “pelo menos é o que a minha avó
diz”. E continua: “Tenho 24 anos e só este ano, quando vim trabalhar aqui para o hotel, é que descobri o charme da medina. Dantes
trabalhava num supermercado. Gosto de ver gente, sou muito sociável, adoro conversar. Parece estranho dizer-lhe isto, pois é uma
mudança radical de trabalho. Não sei bem explicar, mas quanto
mais tempo aqui estou, mais encantado fico. Esta casa tem uma
alma incrível, como uma história das Mil e Uma Noites”. Nazir
cala-se por instantes, reflectindo talvez sobre o que disse. Conclui
depois: “Passo horas sem falar com ninguém... sou tão sociável, mas
aqui não me importo... je m’evade avec mon esprit!”
O hotel estava vazio, talvez por ter inaugurado havia pouco, continuando ainda a ser um segredo bem guardado da medina... e
talvez por ser Junho, quando o calor abafador vindo do deserto faz
com que os turistas procurem os hotéis à beira-mar.
quarto Beya
quarto Douja
Visito depois o quarto que me faltava ver no pátio. É pequeno, sob
o comprido, com alguns estuques trabalhados, mas sem a beleza
do Douja. Nazir agarra então num molho de chaves juntas numa
argola de ferro, e entrega-mas. Diz-me que não pode sair da
área da recepção, mas para andar pela casa à vontade e abrir
todos os quartos menos um, o Fafani.
Senti-me a viver a história do Barba Azul, de Charles Perrault.
Achei-me a protagonista do conto, quando Barba Azul sai para
viajar dizendo à mulher: “Fica com as minhas chaves. Com elas
podes abrir todas as portas, a dos depósitos, dos cofres, das baixelas de ouro e prata, das pedras preciosas. Abre tudo o que quiseres.
Só esta chave pequenina não podes usar. Proíbo-te de abrires a
porta desse quarto.” Uma história que fala dos riscos da curiosidade feminina e a difícil tentação de lhe resistir.
Peguei no molho de chaves e subi as escadas. A primeira porta
que me surge... Fafani! A tentação a pôr-me à prova. Segui para
o quarto mais perto, o Nour, que significa luz. A casa de banho
parece um pequeno hammam, e as suas janelas dão para o pátio
em baixo, onde Nazir continuava sentado, embalado pela música.
Abro de seguida uma porta e entro numa pequena varanda, a que
chamam de galeria, com tecto de madeira verde e chão de azulejos,
e que dá também para o pátio. À minha direita fica o Zaya; em
frente o Daddou, um quarto estreito, rectangular, o preferido de
Nazir, e sem dúvida um dos mais charmosos.
No ar continuava a flutuar uma melodiosa e lânguida voz de
mulher. Pensei nas palavras de Nazir, sobre a alma da casa, e nas
de Mustapha Belhaouane, da sua decisão em atribuir aos quartos
nomes de mulher, pois a casa é feminina. Todo aquele ambiente,
leva-me a concordar plenamente com eles.
Subi para o último andar. É a açoteia, com uma vista de 360
graus sobre a medina de Tunis, dos seus telhados – hoje com
antenas e parabólicas –, dos minaretes das célebres mesquitas
Hamouda Pacha, Ezzitouna, e outras. Apesar do entardecer o ar
continuava quente, abrasador. O céu desenhava-se numa tonalidade cor de areia. Não era apenas do calor, soube-o mais tarde:
era mesmo a areia do deserto trazida pelo Sirocco, esse vento
temível de nome tão poético. A açoteia estende-se em desníveis,
ao sabor da arquitectura e caprichos da casa.
Tornei a descer e subir escadas, e passei para a outra parte da casa,
onde os quartos se articulam num quase rendilhado, entre recantos,
corredores, pátios e desníveis. Entrei depois no Fella, que dá para
uma varanda do outro pátio mais pequeno; no Yasmine, onde a
cama está encaixada em um nicho e recortada por uma moldura de
madeira pintada; no Bibi, redondo; no Zazia, com a cama instalada
numa mezzanine; no Founa, no segundo andar, com uma janela
para a rua e uma pequena açoteia, ao lado. Cada um com as suas
características, com o seu carácter... como uma mulher!
Entro de novo no meu quarto. Ouço o barbeiro a baixar a portada
de alumínio do estabelecimento. Espreito. Transporta um pequeno
tapete enrolado sobre o braço. Passava um pouco das oito e meia,
hora da última oração do dia. Deve ir para a mesquita, como tantos
outros. Voei até à açoteia. A luz do belo dia de Verão começa a
desaparecer. Neste lusco fusco mágico, em que o céu começa a
ganhar tonalidades indigo, no ar abafado e que insistia em não
desaparecer, começam a ouvir-se, vindas de vários pontos da
cidade, as vozes dos muezzins, como um eco, espalhando-se numa
espécie de jogo de sons: um momento de pura magia.
Após um inesquecível jantar no Dar el Jeld, regressamos a pé
até ao hotel. A medina está silenciosa, como que dormindo,
embalada por uma luz feérica, mágica, no doce encantamento
de um incrível jogo de luz e sombras.
Com um ramo de jasmin pousado na mesa de cabeçeira, deixo-me
adormecer, inebriada pelo seu odor, esperando que, de madrugada,
o primeiro chamamento dos muezzins me acorde, num mágico despertar, para voltar de novo a adormecer no Dar el Medina.
quarto Beya
Dar El Medina, 64 rue Sidi
Ben Arous, Tunis, Tunísia ·
Tel. 00.216 71 563 022
· www.darelmedina.com ·
preços por quarto duplo/
noite desde 110 euros (com
pequeno-almoço incluído).
Os quartos não têm
televisão nem mini bar
quarto Founa

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