josé augusto rodrigues simões ética e cuidados de saúde primários

Transcrição

josé augusto rodrigues simões ética e cuidados de saúde primários
Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências da Saúde
2010
JOSÉ AUGUSTO
RODRIGUES SIMÕES
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS.
UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências da Saúde
2010
JOSÉ AUGUSTO
RODRIGUES SIMÕES
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS.
UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Tese apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos
requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Ciências da
Saúde, realizada sob a orientação científica do Doutor Rui Manuel
Lopes Nunes, Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da
Universidade do Porto e do Doutor Manuel Teixeira Marques Veríssimo,
Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade de
Coimbra e da Universidade de Aveiro.
Dedico este trabalho à minha esposa Hélia Marques e aos meus filhos
Pedro Augusto e António Carlos, pelo seu incansável e indispensável
apoio.
o júri
presidente
Doutora Ana Maria Vieira da Silva Cavaleiro
professora catedrática da Universidade de Aveiro
Doutor Rui Manuel Lopes Nunes
professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (orientador)
Doutor Nelson Fernando Pacheco da Rocha
professor catedrático da Universidade de Aveiro
Doutor Francisco Luís Maia Mamede Pimentel
professor associado convidado com agregação da Universidade de Aveiro
Doutor António José Feliciano Barbosa
professor auxiliar com agregação da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Doutor Manuel Teixeira Marques Veríssimo
professor auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e da
Universidade de Aveiro (co-orientador)
Doutor Manuel José Lima Costa Rodrigues
professor auxiliar convidado da Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Minho
agradecimentos
Ao Professor Doutor Rui Manuel Lopes Nunes, orientador desta tese, a
minha gratidão pela disponibilidade, pelo estímulo, pelo apoio e por
comigo partilhar esta investigação.
Ao Professor Doutor Manuel Teixeira Marques Veríssimo, co-orientador
desta tese, o meu reconhecimento pela formação e colaboração
prestada.
Ao Professor Doutor Nelson Pacheco da Rocha, director da Secção
Autónoma de Ciências da Saúde da Universidade de Aveiro, a minha
gratidão e o meu reconhecimento pessoal.
Ao Prof. Doutor Alberto Pinto Hespanhol, ao Prof. Doutor Armando Brito
de Sá, ao Prof. Doutor Francisco Alte da Veiga, ao Prof. Doutor José
Carlos Martins, ao Prof. Doutor Vítor Rodrigues, à Profª Doutora Maria
da Piedade Brandão, à Doutora Ana Maria Vale Pereira, ao Doutor
André Rosa Biscaia, ao Dr. Vítor Ramos e à Dr.ª Denise Alexandra, o
meu reconhecimento pelo aprofundar de várias temáticas desta tese.
À Administração Regional de Saúde do Centro e em especial ao então
Presidente do Conselho Directivo, Prof. Doutor Fernando J. Regateiro,
o meu agradecimento e reconhecimento pelo empenho e apoio à
realização deste estudo.
Aos directores dos Centros de Saúde que colaboraram na realização do
estudo, o meu reconhecimento pela colaboração prestada, e em
particular aos directores dos Centros de Saúde de Albergaria-a-Velha,
Águeda, Anadia, Cantanhede, Castelo Branco, Celorico da Beira,
Coimbra – Norton de Matos, Coimbra – São Martinho do Bispo, Covilhã,
Leiria – Gorjão Henriques, Mealhada, Pombal e Viseu I, pelo
empenhado apoio na distribuição, recolha e devolução dos inquéritos
aos profissionais.
A todos os médicos e enfermeiros dos Centros de Saúde da Região
Centro que responderam aos inquéritos e que assim possibilitaram a
realização do presente estudo, o meu reconhecido bem ajam.
Finalmente, a todos os profissionais da Unidade de Saúde Familiar
Marquês de Marialva do Agrupamento de Centros de Saúde Baixo
Mondego III, assim como aos colegas e amigos que contribuíram com o
seu encorajamento para o desenvolvimento desta tese, hoje e sempre,
o meu muito obrigado.
Ética e cuidados de saúde primários
palavras-chave
ética, bioética, cuidados de saúde primários, centros de saúde.
resumo
Estudo quantitativo e qualitativo, de tipo descritivo, situando-se no
âmbito da ética descritiva, enquanto investigação empírica, de tipo não
normativo, no qual foram inquiridos 370 profissionais de saúde, 180
médicos 190 enfermeiros, dos centros de saúde da região centro de
Portugal, com os objectivos de identificar e comparar o quadro de
atitudes éticas dos profissionais e os fundamentos que utilizam para a
justificação na tomada de decisão frente a problemas éticos. Foi
construída e validada uma escala de avaliação de atitudes éticas dos
profissionais, que foi utilizada no estudo num questionário. Num
segundo momento, foi solicitado aos profissionais de saúde que
listassem problemas éticos a partir da narrativa de três casos
hipotéticos e seguidamente que recomendassem uma solução para
essas situações, justificando a sua proposta. Os resultados apontam
para que as atitudes éticas dos profissionais de saúde não são
influenciáveis quer pela profissão quer pelo género, no entanto à
medida que aumenta a idade e o número de anos de profissão tornamse mais firmes essas atitudes éticas e parecem ser mais firmes nos
profissionais de saúde que trabalham nas sub-regiões de saúde de
Viseu e Aveiro. Os problemas éticos nos cuidados de saúde primários
são, em geral, preocupações do dia-a-dia dos cuidados de saúde,
parecendo comuns frente às situações críticas, dilemáticas, típicas dos
cuidados hospitalares. A subtileza que os cerca pode fazer com que
passem despercebidos, com possíveis consequências desastrosas
para os cuidados prestados aos pacientes, famílias e comunidade local.
Os médicos e enfermeiros, de maneira geral, preocupam-se em
preservar os direitos individuais dos pacientes, mas fazem-no de forma
a proteger as relações vinculares, numa mistura de abordagens
principialista e do cuidado. Os cuidados de saúde primários, quando
comparados com os hospitalares, lidam com factos e valores distintos
e, por vezes, de maior amplitude e complexidade, ainda que de menor
dramaticidade, justificando-se mais investigações que possibilitem
aprofundar esta interface da bioética com os cuidados de saúde
primários.
Ethics and primary healthcare
keywords
ethics, bioethics, primary healthcare, health centres.
abstract
Descriptive, quantitative and qualitative study, in the scope of
descriptive ethics, whilst empyric research, of the non-normative type, in
which 370 health professionals were inquired, 180 doctors and 190
nurses, from health centres of the central region of Portugal. The
objectives were to identify and compare the set of the professionals’
ethical attitudes and the justifications they used to explain their decision
making in face of ethical problems. A scale to assess the professionals’
ethical attitudes was built, validated and used in the study through a
questionnaire. On a second moment, the health professionals were
asked to list ethical problems from the narration of three hypothetical
cases and consecutively recommend a solution for those situations,
justifying their suggestion. The results point out that the professionals’
ethical attitudes are not influenced by the profession or gender.
However, as age and number of years of professional activity increase,
the ethical attitudes become more firm and they seem firmer in health
professionals working in the health regions of Viseu and Aveiro. The
ethical problems in primary healthcare are, in general, daily healthcare
concerns similar to critical, dilemmatic situations, typical of hospital care.
The envolving subtlety may make them go unnoticed with possible
disastrous consequences to the care provided to patients, families and
local community. Doctors and nurses, in general, are concerned with
preserving patients’ individual rights, but they do so protecting the
bonding relationships in a blend of principalist and caring approaches.
Primary healthcare, when compared to hospital care, deals with distinct
facts and values, often of greater amplitude and complexity although
less dramatic, justifying further research to help examine thoroughly this
interface of bioethics with primary healthcare.
abreviaturas e siglas
α – Alpha de Cronbach
aC – Antes de Cristo
ACES – Agrupamento de Centros de Saúde
ARS-C – Administração Regional de Saúde do Centro, IP
CES – Comissão de Ética para a Saúde
CNPD – Comissão Nacional de Protecção de Dados
coord. – Coordenador/es
CS – Centro(s) de Saúde
CSP – Cuidados de Saúde Primários
Dec-Lei – Decreto-Lei
DGS – Direcção-Geral de Saúde
ed. – Edição
EF – Enfermeiro de Família
EUA – Estados Unidos da América
LPD – Lei de Protecção de Dados
MBE – Medicina Baseada na Evidência
MGF – Medicina Geral e Familiar
MF – Médico de Família
OMS – Organização Mundial de Saúde
p. – Página
SA – Sociedade Anónima
S.l. – Sem local
SNS – Serviço Nacional de Saúde
SPA – Sector Público Administrativo
SRS – Sub-Região de Saúde
SSP – Sistema de Saúde Português
UCC – Unidades de Cuidados na Comunidade
USF – Unidade de Saúde Familiar
vol. – Volume
WHO – World Health Organization
índice
Preâmbulo …………………………………………………………………………………
11
Parte I
- Ética e Cuidados de Saúde Primários
- 1. Introdução …………………………………………………….………………………. 15
- 2. Cuidados de Saúde Primários ……………………………………………………… 31
-- 2.1. O Conceito de Cuidados de Saúde Primários …………………………...……. 31
-- 2.2. O Sistema de Saúde Português …………………………………………...….… 37
-- 2.3. Os Profissionais Nucleares dos Cuidados de Saúde Primários …………..… 57
- 3. Ética …………………………………………………………………………………… 71
-- 3.1. Ética Principialista ………………………………………………………………… 73
-- 3.2. Ética das Virtudes ………………………………………………………………… 95
-- 3.3. Ética do Cuidado ………………………………………………………………….. 111
-- 3.4. Ética Casuística …………………………………………………………………… 123
-- 3.5. Ética Profissional ……………………………………………...………………….. 135
Parte II
- Estudo Descritivo efectuado em Centros de Saúde da Administração Regional
de Saúde do Centro
- 1. Introdução ……………………………………………………………………………..
- 2. Objectivos ……………………………………………………………………………..
-- 2.1. Questões de Investigação ………………………………………………………..
-- 2.2. Objectivos Gerais ………………………………………………………………….
-- 2.3. Objectivos Específicos ……………………………………………………………
-- 2.4. Hipóteses …………………………………………………………………………..
- 3. Material e Métodos …………………………………………………………………...
-- 3.1. Metodologia Utilizada ……………………………………………………………..
-- 3.2. Estatística Utilizada ……………………………………...………………………..
-- 3.3. Estudo Quantitativo ……………………………………………………………….
-- 3.4. Estudo Qualitatitvo …………………………………………………………..……
-- 3.5. Recolha de Dados …………………………………………………...……………
- 4. Resultados …………………………………………………………………………….
-- 4.1. Caracterização Geral da Amostra ……………………………………………….
-- 4.2. Resposta às Questões em Investigação e Testes de Hipóteses …………….
-- 4.3. Respostas do Estudo Qualitativo ………………………………………………..
- 5. Discussão ……………………………………………………………………………..
- 6. Conclusões ……………………………………………………………………………
Parte III
- A. Referências Bibliográficas …………………………………………………………..
Anexos
- 1. Variáveis a Estudar …………………………………………………………………..
- 2. Questionário da Investigação ……………………………………………………….
- 3. Parecer da Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São
João, do Porto …………………………………………………………………………..
- 4. Autorização do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do
Centro …………………………………………………………………………………....
- 5. Carta aos Directores de Centros de Saúde ………………………………...……..
- 6. Termo de Responsabilidade do Investigador ……………………………………..
- 7. Análise da Deliberação nº 227/2007 da Comissão Nacional de Protecção de
Dados ……………………………………………………………………………………
- 8. Lista de estudos consultados que serviram de base à construção da escala
…………………………………………………………………………………………….
- 9. Grelha de categorias fundamentada sobre os conteúdos das respostas dos
inquiridos ………………………………………………………………………….……..
145
163
163
164
164
166
169
169
169
171
185
191
197
197
199
210
219
269
277
297
303
317
319
321
323
325
329
371
índice de quadros
Parte I
- Quadro I: Perguntas a serem respondidas durante a análise de cada caso …..… 133
Parte II
- Quadro I: Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os
pacientes e suas famílias ………………………………………………………….…..
- Quadro II: Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares ……...
- Quadro III: Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema
de saúde …..………………………………………………………………………….....
- Quadro IV: Centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número
de aleatorizados ………………………………………………………………………..
- Quadro V: Médicos de família dos centros de saúde por sub-região de saúde,
número total e número pelos CS aleatorizados …………………………………….
- Quadro VI: Enfermeiros dos centros de saúde por sub-região de saúde, número
total e número pelos CS aleatorizados …………………………………...………….
- Quadro VII: Distribuição dos itens da versão inicial da escala ………………….…
- Quadro VIII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da
escala na sua versão inicial ……………………………………………………..…….
- Quadro IX: Distribuição dos itens da segunda versão da escala ……………...…..
- Quadro X: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da
escala na sua segunda versão …………………………………………………..……
- Quadro XI: Escala na sua versão final ……………………………………….……….
- Quadro XII: Estrutura factorial da escala na sua versão final …………………..….
- Quadro XIII: Elementos componentes das categorias ………………………………
- Quadro XIV: Índices das categorias ……………………………….………………….
- Quadro XV: Formulação dos problemas éticos ……………………...………………
- Quadro XVI: Distribuição dos elementos da amostra de acordo com as
características sócio-profissionais ………………………………………………...….
- Quadro XVII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna
da escala no estudo final ……………………………………………………………...
- Quadro XVIII: Teste de normalidade da escala ……………………………………...
- Quadro XIX: Estatística descritiva relativa às atitudes dos profissionais de saúde
face aos problemas éticos …………………………………………………………….
- Quadro XX: Análise item a item ……………………………………..........................
- Quadro XXI: Atitudes éticas dos inquiridos segundo a profissão .........................
- Quadro XXII: Atitudes éticas dos inquiridos segundo o sexo ……………………..
- Quadro XXIII: Atitudes éticas dos inquiridos em função do grupo etário …….….
- Quadro XXIV: Atitudes éticas dos inquiridos em função do número de anos de
profissão ……………………………………………………………………..………….
- Quadro XXV: Atitudes éticas dos inquiridos em função da sub-região de saúde a
que pertencem ……………………………………………………………...…………..
- Quadro XXVI: Atitudes éticas dos inquiridos em função da área demográfica em
que trabalham …………………………………………………………………….…….
- Quadro XXVII: Distribuição dos elementos da amostra qualitativa de acordo com
características sócio-profissionais ……………………………………….…………...
- Quadro XXVIII: Categorias das respostas aos casos apresentados ………………
- Quadro XXIX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o
género ……………………………………………………………………………………
- Quadro XXX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a
profissão …………………………………………………………………………………...
- Quadro XXXI: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a
área …………………………………………………………………………………………
- Quadro XXXII: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o
grupo etário …………………………………………………………………..……………
161
161
162
172
173
173
176
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180
182
183
183
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190
190
198
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201
201
203
204
205
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216
PREÂMBULO
11
PREÂMBULO
O profissional de saúde deve decidir, momento a momento, sobre aspectos que
vão influenciar, por vezes decisivamente, a vida de outras pessoas que os procuram em
busca de ajuda. Da adequação de sucessivas decisões, que se pretende encadeadas
num todo lógico e coerente, resulta a eficiência de uma prática que tem vindo a ser
pacientemente aperfeiçoada ao longo de séculos (Sá, 2002).
Assim, o presente estudo pretende ser uma aproximação inicial às questões
éticas no âmbito dos cuidados de saúde primários em Portugal, procurando identificar,
junto dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), os problemas éticos que eles
enfrentam e os fundamentos de que lançam mão para os solucionar. Pelo que se espera
poder contribuir para um processo de tomada de decisão mais adequado à realidade dos
cuidados de saúde primários e potencializar a resolução dos problemas éticos neles
emersos.
A presente tese encontra-se dividida em três partes. Na primeira é apresentado o
conceito de cuidados de saúde primários, o sistema de saúde português e, ainda, os
profissionais nucleares destes cuidados. A que se segue uma apresentação/síntese de
quatro das principais correntes éticas, as quais são consideradas essenciais para os
cuidados de saúde primários, sendo abordadas à luz das obras iniciais de cada um dos
seus proponentes.
Na segunda parte é apresentado o estudo empírico de ética descritiva, efectuado
numa amostra de médicos e enfermeiros dos centros de saúde da Administração
Regional de Saúde do Centro.
Na terceira e última parte são apresentadas as referências bibliográficas de toda a
tese e os documentos anexos.
Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências da Saúde
2010
JOSÉ AUGUSTO
RODRIGUES SIMÕES
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS.
PARTE I
INTRODUÇÃO
15
1. INTRODUÇÃO
A sociedade em geral, e os diferentes grupos sociais em particular, desenvolveram, ao
longo da história da humanidade, diferentes enquadramentos, a fim de permitir a
convivência inter-pessoal. Entre eles destaca-se a ética. A palavra “ética”, do grego
“éthos”, refere-se aos costumes, à conduta de vida e às regras de comportamento.
Circunscreve-se ao agir humano, aos comportamentos quotidianos e às opções de vida.
Etimologicamente, significa o mesmo que moral (do latim “mos, moris”), sendo comum o
emprego destas palavras como sinónimos (Cabral, 2003).
Segundo Roque Cabral (2003), a filosofia moral, ou ética, elucida e justifica
racionalmente a realidade moral sob os seus diversos aspectos.
A ética, enquanto estudo do bem e do mal na ordem do agir, do “a-fazer”, do “fazerrealizar”, da praxis no sentido clássico, enuncia normas de agir e não se limita a verificar
padrões fácticos de comportamento. É por isso eminentemente “prática”, pois tem por
objecto de estudo um “operável”, o “a-fazer”. (Cabral, 2003).
Pode-se então entender a ética ou moral como “um conjunto de normas de conduta, quer
em geral, quer aquelas que são reconhecidas por determinado grupo humano ou
propostas por determinado autor, corrente ou religião” (Cabral, 2003). Neste sentido, são
distintas as possíveis aplicações:
• O conjunto mais ou menos organizado e coerente de valores, de regras e de
direcções de vida de cada um: “a minha moral pessoal”;
• O sistema ou a síntese elaborada pelos diferentes autores: a ética de
Aristóteles, de Kant, de Descartes, etc.
• As exigências, os valores, os princípios que servem de base e justificativa para
o comportamento de um grupo ou de uma sociedade: ética cristã, ética grega,
moral católica, moral marxista, etc.
A ética, enquanto prática moral, é a experiência concreta do quotidiano, quando ocorre a
realização de valores, o esforço pessoal para aplicar os princípios e observar as normas.
É de salientar que seguindo a sugestão dada pelo estudo etimológico, dos termos “ética”
e “moral”, que aponta para que lhes seja atribuido o mesmo sentido, há autores que os
utilizam indistintamente, tal como o faz, por vezes, Roque Cabral (2003) havendo outros
que recorrem aos dois termos para significar conceitos diferentes. Por exemplo Paul
16
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Ricoeur (1996), no texto a que chama “ma petite éthique”, constatando que
etimologicamente os dois termos são sinónimos, decide por convenção utilizar o termo
“ética” para se referir à procura da “vida boa”, com e pelos outros em instituições justas; e
“moral” para se referir ao conjunto de normas que regem em concreto o agir que pretende
atingir essa “vida boa”. Posteriormente, num texto de 2000, o mesmo autor reconhecendo
que os especialistas não se entendem sobre o sentido a dar a cada um dos termos, mas
que concordam “na necessidade de dispor de dois termos”, propõe utilizar “o conceito de
moral para o termo fixo de referência e de lhe atribuir uma dupla função, a de designar,
por um lado, a região das normas, dito de outro modo, dos princípios do permitido e do
proibido, por outro lado, o sentimento de obrigação enquanto face subjectiva da relação
de um sujeito a essas normas”. Com o termo “ética”, Paul Ricoeur (2000) aponta em duas
direcções. “A ética anterior referindo para o enraizamento das normas na vida e no
desejo, a ética posterior visando inserir as normas nas situações concretas”. À ética
anterior chama-lhe “ética fundamental” e à posterior “ética aplicada”.
Neste sentido, também não se pode esquecer que a tradição confere às palavras uma
história específica que lhes agrega um sentido próprio. Assim, é pertinente ponderar que,
no Ocidente, a primazia cultural judaico-cristã faz com que a palavra “moral” apareça
quase sempre intimamente ligada à religião e às morais que de facto servem de regra de
conduta, admitida e mais ou menos respeitada, para grande parte da população; são as
morais religiosas. Quanto mais exigentes são as religiões, mais morais se apresentam,
mais clara aparece a incompatibilidade entre a culpa moral e a adesão a Deus, mais o
dever aparece como fidelidade a Deus e a perfeição humana como união a Ele (Cabral,
2003). Dentro deste contexto, o realce para a palavra ética, ocorre na intenção de
destacar uma conotação de moral não religiosa, secular. Daí a preferência, nesta tese,
pelo uso de “ética” em vez de “moral”, mesmo reconhecendo-se que os dois termos são
considerados sinónimos devido à sua etimologia.
Para muitos autores a ética da saúde ocupa um lugar de destaque no conjunto das
reflexões éticas, pois poucas questões têm um interesse tão fundamental como o
estabelecimento de uma efectiva relação clínica entre o profissional de saúde e o
paciente. Rui Nunes (1998) considera que esta deve pautar-se por critérios éticos bem
definidos à luz da tradição profissional e das disposições internacionais que consagram a
doutrina da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais. Acrescenta o
autor que ao direito compete balizar comportamentos considerados por todas as
correntes do pensamento como eticamente inaceitáveis. Numa perspectiva estritamente
INTRODUÇÃO
17
deontológica, cabe às Ordens, bem como às associações representativas de outros
grupos profissionais o estabelecimento de linhas directrizes, e face à competência que
lhes foi delegada pelo Estado, elas têm o dever de pugnar para que essas directrizes
sejam cumpridas na sua íntegra (Nunes(a), 1998).
Na busca de uma abordagem secular, pluralista, interdisciplinar, prospectiva, global e
sistemática para os temas de ética, de acordo com a afirmação e a construção dos
direitos humanos que marcam o mundo moderno desde os anos 70 do século XX, tem-se
estabelecido na área da saúde, nas últimas décadas, a Bioética. Ao não aceitar uma
única ortodoxia cultural, política ou religiosa, a comunidade humana teve que procurar um
novo rumo, uma nova orientação, que permitisse a convivência pacífica dos elementos
que a constituem (Engelhard, 2004; Gracia, 2008).
O termo “bioética” significa literalmente ética da vida, uma ética aplicada à vida. A palavra
de origem grega “bios” significa “vida”, a vida em si mesma, o “existente vivo”, sendo o
termo originariamente aplicado à vida humana e não à vida animal. Entretanto, a palavra
“bios” veio a generalizar-se e a significar a vida como fenómeno, ou seja, o biológico tal
como hoje é entendido, englobando todos os seres vivos, e o desenvolvimento observado
nas ciências da vida, como a ecologia, a biologia e a medicina, dentre outras. “Ethos”
significa “ética”, refere-se, pois, ao comportamento ou conduta do homem, aos valores
implicados nos costumes (Neves(a), 2002).
Este neologismo foi cunhado pelo oncologista Van Ressenlaer Potter no artigo “Bioethics,
the science of survival” (Potter, 1970) e posteriormente no livro “Bioethics: bridge to the
future”, publicado em 1971, com o objectivo de, ao juntar num só campo os
conhecimentos da biologia e da ética, ajudar a humanidade a seguir na direcção da
participação racional, mas cautelosa, no processo da evolução biológica e cultural:
“The purpose of this book is to contribute to the future of the human species by promoting
the formation of a new discipline, the discipline of Bioethics. If there are ‘the cultures’ that
seem unable to speak to each other – science and the humanities – and if this is part of
the reason that the future seems in doubt, then possibly, we might build a ‘bridge to the
future’ by building the discipline of Bioethics as a bridge between the two cultures.”
(Potter, 1971).
18
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Desta forma, a Bioética abraça este processo de confronto entre os factos biológicos e os
valores humanos na tomada de decisões envolvendo os problemas práticos em
diferentes áreas da vida, como nos cuidados de saúde:
A existência de um consenso transcultural implica que a ciência concorra sempre para
melhorar as condições de existência da humanidade respeitando a identidade do sujeito
e da espécie a que pertence. Esta linha de pensamento está na base da edificação
daquilo que hoje conhecemos e valorizamos por direitos humanos fundamentais. Estes
mais não são do que o reconhecimento expresso de um marco axiológico fundamental
que é o valor intrínseco, inquestionável, da pessoa humana. (Nunes(a), 2002).
Na introdução à segunda edição da Enciclopédia de Bioética (Reich, 1995) o termo
Bioética encontra-se definido como:
“O estudo sistemático das dimensões morais, incluindo a visão, a decisão, a conduta e as
normas, das ciências da vida e dos cuidados de saúde, utilizando uma variedade de
metodologias éticas num contexto interdisciplinar.”
Partindo desta definição, é possível depreender que há diferentes metodologias na
análise das formas de sistematizar e tratar a reflexão teórica em Bioética. A estreita
articulação entre a teoria e a prática, como um dos elementos identificadores das “éticas
aplicadas”, é manifesta desde o aparecimento da Bioética que, suscitada pela
complexidade de problemas de ordem prática, procurou de imediato suporte teórico para
uma melhor apreciação e deliberação (Neves(b), 2002). Entre as primeiras iniciativas de
teorização da Bioética destacam-se: a do libertarianismo que tem nos direitos humanos a
justificativa para o valor central da autonomia do indivíduo sobre o seu próprio corpo e as
decisões relativas à sua vida; a das virtudes que coloca a tónica na boa formação do
carácter e da personalidade das pessoas ou dos profissionais; a da casuística que
incentiva a análise de casos a fim de elaborar características paradigmáticas para
analogias em situações semelhantes; a narrativa que entende a intimidade e a identidade
experimentadas pelas pessoas ao contarem ou seguirem histórias como um instrumental
facilitador da análise ética; a do cuidar que defende a importância das relações
interpessoais e da solicitude; e a do principialismo baseado nos princípios, do respeito
pela autonomia, da não maleficência, da beneficência e da justiça.
Este último modelo de análise, também conhecido como ética principialista fundada num
conjunto estruturado de princípios de ética biomédica, é o modelo mais difundido. Sem
INTRODUÇÃO
19
conhecê-lo, é quase impossível compreender a história recente da Bioética, pois os
demais modelos teóricos, na sua maioria, construíram-se a partir de um diálogo com
este, seja corroborando-o ou contradizendo-o. Os quatro princípios sistematizados por
Tom Beauchamp e James Childress têm-se revelado verdadeiramente incontornáveis na
reflexão bioética o que decorre, em grande parte, de encontrarem a sua justificação na
“moral comum” (Beauchamp, 2001).
O principialismo mostra-se atractivo para a prática biomédica por propiciar uma
linguagem simples, objectiva e que possibilita a verbalização de percepções e
sentimentos éticos, permitindo uma abordagem pragmática, dado que se torna mais
simples alcançar um consenso sobre princípios gerais a adoptar do que sobre os valores
que possam fundamentar esses princípios. A estruturação do principialismo constituiu
uma resposta à necessidade, que se vinha sentindo de uma forma cada vez mais
premente, de um suporte teórico que fundamentasse, justificasse, validasse e
credibilizasse as acções a desenvolver pela biomedicina (Nunes(a), 2002).
Por fim, destaca-se também a importância dos diferentes perfis das instituições sociais,
principalmente as que se dedicam à prestação de cuidados de saúde, no moldar da
Bioética. Aqui, mais uma vez, sobressai o sentido do particular, a atenção ao individual
da perspectiva norte-americana que se repercute num menor investimento de âmbito
social comparativamente à generalidade dos países europeus (Neves, 2005).
Em todas estas situações é condição fundamental o equilíbrio da ética e da sua reflexão,
através de orientações gerais que não alterem a criatividade ou a liberdade científica e
clínica do médico e do investigador, mas que permitam uma uniformidade de actuação
diária em todas as circunstâncias em que a sua intervenção naqueles campos se tenha
que realizar (Silva, 1994).
Para se compreender melhor este assunto, torna-se necessário reexaminar alguns
aspectos que acompanharam a origem e a evolução deste campo da ética aplicada.
Como mencionado previamente, o termo bioética foi proposto pelo oncologista norteamericano Van Rensselaer Potter, professor da Universidade de Wisconsin (EUA), no
seu artigo “Bioethics, the science of survival” publicado em Dezembro de 1970, que
reproduz uma palestra proferida anteriormente na Universidade de Dakota do Sul, em
que, após 22 anos de investigação oncológica, pensa que a ocasião chama para algo
mais filosófico e decide falar de algo que tinha em mente e nunca havia exprimido
20
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
publicamente. Questiona o progresso, para onde o avanço materialista da ciência e da
tecnologia estava a levar a cultura ocidental, o tipo de futuro que se estava a construir e
sugere a busca de alternativas. Em Janeiro de 1971 publica o livro “Bioethics: bridge to
the future”, que se torna conhecido do público em geral, através de reportagem publicada
pela Revista “Time” a 19 de Abril de 1971. Entretanto, em Julho de 1971 Andre Hellegers,
ginecologista, também norte-amiericano, de ascendência holandesa, da Universidade de
Georgetown, usa o termo “Bioethics”, num contexto institucional para designar uma área
de investigação ou campo de estudo, ao fundar o “The Joseph and Rose Kennedy
Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics” (Reich, 1995).
Curiosamente, eles reportam-se a realidades algo distintas, recorrendo ao mesmo
neologismo, no entanto têm uma designação comum: a necessidade de um plano
interdisciplinar de reflexão no âmbito das ciências da vida e da saúde, em que a
perspectiva ética ocupe uma posição destacada e indispensável (Neves, 2001).
Andre Hellegers, a partir do seu trabalho no Kennedy Institute of Ethics, é um dos que
imprime à bioética o seu significado mais corrente, ao aplicá-la à ética da medicina e das
ciências biomédicas. Assim, quer no espaço anglo-americano, quer no europeu
continental, a emergência da bioética procede essencialmente da clara percepção dos
perigos que o desenvolvimento precipitado da ciência encerra para o Homem na sua
integridade física e na sua identidade pessoal (Sgreccia, 2009).
Também é importante salientar que nas décadas de 60 e 70, do século XX, a biomedicina
experimenta um grande avanço tecnológico com: o advento da diálise em 1962, em
Seattle (EUA) e com o comité que deveria escolher quem poderia ter acesso ao novo
recurso terapêutico; a transplantação de órgãos; a alteração do conceito de morte; o
advento do diagnóstico pré-natal de algumas patologias aliado à possibilidade de
abortamento em condições clinicamente seguras; a pílula contraceptiva e os primeiros
passos da procriação medicamente assistida, tornando possível dissociar o que parecia
indissolúvel; a expansão do uso das unidades de cuidados intensivos e dos ventiladores
e o alvorecer da engenharia genética. Ao lado deste desenvolvimento biotecnológico
surgem as denúncias feitas por Henry Beecher em artigo publicado no “New England
Journal of Medicine”, em 1966, de 22 investigações eticamente incorrectas realizadas
com seres humanos, mesmo após o advento do Código de Nurenberga, em 1947, e da
Declaração de Helsínquia, em 1964 (Beecher, 2007). Estes factos, além de
escandalizarem a opinião pública, questionaram a medicina e a sua ética milenar.
INTRODUÇÃO
21
Atendendo a este contexto, delineado pela preocupação inicial de Van Potter ao inventar
o neologismo bioética e pelo uso atribuído à palavra por Andre Hellegers, alguns autores
destacam as seguintes motivações para explicar a génese e o desenvolvimento da
bioética: os avanços no campo da biologia molecular; na ecologia, a crescente
preocupação com o futuro da vida no planeta; e a transformação ocorrida na prática dos
cuidados de saúde com a incorporação das conquistas propiciadas pelo desenvolvimento
científico-tecnológico da biomedicina (Hottois, 1998, 2003; Leone, 2004).
A bioética surge, portanto, nos Estados Unidos na década de 70, do século passado,
centrou-se nas inéditas questões éticas suscitadas pelo progresso das biotecnologias de
ponta e nas respostas possíveis atendendo ao respeito pela autonomia de todos e de
cada um dos intervenientes, assumindo-se inequivocamente como uma ética biomédica.
(Hottois, 1998, 2003; Leone, 2004).
Esta ética biomédica, modelada pela sua génese científico-tecnológica, progrediu com
uma atenção particular aos problemas de relação entre investigadores e sujeitos de
experimentação no âmbito da investigação biomédica, e profissionais de saúde e
pacientes no âmbito dos cuidados de saúde. Modelada pela sua génese sócio-política, a
Bioética progrediu numa promoção constante das relações simétricas entre pessoas,
garantidas pelo respeito pela autonomia de cada uma, e no reforço da sua respectiva
esfera individual (Hottois, 1998, 2003).
Na passagem da década de 70 para a de 80, a Bioética surge na Europa continental,
desencadeada pontualmente pelo nascimento em 1978, no Reino Unido, de Louise
Brown, a primeira bebé gerada por fertilização “in vitro”. Deste modo, a Bioética Europeia,
também ela desencadeada por uma inovação biotecnológica, à semelhança da angloamericana, começa a ampliar o seu foco de visão situando-o na relação do homem com a
técnica, e com uma índole mais fortemente especulativa, numa reflexão sobre a natureza
humana, a essência da técnica e seu relacionamento, ultrapassando assim as
particularidades do caso concreto (Neves, 2005).
A discrepância entre a Bioética anglo-americana e a europeia continental repercute-se de
forma significativa em diferentes planos, o que remete para as condicionantes do seu
desenvolvimento, entre as quais se destacam as “tendências filosóficas” predominantes
em cada um dos contextos, os respectivos “regimes jurídicos” e as “instituições sociais”
estruturantes da vida comunitária (Neves, 2005).
22
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
O caso paradigmático para análise desta questão é certamente o dos Sistemas Nacionais
de Saúde e a política de alocação de recursos. Assim, a existência versus a ausência de
sistema nacional de saúde que universalize a prestação de cuidados de saúde primários
à comunidade é perspectivada sob o ângulo das diferentes concepções de justiça que
dominam cada sociedade. Na Europa, a noção de justiça mais amplamente partilhada é a
“comunitarista”, considerando que é cada comunidade, em diferentes momentos da sua
história e circunstâncias de vida colectiva, que tem de explicitar a sua percepção comum
de “bem”. Neste contexto, a Europa, e alguns estados americanos, o Oregon por
exemplo, têm desenvolvido uma forte preocupação social, frequentemente de cunho
“igualitarista” ao estabelecer um pacote mínimo de bens elementares e de serviços
básicos a disponibilizar a toda a população. Este sentido de justiça protagoniza diferentes
valores que caracterizam a bioética europeia, sendo eles: o da solidariedade e o da
responsabilidade, que enunciam novos princípios; o da vulnerabilidade e o da
integridade, numa ampla concepção holística da saúde como bem-estar, o que lança a
bioética no campo social, através da sua actuação no âmbito da saúde pública. Existiu ao
longo dos últimos anos uma tentativa importante de promover uma bioética de cariz
europeu, nomeadamente através de um projecto patrocinado pela União Europeia e que
congregou os seus mais reputados especialistas em bioética (Rendtorff, 2002). Este
projecto conseguiu assim identificar alguns valores partilhados a nível transeuropeu
tratando-se de uma importante iniciativa neste domínio (Nunes(a), 1997).
Na década de 90 dá-se a difusão da bioética nos países da América Latina e da Ásia,
onde convivem ilhas de excelência tecnológica em saúde com a extrema pobreza da
maioria das populações, o que torna imperativa a inclusão dos problemas sócio-culturais
na agenda das discussões, com temas como: a universalização dos cuidados de saúde,
atendendo aos desequilíbrios sociais; a acessibilidade aos mesmos, sobretudo a partir de
comunidades rurais distantes dos grandes centros; a alocação de cuidados considerados
elementares, primários, por países frequentemente pobres; os meios adequados de
promoção da saúde e de prevenção da doença em ambientes humanos, regra geral,
pouco instruídos; a discriminação nos cuidados a prestar a pessoas de diferentes etnias,
de diferentes sexos, de diferentes castas, especialmente em regiões onde os costumes
são milenares; a atenção a prestar a tradições médico-culturais particulares em que as
medicinas alternativas sempre desempenharam um papel importante e/ou diferentes
crenças religiosas que influenciam comportamentos; as estruturas familiares tradicionais
e o seu relacionamento com os progressos da biomedicina, etc.. Neste sentido deve-se
salientar a proposta de criação de uma verdadeira bioética Luso-Brasileira tendo em
INTRODUÇÃO
23
atenção a matriz cultural existente nos países de expressão oficial portuguesa e os
valores partilhados pela comunidade lusófona. Questões tal como os limites à autonomia
pessoal, o papel da família na prestação de cuidados, a protecção de minorias culturais
ou uma diferente perspectiva da justiça distributiva são instrumentais para criar uma
alternativa à corrente predominante no mundo anglo-saxónico (Nunes(a), 2007).
No ano de 1996, no decorrer do III Congresso Mundial de Bioética, em São Francisco
(EUA), como lembra Daniel Wikler (1997), inicia-se o que ele chamou de bioética da
saúde da população, que envolve não só os profissionais da saúde mas toda a sociedade
e que transcende a relação médico-paciente e apoia-se nos direitos humanos e nas
ciências biológicas, sociais, humanas e de gestão. Conferindo, assim, um maior destaque
às questões da equidade e da alocação de recursos para a saúde.
Caracteriza esta nova fase da bioética:
• A perda do lugar central que vinha sendo ocupado pela medicina de alta
tecnologia nas preocupações bioéticas, desviando-se a atenção das questões
relativas ao avanço biotecnológico, na direcção dos múltiplos determinantes da
saúde, entre os quais figura o acesso aos serviços de saúde e à tecnologia
neles incorporada;
• A ênfase é igualmente colocada na saúde e nos cuidados da saúde, com a
preocupação voltada não apenas para quem tem acesso a determinados
cuidados de saúde, mas também para quem está e quem não está doente e o
quanto equitativa é tal relação;
• A preocupação com as questões demográficas;
• A prioridade aos excluídos nos países em desenvolvimento;
• A necessidade de novas abordagens e apropriação de conceitos e teorias de
outros campos do conhecimento humano.
Para cumprir a responsabilidade social da bioética é preciso considerar a saúde da
população. Para tal é necessária formação contínua, aquisição de conhecimentos em
áreas não familiares de saúde pública, saúde mundial, análises de custo-benefício em
saúde, entre outras. As questões da bioética nesta fase, para além das questões
relacionadas com a saúde, tocam assuntos fundamentais da economia, história e política,
entre outros (Wikler, 1997).
24
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
A partir desta trajectória histórica é possível compreender porque tem a bioética, no
contexto internacional, deixado de lado não somente as questões relativas à saúde
pública e comunitária, mas também porque se tem dedicado muito mais à reflexão e
discussão dos problemas de ordem ética enfrentados pelos profissionais da saúde que
trabalham nos hospitais e noutros serviços de saúde que incorporem alta tecnologia,
relegando para segundo plano a vertente dos cuidados de saúde primários e dos centros
de saúde, responsáveis por acções e por procedimentos tidos de baixa complexidade
ética (Fortes, 2002).
A sofisticação tecnológica alcançada nos hospitais e serviços especializados, nas últimas
décadas, tem sido uma das motivações mais evidentes do desenvolvimento da bioética e
isto explica porque as publicações e os procedimentos de tomada de decisão difundidos
durante este período se centram, fundamentalmente, nos casos de situação limite
(Zoboli, 2004).
Este privilégio dado aos cuidados altamente especializados em detrimento dos cuidados
de saúde primários tem sido tida em conta por alguns autores, levando-os a classificar o
actual entendimento da bioética de incompleto:
“The current understanding of bioethics is (....) incomplete as it largely ignores the health
encounters of the primary care and non medical healthcare settings. Rather, the vast
preponderance of philosophical inquiry and empirical ethical research focuses on
dilemmas arising in hospitals and tertiary care institutions.” (Fetters, 1999).
E, ao analisar-se as considerações de Diego Gracia (2002) que apresenta a bioética
como uma disciplina que tem por objecto o estudo dos valores e a sua inclusão no
processo de tomada de decisão, o que lhe imprime um carácter eminentemente prático e
operativo, com um olhar voltado para os factos, concorda-se então com a ideia de uma
perspectiva incompleta, defendida no parágrafo anterior.
Se o processo de tomada de decisão deve ter em conta os factos, ou seja, os dados da
situação descrita de modo o mais completo possível, procurando analisar os valores que
os acompanham e integrá-los no processo de decisão, a fim de aumentar a sua
qualidade e propiciar decisões, não apenas tecnicamente correctas, mas eticamente
adequadas, a bioética, ao centrar-se nos casos de situação limite nos cuidados de saúde,
esquece que esses mesmos cuidados de saúde não se configuram como um conjunto
homogéneo de serviços e acções. Parece, então, que uma parte dos factos não é
INTRODUÇÃO
25
considerada no contexto que rodeia o processo de tomada de decisão. Esta perspectiva
incompleta aumenta ainda mais se se considerar que a saúde, tem sido muitas vezes
equiparada, em bioética, ao acesso a serviços de saúde, não se levando em conta a
questão das condicionantes sociais do processo saúde-doença. Porém, alguns autores,
tal como Rui Nunes ((b), 2002) ou Guilhermina Rego ((a), 2002) defendem desde há alguns
anos uma perspectiva integrada da ética em cuidados de saúde onde a dimensão social
e comunitária assume particular relevo. A este propósito convém recordar as palavras de
Rui Nunes a propósito da doença e do fenómeno de adoecer: “Se na perspectiva da
medicina, o conceito de doença se refere, essencialmente, à categorização de grupos de
sintomas em entidades clínicas conhecidas e tipificadas, conduzindo a quadros mais ou
menos reproduzíveis de doenças, para a pessoa doente vão ser determinantes outros
factores. A título de exemplo, um episódio doloroso transforma-se culturalmente numa
realidade médica. Assim, o modo de adaptação da pessoa à nova situação de estar
doente vai ser decisivo na auto-percepção pessoal, na recuperação funcional e na
consequente integração social e familiar. Diferentes variáveis concorrem para que o grau
de perturbação não seja extrapolável a partir de dados objectivos, ainda que
sistematizados segundo critérios aceites e estabelecidos” (Nunes, 1999).
De acordo com Brody (1989), Fetters (1999), Braunack-Mayer (2001) e Zoboli (2004),
alguns aspectos indiciam que os problemas éticos vividos nos cuidados de saúde
primários podem diferir dos identificados nos demais níveis dos serviços de saúde.
Assim:
• Os problemas de saúde encontrados nos diversos serviços de saúde diferem
segundo o nível das acções e os procedimentos oferecidos;
• Os sujeitos éticos, isto é, os pacientes, os familiares e os profissionais de saúde
também são diferentes. Os pacientes de um serviço de saúde hospitalar, pela
sua condição de internados, ou pela sua maior vulnerabilidade, têm a sua
autonomia mais comprometida do que os não hospitalizados. Habitualmente os
profissionais de saúde, nos cuidados de saúde primários, visam objectivos de
mais longo prazo, como a transformação de perfis epidemiológicos da
comunidade a partir de cuidados integrais e não só o tratamento de um
problema pontual;
• O cenário em cada tipo de serviço de saúde é diferente, e isto é importante na
medida em que os problemas de ordem ética emergem do contexto no qual se
inserem. Nos centros de saúde, os encontros entre os profissionais de saúde e
26
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
os pacientes são mais frequentes e em situações de menor urgência. Assim, a
emergência, o imediatismo e o drama das situações ocorridas, por exemplo, nos
serviços de emergência ou nas unidades de cuidados intensivos, fazem com
que os problemas éticos sejam, frequentemente, mais evidentes, tempestuosos
e dilemáticos, enquanto que nos centros de saúde se apresentam, tipicamente,
de uma maneira mais subtil, passando até, muitas vezes, despercebidos;
• As soluções encontradas para problemas éticos similares podem diferir nos
diversos serviços de cuidados de saúde, pois ainda que se observe a mesma
estrutura de raciocínio ético, os sujeitos éticos e o contexto são distintos, ou
seja, os inputs do processo de decisão são distintos.
Com efeito, nas investigações desenvolvidas para identificar os problemas de ordem
ética vivenciados nos cuidados de saúde primários, algumas apontam para diferenças em
relação aos demais níveis dos cuidados de saúde. No entanto, cabem aqui algumas
considerações em relação a essas investigações. Frequentemente, utilizam padrões
ideais desenvolvidos a partir do exame de casos no ambiente hospitalar para a
identificação dos problemas éticos, e por vezes, os autores partem das suas próprias
percepções para definir o que constitui uma questão ética relevante. Desta forma, são
necessárias investigações que procurem identificar os problemas éticos nos cuidados de
saúde primários, e especificamente nos centros de saúde (Knabe, 1994; Wagner, 1996;
Fetters, 1999; Zoboli, 2004).
Parece ainda pertinente, considerar que os problemas de ordem ética relacionados com
os cuidados de saúde primários não podem ser analisados sem se considerar o contexto
do sistema de saúde em que se inserem. Isto porque, como assinalam Usategui e
Keenoy (1991), há uma relação de interacção entre a organização dos serviços e o
sistema de saúde. Afirmam os autores que, se por um lado os serviços se estruturam a
partir das características gerais do sistema de saúde, por outro, é o conjunto de
elementos próprios dos serviços de cuidados de saúde e de outros sectores relacionados
em interacção dinâmica que acabam por conformar a estrutura do sistema de saúde.
Em Portugal, a saúde estrutura-se sob a égide do Serviço Nacional de Saúde (SNS)
criado pela Constituição de 1976, que consubstanciando as reivindicações dos
movimentos sociais da época, criou um SNS inspirado no modelo inglês, garantindo o
direito à protecção da saúde a todos os cidadãos e baseando-se na universalidade e na
gratuidade do acesso aos cuidados de saúde. Como sugere Rui Nunes a este propósito
INTRODUÇÃO
27
“a priori, pode perguntar-se qual o enquadramento filosófico-político do direito à
protecção da saúde. A maioria das sociedades reconhece a existência deste direito,
inscrevendo-o no quadro dos direitos positivos (a positive welfare right como refere
Norman Daniels). Pode mesmo tratar-se de uma das mais importantes conquistas das
sociedades plurais e seculares – ou seja, um direito de natureza civilizacional – devendo
considerar-se como uma expressão da dignidade da pessoa humana. Note-se que o Art.
3º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (1997) reconhece a
existência de um direito à saúde, ainda que seja limitado pelas restrições económicas do
sistema. Pelo que é possível deduzir-se que o direito à protecção e à promoção da saúde
é determinante para o exercício de uma efectiva igualdade de oportunidades, numa
sociedade livre e inclusiva” (Nunes(a), 2009).
Actualmente, o SNS encontra-se em fase de reestruturação orgânica pela aplicação do
Decreto-Lei (Dec-Lei) n.º 212/2006, de 27 de Outubro, concretizando uma inovação
importante em relação ao passado, e que assenta na opção de distinguir a gestão dos
recursos dos serviços centrais e regionais do Ministério da Saúde, da gestão dos
recursos internos do SNS. Essa passa a ser feita através de um Instituto Público, a
Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (Portaria n.º 646-2007, de 30 de Maio),
tutelado pelo Ministério da Saúde, que tem por missão assegurar a gestão dos recursos
financeiros e humanos, das instalações e equipamentos, dos sistemas e tecnologias da
informação, do SNS e promover a qualidade organizacional das entidades prestadoras de
cuidados de saúde, bem como proceder à definição e implementação de políticas,
normalização, regulamentação e planeamento em saúde, em articulação com outros
institutos públicos, nas áreas da sua intervenção. As Administrações Regionais de
Saúde, IP (Dec-Lei n.º 222/2007, de 29 de Maio), por sua vez negoceiam, no âmbito do
seu território regional, contratos-programa, com os centros hospitalares e os
agrupamentos de centros de saúde (ACES), actualmente em fase de implementação
(Dec-Lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro), mas ainda não totalmente concretizados,
enquanto
acordos
celebrados
pelos
quais
se
estabelecem,
qualitativa
e
quantitativamente, os objectivos a atingir e os recursos afectados ao seu cumprimento e
se fixam as regras relativas à respectiva execução.
Em 1971 o Estado Português reconhece pela primeira vez, em diploma legal, o direito à
saúde de todos os cidadãos e são criados centros de saúde (CS) em quase todos os
concelhos, na altura essencialmente vocacionados para os cuidados de saúde materna e
infantil, incluindo vacinação, mais tarde alargados ao planeamento familiar. Estes
28
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
cuidados eram essencialmente prestados por pediatras e ginecologistas, alguns médicos
apenas com formação básica e por um grande número de enfermeiras com razoável
formação em saúde pública. Apesar dos bons programas de que dispunham, não
conseguem abranger a totalidade da população-alvo (DEPS. Divisão de Planeamento e
Normalização, 1995). Estes centros funcionam em paralelo com os Serviços MédicoSociais das Caixas de Previdência (Sousa, 2001).
Após o 25 de Abril de 1974 é preconizada a criação de um Serviço Nacional de Saúde
(SNS), o que vem a acontecer em 1979, através da Lei nº 56/79, a primeira Lei de Bases
da Saúde, e é feita a integração da Federação das Caixas de Previdência no Ministério
da Saúde e são nacionalizados os hospitais das misericórdias. Nos anos seguintes é
produzida numerosa legislação destinada a regulamentar o SNS (DEPS, 1995).
A partir da década de 80 do século XX, a maioria da população começa a ter acesso a
cuidados de saúde primários (CSP) com um mínimo de dignidade. Desde então inicia-se
uma evolução sem retorno. As mudanças ocorridas foram múltiplas e traduziram-se na
definição do perfil do médico de família (MF) e do seu papel nos cuidados de saúde em
Portugal (Sousa, 2001)
Em 2008, existiam 6.169 MF em Portugal. A rede de CSP incluía 351 CS dispersos pelo
país, por sua vez divididos em mais de 2.000 extensões de saúde, que cobrem a
totalidade do país. Existem, no entanto, grandes variações, dependentes da população,
regime de trabalho e organização interna dos serviços (Campos, 2008).
Nos países desenvolvidos os cuidados de saúde também estão em fase de grandes
mudanças. O fim do milénio foi um período de conflito e debate sobre serviços de saúde
e seu financiamento (Sousa, 1998). As mudanças estão a ocorrer e envolvem os vários
intervenientes dos cuidados de saúde.
Uma nova atitude dos médicos é exigida pela mudança de mentalidade da população. Os
direitos dos doentes e utentes dos cuidados de saúde tornam-se progressivamente mais
importantes e levantam questões sobre a responsabilidade de médicos, o direito de
escolha, os auto-cuidados, as expectativas e necessidades dos pacientes, o papel de
“gate-keeper”, a educação para a saúde (Sousa, 1998; Sampaio, 1998). Os médicos
devem questionar-se sobre qual deve ser a sua atitude dentro desta nova relação
médico-paciente. Apesar dos numerosos problemas ainda existentes, muitos pacientes já
olham o seu MF como o contacto fundamental quando precisam de ajuda ou conselho
INTRODUÇÃO
29
(Hespanhol, 2005). Por outro lado, os colegas de outras especialidades começam a
aceitar a verdade inquestionável, isto é, a medicina geral e familiar existe, é reconhecida
como especialidade e é a base do sistema de saúde português (Sousa, 2001).
A enfermagem também não é excepção, antes pelo contrário, são-lhe colocados
contextos e desafios que, a curto prazo, irão muito para além dos modelos tradicionais
nos quais têm vindo a funcionar, quer ao nível da formação, quer ao nível dos diferentes
locais de trabalho. Estes modelos têm-se mantido, umas vezes, porque essa realidade é
imposta e, outras, porque têm tido alguma dificuldade em separar-se de um passado
longo e das suas consequências, na sua autoconstrução. Isto tem condicionado a sua
forma de estar e de procurar formas inovadoras de fazer, face aos actuais problemas de
saúde e aos contextos em que se prestam cuidados (Correia, 2001).
A ideia de uma “enfermagem de família” centrada no trabalho com as famílias há muito
que vem a ser teorizada e praticada pelos núcleos inovadores da enfermagem em CSP,
mas recebeu novo impulso na Conferência Europeia de Munique (WHO, 2000).
Entretanto, apesar de todas as reformas em curso e de se reconhecer que a efectivação
de mudanças no SNS implica um processo de mudança de atitudes dos diversos actores
envolvidos, pouco se tem trabalhado no campo da preocupação ética acerca dos papéis
e das responsabilidades de cada um dos grupos profissionais nucleares nos cuidados de
saúde primários (CSP).
Para fazer frente ao desafio de concretização da reforma do SNS, parece evidente a
urgência de se lidar com os problemas de ordem ética vivenciados nos serviços e
sistema de saúde, especialmente nos CSP, que mesmo representando a maioria dos
estabelecimentos de saúde têm sido preteridos no campo das reflexões bioéticas.
Enfrentar este desafio requer que se aborde outra questão, também ainda relativamente
inexplorada na investigação em bioética. Segundo Jörg Richter e Martin Eisemann
(2000), ainda são poucos os estudos que procuram conhecer os critérios e fundamentos
que determinam ou influenciam as decisões dos profissionais de saúde.
Os problemas surgem em âmbitos distintos da vida social, dotados de peculiaridades
próprias. Não se trata, assim, de aplicar princípios gerais a casos concretos, nem tão
pouco de induzir tais princípios a partir das decisões concretas, mas sim de descobrir nos
distintos espaços a peculiar modulação dos princípios. Uma das exigências da ética
30
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
aplicada é entrar em cada um desses espaços e tentar captar-lhes a sua própria lógica e
modulação de princípios éticos que lhes são peculiares, e quem pode fazer isto senão os
peritos em cada campo, em estreita colaboração com quem se ocupa da ética (Cortina,
1997):
“(....) pasaron los tiempos “platónicos”, en los que parecía que el ético descubría unos
principios y después los aplicaba sin matizaciones urbi et orbe. Mas bien hoy enseña la
realidad a ser muy modestos y a buscar junto con los especialistas de cada campo que
principios se perfilan en él y cómo deben aplicarse en los distintos contextos” (Cortina,
1997).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
31
2. CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Neste ponto é pertinente referir que nos cuidados de saúde primários (CSP) os
problemas quotidianos de ordem ética não podem ser analisados sem se considerar o
contexto do sistema de saúde português (SSP).
Os CSP são um elemento chave de um sistema de saúde (Atun, 2004). Estão na primeira
linha, constituindo-se como os cuidados de primeiro contacto ao estarem acessíveis
quando necessários, e acompanhando global e longitudinalmente todo o processo de
saúde/doença de uma vida e não apenas os episódios de doença. Orientam-se para a
promoção da responsabilização e autonomia dos cidadãos nas suas decisões e acções,
e coordenam, quando necessário, as suas interacções com as outras estruturas no
domínio da saúde (Biscaia, 2008).
2.1. O CONCEITO DE CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Na Declaração de Alma-Ata, a Organização Mundial de Saúde (OMS) define cuidados de
saúde primários (CSP) como “cuidados de saúde essenciais baseados em técnicas e
métodos práticos, cientificamente validados e socialmente aceitáveis, universalmente
acessíveis a indivíduos e famílias da comunidade, com a sua plena participação e com
custos que a comunidade e o país possam suportar, em cada fase do seu
desenvolvimento, num espírito de auto-responsabilidade e auto-determinação” (WHO,
1978). Apesar das mudanças entretanto ocorridas, muitos países da região europeia da
OMS ainda têm que evoluir para atingir o nível de CSP que está definido na Declaração
de Alma-Ata (WHO, 1988), no entanto, outros países na mesma região já o superaram.
Para estes últimos os CSP podem ser vistos como “uma estratégia para integrar todos os
diferentes níveis dos serviços de saúde” (Vuori, 1984; Starfield(a), 2001).
Assim, os CSP são apresentados como uma “parte integrante, permanente e central do
sistema nacional de saúde, em todos os países” ou como o “meio pelo qual as duas
metas dos sistemas de serviços de saúde – optimização dos cuidados de saúde e
equidade na distribuição de recursos – se equilibram” (Basch, 1999). Eles fazem a
abordagem dos problemas mais comuns da comunidade, proporcionando cuidados
preventivos, curativos e de reabilitação, tentando maximizar a saúde e o bem-estar.
Integram, também, os cuidados quando existe mais do que um problema de saúde. Além
32
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
disso, possibilitam o tratamento no contexto em que as doenças se manifestam e
influenciam as respostas das pessoas aos seus problemas de saúde. Em suma, os CSP
organizam e racionalizam a utilização dos recursos básicos e especializados dirigidos à
promoção, manutenção e melhoria da saúde, individual e comunitária (Starfield, 1992).
Hannu Vuori (1986) descreve os elementos constitutivos dos cuidados de saúde
primários (CSP) como: 1) um conjunto de actividades; 2) um nível de cuidados; 3) uma
estratégia para organizar os serviços de saúde; 4) uma filosofia que deve implicar todo o
sistema de saúde.
1) Como “um conjunto de actividades”, o que faz eco na Definição de Alma Ata, onde se
pode identificar algumas actividades básicas a serem desenvolvidas nos CSP: a) educar
para a promoção da saúde e prevenção da doença; b) promover uma alimentação e
nutrição saudáveis; c) garantir condições sanitárias básicas à população; d) providenciar
cuidados materno-infantis e programas de planeamento familiar; e) implementar os
programas de vacinação obrigatórios; f) prevenir as doenças endémicas da população; g)
prestar especial atenção às doenças mais frequentes; h) garantir o acesso aos
medicamentos essenciais (Nunes(b), 2002).
2) Como “um nível de cuidados” significa serem os CSP o primeiro ponto de contacto das
pessoas com o sistema de saúde e onde 85 a 90% dos seus problemas de saúde podem
ser resolvidos (Nunes(b), 2002). O Relatório Lord Dawson (1920) distinguiu três grandes
níveis de serviços de saúde no Reino Unido: um nível primário: os centros de saúde; um
nível secundário: os hospitais; e um nível terciário: os hospitais-escola. Neste relatório
descreviam-se as relações entre os três níveis, assim como as funções de cada um,
numa estrutura organizacional orientada para vários graus de necessidades médicas
(Starfield, 1992). Embora esta estrutura ainda prevaleça na maioria dos países, o
conteúdo e a interface entre os cuidados primários e secundários foram-se alterando
(Atun, 2004).
3) Como “uma estratégia de organização dos serviços de saúde” os CSP fazem
referência à noção de que os cuidados devem ser acessíveis a toda a população; devem
responder às suas necessidades; devem funcionar de uma forma integrada, baseados na
participação comunitária; devem manter uma adequada relação custo/benefício; e devem
possibilitar uma colaboração intersectorial (Starfield, 2008).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
33
4) Finalmente, os cuidados de saúde primários (CSP) como “uma filosofia” têm
subjacente a prestação equitativa de cuidados de saúde como um direito fundamental
dos cidadãos, independente de qualquer outro factor (Atun, 2004) que a maioria das
sociedades reconhece, inscrevendo-o no quadro dos direitos positivos (Nunes(a), 2009).
Em muitos sistemas de saúde, particularmente no contexto dos países em
desenvolvimento ou em transição, os CSP são definidos como o conjunto das
intervenções sanitárias essenciais consagradas na Declaração de Alma-Ata (WHO,
1978). Isto tem levado a que se olhe os CSP como programas verticais para valências de
saúde selectivas (Walsh, 1979) ou então como um pacote de serviços essenciais
utilizados em parte como ferramenta de financiamento, mas também para combater as
doenças, predominantemente as doenças transmissíveis, a mortalidade materna e
perinatal (World Bank, 1993). Esta abordagem por valências selectivas dos CSP tem sido
amplamente criticada: por falta de uma base científica (Unger, 1986); como uma
reinvenção da tradicional orientação técnica para programas verticais (Gish, 1982); por se
basear em juízos de valor (Eddy, 1991); por ter um impacto negativo no processo de
desenvolvimento da saúde (Rifkin, 1986); e até mesmo por ser contraproducente (Sen,
1998). Outros têm ainda questionado a validade do custo/benefício da tecnologia como
base para justificar a abordagem por valências selectivas dos CSP (Berman, 1982).
Uma alternativa aos CSP por valências selectivas são os CSP globais, que prevalecem
em muitos países desenvolvidos, abrangendo um amplo leque de serviços, e englobando
acções de educação para a saúde, de promoção da saúde, de prevenção, de cuidados
curativos, de reabilitação e de fim de vida. Alguns argumentam que os CSP globais
também devem ser acessíveis e concretizáveis nos países em vias de desenvolvimento
(Segall, 1987).
Na Europa, o conjunto de actividades a serem descentralizadas para os CSP está em
rápido desenvolvimento. Muitas das consultas de ambulatório especializado estão-se a
mudar para os CSP, através das consultas de ligação, incentivadas pelos cuidados
partilhados (Orton, 1994). Mesmo pacientes que antes eram internados em serviços
hospitalares tradicionais estão a mudar para os CSP, através de cuidados prestados pelo
especialista hospitalar no domicílio (Hughes, 1993). Os médicos de família (MF) estão a
ser chamados a prestar cuidados de urgência em situações que tradicionalmente eram
assistidas no hospital (Avery, 1995).
34
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
A interface entre os cuidados primários e os cuidados secundários é dinâmica e está em
mudança, tal como as fronteiras entre os médicos de medicina geral e familiar e os
médicos especialistas hospitalares (Starfield, 2003). Existe aliás uma considerável
sobreposição
de
funções
com
médicos
de
família
proporcionando
cuidados
especializados e especialistas hospitalares proporcionando serviços de cuidados gerais
(Calnan, 1994, Rosenblatt, 1998, Moffat, 2006), o que complica, de modo muito
significativo, a comparação de resultados nos diferentes países e contextos (Atun, 2004).
Os cuidados de saúde primários (CSP) são, muitas vezes, equiparados ao papel de uma
porta de entrada “gate-keeping” (Gray, 1992). No entanto, eles desempenham um papel
muito mais importante, não apenas o de porta de entrada, mas o de um processo
fundamental no sistema de saúde (Hasler, 1992). São o primeiro contacto, mas também,
a linha da frente, contínua, global e coordenada de cuidados (van Weel, 1994). O
primeiro contacto deve estar acessível no momento da necessidade; a continuidade de
cuidados centra-se no longo prazo da saúde de uma pessoa e não no curto prazo do
período de vigência de uma doença; o cuidado global deve ser uma gama de serviços
adequada aos problemas comuns da população e disponível ao nível dos cuidados
primários; e de coordenação, pelo qual os cuidados primários devem ter o papel de
coordenar os outros serviços especializados de que o paciente necessite (Starfield(b),
2001, Atun, 2004).
As equipas de CSP podem ser formadas: por médicos de família e/ou clínicos gerais,
enfermeiros comunitários e/ou de família, e pessoal de apoio; até grandes equipas
multidisciplinares, incluindo enfermeiros especialistas, gestores, pessoal de apoio,
técnicos de serviço social, psicólogos, técnicos de saúde, médicos de família e outros
médicos especialistas a actuar nos cuidados primários (Atun, 2004, Veríssimo, 2006).
O Royal College of General Practitioners do Reino Unido definiu o profissional de
cuidados de saúde primários (CSP) como “qualquer profissional da área da saúde cuja
qualificação profissional em cuidados de saúde é reconhecida por um conselho
legalmente aprovado pelo Parlamento, e que atende clientes/pacientes, sem qualquer
referência directa a partir de outro profissional de saúde, ou que trabalha numa instituição
médica e/ou de enfermagem que fornece cuidados de saúde primários com acesso livre”
(Gray, 1978). É uma definição abrangente que permite incluir médicos (de família, de
saúde pública, de geriatria, de saúde escolar, psiquiatras comunitários, e, em alguns
países, médicos de medicina interna, pediatras, ginecologistas e outras especialidades),
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
enfermeiros,
técnicos
de
saúde,
35
psicólogos,
médicos
dentistas,
farmacêuticos,
fisioterapeutas, dietistas, técnicos de serviço social, auxiliares de acção médica,
ajudantes familiares, pessoal administrativo e gestores (Biscaia, 2008).
Em muitos países europeus uma equipa nuclear de cuidados de saúde primários (CSP) é
frequentemente constituída por um clínico geral/médico de família, uma enfermeira
comunitária/enfermeira de família, uma técnica de serviço social, um fisioterapeuta e
pessoal administrativo (Klein, 2006).
O médico de família (MF) e o enfermeiro de família (EF) são parte integrante dos
cuidados de saúde primários, mas os conceitos não são sinónimos. Os papéis do MF e
do EF dão-nos uma indicação da amplitude dos serviços prestados e do grau de
uniformidade nos serviços de cuidados de saúde primários.
Nos países industrializados, o médico de família (MF) é o único médico que opera em
nove níveis de cuidados: 1) na prevenção; 2) na detecção pré-sintomática de doenças; 3)
no diagnóstico precoce; 4) no diagnóstico da doença estabelecida; 5) na gestão da
doença; 6) na gestão da doença com complicações; 7) na reabilitação; 8) nos cuidados
terminais; 9) no aconselhamento (Starfield, 1993). Portanto, em relação à prática
hospitalar, o MF observa uma gama ampla de problemas de saúde; os problemas
apresentam-se de uma forma indiferenciada; os problemas psicossociais desempenham
um papel muito importante; as probabilidades e a apresentação das doenças são
diferentes; o MF mantém uma relação mais pessoal e continuada com o paciente; os
contactos no âmbito da medicina geral e familiar são mais curtos e frequentes, ao invés
do que se passa no hospital, em que os contactos são em menor número e mais
prolongados (Sá, 2002). Logo todo o MF deve: a) aprender a avaliar o paciente na sua
globalidade biológica, psicológica, social e cultural, juntamente com a avaliação da
patologia de que esse paciente possa padecer; b) aprender a compreender os
fenómenos da saúde e da doença integrados no contexto familiar e na modificação
estrutural das famílias enquanto geradoras de problemas; c) entender as influências do
meio social envolvente e perceber as necessidades em saúde da comunidade; d) aplicar
o dever ético de prestar os melhores cuidados de saúde à luz de conhecimentos
actualizados técnica e cientificamente (Sousa, 2001).
O enfermeiro de família (EF), cujo desenvolvimento se deu a partir da Declaração de
Munique (WHO, 2000), integra o processo de promoção da saúde e prevenção da
doença, evidenciando as actividades de educação para a saúde, manutenção,
36
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
estabelecimento, coordenação, gestão e avaliação dos cuidados prestados aos
indivíduos, famílias e grupos que constituem uma dada comunidade (Correia, 2001).
Define-se como uma prática continuada e globalizante dirigida a todos os indivíduos ao
longo do ciclo de vida e desenvolve-se nos diferentes locais da comunidade. Pode-se
dizer que é um serviço centrado em famílias, que respeita e encoraja a independência e o
direito dos indivíduos e famílias a tomarem as suas decisões e a assumirem as suas
responsabilidades em matéria de saúde até onde forem capazes de o fazer (Biscaia,
2008).
Concluindo, o conceito actual de cuidados de saúde primários apresenta-os como os
cuidados de saúde essenciais e universalmente acessíveis a todos os indivíduos e a
todas as famílias da comunidade, tendo por vocação tratar dos principais problemas de
saúde dessa comunidade e englobando acções de promoção da saúde, de prevenção,
de cuidados curativos, de reabilitação ou de fim de vida. Exigem e fomentam a autoresponsabilização, a autonomia e a participação activa da comunidade e do indivíduo no
planeamento, organização, funcionamento e controlo dos cuidados de saúde, tirando o
maior partido possível dos recursos locais, nacionais e internacionais e desenvolvendo a
capacidade participativa das comunidades (Biscaia, 2008).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
37
2.2. O SISTEMA DE SAÚDE PORTUGUÊS
O sistema de saúde português começou a desenhar-se no início do século XX, com a
reforma de Ricardo Jorge, que se traduziu num conjunto de diplomas promulgados em
1899 mas só aplicados a partir de 1903, que reorganizaram a Direcção-Geral de Saúde e
Beneficiência Pública e criaram a Inspecção-Geral Sanitária, o Conselho Superior de
Higiene Pública e o Instituto Central de Higiene, como serviços centrais de coordenação,
bem como os cursos de Medicina Sanitária e Engenharia Sanitária. São ainda
explicitadas as competências das diversas entidades administrativas e eclesiásticas nos
assuntos da saúde. Esta reforma pode ser considerada o embrião do “moderno
sanitarismo” tendo sido influenciada por organismos e intervenções internacionais
(Simões, 2004).
A segunda reforma, com tradução normativa no Decreto-Lei (Dec-Lei) nº 35108, de 7 de
Novembro de 1945, decorrente do estatuto da assistência social (Lei nº 1998, de 15 de
Maio de 1944), cria duas Direcções-Gerais, a da Saúde e a da Assistência. A primeira
com funções de orientação e fiscalização quanto à técnica sanitária e de acção educativa
e preventiva; a segunda com a responsabilidade administrativa sobre os hospitais e
sanatórios. Este diploma cria ou autonomiza institutos responsáveis por programas
verticais, como o Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos, Instituto Maternal,
Serviço Anti-Sezonático e de Higiene Rural, Instituto de Assistência à Família e outros
(Campos(a), 1983). E cria, ainda, em cada distrito, uma Delegação de Saúde e, em cada
concelho, uma Sub-Delegação de Saúde; são ainda previstas diversas instituições, com
autonomia técnica e administrativa, como os Hospitais Civis de Lisboa e os Hospitais da
Universidade de Coimbra e ainda regulamentadas as instituições de assistência
particular, que ficam na dependência do Ministério do Interior (Simões, 2004).
Em 1946 é publicada a Lei nº 2011, de 2 de Abril, que estabelece as bases da
organização hospitalar e promove a construção de hospitais com dinheiros públicos, mas
depois entregues às misericórdias. Atendendo a esta lei iniciou-se a regionalização
hospitalar, segundo a qual os hospitais deveriam agregar-se em circunscrições de três
níveis, o concelho, a região (distrito) e a zona (conjunto de distritos) cooperando
tecnicamente entre si (Campos(a), 1983). Ainda em 1946, pelo Dec-Lei nº 35311, de 25 de
Abril, é criada a Federação das Caixas de Previdência, que centralizou os cuidados de
saúde curativos até aí dispersos por vários sindicatos e que se desenvolveu em paralelo
38
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
com os serviços de saúde públicos, proporcionando aos seus beneficiários um conjunto
de regalias então muito superior às disponibilizadas pelo Estado (Simões, 2004).
A terceira reforma inicia-se no termo da década de sessenta e início da de setenta, com a
legislação publicada em 1968, o Estatuto Hospitalar (Dec-Lei nº 48 357, de 27 de Abril) e
o Regulamento Geral dos Hospitais (Dec-Lei nº 48 358, de 27 de Abril), da
responsabilidade do Dr. Neto de Carvalho, e em 1971, a lei orgânica do Ministério (DecLei nº 413/71, de 27 de Setembro) e a estruturação das carreiras profissionais dos
funcionários do Ministério da Saúde e Assistência, sendo “estabelecidas as seguintes
carreiras profissionais: Carreira médica de saúde pública, carreira médica hospitalar,
carreira farmacêutica, carreira da administração hospitalar, carreira de técnicos
superiores de laboratório, carreira de ensino de enfermagem, carreira de enfermagem de
saúde pública, carreira de enfermagem hospitalar, carreira de técnicos terapeutas,
carreira de técnicos de serviço social, carreira de técnicos auxiliares de laboratório,
carreira de técnicos auxiliares sanitários” (Dec-Lei nº 414/71, de 27 de Setembro), da
responsabilidade do Prof. Doutor Gonçalves Ferreira, que reorganizou os serviços e
baseou-se no princípio de que “a política de saúde e assistência tem por objectivo o
combate à doença e a prevenção e reparação das carências do indivíduo e dos seus
agrupamentos naturais, e, para além de assinalar o firme propósito de assegurar o bemestar social das populações, constitui a consagração do reconhecimento do direito à
saúde implícito na própria Constituição, que tem como únicos limites os que, em cada
instante, lhe são impostos pelos recursos financeiros, humanos e técnicos das
comunidades beneficiárias. Ao alargamento de funções e objectivos pretendidos não
pode deixar de corresponder a renovação dos meios de acção, o aperfeiçoamento dos
métodos de trabalho, o desenvolvimento dos serviços, a preparação do pessoal
necessário e consequente instalação de carreiras profissionais, cobrindo os serviços
centrais e locais, e a unidade de planeamento e direcção das actividades por que se
efectiva a política de saúde, com vista ao estabelecimento de um Sistema Nacional de
Saúde” (Ferreira, 1978).
De facto, até essa data, o papel do Estado reduzira-se a permitir que os serviços locais
funcionassem, através da actividade de clínicos gerais e de instituições locais de saúde,
na maioria ligadas a montepios e às misericórdias. O Estado era responsável pela
construção e gestão dos hospitais nas grandes cidades. O Estado tinha ainda a
responsabilidade da organização da saúde pública através da manutenção de uma rede
de funcionários de saúde em todos os municípios do país (Santos, 1999).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
39
Até 1974 apenas cerca de 40% da população portuguesa estava coberta por esquemas
de protecção na doença, sendo os encargos com a saúde assumidos, parcial ou
totalmente, pela Previdência Social. Os restantes cidadãos (60%) suportavam os
encargos com os seus cuidados de saúde (Santana, 1995).
Igualmente, no que respeita à propriedade dos meios de produção de cuidados de saúde,
designadamente hospitalares, o Estado assumia um papel tímido, pertencendo a maioria
dos estabelecimentos às misericórdias e a outras entidades sem fins lucrativos. A
actividade privada de prestação de cuidados de saúde, como acontece ainda
actualmente, distribuía-se fundamentalmente pelas áreas das consultas e meios
complementares de diagnóstico e terapêutica, apresentando uma fraca estrutura
empresarial. No entanto, ainda no governo de Marcelo Caetano foi criado um serviço
nacional de ambulâncias e assistiu-se à estruturação jurídica dos centros de saúde (CS)
com o Dec-Lei nº 102/71, de 24 de Março, que previa “o estabelecimento de uma rede de
centros de saúde localizados nas sedes dos concelhos em articulação com os serviços
médico-sociais da Previdência e instalados, de preferência, nos hospitais sub-regionais
de acordo com um plano global”, mas no meio deste período crítico de tanta
implementação de medidas, era necessário coordenar, articular e integrar, pelo que este
Dec-Lei acabou revogado pelo Dec-Lei nº 413/71, de 27 de Setembro (Lopes, 1987).
Contudo, a profunda alteração política determinada pela Revolução de 25 de Abril de
1974 teve imediatos e profundos reflexos também no sector da saúde, iniciando-se aqui a
sua quarta reforma, que abarca o período de 1974 a 1979 (Simões, 2004).
No início de 1975, menos de um ano após a revolução de Abril, o IV Governo Provisório
lança a campanha do “Serviço Médico à Periferia”, que obriga todos os médicos recémformados ao exercício profissional durante um ano fora dos grandes centros urbanos, o
que criou a oportunidade de melhorar a assistência médica nos Centros de Saúde
periféricos e do interior do país (Mendo, 2004).
A nova Constituição da República Portuguesa de 1976, consubstanciando as
reivindicações dos movimentos sociais, confirma, no seu artigo 64, a saúde como um
direito dos cidadãos que deveria ser assegurado por um serviço nacional de saúde
(SNS), inspirado no modelo inglês, garantindo o direito à protecção da saúde a todos os
cidadãos e baseando-se na universalidade e na gratuidade do acesso aos cuidados de
saúde (Simões, 2008).
40
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Assistiu-se
então
a
um
crescimento
exponencial
da
procura
de
cuidados,
fundamentalmente como consequência do alargamento da cobertura da população
portuguesa na doença, quer através da assumpção dos encargos com a saúde por
terceiros pagadores ou sub-sistemas – funcionários públicos, militares, bancários, etc. –
quer através do acesso directo e gratuito aos serviços públicos de saúde. Paralelamente,
verificou-se uma melhoria significativa e sustentada dos indicadores de saúde dos
portugueses. Por exemplo, a criação do serviço médico à periferia constituiu uma forma
de desconcentração dos recursos da saúde e teve um impacto importante no acesso das
populações rurais aos cuidados de saúde, assim como se reflectiu positivamente na taxa
de mortalidade infantil, a qual diminuiu de 38,9% para 19,8% entre 1975 e 1982
(Santana, 1993). Esse serviço médico à periferia estava integrado no período de pósgraduação médica, ou seja, após o internato geral o médico só poderia prosseguir a sua
carreira nas instituições públicas se fizesse um ano de exercício de medicina a nível do
interior do país. A estatização da maior parte dos hospitais das misericórdias e a
integração do seu pessoal na função pública tornaram o Estado português o maior
proprietário e gestor de serviços de saúde. Assim, a partir dessa altura, este aliou o papel
de principal financiador dos cuidados de saúde ao de principal prestador (Simões, 2008).
Em 1979, com a criação do serviço nacional de saúde (SNS) pela Lei nº 56/79, de 15 de
Setembro, Lei de Bases do SNS, mais conhecida por “Lei Arnaud”, verificaram-se
alterações significativas na estrutura e na organização dos serviços públicos de saúde.
Estas alterações que acabaram por nunca vir a ser concretizadas em muitos aspectos
importantes, devido às oposições ao modelo definido de prestação de cuidados (a velha
querela entre o público e o privado), e ainda às dificuldades objectivas de implementação,
principalmente de natureza financeira (Simões, 2008). A direcção da Ordem dos Médicos,
da altura, fez uma oposição vigorosa, acusando a lei de limitar o princípio da livre escolha
do médico, pelo doente, e de transformar os médicos em funcionários públicos, e terá
sido em 1979 que, pela primeira vez, a Ordem dos Médicos se afirmou como grupo de
veto, tentando “inviabilizar medidas que o prejudiquem mesmo que elas favoreçam
interesses muito mais amplos e maioritários” (Santos, 1987).
Porém, apesar de ter sido regulamentada, a Lei “nunca chegou a ser integralmente
aplicada, nomeadamente no que diz respeito à orgânica dos serviços centrais e regionais
e ainda menos no que respeita à descentralização e participação” (Campos, 2002) e
depressa se constatou que lhe faltava uma direcção autónoma “o SNS existe na lei mas
não funciona como tal. Além de não terem sido criados alguns órgãos que lhe são
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
41
essenciais […], não foi erigida a Administração Central, pelo que a direcção das suas
actividades […], não estará a ser exercida pelo órgão que a lei determina” (Ferreira,
1986).
A quinta reforma, ou contra-reforma, inicia-se logo em Janeiro de 1980 com a suspensão,
pelo Governo da Aliança Democrática que vencera as eleições legislativas de Dezembro
de 1979, de alguns dos diplomas publicados ainda em 1979, pelo V Governo
Constitucional e que preenchiam o desenho organizativo da Lei do Serviço Nacional de
Saúde (SNS), nos termos da Resolução do Conselho de Ministros nº 1/80, de 10 de
Janeiro. Quatro destes diplomas acabariam por ser revogados pelo Dec-Lei nº 81/80, de
19 de Abril: a criação da carreira de clínico geral e a reestruturação da carreira de saúde
pública; a reorganização das administrações distritais de serviços de saúde; a criação do
Departamento de Cuidados de Saúde Primários da Administração Central de Saúde; e a
criação dos centros comunitários de saúde e a regulamentação dos órgãos locais do
SNS. No entanto, as obrigações constitucionais impuseram também limites aos projectos
de alteração do SNS através de lei ordinária. Esclarecedor é o Acórdão nº 39/84, de 11
de Abril, do Tribunal Constitucional que declara inconstitucional o artigo 17.º do Dec-Lei
nº 254/82, de 29 de Junho, que revogou a maior parte da Lei nº 56/76, o que se traduziu
na extinção do SNS, “… não é a Lei nº 56/79, em si mesma, que não pode ser revogada
– é apenas o Serviço Nacional de Saúde que, uma vez criado, não pode ser abolido. A lei
pode ser revogada, desde que outra a substitua e mantenha o serviço nacional de saúde.
O serviço nacional de saúde pode ser modificado; só a existência de um serviço nacional
de saúde passou a ser um dado adquirido no património do direito à saúde, sendo, como
tal, irreversível (a não ser mediante revisão constitucional que o permitisse) […]. O
Governo incorreu numa acção inconstitucional cujo resultado pode e deve ser impedido
em sede de fiscalização da constitucionalidade. A obrigação que impunha ao Estado a
constituição do serviço nacional de saúde transmuta-se em obrigação de não o extinguir.”
(Simões, 2004).
Nos anos oitenta e noventa, o Estado, através do Ministério da Saúde, passou a dispor
de uma vasta estrutura nacional de estabelecimentos de prestação de cuidados de
saúde, hospitais gerais e especializados, institutos e centros de saúde, com milhares de
funcionários de diferentes categorias profissionais, com uma administração central
poderosa e administrações regionais fracas, sendo todo o sistema regulado pelas normas
da administração pública (Serrão, 2002).
42
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Deste modo, começou a assistir-se a uma desvalorização dos direitos sociais e a uma
perda de qualidade dos serviços de saúde, sem recursos suficientes para fazer face a
uma procura sempre crescente dos cuidados de saúde. Ao mesmo tempo, as entidades
privadas assumiram um papel progressivamente mais importante na produção de alguns
bens e serviços de saúde, passando o Estado, cada vez mais, a assumir um papel de
mero financiador (Santos, 1987).
Também é desde os anos oitenta e noventa que se começaram a verificar as primeiras
tentativas para conter e controlar os gastos públicos com a saúde, criando-se as “taxas
moderadoras” que visaram racionalizar a utilização das prestações de cuidados de
saúde. O que de facto aconteceu foi que a gratuidade do Serviço Nacional de Saúde
(SNS) deixou de funcionar, transformando-se as taxas moderadoras em fontes de receita
e financiamento dos serviços públicos de saúde (Santos, 1987). Simultaneamente, o
sector privado beneficiou, quer directamente, com a criação e desenvolvimento de
convenções entre o Estado e entidades privadas, quer indirectamente, pelo
descontentamento crescente da população com os serviços públicos, que determinou o
desvio de parte da procura do sector público para o privado, iniciando desta forma o seu
restabelecimento progressivo, enquanto alternativa ao SNS (Simões, 2008).
Em Portugal, algumas propostas que animavam, na década de oitenta, o debate sobre a
reforma do sistema de saúde defendiam um papel mais activo do sector privado, uma
maior responsabilização individual pelo financiamento e uma orientação empresarial do
SNS. Que se traduziram, de acordo com a Lei de Bases da Saúde, Lei nº 48/90, de 24 de
Agosto, por um sistema de saúde entendido como, não apenas o SNS mas também
todas as entidades públicas que desenvolvam a promoção, a prevenção e o tratamento
na área da saúde, bem como as entidades privadas e profissões liberais que acordaram
com o SNS uma ou várias daquelas actividades. E, com base no actual artigo 64º da
Constituição da República Portuguesa, após a quarta revisão constitucional de 1997,
incumbe ao Estado articular as formas empresariais e privadas da medicina com o SNS,
por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões
de eficiência e de qualidade (Miranda, 2000), contribuindo para o estabelecimento de um
sistema global com o objectivo comum de promover a saúde dos cidadãos.
“Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover”. É esta a
premissa essencial de todo o Sistema de Saúde Português, afirmada no artigo 64.º da
Constituição. “O direito à protecção da saúde é realizado através de um serviço nacional
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
43
de saúde universal, geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos
cidadãos, tendencialmente gratuito” no momento da utilização dos serviços de cuidados
de saúde, assim como “pela criação de condições económicas, sociais, culturais e
ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da
velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela
promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento
da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável” (Miranda, 2000).
O Estado também tem, constitucionalmente, de garantir o acesso aos cuidados de saúde,
uma racional e eficiente cobertura do país e a socialização dos custos. É ainda dever do
Estado, regular as formas empresariais e privadas dos cuidados de saúde e toda a
cadeia de uso de produtos de saúde (Nunes(a), 2009). O financiamento do sistema é feito,
essencialmente, através dos impostos. O Orçamento Geral do Estado estabelece a verba
que é destinada ao sector da saúde. Os trabalhadores e respectivas entidades patronais,
quando pertencentes a um designado “subsistema de saúde”, são sujeitos a quotizações
acrescidas. Quem, voluntariamente, subscrever um seguro de saúde, também terá que
pagar o respectivo prémio. Os cidadãos podem, ainda, pagar directamente cuidados de
saúde, quando recorrem ao sector privado, quando pagam taxas moderadoras ou
também, quando adquirem medicamentos. São as designadas “despesas das famílias”
com a saúde (Biscaia, 2008).
A coordenação e regulação do sistema de saúde português está a cargo do Ministério da
Saúde, contando com vários serviços centrais com funções específicas, entre os quais a
Direcção-Geral da Saúde, a Inspecção-Geral da Saúde, o Alto Comissariado da Saúde.
Recentemente, e no quadro de uma nova reforma estrutural do sector da saúde, foi
criada a Entidade Reguladora da Saúde, organismo independente orgânica e
funcionalmente em relação ao Ministério da Saúde e que pretende supervisionar todos os
operadores independentemente da sua natureza jurídica (Nunes(b), 2007; Nunes(b), 2009).
As decisões estratégicas, a organização do sistema, a alocação de recursos, o
funcionamento efectivo e a prestação dos serviços, constituem áreas sociais que se
devem ordenar pelas regras do direito positivo (as leis) e, sobretudo, adequar-se aos
princípios da bioética, pelo que a regulação se tornou um instrumento essencial, não
apenas para garantir a concorrência saudável entre os diversos operadores mas,
essencialmente, para salvaguardar o direito inalienável de todos os cidadãos a um
sistema justo, solidário e equitativo (Nunes(a), 2009).
44
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
2.2.1. O SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE
O serviço nacional de saúde (SNS) foi criado, na dependência da Secretaria de Estado
da Saúde do Ministério dos Assuntos Sociais, pela Lei nº 56/79 de 15 de Setembro. Este
era constituído por um conjunto de órgãos e serviços que tinham como objectivo a
prestação de cuidados globais e generalizados a toda a população, visando a “promoção
e vigilância da saúde, a prevenção e o diagnóstico da doença, o tratamento dos doentes
e a sua reabilitação médica e social” (Gomes, 1987). Com este objectivo privilegiava os
cuidados de saúde primários (CSP), reorganizava a rede hospitalar, aumentava-a em
número de camas, apetrechava-a com tecnologias mais sofisticadas, reestruturava as
carreiras médicas e de enfermagem, desenvolvia o controlo da medicina privada e dos
produtos farmacêuticos. No entanto, ao nível central manteve-se uma estrutura vertical e
paralela para os CSP e para os Hospitais (Ferreira, 1986).
A revisão da Constituição de 1989 torna a saúde “tendencialmente gratuita”. Em 1990 é
aprovada a Lei de Bases da Saúde que refere que esta passa a ser da responsabilidade
não só do Estado mas também de cada indivíduo, assim como das iniciativas sociais e
privadas. Esta norma permitiu o aumento de contractos do SNS com o sector privado, a
introdução da medicina privada dentro dos hospitais públicos, o início da primeira
experiência de concessão da gestão de um hospital público a uma entidade privada e
benefícios fiscais à realização de seguros de saúde. Em 1990 são também introduzidas
as taxas moderadoras (Biscaia, 2008).
O Estatuto do SNS, aprovado pelo Dec-Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro, veio estabelecer o
conceito de unidades integradas de cuidados de saúde, formadas pelos hospitais e
centros de saúde de determinada área geográfica, atribuindo às Administrações
Regionais de Saúde a possibilidade de coordenarem o trabalho entre hospitais e centros
de saúde (Biscaia, 2008).
2.2.1.1. OS HOSPITAIS
Os serviços prestadores de cuidados hospitalares são constituídos pelos centros
hospitalares gerais e especializados e ainda por outras instituições especializadas
(Gomes, 1987). Compreendem o internamento hospitalar e os actos ambulatórios
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
45
especializados para diagnóstico, terapêutica e reabilitação, as consultas externas de
especialidade e os cuidados de urgência na doença e no acidente (Simões, 2008).
Até aos anos setenta a prestação da assistência hospitalar à população era feita por
unidades regionalizadas e hierarquizadas em redes de referência, que desenvolviam a
sua acção em regiões previamente definidas e que correspondiam à divisão
administrativa do país, de acordo com a Lei da Organização Hospitalar nº 2011, de 2 de
Abril de 1946. A Direcção-Geral dos Hospitais viria a ser criada em 1961 pelo Dec-Lei nº
43853, de 10 de Agosto, com o objectivo de coordenar e fiscalizar os estabelecimentos
perante a exigência de uma orientação técnica especializada e centralizada a nível
superior (Lopes, 1987).
Nos primeiros anos da década de setenta verificou-se o relançamento dos hospitais, após
a publicação, a 27 de Abril de 1968, do Dec-Lei nº 48357, Estatuto Hospitalar, e do DecLei nº 48358, Regulamento Geral dos Hospitais, que pretenderam uniformizar a orgânica
e o funcionamento de todos os hospitais do país, essencialmente estatais e das
Misericórdias, e criar carreiras para pessoal médico, de enfermagem, de administração e
de farmácia (Campos(a), 1983).
Após a Revolução de 25 de Abril de 1974 verificou-se a nacionalização dos hospitais
distritais e concelhios que, até aí, pertenciam às misericórdias, feita pelo Dec-Lei nº
704/74, de 7 de Dezembro, e o Dec-Lei nº 129/77, de 2 de Abril, aprovou a Lei Orgânica
Hospitalar, com aplicação aos hospitais centrais, gerais e especializados e aos hospitais
distritais, caracterizando-os como pessoas colectivas de direito público, dotados de
autonomia administrativa e financeira (Gomes, 1987). Em 1988 é publicada nova
legislação hospitalar, Dec-Lei nº 19/88, de 21 de Janeiro – Lei da Gestão Hospitalar, e
Decreto Regulamentar nº 3/88, de 22 de Janeiro, que introduz alterações nos órgãos e
funcionamento hospitalar, reforçando as competências dos órgãos de gestão;
abandonando as direcções de tipo colegial, que haviam sido introduzidas em 1974; sendo
os titulares dos órgãos de gestão designados pela tutela; são introduzidos métodos de
gestão empresarial e reforçados e multiplicados os controles de natureza tutelar (Biscaia,
2008).
A procura e utilização dos serviços intensificou-se nas décadas seguintes com a abertura
de novos hospitais centrais e distritais, até que, nos nossos dias, a política de redução do
ritmo de crescimento da despesa na saúde, imposta pela conjuntura económica com a
consequente redução de verbas, reflectiu-se no incremento da hospitalização privada e
46
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
na denominada “empresarialização” dos hospitais públicos. A nova legislação sobre o
regime jurídico da gestão hospitalar, Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro, estabeleceu que
“os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde podem revestir uma
das seguintes figuras jurídicas: a) Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade
jurídica, autonomia administrativa e financeira, com ou sem autonomia patrimonial; b)
Estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa,
financeira e patrimonial e natureza empresarial; c) Sociedades anónimas de capitais
exclusivamente públicos; d) Estabelecimentos privados, com ou sem fins lucrativos, com
quem sejam celebrados contratos”. Os hospitais empresa são então criados pelos DecLei nºs 272-292/2002, de 9 e 10 de Dezembro, é também criada a Rede de Cuidados
Continuados pelo Dec-Lei nº 281/2003, de 8 de Novembro e ainda a Entidade
Reguladora da Saúde pelo Dec-Lei nº 309/2003, de 10 de Dezembro, entretanto
substituído pelo Dec-Lei nº 127/2009 de 27 de Maio. De facto, a necessidade de
contenção da despesa pública no sector da saúde originou a emergência ao longo da
última década de novos modelos de gestão hospitalar que se caracterizam, no essencial,
pela adopção das regras da gestão empresarial no sector público administrativo, sendo
porém fundamental determinar qual o modelo que melhor serve os interesses das
populações (Rego(b), 2002). A título de exemplo, Guilhermina Rego recorreu à
metodologia DEA (Data Envelopment Analysis) – metodologia de benchmarking que
permite comparar e confrontar os hospitais entre si e identificar as unidades hospitalares
mais eficientes (Rego, 2009). Os resultados deste estudo confirmam segundo a autora
que “a empresarialização produziu efeitos positivos no desempenho hospitalar e que os
hospitais Sociedade Anónima (SA), concretamente o seu modelo de gestão, permitiu a
estas unidades hospitalares melhorarem a sua performance e crescer em matéria de
produtividade comparativamente aos hospitais do Sector Público Administrativo (SPA)”
(Rego, 2008; Rego, 2009). Contudo, e apesar do nível de desempenho dos hospitais SA
ser claramente superior ao modelo tradicional (SPA) estes hospitais foram transformados
em 2005 em Entidades Públicas Empresariais.
No entanto, verifica-se que o sistema hospitalar que hoje emerge está ainda muito ligado
a uma estrutura de tecnologia e de administração pesadas e pouco eficazes. O seu
desempenho, como estruturas de prestação de cuidados, deve ser submetido, não só às
regras da análise económica, mas também à avaliação da qualidade dos procedimentos
clínicos, do diagnóstico aos tratamentos, com base em critérios de custo-eficácia,
apoiados nas regras gerais da boa prática clínica (Serrão, 2002). Todo este complexo
sistema hospitalar deve estar predominantemente organizado e subordinado aos serviços
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
47
a prestar às pessoas doentes ou às pessoas ameaçadas pela doença que constituem,
naturalmente, o sujeito de todo o sistema de prestação de cuidados de saúde (Simões,
2008).
2.2.1.2. OS CENTROS DE SAÚDE
Em Portugal, como em outras partes do mundo, os cuidados de saúde primários (CSP)
estão indelevelmente associados aos centos de saúde (CS). O CS pode considerar-se o
modelo da “unidade de cuidados de saúde primários” com a sua comprovada capacidade
de providenciar cuidados globais de saúde de um modo custo/efectivo, junto das
comunidades, num espírito de parceria com elas (Zurro, 1991).
Historicamente aquilo que ficou conhecido como o “movimento dos centros de saúde”
vem do final do século XVIII, com o surgimento dos dispensários gratuitos e clínicas
preventivas que tinham um âmbito comunitário e providenciavam cuidados às populações
mais desfavorecidas e aos imigrantes. Nos Estados Unidos da América (EUA), incluíam
também, centros de distribuição de leite para crianças mal nutridas, centros de
tratamento da tuberculose e doenças venéreas (Rosen, 1971). Também surgiram na
Escócia (1887) centros de tratamento da tuberculose e em França, a Clínica de Pierre
Budin (1892) para protecção das crianças (Ferrinho, 1991). Mas é nos EUA, em 1893,
que há referência ao primeiro dispensário público de cuidados de saúde globais, em
Chicago (Rosen, 1971).
O conceito de CS foi evoluindo e, nos EUA, na década de 1911-1920 significava uma
instituição de serviço público com a missão de cuidados preventivos e de promoção da
saúde, complementando os cuidados curativos dos médicos privados, embora alguns
destes centros de saúde prestassem também cuidados curativos (Rosen, 1971). Este
“movimento dos centros de saúde” foi perdendo força a partir de 1930, mas reapareceu
como um modelo mais global 30 anos depois. Este movimento teve as suas raízes no
simples “bom senso”. É de bom senso oferecer serviços de saúde no local onde as
pessoas vivem e de acordo com o modo como elas vivem. Quatro ideias dominaram este
movimento: localização por distritos; participação da comunidade; organização
estruturada com objectivos de eficiência e coordenação; e cuidados preventivos (Biscaia,
2008).
48
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Os CS estiveram sempre, de uma maneira geral, associados ao apoio às famílias,
reconhecendo-se vantagens numa inscrição familiar num mesmo profissional de saúde,
que teria a seu cargo toda a família e todas as fases do ciclo familiar. Mas esta inscrição
familiar foi variável consoante os enquadramentos dos diferentes países. Contudo, em
Portugal foi sempre estimulada a inscrição familiar (Biscaia, 2008).
Uma implicação do “movimento dos centros de saúde” registou-se a nível das profissões
de saúde e do modo como se relacionam entre si. O aspecto mais marcante foi o trabalho
em equipa multidisciplinar e a actuação segundo “o que pode ser feito pela unidade
menor de forma satisfatória não deve ser feito pela unidade maior” (Biscaia, 2008)
quando se pretendia ter uma acção o mais abrangente possível. Pelo que, se tornou
impossível que uma única profissão lidasse com toda a gama de questões que tinham
que ser abordadas. Algumas profissões tiveram um grande desenvolvimento, como foi o
caso dos enfermeiros de saúde pública, verificando-se até o surgimento de outras, que
nunca tiveram o desejável desenvolvimento em Portugal, como os “ajudantes
comunitários ou familiares” com a função de aumentarem e melhorarem a comunicação
entre o centro de saúde e a comunidade (Biscaia, 2008).
O “movimento dos centros de saúde” introduziu alterações no próprio conceito de
cuidados de saúde primários (CSP) ao acrescentar e consolidar a dimensão comunitária
na abordagem que estes cuidados fazem aos problemas de saúde. Esta dimensão
encontra-se mais ou menos consolidada nos vários sistemas de saúde (Biscaia, 2008).
A política de dar prioridade aos CSP surge pela primeira vez em Portugal, no início dos
anos setenta, integrada na política do “estado social” (Campos(b), 1983). Generalizou-se
então o atendimento gratuito a toda a população após o alargamento, em 1971, à
população rural dos serviços médico-sociais da Previdência Social e o reconhecimento
do direito à saúde, com especial atenção para os grupos de maior risco, as grávidas e as
crianças (Simões, 2008).
O Dec-Lei nº 413/71, de 27 de Setembro – Lei Orgânica do Ministério da Saúde e
Assistência, foi um marco histórico por ter lançado a reforma que estabeleceu os
fundamentos de um serviço nacional de saúde e pela criação dos, agora designados,
centros de saúde (CS) de “primeira geração” (Branco, 2001).
Na prática, manteve-se a separação dos CS – com actividades de saúde materno-infantil,
incluindo vacinação, mais tarde alargados ao planeamento familiar, saneamento do
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
49
ambiente e cuidados médicos de base, estes últimos limitados aos exames médicos,
exigidos por Lei, para admissão na função pública, para os manipuladores de alimentos,
para a obtenção de carta de condução – e os postos dos serviços médico-sociais das
caixas de previdência (Sousa, 2001).
Em 1975, a criação do serviço médico à periferia, pelo Despacho de 19 de Março,
obrigou os médicos recém-licenciados a trabalharem fora dos grandes centros urbanos,
criando a oportunidade de melhorar a assistência médica nos centros de saúde da
periferia (Remoaldo, 2005).
Na sequência destas medidas, o Decreto Regulamentar nº 12/77, de 7 de Fevereiro
(Suplemento), criou as regras de funcionamento dos serviços médico-sociais da
previdência, na dependência da Secretaria de Estado da Saúde. Mais tarde, pelo Dec.Lei
nº 254/82, de 29 de Junho, foram criadas as administrações regionais de saúde, de
âmbito distrital, com a incumbência de executar a política de saúde, registar dados e
fazer análise epidemiológica, fazer inspecções e controlar o exercício profissional,
planear e avaliar a prestação de serviços e actividades de saúde, formar e investigar no
campo da saúde e celebrar convénios de âmbito distrital com entidades não integradas
no SNS (Gomes, 1987). Esta legislação foi entretanto revogada tendo sido criadas, pelo
Estatuto do SNS, as novas administrações regionais de saúde, com um âmbito regional,
mais alargado e regulamentadas pelo Dec.Lei nº 335/93, de 29 de Setembro, sendo cinco
as actuais regiões de saúde do continente português: Norte, Centro, Lisboa e Vale do
Tejo, Alentejo e Algarve.
Os centros de saúde (CS) de “segunda geração” (Branco, 2001), ou integrados, foram
estruturados segundo o Despacho Normativo nº 97/83, de 22 de Abril – Regulamento dos
centros de saúde, que definia o CS como unidade integrada, polivalente e dinâmica
prestadora de cuidados primários, que visava a promoção e a vigilância da saúde, a
prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença, dirigindo-se, globalmente, a sua
acção ao indivíduo, à família e à comunidade.
Assim, em 1983 foram criados os chamados “centros de saúde integrados”, resultantes
da simples mistura das principais vertentes assistenciais extra-hospitalares preexistentes
(centros de saúde, postos dos serviços médico-sociais e hospitais concelhios). Esta
segunda geração de CS herdou das anteriores estruturas todos os recursos e património
físico e humano, assim como duas culturas organizacionais distintas. O único elemento
novo introduzido neste modelo foi a carreira médica de clínica geral (Branco, 2001).
50
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
A nível central, este processo de fusão de duas linhas de serviços conduziu à criação da
Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários (Gomes, 1987). A variação de atitudes
e práticas organizacionais nos diversos centros, evidenciada na descrição de
experiências e em questionários diversos, reflectia as influências, de peso variável, das
instituições preexistentes e da fragilidade da gestão, apoio e acompanhamento deste
processo de mudança (Sakellarides, 1984). Na prática, e de um modo geral, este
processo de fusão conduziu a uma maior racionalidade formal na prestação de cuidados
de saúde e na optimização de recursos, mas não conseguiu melhorar com consistência
algumas das virtudes dos componentes anteriores, nomeadamente: a) A grande
acessibilidade a consultas e a visitas domiciliárias oferecida pelos serviços médicosociais; b) A programação com objectivos de saúde e procedimentos preventivos e de
vigilância de saúde normalizados que caracterizavam as actividades dos centros de
saúde, com sucessos objectivados em diversas áreas, nomeadamente na área maternoinfantil (Sakellarides, 1979). O modelo organizativo dos centros de saúde de “segunda
geração” permitiu a afirmação da identidade das diversas linhas profissionais, em
especial da carreira médica de clínica geral, mas logo se mostrou desajustado em
relação às necessidades e expectativas dos utentes e das comunidades (Ramos, 19941995). A prazo, este modelo organizativo, somado ao normativismo e tutela centralista
distante das sub-regiões e administrações regionais de saúde, tem contribuído para a
insatisfação, exaustão e desmotivação de muitos dos seus profissionais de saúde
(Branco, 2001).
O debate sobre a reorganização e reorientação dos cuidados de saúde primários (CSP)
em Portugal tem acompanhado a evolução destas duas gerações de CS. As críticas,
sugestões de mudança e propostas alternativas ao modelo organizativo e gestionário dos
“centros de saúde integrados” datam do próprio ano da sua criação, isto é 1983, e têm
evoluído desde então com base na experiência vivida e no estudo de experiências
equivalentes noutros países (Branco, 2001).
Entre 1989-1991, a Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral conduziu uma
séria de debates e consultas aos associados, que deram origem a um conjunto de ideias
e de propostas, reunidas pela direcção nacional, no então designado “livro azul”, que
compilou as principais tendências nacionais, e internacionais, para o desenvolvimento
dos CSP em Portugal (APMCG, 1991).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
51
O “livro azul” destaca como aspectos essenciais que deveriam ser melhorados: o perfil
profissional, o regime de trabalho, o sistema retributivo e as condições de atendimento
(Nogueira, 2003).
Em 1996 foram iniciados projectos e iniciativas experimentais de inovação organizativa,
visando explorar outros caminhos para reorganizar a prestação de cuidados aos
cidadãos. O “projecto alfa” foi um exemplo, que surgiu na região de saúde de Lisboa e
Vale do Tejo, para descongelar o esquema monólito do SNS, e estimular as ideias e
iniciativas dos profissionais para que aproveitassem melhor a capacidade e meios
instalados nos centros de saúde (CS). Em Março de 1996, a equipa em funções na
Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo lançou o desafio aos médicos
de família do SNS e aos outros profissionais dos CS no sentido de “se assumirem, em
pequenos grupos, como os principais responsáveis pela organização e prestação de
cuidados de saúde primários no âmbito do SNS, garantindo mais satisfação a todas as
partes envolvidas” (Pereira, 2003). Foi dada “autorização” à criatividade, à ousadia
inovadora e à tenacidade de pequenos grupos de profissionais, permitindo-lhes criar
novos modelos de trabalho em grupo e em equipa multiprofissional (Alves, 2000). O
edifício hierárquico e burocrático do SNS resistiu a esta primeira incursão, mas não
conseguiu impedir que 15 grupos tivessem iniciado as suas experiências. A maioria
destes grupos ainda hoje se mantêm em actividade. Os projectos foram amplamente
avaliados, quer internamente, quer por entidades externas, e foram tema para trabalhos e
dissertações académicas (Branco, 2001; Pereira, 2003; Biscaia, 2008).
A avaliação do “projecto alfa” apontou para a necessidade de estudar formas retributivas
mais justas. Isto é, que permitam recompensar os que mais e melhor trabalham. Este
facto forneceu argumentação técnica e política para ensaiar novas formas remuneratórias
nos centros de saúde. O “regime remuneratório experimental dos médicos de clínica
geral” foi aprovado em 1998, consagrando, em diploma legal, alterações na organização
do trabalho semelhantes às do “projecto alfa”, introduzindo uma modalidade
remuneratória médica associada à quantidade de trabalho e qualidade de desempenho
profissional e rompendo com o modelo salarial tradicional da função pública (Dec-Lei nº
117/98, de 5 de Maio).
Paralelamente, foi lançado o debate sobre a descentralização da gestão das sub-regiões
de saúde para os CS, combinada com a reorganização interna dos CS, associando a
52
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
autonomia à responsabilidade dos profissionais na realização das estratégias e dos
objectivos comuns (Branco, 2001).
Em 1997 e 1999 foram criadas as agências de acompanhamento e de contratualização,
formalizando a separação entre o financiamento e a prestação de serviços de saúde,
uma por cada região de saúde (agências de acompanhamento dos serviços de saúde,
Decreto Normativo nº 46/97, de 8 de Agosto; agências de contratualização dos serviços
de saúde, Despacho Normativo nº 61/99, de 12 de Novembro). No ano de 1998
iniciaram-se as discussões dos contratos-programa dos hospitais e, no ano seguinte, na
região de saúde de Lisboa e Valo do Tejo, o mesmo processo para os centros de saúde
(Biscaia, 2008).
Em 1999 foi aprovada, pelo governo socialista, legislação sobre os centros de saúde (CS)
de “terceira geração” (Dec-Lei nº 157/99, de 10 de Maio) com autonomia e hierarquia
técnica e que organizava a estrutura assistencial em unidades operativas com missões
complementares (Branco, 2001). No entanto, esta legislação não chegou a ser
implementada e veio mesmo a ser alterada, pelo governo social-democrata seguinte,
através do Dec-Lei nº 39/2002, de 26 de Fevereiro, que por sua vez, através do Dec-Lei
nº 60/2003, de 1 de Abril, criou a “Rede de Prestação de Cuidados de Saúde Primários”,
que também não chegou a ser implementada e, quando se voltou a formar um governo
socialista, foi revogado pelo Dec-Lei nº 88/2005, de 3 de Junho, que repristinou o Dec-Lei
nº 157/99. E, por força do Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro, os CS regulados pelo
Dec-Lei nº 157/99, de 10 de Maio, alterado pelo Dec-Lei n.º 39/2002, de 26 de Fevereiro,
e repristinado pelo Dec-Lei nº 88/2005, de 3 de Junho, deixaram de estar sujeitos a esse
diploma a partir de 1 de Março de 2009, momento em que foram integrados nos
agrupamentos de centros de saúde (ACES), através da Portaria nº 274/2009, de 18 de
Março.
As unidades de saúde familiar (USF), previstas no Dec-Lei nº 157/99, de 10 de Maio, e
criadas pelo Dec-Lei nº 298/2007, de 22 de Agosto, visam a modernização organizativa e
técnico-científica dos CSP nas instituições públicas do SNS (Ramos, 2005), quebrando a
prática a “solo”, que é psicologicamente perigosa para o médico de família e pode ser
perigosa para os pacientes. As USF enquanto modalidade de organização do trabalho
em CSP estão em consonância com as tendências internacionais de redução acelerada
da “solo practice” (prática profissional individual), substituindo-a pelas “group practices”
(Branco, 2001; Ramos, 2004).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
53
A prática médica isolada tem, cada vez mais, inconvenientes e perigos sérios. A vivência
científica e uma razoável actualização de conhecimentos requerem uma cultura de grupo,
com discussão regular das situações dos pacientes, com a análise inter-pares de práticas
e procedimentos (Branco, 2001).
As unidades de cuidados na comunidade (UCC) criadas pelo Dec-Lei nº 28/2008, de 22
de Fevereiro, e regulamentadas pelo Despacho nº 10143/2009, de 16 de Abril, são,
talvez, a novidade mais visível da reorganização dos cuidados de saúde primários (CSP).
Enquanto as USF visam aperfeiçoar a prestação de cuidados de medicina familiar num
contexto de grupo e equipa, as UCC são uma inovação estrutural que pode modificar
radicalmente a imagem e o papel dos CSP junto das populações.
Um dos problemas da “segunda geração” de centros de saúde (CS) é a tendência para
se virarem sobre si próprios, encerrando-se nas suas paredes. Esta tendência tem
causas diversas, a começar pela própria estrutura organizativa, com uma lógica de
segmentação profissional. É certo que há CS que têm projectos e intervêm
sistematicamente na comunidade. Mas, infelizmente, não constituem a regra e fazem-no
à custa de muito voluntarismo e carolice de um número restrito de profissionais (Branco,
2001).
A reorganização estrutural prevista no Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro, pode
impulsionar uma nova postura e dinâmica dos CSP, orientando-os para a sua missão na
comunidade e para os tipos de intervenção e cuidados a assegurar. As unidades
operativas propostas podem facilitar, consolidar e generalizar as boas experiências e as
melhores práticas que hoje já acontecem no terreno, apesar dos obstáculos e das
dificuldades estruturais. Estão também na linha das tendências verificáveis nos cuidados
de saúde primários dos países desenvolvidos (Branco, 2001).
Por exemplo, as USF e as UCC combinam duas abordagens complementares: uma
privilegia a liberdade de escolha do médico, mas pode levar a grande dispersão
geográfica; a outra intervém de forma sistemática e continuada por pequenas áreas
geográficas. As UCC são, assim, como que os “braços” pró-activos do CS junto da
comunidade, identificando pessoas, famílias e grupos em situação de maior necessidade
e vulnerabilidade. Identificam e mobilizam recursos de proximidade e recorrem aos
apoios existentes no ACES e no sistema de saúde (Branco, 2001).
54
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
As unidades de saúde pública (USP) permitem cumprir a vocação populacional e de
preocupação com a saúde colectiva. São o elo de ligação e de entrosamento dos
agrupamentos de centros de saúde (ACES) com a restante rede infra-estrutural da saúde
pública, que está a ser estruturada por círculos de âmbito local, regional, nacional e
internacional (Branco, 2001).
As restantes unidades funcionais previstas no Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro,
visam completar a funcionalidade e capacidade de resposta dos ACES em relação às
necessidades da população. Todas as unidades são multiprofissionais, embora numas
predominem os conhecimentos e práticas de medicina geral e familiar (MGF), caso das
USF e das unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP); ou os conhecimentos
e práticas de enfermagem comunitária e de família, caso das UCC; ou da teoria e
práticas de saúde pública nas suas diversas vertentes e competências profissionais. O
que está em causa é servir os pacientes e a comunidade, e não afirmar protagonismos
de grupos profissionais (Branco, 2001).
Um dos desafios à imaginação, criatividade e capacidade de organização dos
profissionais é o de encontrarem modalidades de entrosamento e cooperação entre as
várias unidades funcionais. Por exemplo: como articular eficazmente o trabalho das USF
e das UCSP com o das UCC?
É absurdo pretender que alguém escreva normas sobre o que deve acontecer em
realidades que variam de local para local e, no mesmo local, consoante o momento e os
recursos disponíveis. A lógica dos serviços estanques tem de dar lugar a modalidades de
trabalho orientadas para as necessidades dos pacientes e para servir a população. Esta
é uma área para intenso estudo, debate, experimentação, avaliação e divulgação de
ideias, experiências e resultados obtidos no terreno. Tudo isto pressupõe um processo de
mudança progressiva e coerente, com informação, debate e envolvimento alargados e
rigorosos dos profissionais.
Desde a promoção da saúde até à emergência médica, passando pelos aspectos
relacionados com a prevenção da doença, a abordagem da doença crónica e os cuidados
na doença aguda não emergente, a saúde é uma responsabilidade partilhada por
diversos actores sociais, a maioria dos quais exteriores ao chamado sector da saúde
(Branco, 2001).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
55
A reforma dos cuidados de saúde primários (CSP) pressupõe, nos tempos actuais, uma
maior diversidade de oferta de cuidados e uma crescente possibilidade de escolha por
parte dos cidadãos. Há profissionais que se adaptam e trabalham bem como
trabalhadores dependentes. Há outros que se realizam e produzem melhor como
empreendedores. O sistema de saúde português, que é universal, deve poder contar com
o melhor de todos os sectores. Pelo que a possibilidade que o modelo C das USF oferece
(Despacho nº 24101/2007, de 22 de Outubro), modelo experimental, a regular por
diploma próprio, e que abrange os sectores social, cooperativo e privado, articulados com
o ACES, mas sem qualquer dependência hierárquica deste, baseando a sua actividade
num contrato-programa estabelecido com a respectiva ARS, através do departamento de
contratualização, e sujeitas a controlo e avaliação externa desta ou de outras entidades
autorizadas para o efeito, com a obrigatoriedade de obter a acreditação num horizonte
máximo de três anos, pode ampliar a possibilidade de escolha dos cidadãos, introduzir
um elemento concorrencial regulado entre os prestadores do SNS e complementar a
capacidade de oferta dos serviços com propriedade pública.
Vítor Ramos (2004) cita Armando Brito de Sá, que considera ter chegado o momento “de
reunir esforços e lançar a terceira vaga dos cuidados de saúde primários: aquela na qual
os médicos de família arriscam ser profissionais independentes, estabelecendo com o
Estado um contracto de prestação de serviços, enquadrado conceptualmente pela
medicina geral e familiar”.
A organização e a gestão determinam o desempenho do sistema através dos seus
profissionais, dos seus conhecimentos, empenho e acção. Por isso, o essencial é
conseguir desenvolver e aproveitar bem as capacidades e as potencialidades humanas
existentes. Está em causa a criação de um dispositivo de gestão com autonomia e
responsabilização cujo cenário de aplicação e desenvolvimento se caracteriza por:
a) Uma estrutura descentralizada, baseada numa rede de equipas multiprofissionais, na
linha da frente, instituindo estas equipas como princípio estrutural permanente dos
agrupamentos de centros de saúde, e não como modalidade ad hoc;
b) Uma hierarquia técnica, cuja missão essencial é a de harmonizar a intervenção das
diversas equipas e desenvolver dinâmicas de melhoria contínua da qualidade;
c) Uma equipa de gestão, de apoio ao trabalho das equipas e de coordenação e coesão
institucional.
56
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Este cenário está claramente em contracorrente em relação à cultura burocrática
centralista de comando e controlo enraizada entre nós desde há muitos anos. É um
desafio que requer uma intensa e persistente dinâmica de formação, experimentação,
avaliações continuadas e ajustes no terreno. E a experiência já demonstrou que a
mudança organizacional nos cuidados de saúde primários não pode ser implementada
por via normativa “clássica” (Branco, 2001).
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
57
2.3. OS PROFISSIONAIS NUCLEARES DOS CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
2.3.1. O MÉDICO DE FAMÍLIA
Em 1978, o segundo governo constitucional decidiu universalizar o acesso à saúde, a
todos os portugueses, fossem ou não trabalhadores por conta de outrem e beneficiários
da segurança social. Qualquer cidadão português, passava assim a poder ser assistido
de forma universal e gratuita nos postos dos então serviços médico-sociais da
previdência (Campos, 2008).
É neste contexto que pela primeira vez surge a necessidade de um novo tipo de médico
que, à semelhança do que acontecia noutros países mais evoluídos (EUA, Reino Unido,
Canadá, Holanda, Dinamarca e Noruega, entre outros) (McWhinney, 1994), assumisse os
cuidados aos cidadãos numa perspectiva personalizada. São vários os profissionais que
nessa época defendem a estruturação de uma carreira e a definição de um perfil
profissional. Em 1979 têm lugar diversos seminários e acções de consultadoria, com a
participação de clínicos gerais do Royal College of General Practitioners do Reino Unido,
do Instituto de Clínica Geral da Universidade de Oslo e de instituições congéneres
holandesas. Um desses seminários teve lugar na Escola Nacional de Saúde Pública, de
16 a 20 de Abril de 1979, sobre “O papel do clínico geral em cuidados de saúde
primários” (Tavares, 1997). O relatório final seria designado por “Relatório Horder” e
constituiu um marco no lançamento da clínica geral em Portugal (Horder, 1997, 2004).
Nele eram sugeridos os seguintes princípios (Horder, 1997, 2004):
1. Que os cuidados de saúde em Portugal deviam estar ao alcance de todos,
serem capazes de responder às necessidades da população, conciliarem
prevenção com tratamento e cura, serem assegurados por uma equipa que
inclua sempre médicos de clínica geral e enfermeiros de saúde pública.
Conforme o tamanho da comunidade, a equipa podia integrar um médico de
saúde pública e, às vezes, um pediatra.
2. Que os médicos de clínica geral deviam ser formados para oferecerem um
tratamento mais amplo e não restrito a um sistema orgânico, uma técnica ou
grupo etário; que fosse acessível como primeiro contacto, no domicílio do
doente, se necessário e possível, mas garantindo continuidade de cuidados.
58
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Estes médicos deveriam assumir responsabilidade por uma comunidade
definida e a sua formação deveria incluir medicina preventiva e saúde
ambiental. Deveriam ser pagos por salário. Para atrair os melhores estudantes
de medicina, era fundamental que a remuneração não fosse inferior à dos
especialistas hospitalares.
Ainda em 1979 o Ministério dos Assuntos Sociais publica o documento “A Carreira
Médica nos Serviços Públicos de Saúde: 1. O médico de clínica geral. 2. O médico de
saúde pública” e o Dec-Lei nº 519-N1/79, de 29 de Dezembro, que cria a clínica geral
como ramo da carreira médica. Neste diploma era definido o respectivo perfil profissional
e atribuições (Jordão, 2003). Mas, veio a ser revogado pelo Dec-Lei nº 81/80, de 19 de
Abril, e foi a Portaria nº 444-A/80, de 28 de Julho, que institui e regulamenta “uma nova
modalidade do exercício da medicina — carreira de generalista — consagrada ao
exercício das funções da clínica geral” e em 1981 tem início o internato da especialidade
de generalista (Portaria nº 357/80, de 28 de Junho).
Em 1982, é publicado o decreto-lei que regulamenta as carreiras médicas (Dec-Lei nº
310/82, de 3 de Agosto), aonde o perfil profissional do médico de clínica geral é definido
de uma forma que se aproxima muito do que defendiam alguns médicos, organizados no
embrião do que viria a ser a Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral
(APMCG), nascida em 1983 (APMCG, 1991). O referido decreto prevê a criação de
Institutos que “proponham programas e desenvolvam sistematicamente acções de
formação e actualização” quer para os internos, quer para os médicos que pretendam
seguir a nova carreira, sendo então criados os Institutos de Clínica Geral (Jordão, 1995,
2003).
Nos novos centros de saúde (CS), nascidos da integração dos antigos postos dos
serviços médico-sociais nos CS criados em 1971, são colocados num curto espaço de
tempo vários milhares de clínicos gerais, a maioria dos quais inicia as suas funções sem
terem tido qualquer processo de formação de acordo com o perfil definido no Dec-Lei nº
310/82, de 3 de Agosto. Houve, contudo, um grupo de médicos que iniciaram um
processo de formação que era já um esboço de uma formação complementar específica
em clínica geral – o internato complementar de clínica geral.
Portanto, em 1982 foi criada a carreira médica de clínica geral pelo Dec-Lei nº 310/82, de
3 de Agosto – diploma das carreiras médicas, foi constituído o colégio da especialidade
de clínica geral (mais tarde medicina geral e familiar) da Ordem dos Médicos e em 1983
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
59
foi fundada a APMCG – Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, que se
transformou ao longo de 25 anos na maior associação médica de inscrição não
obrigatória, tendo como sócios fundadores, entre outros, António Branco, Maria Madalena
Mourão, Maria José Tovar, Vítor Serra, Vítor Ramos, Zaida Azeredo, Joaquim Saraiva
(Tavares, 1997). Após as primeiras eleições, ocorridas a 14 de Janeiro de 1984, o
primeiro presidente da assembleia geral, foi o Prof. Doutor Nuno Grande, o presidente do
conselho fiscal, o Dr. Joaquim Saraiva e o primeiro presidente da direcção nacional o Dr.
Mário Moura, seguindo-se-lhe o Dr. Luís Pisco (Pisco, 2003).
Em 1984 teve lugar em Évora o “Encontro Internacional de Clínica Geral”, organizado
pela APMCG, com a colaboração activa de figuras de relevo da clínica geral europeia
(Tavares, 1997; Jordão, 1995, 2003; Horder, 2004). Nesse mesmo ano a APMCG faz
publicar o primeiro número da “Revista Portuguesa de Clínica Geral”, um espaço de
reflexão, de formação e de investigação ainda hoje de referência no âmbito nacional e
internacional (Tavares, 1997; Pisco, 2003; Sá, 2003).
O perfil profissional do clínico geral, ou médico de família (MF), e a especialidade, em
Portugal designada por medicina geral e familiar (MGF), estão largamente definidos em
documentos oficiais ou particulares publicados no nosso país (Dec-Lei nº 310/82, de 3 de
Agosto; Dec-Lei nº 70/90, de 6 de Março; APMCG, 1991; Ordem dos Médicos – Colégio
de Medicina Geral e Familiar, 1995; Sá, 1995) e têm igualmente sido descritos e
propostos por diversas organizações internacionais, tais como a World Organization of
Family Doctors e a European Academy of Teachers in General Practice (Leeuwenhorst,
1974; WONCA, 1991; Olesen, 2000; WONCA – Europa, 2002, EURACT, 2005).
A medicina geral e familiar (MGF) é, antes de tudo, uma “medicina da pessoa”. Cada
cidadão deve ser compreendido e atendido na sua globalidade biológica, psicológica,
social e cultural (APMCG, 1991; WONCA, 1991; Pinto, 1991; WONCA – Europa, 2002;
Ramos, 2004; EURACT, 2005).
A “família” continua a ser um contexto fundamental a ter em conta na compreensão dos
fenómenos de saúde e doença de cada indivíduo, o adoecer na família, a família face à
doença, a família como geradora ou modeladora dos fenómenos de doença, a família
doente, etc. Nessa perspectiva, a clínica geral continua-se e aprofunda-se na “medicina
familiar” (Mendes, 1984; APMCG, 1991; WONCA, 1991; Sá, 1995; Rebelo, 2003, 2007;
Ramos, 2004).
60
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Uma vez que os indivíduos e as famílias se inserem num sistema social mais vasto, é
importante perceber as influências do meio envolvente, consideradas numa perspectiva
comunitária. O sistema de saúde deve orientar-se pelos problemas e pelas necessidades
de saúde das comunidades locais, regionais e nacional. Isto implica a definição correcta
dos objectivos de saúde a atingir (APMCG, 1991; WONCA, 1991; WONCA – Europa,
2002; Ramos, 2004; EURACT, 2005).
Evidencia-se, deste modo, que esta especialidade aborda a “pessoa” enquadrada numa
“família” e vivendo numa “comunidade”. O perfil profissional e técnico-científico do médico
de família (MF) deverá ser definido de forma a que ele possa ser o médico a quem a
pessoa recorre em primeiro lugar. O MF deverá ser o mais possível o médico de primeiro
contacto, quando alguém se sente doente ou quer cuidar da saúde, deverá sempre tentar
falar primeiro com o seu médico (APMCG, 1991; WONCA, 1991; WONCA – Europa,
2002; Ramos, 2004; EURACT, 2005; Hespanhol, 2005).
Um dos fundamentos da MGF é a liberdade de escolha do médico por parte dos
indivíduos e/ou das famílias, infelizmente nem sempre respeitada no nosso sistema de
saúde. É fundamental para que possa ser criada e mantida uma boa relação médicopaciente que cada cidadão possa escolher livremente o médico com quem irá
estabelecer uma ligação duradoura. O paciente deverá sentir que escolheu o seu médico,
tenha sido por acaso ou porque soube que era competente e, apesar de poder realmente
mudar para outro, não o quer fazer. A escolha do mesmo médico pelos restantes
elementos da família deverá surgir naturalmente; poderá mesmo ser recomendada, mas
nunca forçada por qualquer decisão burocrático-administrativa ou coacção psicológica
(Sousa, 2001; Simões, 2008).
A existência de listas de pacientes, que é uma particularidade de certos sistemas de
saúde e de organização dos cuidados de saúde primários, foi o modelo adoptado em
Portugal. Este sistema facilita os cuidados continuados e longitudinais, as actividades
antecipatórias de prevenção e promoção de saúde, permite ainda ao paciente conhecer o
seu médico de família (MF) e a este conhecer os cidadãos sob a sua responsabilidade
(Sousa, 2001; Simões, 2008).
Outros princípios essenciais da MGF são a universalidade e a equidade. Todos os
cidadãos, independentemente das suas condições ou características, devem ter acesso
aos cuidados de saúde de que necessitam, seja qual for a forma de financiamento do
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
61
sistema e o modelo de organização da prestação de cuidados (Sousa, 2001; Ramos,
2004).
A MGF deve basear a sua actuação numa perspectiva de promoção da saúde e de
prevenção da doença. Ambas visam a elevação dos níveis de saúde das pessoas, das
famílias e das comunidades através de uma intervenção mais activa de educação para a
saúde, papel que cabe a toda a sociedade, mas que pode e deve ser desenvolvido a
nível individual ou colectivo pelos diversos profissionais de saúde, entre os quais os MF.
De acordo com Jaime Correia de Sousa e colaboradores (2001) o médico de família
(MF):
— É um profissional com habilitação específica para prestar com independência e
autonomia cuidados assistenciais aos indivíduos e famílias que o escolham como seu
médico assistente. Os pacientes deverão entender a ideia de competência técnicocientífica pela percepção de que vão a este médico porque ele é capaz de resolver a
maior parte dos seus problemas de saúde e resolvê-los bem;
— Deve exercer a sua acção integrado numa perspectiva multidisciplinar de trabalho em
equipa;
— Orienta a sua actuação para a pessoa total, independentemente da idade ou sexo, e
lida com todo o tipo de problemas de saúde – globalidade. Este conceito deve ser
completado pelo conceito de amplitude, definido pelo espectro de cuidados prestados,
pelo “leque de oferta”, bem como pelo limiar de referência e pela ligação a outros
médicos e a outros profissionais de saúde;
— Deverá dominar um conjunto de métodos e técnicas de relação e comunicação
médico-paciente e seleccioná-los em face de cada situação e contexto; deverá ser
simpático (empático), saber ouvir o paciente, interessar-se pelos seus problemas e
procurar perceber o que este sente e o que tem;
— Aborda situações de patologia crónica múltipla e/ou em que coexistem vários
problemas de saúde de natureza diversificada. Com o envelhecimento da população, as
doenças crónicas mais frequentes na comunidade constituem, aliás, uma das áreas de
actuação mais importantes e de magnitude tendencialmente crescente da actividade dos
médicos de família em todo o mundo;
62
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
— Utiliza, sempre que necessário, métodos e técnicas de avaliação familiar;
— Actua, na promoção da saúde, na prevenção da doença, no diagnóstico, no tratamento
e na reabilitação e reinserção na comunidade;
— Deve preocupar-se em prestar aos seus pacientes os cuidados que estes necessitam
ou julgam necessitar com a maior brevidade possível, nas condições mais favoráveis, no
consultório ou no domicílio do paciente, incluindo a prestação e organização de cuidados
nas chamadas “horas incómodas” – acessibilidade. Esta definição conceptual de
acessibilidade tem encontrado diversos obstáculos organizativos, funcionais e logísticos à
sua plena concretização, decorrentes do enquadramento contratual da carreira médica de
clínica geral, do sistema retributivo, dos hábitos e rotinas dos profissionais, do modelo
funcional dos centros de saúde, das expectativas dos utentes e do deficiente
funcionamento da equipa de saúde;
— Deverá oferecer aos seus pacientes continuidade de cuidados assistenciais,
entendendo-se isto como o assumir da responsabilidade personalizada de cuidar do
cidadão, que livremente o escolheu, ao longo do tempo e independentemente do
problema de saúde que apresenta – “os meus cuidados de saúde melhoram porque
consulto o mesmo médico sempre que é possível e, quando não é, sou atendido por um
colega que trabalha de forma parecida e usa a mesma ficha clínica”. A necessidade de
referência a outro nível de cuidados ou a ausência temporária do médico não contrariam
este princípio, que deverá ser assegurado através de mecanismos de intersubstituição
temporária. Como consequência da necessidade esporádica de fazer uma referência,
nasce o conceito de coordenação de cuidados – “quando é necessário, este médico é
capaz de me enviar a outros médicos ou a outros profissionais e, depois, interessa-se
pelo resultado e organiza a continuação dos tratamentos”. Um outro conceito, o de
longitudinalidade, pode ser traduzido por “já sou doente deste médico há vários anos e
ele, melhor do que ninguém, sabe o que eu tenho; já passámos por muita coisa juntos”.
Além disso, este médico conhece bem o paciente e a sua família, percebe as suas
necessidades e mantém toda a informação na ficha clínica, tendo assim um importante
conhecimento acumulado;
— Usa métodos de recolha, sistematização, anotação e utilização da informação clínica
adequados à complexidade da sua prática profissional – sistema de informação;
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
63
— Assegura uma gestão eficiente da sua prática clínica tendo em conta as necessidades
de saúde dos seus utentes.
A perseguição destes objectivos tem sido, ao longo dos últimos vinte e sete anos, um
processo longo e difícil. Mais do que descrever as definições conceptuais dos atributos
dos MF, será interessante verificar até que ponto se conseguiu que isso se traduza, na
prática, em um exercício profissional de qualidade e, além disso, se os MF conseguiram
responder às expectativas dos cidadãos. Se sim, um dos factores importantes de
sucesso da profissão estará assegurado.
2.3.2. O ENFERMEIRO DE FAMÍLIA
Numa perspectiva internacional, a área da saúde, decorrente das determinações da
Organização Mundial de Saúde (OMS) para a região Europa, está em processo de
mudança, o que traz novas perspectivas para os profissionais que até ao presente têm
conseguido, melhor ou pior, funcionar em cenários clássicos que, por razões e interesses
diversos, se foram perpetuando (WHO, 2001).
A enfermagem não é excepção; antes pelo contrário, uma vez que lhe são colocados
contextos e desafios que, a curto prazo, irão muito para além dos modelos tradicionais
nos quais têm vindo a funcionar, quer ao nível da formação, quer ao nível dos diferentes
locais de trabalho. Estes modelos têm-se mantido, umas vezes, porque essa realidade é
imposta e, outras, porque têm tido alguma dificuldade em separar-se de um passado
longo e das suas consequências, na sua autoconstrução. Isto tem condicionado a sua
forma de estar e de procurar formas inovadoras de fazer pesar as suas potencialidades
face aos actuais problemas de saúde e aos contextos em que se prestam cuidados
(Correia, 2001).
A ideia de uma “enfermagem de família” centrada no trabalho com as famílias já vem de
há muito a ser teorizada e praticada pelos núcleos inovadores da enfermagem em
cuidados de saúde primários (CSP), mas recebeu novo impulso na Conferência Europeia
de Munique (WHO, 2000).
Em Portugal a enfermagem é hoje reconhecida como uma profissão que se impôs de
forma decisiva nos últimos trinta anos. No entanto, dos cerca de 44.000 enfermeiros
existentes em Portugal em 2005, só cerca de 16% exerciam funções nos CSP (Simões,
64
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
2007)
e
apenas
12%
eram
enfermeiros
com
a
especialidade
de
saúde
pública/comunitária.
Em CSP, a enfermagem integra o processo de promoção da saúde e prevenção da
doença, evidenciando-se nas actividades de educação para a saúde, manutenção,
restabelecimento, coordenação, gestão e avaliação dos cuidados prestados aos
indivíduos, famílias e grupos que constituem uma dada comunidade (Correia, 2001).
A enfermagem de família é uma prática continuada e globalizante dirigida a todos os
indivíduos ao longo do seu ciclo de vida e desenvolve-se em diferentes locais da
comunidade. Poder-se-á dizer que é um serviço centrado em famílias, que respeita e
encoraja a independência e o direito dos indivíduos e famílias a tomarem as suas
decisões e a assumirem as suas responsabilidades em matéria de saúde até onde forem
capazes de o fazerem. Resumindo, é “trabalhar com as famílias” de forma a ajudá-las a
desenvolverem capacidades para o desempenho adequado e eficiente das suas funções
(Correia, 2001).
A sua prática é de complementaridade com a dos outros profissionais de saúde e
parceiros comunitários, responsabilizando-se por identificar as necessidades dos
indivíduos/famílias e grupos de determinada área geográfica e assegurar a continuidade
dos cuidados, estabelecendo as articulações necessárias.
A actuação dos enfermeiros em cuidados de saúde primários situa-se assim em duas
áreas distintas, a da saúde pública e a da saúde familiar, em parte por herança histórica,
mas considerando também os problemas de saúde nacionais, as orientações políticas
internacionais, nacionais e regionais, a formação e a evolução da profissão.
Reconhece-se que o enfermeiro detém um lugar privilegiado nos modelos de equipa
pluridisciplinar de saúde que têm sido experimentados entre nós devido às múltiplas
oportunidades que tem de conhecer as famílias e os seus “estilos de vida” durante o
atendimento das suas necessidades de saúde, assim como dos recursos comunitários.
Estas oportunidades conferem-lhe o papel de agente facilitador da mudança que se
pretende efectuar.
Trabalham integrados em programas ou projectos no centro de saúde (CS), no domicílio
ou em grupos institucionalizados da zona de implantação geográfica do CS, como
promotores ou participantes, a título individual e/ou de forma articulada em grupos
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
65
multidisciplinares e, por vezes, transectoriais, junto de pessoas, famílias e grupos da
população.
Presentemente congregam esforços para adoptarem internacionalmente uma linguagem
profissional comum e uma classificação das suas práticas. Para isso estão a ser testados
os fenómenos e as intervenções de enfermagem, pretendendo-se avançar para os
resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem. Em Portugal está em curso, o registo
sistemático dos cuidados prestados no programa nacional de vacinação no programa
SINUS, e em muitos locais o uso do programa SAPE, o módulo clínico de enfermagem.
Os enfermeiros em cuidados de saúde primários (Correia, 2001):
— São responsáveis pela execução do Plano Nacional de Vacinação;
— Partilham a responsabilidade epidemiológica com as autoridades de saúde,
identificando precocemente “novos casos”, sobretudo os detectados em grupos
comunitários;
— Efectuam inquéritos epidemiológicos, contribuindo para o diagnóstico e controlo da
situação sanitária do ponto de vista endémico e epidémico;
— Efectuam vigilância de saúde a grupos vulneráveis, segundo padrões de
comportamento ou problemas específicos ou com disfuncionalidades familiares e/ou
sociais, em aspectos ligados à saúde materna, infantil e escolar, à adolescência e às
doenças transmissíveis mais relevantes;
— Estão próximos das famílias a vivenciar processos de saúde/doença com vista à
promoção da saúde, prevenção e tratamento da doença, readaptação funcional e
reinserção social em todos os contextos de vida;
— Estão próximos dos emigrantes e imigrantes, dando apoio e orientação em questões
de saúde;
— São promotores ou respondem às solicitações do poder autárquico local ou de
associações de bairro, bem como a iniciativas empresariais, no âmbito da saúde no
trabalho;
— Contribuem para a detecção precoce da doença através da realização de rastreios;
66
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
— Trabalham em articulação, sobretudo com instituições governamentais, nas áreas da
educação e da segurança social, mas também com associações na vigilância,
acompanhamento e/ou execução do programa de tratamento instituído, de doenças
infecciosas, oncológicas, mentais, entre outras;
— Integrados em movimentos sinergéticos transectoriais, participam em programas e
projectos específicos, estabelecidos em rede ou em parceria.
A “primeira geração” de centros de saúde estava orientada para a saúde pública e para a
medicina preventiva. Era organizada por valências e dava prioridade à saúde maternoinfantil.
A partir de 1983, a “segunda geração” de centros de saúde integra a primeira rede de
centros de saúde com os postos dos ex-serviços médico-sociais e implementa a carreira
médica de clínica geral. Estes centros são organizados por serviços e grupos
profissionais.
Os problemas de saúde comunitários e a evolução da prestação dos cuidados de saúde
exigem hoje a reorganização das instituições e de métodos de trabalho, enfatizando a
constituição de equipas multidisciplinares para optimizar as respostas às necessidades
da população.
O sentido da mudança é enquadrado pelo Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro, que
preconiza uma organização descentralizada. Neste sentido, esta reestruturação cria,
entre outras, a unidade de cuidados na comunidade (UCC).
Esta unidade é constituída por uma equipa multidisciplinar, articula-se, sobretudo, com as
unidades de saúde familiares (USF), as unidades de cuidados de saúde personalizados e
com a unidade de saúde pública, mobilizando em simultâneo recursos existentes e
pretendendo que integre todas as intervenções comunitárias.
A OMS vem reforçar esta ideia ao introduzir o conceito de enfermeiro de saúde familiar
ou enfermeiro de família (EF), traçando os objectivos para este século, contando com o
seu papel na equipa multidisciplinar (WHO, 2001).
Neste contexto, pretende-se que a UCC se direccione para a comunidade e alcance as
pessoas que apresentam dificuldades para procurarem a ajuda dos serviços de saúde. A
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
67
sua inserção familiar exige uma intervenção de carácter domiciliário e a delimitação de
áreas geográficas.
Assim sendo, deverão ser alvo dos cuidados de enfermagem:
— As famílias com disfunções familiares e/ou sociais que sejam identificadas como
vulneráveis a problemas de saúde;
— As famílias cujo ciclo de vida possa originar risco evolutivo, nomeadamente as
grávidas e recém-nascidos;
— As famílias que vivam crises disruptivas, designadamente por marcada dependência
bio-psico-social,
com
doença
crónica
e/ou
comportamental,
e
requeiram
acompanhamento próximo, regular e continuado.
Deste modo, considerando as mudanças no perfil demográfico e nos indicadores de
morbilidade, a emergência das doenças crónicas, que se traduzem em novas
necessidades de saúde e, a natureza dos cuidados de enfermagem (resposta humana às
situações de doença e aos processos de vida), a lógica de referenciação para o
enfermeiro de família (EF) será a correspondente a um grupo de famílias por determinada
área geográfica.
Como tal, a organização dos cuidados de enfermagem deverá ter por base as
necessidades de cuidados das famílias, o que pressupõe assegurar a definição e
permanente actualização do perfil epidemiológico de saúde na perspectiva de
enfermagem, da população utilizadora, o que na assistência no domicílio assume papel
relevante. O desenvolvimento da intervenção dos EF integra-se na resposta
multiprofissional e multidisciplinar que a saúde, enquanto fenómeno multifacetado e de
grande complexidade, exige. Ou seja, o tipo de intervenção, o contexto em que se
desenvolve e a organização do trabalho permitirá que os EF, enquanto membros da
equipa prestadora de cuidados, se articulem com os restantes recursos existentes e
procedam ao encaminhamento para outros profissionais sempre que a situação o exiga.
A enfermagem de família consiste em trabalhar com as famílias, ajudando-as a identificar
problemas e a mobilizar os seus próprios recursos. Deste modo o cuidar da família, como
unidade básica, exige conhecer como esta cuida, identificando as suas dificuldades e
forças, para que se possa ajudar a família a agir no sentido de atender às necessidades
68
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
dos seus membros e alcançar um viver-ser-estar saudável. Assim, os enfermeiros
devem:
— Proceder à inclusão deliberada da família no planeamento e prestação de cuidados ao
cliente;
— Ter a capacidade de levar em consideração as necessidades da família como um
todo, e não apenas as necessidades do indivíduo;
— Reconhecer a importância das crises interpessoais e do seu impacto na saúde da
família;
— Dar ênfase ao estilo colaborativo, que respeita as forças da família e lhes dá apoio
para encontrar as suas próprias soluções para os problemas identificados.
Segundo Friedmann (1998) de acordo com a perspectiva que a família assume, há níveis
de prática de enfermagem familiar que têm implicações nos processos de avaliação e
intervenção familiar, a saber:
Nível I – Família como contexto:
— O objectivo é cuidar um membro da família como foco da nossa intervenção
promovendo o bem-estar individual;
— A família é entendida como recurso e factor de saúde/doença individual.
Nível II – Família como soma das suas partes:
— O objectivo é prestar cuidados à família na sua globalidade;
— O alvo é cada um e todos os membros da família.
Nível III – Subsistema familiar como cliente:
— O alvo é um dos subsistemas familiares;
— O enfermeiro trabalha com dois ou mais elementos da família com o objectivo de obter
a compreensão e apoios mútuos.
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
69
Nível IV – Família como cliente:
— O alvo é a família como sistema interactivo;
— O todo é maior do que a soma das suas partes;
— O foco dos cuidados são as dinâmicas internas da família e as suas relações, a
estrutura da família e o seu funcionamento, assim como o relacionamento dos diferentes
sub-sistemas com o todo familiar e com o meio envolvente, e que geram mudanças nos
processos intra-familiares e na interacção da família com o seu ambiente.
O enfermeiro de família (EF) será então responsável por um grupo de famílias,
combinando actividades de promoção da saúde e de prestação de cuidados, actuando no
seio da família e da comunidade, em articulação com todos os sectores. Este papel
multifacetado e a proximidade das famílias colocam o enfermeiro em situação privilegiada
para constituir a “interface” entre todos os profissionais que intervêm no processo dos
cuidados.
Na Declaração de Munique a OMS exorta as autoridades da região europeia (WHO,
2000):
— A garantirem a participação dos enfermeiros na tomada de decisão a todos os níveis
do desenvolvimento e implantação das políticas de saúde;
— A criarem oportunidades para que enfermeiros e médicos estudem em conjunto a nível
da formação inicial e de pós-graduação, para assegurarem maior cooperação e
fomentarem o trabalho interdisciplinar;
— A procurarem oportunidades para estabelecerem e sustentarem programas e serviços
de enfermagem centrados na família, incluindo, quando apropriado, a enfermagem de
saúde familiar;
— A reforçarem o papel dos enfermeiros em saúde pública, na promoção da saúde e no
desenvolvimento comunitário.
70
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Em síntese o médico de família e o enfermeiro de família são os pilares de uma nova
prestação de cuidados de saúde primários que hoje se desenrola em moldes
organizativos radicalmente diferentes do que se verificou no passado. Por estes motivos
é necessário perceber-se as complexas relações éticas que existem neste domínio dada
a diversidade de actores existentes no sector da saúde. E como sugere Rui Nunes é
fundamental a implementação imediata de uma verdadeira “plataforma ética da saúde”
para que os direitos dos doentes não sejam mais uma vez subordinados a interesses
corporativos ou profissionais. (Nunes, 2006). É precisamente sobre esta dimensão ética
que irá versar a segunda parte deste estudo, ou seja a componente empírica desta tese.
ÉTICA
71
3. ÉTICA
Ao iniciar este capítulo, é útil tecer alguns esclarecimentos sobre a forma como foram
escolhidas as correntes éticas para a presente análise. Ao definir este estudo como uma
investigação empírica e uma abordagem não normativa e descritiva da ética, o seu
propósito não está na busca da validade interna das diversas teorias mas sim em
explorar como estas se apresentam no dia a dia dos profissionais dos cuidados de saúde
primários. Desta forma, as análises aqui desenvolvidas relativizam diversas críticas
dirigidas a cada uma das teorias éticas. Assim, e tendo em atenção essas críticas a
opção tomada foi utilizar como recurso bibliográfico as obras consideradas marcos
iniciais de cada uma das teorias éticas, para a apresentação das correntes éticas
consideradas mais pertinentes na abordagem da prática dos profissionais dos cuidados
de saúde primários, dando preferência, quando possível, à última edição, por se
considerar que nela os autores podem ter incorporado respostas a possíveis críticas
tecidas à sua proposta inicial.
Em consequência, analisou-se para a ética principialista, a quinta edição, editada em
Nova Yorque pela Oxford University Press em 2001, da obra de Tom Beauchamp e
James Childress, «Principles of Biomedical Ethics»; para a ética das virtudes, a terceira
edição, editada em Londres pela Duckworth em 2007, de «After Virtue: A study in moral
theory» de Alasdair MacIntyre; para a ética do cuidado, analisou-se uma reimpressão,
ampliada com a introdução de um novo prefácio, de 1993, da obra «In a Different Voice:
Psychological Theory and Women’s Development» de Carol Gilligan e editada em
Cambridge (Massachusetts) pela Harvard University Press em 1993; para a ética
casuística, analisou-se o livro «The Abuse of Casuistry: A History of Moral Reasoning»
escrito por Albert R. Jonsen e Stephen Toulmin, editado em Berkeley pela University of
California Press em 1988 e a tradução portuguesa do Prof. Doutor Fernando Martins
Vale, da quarta edição da obra «Clinical Ethics. A Pratical Approach to Ethical Decisions»
de Albert R. Jonsen, Mark Siegler e William J. Winslade, «Ética Clínica. Uma Abordagem
Prática de Decisões Éticas em Medicina Clínica» editada em Lisboa pela Mc-Graw-Hill
em 1999; para a ética profissional analisaram-se os Códigos Deontológicos da Ordem
dos Médicos e da Ordem dos Enfermeiros e textos que discutem os fundamentos, o
ensino, a evolução e a prática da deontologia nas profissões da saúde entre outras.
Outro aspecto que é importante evidenciar é que ao optar por «After Virtue» como
recurso bibliográfico para a ética das virtudes, não se desconhece que existem outras
72
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
obras que desenvolvem esta corrente teórica especificamente para a prática da saúde,
como «For The Patient´s Good» de Edmund Pellegrino e David Thomasma e «In
Becoming a Good Doctor: The Place of Virtue and Character in Medical Ethics» de James
Drane. Mas, como referido anteriormente, procurou-se tomar por referência a obra tida
como marco inicial para a inclusão da corrente ética no desenvolvimento da bioética e
atribui-se, pelo menos segundo alguns autores, ao «After Virtue» o estímulo para o
renovado interesse na natureza e significado da ética das virtudes, tendo as obras
mencionadas reflectido sobre a proposta de MacIntyre (Hauerwas, 1995).
ÉTICA
73
3.1. ÉTICA PRINCIPIALISTA
O modelo principialista é a forma de análise mais difundida na bioética, chegando, por
vezes, a confundir-se com ela. Os seus autores são Tom Beauchamp e James Childress
que propõem quatro princípios como referências orientadoras para a análise dos
problemas éticos: o respeito pela autonomia, a não maleficência, a beneficência e a
justiça. A sua obra «Principles of Biomedical Ethics» teve a sua primeira edição lançada
em 1978 e a quinta em 2001, sendo esta (Beauchamp, 2001) a utilizada para a presente
síntese desta corrente ética.
3.1.1. PARA COMPREENDER O PRINCIPIALISMO
3.1.1.1. ÉTICA, MORALIDADE E MORAL COMUM
Para Tom Beauchamp e James Childress, ética é um termo genérico que abarca vários
modos de entender e examinar a vida moral, distinguindo-se em abordagens normativas
e não normativas (metaética e ética descritiva).
Moralidade refere-se às normas de conduta humana, certa e errada, compartilhadas e
que formam um estável, embora incompleto, consenso social. Conforma, uma instituição
social anterior às reflexões encontradas na ética filosófica ou teológica, abrangendo
diversos padrões de conduta, como os princípios morais, as regras, os direitos e as
virtudes.
Os autores ponderam que todos crescem com um entendimento básico da moralidade,
sendo as suas normas prontamente entendidas, ou seja, todas as pessoas sérias
(“serious persons”) compreendem as dimensões nucleares da moralidade. Sabem que
não mentir; não roubar; manter as promessas; respeitar os direitos dos outros; não matar
e não causar danos às pessoas inocentes são normas basilares e que violá-las sem uma
razão moralmente boa e suficiente, é imoral e deve levar a sentimentos de remorso. A
este conjunto de normas partilhadas pelas pessoas moralmente sérias, os autores
denominam moral comum. Então, a moral comum contém as normas morais que
vinculam todas as pessoas em todos os lugares, não havendo outra norma mais
fundamental na vida moral. E, afirmam ainda que, nos últimos anos, esta dimensão
74
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
nuclear no discurso público é representada pela declaração dos direitos humanos
fundamentais.
Segundo os autores, a moralidade é mais do que a moral comum e as duas não podem
ser confundidas. A primeira pode incluir, entre outros, os ideais morais aceites
voluntariamente por indivíduos ou grupos, as normas que vinculam apenas os membros
de comunidades morais específicas e as virtudes extraordinárias. Por outro lado, a moral
comum somente compreende as normas que todas as pessoas moralmente sérias
aceitam como sendo portadoras de autoridade.
Para Tom Beauchamp e James Childress, se se considerar uma comunidade específica,
a moralidade pode reflectir diferenças culturais significativas, mas os autores consideram
isso um facto da própria moralidade com os seus preceitos fundamentais, os quais
tornam possível os juízos inter-temporais e trans-culturais que levam a considerar que
nem todas as práticas dos distintos grupos culturais são aceitáveis do ponto de vista
ético. A escravidão, a discriminação de género e racial e outras práticas inaceitáveis têm
surgido ao longo da História, mas o facto de existirem não as torna moralmente
aceitáveis, ainda que uma sociedade em particular as considere como tal.
Assim, estes autores dizem-nos que o uso da moral comum como marco inicial do
equacionar ético não leva necessariamente a conclusões comummente aceites. Uma
função das normas gerais na moral comum é propiciar base para a avaliação e a crítica
dos grupos ou das comunidades, cujos pontos de vista morais usuais são, em algum
aspecto, defectivos. A reflexão crítica pode, em última instância, defender juízos que de
início não são amplamente compartilhados. Em resumo, para os referidos autores, a
moral comum é um elemento pré-teórico que transcende costumes e atitudes locais,
estando asseguradas as conclusões críticas acerca desses costumes e atitudes ao
manter-se a fidelidade à própria moral comum.
Tom Beauchamp e James Childress entendem que a moral comum goza de autoridade
moral quanto à conduta de todas as pessoas, sendo ela a base para as teses normativas
e as teorias éticas elementares que desenvolvem no seu livro. Com isto, desejam tornar
claro que as normas que propõem não estão baseadas numa teoria ou doutrina filosófica
ou teológica em particular. Por outro lado, salientam que ao tomar a moral comum como
ponto de partida não esperam poder validamente defender a autoridade para tudo que
construíram. Reconhecem que seria absurdo supor que todas as pessoas, de facto,
aceitam todas as normas da moral comum. Muitos amorais, imorais ou pessoas
ÉTICA
75
selectivamente morais, como os autores as classificam, não se preocupam e tão pouco
se identificam com estas ou outras exigências morais. Entretanto, os autores acreditam
que todas as pessoas sérias, de todas as culturas, aceitam as exigências da moral
comum.
3.1.1.2. PRINCÍPIOS, REGRAS E NORMAS MORAIS
Na moral comum, segundo os autores, encontram-se princípios que são básicos para a
ética biomédica. Um conjunto de princípios configura uma estrutura analítica expressando
os valores gerais que marcam as regras na moral comum. Estes princípios podem
funcionar como guias de conduta para a ética profissional. Na sua obra, Tom Beauchamp
e James Childress defendem quatro princípios que consideram centrais para a ética
biomédica, após analisarem como os juízos éticos são respeitados e a maneira pela qual
as crenças morais ganham coerência. Estes quatro princípios são: o respeito pela
autonomia (um princípio de respeito pela capacidade de as pessoas autónomas tomarem
decisões); a não maleficência (um princípio de se evitar causar danos); a beneficência
(um princípio que visa prover benefícios e ponderar benefícios/riscos e custos); e a
justiça (um princípio para a distribuição justa, equitativa, de benefícios, riscos e custos). A
escolha dos princípios e a especificação do seu conteúdo decorrem da tentativa dos
autores juntarem a moral comum e as tradições médicas numa única e coesa corrente
ética.
Sobre esta temática Rui Nunes sugere que “tal como formulados por Beauchamp e
Childress, os princípios de ética biomédica – autonomia, beneficência, não maleficência e
justiça – reflectem a secularização característica das sociedades ocidentais, que
conferem, ao que parece, uma prevalência da autodeterminação individual sobre outros
valores humanos fundamentais, como a responsabilidade social, ou a solidariedade
humana.
Esta
solidariedade
humana,
alicerçada,
também,
no
princípio
da
subsidiariedade, identifica deveres interpessoais que estão bem patentes, por exemplo,
na experimentação em seres humanos ou na dádiva de órgãos para transplantação. Esta
enunciação de princípios de aplicação prática, ainda que baseados na bagagem
humanista da cultura ocidental, preocupa-se mais em originar acções facilmente
perceptíveis como justas, bem como na definição das obrigações morais a elas
associadas e quase nunca dos valores que possam fundamentar ou justificar essas
obrigações morais. Trata-se, talvez, de uma abordagem pragmática, dado que se torna
76
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
mais simples alcançar um consenso sobre princípios gerais a adoptar do que sobre os
valores que possam fundamentar esses princípios. Este pragmatismo traduz, também, o
facto de se tratar de uma ética laica, desligada de uma tradição cultural que tem
profundas raízes sociais.” (Nunes(a), 2003).
Embora os autores acreditem que os princípios fornecem as normas mais gerais e
abrangentes, o modelo por eles proposto abarca vários tipos de normas morais,
incluindo, além dos princípios, as regras, os direitos, as virtudes e os ideais morais.
Contudo, como destacam, actuam com uma pequena distinção entre regras e princípios,
residindo a diferença no facto das regras serem mais específicas no conteúdo e mais
restritas no propósito do que os princípios. Desta forma, os princípios sugerem normas
gerais que permitem, em muitos casos, um espaço considerável para o discernimento,
não funcionando como um guia preciso da acção que informa como agir em cada
circunstância, ao contrário do que fazem as regras, mais detalhadas e precisas.
Por esta razão, defendem diversos tipos de regras que especificam os princípios e
propiciam uma linha de acção mais específica. Essas regras podem ser substantivas, de
autoridade e de procedimentos. As regras substantivas são as que descrevem padrões
substantivos ou seja critérios para a tomada de decisões: verdade; confidencialidade;
privacidade; paragem de tratamento; consentimento informado e racionamento de
cuidados de saúde. As regras de autoridade dizem respeito a quem pode e/ou deve
desempenhar as acções de tomada de decisão. Entre as regras de autoridade e as
substantivas há uma interacção. As regras de procedimentos estabelecem os
procedimentos a serem seguidos e a elas se recorre, com frequência, quando se
esgotam as regras substantivas e as de autoridade se apresentam incompletas ou
inconclusivas.
O modelo de princípios e regras, adoptado pelos autores, não menciona os direitos das
pessoas, o carácter e as virtudes dos agentes que desempenham as acções e as
emoções morais. Isto porque consideram que estes aspectos da vida moral merecem
atenção numa teoria mais ampla, embora reconheçam que os direitos, as virtudes e as
respostas emocionais são tão importantes quanto os princípios e as regras para uma
visão abrangente da vida moral.
ÉTICA
77
3.1.1.3. A NATUREZA PRIMA FACIE DAS NORMAS MORAIS
Para discutir esta questão Tom Beauchamp e James Childress tomam por base o
pensamento de Sir William David Ross, que distingue as obrigações prima facie e as
obrigações de facto ou reais. Esta distinção é tida pelos autores como essencial para a
sua análise.
Uma obrigação prima facie deve ser cumprida a menos que conflitue, em determinadas
ocasiões, com uma obrigação de igual ou mais força, ou seja, é uma obrigação moral
vinculante a menos que, numa circunstância particular, uma outra conflituante a supere.
Alguns actos não são prima facie errados ou certos, porque duas ou mais normas podem
conflituar em certas situações e, nestas condições, os agentes devem determinar o que
fazer, encontrando uma obrigação real pelo confronto das obrigações prima facie. Isto é,
devem fazer “o melhor balanço” do certo e do errado, através do exame dos pesos das
obrigações prima facie em confronto.
Os autores entendem que nenhuma teoria ou código de ética profissional apresenta um
sistema de regras livre de conflitos e/ou excepções, contudo não vêem esse facto como
causa de descrença ou perigo. Por isso, consideram que a distinção proposta por William
Ross se adapta muito bem à experiência dos agentes morais, provendo as categorias
indispensáveis para a ética biomédica, uma vez que não são raras as situações nas
quais se deve escolher entre valores plurais e conflituantes, a partir da ponderação de
várias considerações.
A exemplo de William Ross, Tom Beauchamp e James Childress constroem os seus
princípios como prima facie, e entendem que a necessidade de ponderar princípios prima
facie nos casos de conflito moral, deixa espaço para o compromisso, a mediação e a
negociação e a sua especificação permite o crescimento moral.
3.1.1.4. ESPECIFICANDO E PONDERANDO OS PRINCÍPIOS E AS REGRAS
Os quatro grupos de princípios propostos por Tom Beauchamp e James Childress não
constituem uma teoria moral geral, mas proporcionam apenas uma estrutura para
identificar e reflectir acerca dos problemas éticos. Os autores alertam que esta estrutura é
frágil, pois princípios prima facie não gozam de conteúdo suficiente para encaminhar as
78
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
distintas perspectivas de muitas circunstâncias particulares. Assim, é fundamental
especificar e ponderar estes princípios abstractos.
Especificar é atenuar a indeterminação das normas abstractas, dotando-as de conteúdo
para guiar uma acção concreta. Por exemplo, sem especificação, “não causar danos”
configura um ponto inicial muito pobre para se pensar nas questões relativas a problemas
como o suicídio assistido e a eutanásia, sendo insuficiente para nortear adequadamente
uma acção quando as normas conflituarem. Assim, os problemas éticos da prática
quotidiana requerem que as normas gerais sejam especificadas para os contextos
particulares num vasto leque de casos.
A fim de que os princípios possam ter conteúdo suficiente para a aplicação prática, os
autores alertam que é necessário especificar o seu conteúdo com vista a indicar o motivo
e a forma como os casos podem ser orientados pelos princípios, pois é a progressiva
especificação que nos pode dar conta da variedade de problemas que surgem, reduzindo
os dilemas e conflitos irresolúveis devido à insuficiência de conteúdo dos princípios em
abstracto. Dotar os princípios de conteúdo por meio da especificação é primordial para a
decisão em ética clínica e para desenvolver as regras institucionais e as políticas
públicas. Todas as normas morais são, em tese, sujeitas a tal especificação e precisam
deste conteúdo adicional porque a complexidade do fenómeno moral ultrapassa a
habilidade disponível para capturá-lo através das normas gerais.
Porém, este processo de especificação tem os seus limites, isto é, por mais precisa que
seja uma especificação, ela pode não conseguir eliminar por completo o conflito. Em
casos problemáticos ou dilemáticos, distintas especificações conflituantes podem indicar
diversas soluções possíveis fazendo a situação retornar ao ponto de partida que
determinou a necessidade de especificar as normas. E, ainda que a especificação elimine
um conflito contingente, esta pode ser arbitrária, perder a imparcialidade ou falhar por
outras razões. Além do mais, o excesso de confiança na especificação pode levar a uma
certeza dogmática. Assim, a fim de escapar da abstracção, os princípios requerem uma
especificação cuidadosa, mas não demasiada, sob risco de tornarem-se rígidos e
insensíveis às circunstâncias.
A este propósito refere Rui Nunes que “estes princípios de ética biomédica defendidos
por Tom Beauchamp e James Childress, também designados por principiologia de
Georgetown (Universidade onde se encontra sediado o Kennedy Institute of Ethics),
estariam a meia distância entre a teoria ética fundamental – corpo integrado de regras e
ÉTICA
79
de princípios – e regras de conduta, que, por definição, são restringidas a determinados
contextos e de alcance forçosamente mais limitado. Porém, a aplicação destes princípios
tem gerado alguma controvérsia dado que, quando em presença de dilemas éticos
complexos, de difícil resolução, vários princípios entram em conflito, prevalecendo aquele
que seja interiorizado pelo agente com capacidade de decisão. De facto, em decisões
críticas, a maioria das pessoas tem uma tendência natural para não se orientar
especificamente por nenhum destes princípios, como reflexo de uma postura moral
sujeita a alguma flutuação, por vezes mesmo, a certo grau de inconsistência. O factor
decisivo na resolução de um dilema ético concreto poderá ser o grau de virtude da
consciência individual do agente. A aplicação prática dos princípios éticos subjacentes
está dependente, em larga medida, da presença ou não das referidas virtudes.” (Nunes(a),
2002). Neste contexto, tanto quanto especificar, os princípios e as regras requerem
ponderação, pois estes processos tratam de dimensões distintas. A especificação
possibilita o refinamento substantivo da extensão e do alcance das normas e regras,
enquanto a ponderação delibera e julga acerca dos seus pesos e forças relativas.
Ponderar é especialmente importante para alcançar juízos em casos individuais e a
especificação é particularmente útil no desenvolvimento de políticas. Ponderações
justificadas possibilitam o dotar de boas razões para as acções e não, meramente, que
um agente esteja intuitivamente satisfeito.
Em resposta à crítica de que a ponderação é intuitiva e aberta, faltando-lhe um firme
compromisso com os princípios, os autores listam algumas condições para reduzir a
intuição e que devem ser acatadas a fim de se justificar a infracção de uma norma prima
facie em favor de outra:
• Podem ser oferecidas melhores razões para se agir segundo a norma
preponderante que será seguida, do que pela norma que será infringida;
• O objectivo ético que justifica a infracção da norma deve ter uma perspectiva
real de realização;
• A infracção da norma torna-se necessária quando nenhuma outra acção
eticamente preferível pode substitui-la;
• A infracção da norma seleccionada deve ser a menos prejudicial possível em
comparação ao objectivo primário da acção;
• O agente deve procurar minimizar qualquer efeito negativo da infracção da
norma;
80
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
• O agente deve actuar de maneira imparcial em relação a todas as partes
afectadas, ou seja, a sua decisão não deve ser influenciada por informações
eticamente irrelevantes acerca de qualquer uma das partes envolvidas.
Embora algumas destas condições pareçam óbvias e não causem controvérsia os
autores consideram que, frequentemente, não são observadas na deliberação moral, mas
se o fossem, as acções poderiam ser bem diferentes. Para Tom Beauchamp e James
Childress, estas condições constituem obrigações morais e, juntamente com os apelos
para uma solidez ética, ajudam a alcançar uma protecção razoável contra os juízos
puramente intuitivos ou subjectivos.
3.1.2. OS QUATRO PRINCÍPIOS DA ÉTICA BIOMÉDICA
3.1.2.1. O RESPEITO PELA AUTONOMIA
No capítulo da autonomia, Tom Beauchamp e James Childress realçam que um indivíduo
deve ser livre para tomar decisões, tanto nos cuidados de saúde, como na investigação
biomédica, nomeadamente através do consentimento informado e da recusa informada.
Alertam para o facto de que apesar de começarem a discussão dos princípios da ética
biomédica pelo respeito pela autonomia, isso não significa que este tenha precedência
sobre os demais. Vêem como um equívoco as críticas usualmente feitas de que conferem
primazia ao princípio do respeito pela autonomia em relação a outras considerações
morais. Assim, reafirmam que desejam construir uma concepção de respeito pela
autonomia que não seja excessivamente individualista, negando a natureza social dos
indivíduos e o impacto das escolhas e acções individuais sobre os outros, nem
demasiadamente focada na razão, rejeitando as emoções e tão pouco indevidamente
legalista, destacando os direitos legais e desprezando as práticas sociais.
A palavra autonomia, deriva dos termos gregos “autos” (próprio) e “nomos” (regra,
governo ou lei), originalmente referia-se ao auto-governo ou a auto-legislação das
cidades, estados independentes. Somente depois foi estendida aos indivíduos,
adquirindo significados tão diversos como auto-governo, direitos de liberdade, de
privacidade, de escolha individual, de livre arbítrio, de escolha do próprio comportamento
e o de ser dono de si mesmo.
ÉTICA
81
Algumas teorias sobre autonomia, como também assinalam os autores ao caracterizarem
os aspectos de uma pessoa autónoma, incluem as habilidades gerais para o autogoverno, para além do entendimento, avaliação, deliberação e escolha independente.
Entretanto, por o seu foco estar centrado na tomada de decisão, como Tom Beauchamp
e James Childress admitem, concentram-se na escolha autónoma, mais do que na
capacidade geral para o auto-governo.
Assim, autonomia pessoal consiste, pelo menos, no auto-desígnio livre da interferência
controladora dos outros e de limitações, como o inadequado entendimento impeditivo de
uma escolha racional. O indivíduo autónomo age livremente segundo o seu plano autoescolhido, de maneira análoga à forma como um governo independente controla os seus
territórios e estabelece as suas políticas. Já os que têm autonomia reduzida são, em
certa medida, controlados pelos outros ou incapazes de deliberar ou de agir com base
nos seus desejos e planos.
Segundo os autores, todas as teorias sobre autonomia concordam que há duas
condições que lhe são essenciais: a liberdade, entendida como independência de
influências controladoras; e a competência, compreendida como a capacidade para a
acção intencional. Entretanto, quando a questão é o significado destas condições e a
necessidade de outras adicionais, as opiniões divergem.
A presença ou ausência de autonomia é analisada em função das condicionantes dos
actos dos agentes envolvidos. Esta análise da acção autónoma tem por base pessoas
comuns que agem de maneira intencionada, com compreensão e na ausência de
influências controladoras que lhes determinem a acção. A primeira destas três condições
não permite graduação, os actos são ou não são intencionais. No entanto, a
compreensão e a ausência de influências controladoras podem ser satisfeitas em maior
ou menor extensão, o que indicará o grau de autonomia das acções. Para estas
condições há um amplo “continuum” que vai desde a total ausência de autonomia até à
sua presença completa.
Nesta perspectiva, as decisões podem ser substancialmente autónomas e não
completamente autónomas, ou seja, para que uma acção seja tida como autónoma
somente é necessário um grau substancial de compreensão e de liberdade de influências
e não uma compreensão total e uma completa ausência de influências. A linha que
separa o substancial e o não substancial pode parecer arbitrária. Contudo, os limiares
82
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
para as decisões substancialmente autónomas podem ser fixados à luz de objectivos
específicos.
Entretanto, algumas visões feministas têm questionado estas concepções individualistas
de autonomia com base na ideia de “autonomia relacional” em que defendem a convicção
de que as pessoas estão socialmente inseridas e que as identidades dos agentes são
formadas dentro do contexto social de relacionamentos e modeladas por uma complexa
intersecção de determinantes sociais, como a raça, a classe, o género e a etnia. Afirmam
que a opressiva socialização e os opressivos relacionamentos sociais podem prejudicar a
autonomia através do incremento de desejos, crenças, emoções e atitudes nos agentes;
da frustração do desenvolvimento de capacidades e competências essenciais para a
autonomia e de várias restrições e limitações no leque de alternativas para a acção. Tom
Beauchamp e James Childress afirmam apoiar os apelos para a superação da
socialização de relacionamentos opressivos e ressaltam que estes chamam a atenção
para a autonomia relacional, mas sem com isso rejeitar a autonomia em si.
Os autores registam que muitos lamentam o “triunfo da autonomia” na bioética norteamericana, salientando que este força os pacientes a fazerem escolhas mesmo quando
não querem receber informação sobre a sua situação ou tomar as suas próprias
decisões. Reconhecem a existência de uma visão que parece afirmar o dever dos
pacientes decidirem, entretanto esclarecem que eles não defendem esta visão, mas sim
um princípio de respeito pela autonomia com um correlativo direito e não um dever
obrigatório de escolher.
Assim, para os autores, a interpretação mais adequada do respeito pela autonomia
abarca o reconhecimento de uma obrigação fundamental de assegurar, de forma igual,
aos pacientes dos serviços de saúde, o direito de escolherem, aceitarem ou declinarem a
informação. Tanto a informação e a escolha forçadas quanto a revelação incompleta são
contraditórias com esta obrigação. Por outras palavras, consideram que os profissionais
de saúde deveriam sempre informar-se junto dos pacientes, dos seus desejos de receber
informação e tomar as suas decisões, não assumindo que pelo facto de pertencerem a
uma determinada comunidade, estes partilham totalmente da visão do mundo e dos
valores por ela defendidos. O fundamental está no respeito pelas escolhas autónomas
das pessoas em particular. O respeito pela autonomia não constitui um mero ideal nos
cuidados de saúde, mas uma obrigação profissional. E a escolha autónoma configura um
direito e não um dever dos pacientes.
ÉTICA
83
Respeitar uma pessoa como agente autónomo significa, no mínimo, acatar o seu direito a
ter opiniões próprias, de fazer as suas escolhas e de agir segundo os seus valores e
crenças pessoais. Isto envolve uma acção de respeito e não meramente uma atitude de
respeito, requerendo mais do que uma não interferência nos assuntos alheios e inclui,
especialmente em certos contextos, as obrigações de construir ou manter a capacidade
dos outros para procederem às suas escolhas autónomas através da atenuação de
medos e demais condições destrutivas das decisões autónomas. Nesta perspectiva, o
respeito pela autonomia abrange a aceitação dos direitos para tomar decisões e a
capacitação das pessoas para agirem autonomamente, enquanto o desrespeito inclui
atitudes e acções que ignoram, insultam ou desprezam os direitos de autonomia dos
outros.
O princípio do respeito pela autonomia pode ser enunciado como uma obrigação negativa
ou positiva. Na primeira condição, afirmam que as acções autónomas não devem ser
submetidas a influências controladoras de outros. Na situação de uma obrigação positiva,
impõe-se um tratamento respeitoso no fornecimento da informação e no estímulo para
tomar decisões autónomas, havendo, em alguns casos, o dever de aumentar as
alternativas disponíveis. Muitas acções autónomas seriam impossíveis sem a cooperação
material de terceiros com vista a disponibilizar opções alternativas. O imperativo de tratar
os outros como um fim, implica apoiar as pessoas na realização dos seus próprios
objectivos e em estimular as suas capacidades como agentes autónomos e não
simplesmente evitar tratá-las como meios para os objectivos dos outros. Estas
obrigações positivas de respeitar a autonomia emanam, em parte, das próprias
obrigações especiais que os profissionais de saúde têm para com os seus pacientes e os
investigadores para com os sujeitos.
Por abranger obrigações positivas e negativas, o princípio do respeito pela autonomia
está na base de muitas regras morais mais específicas, como: dizer a verdade; respeitar
a privacidade; proteger a informação confidencial; obter o consentimento antes de intervir
e, quando solicitado, ajudar a pessoa a tomar decisões importantes.
Tom Beauchamp e James Childress salientam que o respeito pela autonomia configura
um dever “prima facie”, podendo, em determinadas circunstâncias, ser superado por
outras obrigações morais que com ele competem, como no caso de escolhas autónomas
de indivíduos ameaçarem a saúde pública, poderem causar danos a terceiros ou exigirem
indevidamente a utilização de recursos escassos. Na ocorrência destas condições
84
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
justifica-se a restrição do exercício da autonomia, a exemplo do que acontece quando as
pessoas não podem ser declaradas autónomas para tomar decisões, sejam as gerais ou
mesmo as mais pontuais. Conferir ao princípio do respeito pela autonomia primazia em
relação aos demais, além de lhe atribuir um peso excessivo para um sistema “prima
facie”, despreza o facto de que a moral comum está igualmente enraizada nos outros três
princípios que constituem a proposta dos autores.
Para os autores, o paradigma básico da autonomia nos cuidados de saúde, na
investigação, na política e noutros contextos consiste em exprimir o seu consentimento. A
competência para tal é um requisito complexo, pois os pacientes e os sujeitos da
investigação podem, em potencial, não ser competentes para exprimir um consentimento
ou uma recusa válidos. A verificação sobre a competência focaliza-se na capacidade
psicológica ou legal das pessoas para adequadamente tomarem decisões, pois o facto de
alguém ser competente para decidir está intimamente ligado ao grau de autonomia
presente no acto e à validade do consentimento ou da recusa daí resultante.
Desta forma, segundo os autores, o conceito de competência para tomar decisões tem
um vínculo íntimo com o de autonomia. Os pacientes podem ser considerados como
competentes para decidir quando apresentam capacidade de entender a informação
recebida; de proceder ao juízo desta informação à luz dos seus valores; de ambicionar
um determinado resultado e de comunicar livremente os seus desejos aos profissionais.
Neste sentido, a lei, a medicina e, em certa extensão, a filosofia partilham uma
correspondência das características da pessoa competente e das propriedades da
pessoa autónoma. Assim, embora autonomia e competência se distanciem no
significado, com a primeira expressando auto-desígnio e a segunda a habilidade para
desempenhar tarefas, aproximam-se na semelhança dos critérios para a sua avaliação.
Daqui decorre que uma pessoa autónoma é necessariamente competente para tomar
decisões, e que os juízos acerca da competência de uma pessoa para autorizar ou
recusar uma intervenção deveriam basear-se na sua capacidade de escolher
autonomamente em circunstâncias particulares.
ÉTICA
85
3.1.2.2. NÃO MALEFICÊNCIA
O princípio da não maleficência afirma a obrigação de não causar danos aos outros, ou
seja, de não fazer ou promover o mal a uma pessoa. Na ética médica associa-se à
máxima “primum non nocere”, que significa que em primeiro lugar não se deve causar
danos, sendo que no juramento hipocrático se encontram expressas obrigações de não
maleficência e beneficência: “Utilizarei a dieta para o benefício dos doentes, conforme
minha capacidade e discernimento; eu os protegerei do dano e da injustiça”.
Tom Beauchamp e James Childress reconhecem que alguns filósofos combinam a não
maleficência e a beneficência num único princípio, como William Frankena (1973), que
sob a égide deste último, inclui quatro obrigações gerais assim ordenadas: não causar
mal ou dano; prevenir o mal ou dano; eliminar o mal ou dano; e fazer ou promover o bem.
Entretanto, os autores discordam desta junção e reafirmam a distinção dos princípios que
propõem, a primeira obrigação insere-se na não maleficência e as demais na
beneficência, sendo dispensável hierarquizar as obrigações, pois esta necessidade
decorre do facto de William Frankena juntar as ideias de beneficiar os outros e não os
prejudicar num único princípio, o da beneficência. Por isso, ao invés de apresentarem
uma ordem hierárquica, incorporam nos princípios de não maleficência e beneficência o
arranjo com as quatro normas, sendo que sob o primeiro se encontram as exigências de
não causar mal ou dano e no segundo as de prevenir o mal ou dano; de eliminar o mal ou
dano; e de fazer ou promover o bem.
As normas abrangidas pela não maleficência apenas exigem a contenção intencional de
actos que causem mal ou dano, tendo as suas regras a forma de proibição, ou seja, de
“não fazer”, ao passo que as de beneficência requerem uma acção directa de ajuda, seja
prevenindo ou eliminando o mal ou dano, seja promovendo o bem. Assim, na opinião de
Tom Beauchamp e James Childress, a condensação das obrigações de não maleficência
e de beneficência num único princípio não proporciona a percepção de que as obrigações
de não prejudicar os outros (não roubar, não mutilar e não matar) são diferentes das de
ajudá-los (prover benefícios, proteger interesses e promover o bem estar).
As obrigações de não causar mal ou danos são, algumas vezes, mais rigorosas do que
as de ajudar, contudo podem ocorrer situações nas quais as obrigações de beneficência
se apresentem mais pertinentes do que as de não maleficência. Em geral, quando o mal
causado é pequeno, como o inchaço de uma punção venosa e o beneficio fornecido
86
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
maior, como uma intervenção que salva a vida, então a tendência é atribuir à obrigação
de beneficência prioridade sobre a de não maleficência.
Desta forma, na opinião dos autores, dever-se-ia reformular a ideia da rigorosa
necessidade de observância do princípio da não maleficência do seguinte modo:
geralmente, as obrigações de não maleficência são mais estritas do que as obrigações
de beneficência e, em alguns casos, a não maleficência ultrapassa a beneficência,
mesmo quando o melhor resultado utilitarista é obtido por se agir com beneficência.
Nos casos de conflito, habitualmente a não maleficência é vinculante, mas o peso deste
princípio – como dos demais – varia nas diferentes circunstâncias particulares. De acordo
com os autores, não há, na ética, nenhuma regra que determine que, em todas as
circunstâncias, evitar o mal ou danos deva prevalecer sobre o fornecer benefícios. Da
mesma maneira, uma acção que cause mal ou dano pode não ser errada ou injustificada
no balanço ético. Embora, actos que causem o mal ou danos, em geral, sejam “prima
facie” errados por contrariarem os interesses da pessoa afectada, acções que causem o
mal ou danos, mas envolvam um impedimento justificado dos interesses de outros não
podem ser tidas como erradas.
Destacam os autores que algumas percepções de mal e dano se ampliam tanto que
chegam a abranger os entraves a interesses na reputação, na propriedade, na
privacidade e na liberdade, para além das condições que restringem a acção autónoma,
como o desconforto, a humilhação, a ofensa e a perturbação. Em contrapartida, visões
com uma base mais reduzida compreendem o mal ou dano apenas enquanto entraves a
interesses físicos e psicológicos, como os relativos à saúde e sobrevivência. Apesar
destas controvérsias, há concordância quanto ao facto de que os danos físicos e outros
entraves aos interesses de outrem podem ser vistos como exemplos paradigmáticos do
que vem a ser dano. Tom Beauchamp e James Childress admitem que se concentram
nos danos físicos, especialmente na dor, na incapacidade e na morte, sem, no entanto,
negar a importância dos danos mentais e dos entraves aos interesses dos outros.
Do princípio da não maleficência decorrem algumas regras morais de cunho mais
específico, como não matar; não causar dor ou sofrimento; não incapacitar; não ofender;
não privar os outros dos bens da vida.
A não maleficência engloba também a obrigação de não impor riscos de danos
desnecessários. A moralidade e a lei, reconhecem um padrão de cuidados devidos, que
ÉTICA
87
determina se o agente é causalmente responsável pelo risco de danos e permite a
imputação quer legal quer moral. Por cuidados devidos, entende-se o cuidar de maneira
suficiente e apropriada para evitar o causar danos, tal qual como é exigido a pessoas
prudentes e sensatas. A má prática profissional é pois exemplo de negligência causada
pela não observância dos padrões profissionais de cuidado. Entretanto, os autores
alertam que, mesmo quando o relacionamento terapêutico é danoso ou de não ajuda, a
má prática ocorre se, e somente se, os padrões profissionais de cuidado não forem
observados. A linha entre o cuidado devido e aquele que fica aquém ou além deste limite,
é frequentemente difícil de ser traçada.
Segundo os autores, uma curta distância separa a premissa de que se pode e deve
proteger as pessoas contra alguns danos e a conclusão que há uma obrigação positiva
de lhes fornecer benefícios, como os cuidados de saúde. Esta distância pode-se encurtar
ainda mais, graças à incerteza conceptual e moral que atinge as distinções entre as
obrigações de evitar danos a outros; de beneficiá-los; e de tratá-los de modo justo.
3.1.2.3. BENEFICÊNCIA
Para a ética biomédica é central fornecer benefícios; prevenir e eliminar danos; pesar e
balancear os possíveis bens de uma acção contra os seus custos e possíveis danos.
Além do mais, há uma implícita assunção da beneficência nas profissões da saúde e no
seu contexto institucional, sendo o seu objectivo, racional e justificativo, a obrigação de
promover o bem dos pacientes, ultrapassando o simples evitar danos.
Tom Beauchamp e James Childress diferenciam a beneficência em geral, o princípio da
beneficência e a benevolência. A primeira refere-se a uma acção feita para beneficiar
outros, enquanto que a última diz respeito ao traço de carácter ou virtude que leva à
disposição para agir em benefício dos outros. Por outro lado, o princípio da beneficência
configura uma obrigação moral de agir para o benefício dos outros, e passa por um
desdobramento noutros dois princípios: o da beneficência positiva, que requer que os
agentes proporcionem benefícios; e o da utilidade, que exige dos agentes o balanço dos
benefícios e das desvantagens com vista a produzir o melhor resultado possível. O
princípio da utilidade consiste numa extensão do princípio positivo da beneficência, sendo
necessária esta extensão porque na vida moral é impossível produzir benefícios ou
eliminar danos sem criar riscos ou incorrer em custos. A fim de ser correctamente
88
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
beneficente, uma acção tem de originar um benefício suficiente que compense os seus
custos.
Os autores esclarecem que o princípio de utilidade, enquanto desdobramento do princípio
da beneficência, não equivale ao princípio de utilidade do utilitarismo. Este constitui um
princípio absoluto, ao passo que aquele não pode ser interpretado como o princípio único
da ética e tão pouco como o que justifica ou supera os demais, ou seja, é um entre vários
princípios “prima facie”. Além disso, o princípio da utilidade ou proporcionalidade, como
propõem, limita-se ao balanço dos prováveis resultados das acções – benefícios, danos e
custos – a fim de alcançar o mais elevado benefício, mas não determina o balanço global
das obrigações, ou seja, pode ser legitimamente restringido pelos demais, o que não
acontece no utilitarismo.
No objectivo do princípio da beneficência positiva encontra-se um conjunto de regras
morais mais específicas: como proteger e defender os direitos dos outros; prevenir os
danos que possam ocorrer a outros; eliminar as condições que podem causar danos a
outros; ajudar as pessoas com incapacidades; e ajudar as pessoas em perigo.
Embora várias teorias éticas empreguem o termo beneficência para identificar obrigações
positivas para com os outros, não é rara a argumentação negando a existência destas
obrigações e sustentando que constituem ideais virtuosos ou actos de caridade. Desta
forma, os que falham em agir de maneira beneficente não poderiam ser tidos como
moralmente reprováveis. Estas considerações, na opinião dos autores, apontam para a
necessidade de se clarificar e especificar a beneficência, tendo eles o cuidado de
caracterizar os limites das obrigações e identificar em que condições ou circunstâncias a
beneficência é mais opcional do que obrigatória.
Na opinião de Tom Beauchamp e James Childress, na moral comum não há nenhum
princípio de beneficência que requeira grandes sacrifícios ou um altruísmo extremo, como
o doar ambos os rins para transplante. Somente ideais de beneficência incorporam tal
generosidade extrema. Não há, então, uma exigência moral de beneficiar as pessoas em
todas as ocasiões, mesmo quando isso é possível. Desta forma, pode-se anuir que muita
da conduta beneficente se inscreve no âmbito do ideal moral, e não do obrigatório, sendo
a linha separadora entre a obrigação e o ideal moral, frequentemente, pouco clara no
caso da beneficência.
ÉTICA
89
As normas da beneficência, por vezes, estabelecem obrigações suficientemente fortes
para terem prioridade sobre as da não maleficência. Por exemplo, as obrigações de
beneficência podem-se aliar às exigências do princípio da utilidade, tornando o beneficiar
mais robusto, tal é possível quando se produz um benefício maior com um dano menor
ou ainda se um benefício maior pode ser atingido para um grande número de pessoas,
provocando-se um dano menor para um grupo reduzido. Muitos programas de Saúde
Pública, como por exemplo os da vacinação, causam danos a algumas pequenas
parcelas da população ao mesmo tempo que proporcionam um bem maior à população
no seu global. Estas acções seriam injustificadas se não houvesse uma obrigação de
beneficência, mas somente ideais morais de tal ordem. Então, não é sempre verdade que
a não maleficência tem prioridade em relação à beneficência.
Os autores fazem ainda uma distinção entre beneficência geral e específica. A última,
como indica o próprio nome, dirige-se a terceiros específicos, enquanto a geral volta-se
para todas as pessoas e, por levantar muita controvérsia, tem sido alvo de várias
justificativas. Neste sentido, Tom Beauchamp e James Childress, embora reconheçam
que a reciprocidade pode não justificar todo o leque das obrigações de beneficência,
defendem uma abordagem baseada na reciprocidade, por a considerarem a mais
adequada para a ética biomédica.
Por reciprocidade entendem a prática de se proceder ao proporcional retorno. Por
exemplo, retornar um benefício por um proporcional benefício, um dano por uma
proporcional pena criminal e a amizade por uma proporcional gratidão. As obrigações de
beneficência para com a sociedade, na visão dos autores, não deixando de ser diferentes
das que existem para com os indivíduos identificados, configuram alguma forma de
reciprocidade. A defesa de uma liberdade tal, que desconheça as dívidas para com os
pais, os investigadores da medicina e da saúde pública, os educadores e as instituições
sociais, como a escola, é tão irrealista quanto a ideia de que é sempre possível agir
autonomamente sem afectar os demais. Na verdade, muitas obrigações de beneficência
são justificadas através dos arranjos implícitos que incorporam o necessário dar e
receber da vida social.
Os autores consideram errado o tradicional entendimento dos códigos de ética médica
que vêem estes profissionais como independentes, auto-suficientes e filantropos, com
uma beneficência similar à que rege os actos generosos de doação. Isto porque
acreditam que tanto os médicos quanto os outros profissionais de saúde têm um débito
90
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
para com a sociedade, pela educação e privilégios, e para com os pacientes, devido à
investigação e prática. Graças a esta dívida, é errado moldar o papel de beneficência do
profissional de saúde primariamente na filantropia, no altruísmo e no compromisso
pessoal. Ao invés disto, este tem de ser enraizado na “reciprocidade de dar e receber”
que cria uma obrigação de beneficência geral para com o paciente e a sociedade, ainda
que seja difícil especificar, de maneira precisa, os termos desta obrigação.
Um problema central na ética biomédica é o conflito de prioridade entre os princípios do
respeito pela autonomia dos pacientes e o da beneficência que orienta o agir profissional.
Tom Beauchamp e James Childress argumentam que este debate não pode ser resolvido
com a mera defesa a favor de um princípio em prejuízo do outro, ou pela tentativa de
tornar um deles absoluto. Nem o paciente e nem o médico gozam de autoridade superior,
sendo que nenhum princípio tem preponderância na ética biomédica, nem mesmo a
obrigação de agir no melhor interesse do paciente. A beneficência fornece o objectivo
primário e racional dos cuidados de saúde, enquanto o respeito pela autonomia –
juntamente com a não maleficência e a justiça – estabelecem os limites morais para as
acções dos profissionais de saúde na persecução de seus objectivos.
3.1.2.4. JUSTIÇA
A justiça distributiva abarca a distribuição justa, equitativa, apropriada e determinada por
normas justas que estruturam os termos da cooperação social. Refere-se à distribuição
dos direitos e responsabilidades na sociedade, incluindo os direitos civis e políticos.
Os problemas de justiça distributiva ganham destaque sob condições de escassez e
competição para obter bens ou evitar penalizações. Em situações de escassez, a
sociedade é, por vezes, forçada a fazer “escolhas trágicas”, infringindo, comprometendo
ou sacrificando os princípios de justiça.
Assim, as questões concernentes à justiça distributiva remetem para os debates acerca
dos princípios de justiça e, como destacam Tom Beauchamp e James Childress, não há
um único princípio capaz de orientar todos os problemas nesta área. A exemplo da
subdivisão que ocorre com a beneficência, há na moral comum vários princípios de
justiça que precisam de ser especificados e ponderados em contextos particulares, com
vista à sua consistência.
ÉTICA
91
Segundo os autores, há um requerimento formal mínimo, tradicionalmente atribuído a
Aristóteles, que afirma: “os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais devem
ser tratados desigualmente”. Este princípio de justiça, também chamado de princípio de
igualdade formal, é tido como “formal” por não identificar nenhum aspecto particular no
qual os iguais devem ser tratados igualmente e não fornecer nenhum critério para
determinar se dois ou mais indivíduos são, de facto, iguais. Meramente afirma que, sejam
quais forem os aspectos relevantes, as pessoas iguais, naqueles aspectos, devem ser
tratadas igualmente.
Os princípios que especificam as características relevantes para o tratamento igual são
chamados de materiais, porque identificam as propriedades substantivas para a
realização da justiça distributiva. As políticas públicas ou institucionais que tomam por
base a justiça distributiva, em última instância, decorrem da aceitação ou rejeição de
certos princípios materiais de justiça e de procedimentos para especificar, refinar ou
ponderar. Assim, muitos dos argumentos acerca da política mais correcta para a
distribuição de bens decorrem do facto de partirem de pontos iniciais distintos que tomam
por referência princípios materiais de justiça que se não são rivais, pelo menos, são
alternativos.
Entre os princípios materiais de justiça distributiva, na visão de Tom Beauchamp e James
Childress, encontram-se os seguintes:
• A cada pessoa uma parte igual;
• A cada pessoa de acordo com a sua necessidade;
• A cada pessoa de acordo com o seu esforço;
• A cada pessoa de acordo com a sua contribuição;
• A cada pessoa de acordo com o seu mérito;
• A cada pessoa de acordo com as transacções do mercado livre.
Não há nada que impeça a aceitação de mais do que um destes princípios, e tanto assim
é que algumas teorias de justiça aceitam os seis como sendo válidos e a maioria das
sociedades invoca alguns deles ao formular as suas políticas públicas, de acordo com as
distintas esferas e contextos. Tom Beauchamp e James Childress consideram uma tese
plausível admitir que cada um destes princípios materiais identifica uma obrigação moral
“prima facie”, cujo peso não pode ser avaliado independentemente dos contextos
particulares ou das esferas nas quais são aplicáveis.
92
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Na opinião dos autores, as teorias de justiça distributiva mais influentes são: as teorias
utilitaristas, que lançam mão de uma mistura de critérios com o propósito de maximizar a
utilidade pública; as teorias libertárias, que enfatizam os direitos à liberdade económica e
social, dando prioridade à justiça dos procedimentos em lugar dos resultados
substantivos; as teorias comunitárias, que estreitam os princípios e práticas de justiça
que envolvem as tradições e práticas da comunidade; e as teorias igualitárias, que
defendem o acesso igual aos bens, frequentemente invocando critérios materiais de
necessidade e igualdade.
Ao tentar trazer consistência e compreensão para as visões fragmentadas de justiça
social, estas teorias obtêm apenas um sucesso parcial, e as políticas públicas, para
acesso e distribuição dos cuidados de saúde, em muitos países, constituem exemplos
dos problemas que são enfrentados por elas. Os objectivos de cuidados excelentes,
igualdade de acesso, liberdade de escolha e eficiência social podem ser louváveis,
entretanto são de difícil consistência em alguns sistemas sociais. Diferentes concepções
de uma sociedade justa sublinham-nos e, por vezes, a persecução de um objectivo
parece aniquilar o outro. Entretanto, as várias teorias de justiça tentam fazer um balanço
entre os objectivos conflituantes, eliminando alguns deles, mas mantendo outros.
Assim, para Tom Beauchamp e James Childress, as diferentes teorias de justiça social
que foram construídas ao longo da história da humanidade têm, cada uma delas, as suas
características atractivas e não atractivas, o que, para muitos, provoca um compreensível
temor acerca das consequências para a sociedade em se adoptar um único sistema
filosófico como base da justiça na saúde. A experiência sugere que as exigências de uma
teoria de justiça podem funcionar bem em alguns contextos, mas produzir resultados
desastrosos noutros. Cada teoria de justiça propicia a reconstrução filosófica de uma
perspectiva válida da vida moral, porém capta apenas parcialmente a sua amplitude e
diversidade.
Na ausência de um consenso social, os autores consideram plausível que as políticas
públicas ora enfatizem uma teoria de justiça ora outra. Entretanto, alertam que a
existência destas diferentes teorias de justiça não justifica a fragmentada abordagem que
muitos países, incluindo os Estados Unidos, têm dedicado a este aspecto do sistema de
saúde. Esta fragmentação impede que se debatam questões muito mais abrangentes de
justiça, como as relativas ao que as pessoas esperam do sistema de saúde do seu país e
como o Estado deve lidar com as necessidades dos cidadãos.
ÉTICA
93
Evocando a teoria de justiça de John Rawls e a sua interpretação para a área da saúde
proposta por Norman Daniels, Tom Beauchamp e James Childress incluem-se entre os
defensores da regra da justa oportunidade. Entendem que esta regra exige que a
ninguém sejam destinados ou negados benefícios sociais com base nas propriedades
imerecidas, de cunho vantajoso ou desvantajoso, pois sendo estas distribuídas pela
lotaria social e biológica da vida não podem dar fundamento para uma discriminação
moralmente aceitável, já que as pessoas não têm chance de adquiri-las ou superá-las. Ao
contrário, a regra da justa oportunidade requer que cada um receba os benefícios
necessários para amenizar ou corrigir os efeitos deletérios decorrentes dos infortúnios da
lotaria da vida.
Por analogia, é possível concluir que os portadores de incapacidades funcionais
necessitam de cuidados para alcançar um nível melhor de função e ter uma justa chance
na vida, ou seja, como não são responsáveis pela sua condição, a regra da justa
oportunidade requer que recebam tudo que os possa ajudar a atenuar ou corrigir os maus
efeitos para a saúde causados pela lotaria da vida. Por outro lado, se a pessoa for
responsável pelas suas incapacidades, o direito aos cuidados de saúde encontra-se mais
fragilizado, sendo justo considerar a hipótese de negar-lhe tal benefício.
Frente à regra da justa oportunidade, os autores consideram que a questão primária é
saber se o governo se deveria envolver ou não na alocação e distribuição dos cuidados
de saúde, ao invés de deixá-los ao sabor do mercado. Neste sentido, admitem que a
regra de capacidade para pagar não deve constituir o único princípio de justiça
distributiva a pautar o acesso aos bens e serviços de saúde.
Desta questão, segundo Tom Beauchamp e James Childress, decorre um importante
aspecto do direito aos cuidados de saúde que se refere à especificação dos seus limites
e critérios. As duas visões de maior influência que se têm destacado são: a do igual
acesso e a do mínimo decente. Para os autores, ambas são igualitárias, a primeira
promove o acesso igual a todos os recursos de saúde tidos como necessários e a
segunda, partindo de uma visão enfraquecida de igualdade, defende o acesso igual
apenas aos recursos tidos como essenciais.
Frente a temas complexos como o das políticas do justo acesso e financiamento dos
cuidados de saúde e o das estratégias para a eficiência das instituições sanitárias, os
autores evidenciam que outras questões sociais tratadas na sua obra têm uma
importância reduzida. Compreendem que ainda existem muitas barreiras no acesso aos
94
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
cuidados de saúde para milhões de pessoas, e que para elas um sistema de saúde justo
permanece como um objectivo distante. Embora toda a sociedade deva limitar o acesso
aos cuidados de saúde através de algum mecanismo, muitas estão um passo aquém e
têm de diminuir os abismos no acesso de uma maneira mais firme do que o têm feito até
agora. A proposta dos autores é que a sociedade reconheça e reforce um direito a um
mínimo decente de cuidados de saúde, dentro de uma estrutura de alocação que
incorpore tanto padrões utilitaristas quanto igualitários.
ÉTICA
95
3.2. ÉTICA DAS VIRTUDES
Virtude é a tradução do termo grego “areté” que significa qualquer forma de excelência.
Aristóteles, segundo a tradução de António Caeiro, define virtude (excelência) como “uma
disposição do carácter escolhida antecipadamente. Ela está situada no meio e é definida
relativamente a nós pelo sentido orientador, princípio segundo o qual também o sensato
a definirá para si próprio” (Aristóteles, 2004). É uma disposição do carácter que dispõe
não apenas a fazer a coisa certa da forma correcta, mas a ter prazer em a fazer. Os
homens têm potencialidades naturais para as virtudes que devem ser intensificadas
através do hábito, que se pode definir como “acção ou uso repetido que leva a um
conhecimento ou prática” (Houaiss, 2002), que é entendido como o meio de formar
precocemente o carácter, que é o “conjunto de traços psicológicos e/ou morais (positivos
ou negativos) que caracterizam um indivíduo” (Houaiss, 2002), através de um acostumarse suave e progressivo, e não uma repetição mecânica e forçada (Hauerwas, 1995).
Os filósofos da antiguidade e os teólogos cristãos, apesar de partirem de diferentes
compreensões do que vem a ser virtude, concordam que qualquer percepção de viver
bem deve tomá-la em consideração. Na modernidade, quando as virtudes são
analisadas, aparecem como algo secundário à ética baseada nos princípios e valores.
William Frankena (1973), citado por Stanley Hauerwas (1995), defende que a teoria ética
deve-se ocupar com a justificação da moral e com o esclarecimento das diferenças entre
os apelos para o dever e as suas consequências. As virtudes constituem suplementos na
determinação da correcção ou incorrecção de um acto e são vistas como o componente
motivacional dos princípios éticos. Para William Frankena, duas virtudes devem ser
cultivadas: a benevolência, disposição para ser beneficente; e a justiça, inclinação para
tratar as pessoas de modo igual. Entretanto, nas éticas deontológicas, a função das
virtudes não consiste em determinar o que deve ser feito mas sim assegurar que o sujeito
ético agirá, com boa vontade, segundo o dever, em qualquer situação (Hauerwas, 1995).
Este entendimento da ética é particularmente assumido pela bioética nos seus
primórdios, que vê a virtude como a motivação para a acção e compreende que a
descrição de um acto pode ser abstraída do carácter do agente. No livro «Principles of
Biomedical Ethics», Tom Beauchamp e James Childress mantêm a proposta de William
Frankena, fundamentando a ética biomédica em torno das alternativas normativas das
teorias utilitarista e deontológica e dos princípios da autonomia, não maleficência,
96
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
beneficência e justiça. Assim, a cada um dos princípios fundamentais, ainda que
imperfeitamente, correlaciona-se uma virtude primária (Beauchamp, 2001):
Princípios
O respeito pela autonomia
Não maleficência
Beneficência
Justiça
Virtudes correspondentes
Respeitabilidade
Não malevolência
Benevolência
Justiça
O renovado interesse pela natureza e importância da ética das virtudes é estimulado pelo
trabalho de Alasdair MacIntyre, «After Virtue», cuja primeira edição ocorreu em 1981. O
autor concorda que os princípios e as regras são importantes para a ética, mas rejeita a
tentativa de justificá-los isoladamente das suas raízes criadas nas particularidades
históricas de comunidades concretas. A defesa de Alasdair MacIntyre é uma alternativa
ao desafio de conseguir um acordo entre pessoas que têm apenas em comum a
necessidade de cooperar no interesse da sobrevivência (Hauerwas, 1995).
É, então, a terceira edição do livro «After Virtue: A study in moral theory» de Alasdair
MacIntyre, editada em Londres pela Duckworth em 2007 (MacIntyre, 2007), que serve de
base para a elaboração da presente síntese da ética das virtudes.
Segundo o próprio autor, a natureza e a concepção das virtudes que desenvolve partem
da defesa da tradição moral aristotélica como o melhor exemplo disponível de uma
tradição que, racionalmente, outorga aos seus seguidores um elevado grau de confiança
nos seus recursos morais e epistemológicos.
Para Alasdair MacIntyre, uma virtude é uma qualidade humana adquirida, cuja posse e
exercício tendem a capacitar-nos para realizar os bens que são internos às práticas e
cuja falta nos impede de realizar tais bens. A sua explicação das virtudes prossegue
através de três etapas: uma primeira que diz respeito às virtudes como qualidades
necessárias para realizar os bens internos às práticas; uma segunda que as considera
como qualidades que contribuem para o bem de toda uma vida; e uma terceira que as
relaciona à persecução de um bem para os seres humanos, cuja concepção somente
pode ser elaborada e possuída dentro de uma contínua tradição social. São então
essenciais, os conceitos de prática, unidade narrativa da vida e de “telos” da vida
humana.
ÉTICA
97
3.2.1. A EXPLICAÇÃO DE ALASDAIR MACINTYRE PARA AS VIRTUDES
Existem diferentes e incompatíveis concepções de virtude e isso ocorre mesmo dentro da
tradição do pensamento que Alasdair MacIntyre esquematiza na sua obra, como destaca
o próprio autor. Esta diversidade é tal que parece difícil encontrar uma unidade para o
conceito ou para a história das virtudes. Homero, Sófocles, Aristóteles, o Novo
Testamento e os pensadores medievais diferem uns dos outros de várias maneiras.
Apresentam-nos listas de virtudes distintas, inconciliáveis e com ordens de importância
discordantes. Se se considerar escritores ocidentais mais recentes, estas discrepâncias e
divergências tendem a aumentar, e se se estender a investigação para os povos
orientais, como por exemplo os japoneses, ou para as culturas dos índios americanos as
diferenças crescerão ainda mais. A conclusão que fica assim evidente é de que há um
sem número de concepções propostas e rivais para as virtudes.
Uma vez que os vários autores incluem distintos conjuntos e tipos de itens nas suas listas
de virtudes, nas diferentes épocas e lugares, mas dentro de uma só história, que é a da
cultura ocidental, Alasdair MacIntyre questiona-se acerca das bases em que seria
possível aspirar a listar itens de um único e mesmo tipo de conceito comum. Uma
resposta negativa parece ser a mais óbvia a esta questão, pois além de cada um dos
diversos autores arrolar distintas espécies de itens, também cada rol corporifica e
expressa uma teoria diferente acerca do que é a virtude.
Nos poemas homéricos, virtude é uma qualidade cuja manifestação capacita alguém para
fazer exactamente o que o seu papel social bem definido requer. Assim, é impossível
identificar as virtudes homéricas sem primeiro reconhecer os papéis chave na sociedade
e as exigências de cada um.
Para Aristóteles, ainda que algumas virtudes estejam disponíveis apenas para certos
tipos de pessoas, não se vinculam ao facto destas serem depositárias de um papel
social, mas ao humano como tal. O “telos” da espécie humana determina as qualidades
apreciadas como virtudes e o seu exercício configura um componente essencial da “vida
boa”.
A explicação do Novo Testamento segue a mesma estrutura lógica e conceptual da visão
aristotélica, embora apresente divergências em relação ao conteúdo. Uma virtude é, da
98
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
mesma maneira que em Aristóteles, uma qualidade cujo exercício leva ao alcance do
“telos” humano. O bem humano não consiste somente num bem natural, mas
sobrenatural, pois este redime e completa a natureza. Depois, tal como em Aristóteles, o
relacionamento das virtudes como meios para o fim que é a incorporação humana no
reino divino com a chegada dos tempos, apresenta-se como algo interno e não externo.
Uma característica central em ambas as explicações é que o conceito de “vida boa”
antecede o de virtude, da mesma maneira que na explicação homérica a concepção de
papel social ocorre apriori. A aplicação do primeiro conceito determina a utilização do
último, ou seja, a noção de virtude é secundária.
Dentre os autores mais recentes que escreveram sobre as virtudes, Alasdair MacIntyre
destaca a explicação de Benjamim Franklin que, como a de Aristóteles, é teleológica,
mas difere desta ao ser utilitarista. Para Benjamim Franklin, as virtudes configuram meios
para um fim, porém entende esta relação de meios e fins como externa e não interna. O
objectivo do cultivo das virtudes é a felicidade, entendida como sucesso, primeiro na terra
e, em última instância, no céu. As virtudes têm que ser úteis, desta maneira vê-se
reforçada a utilidade como um critério para os casos individuais.
Há então, segundo o autor, pelo menos três concepções muito diferentes de virtude:
como uma qualidade que capacita um indivíduo a desempenhar o seu papel social
(Homero); como uma qualidade que possibilita o movimento do indivíduo rumo à
realização de um “telos” especificamente humano, seja natural ou sobrenatural
(Aristóteles e o Novo Testamento); e como uma qualidade útil na obtenção do sucesso,
na terra e no céu (Franklin).
Entretanto, no que concerne às diferenças, Alasdair MacIntyre considera que estas
explicações para as virtudes esquematizadas sumariamente na sua obra, de facto,
corporificam apenas uma única asserção. Cada uma requer, além da hegemonia teórica,
a institucional. Na Odisseia, os ciclopes permanecem condenados porque lhes falta a
agricultura, “agora” e “themis” (segundo Alasdair MacIntyre, o conceito homérico de
“themis” é o da lei partilhada pelas pessoas civilizadas); Aristóteles reprova os bárbaros
por não possuírem a “polis” e, portanto, serem incapazes de fazer política; para os
cristãos do Novo Testamento não há salvação fora da igreja apostólica; e Benjamim
Franklin vê na Filadélfia, antes de Paris, o local mais propício para a origem das virtudes.
Até aqui, para o autor, um dos traços que marca a concepção de virtude e que emerge
com alguma clareza é que esta requer, para a sua aplicação, a aceitação de certas
ÉTICA
99
características da vida moral e social em termos das quais é definida e explicada. Assim,
na visão homérica a noção de virtude é secundária ao sentido de papel social, em
Aristóteles ao de “vida boa” que configura o “telos” da acção humana e para Benjamim
Franklin ao de utilidade.
Na visão homérica, o exercício das virtudes implica qualidades que são requeridas para
sustentar um papel social e propiciar a excelência numa área definida da prática social.
Aristóteles quando fala da excelência na actividade humana refere-se, por vezes, a algum
tipo bem determinado de prática humana, como a guerra, a geometria ou o tocar flauta.
Alasdair MacIntyre, então, sugere que esta noção de um tipo particular de prática como a
arena na qual as virtudes são exibidas e nos termos das quais recebem a sua primeira
definição, ainda que incompleta, é crucial para a tarefa de identificar uma explicação
central de virtude.
Por prática, o autor entende qualquer forma coerente e complexa de actividade humana
cooperativa, socialmente estabelecida, cujos bens internos inerentes são concretizados
no decurso da tentativa de realizar os padrões de excelência apropriados e parcialmente
definidos para essa actividade, resultando na expansão sistemática dos poderes
humanos para operar a excelência e das concepções humanas dos fins e bens
envolvidos. Assentar tijolos ou plantar nabos não constituem práticas, mas a arquitectura
e a agricultura já o são, assim como as investigações de física, química e biologia, e o
trabalho do historiador, a pintura e a música. Nos mundos antigo e medieval, a criação e
a manutenção de comunidades humanas – famílias, cidades, nações – é geralmente
tomada como uma prática no sentido definido por Alasdair MacIntyre. Desta forma, o
espectro das práticas é amplo e inclui as artes, as ciências, os jogos, a política (não no
sentido aristotélico), o estabelecimento e a conservação da vida da família.
Entretanto, segundo Alasdair MacIntyre, a discussão acerca do exacto alcance das
práticas tem menos importância do que a explicação dos termos chave envolvidos na sua
definição, começando com a noção de bens internos. Para esta explicação, o autor
recorre ao exemplo do jogo de xadrez que se pode resumir da seguinte forma:
Existe uma criança de 7 anos de idade, extremamente inteligente que, mesmo contra a
sua vontade, alguém quer ensinar a jogar xadrez. A criança, porém, deseja comer doces
e tem poucas oportunidades para o conseguir. Esse alguém, então, oferece guloseimas à
criança para que esta jogue com ele uma vez por semana, acrescentando que, em caso
de vitória, ganhará uma porção extra. A pessoa informa que fará jogadas com um certo
100 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
nível de dificuldade, mas não ao ponto de impossibilitar a criança de jogar. Assim
motivada, a criança joga e para ganhar. Contudo, como é o doce que configura para a
criança uma boa razão para jogar xadrez, não há nenhuma razão para não fazer batota,
pelo contrário, não lhe faltam motivos para tal, desde que a criança obtenha sucesso
nisso. Mas, como esclarece o autor, é possível que surja um momento em que a criança
encontre nos bens específicos do xadrez – realização de um certo tipo de habilidade
analítica altamente específica, imaginação estratégica e intensidade competitiva – um
novo conjunto de razões, não para ganhar em alguma ocasião particular mas sim para
tentar superar-se quaisquer que sejam as exigências do xadrez. Nesse momento, se a
criança faz batota já não estará a enganar quem lhe está a ensinar o jogo, mas a si
mesma.
Jogar xadrez, então, propicia a obtenção de duas espécies de bens: os externos e os
internos. Os externos são vinculados a este jogo mas, também, a outras práticas pelas
circunstâncias sociais, como prestígio, status e dinheiro, ou seja, para a obtenção de tais
bens existem outros meios alternativos e a sua realização não depende única e
exclusivamente do empenho em algum tipo particular de prática. Por sua vez, os bens
internos à prática do jogo de xadrez não podem ser obtidos de outro modo que não seja
jogando xadrez. São chamados bens internos porque só é possível especificá-los
lançando mão de exemplos, de práticas – como o jogo de xadrez – e somente podem ser
identificados e reconhecidos pela experiência de participar da prática em questão. Os que
não têm a experiência relevante da prática também são incompetentes como juízes dos
bens internos.
Verifica-se, então, que os bens internos e externos a uma prática se distinguem de uma
maneira importante e decisiva. Os bens externos correspondem a alguma propriedade ou
domínio individual. Assim, quanto mais alguém tem destes bens, menos sobra para as
outras
pessoas,
configurando-se,
portanto,
como
objectos
de
disputa
onde,
necessariamente, há perdedores e ganhadores. Ao invés que, os bens internos decorrem
na verdade da competição para superar-se no rumo à excelência, sendo que a sua
realização representa um bem para toda a comunidade participante na prática.
Uma prática envolve padrões de excelência, obediência às suas regras e conquista dos
bens. Entrar numa prática significa aceitar a autoridade dos padrões e a inadequação do
seu próprio desempenho aos seus impulsos, ou seja, é submeter as próprias atitudes,
escolhas, preferências e gostos aos padrões definidos pela prática. Sejam jogos, ciências
ÉTICA
101
ou artes, as práticas, como destaca o autor, têm uma história. Desta forma, os padrões
de excelência estabelecidos são passíveis de crítica, mas, a iniciação numa prática não
pode ocorrer sem a aceitação da autoridade dos melhores padrões reconhecidos até
então.
Destas considerações, para Alasdair MacIntyre, emerge uma primeira e parcial definição
de virtude:
“A virtue is an acquired human quality the possession and exercise of which tends to
enable us to achieve those goods which are internal to practices and the lack of which
effectively prevents us from achieving any such goods” (MacIntyre, 2007).
Ou seja: Uma virtude é uma qualidade humana adquirida, cuja posse e exercício tendem
a capacitar-nos para realizar os bens que são internos às práticas e cuja falta nos impede
de realizar tais bens.
Esta noção indica-nos o lugar das virtudes na vida humana, não sendo difícil, na opinião
do autor, mostrar que existe um leque de virtudes chave sem as quais os bens internos
às práticas são impossíveis de serem alcançados.
É inerente ao conceito de prática delineado por Alasdair MacIntyre, o facto dos seus bens
só poderem ser realizados através da subordinação do próprio no relacionamento com os
outros praticantes. Quem entra numa prática tem que: aprender a reconhecer o que é
devido a quem; estar preparado para assumir, quaisquer que sejam, os riscos de autoexposição ao perigo que são requeridos ao longo da jornada; escutar atentamente o que
é dito sobre as suas próprias inadequações, respondendo com a mesma atenção a esses
factos. Por outras palavras, as virtudes da justiça, coragem e honestidade têm de ser
aceites enquanto componentes necessárias de qualquer prática com bens internos e
padrões de excelência. Ao não aceitá-las, por exemplo, com o fazer batota, fica impedida
a realização dos padrões de excelência dos bens internos à prática, ficando esta sem
sentido, excepto como um estratagema para a obtenção de bens externos.
Toda a prática requer então, um certo tipo de relação entre todos os que nela participam.
Consequentemente, as virtudes passam a adequar os bens por referência aos quais,
quer se goste ou não, são definidos os relacionamentos entre as pessoas que partilham
as propostas e os padrões constituintes dessas práticas. Alasdair MacIntyre apresenta o
seguinte exemplo:
102 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
A, B, C e D são amigos no sentido de amizade que Aristóteles refere como primária:
partilham a procura de certos bens. Nos termos de Alasdair MacIntyre, partilham uma
prática. D morre em circunstâncias obscuras, A descobre como D morreu e conta a
verdade sobre isso a B, enquanto mente a C. C acaba por descobrir a mentira. A não
pode, então, de forma inteligível, reclamar que mantém o mesmo relacionamento de
amizade com B e C. Por contar a verdade a um e mentir ao outro, define uma diferença
nesse relacionamento. Obviamente, está aberta a possibilidade de A explicar esta
distinção de várias maneiras. Talvez estivesse a poupar C de uma dor, ou simplesmente
enganou-o. Porém, é inegável que existe alguma diferença nos relacionamentos, como
resultado dessa mentira. Consequentemente, a fidelidade de uns para com os outros na
procura dos bens em comum está posta em causa.
Assim, na medida em que se partilham os padrões e as propostas típicas das práticas,
define-se, seja isso reconhecido ou não, um relacionamento de uns para com os outros
por referência a padrões de honestidade e confiança, além de justiça e coragem. Na
explicação de Alasdair MacIntyre, a justiça exige que as pessoas sejam tratadas de
maneira uniforme e impessoal, de acordo com o mérito de louvor ou o merecimento de
castigo. O afastamento dos padrões de justiça denota um relacionamento especial ou
particular entre as pessoas.
Com a coragem é um pouco diferente. Esta, para Alasdair MacIntyre, é uma virtude
porque o cuidado e a preocupação para com os indivíduos, as comunidades e as causas,
que são tão determinantes nas práticas, requerem a sua existência. Se alguém diz que
cuida de algum indivíduo, comunidade ou causa, mas não ao ponto de abandonar os
seus próprios interesses ao risco de danos ou perigos, permite que se lancem dúvidas
acerca da genuinidade do seu cuidado e preocupação. Isto não significa que não se
possa genuinamente cuidar e ao mesmo tempo ser covarde. Mas, quer dizer que este
alguém que genuinamente cuida e não tem a capacidade de se arriscar ao dano ou
perigo tem que se definir, tanto para si próprio quanto para os outros, como um covarde.
Desta forma, o autor afirma que, tendo-se em conta a perspectiva destes tipos de
relacionamento, sem os quais as práticas não podem ser concretizadas, a honestidade, a
confiança e a coragem configuram genuínos bens de excelência. Constituem virtudes à
luz das quais as pessoas têm que se caracterizar a si mesmas e aos outros,
independentemente do seu ponto de vista moral privado ou do código da sociedade
particular onde vivam. Este reconhecimento de que é impossível escapar à definição dos
ÉTICA
103
relacionamentos em termos de tais bens, não parece, para Alasdair MacIntyre,
incompatível com a constatação de que diferentes sociedades têm distintos códigos de
honestidade, justiça e coragem.
Para Alasdair MacIntyre, se por um lado a diversidade de códigos não impede o
florescimento das práticas, por outro, a não valorização das virtudes pela sociedade
impede-o, embora possam continuar a surgir propostas equiparáveis de instituições e
habilidades técnicas. Isto porque a cooperação, o reconhecimento de autoridade, a
realização, o respeito por padrões e a assunção de riscos que estão caracteristicamente
envolvidas nas práticas requerem: justiça no juízo de si próprio e dos outros; honestidade
inflexível a fim de possibilitar a aplicação da justiça; disposição para confiar nos juízos
dos que devido às suas realizações gozam dentro da prática de autoridade para julgar;
justiça e honestidade nos juízos; e a possibilidade de periodicamente se expor, a si
próprio, e à realização da prática, a riscos.
Ingressar numa prática é passar a relacionar-se tanto com os seus praticantes
contemporâneos, quanto com os seus predecessores, especialmente com os
participantes cujas realizações expandiram o seu alcance até ao ponto presente. Então, o
que se confronta é a autoridade de uma tradição que tem que ser aprendida. Por esta
razão, a aprendizagem e o relacionamento com o passado que possibilita a
materialização das virtudes da justiça, coragem e honestidade são pré-requisitos para a
manutenção das relações presentes no interior das práticas.
Não se pode deixar de considerar, como refere Alasdair MacIntyre, que onde as virtudes
são exigidas, os vícios também encontram terreno fértil. Porém, os que têm vícios e um
espírito mau, necessariamente contam com as virtudes dos demais para que as práticas
nas quais se alistam possam prosseguir. Além disso, negam a si próprios a experiência
da realização dos bens internos à prática.
No sentido defendido pelo autor, uma prática não configura apenas um conjunto de
habilidades técnicas, ainda que estas sejam requeridas para o seu exercício. O que
caracteriza uma prática são as concepções dos bens e fins relevantes, aos quais as
habilidades técnicas servem, são transformadas e enriquecidas pelo aumento das
potencialidades humanas e pela ponderação dos próprios bens internos, que são apenas
parcialmente definitivos, para cada prática em particular ou para cada tipo de prática
específico. Os objectivos e as metas de uma prática não são perenes, mas transmutáveis
104 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
pela sua história. E esta, por sua vez, transcende a melhoria das habilidades técnicas
relevantes. Esta dimensão histórica é determinante para as virtudes.
Práticas e instituições não devem ser confundidas: por exemplo, física e medicina são
exemplos das primeiras; laboratórios, universidades e hospitais das segundas. As
instituições, caracteristicamente, preocupam-se com os bens externos, isto é, estão
envolvidas com o ganhar dinheiro e outros bens materiais, além de serem estruturadas
em termos de poder e status, conferidos, juntamente com o dinheiro, como recompensas.
Alasdair MacIntyre considera que nem poderia ser de outra maneira, uma vez que elas
existem para sustentar não somente a si mesmas, mas às práticas das quais são
portadoras sociais. Nenhuma prática é capaz de sobreviver sem o apoio de uma
instituição.
Na
verdade,
a
interface
das
instituições
com
as
práticas
e,
consequentemente, dos bens externos com os internos é tal que chegam a formar uma
única ordem motivadora, na qual os ideais, a criatividade e a preocupação cooperativa
pelos bens comuns da prática ficam vulneráveis à ganância e à competitividade da
instituição. Neste contexto, para o autor, a função essencial das virtudes fica clara. Sem
estas, ou seja, sem justiça, coragem e honestidade, as práticas são incapazes de opor
resistência ao poder corruptor das instituições.
Assim, a capacidade de uma prática reter a sua integridade depende das possibilidades e
do real exercício das virtudes na manutenção das instituições que a sustentam. Para ser
íntegra, uma prática requer que, ao menos alguns dos indivíduos que a corporificam nas
suas actividades, exerçam as virtudes, sendo a corrupção das instituições, pelo menos
em parte, efeito dos vícios. Entretanto, alerta Alasdair MacIntyre, nunca é demais lembrar
que é sempre dentro de alguma comunidade particular, com as suas instituições
específicas, que as pessoas aprendem a exercer as virtudes ou falham nessa
aprendizagem.
A posse das virtudes – mas não a sua aparência ou simulação – é necessária para
alcançar os bens internos às práticas, podendo, contudo, tornar-se empecilho para
realizar os bens externos. Estes são genuinamente bens, não apenas enquanto objectos
do desejo humano, cuja distribuição acompanha as virtudes da justiça e da generosidade,
mas porque ninguém pode desprezá-los sem uma certa hipocrisia. Desta maneira, na
opinião de Alasdair MacIntyre, considerando as condições do mundo, não é de espantar
que o cultivo da honestidade, da justiça e da coragem possam representar um estorvo
para a riqueza, a fama ou o poder, isto é, embora seja possível esperar a realização dos
ÉTICA
105
padrões de excelência e os bens internos de certas práticas pela posse das virtudes,
alcançar riqueza, fama e poder pode-se tornar impossível com essa posse. Se numa
sociedade específica dominar a procura dos bens externos, o conceito de virtude pode
ficar sob risco de um grande desgaste ou, até mesmo, da total extinção, apesar das suas
imitações poderem ser abundantes.
Esta noção de virtude apresentada por Alasdair MacIntyre, e de acordo com o próprio
autor, tem semelhanças e afastamentos da visão aristotélica das virtudes. Quanto a este
último aspecto, destaca que embora a sua explicação para as virtudes seja teleológica,
não guarda fidelidade à biologia metafísica de Aristóteles. Outro aspecto é que não
considera o conflito exclusivamente como falha do carácter individual, pois entende que
há uma multiplicidade de práticas humanas e uma consequente diversidade de bens,
muitas vezes incompatíveis, na persecução dos quais as virtudes podem ser exercidas.
Em relação às semelhanças destaca, entre outras, que esta explicação adopta a noção
aristotélica de prazer e gozo, irreconciliável com qualquer perspectiva utilitarista, pois é
próprio da virtude o seu exercício sem a consideração das consequências, a fim de ser
efectiva na produção dos bens internos. Os que realizam a excelência no interior das
práticas, caracteristicamente, gozam com essa realização e obtenção. Entretanto, tal
prazer não constitui um fim que o agente ambiciona, porque este resulta da actividade
com êxito. Lembra o autor que nem todo o prazer corresponde ao gozo que sobrevém
pela realização com êxito da actividade. Alguns dos prazeres configuram estados
psicológicos e físicos independentes da actividade, ou seja, conformam bens externos
juntamente com o prestígio, status, poder e dinheiro, podendo, como tais, serem
procurados enquanto recompensas externas passíveis de serem conseguidas pelo
dinheiro ou recebidas em virtude do prestígio.
Alasdair MacIntyre define as virtudes em termos do seu lugar nas práticas, entretanto,
algumas delas, ou seja, algumas actividades humanas consistentes e que se encaixam
no seu entendimento de prática – são más, como alerta o próprio autor. Parece óbvio,
para ele, que graças a factos circunstanciais, as práticas, em algumas ocasiões
particulares, se apresentem como produtoras de mal. Esclarece que não pretende, com a
sua explicação, desculpar ou fechar os olhos ao mal que pode advir das práticas, e que
tão pouco defende que tudo quanto germine de uma virtude é bom. A coragem, às vezes,
pode manter a injustiça e a lealdade pode proteger um assassino. O facto das virtudes
terem de ser inicialmente definidas e explicadas com referência à noção de prática não
106 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
significa, de maneira alguma, a aprovação de todas as práticas, em qualquer
circunstância.
Por outras palavras, a definição das virtudes não em termos de práticas boas e correctas,
mas simplesmente de práticas, não implica que estas, tal como são desenvolvidas na
realidade, em determinados tempos e lugares, não necessitem do criticismo moral. E não
faltam recursos para a elaboração de tal crítica, uma vez que não há inconsistência
alguma em apelar para as exigências de uma virtude com o intuito de criticar a sua
própria prática. Uma moralidade das virtudes requer como contrapartida uma concepção
de lei moral, cujas ordens também têm de ser acatadas pelas práticas.
Alasdair MacIntyre enfatiza que o âmbito de qualquer virtude na vida humana ultrapassa
os limites das práticas nos termos das quais recebe a sua definição inicial, ou seja,
requer-se uma noção de bem humano que transcende a limitada compreensão das
virtudes que é viabilizada pelas práticas. Isto porque uma virtude não é apenas uma
tendência que colabora para o sucesso somente nalgum tipo particular e específico de
situação, ao contrário, o que se espera de alguém possuidor de virtudes é que as
manifeste, nas diferentes circunstâncias da vida.
Alega o autor que se esta extensão não ocorresse, primeiro de tudo, a vida seria invadida
por uma excessiva conflituosidade e arbitrariedade, já que a existência de múltiplos bens
abre espaço para que o conflito ocorra até mesmo na vida de uma pessoa virtuosa e
disciplinada. As exigências das distintas práticas podem ser incompatíveis a ponto de
fazer a pessoa oscilar de maneira arbitrária, ao invés de escolher racionalmente. Se a
vida das virtudes é continuamente quebrada por escolhas nas quais a fidelidade a uma
acarreta a renúncia aparentemente arbitrária de outra, poderia parecer que os bens
internos às práticas, afinal de contas, derivam a sua autoridade de opções individuais.
Segundo, a noção de certas virtudes permanece imparcial e incompleta enquanto não
existir uma concepção mais abrangente de “telos” para a vida humana, pois este garante
a subordinação de uns bens aos outros. Desta forma, o autor sugere que se não houver
um “telos” que transcenda os bens limitados das práticas, constituindo um bem da vida
humana como um todo, a vida moral pode ser invadida pela arbitrariedade e chegar à
incapacidade de especificar o contexto de certas virtudes de maneira adequada. Por
último, há pelo menos uma virtude reconhecida pela tradição, cuja pormenorização
somente pode ocorrer por referência à unidade da vida humana, a virtude da integridade
ou constância.
ÉTICA
107
Actualmente, segundo Alasdair MacIntyre, qualquer tentativa de confrontar a vida
humana como um todo, uma unidade cujo carácter pode prover às virtudes um “telos”
adequado, encontra obstáculos de tipo social e filosófico. Os óbices sociais decorrem da
forma como a modernidade divide a vida humana numa variedade de segmentos, cada
qual com as suas próprias normas e modos de comportamento. Assim, o trabalho é
separado do lazer, a vida privada da pública, a corporativa da pessoal, a infância e a
velhice do resto da vida. E estas separações formam-se de tal maneira que é com base
na distinção de cada uma delas, e não na unidade da vida de um indivíduo, que ocorrem
o pensamento e o sentimento. Os obstáculos filosóficos incluem a tendência actual de
pensar a acção humana atomisticamente, analisando actividades e permutas complexas
em termos de componentes simples.
As virtudes, portanto, a partir desta expansão na sua concepção proposta pelo autor,
constituem disposições que não apenas mantêm práticas e capacitam para a realização
dos bens internos a estas, mas sustentam um relevante tipo de expedição para o bem,
por possibilitar a superação das ofensas, prejuízos, perigos, tentações e perturbações
percebidas, proporcionando um crescente auto-conhecimento e cognição do bem. O
catálogo de virtudes, desta maneira, contempla as requeridas para manter o tipo de
famílias e comunidades políticas nas quais homens e mulheres possam juntos procurar
pelo bem.
Por isso, na visão de Alasdair MacIntyre, é impossível ser-se capaz de procurar o bem ou
exercitar as virtudes apenas enquanto indivíduos. E isto acontece, em parte porque o
sentido de “vida boa” varia segundo o tempo histórico e o local, ou seja, o que é
considerado “vida boa” por um ateniense do século V aC difere da visão de uma freira
medieval ou de um agricultor do século XVII. Entretanto, não é só por estes diferentes
indivíduos viverem em distintas realidades sociais, mas cada um aborda a sua própria
circunstância enquanto portador de uma identidade social particular, isto é, cada um é
filho ou filha de alguém, primo ou tio de outro mais, cidadão desta ou daquela cidade,
membro desta ou daquela associação ou profissão, pertencente a este clã, ou àquela
tribo, ou àquela nação. Como tal, herda do passado da família, da cidade, da tribo, da
nação uma variedade de dívidas, patrimónios, expectativas e obrigações legítimas que
constituem o doado de uma vida, o seu ponto de partida moral.
A história da vida de uma pessoa está sempre inserida na história das comunidades das
quais ela obtém a sua identidade. Cada um nasce com um passado e tentar desligar-se
108 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
dele, de modo individualista, significa desfigurar as relações presentes. As posses de
uma identidade histórica e de uma identidade social coincidem. É claro que este
pensamento, alerta o autor, é estranho e mesmo surpreendente do ponto de vista do
individualismo moderno, defensor de que cada um pode ser o que escolher ser,
passando os aspectos históricos e sociais a representar meros traços casuais da sua
existência.
Alasdair MacIntyre destaca o facto da identidade moral se construir na pertença às
comunidades, como a família, a vizinhança, a cidade, a tribo, entre outras, mas, não
significa que se tem que aceitar as limitações morais acrescidas das particularidades
destas formas de comunidade. Se, por um lado, sem tais particularidades morais fica-se
impossibilitado de construir um ponto de partida moral, por outro, é movendo-se para
além delas que a procura pelo bem, pelo universal se concretiza. Ainda assim, a
particularidade nunca pode ser simplesmente deixada para trás ou esquecida. O autor
considera que a noção de escapar das particularidades para um reino inteiramente de
máximas universais, que pertencem ao humano como tal, cria uma ilusão de
consequências dolorosas.
O que cada um é, consiste em grande parte no que se herda, ou seja, existe no presente,
em algum grau, um passado específico. Cada um toma parte de uma história e isto
significa para o autor que, goste-se ou não, reconheça-se ou não, cada um é portador de
uma tradição. E o que mantém e fortalece as tradições ou as enfraquece e destrói é, em
grande medida, o exercício das virtudes ou a sua falta, respectivamente. A falta de
justiça, honestidade, coragem e virtudes intelectuais corrompe tradições, assim como as
instituições e práticas que são as suas portadoras sociais contemporâneas.
Quando o autor caracteriza o conceito de prática é importante notar, como ele próprio
destaca, que estas têm histórias e que em qualquer momento o que uma prática é
depende do modo como ela é entendida e transmitida através das gerações. E as
tradições através das quais as práticas particulares são passadas e remodeladas não
existem isoladamente das tradições sociais mais amplas.
Parece ficar claro, então, como salienta o próprio Alasdair MacIntyre, que a sua
concepção das virtudes prossegue através de três etapas: a primeira que diz respeito às
virtudes enquanto qualidades necessárias para realizar bens internos às práticas; a
segunda que as considera como qualidades contribuintes para o bem de toda uma vida; e
ÉTICA
109
a terceira que as relaciona à persecução de um bem para os seres humanos, cuja noção
somente pode ser elaborada e apropriada dentro de uma contínua tradição social.
A menos que satisfaça as condições especificadas em cada uma das três etapas, uma
qualidade humana não pode ser considerada uma virtude. Isto é importante porque há
qualidades que, mesmo decorrendo de práticas, não são virtudes, pois sobrevivendo aos
testes da primeira etapa, falham na segunda ou na terceira.
Para exemplificar situações deste tipo, Alasdair MacIntyre considera as qualidades da
impiedade e rigidez, distinguindo-as da qualidade sábia de saber reconhecer quando ser
impiedoso e rígido. Há práticas, como o viajar pelo meio selvagem, nas quais a
habilidade para ser impiedoso e rígido em guiar-se a si próprio e aos outros pode ser uma
condição não apenas para alcançar bens, mas para sobreviver. Tal habilidade pode
requerer como condição para o seu exercício o cultivo de uma certa insensibilidade para
com os sentimentos dos outros, uma vez que levar isso em conta pode resultar em pôr
em risco a sobrevivência. A transposição deste complexo de qualidades para a prática de
estabelecer e manter a vida numa família descreve a receita para o desastre, isto é, o
que parecia ser uma virtude num contexto, torna-se um vício noutro. Mas, estas
qualidades não representam, para o autor, nem uma virtude nem um vício. Não são
virtudes porque se mostram incapazes de satisfazer a exigência que uma virtude tem de
contribuir para o bem da vida humana como um todo, uma unidade na qual os bens de
práticas particulares se integram num padrão total de objectivos que respondem à
questão, de qual é o melhor tipo de vida para um ser humano levar.
Alasdair MacIntyre considera que uma dificuldade, entre muitas a serem enfrentadas pela
sua noção de virtude, é que o tipo de trabalho feito pela maioria dos habitantes do mundo
actual não pode ser entendido em termos da natureza de uma prática com bens internos.
Um dos momentos chave na criação da modernidade ocorreu quando a produção se
deslocou para fora da família e se colocou ao serviço do capital impessoal. Isto fez com
que o trabalho, além de se ter afastado do reino das práticas com bens internos a elas
próprias, se vincula à busca da sobrevivência biológica e da produção da força de
trabalho de um lado e à ambição institucionalizada do outro, com relações meios/fins
necessariamente externas. Consequentemente, as práticas foram removidas para as
margens da vida social e cultural.
ÉTICA
111
3.3. ÉTICA DO CUIDADO
No desenvolvimento da noção de cuidado têm ocorrido ao longo da história várias
abordagens, como a mitológica, a religiosa, a filosófica, a psicológica e a teológica que
acabam por influenciar orientações éticas e comportamentos morais. Disto decorrem
distintas estruturas explicativas para a ética do cuidado, incluindo a sua compreensão
como uma ética evolucionária, uma ética da virtude, uma ética do desenvolvimento, uma
ética da responsabilidade e uma ética do dever. Estas explicações revelam que não há
uma ideia única de cuidado, mas um conjunto de noções de cuidado que se unem por
alguns sentimentos básicos, algumas narrativas formativas cuja influência perdura
através dos tempos e de diversos temas recorrentes.
Uma das concepções de cunho psicológico que goza de grande destaque é a proposta
por Carol Gilligan, e contida no seu livro «In a Different Voice: Psychological Theory and
Women’s Development», editado pela primeira vez em 1982. Nesta sua obra, ela referese à interface entre a teoria psicológica e o desenvolvimento psicológico das mulheres,
criticando o carácter prescritivo atribuído à primeira. Com base em dados de estudos
empíricos, reconstrói o desenvolvimento psicológico das mulheres a partir do
entendimento de que este está centrado numa batalha pela relação, negando assim a
visão corrente, defendida por vários teóricos da psicologia, que consideram as mulheres
defectivas no seu desenvolvimento moral por não alcançarem a separação.
Ao abordar a perspectiva do cuidado no desenvolvimento moral das mulheres, uma ética
do cuidado emerge, questionando as concepções éticas vigentes e apontando novos
rumos para a Bioética, com vista a valorizar não apenas os actos, as motivações e o
carácter dos envolvidos, mas se as relações positivas são ou não favorecidas (Reich,
1995, Beauchamp, 2001).
São comuns, desde a publicação da obra de Carol Gilligan, trabalhos contrastando a
visão ética baseada nos princípios ou nos direitos individuais, nomeadamente na óptica
da justiça, com a ética do cuidado (Tong, 1998):
Ética da justiça
Abordagem abstracta
Separação humana
Direitos individuais
Âmbito público
Reforça o papel da razão
É relativa ao género masculino
Ética do cuidado
Abordagem contextual
Conexão humana
Relacionamentos comunitários
Âmbito privado
Reforça o papel das emoções
É relativa ao género feminino
112 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Para a elaboração da presente síntese da ética do cuidado, recorreu-se à reimpressão do
livro «In a Different Voice: Psychological Theory and Women’s Development», editado em
1993. Esta versão amplia a original com a introdução de um prefácio contendo uma “carta
aos leitores”, na qual Carol Gilligan esclarece os seus objectivos com a obra e responde
a algumas das críticas que o seu trabalho recebeu nesse período (Gilligan, 1993).
Assim, no seu início, a autora assinala que a época em que começou a escrever o livro,
início de 1970, foi marcada pelo ressurgimento do Movimento das Mulheres e por um
facto relevante para a sociedade norte-americana: a decisão do Supremo Tribunal do
país de tornar o aborto legalmente possível, no caso Roe versus Wade. Este caso integra
uma série de decisões do Supremo Tribunal dos EUA emitidas durante uma década
sobre a considerável confusão legal relativa ao tema do aborto. Nesta sentença, o
Supremo Tribunal sustenta o direito da mulher grávida interromper a gestação dentro de
certos limites. Reconhece o interesse do Estado na vida fetal desde o início da gravidez e
permite aos Estados norte-americanos instituírem exigências legais, desde que não
imponham uma carga indevida sobre as decisões e acções da mulher grávida, embora
não confirme a obrigação do Estado de suprir meios e assistência para a realização de
abortos não terapêuticos (Beauchamp, 2001). Com esta resolução, as bases das
relações entre homens, mulheres e crianças são abaladas. Carol Gilligan, ressalta que
quando o Supremo Tribunal dos EUA torna legal para a mulher, falar por si própria e
conferir-lhe a voz de decisão num problema complexo de relacionamento, que envolve a
responsabilidade pela vida e pela morte, muitas mulheres dão-se conta da força de uma
voz interior que interfere com a sua habilidade para se exprimirem. Essa voz interior ou
interiorizada diz à mulher que ela pode ser egoísta, trazer a sua visão para as relações;
que ela não sabe o que realmente quer ou ainda que a sua experiência anterior não
constitui directriz de confiança para pensar sobre o que fazer, ou seja, as mulheres
consideram perigoso dizer, ou mesmo saber, o que querem ou pensam, pois podem-se
incompatibilizar com os outros, configurando-se, assim, uma ameaça de abandono ou de
retaliação.
Muitas mulheres, então, sob a intimidação dos temores representados por estas
ameaças, pensam ser melhor parecer “desprendidas” e abrir mão da sua voz para
ficarem em paz. Esta escolha pode ser deliberada ou involuntária e, frequentemente,
apesar de bem intencionada, psicologicamente protectora e motivada por preocupações
para com os sentimentos das pessoas, acabam perpetuando uma civilização de vozes
masculinas e uma ordem de viver fundada na separação. Por isto, Carol Gilligan
ÉTICA
113
considera revolucionária a descoberta pelas mulheres que ser desprendida significa não
estar em relação, pois desafiam a desunião e divisão mantidas pela sociedade patriarcal.
A autora salienta que na medida em que continua a explorar as relações entre a ordem
política e a psicologia da vida das mulheres e dos homens, fica-lhe gradativamente mais
claro o papel crucial das vozes das primeiras na manutenção ou transformação do mundo
patriarcal. Ao se envolver activamente neste processo de mudança, vê-se a si própria e
ao seu livro, no centro de um debate no qual está em questão a saúde e o poder.
Ouvindo as reacções das pessoas ao seu livro, Carol Gilligan lamenta que a forma
diferente das mulheres falarem seja prontamente assimilada nas velhas categorias do
pensamento, perdendo a sua novidade e sendo colocada em questões do tipo quem
seria melhor ou pior, se as mulheres ou se os homens. Ressalta que, quando vê o seu
trabalho ser discutido nestes termos – se as mulheres e os homens são realmente
diferentes ou quem é melhor – sabe que não foi bem compreendida, porque não são
estas as questões que deseja fazer emergir. Ao invés disso, as suas questões são sobre
as percepções da realidade e da verdade; sobre voz e relacionamentos; e sobre
processos e teorias psicológicas, nas quais as experiências dos homens constituem a
base para a totalidade da experiência humana, eclipsando a vida das mulheres e calando
as suas vozes.
Quando esta voz diferente resiste, configurando uma voz relacional, uma voz que insiste
em ficar em relação, as separações psicológicas que tomam por base a autonomia, a
personalidade e a liberdade não aparecem mais como uma condição “sine qua non” para
o desenvolvimento humano. Ressalta a autora que, dentro do contexto de sociedades
como a norte-americana, articular esta voz diferente pode equiparar-se a questionar o
valor da liberdade, pois os valores de separação, independência e autonomia são tão
historicamente fundamentados, reafirmados e enraizados na tradição dos direitos
naturais que, frequentemente, são tomados como factos, ou seja, por natureza as
pessoas são separadas, independentes e auto-governadas.
Encontram-se na base dos seus escritos, esclarece Carol Gilligan, questões sobre voz,
diferença e desenvolvimento de mulheres e homens. Quanto à voz, entende que ter uma
voz é ser humano, ou seja, ter algo a dizer é ser uma pessoa. Também por voz, a autora
explica que, quer exprimir o que as pessoas significam quando falam da essência do eu.
Voz é natural e cultural, porque composta de respiração, som, palavras, ritmos e
linguagem. Configura um poderoso instrumento e canal psicológico, ligando os mundos
114 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
externo e interno. Falar depende de escutar e de ser ouvido, constituindo um acto
intensamente relacional, uma relação mútua de troca entre as pessoas, mediada pela
linguagem, cultura, diversidade e pluralidade. Por estas razões, considera a voz como
uma nova chave para a compreensão da ordem psicológica, social e cultural.
No que diz respeito à diferença, Carol Gilligan esclarece que tenta deslocar esta
discussão do foco do relativismo para os relacionamentos, entendendo as diferenças
enquanto marcas próprias da condição humana e não como problema a ser resolvido.
Entretanto, alerta que ao falar sobre diferenças e suas consequentes teorizações há que
estar atento para a rapidez com que a diferença se torna desvio e este adquire quase um
tom de “pecado” numa sociedade preocupada com a normalidade, escrava da estatística
e historicamente puritana.
A autora reputa de perturbadoras as discussões que abordam se as diferenças de género
são biologicamente determinadas ou socialmente construídas, pois, na sua opinião, esta
maneira de apresentar a questão implica que as pessoas – homens e mulheres – são ou
geneticamente determinadas ou um produto da socialização, não restando qualquer
possibilidade para a resistência, a criatividade ou a mudança, cujas fontes são
psicológicas. Para ela, a presente redução da psicologia na sociologia, na biologia ou
numa combinação de ambas prepara o caminho para uma espécie de controle que
sufoca a voz e provoca a morte da linguagem, possibilitando o irromper de condições
para o totalitarismo.
Os problemas éticos adequam problemas de relações humanas e, ao traçar o
desenvolvimento de uma ética do cuidado, Carol Gilligan explora os fundamentos
psicológicos para as relações humanas não violentas. Esta ética relacional transcende a
oposição entre egoísmo e desprendimento que tem sido o elemento principal da
linguagem ética. A procura de uma voz que supere tal dicotomia representa uma tentativa
de mudar o foco da discussão ética das questões acerca de como alcançar objectividade
e distanciamento, para as relativas a como se prender a relacionamentos com
responsabilidade e cuidado.
Relacionamento requer vínculo e depende tanto da capacidade para a empatia ou da
habilidade para ouvir os outros a fim de aprender a sua linguagem ou o seu ponto de
vista, quanto o ter uma voz, uma linguagem. As diferenças entre as mulheres e os
homens, descritas pela autora, centram-se na tendência de ambos cometerem diferentes
erros de relação: os últimos pensando que ao conhecerem-se a si próprios,
ÉTICA
115
consequentemente, conhecem as mulheres; e estas entendendo que somente por
conhecerem os outros, se conhecerão a si próprias. Então, quer os homens, quer as
mulheres, tacitamente se entrelaçam ao não darem voz para as experiências das
mulheres e construírem os relacionamentos baseados no silêncio que é mantido pela
dupla falta de percepção dos seus erros de relação: os homens com a sua desconexão
das mulheres, e estas com a sua dissociação de si mesmas.
A este equívoco nos relacionamentos, de acordo com Carol Gilligan, juntam-se os erros
das teorias psicológicas que têm tomado os homens como únicos representantes dos
humanos, fazendo com que as mulheres, no seu desenvolvimento psicológico, se
empenhem em alterar as suas vozes para se encaixarem nas imagens de relacionamento
e bondade construídas a partir de falsas vozes femininas.
Ao comparar esta compreensão do desenvolvimento psicológico das mulheres com as
teorias do desenvolvimento humano que, na verdade, representam teorias sobre os
homens, Carol Gilligan elabora a sua proposta de trabalho, de que a crise relacional
experimentada pelos homens, geralmente no início da infância, nas mulheres ocorre na
adolescência e envolve, tanto para os rapazes como para as raparigas, uma separação
das mulheres, que é essencial para a manutenção das sociedades patriarcais. A
resistência das raparigas a separações culturalmente impostas numa etapa posterior do
seu desenvolvimento confere uma maior articulação e robustez à sua relutância, que,
encontrando eco em desejos de homens e mulheres por relacionamentos novos, levanta
novas possibilidades de relações e maneiras de viver.
Neste sentido, a autora considera inevitável o desafio que representa para a ordem
patriarcal, perpetuada pela sonegação contínua da experiência feminina, uma nova teoria
psicológica na qual as raparigas e as mulheres sejam vistas e ouvidas. Assim, ficar em
relação com elas no ensino, na investigação, na terapia, na amizade, na maternidade ou
no decurso das suas vidas diárias, focando as suas vivências, é potencialmente
revolucionário.
É com a intenção de trazer as vozes das mulheres para a teoria psicológica e de
reformular o diálogo entre estas e os homens que Carol Gilligan escreve a sua obra, cuja
publicação lhe permite, com surpresa como confessa, descobrir que a sua experiência
ecoa com a de outras mulheres e também, de diferentes maneiras, com a dos homens.
116 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
O seu objectivo, como o demarca, é ampliar a compreensão do desenvolvimento humano
através da inclusão do grupo deixado de fora na construção das teorias anteriores, o das
raparigas e das mulheres, com a finalidade de chamar a atenção para os aspectos que
faltam. A partir desta perspectiva, os dados divergentes sobre a experiência feminina
propiciam uma base sobre a qual se cria uma nova teoria, potencialmente produtora de
uma visão mais abrangente da vida dos homens e das mulheres.
3.3.1. UMA VOZ DIFERENTE
Nos dez anos que precedem o lançamento de «In a Different Voice», em 1982, Carol
Gilligan ouve as pessoas falarem sobre moralidade e sobre si próprias e em determinado
momento deste percurso, começa a notar uma diferença nas vozes. Duas maneiras
diferentes de falar sobre os problemas éticos; dois modos diferentes de narrar o
relacionamento entre “o outro” e “o eu”.
São estas diferentes maneiras de pensar sobre as relações e a sua associação com
vozes masculinas e femininas nos textos psicológicos, literários e nos dados das
investigações da autora que se encontram registadas no livro. A divergência existente
entre as experiências das mulheres e a representação do desenvolvimento humano
descrita na literatura psicológica, geralmente é vista como um problema do
desenvolvimento das mulheres. Habituados a ver a vida através dos olhos dos homens,
os teóricos da psicologia cometem, segundo Carol Gilligan, um viés de observação, ao
adoptarem implicitamente a vida masculina como a norma e tentando a ela moldar a da
mulher, que então é vista como desviante, quando comparada com o padrão masculino.
Contrariando esta visão, a autora propõe que em vez de ser uma falha das mulheres por
não se encaixarem nos modelos existentes do desenvolvimento moral humano o que
pode estar a acontecer é um problema na representação, uma limitação na concepção da
condição humana, uma omissão de certos aspectos sobre a vida.
O associar esta “voz diferente” às mulheres corresponde à descrição de uma
investigação empírica, ou seja, é essencialmente através das vozes das mulheres que se
esboça o seu desenvolvimento. Entretanto, alerta a autora, ela não se caracteriza pelo
género, mas pelo tema, assim os confrontos entre as vozes masculinas e femininas
apresentados na obra servem mais para revelar uma diferença entre dois modos de
ÉTICA
117
pensar e salientar um problema de interpretação do que para representar uma
generalização sobre qualquer um dos géneros.
Para a autora, graças às suas diferentes visões acerca do “eu” e da moralidade, as
mulheres trazem para o ciclo da vida um ponto de vista diferente e ordenam a
experiência da vida em termos de diferentes prioridades. Para elas, os problemas éticos
originam-se por responsabilidades em conflito e não por direitos em competição,
requerendo para a sua resolução um modo de pensar contextual e narrativo no lugar do
modo de pensar formal e abstracto. Pela sua preocupação com a actividade de “tomar
conta”, centram o seu desenvolvimento moral em torno da compreensão da
responsabilidade e dos relacionamentos, contrapondo-a à concepção voltada para a
justiça, que vincula o desenvolvimento moral ao entendimento de direitos e regras.
Segundo Carol Gilligan, como as mulheres percebem a agressão vinculada a uma
ruptura da relação humana, as actividades de cuidado são as que tornam o mundo social
seguro, evitando o isolamento e prevenindo a agressão e, portanto, não correspondem à
mera enunciação de regras que limitem a ocorrência de actos agressivos. Nesta
perspectiva, a agressão deixa de ser entendida como um impulso incontrolável que deve
ser contido, para ser vista como um sinal de ruptura na relação, de falha no
relacionamento. As mulheres tendem a mudar as regras a fim de preservar os
relacionamentos, enquanto os homens, acatando-as, descrevem as relações como
facilmente substituíveis. O ideal do cuidado consiste, então, numa actividade de
relacionamento, de perceber e responder às necessidades, de tomar conta do mundo
procurando a manutenção da rede de relações de modo que ninguém seja deixado
sozinho.
O mundo das mulheres é formado por relacionamentos e verdades psicológicas, no qual
a consciência da relação entre as pessoas leva ao reconhecimento da responsabilidade
de uns pelos outros e à percepção da necessidade de dar resposta. Ao tomar a
moralidade como resultante do reconhecimento do relacionamento; ao acreditar que a
comunicação é o modo de solucionar os conflitos e ao ter a convicção de que a chave
para a solução do dilema ético está na forma da sua representação, longe de ser ingénuo
ou cognitivamente imaturo, o juízo das mulheres contém as compreensões decisivas para
uma ética do cuidado, em contraste com a lógica da abordagem da justiça. O princípio
central da resolução não violenta de conflitos e a crença na actividade restauradora do
cuidado fazem com que os actores de um dilema sejam vistos não como adversários
118 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
numa contenda de direitos, mas como membros entrelaçados de uma rede de relações,
de cuja continuidade todos dependem. Consequentemente, a resolução para um
problema ético consiste no activar esta rede de relacionamentos através da
comunicação, garantindo a inclusão de todos mediante o fortalecimento, ao invés do
rompimento, das relações.
3.3.2. OS CONCEITOS DO “EU” E DE MORALIDADE
A elaboração das questões éticas como problemas de cuidado e responsabilidade com
os relacionamentos, e não enquanto problemas de direitos e normas, liga o
desenvolvimento moral das mulheres às mudanças no seu sentido de responsabilidade e
de relacionamento, da mesma maneira que a concepção de moralidade pautada pela
justiça a une à lógica da igualdade e da reciprocidade. Assim, ressalta Carol Gilligan,
subjaz à ética do cuidado uma lógica psicológica dos relacionamentos, em contraposição
à formal de igualdade que dá corpo à ética da justiça.
As três perspectivas reveladas pelos estudos da autora denotam uma sequência no
desenvolvimento da ética do cuidado. As diferentes visões de cuidado e a transição entre
elas surgem da análise de como as mulheres usam a linguagem moral, de como
reflectem e julgam o seu pensamento e das mudanças que nele aparecem.
Na sequência observada e descrita por Carol Gilligan, a uma focagem inicial no cuidado
do “eu”, com vista a assegurar a sobrevivência, segue-se uma fase de transição na qual
se crítica este primeiro juízo como egoísta. A crítica determina uma nova compreensão
da relação entre o “eu” e o “outro”, articulada pelo conceito de responsabilidade. A
elaboração desta concepção de responsabilidade e a sua união com uma moralidade
materna, que busca garantir o cuidado dos dependentes e dos desiguais caracteriza a
segunda perspectiva. A este ponto, o bom equipara-se com o cuidar dos outros.
Entretanto, quando a mulher se exclui e reconhece apenas os outros como receptores
legítimos dos seus cuidados, geram-se problemas nas relações e cria-se um
desequilíbrio que redunda na segunda transição. Num esforço para desfazer a confusão
entre auto-sacrifício e cuidado, inerente às convenções da bondade feminina, tem lugar
uma reconsideração das relações com base no argumento da equiparação entre
conformismo e cuidado, presente nas definições convencionais e na falta de lógica
existente na desigualdade entre o “outro” e o “eu”. A terceira perspectiva focaliza a
ÉTICA
119
dinâmica dos relacionamentos e dissipa a tensão entre egoísmo e responsabilidade com
uma nova compreensão da inter-relação do “outro” e do “eu”. O cuidado torna-se o
princípio auto-escolhido de um juízo que continua psicológico na sua preocupação com
os relacionamentos e as respostas, mas que se abre ao universal, na sua condenação da
exploração e do sofrimento.
Tem-se então, uma compreensão progressivamente mais adequada da psicologia das
relações humanas, com uma diferenciação cada vez maior do “eu” e do “outro” e uma
crescente compreensão da dinâmica da interacção social, que dão corpo ao
desenvolvimento de uma ética do cuidado. Esta reflecte um conhecimento acumulativo
das relações humanas e desdobra-se em torno de um entendimento central, a
interdependência do “eu” e do “outro”. As diferentes maneiras de pensar esta relação ou
os distintos modos de apreendê-la, marcam as três perspectivas e as suas fases de
transição. Nesta sequência, salienta Carol Gilligan, a premissa da inter-relação dá forma
ao reconhecimento central e recorrente de que a violência, no fim, é destrutiva para
todos, da mesma maneira que a actividade do cuidado fortalece tanto o “outro” quanto o
“eu”.
A fim de se ser capaz de cuidar do “outro”, deve-se primeiro ser capaz de cuidar
responsavelmente de si mesmo. O desenvolvimento da infância para a idade adulta é
concebido como um movimento do egoísmo para a responsabilidade. Neste sentido, a
autora alerta, que o auto-sacrifício atrasa e luta contra o auto-desenvolvimento das
mulheres, sendo este um dever mais elevado que o primeiro.
O admitir a verdade da perspectiva feminina na concepção do desenvolvimento moral
implica reconhecer, tanto para as mulheres quanto para os homens, a importância da
relação entre o “eu” e o “outro” e a universalidade da necessidade de compaixão e
cuidado. O imperativo moral que emerge das entrevistas com as mulheres é uma
obrigação para cuidar, uma responsabilidade de discernir e aliviar o problema real do
mundo. Para os homens, o imperativo moral aparece mais como uma obrigação de
respeitar os direitos dos outros e proteger contra interferências os direitos à vida e à autorealização. Na “voz diferente” das mulheres, subjaz a expressão de uma ética do
cuidado, do vínculo entre relacionamento e responsabilidade e a visão da agressão como
falha nesta relação. A moralidade dos direitos fundamenta-se na igualdade e centra-se no
entendimento da justiça, configurando uma manifestação de igual respeito e contrabalançando as reivindicações do “outro” e do “eu”. A moralidade da responsabilidade
120 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
(ética do cuidado) tem por base o conceito de equidade, de reconhecimento das
diferenças nas necessidades, apoiando-se numa compreensão que dá origem à
compaixão e ao cuidado.
Portanto, de acordo com Carol Gilligan, o desenvolvimento moral, para os dois géneros,
propicia uma integração de direitos e responsabilidades através da descoberta da
complementaridade de duas visões distintas. Para as mulheres, a integração de direitos e
responsabilidades
ocorre
através
do
entendimento
da
lógica
psicológica
dos
relacionamentos, resultando na moderação do potencial auto-destrutivo de uma
moralidade autocrítica ao universalizar a necessidade de cuidado. Para os homens, o
reconhecimento da responsabilidade do cuidado corrige a latente indiferença de uma
moralidade de não interferência e volta a atenção da lógica para as consequências da
escolha. Numa compreensão pós-convencional da ética, as mulheres chegam a ver a
violência inerente à desigualdade e os homens a perceber as limitações de uma
concepção de justiça míope para as diferenças da vida humana.
Em resumo, para a autora, as mulheres imprimem uma construção distinta para os
problemas morais, vendo-os em termos de responsabilidades conflituantes. Esta
construção desenvolve-se através de uma sequência consistente de pensamentos e
sentimentos com três perspectivas, cada qual representando uma maior complexidade no
entendimento do relacionamento entre o “eu” e o “outro” e cada transição envolve uma
reinterpretação crítica do conflito entre o egoísmo e a responsabilidade. A sequência do
juízo moral das mulheres começa numa preocupação inicial com a sobrevivência, segue
em direcção à bondade que censura a primeira inquietação como egoísta e oposta à
responsabilidade de uma vida vivida na relação para, finalmente, alcançar uma
compreensão reflexiva do cuidado como a directriz mais adequada para a resolução dos
conflitos nas relações humanas, percebendo que o “eu” e o “outro” são interdependentes
e a vida, embora valiosa em si, só pode ser mantida pelo cuidado nos relacionamentos.
Segundo Carol Gilligan, na configuração do reino moral das mulheres regista-se a
centralidade dos conceitos de responsabilidade e de cuidado, havendo uma ligação
estreita no seu pensamento das noções do “eu” e de moralidade. Além disso, torna
evidente a necessidade de uma teoria de desenvolvimento moral mais abrangente que
inclua as diferenças da “voz feminina”, ao invés de a eliminar como desviante. Tal
inclusão, na visão da autora, é essencial tanto para explicar o desenvolvimento das
ÉTICA
121
mulheres, quanto para compreender, nos dois géneros, as características e os
precursores de uma concepção adulta de moralidade.
Isto porque, compreender como a tensão entre responsabilidades e direitos mantém a
dialética do desenvolvimento humano significa visualizar na íntegra duas experiências
díspares que no final são conectáveis. Uma ética dos direitos que decorre da premissa da
igualdade e defende que todo o mundo deve ser tratado igualmente e uma ética do
cuidado que, partindo da ideia da não violência, advoga que ninguém deveria ser ferido
ou injuriado. No desenho da maturidade, ambas as perspectivas convergem na
percepção de que a desigualdade afecta todas as partes num relacionamento e que a
violência é destrutiva para todos os envolvidos.
ÉTICA
123
3.4. ÉTICA CASUÍSTICA
Albert Jonsen e Stephen Toulmin na sua obra publicada em 1988, «The Abuse of
Casuistry: A History of Moral Reasoning» fazem uma revisão da história da casuística,
desde as suas origens na filosofia greco-romana e no judaísmo até ao cristianismo
católico. Segundo os autores, a finalidade do livro é recuperar a validade da casuística
para a discussão de problemas éticos, ou seja, pretendem reabilitar a “arte da casuística”
para a “resolução prática de perplexidades morais ou casos de consciência” (Jonsen,
1988).
Como pressupostos essenciais para a compreensão da sua obra, os autores incluem a
distinção das diferentes formas possíveis de tratar problemas éticos, a delimitação do
campo do conhecimento humano ao qual pertencem a ética e a prática clínica, e a
relação entre a resolução de problemas éticos e a prática clínica.
Assim, distinguem duas formas de discutir os problemas éticos. Uma que os ordena em
termos de princípios, regras e outras ideias gerais, e outra centrada nas características
específicas de casos tipo particulares. Na primeira, as regras éticas gerais relacionam-se
com os casos específicos de uma maneira teórica, com regras universais servindo como
“axiomas” dos quais os juízos éticos particulares são deduzidos como teoremas. Na
segunda, a relação entre as regras e os problemas é francamente prática. As regras
éticas gerais servem como “máximas”, as quais só podem ser totalmente compreendidas
nos termos dos casos paradigmáticos que definem o seu sentido e a sua força.
Para os filósofos da Atenas clássica, como explicam os autores, uma opinião poderia ser
aceite como conhecimento ou como argumento sólido e verdadeiro apenas se estivesse
necessariamente relacionada de maneira dedutiva a princípios iniciais claros e óbvios.
Porém, Aristóteles advoga que nem todos os conhecimentos são desse tipo e que tão
pouco há esse tipo de certeza teórica em todos os campos. No campo da prática, no qual
o filósofo inclui a ética, a certeza não requer domínio prévio das definições, princípios
gerais e axiomas como no campo da teoria, cujo protótipo de raciocínio é a geometria. Ao
contrário, depende da experiência prática acumulada de situações particulares da qual
resulta um tipo de sabedoria – “phronesis” – diferente da que decorre do domínio
abstracto de qualquer ciência teórica, a “episteme”.
No campo teórico, os argumentos gozam de sentido formal e são: idealizados (os
objectos físicos concretos nunca podem ser feitos com uma perfeita precisão, como
124 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
cortar o metal em triângulos ou círculos perfeitos); atemporais (serão verdades em
qualquer tempo e em qualquer ocasião); necessários (os argumentos teóricos são
estruturados de forma a libertá-los de qualquer dependência das circunstâncias nas quais
são apresentados e a assegurar-lhes um tipo de validade que não é afectada pelo
contexto prático do uso), conformando cadeias de prova, de proposições interligadas
para garantir uma conclusão. Os argumentos práticos diferem dos teóricos porque são:
concretos (a verdade das proposições práticas baseia-se na experiência directa, ao invés
de visar vínculos estritos, recorrem aos resultados de experiências prévias e reaplicamnas em novas situações problemáticas); temporais (a mesma experiência que ensina o
que o caso normalmente é, em qualquer tempo, também mostra o que o caso é somente
nalgumas vezes, então, às verdades da experiência prática não se aplicam as
expressões “universalmente” ou “em qualquer tempo”, mas “na ocasião” ou “nesse ou
naquele momento”, isto é, usualmente, frequente, quase sempre); presuntivos (a
conclusão permite refutação, as conclusões presuntivas estão, na verdade, abertas às
dúvidas). De sentido substancial, configuram métodos para resolver problemas, uma rede
de considerações apresentada para a solução de um dilema prático, cujo poder depende
do quanto as presentes circunstâncias se assemelham às dos casos precedentes para os
quais esse tipo particular de argumento foi originalmente construído.
Para Albert Jonsen e Stephen Toulmin, recolocar a ética no campo da sabedoria prática
tem implicações procedimentais para se poder encontrar a solução para problemas desta
ordem, assim é estabelecido como passo necessário a identificação da situação na qual
o acto em questão ocorre. Outra consequência é que os argumentos éticos são retóricos,
não no sentido fraudulento, prejudicial ou enganador, mas no de assegurar que a sua
explicação seja efectiva, inteligível, capaz de causar interesse nos ouvintes e dar-lhes
base, fundamentando-se em verdades gerais tidas como convincentes.
A prática clínica, na visão dos autores, participa do tipo de certeza da experiência directa
que marca o campo do conhecimento prático. Afirmam que, a bem da verdade, a
medicina mistura, à sua própria maneira, teoria e prática, compreensão intelectual e
habilidades técnicas, “episteme” e “phronesis”.
Na prática clínica, a questão central para o profissional de saúde é saber que condição
específica está a afectar um determinado paciente em particular e o que deve fazer para
lhe responder, nesse exacto momento e lugar. O diagnóstico clínico tem, então, o seu
ponto inicial nos anais correntes de doenças, lesões e incapacidades para as quais existe
ÉTICA
125
descrição na literatura médica. Na medida em que novos casos se apresentam para
exame, o médico colhe detalhes da história do paciente, faz a sua observação imediata
bem como dos resultados dos testes diagnósticos, usando estes factos para localizar a
condição particular do paciente num ou mais dos diagnósticos reconhecidos. Forçado a
escolher entre as várias alternativas diagnósticas, deve decidir quão perto ou análogo
está o caso presente de cada uma das suas possibilidades.
Desta forma, as relações entre uma conclusão diagnóstica e as evidências que lhe dão
suporte são mais próprias do raciocínio prático do que da prova teórica. Isto porque, a
conclusão está mais relacionada com as evidências substantivas do que com as relações
formais. Aproxima-se mais de uma presunção refutável do que de um vínculo necessário,
sendo que a inferência das evidências para a conclusão é circunstancial, pois depende
de factos detalhados sobre as condições e a natureza de um caso particular. Por essa
razão, pode dizer-se que as conclusões diagnósticas são tentativas e estão abertas à
reconsideração, se certos sintomas cruciais ou circunstâncias forem superadas ou se o
decurso posterior da doença trouxer à luz novas evidências importantes.
Neste sentido, a prática clínica pode-se apresentar como um modelo para a análise de
problemas éticos, pois, da mesma forma que os juízos clínicos não podem ser isolados
das condições reais de pacientes individuais, o juízo ético não pode ser abstraído das
circunstâncias concretas e detalhadas dos casos práticos. Assim, a exemplo das
inferências clínicas, as conclusões no campo da ética não são necessárias e não podem
ser tomadas à revelia do contexto, sendo presumíveis e passíveis de revisão à luz da
experiência posterior. Em ambos os campos, o melhor a ser feito é apreciar a situação
particular, trazendo a ela o maior grau de percepção clínica possível.
3.4.1. CASUÍSTICA: ELEMENTOS E CONCEITOS
Como explicam Albert Jonsen e Stephen Toulmin é a partir da sua própria execução que
o método da casuística é inferido, uma vez que os casuístas não formulam explicitamente
uma metodologia, mas, apenas um estudo da prática real pode revelar os passos que
seguem. Assim, da leitura dos casos tal como descritos pelos casuístas, os autores
identificaram seis passos que são dignos de nota para a compreensão deste método: a
confiança nos paradigmas e analogias; o apelo às máximas; a análise das circunstâncias;
126 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
os graus de probabilidade; o uso de argumentos acumulativos; e a apresentação de uma
resolução final.
A primeira característica do método casuístico é a ordenação dos casos por paradigma e
analogia, segundo um princípio. Ao iniciar cada tópico, o casuísta oferece uma definição
dos termos chave e depois propõe exemplos de casos que possibilitem o questionar se
uma dada acção, descrita de um determinado modo, configura ou não uma ofensa moral.
Na abertura da série de casos, encontra-se exposto o desvio mais óbvio, um exemplo
extremo que serve como “caso paradigmático” que ilustra a violação mais evidente do
princípio geral, apreendido no seu sentido mais óbvio. No seguimento de que se
apresentam outros casos que se afastam do paradigma, introduzindo várias combinações
de circunstâncias e motivos que tornam a ofensa menos aparente.
A segunda característica da casuística é o uso de máximas. Se, por um lado, a
classificação dos casos toma por base um inquestionável princípio moral, como um dos
“Dez Mandamentos”, por outro, os argumentos evocam fórmulas retiradas de discussões
tradicionais, expressas de maneira aforística e que fornecem o sustentáculo e a garantia
de argumentação. As máximas, então, consistem em pequenos ditos extraídos da
sabedoria popular, literatura e epítetos de sábios, comummente reconhecidas como
verdades, ao menos em parte, e que são usadas para iniciar um argumento.
A progressiva dificuldade dos casos constrói-se pela adição de circunstâncias
complicadoras aos exemplos paradigmáticos. Os casuístas recorrem à tradicional lista de
circunstâncias: quem, o quê, onde, quando, por quê, como e por que meios. Chamam a
atenção para estas circunstâncias, insistindo que são elas que caracterizam o caso e,
inevitavelmente, modificam o juízo ético acerca da questão envolvida.
As opiniões sobre os casos não paradigmáticos raramente são emitidas como
necessárias, conclusivas ou evidentes, em vez disso, com base na argumentação e
autoridade, suportam uma maior ou menor convicção. Desta forma, de acordo com o
grau de probabilidade das suas conclusões, os casos são qualificados como: certo; mais
ou menos provável; fragilmente provável; e dificilmente provável. Esta escala de
qualificação representa o juízo do casuísta acerca da força dos argumentos e do peso
das autoridades que advogam as opiniões em causa. É de posse desta qualificação que
as pessoas podem avaliar a extensão do risco de infringir o princípio ético em questão e
tomar as suas decisões.
ÉTICA
127
Os casuístas utilizam argumentos breves que apresentam vários tipos distintos de razões
para sustentar as suas conclusões, como textos das escrituras, citações da lei canónica e
apelos às virtudes da caridade ou da justiça, sem qualquer esforço para integrá-los num
único discurso consistente. A conclusão de que uma opinião merece ser classificada
como mais ou menos provável não se baseia no rigor da lógica do argumento, mas na
acumulação de múltiplas e variadas justificativas, ou seja, o peso de uma opinião
casuística decorre mais do acumular de razões do que da validade lógica dos
argumentos ou da consistência de qualquer prova.
A meta dos casuístas é chegar o mais próximo possível à decisão e à acção, portanto,
encerram sempre a sua análise sobre um caso com uma solução e um conselho relativo
à licitude ou à permissão para agir de um ou de outro modo. Nos casos mais difíceis de
serem solucionados, as resoluções são enunciadas como mais ou menos prováveis, com
a introdução de alertas do tipo: “nestas circunstâncias, dadas estas condições, pode com
razoável segurança, agir de tal e tal modo” ou “fazendo desta forma, não irá agir de forma
precipitada ou imprudente e somente pode estar com boa consciência” (Jonsen, 1988).
A partir destas características da casuística que incluem a ordenação dos casos por
paradigma e analogia; o apelo a máximas; a análise das circunstâncias; a qualificação
das opiniões; o acumulo de múltiplos argumentos; e a proclamação de resoluções
práticas de problemas éticos particulares à luz destas considerações, Albert Jonsen e
Stephen Toulmin propõem como conceito para casuística:
“The analysis of moral issues, using procedures of reasoning based on paradigms and
analogies, leading to the formulation of expert opinions about the existence and
stringency of particular moral obligations, framed in terms of rules or maxims that are
general but not universal or invariable, since they hold good with certainty only in the
typical conditions of the agent and circumstances of action” (Jonsen, 1988).
Isto é: A análise de problemas morais, usando procedimentos de ordenação baseados
em paradigmas e analogias, guiando-se pelas opiniões formuladas por peritos sobre a
existência e o rigor das obrigações morais particulares, delineadas em termos de regras e
máximas que são gerais mas não universais ou inalteráveis, uma vez que asseguram o
bem com a certeza de ser somente nas condições típicas do agente e nas circunstâncias
da acção.
128 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Desta contextualização, como alertam os próprios autores, depreende-se que nas
questões de natureza ética o que conta realmente é a habilidade para reconhecer, de
maneira completa e subtil, os detalhes, as características relevantes dos casos
particulares, isto é, as circunstâncias da acção e as condições do agente, tendo
importância reduzida o domínio prévio dos princípios, das definições e dos axiomas.
Assim, o equacionar ético na prática não é uma questão de engendrar deduções formais
de axiomas invariáveis, mas de exercitar o juízo, de ponderar as considerações umas
com as outras. Consequentemente, a casuística vai proporcionar um alcance limitado
para generalizações universais e inflexíveis, pois reconhece-se que as regras ou
máximas são gerais na sua forma, mas restritas no seu alcance prático pelo facto de só
poderem ser aplicadas, sem questionamento, unicamente nos casos que se aproximam
bastante do paradigmático, nos termos em que são definidos.
3.4.2. CASUÍSTICA NA ÉTICA CLÍNICA
Percebendo que o modo como os casuístas analisam e resolvem os problemas éticos se
correlaciona metodologicamente com a forma como os médicos lidam com os problemas
de diagnóstico na prática clínica, e acreditando que os profissionais de saúde precisam
de um método próprio que lhes proporcione um caminho claro para ordenar os factos e
os valores de cada caso em análise, com vista a facilitar a discussão e a resolução dos
problemas éticos que se lhes deparam, Albert Jonsen, um filósofo, juntamente com um
médico, Mark Siegler, e um advogado, William Winslade, desenvolveram um método para
ser utilizado nestas situações.
Este método, que toma por base vários dos elementos da casuística como o ordenar dos
casos por paradigma e analogia, a análise das circunstâncias, o acumulo de múltiplos
argumentos e a proclamação de resoluções práticas, está apresentado na obra «Clinical
Ethics: A Practical Approach to Ethical Decisions in Clinical Medicine», cuja quarta edição
de 1998, foi traduzida para português pelo Prof. Doutor Fernando Martins Vale, e
publicada em 1999, e é a que serve de referência principal a esta parte do presente
estudo (Jonsen, 1999).
Segundo os autores, a ética clínica é uma disciplina de cunho prático que proporciona
uma abordagem estruturada com vista a ajudar os profissionais de saúde a identificar,
analisar e resolver os problemas éticos que procedem da prática clínica. Aborda os
ÉTICA
129
aspectos éticos presentes em qualquer acto clínico e os problemas que podem surgir,
especialmente quando os profissionais e os pacientes discordam sobre os valores ou
enfrentam opções que desafiam as suas convicções. Depende da firme convicção de
que, mesmo perante grandes perplexidades e fortes emoções, os profissionais de saúde
podem trabalhar construtivamente para identificar, analisar e resolver muitos dos
problemas éticos que surgem na sua prática clínica.
O método por eles proposto não começa com os aspectos reais de cada caso, nem com
os princípios e regras, como é comum nas análises éticas. Há medida que vão surgindo
na discussão dos tópicos, os princípios e regras são referidos, sendo apreciados no
contexto específico das circunstâncias concretas de cada caso. Deste modo, entendem
os autores, evita-se a discussão abstracta sobre os princípios e previne-se a tendência
de encarar um único princípio como a directriz numa determinada situação.
Segundo o método proposto, cada caso clínico, quando observado como problema ético,
deve ser analisado em função de quatro tópicos: indicações médicas; preferências do
doente; qualidade de vida; e aspectos conjunturais (Quadro I na página 133). Apesar dos
factos de cada caso diferirem, os quatro tópicos são sempre relevantes e organizam as
distintas informações, chamando a atenção para os princípios éticos mais apropriados a
cada situação. Oferecem um caminho sistematizado para identificar, analisar e resolver
problemas éticos que surgem na prática clínica, sendo os equivalentes éticos dos tópicos
clínicos utilizados pelos médicos na apresentação de casos, na formulação de um
diagnóstico e na prescrição de um plano terapêutico, ou seja, correspondem aos itens:
queixa principal do doente, história actual, pregressa, familiar e social da doença, exame
clínico e dados laboratoriais.
Os títulos dos tópicos descrevem as principais características que definem a ética da
prática clínica, sendo que estas adquirem especificidades e apresentam-se de forma
concreta a partir das circunstâncias reais de cada caso. Assim, para cada caso, os quatro
tópicos devem ser analisados, com a finalidade de averiguar como o conjunto de
princípios e circunstâncias definem o problema em questão e que resolução sugerem. As
situações com as quais os profissionais de saúde se deparam na prática clínica podem
levantar problemas que não são paradigmáticos, constituindo-se uma combinação única
e complexa de circunstâncias e valores. Os quatro tópicos configuram referências que
orientam o caminho através da ambiguidade e dificuldade dos casos concretos.
130 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
A análise ética deve ocorrer com base numa revisão ordenada dos tópicos, sendo
recomendado seguir em todos os casos a mesma sequência, que se inicia pela
apreciação das indicações médicas, seguindo-se as preferências do doente, a qualidade
de vida e terminando com a abordagem dos aspectos conjunturais. Este procedimento
presta-se tanto à esquematização dos factos éticos relevantes no caso, quanto à
elucidação da necessidade de se obter mais informação antes de dar início à discussão.
A revisão pelos quatro tópicos, além de constituir uma estratégia de organização para
ensino e discussão, orienta a discussão de um problema ético no sentido da sua
resolução. Por outras palavras, os autores defendem que as discussões devem
ultrapassar o mero discurso ou debate e conduzir a uma solução prática e sensata.
Assim, após a apresentação de um caso, tem início a tarefa de procurar a resolução do
problema em análise.
Os autores assinalam que, embora a análise dos problemas éticos se inicie pelas
circunstâncias concretas dos casos, a discussão de cada tópico levanta e pressupõe
certas noções de ética, que propõem determinadas normas de comportamento e atitudes
aceites ou indicadas para determinada situação. Deste modo, a competência em ética
clínica não depende somente de se ser capaz de usar um método de análise, mas da
familiaridade com a literatura sobre o tema. Por esta razão, na sua obra, os autores além
de apresentarem o método de tipo casuísta para a análise dos problemas, incluem
indicações de textos sobre ética e ética clínica (Jonsen, 1999).
No tópico denominado “indicações médicas” abrange-se o conteúdo habitual de uma
história clínica, isto é, o diagnóstico e o tratamento da condição patológica do paciente. A
expressão “indicações” refere-se à relação entre a fisiopatologia apresentada pela
pessoa, o diagnóstico e as intervenções terapêuticas indicadas, ou seja, as apropriadas à
avaliação e ao tratamento da presente situação. Uma visão clara dos possíveis
benefícios da intervenção constitui o primeiro passo na avaliação dos aspectos éticos de
um caso, ou melhor, qualquer discussão de problemas éticos na prática clínica deve
começar pela exposição dos factos clínicos da situação. Assim, a análise não se deve
iniciar com a pergunta “tem o doente direito a recusar o tratamento”, mas antes com a
resposta à questão “quais são as indicações médicas para o tratamento” (Jonsen, 1999).
Portanto, a cuidadosa apresentação e a clara compreensão das queixas e do estado do
paciente, da natureza do dano, do diagnóstico, do prognóstico e dos recursos
terapêuticos a fim de determinar que benefícios, ou por outras palavras, que objectivos
ÉTICA
131
da intervenção médica são plausíveis de serem alcançados em cada caso em particular,
são cruciais para a compreensão de qualquer questão ética que possa surgir.
Para os autores, toda a actuação médica deve alcançar todos ou, pelo menos, alguns
dos seguintes objectivos (Jonsen, 1999):
a) Promoção da saúde e prevenção da doença;
b) Alívio dos sintomas, dor e sofrimento;
c) Cura da doença;
d) Prevenção da morte prematura;
e) Melhoria do estado funcional ou manutenção da função residual;
f) Educação e aconselhamento do doente face à sua doença e prognóstico;
g) Não lesão do doente no decurso do tratamento.
Na opinião dos autores, não é raro que o problema ético de um caso particular surja da
falta de clareza acerca dos objectivos da intervenção ou da aparente incompatibilidade
entre eles. É por esta razão que as análises éticas se devem iniciar com uma avaliação
realista dos objectivos das indicações da intervenção médica, que têm de ser
explicitamente apresentadas pelos profissionais de saúde de modo que a própria equipa,
os pacientes e a família possam compreender as alternativas disponíveis para a situação.
Apenas depois de clarificadas as opções da intervenção, é que os outros tópicos
(preferências do paciente, qualidade de vida e aspectos conjunturais) devem ser
considerados.
O juízo clínico, objecto do primeiro tópico, conduz a uma recomendação que é
apresentada ao doente que vai decidir, segundo a sua preferência. A escolha da pessoa
informada para aceitar ou recusar a conduta proposta tem importância ética, legal, clínica
e psicológica. As “preferências do doente” constituem o núcleo ético e legal da relação
clínica, portanto, o conhecimento das preferências do paciente é essencial para uma boa
actuação dos profissionais de saúde, já que a cooperação e satisfação dos primeiros
reflectem em que medida a intervenção programada vem ao encontro das suas
necessidades, opções e valores. A deliberação do paciente é baseada nas indicações e
nas suas preferências.
Depois de terem sido consideradas as indicações médicas e as preferências do doente,
segue-se uma apreciação acerca da “qualidade de vida” do doente, antes da doença
actual e a esperada com ou sem o tratamento. Qualquer dano ou lesão ameaça as
132 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
pessoas com uma diminuição, real ou potencial, da sua qualidade de vida, por isso o
objectivo fundamental da intervenção médica deve ser restaurar, manter ou melhorar a
qualidade de vida dos que buscam esse tipo de cuidados. A avaliação da qualidade de
vida deve ser levada em linha de conta em todas as discussões acerca dos cuidados de
saúde, devendo os profissionais de saúde e as pessoas de quem cuidam estimar que
nível de qualidade de vida é desejável, como este pode ser atingido e quais os riscos e
vantagens. Ao contrário do balanço risco/benefício que se preocupa com um âmbito
relativamente mais imediato, as considerações sobre a qualidade de vida focalizam as
consequências a longo prazo da aceitação ou da recusa das indicações médicas. É o
mais delicado e perigoso dos tópicos porque pode abrir espaço para distorções e/ou
preconceitos. Neste sentido, os autores referem como questões importantes: quem faz a
avaliação, com que critérios ela é feita e que tipo de decisão clínica pode ser justificada
com base nos juízos sobre a qualidade de vida.
Nos “aspectos conjunturais” discutem-se as circunstâncias sociais, legais e institucionais
nas quais o caso particular se desenrola, ou seja, o contexto do caso, sendo por isso que
este tópico também é denominado de “aspectos contextuais”. Os casos ocorrem no meio
de um contexto complexo que enreda pessoas, instituições e organizações económicas e
sociais. Os cuidados prestados são influenciados positiva ou negativamente pelas
possibilidades e limites desse contexto que, ao mesmo tempo, também é afectado pelas
decisões tomadas pelo paciente ou em seu nome, já que estas exercem impacto
psicológico, emocional, económico, legal, científico, educacional e/ou religioso sobre
terceiros.
Estas características contextuais podem ter uma importância capital na compreensão e
resolução do caso, especialmente nos tempos actuais, quando a relação clínica é
mediada por estruturas institucionais e económicas de complexidade nunca antes
atingida na área da saúde. Em alguns casos podem adquirir tal relevância que se tornam
decisivos, entretanto, dada a multiplicidade e complexidade destes aspectos, é difícil
estabelecer uma regra geral sobre a sua prioridade. Na opinião dos autores, os aspectos
conjunturais não devem ser decisivos em detrimento das indicações médicas, das
preferências do doente ou da qualidade de vida, nesta respectiva ordem. Desta maneira,
para que tenham peso decisivo nas situações clínicas, é necessário que preencham, na
totalidade, as seguintes condições: o alcance de objectivos significativos da intervenção
médica é duvidoso; as preferências do paciente são desconhecidas e não é possível
conhecê-las; a qualidade de vida do paciente é mínima ou abaixo do mínimo; o aspecto
ÉTICA
133
contextual em questão é específico, nitidamente lesivo para terceiros e a decisão faz
diferença em termos do alívio dessa lesão.
As perguntas a serem respondidas durante as discussões de cada tópico estão
resumidas no Quadro I.
Quadro I: Perguntas a serem respondidas durante a análise de cada caso
INDICAÇÕES MÉDICAS
1. Qual o problema do doente? História? Diagnóstico?
Prognóstico?
2. O problema é agudo? Crónico? Crítico? Emergência?
Reversível?
3. Quais os objectivos do tratamento?
4. Quais são as hipóteses de sucesso?
5. Quais são os planos em caso de falha terapêutica?
6. Em resumo, como este paciente vai se beneficiar dos
cuidados médicos e de enfermagem e como os danos podem
ser evitados?
QUALIDADE DE VIDA
1. Quais são as perspectivas, com e sem tratamento, para um
retorno do paciente a sua vida normal?
2. Há predisposições que possam prejudicar a avaliação da
qualidade de vida do paciente?
3. Que déficit físico, mental e social pode o paciente sofrer se
o tratamento for bem sucedido?
4. A situação presente ou futura do paciente é tal que a
continuação da vida pode ser considerada indesejável por ele?
5. Existe alguma fundamentação lógica para renúncia do
tratamento?
6. Quais os planos para os cuidados paliativos e o conforto?
PREFERÊNCIAS DO DOENTE
1. O que expressou o paciente acerca das preferências pelo
tratamento?
2. O paciente foi informado sobre benefícios e riscos,
compreendeu e deu seu consentimento?
3. O paciente está mentalmente capaz e tem competência
legal? O que é demonstrativo da incapacidade?
4. O paciente expressou antecipadamente suas
preferências? Por exemplo: directivas antecipadas de
vontade?
5. Se incapacitado, quem deve ser o representante? O
representante segue as regras apropriadas?
6. O paciente está relutante ao tratamento ou é incapaz de
cooperar? Se sim, por quê?
7. Em suma, foram os direitos de escolha do paciente
respeitados em toda a sua extensão ética e legal?
ASPECTOS CONJUNTURAIS
1. Existem assuntos familiares que possam influir nas
decisões terapêuticas?
2. Existem problemas dos profissionais (médicos ou
enfermeiras) que possam influenciar as decisões
terapêuticas?
3. Existem factores económicos ou sociais?
4. Existem factores religiosos ou culturais?
5. Há alguma justificação para violar o segredo médico?
6. Existem problemas de alocação de recursos?
7. Quais as implicações legais das decisões terapêuticas?
8. Está envolvida a investigação ou o ensino?
9. Existe conflito de interesse institucional ou com os
profissionais de saúde?
(Jonsen, 1999)
De acordo com o método proposto, depois de delinear os detalhes segundo os quatro
tópicos, há ainda uma outra série de questões que devem ser respondidas, como: qual é
a questão ética no presente caso; onde está o conflito; a que se refere o caso; é parecido
com outros já analisados; o que se conhece sobre outros casos similares a este; há
precedentes claros; é um caso paradigmático; em que medida o caso actual se aproxima
de um caso paradigmático ou dele difere; a sua similitude ou diferença ao caso
paradigmático é eticamente significativa e em que medida a resolução de qualquer outro
caso particular dependerá dos factos do presente.
Somente após vencer todos estes passos estipulados para a análise de cada caso é que
se está apto a identificar o problema ético em questão e a se poder traçar cursos
alternativos da acção, no sentido da sua resolução.
ÉTICA
135
3.5. ÉTICA PROFISSIONAL
A ética clássica defende a existência de um único código de preceitos e obrigações, que
por ser algo revelado deveria ser cumprido pelas pessoas, sem discussão. Este código
único tradicionalmente expressa-se sob a forma de leis, preceitos e mandamentos, o que,
por vezes, provoca a coincidência dos procedimentos éticos e jurídicos (Davis, 2003). Na
religião, a ética religiosa converte-se no direito canónico e no âmbito civil, isto aplica-se
às profissões, chegando-se mesmo a confundir o desempenho profissional com as
normas éticas ou jurídicas. Assim, os campos profissionais têm uma dimensão
ético/jurídica que, usualmente, é conhecida como a deontologia (Nunes(a), 2002).
A palavra “deontologia” deriva do grego δέον, transcrito “déon”, que significa dever,
obrigação, regras, aquilo que se deve fazer, + λόγος, “logos”, que significa ciência. Logo,
a deontologia é a ciência dos deveres, no entanto, o mais adequado é compreendê-la
como “teoria dos deveres”, já que este termo não se aplica à ciência do dever em geral,
no sentido kantiano, mas transporta consigo a ideia do estudo empírico dos diferentes
deveres relacionados com uma dada situação social (Privitera, 2004). Portanto, inclui-se
entre as teorias morais que orientam as escolhas sobre o que deve ser feito.
O termo “deontologia” foi introduzido em 1834, por Jeremy Bentham, para se referir ao
ramo da ética cujo objecto de estudo são os fundamentos do dever e as normas morais
(Houaiss, 2002). É um dos dois ramos principais da ética normativa, juntamente com a
axiologia. Pode-se também falar, de uma deontologia aplicada, caso em que já não se
está diante de uma ética normativa, mas sim descritiva e inclusive prescritiva. Tal é o
caso da “deontologia profissional” (Privitera, 2004).
A deontologia na visão de Kant fundamenta-se em dois conceitos que lhe dão
sustentação: a razão prática e a liberdade. O agir por dever é o modo de conferir à acção
valor moral; por sua vez, a perfeição moral só pode ser atingida por uma vontade livre. O
imperativo categórico no domínio da moralidade é a forma racional do “dever ser”,
determinando a vontade submetida à obrigação. O predicado “obrigatório” da perspectiva
deontológica designa na visão moral o “respeito de si” (Privitera, 2004).
As profissões constituem exemplos característicos de situações sociais que são alvo da
deontologia. Historicamente, aparece relacionada à experiência das profissões liberais
tradicionais, como a medicina e o direito, estendendo-se mais tarde a outras, como a
enfermagem e a arquitectura. Surgem, então, para marcar as diversas práticas
136 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
profissionais, códigos de ética e ou de conduta profissional para advogados, educadores,
enfermeiros, engenheiros, fiscais, investigadores, jornalistas, juízes, serviço social, etc.
(Thompsom, 2004).
Neste sentido, a deontologia indica o conjunto de deveres inerentes ao exercício de uma
profissão, isto é, adequa o conjunto codificado das obrigações impostas aos profissionais
no exercício da sua profissão (Hottois, 1998, 2003). Define como alguém se deve
comportar na qualidade de membro de uma classe sócio-profissional determinada,
anotando os comportamentos adequados e os que devem ser evitados, a fim de que a
imagem social da profissão seja favorecida ou, pelo menos, não se veja ofuscada ou
prejudicada. Fica claro, então, que a deontologia não pretende guiar a consciência ética
individual dos que formam uma classe profissional, estando a sua preocupação na
justeza da acção, considerando a profissão, a sociedade e a relação entre ambas. As
regras de comportamento são, usualmente, reunidas em códigos conhecidos como
“códigos deontológicos” ou “códigos de ética profissional”. Adoptados oficialmente pelas
distintas classes profissionais, em alguns países, impõem sanções disciplinares aos
membros da classe que porventura falhem na sua observância. Por isso, num senso
jurídico, a deontologia pode ser considerada uma extensão do direito profissional
(Nunes(a), 2002, Veiga, 2006, Nunes(a), 2009).
A deontologia também se refere ao conjunto de princípios e regras de conduta – os
deveres – inerentes a uma determinada profissão (Santos, 1996). Assim, cada
profissional está sujeito a uma deontologia própria a regular o exercício da sua profissão,
conforme o código de ética de sua categoria. Neste caso, é o conjunto codificado das
obrigações impostas aos profissionais de uma determinada área, no exercício de sua
profissão. São normas estabelecidas pelos próprios profissionais, tendo em vista não
exactamente a qualidade moral mas a correcção de suas intenções e acções, em relação
a direitos, deveres ou princípios, nas relações entre a profissão e a sociedade. O primeiro
código de ética profissional, ou de deontologia, foi feito na área médica, nos Estados
Unidos da América, em 1847 (Davis, 2003).
As ordens ou as associações profissionais promulgam os códigos com a intenção de se
auto-regularem e de poderem resolver os seus conflitos internamente, evitando, assim,
socorrer-se do aparelho judiciário comum à sociedade. O sentido destas regras está em
assegurar a convivência ou a utilidade de uma classe sócio-profissional, para que esta
possa conseguir, da melhor forma, o fim que deseja alcançar. Na medida em que cada
ÉTICA
137
classe profissional pretende fechar-se em si e impedir qualquer juízo externo, este modo
de proceder é passível de uma leitura corporativa. No entanto, convém não esquecer que
é positivo o facto dos profissionais tomarem consciência das exigências da sua profissão
e serem os primeiros interessados em dignificá-la (Nunes(a), 2002, Veiga, 2006, Nunes(a),
2009).
Ao reunirem as orientações gerais que devem servir de directriz e limite para os
profissionais no cumprimento das suas funções, os códigos indicam pontos de reflexão e
devem funcionar como um instrumento educacional para os profissionais, traduzindo os
melhores e mais positivos comportamentos e valores inerentes ao seu trabalho (Ricou,
2004). Além disso a existência de regras que condicionem a todos, ajudam a que
indivíduos e empresas, que actuem bem eticamente, se forem os únicos a actuarem
dessa forma, não sejam injustiçados por essa unilateralidade (Brandão, 2004).
Embora válida, a perspectiva dos deveres deontológicos mostra-se limitada, pois os
códigos podem adequar um esquema redutor incapaz, muitas vezes, de fazer frente aos
problemas e/ou dilemas éticos que surgem das experiências vividas no dia a dia
profissional. Daí a necessidade de modelá-los com a perspectiva ética de uma
abrangência mais ampla que vai para além dos deveres mínimos expressos nos códigos
e procura a excelência profissional (Nunes(a), 2002, Veiga, 2006, Nunes(a), 2009).
Convém lembrar que a adopção de um código não supre a responsabilidade da decisão
pessoal, pois a noção de ética não se resume a uma obrigação por efeito de coação
externa, mas supõe o livre consentimento e a adesão espontânea do indivíduo. O sujeito
ético não é o que se submete a regras simplesmente por obrigação ou temor a
determinada punição, mas sim porque nelas acredita e está convencido do seu valor e da
sua legitimidade. Daí a essência do conteúdo dos códigos dever ser aceite pelos
membros de uma classe profissional. Na verdade, os autores destes códigos deveriam
ser os próprios profissionais reflectindo e analisando, de maneira crítica, a prática
quotidiana do exercício da sua profissão. Por outro lado, ainda que o temor às punições
não seja a forma ideal de se conseguir a observância dos códigos, a previsão destas
pode constituir um factor de auxílio para tal. No entanto, convém lembrar que é muito
importante que um código não fique reduzido a uma mera declaração de boas intenções.
Assim, se quiser ser eficaz, um código deve especificar as consequências decorrentes da
sua não observância, o que no caso dos médicos portugueses aconteceu com a
publicação do Estatuto Disciplinar dos Médicos (Decreto-Lei nº 217/94, Pina, 2003) e no
138 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
caso dos enfermeiros com a publicação do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (DecretoLei nº 104/98).
Fundamentando-se no carácter inquestionável e inegociável da dignidade e da
integridade da pessoa humana, da veracidade, da necessidade de estabelecer relações
justas e de actuar segundo a prudência, o conteúdo dos códigos deontológicos procura
dar respostas a algumas questões, como:
• Quem é o principal cliente da profissão;
• Quais os valores centrais da profissão;
• Quais os parâmetros de um relacionamento ideal entre os profissionais e os
clientes ou a comunidade;
• Quais os sacrifícios exigidos aos membros da profissão e em que condições as
suas obrigações devem constituir prioridade, até mesmo em relação a outras
questões éticas que os afectem;
• Quais as normas de competência da profissão;
• O que constitui e em que se baseia a relação ideal entre os membros de uma
profissão;
• Quais os deveres de cada profissional, a fim de preservar a integridade do seu
compromisso com os valores e educar os demais quanto a esse aspecto (Ozar,
1995, Veiga, 2006).
Em Portugal, as normas deontológicas gozam de poder disciplinar com a garantia de
sanções às suas violações. Os médicos e os enfermeiros, para poderem legalmente
exercer a sua profissão, e segundo a legislação portuguesa, estão obrigados a
inscreverem-se na respectiva ordem profissional. Este órgão de classe que, em
conformidade com a legislação, regula o acesso e regulamenta o exercício profissional,
pode punir ou mesmo impedir o exercício da actividade de qualquer um dos profissionais
sob a sua jurisdição se houver comprometimento das normas profissionais estabelecidas
e dos deveres deontológicos.
O presidente da Ordem dos Médicos, o plenário dos Conselhos Regionais, o Conselho
Nacional Executivo, o Conselho Fiscal Nacional e o Conselho Nacional de Disciplina
configuram os órgãos nacionais, com jurisdição em todo o país, a nível da Ordem dos
Médicos (Decreto-Lei nº 282/77). A Assembleia Geral, o Conselho Directivo, o
Bastonário, o Conselho Jurisdicional, o Conselho Fiscal e o Conselho de Enfermagem
ÉTICA
139
configuram os órgãos nacionais, com jurisdição em todo o país, a nível da Ordem dos
Enfermeiros (Decreto-Lei nº 104/98). As secções regionais de cada uma das Ordens têm
a sua jurisdição restrita a uma dada região. O licenciado (com a reforma de “Bolonha” do
ensino superior, o mestre) em medicina ou enfermagem só se torna um profissional apto
para o exercício da profissão após o seu registo na respectiva secção regional. Só após a
inscrição no órgão legalmente habilitado, é que os formados numa profissão
regulamentada a podem exercer. A lei que regulamenta a profissão fixa o seu campo de
actividade e as condições para o seu exercício, nomeadamente as exigências em termos
de cursos superiores (Pina, 2003).
A jurisdição disciplinar a nível da Ordem dos Médicos é exercida pelo Conselho Nacional
de Disciplina, nos termos do artigo 67º do estatuto da Ordem e pelos Conselhos
Disciplinares Regionais, nos termos do artigo 71º (Decreto-Lei nº 282/77). São atribuições
do conselho disciplinar regional julgar as infracções à deontologia e ao exercício da
profissão médica previstas no estatuto e regulamentos da Ordem dos Médicos e no
código de deontologia, praticadas voluntariamente ou por negligência por qualquer
médico. As infracções cometidas serão instruídas e julgadas pelo Conselho Disciplinar
Regional, nos termos previstos no estatuto disciplinar dos médicos (Decreto-Lei nº
217/94). Compete ao Conselho Nacional de Disciplina julgar os recursos interpostos das
decisões proferidas a nível regional.
No caso da enfermagem a jurisdição disciplinar é uma competência do Conselho
Jurisdicional, nos termos do nº 1 do artigo 24º do estatuto da Ordem (Decreto-Lei nº
104/98). Para auxiliar o Conselho Jurisdicional na fiscalização do exercício profissional e
cumprimento do código deontológico, existem os Conselhos Jurisdicionais Regionais, nos
termos do nº 1 do artigo 24º, que devem ser constituídas no âmbito das secções
regionais por exigência dos respectivos estatutos. Os Conselhos Jurisdicionais Regionais
têm como principal função a instrução dos processos disciplinares para apuramento dos
factos nas situações que pareçam atentar contra os princípios que regem a deontologia
da profissão. Das decisões do Conselho Jurisdicional Regional cabe recurso para o
Conselho Jurisdicional, nos termos do regimento disciplinar.1
Os códigos deontológicos representam um instrumental útil enquanto uma directiva da
prática profissional e também do processo de tomada de decisão frente a situações que
configuram problemas éticos. A explanação acerca dos códigos feita nesta parte não tem
1
Disponível em http://www.ordemenfermeiros.pt/index.php?page=157 [citado em 23-12-2008]
140 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
por objectivo explorar os valores e o referencial ético filosófico dos códigos deontológicos
da medicina e da enfermagem, pretende-se apenas registar que estes podem representar
um aporte para o equacionar ético dos profissionais da saúde que, por vezes, recorrem
aos códigos e aos conselhos disciplinares como fonte de recurso para orientação e
solução dos problemas éticos que enfrentam.
No campo da saúde, temos ainda as Comissões de Ética para a Saúde (CES), que
devem ser constituídas e funcionar no âmbito de todas as instituições e serviços de
saúde públicos e unidades privadas de saúde. Às CES cabe zelar pela observância de
padrões de ética no exercício das ciências da saúde, no âmbito do funcionamento da
instituição ou serviço de saúde respectivo, por forma a proteger e garantir a dignidade e
integridade humanas, procedendo à análise e reflexão sobre temas da prática médica
que envolvam questões de ética. Podem emitir, por sua iniciativa ou por solicitação,
pareceres sobre questões éticas no domínio das actividades da instituição ou serviço de
saúde respectivo (Decreto-Lei nº 97/95). A função de uma CES não pode ser confundida
com a tarefa de um conselho de deontologia: este avalia um determinado comportamento
à luz das regras deontológicas vinculativas já estabelecidas e codificadas. Todas as
decisões e acções profissionais implicam, além da sua correspondência com as normas
deontológicas, a presença de valores éticos que têm um alcance ético mais interpelativo
do que a observância estrita dos deveres profissionais. Os casos duvidosos devem ser
analisados pela CES quando colocam em conflito vários princípios éticos fundamentais.
Deste modo, sem se substituir a um conselho de deontologia, a CES será chamada
casuisticamente a pronunciar-se sobre casos aparentemente meramente deontológicos
(Renaud, 2003).
De facto, a institucionalização das comissões de ética é um importante salto civilizacional
dado que, independentemente da corrente ética predominante, importa que exista
alguma supervisão da actividade profissional no sector da saúde, nomeadamente quando
os direitos básicos dos doentes possam ser violados. Na opinião de Rui Nunes “Enquanto
instrumento da sociedade plural que pretende defender, sem reservas, os legítimos
direitos dos doentes, as comissões de ética são um importante veículo de regulação
intra-institucional, nomeadamente no que se refere à investigação em seres humanos
(Nunes(b), 2003). No nosso país, desconhecia-se qual a realidade das Comissões de
Ética para a Saúde (CES) – no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (SNS) –, o que
desencadeou a elaboração de um estudo a nível nacional que permitiu esclarecer
algumas dúvidas existentes nesse âmbito. O estudo sobre a realidade nacional das CES,
ÉTICA
141
levado a cabo pelo Serviço de Bioética e Ética Médica da Faculdade de Medicina da
Universidade do Porto, desenrolou-se no âmbito de um projecto de investigação
patrocinado pela Comissão de Fomento da Investigação em Cuidados de Saúde do
Ministério da Saúde (Nunes(c), 2002). De acordo com o estudo citado, cerca de 80% dos
hospitais portugueses (no âmbito do SNS) apresentavam em 2002 uma CES
pluridisciplinar e em pleno funcionamento. Outro facto digno de menção é a evolução
sustentada dos hospitais portugueses ao longo da última década. Ou seja, em menos de
dez anos, o parque hospitalar português evoluiu não apenas no plano tecnológico e
assistencial mas também no que se refere à existência de um organismo que pretende
proteger com eficácia os legítimos direitos dos utentes.”.
Em síntese, a ética profissional deve repousar, por um lado, nas normas
ético/deontológicas das profissões da saúde, por outro deve ser fiscalizada pela
sociedade civil através de um organismo plural e independente que hoje é uma realidade
em todo o sistema de saúde português.
Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências da Saúde
2010
JOSÉ AUGUSTO
RODRIGUES SIMÕES
UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE
SAÚDE.
PARTE II
INTRODUÇÃO
145
1. INTRODUÇÃO
Actualmente, a teoria ética já não se encontra isolada da investigação empírica
prévia, forma tradicional como ela apareceu na filosofia ética, mas está ligada a essa
investigação e é informada por ela. O objectivo da directriz de acção já não é fazer uma
determinação conclusiva de um dever moral, mas ir fazendo declarações provisórias que
devem ser investigadas com critérios científicos e revistas quando se justifique, ou seja,
quando houver mais conhecimento empírico. A abordagem filosófica daquele que busca
respostas racionais conclusivas é substituída pelo compromisso de melhorar aspectos da
vida humana, pelo menos alguns. Para a ética clínica é o melhorar as condições das
pessoas com valores conflituantes e/ou preferências em casos particulares (Shelton,
2008).
Assim, a investigação empírica, e portanto, a bioética empírica, são essenciais
para o campo da bioética, da ética e de todos quantos buscam soluções para conflitos de
valores. O aprofundar da investigação empírica em bioética também permite gerar novos
conhecimentos sobre conflitos éticos na prática clínica. Essa investigação leva, em
primeiro lugar, a um maior conhecimento sobre as associações e causalidades dos
elementos que geram conflitos éticos. Com mais conhecimento empírico é possível
melhorar a estratégia para o decurso de eventos clínicos, o que pode acontecer através
da disponibilização de uma consultadoria ética mais eficaz para os casos particulares.
Mais conhecimento empírico também pode tornar-se a base para um desenvolvimento
mais amplo de estratégias preventivas para lidar com os conflitos éticos. É mesmo um
sinal de maturidade, mais alinhado com as outras áreas do saber baseadas na
metodologia científica. Trata-se de um campo da ética aplicada, em que muitos
profissionais de saúde, decisores políticos, entre outros são, cada vez mais, chamados a
centrar a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde, na redução da incidência de
conflitos éticos. O que pode ser medido por meio de testes, estudos empíricos ou seja
investigação científica, e que também permite avaliar a eficácia de estratégias que
incidam numa melhor gestão dos elementos geradores de conflitos éticos. Todos
concordarão que uma boa gestão preventiva é muito mais eficiente para evitar os
conflitos éticos, do que ter de lidar com eles através das suas manifestações como
dilemas éticos. Isto exige que o eticista se torne competente em estudos empíricos de
tomada de decisão clínica e aplique os seus resultados às questões que afectam o
paciente e a sua família (Shelton, 2008).
146 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Enquanto alguns se dedicam à bioética de muitas formas, incluindo a análise e
discussão filosófica, a consulta de ética clínica e a investigação empírica, a maioria dos
profissionais de saúde na sua prática diária dedica muito pouca atenção a estes
assuntos. A maioria dos médicos tem pouca preocupação com distinções morais
particulares quando confrontados com um pedido de assistência de um paciente
moribundo, ou com a oferta de uma empresa farmacêutica para assistir a uma sessão
sobre um produto num “resort” de cinco estrelas com um evento atractivo (Nunes(b),
1998). O que os médicos querem saber é o que pode incidir sobre os factos, como
resolver os conflitos éticos que têm impacto na assistência aos pacientes. No entanto, a
investigação empírica de questões relacionadas com a bioética tem proporcionado dados
úteis e orientadores de linhas de acção para os médicos, tanto a nível individual,
assistencial como político, e o continuar da investigação em mais áreas pode ajudar a
enfrentar as questões éticas (Frader, 2008).
Assim, neste estudo optou-se por seguir dois caminhos de investigação empírica,
uma abordagem quantitativa através da utilização de um questionário elaborado, validado
e testado para o efeito, e uma abordagem qualitativa através da introdução de questões
de resposta aberta sobre três casos-problema, pois o fenómeno a investigar, problemas
éticos, situa-se no universo dos significados, motivações, aspirações, crenças, valores e
atitudes e é próprio das investigações qualitativas procurar compreender este espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenómenos, que dificilmente pode ser
reduzido à operacionalização de variáveis, típica das abordagens quantitativas. Segundo
Maria Cecília Minayo (2006) é a investigação qualitativa que permite incorporar a questão
do significado e da intencionalidade como inerentes aos actos, às relações e às
estruturas sociais.
Além disto, como referem Michael Fetters e Howard Brody (1999), a complexidade
e a subtileza que cercam os problemas éticos que emergem dos cuidados de saúde
primários (CSP) requerem abordagens quantitativas e qualitativas capazes de os
elucidar.
A utilização de metodologias mistas é referido por John Creswell, Michael Fetters
e
Nataliya
Ivankova
(2004)
como
sendo
metodologicamente
adequado
para
investigações em CSP. Metodologias mistas envolvem a integração de métodos
quantitativos e qualitativos de recolha de dados e de análise num único estudo.
INTRODUÇÃO
147
Deste modo, esta investigação configura-se como um estudo quantitativo e
qualitativo, de tipo descritivo. Situa-se no âmbito da ética descritiva, enquanto
investigação empírica, de tipo não normativo.
Merece aqui consideração o lugar dos estudos descritivos nas investigações que
têm como objecto a ética e a moral (Sieber, 2004). Para tal, é necessário ter presente a
distinção entre ética e moral, mencionada na introdução da primeira parte deste trabalho,
que apresenta a ética como o estudo (investigação e sistematização) da moral (prática).
Daniel Sulmasy e Jeremy Sugarman (2001), citando William Frankena (1973),
afirmam que há três tipos básicos de investigação ética: ética normativa, metaética e
ética descritiva. Tom Beauchamp e James Childress (2001) também reconhecem estes
três tipos de investigação, considerando ainda que a metaética e a ética descritiva
constituem abordagens não normativas da ética.
A abordagem normativa empenha-se em responder a questões relativas às
normas que devem ser aceites para avaliar as condutas e as razões para tal. Dirige-se,
deliberada e conscientemente para a questão da validade dos princípios morais.
Conforma a busca dos fundamentos das normas e dos valores, o que a associa,
indissoluvelmente, à crítica, ou seja, ao permanente questionamento de cada
fundamentação. As teorias e os princípios constituem ponto de partida para o
desenvolvimento de normas de conduta apropriadas que são suplementadas por casos
paradigmáticos exemplificativos da maneira correcta de agir e por uma defesa ou
justificação da aceitação de tais princípios (Beauchamp, 2001; Sulmasy, 2001).
A metaética envolve a análise da linguagem, ou seja, a investigação do sentido e
significado dos termos morais, a lógica e linguística do equacionamento moral e as
questões fundamentais de ontologia moral, epistemologia e justificação. Assim, não
consiste em investigações e teorias empíricas ou históricas, não implica em estabelecer
ou defender quaisquer juízos normativos ou de valor e não trata de responder a
perguntas particulares ou gerais acerca do que é justo, bom ou obrigatório. Mas antes,
empreende a busca de respostas a questões lógicas, epistemológicas ou semânticas, do
tipo “qual o sentido ou o emprego das expressões moralmente justo ou bom?”
(Beauchamp, 2001; Sulmasy, 2001).
A ética descritiva, por sua vez, é a investigação factual da conduta moral,
utilizando procedimentos e metodologias de cunho científico para estudar como as
148 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
pessoas equacionam e agem. Assim, não se detém directamente em questões do tipo “o
que deve ser feito” ou “qual o uso apropriado dos termos éticos”, mas investiga “como as
pessoas pensam que deveriam agir nesta situação particular que é objecto de
preocupação normativa”, ou “que factos são relevantes para esta questão da ética
normativa”, ou ainda “como as pessoas realmente se comportam nesta circunstância
particular que traz problemas éticos”. O ethos, entendido como conjunto de atitudes,
convicções, crenças morais e formas de conduta, seja da pessoa individual ou de um
grupo social, étnico etc. é o objecto da investigação, procedendo-se à sua observação e
descrição. Este tipo de investigação constitui tarefa científica e não filosófica, requerendo
instrumentos e metodologias de natureza científica. Caracteriza, de forma paradigmática,
o aporte que a ciência proporciona à reflexão filosófica, podendo as suas observações,
ao tratar de extrair informação da facticidade normativa, serem proveitosamente
utilizadas na ética normativa (Beauchamp, 2001; Sulmasy, 2001).
Pelo que, é pertinente localizar as investigações descritivas em ética no campo da
bioética, uma vez que o presente estudo se insere nessa abordagem secular,
interdisciplinar, prospectiva e global da ética em saúde. Segundo Miguel SánchezGonzález (1998), na década de 70 do séc. XX, predominaram na produção literária da
bioética, os teólogos, filósofos e juristas, pelo que as obras desse período consistem em
ensaios teóricos que analisam os problemas utilizando os métodos próprios dessas
disciplinas. Mas, a partir da década de 80, ao incorporarem-se na bioética os médicos e
os cientistas sociais, como referem Liva Jacoby e Laura Siminorff (2008) foram
introduzidos novos tipos de investigação que aplicaram os métodos empíricos das
ciências
sociais
e
da
epidemiologia,
desenvolvendo-se
assim
novas
linhas
metodológicas. Cresceu, deste modo o interesse por conduzir investigações empíricas na
bioética, Pascal Borry, Paul Schotsmans e Kris Dierickx (2006) concluíram que a
proporção de investigação empírica em nove revistas aumentou de forma constante,
passando de 5,4% em 1990 para 15,4% em 2003. E a importância da investigação
empírica em ética médica e bioética continua a aumentar, estimando James DuBois,
Rebecca Volpe e Erica Rangel (2008) em 2,2% a investigação ética oculta, publicada
anualmente nas mais importantes revistas, por se encontrar mal indexada.
A investigação ética teórica, de natureza normativa é desenvolvida a níveis mais
genéricos, inclui as investigações de cunho teológico, filosófico, jurídico e político.
Emprega a argumentação lógica, com vista a definir conceitos, estruturar argumentos
consistentes e elaborar recomendações. Por outro lado, a investigação ética empírica,
INTRODUÇÃO
149
que lança mão de procedimentos próprios das ciências sociais, da análise decisória, da
epidemiologia e da avaliação de serviços de saúde, recolhe e analisa dados a fim de
descrever e estudar como se tomam as decisões, que valores lhes estão subjacentes,
como se cumprem na prática as normas ou as directrizes éticas. Constitui-se, assim, uma
abordagem de natureza descritiva e que se move, preferencialmente, a um nível mais
concreto (Sánchez-González, 1998, 2005).
A investigação ética empírica, de cunho não normativo, segundo Miguel SánchezGonzález (1998), tem como funções:
• Identificar e caracterizar os problemas éticos que emergem na prática dos
cuidados de saúde, permitindo elaborar uma bioética centrada nos problemas
reais;
• Descrever como habitualmente se lida com os problemas, podendo esta
descrição constituir objecto de crítica ou ponto de partida para a proposta de
soluções alternativas;
• Descobrir as consequências das acções e das normas aceites, estabelecendo
uma forte interface com a ética normativa que também tem a avaliação das
consequências como seu objecto;
• Evidenciar deficiências nas teorias éticas e propor a sua revisão.
Discutindo os diferentes tipos de investigação ética – a normativa, a metaética e a
descritiva – Daniel Sulmasy e Jeremy Sugarman (2001) afirmam a igual importância dos
três e reconhecem a centralidade do primeiro. Segundo os autores, a ética normativa é
central, porque dela deriva a importância da investigação metaética e da descritiva. Por
outras palavras, a investigação do que a “palavra” deve significar (metaética) é
desenvolvida porque há interesse em saber o que se deve fazer (ética normativa). Da
mesma maneira, o conhecer o pensamento da população (ética descritiva) sobre o que
deve ser feito em determinadas circunstâncias, ou como as pessoas realmente se
comportam em tais ocasiões surge face a situações para as quais há directrizes morais
que determinam como elas deveriam agir (ética normativa). Entretanto, apesar desta
centralidade da ética normativa, os três tipos de investigação ética são necessários
porque proporcionam perspectivas distintas do mesmo objecto.
150 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Entre a ética normativa e a descritiva instala-se uma retroalimentação de dupla
via. A primeira pode gerar explanações que estão associadas com hipóteses passíveis de
testes empíricos, ou estabelecer padrões normativos que têm de ser operacionalizados e
podem ser estudados nos cenários da educação e da prática. As lições empíricas obtidas
de tais estudos podem, por sua vez, retroalimentar e influenciar as teorias normativas. Os
argumentos normativos também podem depender de factos possíveis de serem
acumulados das investigações empíricas e que lhes fornecem sustentação ou refutação.
A ética descritiva pode ainda proporcionar novo material para estudos normativos, por
exemplo, estudos antropológicos e sociológicos podem levantar questões sobre a
universalidade de explanações normativas e os estudos de casos podem sugerir
questões jamais tratadas por investigações normativas ou suprir uma base para a
casuística e a narrativa (Sulmasy, 2001).
Para Daniel Sulmasy e Jeremy Sugarman (2001), os diversos tipos de
investigação estimulam-se mutuamente, ou seja, bons estudos em ética normativa
estarão fundamentados em bons dados empíricos, e bons estudos descritivos estarão
pautados pela teoria ética que providencia uma estrutura na qual os dados serão
interpretados. Esta integração assumida de maneira interdisciplinar e cooperativa é que
possibilitará, para os autores, a reflexão ética.
Ambos os tipos de investigação conformam os pilares fundamentais da bioética
actual, dependem um do outro e nutrem-se mutuamente, pois, como alerta Erica Haimes
(2002), não é possível conduzir uma investigação empírica de boa qualidade sem estar
bem informado acerca de algumas teorias, daí ter-se lançado mão da ética principialista,
da ética das virtudes, da ética do cuidado e da ética casuística, com especial ênfase para
a primeira, analisadas na primeira parte desta tese e, igualmente, não se pode entender
as explicações teóricas sem compreender como vive o mundo empírico quotidiano.
Visando este trabalho estudar as atitudes que condicionam a tomada de decisão
frente a problemas éticos por parte dos médicos de família e dos enfermeiros que
trabalham em centros de saúde, parece pertinente clarificar um pouco o conceito de
atitude.
A palavra “atitude” existe na língua portuguesa não só como posição do corpo,
postura, ou pose, mas também como maneira de agir ou conduta, e pode ainda significar
um propósito ou modo de proceder (Houaiss, 2002). A etiologia da palavra vem do latim:
actitudo,inis = posição, acção; actus,us = acto, acção, gesto.
INTRODUÇÃO
151
Apesar de ser um termo relativamente ambíguo, tem sido muito explorado no
campo da psicologia social que o tem como um mediador entre a forma de pensar e o
modo de agir dos indivíduos. Assim, se de acordo com Glenn Wilson (1986), atitude é
uma orientação de avaliação, relativamente persistente no que respeita a um objecto
particular ou classe de objectos, já outros autores como Maria Lima (1997) e Henry
Gleitman (1998), acentuam a dimensão cognitiva das atitudes e o seu valor preditivo da
acção.
Também, continuam a existir inúmeras divergências na significação do conceito,
consoante este é pensado por autores de uma corrente mais comportamentalista ou mais
cognitivista. Mas existem alguns pontos em comum que são acentuados por Maria Lima
(1997):
• As
atitudes
referem-se
a
experiências
subjectivas,
expressando
o
posicionamento de um indivíduo ou de um grupo, construído a partir da sua
história, e portanto com um carácter aprendido;
• As atitudes são sempre referidas a um objecto ou situação. Quando se fala de
atitudes é referido de imediato face a quê;
• As atitudes incluem sempre uma dimensão avaliativa, traduzindo sempre uma
posição
face
a
um
determinado
objecto
social:
gosto/não
gosto;
concordo/discordo.
Assim, diferentes pessoas podem ter diferentes atitudes face a um mesmo
objecto, como é o caso das diferentes atitudes da população face ao aborto ou à possível
legalização do consumo de drogas. E embora este posicionamento seja relativamente
persistente, não é estático, podendo mudar por interacção de inúmeros factores.
As atitudes têm merecido grande atenção por parte dos metodólogos, e um
grande número de estratégias tem sido desenvolvido para medir as atitudes dos
inquiridos (Foddy, 1996).
Uma das metodologias mais utilizadas consiste na construção de conjuntos de
afirmações sobre determinado objecto de atitude (normalmente cerca de 10-20)
acompanhados por uma escala de classificação numérica (por exemplo, 1, 2, 3, 4, 5, ou,
-2, -1, 0, +1, +2), de tipo verbal (por exemplo, “concordo fortemente”, “concordo”, “neutro”,
“discordo”, “discordo fortemente”), ou por representações gráficas de uma face (por
152 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
exemplo, desenhos de caras que expressam desde “tristeza” a “contentamento”,
passando por “neutralidade”), ou, simplesmente, uma linha com atributos nos extremos
(por exemplo, “muito bom” / “muito mau”). Os inquiridos são instruídos para classificar
cada uma das afirmações e é possível construir uma pontuação global adicionando as
diferentes classificações atribuídas às diversas afirmações. O valor assim obtido constitui
um indicador do posicionamento do inquirido face ao objecto de atitude proposto.
Normalmente este tipo de procedimentos é conhecido por “escala de Likert” ou por
“escalas de adição” (Foddy, 1996).
Segundo William Foddy (1996) existe um generalizado consenso na definição
publicada em 1935 por Gordon Allport de que “uma atitude é uma predisposição
aprendida para reagir a um objecto ou classe de objectos em termos conscientemente
favoráveis ou desfavoráveis”.
Mas, alguns autores concordando com a ideia de que a atitude é uma
predisposição aprendida para reagir, sugerem que uma vez aprendida, o indivíduo
também assimila diferentes formas de a exprimir. Outros acrescentam que ao decidir
sobre o seu comportamento face a um objecto, os indivíduos têm em conta as pressões
sociais e não apenas a sua atitude perante esse objecto. Neste contexto, estes autores
defendem que a relação entre atitude e comportamento é mais forte quando o
comportamento se expressa na esfera privada (por exemplo, respondendo a testes de
auto-resposta) do que quando ocorre em público (por exemplo, respondendo a
entrevistadores em público). Na esfera privada, ao expressar perspectivas socialmente
reprováveis, os indivíduos não sentem tanto os efeitos de pressões e eventuais sanções
sociais. William Foddy (1996) refere que Tittle e Hill (1967) verificaram que os valores
obtidos por uma escala cumulativa sobre a classificação de uma multiplicidade de tópicos
(tipo escala de Likert) que implica definições pouco precisas, assim como quem dispara
simultaneamente vários tiros para um mesmo alvo, proporciona correlações mais fortes
com os comportamentos correspondentes.
A cada progresso alcançado o ser humano mantém-se em estado constante de
renovação; muito raramente o Homem se classifica como plenamente satisfeito consigo e
com o seu nível de realização profissional e pessoal. Quando ocorre uma estagnação
pode-se avaliar que algo foi interrompido, colocando-se em dúvida a plenitude da
capacidade de aspiração do indivíduo. Cecília Bergamini (2005) enfatiza que, vendo o
comportamento humano em circunstâncias normais, a motivação é geralmente vista
INTRODUÇÃO
153
como sinónimo de forças psicológicas, desejos, impulsos, instintos, necessidades,
vontades e intenções. Todo este conjunto tem uma conotação de movimento e acção. A
motivação é assim algo sob a forma de energia interna activa que faz com que os
indivíduos empreendam acções para alcançar determinados objectivos. Quando essa
energia é libertada e o ser humano se torna capaz de realizar os objectivos desejados, os
seus resultados são excelentes.
Os valores pessoais evoluem a partir do contacto com o mundo exterior e podem
mudar ao longo do tempo. A integridade na aplicação dos valores refere-se à sua
continuidade; as pessoas têm integridade se aplicam adequadamente os seus valores,
independentemente dos argumentos negativos ou do reforço de outros. “Os valores são
crenças e atitudes sobre a forma como as coisas deveriam ser e envolvem o que para
nós é importante” (Santrock, 2007). Os valores aplicam-se adequadamente quando são
aplicados na área da ética e do direito. Por exemplo, é adequado aplicar valores
religiosos nos momentos de felicidade, bem como nos momentos de desespero. “Uma
forma de medir os valores das pessoas é perguntar-lhes quais são os seus objectivos”
(Santrock, 2007). Os valores pessoais desenvolvidos muito cedo na vida podem ser mais
resistentes à mudança. Deles derivam sistemas ou grupos específicos, tais como a
cultura, a religião e o clube de futebol. No entanto, os valores não são universais, são de
uma família, nação, geração e ajudam a determinar um ambiente histórico de valores
pessoais. “Prosseguimos com a influência dos valores nos nossos pensamentos,
sentimentos e acções” (Santrock, 2007). Isto não quer dizer que os valores e conceitos
próprios não são universais, mas apenas que cada indivíduo possui uma única
concepção deles, ou seja, um conhecimento pessoal dos valores adequados para os
seus próprios genes, sentimentos e experiências.
Para o desenvolvimento do nosso estudo fez-se uma revisão da literatura onde se
identificaram mais de 55 estudos de ética realizados entre 1981 e 2006, quer com
médicos, quer com enfermeiros, quer com ambos, em diferentes países, tanto em
contexto hospitalar como em cuidados de saúde primários e que se apresentam no anexo
8. De seguida referem-se resumidamente apenas os considerados mais significativos.
Edmund Pellegrino e colaboradores (1985) apresentam os dados do inquérito
realizado em 1982, pela Associação Médica Americana, para apurar como os médicos
avaliam a eficácia da sua educação na preparação em lidar com as questões éticas
encontradas na prática clínica. Os resultados indicam que os médicos que tiveram cursos
154 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
de ética médica percebem que eles são de grande valor prático e recomendam que o seu
conteúdo seja expandido. Apresentam também dados sobre a frequência relativa das
questões éticas específicas encontradas na prática e sobre a influência relativa de
valores pessoais, educação médica, prática médica, ética e cursos sobre abordagens
para as questões éticas.
Patricia Prescott e Sally Bowen (1985) referem que o desacordo entre médicos e
enfermeiros em relação aos pacientes nem sempre é um factor negativo e que, muitas
vezes, serve para proteger os pacientes. Porém, se não for adequadamente resolvido
pode afectar adversamente os pacientes. O seu estudo questionou mais de 1000
enfermeiros e cerca de 700 médicos, de 15 hospitais gerais de seis áreas metropolitanas
dos Estados Unidos da América (EUA), sobre a natureza da sua relação, as áreas de
desacordo relacionadas com os cuidados aos pacientes, e como foram essas
divergências resolvidas. 70% dos médicos e 69% dos enfermeiros descrevem os
relacionamentos como positivos. Os desentendimentos foram categorizados em quatro
áreas, sendo o maior número relativo ao plano geral de cuidados ao paciente. A
resolução dessas divergências foi descrita por 65% dos médicos e 53% dos enfermeiros
como competição natural.
Helen Robillard e colaboradores (1989) referem que embora a maior parte dos
cuidados de saúde seja fornecida a nível dos cuidados de saúde primários, pouca
investigação tem sido feita para documentar as questões éticas a esse nível de cuidados.
O seu estudo, realizado no Kentuchy, nos EUA, foi efectuado com uma amostra aleatória
estratificada, de 702 médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes médicos, que foi
questionada sobre a frequência de problemas éticos nos cuidados de saúde primários. O
problema ético mais frequente incidiu sobre a quantidade de tempo a gastar com cada
paciente. A comparação dos médicos com os restantes profissionais de saúde revelou
diferenças significativas nas frequências das várias questões. A idade teve um ligeiro
impacto nas respostas, enquanto o género, a religião e a região de prática não teve
impacto. O estudo mostrou que as mais frequentes são as questões pragmáticas,
relativas
à
auto-determinação
dos
pacientes,
à
adequação
dos
cuidados,
à
responsabilidade profissional e à distribuição de recursos.
Robert Walker e colaboradores (1991) realizaram um estudo, na Florida, nos EUA,
para entender que tipos de situações clínicas os médicos e os enfermeiros consideram
ser “problemas éticos”. Estudaram prospectivamente médicos e enfermeiros sobre as
INTRODUÇÃO
155
suas percepções dos problemas éticos utilizando entrevistas emparelhadas. Foram
realizadas entrevistas individuais aos médicos e enfermeiros sobre como eles cuidavam
dos pacientes durante o mesmo período de seis semanas. Embora, os médicos e os
enfermeiros tenham identificado um número semelhante de casos com problemas éticos,
muitas vezes os problemas éticos foram identificados em pacientes diferentes ou foram
identificados no mesmo paciente vários problemas éticos. Os médicos identificaram mais
problemas relacionados com a qualidade de vida, o internamento hospitalar inadequado e
os custos dos cuidados de saúde; os enfermeiros identificaram mais problemas
relacionados com as preferências do paciente, os desejos da família, a gestão da dor, a
execução de tratamentos e o planeamento da alta. Um quarto dos problemas éticos
identificados pelos médicos e enfermeiros envolveram conflitos interprofissionais. Os
médicos e os enfermeiros estudados consideraram uma vasta gama de situações clínicas
que ocorrem frequentemente como “problemas éticos”. Foram encontradas diferenças
sistemáticas nas percepções dos médicos e dos enfermeiros acerca dos problemas
éticos e muitos destes problemas foram gerados por conflitos interprofissionais.
Barry Hoffmaster e colaboradores (1991) realizaram um estudo envolvendo 674
médicos de família dos EUA e Canadá e clínicos gerais de Inglaterra e País de Gales. Os
médicos americanos, mais do que os canadianos ou britânicos, optaram por divulgar as
informações aos pacientes, enquanto que, mais os médicos britânicos do que os
canadianos ou americanos, não se queriam envolver com os estilos de vida dos seus
pacientes, admitindo discutir o estilo de vida dos pacientes, sem interferir.
Rivka Grundstein-Amado (1992) relata os resultados de um inquérito realizado em
Toronto, no Canadá, sobre os diferentes padrões éticos de tomada de decisão utilizados
por médicos e enfermeiros. A conclusão do estudo é que os médicos e os enfermeiros
actuam a partir de diferentes valores, motivações e expectativas, e que existe uma grave
lacuna de comunicação entre eles. Os enfermeiros valorizam mais a perspectiva do
“cuidar”, o que implica receptividade e sensibilidade para os desejos dos pacientes. Em
oposição, os médicos valorizam mais os direitos dos pacientes e a abordagem científica,
o que implica uma grande preocupação com a doença e o seu tratamento. O estudo
sugere que existe a necessidade de desenvolvimento de uma nova prática, com base em
atributos comuns aos dois grupos profissionais e em que ambos os grupos estejam
empenhados. Isso constituiria um ponto de referência comum compartilhado pelas duas
classes profissionais, a partir do qual se poderia resolver os problemas éticos e iria
remover as barreiras de comunicação.
156 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Giggi Udén e colaboradores (1992) apresentam um estudo qualitativo realizado
em Tromsö, na Noruega, em que 23 enfermeiros e 9 médicos relataram 43 histórias
sobre situações eticamente difíceis nos cuidados de saúde. Os temas das histórias de
enfermeiros e médicos foram descritos por meio da teoria ética narrativa. Os enfermeiros
e os médicos relataram diferentes tipos de histórias e também utilizaram diferentes tipos
de raciocínio ético. Estes resultados foram interpretados como estando essencialmente
ligados ao facto de as duas profissões terem diferentes tarefas a realizar e estarem
treinadas em disciplinas com focos diferentes, a enfermagem e a medicina. É sublinhada
a necessidade de encontrar um quadro comum que abranja as duas histórias
profissionais.
Susan Duncan (1992) estudou enfermeiros de serviços extra-hospitalares de
British Columbia, no Canadá, que revelaram que as situações éticas mais difíceis que
enfrentam na sua prática diária envolvem os direitos dos adultos e adolescentes em risco.
A defesa e o desenvolvimento da comunidade requerem que os enfermeiros que actuam
na comunidade se centrem nas condições que determinam a saúde, encontrando
maneiras de fortalecer as habilidades dos pacientes para assegurarem os seus direitos e
avaliarem a qualidade dos serviços. No entendimento da autora, um aumento na
participação dos pacientes no seu cuidado, tanto no âmbito individual como no
planeamento da saúde da comunidade, aumentaria a resposta do sistema de saúde às
suas necessidades, principalmente para os que estão em situação de alto risco.
Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996) relatam um estudo realizado em Israel, com o
objectivo de avaliar em que medida os enfermeiros encontram e identificam dilemas
geradores de situações de conflito ético em função da publicação e divulgação do código
de ética dos enfermeiros israelitas em 1994. Os seus resultados foram utilizados como
base para um programa que visou a promoção da tomada de decisão e competências
para enfrentar dilemas éticos por parte dos enfermeiros. Numa época de grandes
avanços na medicina, o papel do profissional de enfermagem como protector dos direitos
dos pacientes pode trazer conflitos com os médicos, com as instituições públicas, ou com
as famílias dos pacientes. Os enfermeiros em Israel confrontam-se no decurso do seu
trabalho com dilemas e conflitos éticos e morais, pelo que o estudo, de âmbito nacional,
foi realizado com o objectivo de os identificar e descrever. Um terço dos dilemas
enumerados foram referidos por mais de 50% dos enfermeiros participantes. O principal
determinante influenciador de como os dilemas são percebidos pelos enfermeiros foi o
seu local de trabalho, nomeadamente o hospital versus a comunidade. Demonstrou-se
INTRODUÇÃO
157
que os enfermeiros procuram apoio principalmente entre os seus pares, que estão pouco
familiarizados com o código israelita, e que considera as suas próprias famílias como o
factor predominante na definição das suas atitudes éticas.
David Robertson (1996) descreve um estudo etnográfico realizado numa
enfermaria psiquiátrica, em Inglaterra, para estudar empiricamente as teorias éticas (com
base nos princípios, nas virtudes e nas escolas feministas) descrevendo as abordagens
de médicos e enfermeiros no quotidiano dos cuidados aos pacientes. Foi realizada uma
observação participante e entrevistas, cujas transcrições foram analisadas para identificar
os temas éticos das abordagens. Os médicos e enfermeiros de serviço à enfermaria, num
total de 20, diferiam nas suas concepções dos princípios da beneficência e do respeito
pela autonomia do paciente. Os enfermeiros partilham com os médicos de um visão
liberal e utilitarista na concepção destes princípios, mas também colocam um maior peso
nas relações e no carácter das virtudes quando expressam os mesmos princípios. Os
enfermeiros salientavam a autonomia do paciente, enquanto os médicos estavam mais
propensos a defender a beneficência, quando os dois princípios entravam em conflito. O
estudo indica que as teorias éticas podem, ao contrário da acusação de alguns críticos,
ser relevantes para a vida quotidiana dos cuidados de saúde, se elas: a) atenderem ao
contexto social; b) forem suficientemente flexíveis para terem várias escolas.
Helga Kuhse e colaboradores (1997) descrevem um estudo realizado na Austrália,
para determinar a relação entre raciocínio ético e género e/ou ocupação, num grupo de
médicos e enfermeiros de ambos os sexos. Formas de raciocínio ético parciais e
imparciais foram definidas e referidas como sendo fundamentais para a diferença entre o
que é conhecido como a orientação moral pelo “cuidado” (Gilligan) e a orientação moral
pela “justiça” (Kohlberg). Um questionário estruturado com base em quatro hipotéticos
dilemas morais envolvendo combinações de profissionais de saúde e não profissionais de
saúde, situações com risco de vida e situações sem risco de vida, foi testado e, em
seguida, enviado para uma amostra aleatória de médicos e enfermeiros (400 médicos de
Victoria, e 200 médicos e 400 enfermeiros de Nova Gales do Sul). 178 médicos e 122
enfermeiros devolveram os questionários devidamente preenchidos. 115 médicos eram
do sexo masculino e 61 do sexo feminino, 50 enfermeiros eram do sexo masculino e 72
do sexo feminino. As hipóteses em estudo eram de que haveria uma associação entre
indivíduos femininos e raciocínio parcial e entre indivíduos masculinos e raciocínio
imparcial, e que os enfermeiros iriam adoptar uma abordagem de raciocínio parcial e os
médicos uma abordagem imparcial. O estudo não confirmou nenhuma das hipóteses.
158 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Allyson Lipp (1998) refere que uma teoria definitiva para a tomada de decisões
éticas em enfermagem é ainda apenas uma conjectura. A literatura confirma que tem
havido inúmeros estudos sobre a tomada de decisão ética em enfermagem, quer
propondo a orientação pela justiça quer pelo cuidado, ou por uma combinação de ambas.
Na ausência de uma teoria definitiva, o presente trabalho exploratório procura, através da
“grounded theory”, lançar alguma luz sobre os métodos utilizados diariamente pelos
enfermeiros para tomarem decisões éticas na área clínica. Os dados mostram que alguns
factores, tais como os médicos, os colegas e a organização, influenciam profundamente a
tomada de decisões éticas. Os informantes utilizaram tanto o cuidado como a justiça para
a formulação de decisões, o que é conhecido como a abordagem combinada.
Arie van der Arend e Corine Remmers-van der Hurk (1999) no seu artigo relatam
um estudo empírico, exploratório, realizado, na década de 90, com a finalidade de
efectuar um levantamento dos problemas morais que os enfermeiros holandeses
experienciam durante a sua prática quotidiana. No estudo, figuram como problemas mais
frequentes nos cuidados primários: a demora na transferência do paciente para outros
serviços (93,3%); o conhecimento insuficiente dos enfermeiros (50%); a agressão verbal
ao paciente (48,9%); o persuadir o paciente a cooperar (48,9%); o desacordo com acções
prescritas (45,9%); o desacordo com as escolhas dos pacientes (40,7%); o manter-se em
silêncio sobre erros cometidos (37,8%).
Annette Braunack-Mayer (2001) apresenta no seu trabalho a análise qualitativa
das entrevistas realizadas com 15 clínicos gerais na Austrália do Sul, argumentando que
a forma como a literatura bioética define um dilema ético capta apenas parte de toda a
gama de pontos de vista sobre a natureza dos problemas éticos. A literatura bioética tem
definido os dilemas éticos em termos de conflito e de escolha entre valores, crenças e
opções de acção. Enquanto alguns dos clínicos gerais participantes neste estudo sobre a
natureza dos seus dilemas éticos concordam com esta definição, outros referem os
problemas em torno da publicidade associada com questões que discutem, como por
exemplo, a preocupação com as suas relações para com os pacientes, e a ansiedade
com as ameaças à sua integridade e reputação. A variedade de pontos de vista sobre o
que torna um problema em problema moral indica que o domínio moral é, talvez, mais
amplo e mais rico do que, em geral, tem sido referido na literatura bioética.
Elma Zoboli e Paulo Fortes (2004) realizaram um estudo empírico, qualitativo, de
ética descritiva, com 17 enfermeiros e 16 médicos do programa saúde da família, em São
INTRODUÇÃO
159
Paulo, Brasil, com o objectivo de identificar os problemas éticos vivenciados por esses
profissionais. Foi-lhes solicitado que listassem problemas éticos a partir da narrativa de
um caso vivido. Os resultados apontam para problemas éticos na relação com os
pacientes e as famílias, na relação da equipa de saúde e nas relações com a
organização e o sistema de saúde. Isto é, aspectos éticos que permeiam circunstâncias
comuns da prática diária dos cuidados de saúde e não situações dilemáticas, que
requerem soluções imediatas, e que habitualmente são mais explorados na literatura
bioética. Esta peculiaridade dos problemas éticos vividos nos cuidados de saúde
primários pode levar à dificuldade em identificá-los como tal.
Lee Berney e colaboradores (2005) apresentam um estudo qualitativo com
clínicos gerais de Londres, Reino Unido, questionando um tema sensível, como o
racionamento e a negação de tratamentos e cuidados de saúde, o que levanta uma série
de problemas metodológicos e éticos. Descrevem os métodos e as conclusões de uma
série de grupos focais, que discutiram e analisaram como os clínicos gerais aplicam os
princípios éticos na situação de afectação de recursos escassos. A metodologia consistiu
na aplicação de uma pequena escala qualitativa com a finalidade de amostragem,
seguida de entrevistas semi-estruturadas e grupos focais. Participaram 24 clínicos gerais
de duas áreas contrastantes de Londres: uma relativamente abastada e outra
relativamente necessitada. Nas entrevistas iniciais, foi pedido aos clínicos gerais para
identificarem as principais questões relacionadas com a atribuição de recursos. As
entrevistas foram transcritas e os temas foram identificados. Foram escritos alguns
casos, cada um ilustrativo de uma questão ética relacionada com o racionamento de
recursos. Em discussões de grupo focal, foram dados aos clínicos gerais alguns destes
casos para debate. No que diz respeito à base ética para a tomada de decisão, as
conclusões desta parte do estudo enfatizam o papel dos factores sociais e psicológicos, a
influência da qualidade das relações entre médicos e pacientes, e a confusão entre os
médicos sobre o seu papel na tomada de decisão. A utilização dos casos, desenvolvidos
a partir das entrevistas com os clínicos gerais, criaram um ambiente não ameaçador o
que permitiu discutir questões tão sensíveis como controversas. A aceitação por parte
dos clínicos gerais dos princípios morais não implica clareza e coerência na aplicação
prática destes princípios.
Luana Silva e colaboradoras (2006) realizaram um estudo quantitativo exploratório
para identificar e verificar a frequência dos problemas éticos vividos por enfermeiros e
médicos no programa saúde da família em São Paulo, Brasil. Os dados foram obtidos a
160 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
partir das respostas de 24 enfermeiros e 22 médicos a um questionário auto-aplicado,
contendo situações geradoras de problemas éticos e uma escala de quatro pontos para a
sua frequência. O desrespeito do profissional para com o paciente, problemas
relacionados com as informações aos pacientes e seus familiares, e à preservação da
privacidade e confidencialidade apareceram na maioria dos questionários, embora com
frequências diferentes. Os resultados indicam que a bioética nos cuidados de saúde
primários lida com situações do quotidiano e não com dilemas de maior apelo dramático.
A subtileza desse panorama pode levar à não percepção dos problemas, reforçando a
necessidade de capacitação dos profissionais em comunicação e acolhimento, para
instituir uma atitude ética baseada na cidadania, solidariedade e humanismo.
Seetharaman Hariharam e colaboradores (2006) apresentam um estudo cujo
objectivo foi avaliar os conhecimentos, atitudes e práticas dos profissionais da saúde de
Barbados, em relação à ética e ao direito relacionado com os cuidados de saúde numa
tentativa de ajuda e guia da sua conduta profissional e no seu desenvolvimento curricular.
Um questionário auto-preenchido sobre o conhecimento da ética dos cuidados de saúde,
do direito e do papel de uma comissão de ética no sistema de saúde foi concebido,
testado e distribuído a todos os níveis de pessoal do Hospital Queen Elizabeth, em
Barbados (um hospital universitário de cuidados terciários) durante os meses de Abril e
Maio de 2003. O artigo analisa as respostas de 159 médicos e enfermeiros de diferentes
níveis de graduação. A frequência com que os inquiridos encontraram problemas legais
ou éticos variou amplamente. 52% do pessoal médico mais graduado e 20% do pessoal
de enfermagem mais graduado sabia muito pouco sobre as leis pertinentes ao seu
trabalho. 11% dos médicos não conheciam o conteúdo do juramento hipocrático,
enquanto um quarto dos enfermeiros não tinha conhecimento do código de enfermagem.
O código de Nuremberga e a declaração de Helsínquia eram conhecidos apenas por
alguns indivíduos. 29% dos médicos e 37% dos enfermeiros não tinha conhecimento de
que no hospital existia uma comissão de ética. Os médicos tiveram uma opinião mais
forte do que os enfermeiros quanto à prática da ética, destacando-se a adesão aos
desejos dos pacientes, a confidencialidade, o paternalismo, o consentimento informado
para os procedimentos e tratamentos não conformes dos pacientes (p = 0,01). O estudo
destaca a necessidade de identificar os profissionais de saúde, que parecem ser
indiferentes às questões éticas e jurídicas, de conceber meios para os sensibilizar para
estas questões e de lhes dar uma adequada formação.
INTRODUÇÃO
161
Baseados nos estudos descritos identificam-se três dimensões de problemas
éticos a nível dos cuidados de saúde primários, que se descrevem nos Quadros I, II, III.
Quadro I: Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias
Relações,
Dificuldade em estabelecer os limites da relação profissional–paciente.
propriamente ditas,
Limites da interferência do profissional de saúde no estilo de vida dos
dos profissionais de
pacientes ou famílias.
saúde com os
Ideias pré-concebidas sobre os pacientes.
pacientes e suas
Falta de respeito do profissional para com o paciente.
famílias
Atitude do profissional frente aos seus valores religiosos e aos dos
pacientes.
Plano terapêutico
Indicações clínicas imprecisas.
Prescrição de medicamentos que o paciente não pode comprar.
Prescrição de medicamentos caros com eficácia igual a outros mais
baratos.
Solicitação de procedimentos pelo paciente.
Solicitação de procedimentos por menores de idade sem autorização ou
conhecimento dos pais.
Informação
Recusa do paciente às indicações médicas.
Como informar o paciente para conseguir a sua adesão ao tratamento.
Omissão de informações ao paciente.
Acesso dos profissionais de saúde a informações relativas à intimidade
da vida familiar e conjugal do paciente.
Privacidade e
Discussão inter-pares de detalhes da situação clínica do paciente na sua
confidencialidade
frente.
Dificuldade em manter a privacidade nos cuidados domiciliários.
Dificuldade em o profissional de saúde preservar o segredo profissional.
Partilha de informações sobre um dos membros da família com os
demais membros dessa família.
Não solicitação de consentimento do paciente ou da sua família para
relatar o seu caso em sessão clínica ou publicação científica.
Adaptado de Zoboli (2004)
Quadro II: Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares
Falta de compromisso dos profissionais que actuam na unidade de saúde.
Falta de companheirismo e de colaboração entre os membros da equipa de saúde.
Falta de respeito entre os membros da equipa multiprofissional.
Falta de preparação para trabalhar nos cuidados de saúde primários.
Dificuldade em delimitar as especificidades e responsabilidades de cada profissional de saúde.
Questionamento da prescrição médica por parte de membros da equipa não médicos.
Omissão dos profissionais frente a indicações clínicas imprecisas.
Partilha de informações relativas ao paciente e sua família no âmbito da equipa de saúde.
Quebra do sigilo médico por membros da equipa ao publicarem relatos de casos.
Não solicitação de consentimento da equipa para relatar caso em publicação científica.
Adaptado de Zoboli (2004)
162 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro III: Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde
Centro de saúde
Dificuldade para preservar a privacidade por problemas na estrutura
física e rotinas da unidade de saúde.
Falta de estrutura na unidade de saúde para a realização das visitas
domiciliárias.
Falta de condições na unidade de saúde para cuidados de urgência.
Falta de apoio estrutural para discutir e resolver problemas éticos.
Falta de transparência da direcção da unidade de saúde na
resolução de problemas dos profissionais.
Sistema de saúde
Excesso de utentes e famílias adstritas a cada equipa de saúde.
Restrição no acesso dos pacientes aos serviços de saúde
secundários.
Desconsideração da referenciação feita pelos médicos dos centros
de saúde.
Dificuldade quanto ao retorno de informação dos cuidados
secundários.
Dificuldade no acesso a exames complementares de diagnóstico.
Dificuldade quanto à fiabilidade dos resultados de exames
complementares.
Adaptado de Zoboli (2004)
É essencial investigar estes problemas, para se poder intervir, junto dos
profissionais de saúde e/ou da administração de saúde. Sendo importante tornar
manifestas as teorias, ideologias e conceitos que, na maioria das vezes, até
inconscientemente, estão subjacentes às práticas profissionais.
Assim, o presente estudo pretende ser uma aproximação inicial às questões
éticas no âmbito dos cuidados de saúde primários em Portugal, no contexto dos cuidados
realizados nos centros de saúde da região Centro, onde se procura identificar, junto dos
profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), os problemas éticos que eles enfrentam
e os fundamentos de que lançam mão para os solucionar. Pelo que se espera poder
contribuir para um processo de tomada de decisão adequado a esta realidade e também
potencializar a resolução dos problemas éticos nela emersos.
Para este trabalho inicial, foram escolhidos os centros da saúde da Administração
Regional de Saúde do Centro, por facilidade de acesso aos mesmos.
OBJECTIVOS
163
2. OBJECTIVOS
No capítulo anterior justificou-se que o presente trabalho desenvolve um estudo
quantitativo e qualitativo, de tipo descritivo, situando-se no âmbito da ética descritiva,
enquanto investigação empírica, de tipo não normativo. E identificou-se na literatura
referida três dimensões de problemas éticos na área dos cuidados de saúde primários
passíveis de serem estudados:
1)
Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e
suas famílias;
2)
Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares;
3)
Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de
saúde.
2.1. QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO
A formulação das questões da investigação empírica parte dos elementos de
informação adquiridos em estudos prévios e orientam para o tema em estudo, delas
decorrendo todo o trabalho subsequente.
Formula-se, como ponto de partida para este estudo, a seguinte questão:
Q1 – Existe suporte empírico para a validação de uma escala de atitudes éticas
dos profissionais de saúde?
Pela pesquisa bibliográfica, descrita no capítulo anterior e no anexo 8, pode-se
responder afirmativamente, assim vai-se procurar responder às seguintes questões:
Q2 – Quais são as atitudes éticas dos profissionais de saúde nas relações com os
pacientes e suas famílias no contexto dos cuidados de saúde primários?
Q3 – Quais são as atitudes éticas dos profissionais de saúde nas relações interprofissionais e inter-pares no contexto dos cuidados de saúde primários?
164 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Q4
–
Quais
são
as
atitudes
éticas
dos
profissionais
de
saúde
na
gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde?
Q5 – Quais são os factores que interferem ou influenciam estas atitudes?
2.2. OBJECTIVOS GERAIS
Com o presente estudo procura-se dar resposta aos seguintes objectivos gerais:
A.
Construir uma escala de avaliação das atitudes éticas dos profissionais de
saúde dos cuidados de saúde primários;
B.
Analisar o quadro de atitudes éticas nas relações dos profissionais de
saúde com os pacientes e suas famílias;
C.
Analisar o quadro de atitudes éticas nas relações inter-profissionais e inter-
D.
Analisar o quadro de atitudes éticas na gestão/organização do centro de
pares;
saúde/sistema de saúde;
E.
Analisar as relações existentes entre algumas características sócio-
demográficas dos profissionais de saúde e as suas atitudes éticas.
2.3. OBJECTIVOS ESPECÍFICOS
Procura-se, igualmente, dar resposta aos seguintes objectivos específicos:
1.
Construir e validar uma escala de avaliação das atitudes éticas dos
profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários;
2.
Identificar problemas éticos nas relações entre médicos de família – que
trabalham em centros de saúde – e os pacientes (e suas famílias);
3.
Identificar problemas éticos nas relações entre enfermeiros – que
trabalham em centros de saúde – e os pacientes (e suas famílias);
OBJECTIVOS
4.
165
Comparar os problemas éticos identificados nas relações entre médicos de
família – que trabalham em centros de saúde – e os pacientes (e suas famílias) com os
problemas éticos identificados nas relações entre enfermeiros – que trabalham em
centros de saúde – e os pacientes (e suas famílias);
5.
Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares
reconhecidos por médicos de família, que trabalham em centros de saúde;
6.
Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares
reconhecidos por enfermeiros, que trabalham em centros de saúde;
7.
Comparar os problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-
pares reconhecidos por médicos de família, que trabalham em centros de saúde, com os
reconhecidos por enfermeiros, que trabalham em centros de saúde;
8.
Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do centro
de saúde/sistema de saúde reconhecidos por médicos de família, que trabalham em
centros de saúde;
9.
Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do centro
de saúde/sistema de saúde reconhecidos por enfermeiros, que trabalham em centros de
saúde;
10.
Comparar os problemas éticos implicados na gestão/organização do
centro de saúde/sistema de saúde reconhecidos por médicos de família, que trabalham
em centros de saúde, com os reconhecidos por enfermeiros, que trabalham em centros
de saúde;
11.
Identificar as atitudes que influenciam a tomada de decisão frente a
problemas éticos por parte de médicos de família, que trabalham em centros de saúde;
12.
Identificar as atitudes que influenciam a tomada de decisão frente a
problemas éticos por parte de enfermeiros, que trabalham em centros de saúde;
13.
Comparar as atitudes que influenciam a tomada de decisão frente a
problemas éticos por parte de médicos de família, que trabalham em centros de saúde,
com as que influenciam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de
enfermeiros, que trabalham em centros de saúde.
166 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
2.4. HIPÓTESES
A formulação de hipóteses constitui uma predição dos resultados esperados, pois
uma hipótese é uma previsão ou uma explicação provisória da relação entre duas ou
mais variáveis (Fortin, 1999).
No entanto, em alguns contextos pode-se não formular hipóteses, como é o caso
dos estudos descritivos (Ribeiro, 2007).
Os estudos descritivos são normalmente estudos exploratórios que decorrem do
facto do investigador não ter necessariamente um conjunto de assumpções bem
desenvolvidas para formular hipóteses. Em estudos exploratórios qualquer resultado é
um bom resultado que pode ser discutido com o mesmo mérito (Ribeiro, 2007).
Os estudos descritivos têm como finalidade descrever as características dos
indivíduos estudados, estimar a frequência de determinado problema de saúde, avaliar a
eficácia de um tratamento ou a fiabilidade de um instrumento de medida (Ribas e Yaphe,
2008).
Ao contrário dos estudos descritivos, os estudos analíticos formulam hipóteses de
investigação, que no final do estudo irão ser, ou não, rejeitadas (Fonseca(a), 2008).
Apesar de se pretender fazer um estudo descritivo, avançou-se com a formulação
das seguintes hipóteses, porque se pretende desenvolver uma componente analítica:
H1 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela
profissão (médico ou enfermeiro).
H2 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo
sexo (masculino ou feminino).
H3 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela
idade.
H4 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo
número de anos de profissão.
OBJECTIVOS
167
H5 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela subregião em que trabalham (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu).
H6 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela área
geográfica em que trabalham (urbana, rural, semi-rural/urbano).
MÉTODOS
169
3. MÉTODOS
3.1. METODOLOGIA UTILIZADA
Os métodos de investigação constituem uma das partes nobres de qualquer estudo. São
estes que permitem, ou não, responder às questões de investigação, que permitem
recolher a informação necessária (quantitativa ou qualitativa), do modo apropriado e com
os procedimentos adequados (Ribeiro, 2007).
Foi neste sentido, que após a revisão bibliográfica considerada de interesse para o
assunto e apresentada no primeiro capítulo desta Parte, deu-se início ao presente
trabalho que se pode descrever como sendo um estudo quantitativo e qualitativo, de tipo
descritivo, com componente analítica, situando-se no âmbito da ética descritiva, enquanto
investigação empírica, de tipo não normativo.
No capítulo anterior já se apresentaram as questões de investigação, os objectivos gerais
e os específicos.
Neste capítulo vai-se começar por fazer uma breve revisão da estatística que se pretende
utilizar no estudo. Será abordada a metodologia quantitativa, referindo-se as populações,
a técnica de amostragem e as variáveis em estudo, após o que será apresentada a
metodologia qualitativa utilizada e, por fim, será indicado como se efectuou a recolha dos
dados para o estudo.
3.2. ESTATÍSTICA UTILIZADA
Para uma melhor compreensão dos passos metodológicos dados no decorrer do estudo
optou-se por fazer aqui uma breve apresentação da estatística utilizada.
Para se proceder à organização e análise dos dados optou-se pelo programa informático
de estatística “SPSS” (Statistical Package for the Social Sciences), na versão 15.0 para
Windows (2006), que foi também utilizado para o cálculo das várias medidas de
estatística descritiva e analítica.
170 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
A primeira análise estatística a ser efectuada, independentemente do delineamento do
estudo, é sempre a análise de estatística descritiva, de cada variável que compõe o
estudo (Aguiar, 2007).
Para a análise descritiva das variáveis calcularam-se as frequências absolutas, e as
frequências relativas. Ainda no que diz respeito às variáveis numéricas devem-se
determinar medidas estatísticas de tendência central e medidas de dispersão.
Quando se constrói uma escala, como é o primeiro objectivo deste estudo, deve-se
procurar testar estatisticamente a sua validade e consistência.
O coeficiente Alpha de Cronbach (α) fornece a consistência interna de um teste. Uma boa
consistência interna resulta num alpha > 0,80. São no entanto aceitáveis valores acima
de 0,60. Estes valores justificam-se quando as escalas têm um baixo número de itens
(Ribeiro, 2007).
Quanto mais elevado for o valor do item com o valor final da escala, melhor ele discrimina
entre os que obtêm resultados elevados e os que têm pior resultado. Uma correlação
elevada indica ainda que o item mede o mesmo construto que o valor global do teste
(Ribeiro, 2007).
Para se verificar a validade estatística (teórica) de uma escala, recorre-se à análise
factorial. E para se poderem utilizar testes paramétricos é necessário avaliar a
normalidade da escala e das suas dimensões, utilizando o teste de Kolmogorov-Smirnov.
As hipóteses podem ser testadas recorrendo-se ao teste t de Student, quando se trata de
duas amostras independentes, e ao teste f de ANOVA, para mais de duas amostras
independentes, assumindo-se um valor de p<0,05 como nível de significância estatística
dos resultados.
Muitas das situações de investigação em saúde envolvem comparações entre grupos
face a variáveis numéricas. Considerando que se querem comparar dois grupos
independentes face a valores obtidos em variáveis numéricas, naturalmente sugere-se a
aplicação do teste t de Student para comparação das médias obtidas nesses dois grupos
independentes. O valor p que permite chegar à conclusão que as diferenças entre as
médias são estatisticamente significativas é obtido pelo teste t para amostras
independentes (Aguiar, 2007).
MÉTODOS
171
Na investigação em saúde também é perfeitamente usual pretender-se comparar mais de
dois grupos independentes face a uma variável numérica de interesse. Por exemplo,
pode ter interesse comparar três ou mais grupos etários relativamente a uma variável
resposta numérica, ou face ao valor numérico de uma escala utilizada. Note-se que estas
situações de investigação constituem uma extensão do teste t para amostras
independentes, com um número superior de grupos em comparação.
Sempre que se usa o teste f de ANOVA convém corroborar os resultados previamente
obtidos com a análise “post-hoc” (depois de), por exemplo usando o teste LSD (“the Least
Significant Difference between any two means”), o que ajuda na consistência dos
resultados estatísticos obtidos (Sousa, 2001).
3.3. ESTUDO QUANTITATIVO
Pretende-se realizar um estudo observacional, transversal, descritivo, com componente
analítica, através da aplicação de um questionário construído para este estudo, de acordo
com a metodologia a seguir descrita, na área geográfica de intervenção da Administração
Regional de Saúde do Centro (ARS-C) (Dec-Lei nº 222/2007, de 29 de Maio).
3.3.1. POPULAÇÕES E AMOSTRAS
O universo das populações a estudar, são os médicos de família e os enfermeiros a
trabalhar nos centros de saúde (CS) da área geográfica da ARS-C, que segundo a
Divisão de Estatística da Direcção de Serviços de Informação e Análise da DirecçãoGeral de Saúde (DGS) eram 1660 médicos e 1659 enfermeiros no ano de 2005.
Devido ao número de médicos e enfermeiros a estudar e à sua dispersão geográfica, o
que levantava problemas de custos na realização da investigação, inteiramente
suportada pelo investigador, houve necessidade de obter uma amostra, que tivesse
representatividade de toda a região. Por não haver indicadores primários, nem dados de
estudos anteriores que permitissem calcular um número significativo, optou-se por uma
amostragem de agrupamento (Cardoso, 1998) com base geográfica no Distrito, que
correspondia a cada uma das sub-região de saúde (SRS).
172 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Assim, foram definidas as amostras das populações a estudar: médicos de família
(especialistas de medicina geral e familiar e clínicos gerais com listas de utentes) e
enfermeiros (especialistas e não especialistas) a trabalhar em 50% dos CS de cada SRS
da área da ARS-C. Este foi considerado o número máximo que o investigador tinha
possibilidade de estudar.
Os centros de saúde foram ordenados alfabeticamente, por sub-região de saúde,
seguindo-se um sorteio, por números aleatórios, dos CS até perfazer os 50%.
No Quadro IV é apresentada a distribuição do número de CS por SRS, bem como do
número de CS aleatorizados.
Quadro IV: Centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número de aleatorizados
Sub-Região de Saúde
Nº CS
Nº CS Aleatorizados
% CS Aleatorizados
Aveiro
19
10
52,63%
Castelo Branco
11
6
54,54%
Coimbra
22
11
50,00%
Guarda
14
7
50,00%
Leiria
17
9
52,94%
Viseu
26
13
50,00%
Total
109
56
51,38%
Fonte: DGS – Centros de Saúde e Hospitais do SNS / 2005.
A aleatorização de Centros de Saúde acabou por determinar que mais de 50% dos CS
fossem escolhidos, para se garantir o sorteio de pelo menos metade dos CS de cada
Sub-Região de Saúde.
Nos Quadros V e VI são apresentadas as distribuições do número de médicos de família
e de enfermeiros dos CS por SRS, bem como do número de médicos e enfermeiros pelos
CS aleatorizados.
MÉTODOS
173
Quadro V: Médicos de família dos centros de saúde por sub-região de saúde, número total e
número pelos CS aleatorizados
Sub-Região de Saúde
Nº Méd - CS
Nº Méd - CS Aleator
% Méd - CS Aleator
Aveiro
453
190
41,94%
Castelo Branco
151
105
69,54%
Coimbra
356
161
45,22%
Guarda
133
100
75,19%
Leiria
306
219
71,57%
Viseu
261
161
61,68%
Total
1660
936
56,38%
Fonte: DGS – Centros de Saúde e Hospitais do SNS / 2005 + Dados obtidos pelo autor nos
serviços das SRS.
Quadro VI: Enfermeiros dos centros de saúde por sub-região de saúde, número total e número
pelos CS aleatorizados
Sub-Região de Saúde
Nº Enf - CS
Nº Enf - CS Aleator
% Enf - CS Aleator
Aveiro
386
140
36,27%
Castelo Branco
184
99
53,80%
Coimbra
354
141
39,83%
Guarda
182
105
57,69%
Leiria
276
196
71,01%
Viseu
277
135
48,74%
Total
1659
816
49,19%
Fonte: DGS – Centros de Saúde e Hospitais do SNS / 2005 + Dados obtidos pelo autor nos
serviços das SRS.
Verifica-se que a aleatorização de centros de saúde, acabou por determinar a selecção
de CS com um total de 936 (56%) dos médicos de família e 816 (49%) dos enfermeiros
da área geográfica de intervenção da Administração Regional de Saúde do Centro.
Foi solicitada a necessária autorização ao Conselho Directivo da Administração Regional
de Saúde do Centro, IP para a realização do estudo e ainda que dessa autorização fosse
dado conhecimento aos Directores dos Centros de Saúde aleatorizados, o que
aconteceu. O investigador contactou então, pessoalmente ou pelo correio, os directores
dos centros de saúde aleatorizados pedindo-lhes colaboração na distribuição dos
questionários junto de todos os médicos de família e enfermeiros em serviço no seu CS,
bem como na recolha e devolução dos questionários respondidos ao investigador.
Tendo a expectativa de uma taxa de resposta de cerca de 30% dos profissionais de
saúde, esperava-se obter uma amostra de 280 médicos de família (16,9% do universo) e
245 enfermeiros (14,8% do universo).
174 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
3.3.2. VARIÁVEIS
Variável é uma palavra que deriva do latim variabilis, e que designa aquilo que pode
variar, é sujeito a variação ou mudanças, mutável, que pode assumir qualquer um dos
valores num conjunto de valores (Houaiss, 2002), que se distribui por diferentes níveis ou
que é de diferentes tipos e é oposto a uma constante (Ribeiro, 2007).
Em investigação, variáveis são qualidades, características ou atributos de situações,
pessoas ou objectos que variam, ou seja, assumem diferentes valores na população
estudada, e podem ser classificadas em dependentes e independentes (Fortin, 1999).
De seguida vai-se desenvolver os conceitos e a forma como serão medidas as variáveis.
A sua concepção e operacionalização são essenciais para que a hipótese científica seja
passível de refutação empírica (Aguiar, 2007).
3.3.2.1. VARIÁVEL DEPENDENTE
“Atitudes éticas dos profissionais de saúde, nas relações com os pacientes e suas
famílias, nas relações inter-profissionais e inter-pares e na gestão/organização do
centro de saúde/sistema de saúde”.
Através da pesquisa bibliográfica realizada, foram encontrados 55 estudos acerca deste
assunto (anexo 8), mas apenas um avalia quantitativamente as atitudes éticas dos
profissionais de saúde no contexto dos cuidados de saúde primários (Silva, 2006). Tratase de um estudo exploratório para identificar e verificar a frequência dos problemas éticos
vividos por enfermeiros e médicos no programa de saúde da família em São Paulo
(Brasil). Os dados foram colhidos através de um questionário auto-aplicado, contendo
situações geradoras de problemas éticos e uma escala de frequências com quatro
pontos. Com esta informação, avançou-se para a construção de um instrumento que
fosse útil para este estudo.
MÉTODOS
175
Construção da escala
A construção da escala foi precedida por uma revisão da literatura sobre o tema,
procurando-se uma análise conceptual, descrita no primeiro capítulo desta Parte. Dessa
análise, parece pertinente a proposta de Zoboli e Fortes (2004) que baseados nas suas
investigações, realizadas com médicos e enfermeiros do Programa de Saúde da Família
em São Paulo (Brasil), identificaram três dimensões de problemas éticos nos cuidados de
saúde primários – uma relativa às relações dos profissionais de saúde com os pacientes
e suas famílias, outra relativa às relações inter-profissionais e inter-pares e uma terceira
relativa aos problemas éticos na gestão/organização da saúde. Esta proposta é reforçada
por outros estudos efectuados em contexto de cuidados de saúde primários e descritos
no anexo 8.
Descrição da escala
Assim, foi elaborada uma escala com 35 itens, baseados na bibliografia consultada,
organizada conforme se pode ver no quadro VII.
Destes 35 itens, 21 (60%) foram inicialmente formulados no sentido negativo, procurando
desta forma reduzir o risco de enviesamento das respostas. Foi solicitado, relativamente
a cada item, uma resposta através de uma escala de Likert, de 1 a 5 pontos, invertida nos
itens formulados em sentido negativo (Hill e Hill, 2000), de acordo com a seguinte
indicação:
“Segue-se uma lista de afirmações, por favor, assinale com uma cruz (X) o grau de
concordância, segundo a escala de 1 a 5, que melhor descreve a sua atitude perante
cada uma.”
Deu-se como possibilidades de resposta:
— Totalmente em desacordo;
176 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro VII: Distribuição dos itens da versão inicial da escala
Dimensão A “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”
P1
Eu procuro a melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente.
P2
Eu discuto adequadamente a situação clínica com o meu paciente.
P3
Eu aceito a recusa do meu paciente às minhas indicações clínicas.
P4
É difícil não ter limites na interferência no estilo de vida do meu paciente.
P5
É difícil não ter ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente.
P6
Eu respeito os valores religiosos do meu paciente.
P7
Eu discuto com o meu paciente a sua solicitação de procedimentos.
Eu avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem a autorização dos seus
P8
pais ou tutores.
Eu partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa à intimidade da vida familiar e
P9
conjugal do meu paciente.
Eu partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o seu estado de
P10
saúde.
P11
É difícil preservar o segredo profissional.
Eu solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar e discutir o seu caso em sessão
P12
clínica ou publicação científica.
P13
É difícil estabelecer os limites na relação profissional-paciente.
P14
Muitas das indicações clínicas para os meus procedimentos são imprecisas.
P15
É difícil não omitir informação relevante ao meu paciente.
P16
Eu estou atento à prescrição de produtos que o meu paciente possa pagar.
P17
Eu estou atento à não prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais baratos.
Dimensão B “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares”
P18
Existe desrespeito entre os profissionais de saúde que trabalham no centro de saúde.
É difícil delimitar as competências, especificidades e responsabilidades de cada profissional de saúde na
P19
equipa de saúde.
É difícil a partilha de informação relativa ao paciente e sua família entre os diversos profissionais de saúde
P20
na equipa de saúde.
P21
É difícil a partilha de informação entre os profissionais de saúde face a indicações clínicas imprecisas.
P22
Existe quebra do sigilo profissional por parte dos profissionais de saúde no centro de saúde.
É solicitado o consentimento da equipa de saúde para o relato de casos em sessão clínica ou publicação
P23
científica.
P24
Existe falta de acordo no compromisso ético dos profissionais de saúde que trabalham no centro de saúde.
P25
Existe falta de solidariedade e colaboração entre os profissionais de saúde no centro de saúde.
Dimensão C “Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”
É difícil preservar a privacidade dos pacientes devido a problemas na estrutura física dos consultórios e
P26
gabinetes da unidade de saúde.
P27
Faltam meios no centro de saúde para a realização de domicílios.
P28
Falta apoio da gestão para discutir e resolver os problemas detectados no centro de saúde.
Falta transparência da direcção e chefias do centro de saúde na resolução dos problemas com os
P29
profissionais de saúde.
P30
Há excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de saúde do centro de saúde.
P31
A organização do centro de saúde restringe o acesso de alguns utentes aos serviços de saúde.
Há dificuldades no acesso a meios complementares de diagnóstico necessários aos utentes do centro de
P32
saúde.
Há dificuldades quando à fiabilidade dos resultados de meios complementares de diagnóstico efectuados
P33
pelos utentes do centro de saúde.
A organização do sistema de saúde não garante serviços de referenciação (cuidados de saúde
P34
secundários) que dêem resposta atempada às solicitações do centro de saúde.
Há dificuldade quanto ao retorno de informação pertinente sobre os utentes do centro de saúde dos
P35
serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários).
MÉTODOS
177
— Em desacordo;
— Nem de acordo, nem em desacordo;
— De acordo;
— Totalmente de acordo.
Frequentemente, as perguntas incluídas em questionários não atingem os objectivos
específicos que lhes estão associados, daí a necessidade de testar a validade e
consistência do questionário. Para testar um questionário, 10 a 20 pessoas serão
suficientes para obtermos conclusões, desde que as características definidas para esta
amostra sejam as incluídas nos critérios de selecção da amostra final (Canhota, 2008).
Pré-Teste
O questionário com a versão inicial da escala foi aplicado a um grupo de 23 médicos de
família e 6 enfermeiros que trabalhavam em centros de saúde fora da área geográfica de
intervenção da Administração Regional de Saúde do Centro, de forma a realizar um préteste, em Março de 2007. Nele procurou-se identificar possíveis falhas quanto à clareza
das perguntas, assim como testar a escala construída.
Fiabilidade
Após este primeiro pré-teste avaliou-se a fiabilidade da escala através do teste Alpha de
Cronbach (quadro VIII) utilizando o programa de estatística SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences), versão 15.0 para Windows (2006). Para a análise da
homogeneidade dos itens e da consistência interna da escala foram calculadas as
correlações de cada item com o total da escala (excluindo o respectivo item) e a sua
influência sob a coeficiente Alpha (α) de Cronbach, que estima o valor médio de todos os
coeficientes possíveis, utilizando este como indicador de fiabilidade interna do
instrumento de medida.
178 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro VIII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da escala
na sua versão inicial
Dimensão
A
B
C
Itens
Média
Desv.Padrão
Correlação com o total
(corrigido)
Alpha se o item for
eliminado
P1
4,69
,471
,373
,713
P2
4,31
,712
,158
,718
P3
3,62
,862
,303
,711
P4*
4,14
,789
-,021
,727
P5*
3,90
,900
,051
,724
P6
4,69
,541
,311
,713
P7
4,31
,761
,370
,708
P8
3,90
1,081
,033
,727
P9
3,31
1,312
,169
,720
P10
3,24
1,123
-,020
,731
P11*
4,34
,553
,331
,713
P12
3,97
1,180
,062
,726
P13*
3,62
1,083
,235
,714
P14
3,52
,829
-,047
,728
P15*
4,07
,799
,109
,721
P16
4,28
,649
,416
,708
P17
4,17
,658
,073
,721
P18*
3,62
,903
,184
,717
P19*
3,93
,753
,275
,713
P20*
3,83
,966
,442
,702
P21*
3,14
,990
,283
,711
P22
3,69
,930
,398
,705
P23
2,79
1,048
-,028
,730
P24*
3,48
,911
,535
,697
P25*
3,76
,912
,454
,702
P26*
3,59
1,053
,335
,708
P27*
3,59
1,296
,059
,728
P28*
3,34
1,317
,213
,717
P29*
3,21
1,320
,210
,717
P30*
2,86
1,329
,409
,701
P31*
3,72
1,099
,003
,729
P32*
3,76
1,023
,511
,697
P33*
3,83
,848
,421
,705
P34*
2,17
1,037
,404
,703
P35*
1,97
1,149
,318
,709
* Itens de sentido negativo
N = 29
Alpha de Cronbach (escala global – 35 itens) = ,721
Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão A – 17 itens) = ,570
Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão B – 8 itens) = ,612
Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão C – 10 itens) = ,697
MÉTODOS
179
É muito importante dar atenção à fiabilidade de um questionário construído para medir
uma variável porque não vale a pena tirar conclusões a partir de uma medida que não
tem fiabilidade adequada (Hill, 2000).
Verificou-se para esta escala, no seu global (35 itens), um alpha de 0,721, e para as três
sub-escalas valores de Alpha de Cronbach inferiores: dimensão A – “Problemas éticos
nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias” (17 itens) um
alpha de 0,570; dimensão B – “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e interpares” (8 itens) um alpha de 0,612; e dimensão C – “Problemas éticos na
gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde” (10 itens) um alpha de 0,697.
Pode-se concluir que esta escala tinha um valor de Alpha de Cronbach razoável (0,721)
mas a sub-escala da dimensão A tinha um valor inaceitável (0,570) e os valores das subescalas das dimensões B e C também eram fracos (Hill, 2000).
Entretanto, tinha-se pedido aos 29 profissionais de saúde inquiridos no pré-teste que
anotassem comentários às afirmações efectuadas. Assim, da análise dos valores dos
itens da escala e da sua correlação com o total e ainda dos comentários que alguns dos
inquiridos deixaram expressos, concluiu-se pela necessidade de corrigir as afirmações
dos itens.
Elaborou-se então uma nova redacção para a escala, mantendo os 35 itens, que foram
organizados como se pode ver no quadro IX.
Agora, os 35 itens foram todos formulados com sentido positivo, isto apesar de ser
desejável que metade das afirmações fossem de natureza positiva e a outra metade de
natureza negativa (Hill, 2000), porque um dos aspectos mais criticado pelos inquiridos no
pré-teste foi a formulação negativa de algumas das afirmações. Foi mantido o esquema
de resposta através de uma escala de Likert, de 1 a 5 pontos, para cada item.
A nova versão do questionário foi dada a corrigir a uma especialista em Língua
Portuguesa.
180 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro IX: Distribuição dos itens da segunda versão da escala
Dimensão A “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”
P1
Procuro a melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente.
P2
Discuto com o meu paciente a sua situação clínica.
P3
Aceito a recusa do meu paciente às minhas indicações clínicas.
P4
Não interfiro no estilo de vida do meu paciente.
P5
Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente.
P6
Respeito os valores religiosos do meu paciente.
P7
Discuto com o meu paciente a sua solicitação de procedimentos.
Avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem a autorização dos seus pais
P8
ou tutores.
Não partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa à intimidade da vida familiar
P9
e conjugal do meu paciente.
Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o seu estado de saúde
P10
quando relevante.
P11
Preservo o meu segredo profissional.
Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em evento ou
P12
publicação científica.
P13
Estabeleço os limites na relação profissional-paciente.
Quando prescrevo um cuidado/tratamento de resultado impreciso ou com prováveis efeitos secundários
P14
significativos, comunico o facto ao meu paciente.
P15
Não omito informação relevante ao meu paciente.
P16
Estou atento à capacidade do meu paciente pagar os produtos que lhe prescrevo.
P17
Estou atento à prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais baratos.
Dimensão B “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares”
Não identifico problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde que trabalham neste centro de
P18
saúde.
P19
No meu local de trabalho existe delimitação de competências de cada profissional na equipa de saúde.
No meu local de trabalho existe partilha de informação relativa ao paciente e sua família entre os diversos
P20
profissionais da equipa de saúde.
No meu local de trabalho existe partilha de informação entre os profissionais de saúde face a indicações
P21
clínicas imprecisas.
P22
No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo profissional por parte dos profissionais de saúde.
No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa de saúde para o relato de casos em
P23
evento ou publicação científica.
P24
No meu local de trabalho existe acordo no compromisso ético dos profissionais de saúde.
P25
No meu local de trabalho existe solidariedade e colaboração entre os profissionais de saúde.
Dimensão C “Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”
Existe preservação da privacidade dos pacientes no espaço físico dos consultórios e gabinetes neste
P26
centro de saúde.
P27
Existem os meios necessários neste centro de saúde para a realização de domicílios.
P28
Existe apoio da direcção e chefias para discutir os problemas detectados neste centro de saúde.
Existe transparência da direcção e chefias deste centro de saúde na resolução dos problemas com os
P29
profissionais de saúde.
P30
Não existe excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de saúde neste centro de saúde.
Existe uma organização deste centro de saúde que garante o acesso de todos os utentes aos seus
P31
serviços.
Existe facilidade no acesso a meios complementares de diagnóstico necessários aos utentes deste centro
P32
de saúde.
Existe fiabilidade nos resultados dos meios complementares de diagnóstico efectuados pelos utentes
P33
deste centro de saúde.
A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de referenciação (cuidados de saúde
P34
secundários) que dão resposta atempada às solicitações deste centro de saúde.
Existe informação de retorno pertinente sobre os cuidados prestados aos utentes deste centro de saúde
P35
pelos serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários).
MÉTODOS
181
Estudo Piloto
Em Maio de 2007 deu-se início ao presente estudo através da aplicação do questionário
com a nova versão da escala, a médicos e enfermeiros de centros de saúde
aleatorizados da sub-região de saúde de Coimbra. Em Junho de 2007, após se ter
recolhido os questionários respondidos por 44 médicos de família e 31 enfermeiros,
testou-se a escala na sua nova redacção, fazendo-se um estudo piloto.
Neste estudo, a avaliação da fiabilidade da escala utilizando o teste Alpha de Cronbach
(quadro X) com recurso ao programa de estatística SPSS 15.0 para Windows (2006)
apresentou: um valor alpha de 0,808 para a escala no seu global (35 itens); de alpha de
0,580 para a dimensão A – “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde
com os pacientes e suas famílias” (17 itens); de alpha de 0,791 para a dimensão B –
“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares” (8 itens); e um alpha de
0,813 para a dimensão C – “Problemas éticos na gestão/organização do centro de
saúde/sistema de saúde” (10 itens).
Apesar de, nesta sua segunda versão, a escala global apresentar um bom valor de Alpha
de Cronbach, assim como as sub-escalas das dimensões B e C, o valor da sub-escala da
dimensão A é ainda inaceitável. Pela análise do quadro X verifica-se que os itens P5
(“Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente”) e P10
(“Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o
seu estado de saúde quando relevante”) apresentam valores negativos na correlação
com o total, pelo que se resolveu eliminar esses itens e re-testar o Alpha de Cronbach,
que foi agora de 0,823 para a escala no seu global (com 33 itens) e um alpha de 0,622
para a dimensão A (com 15 itens), o que já é aceitável (Hill, 2000).
Apesar de os itens P2 (“Discuto com o meu paciente a sua situação clínica”), P12
(“Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em
evento ou publicação científica”), P15 (“Não omito informação relevante ao meu
paciente”) e P23 (“No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa para
o relato de casos em evento ou publicação científica”) apresentarem correlações muito
próximas de zero, optou-se por os deixar para não reduzir demasiado os itens em
algumas das dimensões.
182 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro X: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da escala
na sua segunda versão
Dimensão
A
B
C
Itens
Média
Desv.Padrão
P1
P2
P3
P4
P5*
P6
P7
P8
P9
P10*
P11
P12
P13
P14
P15
P16
P17
P18
P19
P20
P21
P22
P23
P24
P25
P26
P27
P28
P29
P30
P31
P32
P33
P34
P35
4,76
4,17
3,72
3,96
4,13
4,77
4,35
4,00
3,48
3,29
4,29
3,79
3,69
3,47
3,99
4,15
4,05
3,40
3,75
3,77
3,16
3,77
2,75
3,40
3,68
3,59
3,36
3,32
3,25
2,67
3,65
3,67
3,76
2,35
2,15
,430
,778
,847
,779
,905
,481
,707
,930
1,212
1,206
,588
1,287
1,013
,759
,780
,672
,695
1,013
,917
1,060
1,053
,924
,931
1,078
1,055
1,079
1,420
1,307
1,306
1,308
1,157
1,107
,942
1,168
1,312
Correlação com o total
(corrigido)
,154
,057
,232
,165
-,315
,190
,315
,141
,353
-,201
,672
,001
,121
,137
,001
,303
,076
,442
,527
,611
,346
,556
,031
,573
,650
,580
,410
,305
,264
,427
,120
,646
,633
,439
,474
Alpha se o item for
eliminado
,807
,810
,805
,807
,822
,806
,803
,808
,801
,824
,796
,816
,809
,808
,811
,803
,809
,798
,795
,791
,801
,794
,812
,792
,789
,792
,798
,803
,805
,797
,810
,789
,791
,797
,795
N = 75
Alpha de Cronbach (escala global – 35 itens) = ,808
Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão A – 17 itens) = ,580
Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão B – 8 itens) = ,791
Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão C – 10 itens) = ,813
* Itens eliminados
Alpha de Cronbach (escala global – 33 itens) = ,823 ; Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão A
– 15 itens) = ,622
Validade
Para comprovação empírica da organização dos itens que se tinha feito de forma
racional, procedeu-se à sua validação factorial. Esta técnica analisa, no essencial, as
correlações entre diversas variáveis para encontrar um conjunto de “factores” que,
teoricamente, representam o que têm em comum as variáveis analisadas (Hill, 2000).
MÉTODOS
183
Utilizando o programa de estatística SPSS 15.0 para Windows (2006) fez-se a análise
factorial com rotação ortogonal de tipo varimax, forçando 3 factores (quadros XI e XII).
Quadro XI: Escala na sua versão final (33 itens)
Factores
Factor 1
Factor 2
Factor 3
Total
6,336
3,399
2,143
Eigenvalues
% de Variância
18,102
9,711
6,122
% Acumulada
18,102
27,812
33,934
Quadro XII: Estrutura factorial da escala na sua versão final (33 itens)
Itens
P1
P2
P3
P4
P6
P7
P8
P9
P11*
P12
P13*
P14*
P15
P16
P17
P18*
P19
P20
P21
P22
P23*
P24
P25*
P26*
P27
P28
P29
P30
P31
P32
P33*
P34
P35
Factor 1
,338
,737
,381
,687
,389
,623
,268
,268
,146
,370
,145
,146
,526
,534
,542
,148
,246
,211
,154
,085
,082
,219
,128
,151
,232
Cargas Factoriais
Factor 2
,147
,113
Factor 3
,199
,123
,075
,176
,102
,503
,161
,647
,640
,106
,113
,263
,445
,563
,688
,517
,531
,209
,621
,353
,506
,117
,236
,065
,156
,443
,108
,136
,481
,438
,195
,219
,388
,155
,325
,654
,346
,515
,784
,825
,415
,549
,405
,222
,444
,431
Foram retirados do quadro os valores inferiores a ,050
O resultado obtido não foi animador, tendo a rotação convergido em 5 iterações e 8 itens
(*) convergido em factor diferente daquele criado racionalmente. No entanto, pareceu não
ser pertinente subdividir mais a escala, optando-se assim por manter a anterior divisão
racional dos itens.
184 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Os valores obtidos pelo teste Alpha de Cronbach são, por si só, indicadores abonatórios
para a escala como instrumento de medida fiável.
Como argumentos favoráveis para a validade da escala, ou seja, que ela poderá medir
aquilo que pretende medir, refere-se a distribuição dos itens abarcando as temáticas
identificadas pelos autores consultados.
3.3.2.2. VARIÁVEIS INDEPENDENTES
Parece pertinente analisar a possível influência de algumas variáveis sócio-profissionais
sobre a variável dependente, isto é, em que medida é que a idade, o sexo, a profissão, o
número de anos de profissão, a sub-região de saúde a que se pertence e o facto de se
trabalhar em área urbana ou rural influenciam as atitudes éticas dos profissionais de
saúde, nas relações com os pacientes e suas famílias, nas relações inter-profissionais e
inter-pares e na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde. Nesse
sentido, estabeleceu-se como variáveis independentes a idade, o sexo, a profissão, o
número de anos de profissão, a sub-região e a área de trabalho (anexo 1). Será
conveniente referir a forma como foram operacionalizadas.
Idade
No sentido de quantificar a idade dos inquiridos, recolheu-se os dados no questionário
através de uma questão aberta. Os dados obtidos foram posteriormente agrupados em 5
classes (“20-29, 30-39, 40-49, 50-59 e 60-69”) com as quais se trabalhou na análise
descritiva.
Sexo
No sentido de quantificar o sexo dos inquiridos, recolheu-se os dados no questionário
através de uma questão fechada com 2 alternativas de resposta: “masculino, feminino”.
Profissão
MÉTODOS
185
No sentido de quantificar a profissão dos inquiridos, recolheu-se os dados no questionário
através de uma questão fechada com 2 alternativas de resposta: “médico, enfermeiro”.
Número de anos de profissão
No sentido de quantificar o número de anos de profissão dos inquiridos, recolheu-se os
dados no questionário através de uma questão aberta. Os dados obtidos foram
posteriormente agrupados em 5 classes (“< 5, 5-14, 15-24, 25-34 e > 34”) com as quais
se trabalhou na análise descritiva.
Sub-Região
No sentido de quantificar a sub-região de saúde a que pertencem os inquiridos, recolheuse os dados no questionário através de uma questão fechada com 6 alternativas de
resposta: “Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu”.
Área de trabalho
No sentido de quantificar a área demográfica onde os inquiridos trabalham habitualmente,
considerando o maior número de horas semanais, recolheu-se os dados no questionário
através de uma questão fechada com 3 alternativas de resposta: “urbana, rural, semirural/urbana”. Não foi apresentada qualquer definição destes conceitos, pelo que eles
foram qualificados pelos próprios inquiridos.
3.4. ESTUDO QUALITATIVO
Para esta segunda fase da investigação optou-se por descrever três casos problema
retirados da bibliografia e procurou-se reflectir um problema de relacionamento entre
profissionais de saúde/paciente, um relacionamento inter-profissionais e problemas de
gestão/organização do sistema de saúde, e ainda solicitar uma resposta escrita a três
questões (“que problemas éticos lista nesta situação”; “o que recomendaria aos
profissionais envolvidos neste caso”; “e por quê”), pedindo-se que o inquirido
186 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
descrevesse a sua atitude perante cada caso. Estas respostas foram objecto de análise
categorial ou temática, que é uma das técnicas da análise de conteúdo, proposta por
Laurence Bardin (2004).
A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando
obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das
mensagens,
indicadores,
qualitativos
ou
não,
que
permitam
a
inferência
de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens (Bardin,
2004).
O tratamento descritivo constitui um primeiro momento do procedimento, não sendo
exclusivo e nem exaustivo da análise de conteúdo. O interesse não se resume à
descrição dos conteúdos, mas naquilo que podem ensinar após serem organizados e
tratados, isto é, codificados. Como assinala Laurence Bardin (2004), a intenção da
análise de conteúdo é alcançar através de indicadores, qualitativos ou não, a inferência
de conhecimentos relativos às condições de produção ou eventualmente de recepção, ou
seja, a análise de conteúdo não visa o estudo da língua ou da linguagem, mas a
determinação das condições de produção dos textos, que são o seu objecto. Portanto, o
fundamento da especificidade da análise de conteúdo reside na articulação entre a
superfície dos textos, descrita e analisada, e os factores que determinam as
características encontradas, deduzidos logicamente.
Segundo Augusto Triviños (1995) os procedimentos básicos da análise de conteúdo
incluem a pré-análise, a descrição analítica e a interpretação inferencial. A pré-análise é a
fase de organização do material em que se especifica o campo no qual o investigador
deve fixar a sua atenção. Na fase da descrição analítica, o material empírico recebe
tratamento, incluindo a codificação, a classificação e a categorização. Já na interpretação
inferencial procura-se o estabelecimento de relações entre os resultados do material
empírico e a realidade social, assumindo-se, no entanto, que a realidade nunca pode ser
totalmente compreendida e que a investigação só permite uma aproximação a essa
realidade. Atendendo a isto, não é suficiente ficar pelo conteúdo manifesto dos textos,
mas deve-se desvendar o conteúdo latente, pois sendo este dinâmico, estrutural e
histórico é ele que possibilita a identificação de crenças e tendências (Triviños, 1995).
Fazer uma análise temática requer descobrir os “núcleos de sentido” que compõem a
comunicação e cuja frequência, numa abordagem mais quantitativa, ou presença e
ausência pode ter um significado para o objectivo analítico escolhido. O tema, como
MÉTODOS
187
unidade de registo, é geralmente utilizado para estudar motivações de opiniões, de
atitudes, de valores, de crenças, de tendências. Por unidade de registo, entende-se a
unidade de significação a codificar, ou seja, o segmento de conteúdo a ser considerado
como unidade de base a ser categorizada. A noção de tema em análise de conteúdo é
uma afirmação sobre um assunto, uma frase, um resumo, é a unidade de significação
que se extrai naturalmente de um texto quando analisado à luz de certos critérios que
servem de guia para a sua leitura (Bardin, 2004).
Além da unidade de registo, convém delimitar a unidade de contexto, que serve de
unidade de compreensão para codificar a primeira. Corresponde ao segmento da
mensagem, cujas dimensões, superiores à unidade de registo, possibilita compreender a
significação exacta desta. No caso do tema será um parágrafo que o contenha.
As motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, entre
outras, além das respostas a questões abertas em questionários, em entrevistas não
directivas ou mesmo mais estruturadas, em registos de reuniões de grupos, em
comunicações de massa, etc. são frequentemente analisadas por temas.
Assim, considerando-se o objecto do presente estudo, a ética em cuidados de saúde
primários, e a técnica utilizada para a colheita de dados, questões abertas num
questionário, pareceu adequada a análise temática, dentro da análise de conteúdo
proposta por Laurence Bardin (2004). Como unidade de registo tomaram-se os
problemas identificados e as propostas de solução efectuadas pelos médicos e
enfermeiros inquiridos e como unidade de contexto os trechos das respostas que os
continham.
Cada resposta, escrita pelo profissional inquirido, foi lida para identificação dos
problemas apontados e das soluções propostas. O conjunto dos problemas e soluções
listadas passou a configurar numa grelha de categorias fundamentada sobre os
conteúdos (anexo 9). Não se tem em conta a dinâmica e a organização, mas a frequência
dos temas extraídos do conjunto das respostas, considerados como dados segmentáveis
e comparáveis (Bardin, 2004)
A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um
conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo a analogia com
os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, que reúnem um
grupo de unidades de registo sob um título genérico, agrupamento esse efectuado em
188 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
razão dos caracteres comuns desses elementos (Bardin, 2004). O critério de
categorização pode ser temático, neste trabalho considerou-se como categorias as
correntes éticas em estudo, assim todos os temas que reportavam para o cuidado foram
agrupados na categoria “ética do cuidado”. Empregou-se, portanto, um processo de
categorização pelo conceito da resposta, ou seja, as categorias foram previamente
estabelecidas e os elementos encontrados no conteúdo das respostas distribuídos entre
elas. Este é o chamado “procedimento por caixas” (Bardin, 2004).
A opção por esta técnica foi motivada pelo facto dos olhares seleccionados para a análise
teórica dos dados serem as categorias que eram pertinentes para os objectivos do
estudo. Assim, as respostas foram pesquisadas na busca de elementos componentes
destes distintos olhares descritos na síntese das correntes éticas, que se considerou
serem importantes para os cuidados de saúde primários, efectuada na primeira parte
desta tese.
Os elementos das categorias procuradas nas respostas basearam-se nos diferentes
olhares das correntes éticas estudadas e estão apresentados no quadro XIII.
As respostas escritas foram lidas com base nessa grelha a fim de se identificar a sua
presença. Isto porque, segundo Laurence Bardin (2004), uma das características da
análise qualitativa é o facto da inferência, que é sempre realizada, fundar-se na presença
do “índice” (tópicos ou ideias) em cada resposta individual (quadro XIV). Assim, a simples
presença do “índice” na resposta permitiu inferir que o inquirido estava a considerar o
olhar em questão para resolver o caso problema proposto.
MÉTODOS
189
Quadro XIII: Elementos componentes das categorias
Ética principialista
Ética das
Ética do
Ética casuística
Ética
virtudes
cuidado
profissional
O respeito
Não
Beneficência Justiça
pela
maleficência
autonomia
Capacidade Não causar
Fazer ou Distribuição Percepção Reconhecimento Equacionamento Acatamento
para decidir mal ou dano promover o dos bens e
dos
da importância por paradigma e do código
bem.
recursos, de cuidados de
analogia
deontológico
do vínculo
maneira saúde como
como o meio
Prevenir o
mútuo
mal ou o dano
justa,
prática com
para resolver
equitativa,
bens
problemas
apropriada internos
éticos
e
determinada
por normas
justificadas
Dizer a
Não matar
Proteger e Distribuição Honestidade Fortalecimento
Apelo às
Temor às
dos
na relação das relações de
máximas
sanções e
verdade
defender os
direitos dos benefícios
com os
vínculo
penalizações
necessários
outros
outros
a cada um
para
amenizar ou
corrigir os
efeitos
deletérios
da lotaria
biológica e
social
Respeitar a Não causar
Ajudar
Acesso
Confiança Não rompimento Análise das
Recurso às
privacidade
dano ou pessoas com igual ao
nos outros das relações de circunstâncias comissões
sofrimento incapacidades mínimo
vínculo
de ética para
decente
resolver os
problemas
Probabilidade
Proteger a
Não
Prevenir
Maior bem Tratamento Felicidade de
uniforme e
todos
informação
incapacitar danos que
para o
impessoal
confidencial
possam
maior
de acordo
ocorrer a
número
com o
outros
mérito
Consentimento Não ofender
Eliminar
Expor os
Não magoar
livre e
condições
seus
ninguém
esclarecido
que causarão
próprios
danos aos
interesses
outros
ao risco de
danos ou
perigos
Ajudar na Não privar os Resgatar
Busca de
outros dos pessoas em
tomada de
soluções não
decisão
bens da vida
perigo
violentas para
os conflitos
através do
diálogo
Adaptado de Zoboli (2003)
Todas as respostas passaram por uma leitura com o objectivo de identificar como os
inquiridos elaboravam o problema em análise nos cenários propostos. Isto porque,
segundo Carol Gilligan (1993), as diferentes imagens dos relacionamentos redundam em
190 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
distintos modos de compreender a moralidade e de pensar acerca de conflito e escolha,
dependendo, então, o juízo ético do modo como o problema é formulado (anexo 9).
Quadro XIV: Índices das categorias
Ética principialista
Ética das virtudes
Ética do cuidado
Ética casuística
Ética profissional
Direitos
Paciência
Ajuda
Probabilidade
Deontologia
Recursos
Honestidade
Protecção
Analogia
Responsabilidade
Decisão
Confiança
Acompanhamento
Causas
Negligência
Acesso
Coragem
Diálogo
Circunstâncias
Sanções
Regras
Companheirismo
Relação
Casos
Denuncia
Equidade
Tentação
Estima
Cumprimento
Autocuidado
Respeito
Negociar
Legis artis
Assim, pode-se depreender que os diversos modos de compreender a moralidade,
expressos nos olhares escolhidos, implicam diferentes modos de pensar acerca de
conflito
e
escolha,
ou
seja,
envolvem
distintas
maneiras
de
formular
e,
consequentemente, conduzir a solução do problema ético. Realçar esta elaboração do
problema pode servir para favorecer a compreensão da argumentação presente na
tomada de decisão.
Da mesma maneira, as diferentes correntes éticas permitiram delinear diferentes
maneiras de se formularem os problemas em cada um dos olhares (quadro XV).
Ética
principialista
Ética das
virtudes
Ética do cuidado
Ética casuística
Ética profissional
Quadro XV: Formulação dos problemas éticos
Confronto de divergentes obrigações morais decorrentes dos
princípios.
Ameaça à realização do bem interno de uma prática.
Ruptura na rede de responsabilidades e relacionamentos mútuos.
Arranjo do caso por paradigma e analogia num conjunto de
situações do mesmo tipo.
Infracção ao código deontológico e às demais legislações que
regulamentam o exercício profissional.
Adaptado de Zoboli (2003)
Quanto a este ponto, é importante referir que também Beauchamp e Childress (2001)
apontam para a possibilidade de haver várias formulações dos problemas éticos, ao
distinguirem as diversas formas de cada teoria moral, que exploram na sua obra,
explicarem e abordarem um mesmo caso clínico apresentado.
MÉTODOS
191
3.5. RECOLHA DE DADOS
Todas as ciências naturais, bem como todas as ciências sociais, têm por base
investigações empíricas, em que se fazem observações para compreender melhor o
fenómeno a estudar, e podem ser utilizadas para construir explicações ou teorias mais
adequadas (Hill, 2000).
A investigação empírica assenta em três actos essenciais: contar, medir e comparar.
Qualquer destes actos pressupõe a recolha ou colheita de dados elementares, relativos a
entidades com características variáveis que, ao serem tratados, analisados e
interpretados conduzem à produção de informação. Essa informação pretende responder
a perguntas que são o ponto de partida de um projecto de investigação (Ramos, 2008).
3.5.1. INSTRUMENTO DE RECOLHA DE DADOS
Existem vários tipos de instrumentos de recolha de dados disponíveis, tendo-se que
seleccionar aquele que melhor se adapta ao presente estudo, população, objectivos e
recursos disponíveis.
Optou-se pela utilização de um questionário auto-preenchido.
Um questionário é um processo estruturado de recolha de informação, uma série de
questões ou afirmações ordenadas sobre um determinado assunto (Ribeiro, 2007).
O auto-preenchimento do questionário significa que se requer uma interferência mínima
entre o inquiridor e o inquirido, e que pode ser feito sem a presença do avaliador. Em
saúde, muitas investigações, principalmente se exigem grande quantidade de inquiridos,
são realizadas com questionários de auto-preenchimento. Verificou-se que este tipo de
preenchimento, não produzia resultados diferentes, em amostras da mesma população,
entre os que respondiam na presença do investigador e os que respondiam em casa com
devolução posterior do questionário (Ribeiro, 2007).
O questionário utilizado neste estudo (anexo 2) pode ser dividido em três partes. A
primeira incluiu seis questões, (A a F), sobre os aspectos sócio-profissionais de
caracterização do inquirido: a idade, o sexo, a profissão, o número de anos de profissão,
192 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
a sub-região e a área de trabalho. A segunda parte, (P1 a P35), incluiu a escala
construída para o estudo, através da qual se pretende avaliar as atitudes éticas dos
profissionais de saúde, nas relações com os pacientes e suas famílias, nas relações
inter-profissionais e inter-pares e na gestão/organização do centro de saúde/sistema de
saúde. A terceira parte, incluiu a descrição de três casos problema, (I a III), retirados da
bibliografia e procurando reflectir um problema de relacionamento profissionais de
saúde/paciente, relacionamento inter-profissionais e problemas de gestão/organização do
sistema de saúde, e ainda da solicitação de resposta escrita a três questões (“que
problemas éticos lista nesta situação”; “o que recomendaria aos profissionais envolvidos
neste caso”; “e por quê”), pedindo-se que o inquirido descrevesse a sua atitude perante
cada caso.
I) O senhor J., hipertenso e diabético, faz pedidos frequentes de cuidados que dificultam
as actividades e perturbam a rotina da unidade de saúde. No entanto, os seus valores de
tensão arterial e de glicemia são sempre elevados. O médico e a enfermeira da equipa
onde ele está inscrito tentam assisti-lo da melhor maneira possível, mas a cada dia que
passa sentem-se tentados e deixar de investir nele os seus esforços. (Zoboli, 2003).
II) Ninguém sabe o que levou a E. a tornar-se dependente do álcool, mas a sua vida
afectiva sempre tinha sido complicada. A nível do serviço, de vez em quando, surgiam
algumas queixas dos doentes e colegas sobre o seu mau humor e alguns gestos
bruscos. Notava-se-lhe grande instabilidade, saía frequentemente do serviço, sentia-se
um hálito alcoólico quando alguém dela se aproximava, mas ninguém tinha tido coragem
para a confrontar directamente. Um dia, o familiar de um doente fez uma participação por
escrito, queixando-se do seu atendimento e acusando a equipa de saúde de
cumplicidade neste estado de coisas. (Loff, 2004).
III) F., de 46 anos de idade, foi à consulta aberta/complementar do centro de saúde, por
não ter médico de família, tal como mais de 3.000 pessoas na área, por insuficiência de
médicos no centro, queixando-se de desconforto num dos seios. A médica ouviu-a, fezlhe um exame sumário e requisitou uma mamografia a ser efectuada na cidade a 50 Km
de distância. Dois meses depois voltou à consulta, o médico era outro e no relatório o
radiologista dizia não poder concluir sem uma ecografia. Nova requisição e novo exame
na cidade. Dois meses depois nova consulta e terceiro médico a consultá-la no centro de
saúde, é necessário a sua referenciação ao hospital por lesão mamária suspeita pelo que
lhe é passado o respectivo P1. Recebeu um postal para ir à consulta hospitalar seis
MÉTODOS
193
meses depois da consulta ter sido pedida. A decisão foi ir fazer exames analíticos
pedidos pelo centro de saúde e voltar para punção-biopsia do nódulo. Novas consultas,
novas credenciais e mais três meses de espera. Vista dois meses depois da punçãobiopsia deram-lhe a decisão final: tem de ser operada, aguarde o postal a chamá-la para
a operação. Esperou seis meses e nada recebeu. Pediu ao filho da patroa, onde
trabalhava a dias, que tinha um colega médico, que lhe desse uma ajuda e passado um
mês foi internada pelo serviço de urgência e operada: tumor maligno com metástases
ganglionares. (Serrão, 2002).
Estudo Piloto
A utilização do instrumento de colheita de dados deve ser precedida de um estudo piloto
(pré-teste), que é fundamental para assegurar a validade e precisão do instrumento de
recolha de dados e verificar se a metodologia utilizada não tem problemas.
Ou seja, efectua-se uma aplicação do questionário a um grupo com características
semelhantes às da população em estudo, por forma a identificar todos os problemas que
poderão vir a surgir, possíveis falhas quanto à clareza, à quantidade e à forma das
perguntas e ainda quanto ao seu ordenamento.
Como já foi referido aquando da descrição da escala, o questionário com a versão inicial
da escala foi aplicado a um grupo de 23 médicos de família e 6 enfermeiros que
trabalhavam em centros de saúde fora da área geográfica de intervenção da
Administração Regional de Saúde do Centro, de forma a realizar um estudo piloto, em
Março de 2007. Também foi pedido a esses 29 profissionais de saúde inquiridos que
anotassem comentários às afirmações efectuadas. Assim, da análise dos comentários
que alguns dos inquiridos deixaram expressos, e dos valores dos itens da escala e da
sua correlação com o total da mesma, como já foi descrito, concluiu-se pela necessidade
de alterar a formulação das afirmações da maioria dos itens P1 a P35. Elaborou-se então
uma nova redacção para a escala. Este novo questionário, com a nova versão da escala,
começou a ser aplicado à nossa amostra de profissionais de saúde que trabalhavam em
centros de saúde da Administração Regional de Saúde do Centro, e após dois meses,
Maio e Junho de 2007, e com 75 respostas recebidas, 44 médicos de família e 31
enfermeiros, testou-se a escala na sua nova redacção, realizando assim um estudo
piloto. Como os valores obtidos pelo Alpha de Cronbach foram por si só, indicadores
194 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
abonatórios para a escala como instrumento de medida fiável, prosseguiu-se com a
recolha dos dados para o estudo.
3.5.2. PROCEDIMENTOS NA RECOLHA DE DADOS
Antes de se iniciar a aplicação do questionário foram pedidos, à Comissão de Ética para
a Saúde do Centro de Saúde de São João, do Porto, a elaboração de um parecer para a
realização do estudo proposto (anexo 3), e ao conselho directivo da Administração
Regional de Saúde do Centro, a necessária autorização para a realização do mesmo, e
ainda que dessa autorização fosse dado conhecimento aos directores dos centros de
saúde aleatorizados, o que aconteceu (anexo 4). Tendo sido obtida a autorização
solicitada através do ofício nº 3735 de 7 de Março de 2007.
Foram contactados, pessoalmente ou pelo correio (anexo 5), os directores dos centros de
saúde (CS) aleatorizados pedindo-lhes colaboração na distribuição dos questionários
junto de todos os médicos de família e dos enfermeiros em serviço no seu CS e na
recolha e devolução dos questionários respondidos ao investigador.
O questionário era antecedido de um termo de responsabilidade (anexo 6) em que o
investigador solicitava a colaboração no preenchimento do questionário; garantia a
confidencialidade dos dados recolhidos, referindo que os mesmos seriam unicamente
utilizados para fins de investigação no âmbito da sua tese de doutoramento em Ciências
da Saúde na Universidade de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou em parte, em
revistas médicas ou de saúde; que seria elaborado um relatório da investigação
efectuada para a Administração Regional de Saúde do Centro; e apresentava os
objectivos da investigação. Referia ainda que a resposta ao questionário era facultativa, e
que o seu preenchimento era considerado como expressão de consentimento presumido
em participar na investigação.
Em Junho de 2007, já com o estudo em andamento e a recolha de dados iniciada tomou
conhecimento da Deliberação nº 227/20072 da Comissão Nacional de Protecção de
Dados (CNPD) aplicável aos tratamentos de dados pessoais efectuados no âmbito de
estudos de investigação científica na área da saúde.
2
Disponível em http://www.cnpd.pt/bin/decisoes/2007/htm/del/del227-07.htm [citado em 13-06-2007]
MÉTODOS
195
Pela análise exposta no anexo 7, considera-se que o presente estudo cumpre os
fundamentos da Deliberação nº 227/2007, apesar de não se ter solicitado, nem
previamente nem a posteriori, autorização à Comissão Nacional de Protecção de Dados,
por este estudo não fazer tratamento de dados pessoais, mas unicamente tratar,
anonimamente, a opinião dos inquiridos.
O questionário do estudo foi então aplicado nos centros de saúde previamente
aleatorizados (quadro I) da Administração Regional de Saúde do Centro, entre Maio de
2007 e Abril de 2008. Este longo período para a recolha de dados ficou a dever-se à
necessidade que o investigador teve de se deslocar a muito centros de saúde da região
para motivar os profissionais de saúde a responderem ao questionário, tendo mesmo, a
partir do questionário nº 163, desistido de pedir o preenchimento da 3ª parte do mesmo,
ou seja, a resposta às questões sobre os casos-problema, por que se mostrou ser um
elemento que levava ao não preenchimento.
RESULTADOS
197
4. RESULTADOS
Neste capítulo vai-se apresentar os dados recolhidos de forma organizada e procurando
evidenciar aqueles que se consideram mais pertinentes.
4.1. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA AMOSTRA
As principais características sócio-profissionais da amostra são apresentadas no quadro
XVI. A amostra é constituída por 370 indivíduos, sendo 272 do sexo feminino e 98 do
sexo masculino, o que representa uma percentagem de 73,5% e 26,5% respectivamente.
A média de idades é de 46,2 anos e a mediana situa-se nos 48 anos. O desvio padrão é
de 8,94 anos. O indivíduo mais novo tinha 23 anos e o mais idoso 61 anos.
Por sexos, a média de idades para o sexo feminino é de 44,8 anos e a mediana situa-se
nos 44 anos. O desvio padrão é de 9,07 anos. A mulher mais nova tinha 23 anos e a
mais idosa 61 anos. A média de idades para o sexo masculino é de 50,1 anos e a
mediana situa-se nos 51 anos. O desvio padrão é de 7,29 anos. O homem mais novo
tinha 23 anos e o mais idoso 58 anos.
Quando agrupados por grupos etários, verifica-se que predominam os grupos etários 5059 anos (43,8%) e 40-49 anos (28,6%). Os grupos menos numerosos são o dos 20-29
anos (3,2%) e dos 60-69 anos (2,2%).
Profissionalmente, verifica-se que a amostra é constituída por 180 médicos (48,6%) e por
190 enfermeiros (51,4%).
198 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro XVI: Distribuição dos elementos da amostra de acordo com as características sócioprofissionais
Variáveis
Nº
%
Feminino
272
73,5
Masculino
98
26,5
12
3,2
Sexo
Idade
20 – 29 anos
30 – 39 anos
82
22,2
40 – 49 anos
106
28,6
50 – 59 anos
162
43,8
60 – 69 anos
8
2,2
Médico
180
48,6
Enfermeiro
190
51,4
< 5 anos
12
3,2
5 – 14 anos
68
18,4
15 – 24 anos
108
29,2
25 – 34 anos
164
44,3
> 34 anos
18
4,9
Aveiro
62
16,8
Castelo Branco
102
27,6
Coimbra
96
25,9
Guarda
40
10,8
Leiria
40
10,8
Viseu
30
8,1
Profissão
Nº de anos de Profissão
Sub-Região
Área de Trabalho
Urbana
180
48,6
Rural
62
16,8
Semi-rural/urbana
128
34,6
Por profissões, a média de idades para os médicos é de 51,1 anos e a mediana situa-se
nos 52 anos. O desvio padrão é de 6,46 anos. O indivíduo mais novo tinha 30 anos e o
mais idoso 61 anos. A média de idades para os enfermeiros é de 41,5 anos e a mediana
situa-se nos 41 anos. O desvio padrão é de 8,43 anos. O indivíduo mais novo tinha 23
anos e o mais idoso 61 anos.
RESULTADOS
199
Quanto à Sub-Região a que pertencem, verifica-se que 62 indivíduos da amostra
pertencem a Aveiro (16,8%), 102 indivíduos a Castelo Branco (27,6%), 96 indivíduos a
Coimbra (25,9%), 40 indivíduos à Guarda (10,8%) e o mesmo número a Leiria (10,8%) e
por fim, 30 indivíduos pertencem a Viseu (8,1%).
Quanto à área de trabalho, 180 indivíduos consideraram que trabalhavam em meio
urbano (48,6%), 62 indivíduos em meio rural (16,8%) e 128 indivíduos consideraram que
trabalhavam num meio semi-rural/urbano (34,6%).
4.2. RESPOSTA ÀS QUESTÕES EM INVESTIGAÇÃO E TESTES DE HIPÓTESES
A primeira questão formulada, como ponto de partida para o estudo, foi:
Q1 – Existe suporte empírico para a validação de uma escala de atitudes éticas dos
profissionais de saúde?
Após a recolha de todos os questionários reavaliou-se a fiabilidade da escala através do
teste Alpha de Cronbach (quadro XVII) utilizando o programa de estatística SPSS 15.0
para Windows (2006), sendo o valor α = 0,848 para a escala no seu global (33 itens) e de
α = 0,664 para a dimensão A – “Problemas éticos nas relações dos profissionais de
saúde com os pacientes e suas famílias” (15 itens), de α = 0,805 para a dimensão B –
“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares” (8 itens) e um α = 0,765
para a dimensão C – “Problemas éticos na gestão/organização do centro de
saúde/sistema de saúde” (10 itens).
Pode-se responder, com os dados já anteriormente descritos, no ponto 3.3.2.1., e os
agora obtidos no teste Alpha de Cronbach dos dados finais, que existe suporte empírico
para a validação de uma escala de atitudes éticas dos profissionais de saúde.
200 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro XVII: Homogeneidade dos itens e coeficientes de consistência interna da escala
no estudo final
Dimensão
A
B
C
Itens
Média
Desv.Padrão
Correlação com o total
(corrigido)
Alpha se o item for
eliminado
P1
4,64
,610
,215
,832
P2
4,30
,663
,333
,830
P3
3,71
,839
,194
,833
P4
4,17
,644
,199
,833
P6
4,63
,604
,095
,834
P7
4,14
,745
,313
,830
P8
3,41
1,193
,078
,838
P9
3,48
1,117
,158
,835
P11
4,31
,858
,261
,831
P12
4,26
,924
,206
,833
P13
3,62
1,045
,468
,825
P14
3,34
,997
,327
,829
P15
3,79
,926
,154
,834
P16
4,13
,747
,321
,830
P17
3,91
,885
,221
,832
P18
3,58
1,260
,566
,821
P19
3,62
1,076
,557
,822
P20
3,70
,952
,566
,823
P21
3,05
1,027
,310
,830
P22
3,85
1,035
,426
,826
P23
3,32
1,052
,264
,831
P24
3,67
1,012
,570
,822
P25
3,53
1,145
,586
,821
P26
3,35
1,280
,506
,823
P27
3,29
1,266
,383
,828
P28
3,49
1,246
,484
,824
P29
3,45
1,271
,502
,823
P30
2,75
1,161
,400
,827
P31
3,84
1,138
,338
,829
P32
3,37
1,124
,345
,829
P33
3,63
,868
,464
,826
P34
2,18
,925
,237
,832
P35
2,05
,956
,255
,831
N = 370
Alpha de Cronbach (escala global – 33 itens) = ,848
Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão A – 15 itens) = ,664
Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão B – 8 itens) = ,805
Alpha de Cronbach (sub-escala dimensão C – 10 itens) = ,765
RESULTADOS
201
Apesar de se ter uma amostra suficientemente grande para utilizar os testes paramétricos
seleccionados, avaliou-se a normalidade da escala e as suas dimensões, recorrendo ao
teste de Kolmogorov-Smirnov. Os resultados demonstraram que a distribuição dos
valores é gaussiana para as dimensões e para o global da escala. (quadro XVIII)
Quadro XVIII: Teste de normalidade da escala
Dimensão A
N
Parâmetros
Dimensão B
Dimensão C
Global
370
370
370
370
Média
3,989
3,539
3,140
3,556
Desvio Padrão
0,364
0,698
0,641
0,460
Absoluta
0,069
0,057
0,068
0,067
Diferenças
Extremas
Positiva
0,069
0,044
0,068
0,067
Negativa
-0,054
-0,057
-0,041
-0,064
Kolmogorov-Smirnov
1,334
1,097
1,304
1,291
p
0,057
0,180
0,067
0,071
De acordo com os dados obtidos, pode-se constatar que os inquiridos apresentam uma
atitude de concordância em relação aos problemas éticos, apresentando uma média de
resposta aos itens propostos, na escala global, de 3,56, com um mínimo de 2,31 e um
máximo de 4,51 (quadro XIX). Recorda-se que as respostas poderiam variar entre um e
cinco, representando o valor “um” a discordância completa e o valor “cinco” a
concordância completa (em relação ao item).
Quadro XIX: Estatística descritiva relativa às atitudes dos profissionais de saúde face aos
problemas éticos
Dimensão A
Dimensão B
Dimensão C
Global
Nº de itens
15
8
10
33
Média
3,99
3,54
3,14
3,56
Mediana
3,93
3,63
3,10
3,56
Desvio Padrão
0,36
0,70
0,64
0,46
Variância
0,13
0,49
0,41
0,21
Mínimo
3,07
1,25
1,50
2,31
Máximo
4,80
5,0
4,80
4,51
Dimensão A “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas
famílias”
Dimensão B “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares”
Dimensão C “Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”
202 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
No entanto, analisando as dimensões estudadas verifica-se que esta atitude de
concordância se fica a dever principalmente à dimensão A (Problemas éticos nas
relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias), com uma média
de respostas de 3,99, encontrando-se uma média bastante inferior na dimensão C
(Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde), com
uma média de respostas de 3,14. A dimensão B (Problemas éticos nas relações interprofissionais e inter-pares) teve uma média de respostas de 3,54.
Fazendo uma análise item a item (quadro XX) verifica-se as diferenças atrás referidas de
uma forma mais minuciosa.
Enquanto que as médias dos itens da dimensão A são em 80% superiores a 3,5 (12 em
15 itens) e na dimensão B são em 75% (6 em 8 itens), na dimensão C são só em 20% (2
em 10 itens). De referir ainda que nas dimensões A e B nenhum item obteve uma média
inferior a 3,0, já na dimensão C tal aconteceu em três itens, no item P30 (“Não existe
excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de saúde neste centro de
saúde”), no P34 (“A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de
referenciação (cuidados de saúde secundários) que dão resposta atempada às
solicitações deste centro de saúde”) e no P35 (“Existe informação de retorno pertinente
sobre os cuidados prestados aos utentes deste centro de saúde pelos serviços de
referenciação (cuidados de saúde secundários)”). Na dimensão A, o item P1 (“Procuro a
melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente”) é o mais bem pontuado com 4,64
e um dos que apresenta menor dispersão das respostas (desvio-padrão de 0,610). Na
dimensão B é o item P22 (“No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo
profissional por parte dos profissionais de saúde”) o mais bem pontuado com 3,85 e na
dimensão C é o item P31 (“Existe uma organização deste centro de saúde que garante o
acesso de todos os utentes aos seus serviços”) com 3,84.
RESULTADOS
203
Quadro XX: Análise item a item
Dimensão
A
B
C
Itens
Média
Desvio Padrão
P1
4,64
0,610
P2
4,30
0,663
P3
3,71
0,839
P4
4,17
0,644
P6
4,63
0,604
P7
4,14
0,745
P8
3,41
1,193
P9
3,48
1,117
P11
4,31
0,858
P12
4,26
0,924
P13
3,62
1,045
P14
3,34
0,997
P15
3,79
0,926
P16
4,13
0,747
P17
3,91
0,885
P18
3,58
1,260
P19
3,62
1,076
P20
3,70
0,952
P21
3,05
1,027
P22
3,85
1,035
P23
3,32
1,052
P24
3,67
1,012
P25
3,53
1,145
P26
3,35
1,280
P27
3,29
1,266
P28
3,49
1,246
P29
3,45
1,271
P30
2,75
1,161
P31
3,84
1,138
P32
3,37
1,124
P33
3,63
0,868
P34
2,18
0,925
P35
2,05
0,956
Apresenta-se agora os resultados dos testes das hipóteses formuladas relativamente às
atitudes dos profissionais de saúde perante os problemas éticos.
204 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
H1 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela
profissão (médico ou enfermeiro).
Para conhecer a possível influência da profissão sobre a atitude dos profissionais de
saúde perante os problemas éticos, efectuou-se um teste t de Student para diferenças de
médias de grupos independentes, cujos resultados se apresentam no quadro XXI.
Quadro XXI: Atitudes éticas dos inquiridos segundo a profissão
Profissão
Médicos
(n=180)
Média
D.P.
Enfermeiros
(n=190)
Média
D.P.
Teste t de Student
T
p
A
4,024
0,355
3,957
0,372
1,758
0,080
B
3,611
0,697
3,471
0,694
1,935
0,054
C
3,171
0,582
3,111
0,694
0,908
0,365
Global
3,602
0,457
3,513
0,459
1,867
0,063
Atitude
Dimensões
Pela análise do quadro XXI, pode-se observar que as médias relativas aos médicos são
superiores às dos enfermeiros. No entanto, estas diferenças não são estatisticamente
significativas, na medida em que surge um p>0,05 em relação ao global e a cada uma
das dimensões estudadas, levando assim a aceitar a hipótese nula. Isto é, as diferenças
encontradas nas médias das atitudes éticas dos profissionais de saúde entre as duas
profissões (médico ou enfermeiro) não são estatisticamente significativas.
H2 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo sexo
(masculino ou feminino).
Para conhecer a possível influência do sexo sobre a atitude dos profissionais de saúde
perante os problemas éticos, efectuou-se um teste t de Student para diferenças de
médias de grupos independentes, cujos resultados se apresentam no quadro XXII.
RESULTADOS
205
Quadro XXII: Atitudes éticas dos inquiridos segundo o sexo
Género
Masculino
(n=98)
Média
D.P.
Feminino
(n=272)
Média
D.P.
Teste t de Student
T
p
A
3,992
0,373
3,989
0,362
0,072
0,942
B
3,559
0,563
3,532
0,742
0,322
0,748
C
3,151
0,609
3,136
0,654
0,198
0,843
Global
3,567
0,423
3,552
0,473
0,274
0,784
Atitude
Dimensões
Pela análise do quadro XXII, pode-se observar que as médias relativas aos indivíduos do
género masculino são superiores às do género feminino. No entanto, estas diferenças
não são estatisticamente significativas, na medida em que surge um p>0,05 em relação
ao global e a cada uma das dimensões estudadas, levando assim a aceitar a hipótese
nula. Isto é, as diferenças encontradas nas médias das atitudes éticas dos profissionais
de saúde entre os dois géneros (masculino ou feminino) não são estatisticamente
significativas.
H3 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela
idade.
Para conhecer a possível influência da idade sobre a atitude dos profissionais de saúde
perante os problemas éticos, procedeu-se às análises de variância pelo teste f de
ANOVA. Pela análise do quadro XXIII, pode-se observar que as médias da escala
crescem à medida que aumenta a idade, a partir do grupo etário dos 30-39 anos, para o
global e para a dimensão C. Para a dimensão A esta constatação só existe a partir do
grupo etário dos 40-49 anos. E na dimensão B tal constatação não existe. Tal
crescimento é um factor marcante para a diferença de atitude, principalmente na
dimensão C da escala, na medida em que as diferenças encontradas são aí
estatisticamente significativas (p<0,05).
206 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro XXIII: Atitudes éticas dos inquiridos em função do grupo etário
Grupo
etário
20 – 29 anos
(n=12)
30 – 39 anos
(n=82)
40 – 49 anos
(n=106)
50 – 59 anos
(n=162)
60 – 69 anos
(n=8)
Atitude
Média
D.P.
Média
D.P.
Média
D.P.
Média
D.P.
Média
D.P.
f
p
A
3,84
0,21
4,03
0,37
3,94
0,35
3,99
0,36
4,10
0,60
1,473
0,210
B
3,89
0,42
3,47
0,77
3,48
0,59
3,58
0,71
3,43
1,00
1,357
0,249
C
3,26
0,53
2,84
0,52
3,21
0,70
3,20
0,63
3,60
0,21
6,537
0,000*
Global
3,66
0,32
3,45
0,43
3,54
0,46
3,59
0,46
3,71
0,60
1,771
0,134
ANOVA
Dimensões
* Diferença estatisticamente significativa
A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a escala global,
entre o grupo etário dos 30-39 anos e o grupo etário dos 50-59 anos. O mesmo
acontecendo para a dimensão B, em que o grupo etário dos 30-39 anos tem diferenças
significativas (p<0,05) com o grupo etário dos 20-29 anos. Para a dimensão C, existem
diferenças significativas entre o grupo dos 30-39 anos e todos os outros grupos etários.
Em todos estes casos, a atitude é menos firme para o grupo etário dos 30-39 anos. Para
a dimensão A não existem diferenças estatisticamente significativas entre grupos etários.
Verifica-se portanto, que à medida que aumenta o grupo etário, a partir dos 30-39 anos,
tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de saúde, nomeadamente para
o global da escala e para a dimensão C. Sendo também mais firmes as atitudes éticas
dos profissionais de saúde do grupo etário dos 20-29 anos, excepto para a dimensão A.
Entende-se por mais firme a obtenção de valores superiores na avaliação feita através da
aplicação da escala.
H4 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo
número de anos de profissão.
Para conhecer a possível influência do número de anos de profissão sobre a atitude dos
profissionais de saúde perante os problemas éticos, procedeu-se às análises de variância
pelo teste f de ANOVA. Pela análise do quadro XXIV, pode-se observar que as médias
da escala crescem à medida que aumenta o número de anos de profissão, a partir do
grupo dos 5-14 anos de profissão, para o global e para todas as dimensões. No entanto,
o grupo de < 5 anos de profissão tem médias da escala superiores às do grupo dos 5-14
anos. Tal crescimento é um factor marcante para a atitude, principalmente para a escala
RESULTADOS
207
global e para as dimensões B e C, na medida em que as diferenças encontradas são
estatisticamente significativas (p<0,05). Ou seja, à medida que aumenta o número de
anos de profissão, a partir dos 5-14 anos, tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos
profissionais de saúde. Sendo também mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de
saúde com < 5 anos de profissão.
Quadro XXIV: Atitudes éticas dos inquiridos em função do número de anos de profissão
Grupo
Atitude
< 5 anos
(n=12)
Média
D.P.
5 – 14 anos
(n=68)
Média D.P.
15 – 24 anos
(n=108)
Média
D.P.
25 – 34 anos
(n=164)
Média
D.P.
> 34 anos
(n=18)
Média
D.P.
ANOVA
f
p
Dimensões
A
3,96
0,31
3,93
0,26
3,98
0,42
4,01
0,33
3,99
0,55
0,678
0,608
B
3,97
0,40
3,37
0,81
3,54
0,58
3,54
0,70
3,75
0,76
2,640
0,034*
C
3,21
0,47
2,84
0,57
3,18
0,67
3,18
0,63
3,46
0,48
5,384
0,000*
Global
3,72
0,35
3,38
0,44
3,57
0,43
3,58
0,46
3,73
0,46
3,782
0,005*
* Diferença estatisticamente significativa
A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a escala global,
entre o grupo dos 5-14 anos de profissão e todos os outros grupos. O mesmo
acontecendo para a dimensão C, em que o grupo dos 5-14 anos tem diferenças
significativas (p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo dos <5 anos
de profissão. Para a dimensão B, é o grupo dos <5 anos que tem diferenças significativas
(p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo dos >34 anos de
profissão. Em todos estes casos, a atitude é menos firme para o grupo dos 5-14 anos de
profissão. Para a dimensão A não existem diferenças estatisticamente significativas entre
os grupos.
H5 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela subregião a que pertencem (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria, Viseu).
Para conhecer a possível influência do pertencer a determinada sub-região de saúde
sobre a atitude dos profissionais de saúde perante os problemas éticos, procedeu-se às
análises de variância pelo teste f de ANOVA. Pela análise do quadro XXV, pode-se
observar que existem diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) entre as médias
208 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
da escala e a sub-região de saúde a que pertencem os profissionais de saúde. Estas
diferenças ocorrem na escala global e nas três dimensões estudadas. Ou seja, as
atitudes éticas dos profissionais de saúde são mais firmes nas sub-regiões de saúde de
Viseu e Aveiro e menos firmes nas sub-regiões de saúde de Leiria e Castelo Branco.
Entende-se por mais firme a obtenção de valores superiores na avaliação feita através da
aplicação da escala.
Quadro XXV: Atitudes éticas dos inquiridos em função da sub-região de saúde a que pertencem
SubRegião
Atitude
Aveiro
(n=62)
Méd D.P.
Cast.Branco
(n=102)
Méd
D.P.
Coimbra
(n=96)
Méd D.P.
Guarda
(n=40)
Méd D.P.
Leiria
(n=40)
Méd D.P.
Viseu
(n=30)
Méd D.P.
A
4,03
0,33
3,88
0,40
4,01
0,27
3,98
0,44
3,92
0,31
4,29
B
3,69
0,72
3,43
0,73
3,49
0,57
3,33
0,65
3,47
0,66
C
3,42
0,61
2,98
0,60
3,14
0,66
3,13
0,53
2,80
Global
3,71
0,44
3,43
0,48
3,54
0,40
3,48
0,43
3,40
ANOVA
f
p
0,29
6,975
0,000*
4,07
0,67
5,813
0,000*
0,52
3,52
0,61
8,755
0,000*
0,40
3,96
0,35
9,841
0,000*
Dimensões
* Diferença estatisticamente significativa
A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a escala global,
entre a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões. O mesmo
acontecendo entre a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras sub-regiões.
Acontece ainda o mesmo para a dimensão C, em que as sub-regiões de saúde de Viseu
e Aveiro tem diferenças significativas (p<0,05) de todas as outras sub-regiões excepto
entre si. Para esta dimensão verifica-se também diferenças significativas (p<0,05) entre a
sub-região de saúde de Coimbra e a de Leiria e entre a sub-região de saúde da Guarda e
a de Leiria. Para a dimensão B, volta a verificar-se diferenças significativas (p<0,05) entre
a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões. O mesmo acontece entre
a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras sub-regiões. Para a dimensão A só
existem diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) entre a sub-região de saúde
de Viseu e todas as outras sub-regiões e entre a sub-região de saúde de Coimbra e a de
Castelo Branco.
RESULTADOS
209
H6 – As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela área
geográfica (urbana, rural, semi-rural/urbana) em que trabalham.
Para conhecer a possível influência da área laboral sobre a atitude dos profissionais de
saúde perante os problemas éticos, procedeu-se às análises de variância pelo teste f de
ANOVA. Pela análise do quadro XXVI, pode-se observar que só existem diferenças
estatisticamente significativas (p<0,05) entre as médias da escala e a área laboral a que
pertencem os profissionais de saúde para a dimensão A. Para a escala global e para as
outras duas dimensões estudadas não existem diferenças estatisticamente significativas
entre as respectivas médias. Ou seja, as atitudes éticas dos profissionais de saúde são
mais firmes para a dimensão A nos que trabalham em área urbana.
Quadro XXVI: Atitudes éticas dos inquiridos em função da área geográfica em que trabalham
Área
Atitude
Urbano
(n=180)
Média
D.P.
Rural
(n=62)
Média
D.P.
Semi-rural/urbano
(n=128)
Média
D.P.
ANOVA
f
p
Dimensões
A
4,06
0,36
3,91
0,42
3,91
0,30
7,500
0,001*
B
3,54
0,71
3,57
0,69
3,51
0,67
0,148
0,862
C
3,17
0,67
2,97
0,60
3,17
0,60
2,608
0,075
Global
3,59
0,47
3,48
0,47
3,53
0,42
1,415
0,244
* Diferença estatisticamente significativa
A análise post-hoc LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a dimensão A, entre
a área urbana e todas as outras áreas. O mesmo acontece para a dimensão C entre
todas as outras áreas e a área rural.
210 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
4.3. RESPOSTAS DO ESTUDO QUALITATIVO
Dos 370 questionários recebidos verificou-se que em 107 os inquiridos tinham respondido
a todas ou a algumas das perguntas abertas da terceira parte e que foram a base da
análise qualitativa que já foi descrita no ponto 3.4.
As características sócio-profissionais deste segundo estudo são apresentadas no quadro
XXVII. A amostra é assim constituída por 107 indivíduos, sendo 78 do sexo feminino
(72,9%) e 29 do sexo masculino (27,1%), dos quais 56 são médicos (52,3%) e 51
enfermeiros (47,7%).
Quadro XXVII: Distribuição dos elementos da amostra qualitativa de acordo com características
sócio-profissionais
Variáveis
Nº
%
Sexo
Feminino
78
72,9
Masculino
29
27,1
3
2,8
Idade
20 – 29 anos
30 – 39 anos
24
22,4
40 – 49 anos
26
24,3
50 – 59 anos
52
48,6
60 – 69 anos
2
1,9
Profissão
Médico
56
52,3
Enfermeiro
51
47,7
Aveiro
23
21,5
Castelo Branco
23
21,5
Coimbra
34
31,8
Sub-Região
Guarda
8
7,5
Leiria
14
13,1
Viseu
5
4,7
Urbana
55
51,4
Rural
16
15,0
Semi-rural/urbana
36
33,6
Área de Trabalho
RESULTADOS
211
As respostas escritas nos questionários foram copiadas para ficheiros Word. Depois
foram lidas as respostas dadas para cada uma das três perguntas de cada um dos casos
e perante a presença dos índices, referidos no quadro XIV do sub-capítulo 3.4, foram
agrupadas em cinco categorias “ética principialista”, “ética das virtudes”, “ética do
cuidado”, “ética casuística” e “ética profissional” e escritas numa folha Excel (anexo 8).
Numa segunda fase as categorias atribuídas às respostas dadas a cada um dos casos
foram lidas e reagrupadas numa das cinco categorias em análise, se da maioria das 3
respostas dadas se inferisse que prevalecia uma das categorias; ou então era agrupada
na categoria “mista”, que se refere à utilização de várias categorias, não prevalecendo
nenhuma. Na análise descritiva, utilizando o programa de estatística SPSS 15.0 para
Windows (2006), aparece a categoria “sem resposta”, que se refere à não existência de
resposta ao caso (quadro XXVIII).
Quadro XXVIII: Categorias das respostas aos casos apresentados
Ética principialista
Ética das virtudes
Ética do cuidado
Ética casuística
Ética profissional
Mista
Sem resposta
Total
n
43
12
25
7
7
11
2
107
Caso I
%
40,2
11,2
23,4
6,5
6,5
10,3
1,9
100,0
n
10
3
20
1
48
15
10
107
Caso II
%
9,3
2,8
18,7
0,9
44,9
14,0
9,3
100,0
n
34
6
3
15
30
8
11
107
Caso III
%
31,8
5,6
2,8
14,0
28,0
7,5
10,3
100,0
Da análise do quadro XXVIII verifica-se que para o caso I, que reflecte um problema de
relacionamento
profissionais
de
saúde/paciente,
40,2%
das
respostas
foram
consideradas na categoria “ética principialista”, 23,4% na categoria “ética do cuidado”,
11,2% na categoria “ética das virtudes” e 10,3% foram respostas “mista” em que
nenhuma das categorias consideradas prevaleceu nas 3 questões.
Para o caso II, que reflecte um problema de relacionamento inter-profissionais, verifica-se
que 44,9% das respostas foram consideradas na categoria “ética profissional”, 18,7% na
categoria “ética do cuidado” e 14% foram respostas “mista” em que nenhuma das
categorias consideradas prevaleceu nas 3 questões.
Por fim para o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de
saúde, verifica-se que 31,8% das respostas foram consideradas na categoria “ética
principialista”, 28% na categoria “ética profissional”, 14% na categoria “ética casuística” e
212 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
7,5% foram respostas “mista” em que nenhuma das categorias consideradas prevaleceu
nas 3 questões.
No quadro XXIX são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,
segundo o género dos respondentes.
Quadro XXIX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o género
Caso I
Masc
Caso II
Fem
Masc
Caso III
Fem
Masc
Fem
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
Ét.principialist
11
37,9
32
41,0
1
3,4
9
11,5
6
20,7
28
35,9
Ét.virtudes
4
13,8
8
10,3
1
3,4
2
2,6
3
10,3
3
3,8
Ét.cuidado
5
17,2
20
25,6
4
13,8
16
20,5
0
0,0
3
3,8
Ét.casuística
1
3,4
6
7,7
0
0,0
1
1,3
5
17,2
10
12,8
Ét.profissional
5
17,2
2
2,6
14
48,3
34
43,6
11
37,9
19
24,4
Mista
2
6,9
9
11,5
7
24,1
8
10,3
2
6,9
6
7,7
Sem resposta
1
3,4
1
1,3
2
6,9
8
10,3
2
6,9
9
11,5
Total
29
100
78
100
29
100
78
100
29
100
78
100
Verifica-se que, para o caso I que, como foi dito, reflecte um problema de relacionamento
entre os profissionais de saúde e um paciente, 37,9% das respostas dos homens e 41%
das respostas das mulheres foram consideradas na categoria “ética principialista”; para a
categoria “ética do cuidado” foram consideradas 25,6% das respostas das mulheres e
17,2% das respostas dos homens; é ainda de referir que 17,2% das respostas dos
homens foram consideradas na categoria “ética profissional” e só 2,6% das respostas das
mulheres o foram.
Para o caso II que, como foi dito, reflecte um problema de relacionamento interprofissionais, verifica-se que 48,3% das respostas dos homens e 43,6% das respostas
das mulheres foram consideradas na categoria “ética profissional”; 20,5% das respostas
das mulheres e 13,8% das respostas dos homens foram consideradas na categoria “ética
do cuidado”; e 11,5% das respostas das mulheres foram consideradas na categoria “ética
principialista” e só 3,4% das respostas dos homens o foram.
RESULTADOS
213
Por fim, para o caso III que, como foi dito, reflecte um problema de gestão/organização
do sistema de saúde, verifica-se que 37,9% das respostas dos homens foram
consideradas na categoria “ética profissional” e 35,9% das respostas das mulheres foram
consideradas na categoria “ética principialista”; 17,2% das respostas dos homens e
12,8% das respostas das mulheres foram consideradas na categoria “ética casuística”.
No quadro XXX são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,
segundo a profissão dos respondentes.
Quadro XXX: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a profissão
Caso I
Méd
Caso II
Enf
Méd
Caso III
Enf
Méd
Enf
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
Ét.principialist
22
39,3
21
41,2
3
5,4
7
13,7
10
17,9
24
47,1
Ét.virtudes
7
12,5
5
9,8
1
1,8
2
3,9
3
5,4
3
5,9
Ét.cuidado
12
21,4
13
25,5
11
19,6
9
17,6
1
1,8
2
3,9
Ét.casuística
4
7,1
3
5,9
1
1,8
0
0,0
11
19,6
4
7,8
Ét.profissional
5
8,9
2
3,9
25
44,6
23
45,1
20
35,7
10
19,6
Mista
5
8,9
6
11,8
11
19,6
4
7,8
5
8,9
3
5,9
Sem resposta
1
1,8
1
2,0
4
7,1
6
11,8
6
10,7
5
9,8
Total
56
100
51
100
56
100
51
100
56
100
51
100
Verifica-se que para o caso I, 39,3% das respostas dos médicos e 41,2% das respostas
dos enfermeiros foram consideradas na categoria “ética principialista”; para a categoria
“ética do cuidado” foram consideradas 25,5% das respostas dos enfermeiros e 21,4% das
respostas dos médicos; é ainda de referir que 12,5% das respostas dos médicos e 9,8%
das respostas dos enfermeiros foram consideradas na categoria “ética das virtudes”.
Para o caso II, verifica-se que 44,6% das respostas dos médicos e 45,1% das respostas
dos enfermeiros foram consideradas na categoria “ética profissional”; 19,6% das
respostas dos médicos e 17,6% das respostas dos enfermeiros foram consideradas na
categoria “ética do cuidado”; e 13,7% das respostas dos enfermeiros foram consideradas
na categoria “ética principialista” e só 5,4% das respostas dos médicos o foram.
214 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Por fim, para o caso III, verifica-se que 35,7% das respostas dos médicos foram
consideradas na categoria “ética profissional” e 47,1% das respostas dos enfermeiros
foram consideradas na categoria “ética principialista”; 19,6% das respostas dos médicos
foram consideradas na categoria “ética casuística” e só 7,8% das respostas dos
enfermeiros o foram.
No quadro XXXI são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,
segundo a área de trabalho dos respondentes.
Quadro XXXI: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo a área
Caso I
Urb
Caso II
Rural
Semi
Urb
Caso III
Rural
Semi
Urb
Rural
Semi
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
É.prin
c
É.virt
2
1
4
38,
2
7,3
3
1
9
3
52,
8
8,3
3
5,5
2
5
3,6
1
13,
9
0,0
1
7
2
30,
9
3,6
5
2
12,
5
6,3
33,
3
5,6
25,
5
7,3
6
1
2
1
21,
8
1,8
6,3
7
5,5
0
0
0,0
0
0,0
0
19,
4
0,0
3
3
16,
7
8,3
1
É.cas
1
4
4
31,
3
12,
5
0,0
1
2
2
É.cuid
18,
8
31,
3
31,
3
0,0
5
9,1
3
7
É.prof
3
5,6
2
5,6
50,
0
6,3
1
5
3
41,
7
8,3
1
8
7
Sem
1
0
0,0
1
2,8
45,
5
20,
0
1,8
6
5
5
1
6
100
3
6
100
5
5
100
1
6
16,
7
100
3
Total
18,
8
100
32,
7
12,
7
5,5
4
1
2
5
1
1
1
8
8
12,
5
6,3
2
Mista
5,5
6
14,
5
1,8
19,
4
22,
2
2,8
100
5
5
0
2
1
3
0
3
6
5
5
100
2
0
2
1
6
18,
8
25,
0
0,0
12,
5
100
8
1
6
3
6
16,
7
100
Urb=Área urbana; Rural=Área rural; Semi=Área semi-rural/urbana
É.princ=Ética principialista; É.virt=Ética das virtudes; É.cuid=Ética do cuidado; É.cas=Ética
casuística; É.prof=Ética profissional
Verifica-se que para o caso I, que reflecte um problema de relacionamento entre os
profissionais de saúde e um paciente, 38,2% das respostas dos profissionais que
trabalham em área urbana e 52,8% das respostas dos profissionais que trabalham em
área semi-rural/urbana foram consideradas na categoria “ética principialista”; para os
profissionais que trabalham em área rural, embora em número mais reduzido, verifica-se
que 31,3% (n=5) das respostas foram consideradas nas categorias “ética das virtudes” e
“ética do cuidado” e só 18,8% (n=3) foram consideradas na categoria “ética principialista”.
Para o caso II, que reflecte um problema de relacionamento inter-profissionais, verifica-se
que 45,5% das respostas dos profissionais que trabalham em área urbana, 50% das
RESULTADOS
215
respostas dos profissionais que trabalham em área rural e 41,7% das respostas dos
profissionais que trabalham em área semi-rural/urbana foram consideradas na categoria
“ética profissional”; 21,8% das respostas dos profissionais que trabalham em área urbana
e 19,4% das respostas dos profissionais que trabalham em área semi-rural/urbana foram
consideradas na categoria “ética do cuidado” e só 6,3% das respostas dos profissionais
que trabalham em área rural o foram.
Por fim, para o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de
saúde, verifica-se que 32,7% das respostas dos profissionais que trabalham em área
urbana foram consideradas na categoria “ética profissional” e 31,3% das respostas dos
profissionais que trabalham em área rural e 33,3% das respostas dos profissionais que
trabalham
em
área semi-rural/urbana foram
consideradas
na categoria “ética
principialista”.
No quadro XXXII são referidas as categorias das respostas aos casos apresentados,
segundo o grupo etário dos respondentes. Por só haver 4 respostas no grupo etário dos
20 aos 29 anos foram juntas ao grupo dos 30 aos 39 anos, assim como só havia 2
respostas no grupo etário acima dos 59 anos foram juntas ao grupo dos 50 aos 59 anos,
tendo sido analisados 3 grupos etários.
216 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Quadro XXXII: Categorias das respostas aos casos apresentados, segundo o grupo etário
Caso I
< 40
Caso II
40-49
> 49
< 40
Caso III
40-49
> 49
< 40
40-49
> 49
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
n
%
É.princ
12
44,4
9
34,6
22
40,7
6
22,2
2
7,7
2
3,7
11
40,7
12
46,2
11
20,4
É.virt
2
7,4
5
19,2
5
9,3
0
0,0
2
7,7
1
1,9
4
14,8
1
3,8
1
1,9
É.cuid
6
22,2
7
26,9
12
22,2
4
14,8
5
19,2
11
20,4
1
3,7
0
0,0
2
3,7
É.cas
2
7,4
2
7,7
3
5,6
0
0,0
0
0,0
1
1,9
2
7,4
1
3,8
12
22,2
É.prof
1
3,7
1
3,8
5
9,3
10
37,0
12
46,2
26
48,1
5
18,5
6
23,1
16
35,2
Mista
3
11,1
2
7,7
6
11,1
4
14,8
2
7,7
9
16,7
1
3,7
4
15,4
3
5,6
Sem
1
3,7
0
0,0
1
1,9
3
11,1
3
11,5
4
7,4
3
11,1
2
7,7
6
11,1
Total
27
100
26
100
54
100
27
100
26
100
54
100
27
100
26
100
54
100
< 40=Idade inferior a 40 anos; 40-49=Idade compreendida entre os 40 e os 49 anos inclusive;
> 49=Idade superior a 49 anos
É.princ=Ética principialista; É.virt=Ética das virtudes; É.cuid=Ética do cuidado; É.cas=Ética
casuística; É.prof=Ética profissional
Verifica-se para o caso I, que foram consideradas na categoria “ética principialista” 44,4%
das respostas dos profissionais com menos de 40 anos, 34,6% das respostas dos
profissionais com idade entre os 40 e os 49 anos e 40,7% das respostas dos profissionais
com mais de 49 anos; na categoria “ética do cuidado” foram consideradas 22,2% das
respostas dos profissionais com menos de 40 anos, 26,9% das respostas dos
profissionais com idade entre os 40 e os 49 anos e 22,2% das respostas dos profissionais
com mais de 49 anos.
Para o caso II, foram consideradas na categoria “ética profissional” 37,0% das respostas
dos profissionais com menos de 40 anos, 46,2% das respostas dos profissionais com
idade entre os 40 e os 49 anos e 48,1% das respostas dos profissionais com mais de 49
anos; foram consideradas na categoria “ética principialista” 22,2% das respostas dos
profissionais com menos de 40 anos; e 19,2% das respostas dos profissionais com idade
entre os 40 e os 49 anos; e 20,4% das respostas dos profissionais com mais de 49 anos
foram ainda consideradas na categoria “ética do cuidado”.
Por fim, para o caso III, verifica-se que 40,7% das respostas dos profissionais com menos
de 40 anos, 46,2% das respostas dos profissionais com idade entre os 40 e os 49 anos
foram consideradas na categoria “ética principialista”; enquanto para os profissionais com
RESULTADOS
217
mais de 49 anos se verifica 35,2% das respostas serem consideradas na categoria “ética
profissional” e 22,2% das respostas serem consideradas na categoria “ética casuística”.
DISCUSSÃO
219
5. DISCUSSÃO
No capítulo anterior foram apresentados os resultados obtidos pelo presente trabalho que
tomou a forma de um estudo quantitativo e qualitativo, de tipo descritivo, situando-se no
âmbito da ética descritiva, enquanto investigação empírica, de tipo não normativo.
O estudo desenvolveu-se através da aplicação de um questionário, previamente
elaborado e testado, nos centros de saúde (CS) da Administração Regional de Saúde do
Centro (ARS-C), que previamente haviam sido aleatorizados (quadro IV, p. 172), e
decorreu entre Maio de 2007 e Abril de 2008. A recolha de dados foi bastante demorada
porque a adesão inicial, através do contacto postal para os CS, foi reduzida. No final de
Junho existiam 75 questionários correctamente preenchidos, com os quais se fez a
validação da segunda versão da escala (quadros X, XI e XII, p. 182 e 183). Mas,
passados três meses, em Outubro, existia o mesmo número de questionários, pelo que o
investigador teve de se deslocar a vários dos CS da região para motivar os profissionais
de saúde a responderem ao questionário, tendo mesmo, a partir do questionário nº 163,
desistido de pedir o preenchimento da terceira parte do mesmo, ou seja a resposta às
questões sobre os casos-problema, por se ter mostrado ser um elemento que dificultava
o preenchimento.
Infelizmente, não foi possível ao investigador ir pessoalmente a todos os CS, que tinham
sido aleatorizados para o estudo, e esta constituiu a maior alteração que o estudo sofreu,
pois transformou a amostra inicialmente aleatória numa amostra de conveniência. Este
facto compromete a possibilidade de se generalizar os dados obtidos pelo estudo a toda
a região Centro.
A aleatorização de CS tinha determinado a selecção de um total de 936 médicos de
família (MF) e 816 enfermeiros, o que representava 56% dos MF e 49% dos enfermeiros
da área geográfica de intervenção da ARS-C.
Havia a expectativa de uma taxa de resposta de cerca de 30% dos profissionais de
saúde, pelo que se esperava obter uma amostra de 525 indivíduos, com 280 MF e 245
enfermeiros.
Após todos os esforços efectuados só foi possível obter para este estudo, um total de 370
indivíduos que responderam à primeira e segunda partes do questionário, sendo 180 MF
e 190 enfermeiros, o que representa 21% dos profissionais de saúde dos CS
aleatorizados, e 70,5% da expectativa inicial. Este facto impediu o atingir da significância
220 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
estatística em alguns testes. No entanto, permite considerar os dados como preliminares
e indiciarem possíveis tendências.
Em termos de distribuição por género verifica-se que 73,5% dos respondentes ao
questionário são do sexo feminino, o que está de acordo com a informação de que os
efectivos do Ministério da Saúde são predominantemente mulheres (Martins, 2003) e de
que está a ocorrer uma feminização da medicina (Machado, 2003).
Outro dado que se pode considerar de acordo com o esperado é o facto de predominar o
grupo etário dos 50-59 anos com 43,8% dos indivíduos. Este facto confirma o alerta para
o problema de carência de médicos de família a nível dos cuidados de saúde primários,
por a curto prazo um grande número destes profissionais ir entrar na idade da reforma
(Biscaia, 2003, 2008). Aliás, a média de idades para os MF neste estudo é de 51,1 anos
e a mediana situa-se nos 52 anos, enquanto a média de idades para os enfermeiros é de
41,5 anos e a mediana situa- se nos 41 anos.
Por sub-região verifica-se que pertencem a Aveiro 16,8% dos respondentes ao
questionário, 27,6% a Castelo Branco, 25,9% a Coimbra, 10,8% à Guarda, 10,8% a Leiria
e 8,1% a Viseu. Em relação à aleatorização dos CS (quadros IV, V e VI, p. 172 e 173)
verifica-se que percentualmente as sub-regiões de Castelo Branco e Coimbra estão
sobrerepresentadas nesta amostra, Aveiro e Guarda estão devidamente representadas, e
Leiria e Viseu estão subrepresentadas. Este facto ocorreu por ter havido uma boa
participação dos profissionais dos centros de saúde de Castelo Branco e da Covilhã, e
por o investigador trabalhar na sub-região de saúde de Coimbra, pelo que teve maiores
oportunidades de motivar os profissionais desta sub-região para o estudo.
Em relação à primeira questão formulada como ponto de partida para o estudo, pela
pesquisa bibliográfica (Bagss, 1993; Dolan, 1999; Doughery, 2005) já se tinha respondido
afirmativamente, mas com os dados descritos nos quadros X e XVII (p. 182 e 200)
confirmou-se que existe suporte empírico para a validação de uma escala de atitudes
éticas dos profissionais de saúde.
Assim, e de acordo com os dados obtidos e descritos no quadro XIX (p. 201), verifica-se
que os inquiridos apresentam uma atitude de concordância face aos itens da escala,
apresentando uma média de respostas no global da escala de 3,56, com um mínimo de
2,31 e um máximo de 4,51. Recorda-se que as respostas poderiam variar entre um e
DISCUSSÃO
221
cinco, representando o valor “um” a discordância completa e o valor “cinco” a
concordância completa (em relação à afirmação feita em cada item).
No entanto, pela ponderação das dimensões estudadas verifica-se que esta atitude de
concordância se fica a dever principalmente à dimensão A (“Problemas éticos nas
relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”), com uma média
de respostas de 3,99, encontrando-se uma média bastante inferior na dimensão C
(“Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”), com
uma média de respostas de 3,14. A dimensão B (“Problemas éticos nas relações interprofissionais e inter-pares”) teve uma média de respostas de 3,54.
Pela leitura do quadro XX (p. 203) verifica-se as diferenças atrás referidas de uma forma
mais minuciosa. Enquanto, que as médias dos itens da dimensão A são, na sua maioria
(80%), superiores a 3,5 e na dimensão B são-no em 75%, na dimensão C são só em
20%. De referir ainda, que nas dimensões A e B nenhum item obteve uma média inferior
a 3,0, já na dimensão C tal aconteceu em três itens.
Daqui se pode concluir que as atitudes éticas dos profissionais de saúde de cuidados de
saúde primários foram, neste estudo, mais firmes na dimensão A (“Problemas éticos nas
relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”) do que nas
dimensões B (“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares”) e C
(“Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”).
Entende-se por mais firme a obtenção de valores superiores na avaliação feita através da
aplicação da escala.
A presente constatação está de acordo com os resultados de outros estudos empíricos
em ética realizados com médicos e enfermeiros de diferentes países, tanto a nível
hospitalar como em cuidados de saúde primários (CSP), nos quais os profissionais de
saúde apontam os seus colegas ou os membros da outra categoria profissional como
fontes de problemas éticos, muitas vezes mais importantes que os pacientes e/ou as
suas famílias (Pellegrino, 1985; Prescott, 1985; Udén, 1992; Wagner, 1996; van der
Arend, 1999; Ducati, 2001; Zoboli, 2004). Outros estudos, também referem como
problemas frequentes nos CSP a acessibilidade aos cuidados de saúde, traduzida na
demora no acesso a consultas nos CSP, e na demora na transferência/referência do
paciente para outros níveis de cuidados (Robillard, 1989; Viens, 1994; Morrow, 1997; van
der Arend, 1999; Zoboli, 2004).
222 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Pela leitura do quadro XXI (p. 204) verifica-se que as médias relativas aos médicos (3,6
na escala global, 4,0 na dimensão A, 3,6 na dimensão B e 3,17 na dimensão C) são
superiores às médias dos enfermeiros (3,5 na escala global, 3,9 na dimensão A, 3,4 na
dimensão B e 3,11 na dimensão C), mas, estas diferenças não atingem o limiar de
significância estatística, na medida em que surge um p>0,05 no teste t de Student, quer
em relação ao global da escala (p=0,06) quer em relação a cada uma das dimensões
estudadas (p=0,08 na dimensão A, p=0,054 na dimensão B e p=0,36 na dimensão C),
levando assim a aceitar a hipótese nula, ou seja, de que as atitudes éticas dos
profissionais de saúde não são influenciáveis pela profissão (médico ou enfermeiro).
Na literatura consultada temos estudos que apontam no sentido de que existem
diferenças de atitude ética entre os enfermeiros e os médicos (Robillard, 1989; GrunsteinAmado, 1992; Udén, 1992; Robertson, 1996; Richter, 2002; Hariharan, 2006), outros
estudos, tal como este, que referem que não existem diferenças (Kollemorten, 1981;
Gramelspacher, 1986; Gallagher, 1995; Rickard, 1996; Silva, 2006), e ainda outros
estudos que referem que não há diferenças no número de problemas identificados entre
médicos e enfermeiros, mas que há diferenças no tipo de problemas identificados, ou
seja estas diferenças não ocorrem em virtude de haver diferença no compromisso ou na
abordagem ética mas, em função da estrutura hierárquica da organização assistencial e
dos papéis de médicos e enfermeiras como prestadores de cuidados de saúde (Walker,
1991; Oberle e Hughes, 2001).
Assim, Helen Robillard e colaboradores (1989) num estudo realizado a uma amostra,
aleatória e estratificada, de 702 profissionais de saúde (médicos, enfermeiros,
fisioterapeutas e assistentes médicos) que trabalham em serviços de cuidados de saúde
primários no Kentuchy (EUA), ao compararem os médicos com os outros profissionais de
saúde encontram uma diferença estatisticamente significativa entre esses dois grupos no
tocante ao registo da frequência com a qual se deparam com problemas éticos. Isto
ocorreu para 28 dos 36 itens do questionário aplicado e, somente em dois deles, os
médicos reportam uma maior proporção (tratamentos desnecessários aplicados pela
preocupação de se proteger legalmente e suspensão das medidas de suporte de vida),
nos demais, o grupo dos restantes profissionais afirma encontrar os problemas,
comummente ou ocasionalmente, com mais frequência, o que poderia indicar maior
sensibilidade desses profissionais para as situações potencialmente problemáticas.
DISCUSSÃO
223
Rivka Grunstein-Amado (1992) em entrevistas a 9 enfermeiros e 9 médicos que
trabalham em unidades hospitalares de Toronto (Canadá) encontra diferenças que
sugerem uma tendência dos primeiros apresentarem uma maior sensibilidade para as
questões éticas. Também indica que ambos os grupos profissionais entendem como
importante procurar o melhor bem dos pacientes, entretanto sob perspectivas distintas,
com os enfermeiros enfatizando mais a dignidade, o conforto e os desejos destes,
enquanto que os médicos estão mais preocupados com os direitos dos pacientes e a
abordagem científica, o que implica focar mais a doença e o seu tratamento.
Giggi Udén e colaboradores (1992) entrevistaram enfermeiros e médicos dos
departamentos de Medicina Interna e Oncologia do Hospital Universitário de Tromsö
(Noruega). Ao pedirem para que os entrevistados narrassem uma situação de cuidado
que tivessem vivido na enfermaria e que fosse eticamente problemática, perceberam que
os enfermeiros tendem mais a respeitar a autonomia dos pacientes, enquanto que os
médicos se inclinam mais para o paternalismo. Estes resultados foram interpretados
como estando essencialmente ligados ao facto de as duas profissões terem tarefas
diferentes a realizar e estarem treinadas em disciplinas com focos diferentes, a
enfermagem e a medicina. Sublinham a necessidade de encontrar um quadro comum
que abranja as duas histórias profissionais.
David Robertson (1996) desenvolveu um estudo etnográfico numa enfermaria
psiquiátrica, em Inglaterra, com o objectivo de estudar empiricamente a teoria moral –
dos princípios, das virtudes e do cuidado – que de forma mais adequada descreveria as
abordagens dos enfermeiros e dos médicos no cuidado diário aos pacientes. Concluiu
que a abordagem moral dos dois grupos profissionais é diferente. As suas observações
mostraram uma coincidência entre a virtude e as concepções de beneficência baseadas
no relacionamento (um conceito elaborado pela teoria da ética do cuidado) e, embora o
compromisso com a beneficência fosse central para toda a equipa, a ocorrência deste
tipo de reflexão encontra-se mais expresso entre os enfermeiros (16 eventos) do que
entre os médicos (3 eventos).
Jörg Richter e colaboradores (2002) realizam um estudo transversal com o objectivo de
avaliar e comparar as decisões entre médicos e enfermeiros numa perspectiva multicultural no tratamento de idosos incompetentes severamente doentes. Foi estudada uma
amostra de conveniência de 192 médicos e 182 enfermeiros alemães e 104 médicos e
122 enfermeiros suecos, que responderam a um questionário. Entre 39 e 58% dos
224 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
respondentes optaram, nos diversos grupos, por opções de tratamento, que não eram
compatíveis com a vontade dos pacientes. No entanto, os enfermeiros mostraram ter um
significativo maior respeito pela vontade dos pacientes do que os médicos. As
preocupações éticas e os desejos dos pacientes apareceram como as determinantes
mais importantes nas decisões de tratamento, enquanto os custos dos cuidados, bem
como a religião dos profissionais foram de menor importância.
Seetharaman Hariharan e colaboradores (2006) fizeram um estudo, com o objectivo de
avaliar os conhecimentos, atitudes e práticas dos profissionais da saúde em relação à
ética e ao direito relacionado com os cuidados de saúde. Foi aplicado um questionário
auto-preenchido a todos os níveis de pessoal do Hospital Queen Elizabeth, em Barbados
(um hospital universitário de cuidados terciários) durante os meses de Abril e Maio de
2003. Como já foi referido, o seu artigo analisa as respostas de 159 médicos e
enfermeiros de diferentes níveis de graduação. Os médicos tiveram uma opinião mais
forte do que os enfermeiros quanto à prática da ética, tal como a adesão aos desejos dos
pacientes, a confidencialidade, o consentimento informado para os procedimentos e
tratamentos (p = 0,01). O estudo destaca a necessidade de se identificarem os
profissionais de saúde, que parecem ser indiferentes às questões éticas e jurídicas, de se
conceberem meios para os sensibilizar para estas questões e de lhes dar uma adequada
formação.
Pelo outro lado Iben Kollemorten e colaboradores (1981) num estudo, que procurou
descrever e classificar os problemas éticos significativos encontrados pelo pessoal de
saúde (médicos e enfermeiros) durante o trabalho clínico diário num departamento de
medicina de um hospital dinamarquês, referem que não foi encontrada diferença
significativa da frequência de problemas éticos entre os dois grupos. No entanto,
concluem que os resultados do estudo sugerem que uma maior atenção deve ser dada
ao debate sobre problemas éticos entre os médicos e enfermeiros.
Gregory Gramelspacher e colaboradores (1986), para identificarem o modo como os
médicos e os enfermeiros percebem os problemas éticos na prática clínica, realizaram
entrevistas com 26 enfermeiros e 24 médicos que trabalham em unidades de cuidados
intensivos no Michigan (EUA). Ambos os grupos referiram que frequentemente enfrentam
problemas éticos.
Ann Gallagher (1995) no seu artigo faz três recomendações: que se deve promover uma
ética da saúde que incorpore o que é valioso da “ética médica principialista” e da “ética
DISCUSSÃO
225
do cuidado”; que se encoraje os enfermeiros e os médicos a participarem na "partilha da
aprendizagem" e da discussão ética; e que assim como a nossa língua é comum, as
nossas preocupações éticas são comuns a todos, e não divididas em dicotomias inúteis.
Também em Portugal se antecipa que apesar das divergências existentes entre estas
duas profissões o ensino da bioética tenderá a esbater progressivamente os diferentes
backgrounds existentes na medicina e na enfermagem (Nunes(d), 2002). Em larga medida
porque independentemente da corrente ética predominante, e das tradições profissionais
envolvidas, o referencial axiológico da bioética é a eminente dignidade da pessoa
humana e a sua responsabilidade substantiva com os outros membros da comunidade
moral no quadro de uma verdadeira solidariedade ontológica (Nunes(b), 1997).
Maurice Rickard, Helga Kushe e Peter Singer (1996) desenvolveram um estudo, numa
amostra de enfermeiros e médicos de diferentes serviços de saúde australianos, com a
finalidade de descobrir se o género ou a ocupação influenciavam a abordagem, parcial ou
imparcial, formulada pelos participantes para os diversos cenários hipotéticos, com
dilemas éticos, que lhe foram apresentados. Para os autores, a parcialidade caracteriza
um aspecto central da ética do cuidado e envolve os juízos que enfatizam as ligações
pessoais e o favorecimento de terceiros, aos quais se está pessoalmente ligado,
sobretudo nas situações em que os interesses destes competem com os de outros aos
quais não se está pessoalmente ligado. Por outro lado, a abordagem imparcial baseia-se
em juízos neutros que não privilegiam ligações pessoais e reflectem uma preocupação
pelas exigências decorrentes da igualdade e responsabilidade impessoal, expressas em
termos dos direitos universais, regras e princípios. Segundo os autores, os resultados do
seu estudo surpreendem e não correspondem à expectativa que tinham de que os
enfermeiros raciocinariam mais parcialmente e os médicos mais imparcialmente. Os
resultados evidenciam que não há associação entre o tipo de abordagem e a ocupação
ou género dos inquiridos, ou seja, os enfermeiros e os médicos entrevistados são
igualmente propensos para responder parcial ou imparcialmente aos problemas éticos
propostos nas questões. Concluem, assim, que os dados não sustentam a concepção de
que a ética “parcial” do cuidado seja característica do enfermeiro e a “imparcial” da
justiça, própria do médico. Enfermeiros e médicos pensam de ambos modos, em
diferentes ocasiões.
Luana Silva, Elma Zoboli e Ana Borges (2006) realizaram um estudo exploratório para
identificar e verificar a frequência dos problemas éticos vividos por enfermeiros e médicos
226 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
no Programa de Saúde da Família em São Paulo (Brasil). Os dados foram obtidos pela
auto-aplicação de um questionário, contendo situações geradoras de problemas éticos e
uma escala de quatro pontos para medir a frequência dessas situações. Não foram
encontradas diferenças significativas entre os enfermeiros e os médicos.
Pela leitura do quadro XXII (p. 205) verificou-se que as médias relativas aos indivíduos
dos sexos masculino e feminino são semelhantes, não existindo, pelo teste t de Student,
diferenças estatisticamente significativas quer em relação ao global da escala, quer a
cada uma das suas dimensões, levando assim a aceitar a hipótese nula, ou seja, de que
as atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo sexo (masculino
ou feminino) do profissional. O que parece sugerir uma diminuição da importância relativa
da “ética do cuidado” face às outras correntes éticas, nomeadamente ao principialismo.
Na literatura consultada existe um estudo que aponta no sentido de que pode existir
diferenças de atitude ética devidas ao género (Hoffmaster, 1991) e outros estudos, tal
como este, que referem que não existem diferenças (Kollemorten, 1981; Rickard, 1996).
Barry Hoffmaster e colaboradores (1991) descrevem um estudo envolvendo 674 médicos
de família do Canadá e Estados Unidos e clínicos gerais da Inglaterra e País de Gales.
Foi enviado um questionário contendo seis casos que levantavam questões éticas. Os
médicos foram convidados a escolher o curso de acção que consideravam mais
adequado para cada caso e a referir as razões para essa decisão. Os problemas éticos
descritos envolviam entre outras questões algumas relativas à divulgação de informações
aos pacientes. Os inquiridos seleccionaram diferentes cursos de acção para os diferentes
casos. Os médicos americanos mais do que os canadianos ou britânicos optaram por
divulgar as informações aos pacientes, e os médicos que optaram mais por divulgar
essas informações eram jovens, do sexo masculino, viviam em pequenas comunidades e
sem qualquer ligação a estruturas académicas.
Por outro lado, no estudo, já descrito, de Iben Kollemorten e colaboradores (1981), que
procurou descrever e classificar os problemas éticos significativos encontrados pelo
pessoal de saúde durante o trabalho clínico diário, num departamento de medicina de um
hospital dinamarquês, refere que não foi encontrada diferença significativa da frequência
de problemas éticos entre os dois grupos (homens e mulheres).
No estudo, também já anteriormente descrito, de Maurice Rickard, Helga Kushe e Peter
Singer (1996) desenvolvido numa amostra de enfermeiros e médicos de diferentes
DISCUSSÃO
227
serviços de saúde australianos, com a finalidade de descobrir se o género ou a ocupação
influenciavam a abordagem, parcial ou imparcial, verificou-se não haver associação entre
o tipo de abordagem e o género dos inquiridos, ou seja, as mulheres e os homens
entrevistados são igualmente propensos para responder parcial ou imparcialmente aos
problemas éticos propostos nas questões. Concluem assim os autores que os dados não
sustentam a concepção de que a ética “parcial” do cuidado seja característica do género
feminino e a “imparcial” da justiça, própria do género masculino. Mulheres e homens
pensam de ambos modos, em diferentes ocasiões.
Pela leitura do quadro XXIII (p. 206) verificou-se que as médias da escala crescem à
medida que aumenta a idade, a partir do grupo etário dos 30-39 anos, para o global da
escala e para a dimensão C. Para a dimensão A esta constatação só existe a partir do
grupo etário dos 40-49 anos. E na dimensão B tal constatação não existe. Tal
crescimento é um factor marcante para a diferença de atitude, principalmente na
dimensão C da escala, na medida em que as diferenças encontradas, pelo teste f de
ANOVA, são aí estatisticamente significativas (p=0,0001).
A análise complementar “post-hoc” LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a
escala global, entre o grupo etário dos 30-39 anos e o dos 50-59 anos. O mesmo
acontece para a dimensão B, em que o grupo etário dos 30-39 anos tem diferenças
significativas (p<0,05) com o dos 20-29 anos. Para a dimensão C, existe diferenças
significativas entre o grupo dos 30-39 anos e todos os outros grupos etários. Em todos
estes casos, a atitude é menos firme para o grupo etário dos 30-39 anos. Para a
dimensão A não existem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos
etários. Verifica-se portanto, que à medida que aumenta o grupo etário, a partir dos 30-39
anos, tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de saúde,
nomeadamente para o global da escala e para a dimensão C. Sendo também mais firmes
as atitudes éticas dos profissionais de saúde do grupo etário dos 20-29 anos, excepto
para a dimensão A. O que pode querer significar, por um lado, a importância da
experiência na consolidação dos valores e, por outro, a irreverência própria da juventude.
Irreverência que tende a esbater-se ao longo dos primeiros anos de experiência
profissional.
Como já se referiu anteriormente entende-se por mais firme a obtenção de valores
superiores na avaliação feita através da aplicação da escala.
228 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Na literatura consultada foram encontrados vários estudos que, tal como este, referem
que existem diferenças de atitude ética devidas à idade (Christie, 1983; Hoffmaster, 1991;
Bremberg, 2000; Biton, 2003) e não foi encontrado nenhum estudo que referisse a não
existência de diferenças.
Ronald Christie e colaboradores (1983) descrevem um estudo realizado com professores
do Departamento de Medicina da Universidade de Ontário Ocidental (Canadá). O estudo
sugere que a disponibilidade ou não para interferir no estilo de vida das pessoas doentes
varia de acordo com as consequências para a saúde e com o comportamento que deve
ser alterado. A maioria dos inquiridos (84,3%) está preparada para influenciar a mudança
do estilo de vida de um paciente quando este configura um potencial dano para a sua
saúde. Entretanto, poucos se sentem preparados para tentar essa alteração quando a
questão envolve problemas como a interrupção de uma gravidez, contracepção
permanente, fim de um casamento, uso de drogas ilícitas ou casos extraconjugais,
situação em que 86% dos entrevistados afirma que dificilmente interferiria. Excepção
deve ser feita aos médicos mais velhos, que além de mais propensos a coagir os
pacientes a aceitarem um plano de tratamento ou um internamento, também tendem
mais a tentar alterar o estilo de vida dos pacientes no que diz respeito a práticas sexuais,
casos extraconjugais e uso de drogas ilícitas.
No estudo, já antes descrito, em que Barry Hoffmaster e colaboradores (1991) enviaram
um questionário contendo seis casos que levantavam questões éticas a médicos de
família do Canadá e Estados Unidos e a clínicos gerais da Inglaterra e País de Gales. Os
problemas éticos envolviam questões quanto à divulgação de informações aos pacientes,
quanto a um médico interferir nos estilos de vida dos seus pacientes, e quanto a lidar
com um possível problema familiar. Os inquiridos seleccionaram diferentes cursos de
acção para os casos. Os médicos americanos, mais do que os canadianos ou britânicos,
optaram por divulgar as informações aos pacientes; enquanto que principalmente não
queriam interferir nos estilos de vida dos pacientes. Os médicos que optaram por divulgar
as informações aos pacientes eram mais jovens, do sexo masculino, viviam em pequenas
comunidades e sem qualquer ligação a estruturas académicas. Os médicos que
preferiram não interferir nas questões de estilos de vida dos pacientes eram, igualmente,
mais jovens, ligados a igrejas e trabalhavam em grupo em pequenas comunidades.
Stefan Bremberg e Tore Nilstin (2000) descrevem um estudo que teve como objectivo
identificar e discutir como os clínicos gerais lidam com as situações em que existe uma
DISCUSSÃO
229
possível tensão entre a obrigação de respeitar o direito do paciente à auto-determinação
e a obrigação de promover a sua saúde. 120 clínicos gerais suecos, seleccionados
aleatoriamente, receberam um questionário enviado pelo correio com dois casos, um
descrevendo uma paciente relutante em consentir uma intervenção médica clinicamente
justificada, o outro descrevendo uma paciente solicitando uma intervenção médica
clinicamente duvidosa. 47 desses clínicos gerais foram posteriormente entrevistadas pelo
telefone. No que diz respeito ao primeiro caso, aproximadamente dois terços das
respostas ao questionário (n = 82) foram no sentido de não aceitar a relutância da
paciente. Os clínicos gerais mais velhos mostraram-se um pouco mais inclinados para
tentarem convencer a paciente do que os colegas mais jovens. Na entrevista, a maioria
dos inquiridos respondeu que deveria ser dada prioridade ao direito à auto-determinação,
mas que a obrigação de promover a saúde tinha uma grande influência no seu
comportamento. Quanto ao segundo caso, também dois terços das respostas ao
questionário foram no sentido de não dar seguimento ao pedido da paciente. Os clínicos
gerais mais jovens responderam “Não” com mais frequência do que os seus colegas mais
velhos. Nas entrevistas telefónicas justificaram as suas respostas referindo que os
médicos devem beneficiar os pacientes, que a situação era desconfortável, mas que se
deve proteger, ser justos. Quando confrontados com estes conflitos da prática quotidiana,
os códigos éticos da medicina são demasiado categoriais para darem qualquer
orientação. A situação ideal e mais útil seria tentar uma aliança, o que deve ser
enfatizado pelos professores de medicina, bem como pelos tutores mais velhos. Trata-se,
obviamente, de uma postura paternalista difícil de aceitar qualquer que seja a corrente
ética em causa. Desde logo porque quando se alega que a promoção da saúde tem
preponderância sobre a autodeterminação do doente assume-se uma visão reducionista
do conceito de saúde, distanciado das modernas correntes neste domínio que defendem
uma situação de pleno bem-estar a nível físico, psicológico e social (Nunes(c), 2007,
Nunes(d), 2007).
Vered Biton e Nili Tabak (2003) descrevem um estudo utilizando um questionário
estruturado para medir a percepção dos enfermeiros em relação à sua capacidade de
seguir o código ético num grande hospital de Israel. O questionário incidiu sobre questões
éticas do código de enfermagem. Os resultados obtidos apoiam a hipótese de que a
deficiência ética não se correlaciona directamente com a satisfação profissional dos
enfermeiros. A variável demográfica idade demonstrou exercer algum efeito na
percepção da capacidade do próprio em seguir o código ético.
230 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Pela leitura do quadro XXIV (p. 207) verifica-se que, assim como acontece com a idade,
era esperado que também aqui as médias da escala crescessem à medida que aumenta
o número de anos de profissão, a partir do grupo dos 5-14 anos de profissão, para o
global e para todas as dimensões. No entanto, o grupo de < 5 anos de profissão tem
médias da escala superiores às do grupo dos 5-14 anos. Tal crescimento é um factor
marcante para a atitude, principalmente para a escala global e para as dimensões B e C,
na medida em que as diferenças encontradas são, pelo teste f de ANOVA,
estatisticamente significativas (p<0,05). Ou seja, à medida que aumenta o número de
anos de profissão, a partir dos 5-14 anos, tornam-se mais firmes as atitudes éticas dos
profissionais de saúde. Sendo também mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de
saúde com < 5 anos de profissão.
Também aqui a análise complementar “post-hoc” LSD revela diferenças significativas
(p<0,05) para a escala global, entre o grupo dos 5-14 anos de profissão e todos os outros
grupos. O mesmo acontecendo para a dimensão C, em que o grupo dos 5-14 anos tem
diferenças significativas (p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo
dos <5 anos de profissão. Para a dimensão B, é o grupo dos <5 anos que tem diferenças
significativas (p<0,05) com todos os outros grupos com a excepção do grupo dos >34
anos de profissão. Em todos estes casos, a atitude é menos firme para o grupo dos 5-14
anos de profissão. Para a dimensão A não existem diferenças estatisticamente
significativas entre grupos.
Toda esta informação corrobora o que já foi dito acerca das diferenças em função do
grupo etário dos profissionais de saúde. Em ambas as situações verifica-se que as
diferenças observadas são mais significativas para o global da escala e para as
dimensões B e C, não o sendo para a dimensão A, que se refere aos “Problemas éticos
nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”. Estes dados
corroboram o que já se disse anteriormente de que, neste estudo, as atitudes éticas dos
profissionais de saúde de cuidados de saúde primários foram mais firmes na dimensão A
(“Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas
famílias”) do que nas dimensões B (“Problemas éticos nas relações inter-profissionais e
inter-pares”) e C (“Problemas éticos na gestão/organização do centro de saúde/sistema
de saúde”).
Pela leitura do quadro XXV (p. 208) verifica-se que existem diferenças, pelo teste f de
ANOVA, altamente significativas (p<0,001) entre as médias da escala e a sub-região de
DISCUSSÃO
231
saúde a que pertencem os profissionais de saúde. Estas diferenças verificam-se quer
para a escala global, quer para cada uma das três dimensões estudadas.
A análise complementar “post-hoc” LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a
escala global, entre a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões. O
mesmo acontece entre a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras sub-regiões.
Acontece ainda o mesmo para a dimensão C, em que as sub-regiões de saúde de Viseu
e Aveiro têm diferenças significativas (p<0,05) relativamente a todas as outras subregiões, excepto entre si. Para esta dimensão também se verificam diferenças
significativas (p<0,05) entre a sub-região de saúde de Coimbra e a de Leiria e entre a
sub-região de saúde da Guarda e a de Leiria. Para a dimensão B, volta a verificar-se
diferenças significativas (p<0,05) entre a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras
sub-regiões. O mesmo acontece entre a sub-região de saúde de Aveiro e todas as outras
sub-regiões. Para a dimensão A só existem diferenças estatisticamente significativas
(p<0,05) entre a sub-região de saúde de Viseu e todas as outras sub-regiões e entre a
sub-região de saúde de Coimbra e a de Castelo Branco.
Concluindo, pelo presente estudo constata-se que as atitudes éticas dos profissionais de
saúde parecem ser mais firmes nas sub-regiões de saúde de Viseu e Aveiro e menos
firmes nas sub-regiões de saúde de Leiria e Castelo Branco.
Relembra-se que se entende por mais firme a obtenção de valores superiores na
avaliação feita através da aplicação da escala.
Face a este resultado que se considera inesperado face ao número de sujeitos em
estudo, que aliás não permitiu o atingir da significância estatística na questão relativa às
atitudes éticas dos inquiridos segundo a profissão dos profissionais de saúde, levanta-se
a questão de se poder estar perante culturas organizativas distintas.
Na verdade verifica-se que as sub-regiões de saúde de âmbito distrital foram
continuadoras, desde 1993, das anteriores administrações regionais de saúde que já
descendiam, desde 1982, das iniciais administrações distritais dos serviços médicosociais, criadas em 1974 aquando da transferência dos serviços médico-sociais da
Previdência para a Secretaria de Estado da Saúde (Simões, 2004). Portanto, eram uma
estrutura organizativa com mais de 30 anos, e que acabaram de ser extintas com a
entrada em funcionamento dos novos agrupamentos de centros de saúde (ACES) a 1 de
232 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Março de 2009 (Dec-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro; Portaria nº 274/2009, de 18 de
Março).
Cada administração distrital dos serviços médico-sociais, criadas em 1974 em pleno
processo revolucionário, desenvolveu-se com total autonomia, que foi alargada com a
sua transformação em administrações regionais de saúde em 1982, pelo que cada subregião herdeira destas administrações tem uma história e cultura muito próprias, o que
talvez explique as diferenças encontradas neste estudo.
A reflexão ética no âmbito das organizações implica a existência de certas condições,
sendo que a principal é a própria “comunidade moral” da organização, isto é, o conjunto
de normas morais comuns aos seus membros, porque as organizações mais não são do
que a complexa articulação de interesses individuais que perseguem objectivos comuns.
Mas devem fazê-lo respeitando a dignidade do cidadão e os seus direitos fundamentais
(Brandão, 2004).
A cultura organizacional surge: quando existe uma partilha de valores e crenças; um
quadro de referência da acção colectiva; e um sistema de ideias resultantes: da história
da organização; da definição das situações pelos agentes dominantes; da interpretação
cumulativa, por parte dos intervenientes; e do sentido das acções contínuas e recíprocas
(Neves(c), 2002).
As práticas éticas desenvolvem-se a nível organizacional quando há: regras de jogo
claras; práticas equitativas; remunerações justas; partilha do sucesso; cumprimento dos
compromissos; e responsabilidade social (Neves(c), 2002).
Face aos considerandos expostos e pelos dados obtidos através do presente estudo
pode-se afirmar que as práticas éticas a nível das sub-regiões de saúde de Viseu e
Aveiro eram mais firmes do que as das restantes sub-regiões da Região Centro.
Pela leitura do quadro XXVI (p. 209) verifica-se que só existem diferenças, pelo teste f de
ANOVA, estatisticamente significativas (p<0,05) entre as médias da escala e a área
laboral a que pertencem os profissionais de saúde para a dimensão A. Para a escala
global e para as outras duas dimensões estudadas não existem diferenças
estatisticamente significativas entre as respectivas médias. Ou seja, as atitudes éticas
dos profissionais de saúde são mais firmes para a dimensão A (“Problemas éticos nas
DISCUSSÃO
233
relações dos profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias”) nos que
trabalham em área urbana.
A análise complementar “post-hoc” LSD revela diferenças significativas (p<0,05) para a
dimensão A, entre a área urbana e todas as outras áreas. O mesmo acontecendo para a
dimensão C entre todas as outras áreas e a área rural.
Já o estudo anteriormente descrito de Barry Hoffmaster e colaboradores (1991) refere a
existência de diferença nas atitudes éticas dos profissionais de saúde em função da área
geográfica em que trabalham.
Nurit Wagner e Ilana Ronen, (1996) descrevem um estudo realizado em Israel, durante
os anos de 1993 e 1994, com 506 enfermeiros que trabalhavam a nível hospitalar e
outros 239 que actuavam na comunidade, em centros de enfermagem comunitária ou em
serviços de saúde pública, indica que há diferenças entre os tipos de problemas
enfrentados nestes dois grupos. Através de um questionário auto-aplicado, cada
enfermeiro deveria indicar se, nos últimos doze meses, havia ou não vivenciado alguma
das 39 situações, potencialmente geradoras de problemas éticos, ali descritas, e
abrangendo as esferas clínico/profissional, administrativa e interpessoal. Os resultados
mostram que em todas as áreas, excepto nas questões relativas à informação e
confidencialidade, havia diferenças segundo o local de trabalho, sendo que no ambiente
hospitalar os enfermeiros são expostos a um leque mais variado de problemas éticos. A
análise de regressão efectuada para verificar possíveis associações entre as
características demográficas e profissionais dos sujeitos e as diferentes situações
geradoras de problemas éticos revela que esta só ocorre para a variável “cenário”:
hospital versus a comunidade, deixando claro que as diferenças devem estar
relacionadas com as particularidades de cada cenário. Ainda comparando os enfermeiros
dos centros de enfermagem comunitária com os que actuam nos serviços de saúde
pública, mais voltados para acções de prevenção, os últimos encontram menos
problemas éticos do que os primeiros.
Considerando agora as respostas ao questionário e a análise item a item (quadro XX, p.
203) verifica-se que o item P1 (“Procuro a melhor estratégia de esclarecimento do meu
paciente”) é o mais bem pontuado, com uma média de 4,64, e um dos que apresenta
menor dispersão nas respostas, com um desvio-padrão de 0,610. Este item, assim como
o item P2 (“Discuto com o meu paciente a sua situação clínica”), com uma média de 4,30
e um desvio-padrão de 0,663, e o item P3 (“Aceito a recusa do meu paciente às minhas
234 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
indicações clínicas”), com 3,71 de média e 0,839 de desvio-padrão, são relacionáveis
com o princípio do respeito pela autonomia (Beauchamp, 2001) do paciente e são dos
mais bem pontuados no questionário. Pode-se concluir que se constata que as atitudes
éticas dos profissionais de saúde são firmes no respeito pela autonomia dos pacientes.
Recorda-se que entendemos por mais firme a obtenção de valores superiores na
avaliação feita através da aplicação da escala.
No entanto, a recusa de tratamento ocorre com frequência nos cuidados de saúde
primários (CSP) e inclui uma ampla variedade de situações, desde medidas de
prevenção da saúde como vacinação, citologia do colo do útero, mamografia de rastreio,
até exames auxiliares de diagnóstico, prescrições e tratamentos. Dentre os factores
explicativos para esta situação merece destaque um maior controle por parte do paciente
que, ao ser capaz de exercer a sua liberdade de escolha, se apresenta, em certa medida,
mais imune à intimidação imposta pela gravidade da doença e à competência dos
profissionais, que é própria do ambiente hospitalar. Além disso, tem mais oportunidades
para mudar de ideia, mesmo com o tratamento já em curso. Isto confere uma grande
importância ao relacionamento com a equipa de saúde, devendo-se proporcionar, através
de uma boa comunicação, espaço para que o paciente seja compreendido na sua
singularidade, com a sua história única, as suas reacções próprias, crenças, costumes,
preferências, decisões e com os seus aspectos divergentes a poderem ser abertamente
discutidos. Além disso, o paciente precisa compreender o que a equipa de saúde indica e
porquê, pois isto também contribui para formar uma recusa livre e esclarecida (Brody,
1989; Connelly, 1998, 2000).
Quando o paciente recusa uma intervenção que lhe é proposta, quer seja uma consulta,
um procedimento diagnóstico ou uma terapêutica, o profissional de saúde vê-se
confrontado com um conflito entre a sua avaliação e os desejos do paciente, o que lhe
pode causar incompreensão, frustração e desinteresse, especialmente se a escolha do
paciente lhe parecer irracional. A equipa de saúde pode não compreender as razões do
paciente para a sua recusa e não ser capaz de a aceitar.
No entanto, a atitude das equipas deverá ir ao encontro das recomendações de Julia
Connelly (1998) para a tomada de decisão dos profissionais de saúde dos CSP. Alerta a
autora que estes devem explorar a recusa do paciente, incluindo as possibilidades
emocionais, como o medo ou a ansiedade sobre os procedimentos prescritos. Os
profissionais de saúde devem ter a habilidade para encorajar o paciente a contar a sua
DISCUSSÃO
235
história, conduzindo a interacção para uma relação aberta, lançando mão de perguntas
abertas, como “fale-me da sua dor nas costas” em vez de “quando é que a sua dor nas
costas começou?”. Outra característica chave desta abordagem, é ouvir activamente para
que, quem conta e quem ouve, possam esclarecer, discutir e descrever repetidamente a
história, com vista a aperfeiçoar a informação. A tomada de decisão esclarecida virá
desse tipo de discussão que possibilita uma resolução bem ponderada e cuidadosa. É
evidente que isto é impossível sem competências de comunicação por parte dos
profissionais de saúde, para poderem compreender os seus pacientes e/ou as suas
famílias.
Neste aspecto, pode-se recordar a observação de Albert Jonsen e colaboradores (1999)
acerca da pobreza dos métodos de comunicação dos profissionais de saúde e dos
poucos esforços que se têm desenvolvido para ultrapassar as barreiras da compreensão.
Também é oportuno mencionar que os resultados do estudo de Kathleen Oberle e
Dorothy Hughes (2001) em relação às percepções de médicos e enfermeiros sobre os
problemas éticos do final da vida apontam a comunicação como um tema distinto que
perpassa os temas contextuais encontrados e, consequentemente, uma comunicação
efectiva é apresentada como solução para muitos dos problemas éticos que enfrentam,
tanto na relação entre os profissionais como com os pacientes e as famílias.
Não é raro, os profissionais de saúde questionarem a competência dos pacientes para
decidir, ou compreender as informações que lhes são transmitidas, quando estes
recusam as intervenções propostas, particularmente se o tratamento for para uma
doença que ameaça a vida. Normalmente, os profissionais de saúde reagem com uma
tentativa agressiva de os convencer da necessidade do tratamento. Parece, pois, que
tanto médicos como enfermeiros devem aprender a estar atentos às suas próprias
atitudes e valores e serem cautelosos para não os impor aos pacientes e/ou famílias de
quem tratam, estando devidamente preparados para aceitar a vontade destes, ainda que
esta não esteja de acordo com a sua própria opinião. Da mesma forma, o não aceitar
qualquer pedido de intervenção sem uma explicação ou negociação pode comprometer a
liberdade do paciente, levar à desumanização dos cuidados, além de consistir num
desrespeito pela autonomia das pessoas (Searight, 1994; Doukas, 1996; Richter, 2000).
Parece então claro que a recusa de indicações médicas consiste num problema comum
nos CSP, representando um desafio para os profissionais de saúde. Independentemente
das consequências, antes de aceitar ou recusar a opção do paciente, a equipa de saúde
236 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
deve rever a interacção entre ambos a fim de garantir que a recusa seja informada e
esclarecida, avaliando os aspectos relativos à quantidade e qualidade da informação
dada, à compreensão pelo paciente das consequências da recusa, à sua competência
para decidir e liberdade para efectuar uma escolha voluntária. Além disto, procurar
reconhecer quais são as razões para a recusa ajuda frequentemente os profissionais de
saúde a localizar a situação no contexto das singularidades do paciente e da sua família,
compreendendo-os melhor. Algumas circunstâncias específicas podem influenciar a
decisão, como as crenças religiosas, culturais ou o estado mental do paciente. Quanto
maior o risco ou piores as consequências da recusa, maior é o desafio para os
profissionais de saúde decidirem se aceitam ou não a recusa do paciente (Connelly,
2000). Porém, não restam dúvidas de que o consenso internacional nesta matéria é o de
respeitar a vontade do doente, mesmo que ela pareça irracional à luz da boa prática
clínica (UNESCO, 2005). Em Portugal, tal como noutros países desenvolvidos, um
exemplo da preponderância do direito à recusa informada de tratamento é a legalização
das directivas antecipadas de vontade, através das quais o doente prospectivamente
recusa um tratamento, nomeadamente quando é por ele considerado como fútil e
desproporcionado (Nunes(c), 2009).
Já o estudo realizado por Diane Viens (1994) com um grupo de enfermeiros que
trabalhavam nos CSP, em cidades do oeste norte-americano, indicava que o
relacionamento com o paciente tinha um significado importante para estes profissionais,
tornando-se mais significativo na medida em que o contacto perdurava ao longo do
tempo ou quando o paciente apresentava necessidades prementes.
O item P4 (“Não interfiro no estilo de vida do meu paciente”), com uma média de 4,17 e
um desvio-padrão de 0,644, foi o 6º mais bem pontuado da escala, reafirmando a atitude
ética de respeito pela autonomia do paciente dos profissionais de saúde estudados.
Mas, já se descreveu no estudo de Ronald Christie e colaboradores (1983), realizado
com professores do Departamento de Medicina da Universidade de Ontário Ocidental
(Canadá), que a disponibilidade ou não para interferir no estilo de vida das pessoas
doentes varia de acordo com as consequências para a saúde e com o comportamento
que deve ser alterado. A maioria dos inquiridos afirmou-se preparada para tentar mudar o
estilo de vida de um paciente quando este configura um potencial dano para a sua saúde.
Mas, poucos se sentem preparados para tentar essa alteração quando a questão envolve
DISCUSSÃO
237
problemas como a interrupção de uma gravidez, contracepção permanente, fim de um
casamento, uso de drogas ilícitas ou casos extraconjugais.
No também já descrito estudo de Barry Hoffmaster e colaboradores (1991), que envolveu
médicos de família do Canadá e Estados Unidos e clínicos gerais da Inglaterra e País de
Gales. Alguns dos casos apresentados referiam-se a quanto um médico pode interferir
nos estilos de vida dos seus pacientes. Os médicos britânicos mais do que os canadianos
ou americanos não queriam interferir nos estilos de vida dos pacientes.
Os limites da interferência dos profissionais de saúde no estilo de vida dos pacientes e
das suas famílias, ou em que medida os profissionais de saúde podem ser directivos
acerca das opções terapêuticas e das mudanças de estilo de vida constitui, segundo
Howard Brody (1983), um tema central das questões éticas envolvidas na medicina
familiar. De acordo com o autor, uma forma peculiar de coerção pode ser exercida pelos
profissionais de saúde, especialmente pelos médicos, quando estes, com base na sua
autoridade científica, manipulam o paciente através de apresentações distorcidas de
dados, opções ou informações. Quando o profissional descreve as alternativas de acção
de uma maneira neutra de valores, permitindo que o paciente faça a sua opção, a
coerção não acontece. Porém, sabe-se que uma comunicação com tal neutralidade é
impossível na prática, e o mais frequente é o profissional de saúde explicar ao paciente
as várias opções, tentando persuadi-lo a aceitar a que, na sua opinião, melhor o
beneficia.
Ine Gremmen (1999) num estudo que busca conhecer as considerações éticas de
enfermeiros de família na Holanda, os entrevistados ponderam que têm que se adaptar
ao estilo de vida do paciente para minimizar as consequências negativas dos aspectos
intrusivos, inevitáveis do seu trabalho. Assim, frente a uma divergência de opiniões com o
paciente ou a sua família, devem tentar chegar a um acordo, imediatamente ou no futuro,
através da explicação das consequências do decurso da acção escolhida pelo paciente e
das razões pelas quais o enfermeiro escolhe outra alternativa. Devem ser capazes de dar
sugestões sem pressionar, tentando ganhar a confiança do paciente para que ele possa
manifestar as suas objecções, medos ou preocupações e ouvindo-o atentamente, dar
informação e apoio quando ele quiser novamente discutir a questão.
O item P5 (“Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente”) foi
retirado da escala por apresentar valores negativos na correlação com o total da escala e
assim reduzir o Alpha de Cronbach (quadro X, p. 182).
238 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
No entanto, o ter ideias pré-concebidas na relação clínica com os pacientes é frequente.
A influência de critérios, como idade, género, responsabilidade social, condição
económica e, especialmente, estilos de vida não aceites socialmente, sobre as decisões
clínicas e a micro-alocação de recursos de saúde têm sido abordadas em diferentes
estudos, realizados em distintos países. Albert Jonsen e colaboradores (1999) referem
vários estudos, efectuados nos EUA, em que um número significativo de médicos
marginaliza os homossexuais, demonstrando menos vontade em os atender. Também
referem várias discriminações em relação ao género, com os médicos do sexo masculino
a desvalorizarem as queixas das mulheres.
Neste sentido, os autores (Jonsen, 1999) ponderam que os profissionais de saúde têm as
suas crenças e valores que podem conduzi-los a julgamentos pré-concebidos e
discriminatórios em relação a algumas pessoas ou grupos sociais, afectando, deste
modo, as suas decisões clínicas. Porém, são contundentes ao afirmar que não é
prerrogativa dos profissionais de saúde fazerem esses julgamentos no contexto dos
cuidados de saúde, pois todos devem ser atendidos em função das suas necessidades e
não do seu valor ou mérito social. No entanto, alertam que actualmente estes
preconceitos podem ser menos explícitos, mas não menos perigosos e que devem ser
identificados para poderem ser eliminados da decisão clínica.
Mas ver-se numa situação de ideia pré-concebida em relação ao paciente também pode
gerar insatisfação e desconforto nos profissionais de saúde. Os resultados do estudo com
enfermeiros que actuam nos cuidados primários de saúde, nos EUA, mostra que a noção
de respeito pelas pessoas inclui, além das questões relativas à autonomia e
reciprocidade, o “não julgar” (Viens, 1994).
O item P6 (“Respeito os valores religiosos do meu paciente”), com uma média de 4,63 e
um desvio-padrão de 0,604, foi o 2º mais bem pontuado da escala e o que apresentou a
menor dispersão de resultados, assegurando o valor do respeito pelos valores religiosos
dos pacientes pelos profissionais dos cuidados de saúde primários.
No entanto, certas seitas religiosas impõem aos seus membros crenças sobre saúde,
doença e tratamentos, influenciando as preferências dos pacientes. Por vezes, essas
crenças são subtis e passam despercebidas aos profissionais de saúde, gerando mal
entendidos que se podem agravar se houver barreiras na comunicação. Os conflitos
habitualmente surgem quando as crenças religiosas ou culturais motivam a recusa de
DISCUSSÃO
239
cuidados médicos, especialmente quando estes são importantes ou podem salvar a vida
da pessoa (Connelly, 2000).
Albert Jonsen e colaboradores (1999) além de considerarem que tais escolhas podem ser
imprudentes ou perigosas, ponderam que o desconhecimento das crenças e costumes
dos pacientes por parte dos profissionais de saúde pode levá-los a questionar a
capacidade do consentimento dos pacientes e suas famílias. Entretanto, o simples facto
de aderir a uma religião pouco comum, por si só, não constitui evidência de incapacidade
para o consentimento. Na ausência de sinais clínicos de incapacidade para o
consentimento, tais pessoas devem ser consideradas como competentes para escolher.
Na medida do possível, através de uma negociação, o profissional de saúde e o paciente
devem descobrir objectivos comuns e estabelecer uma estratégia mutuamente aceite
para os atingir.
O item P7 (“Discuto com o meu paciente a sua solicitação de procedimentos”) apresenta
uma média de 4,14 e um desvio-padrão de 0,745.
Acerca deste item, é oportuno referir que no estudo de Helen Robillard e colaboradores
(1989), também realizado no ambiente dos CSP, a solicitação de procedimentos pelo
paciente foi percebida como um problema ético frequente, tanto pelos médicos como
pelos restantes profissionais de saúde. À primeira vista parece que os pacientes têm o
direito de solicitar os tratamentos e os testes que autonomamente consideram ser-lhes
úteis, entretanto, talvez este não seja o ponto fulcral já que, como afirma Allan Brett
(2000), na maioria dos casos, os pedidos dos pacientes poderiam ser discutidos com
maior naturalidade, se a prática de partilhar a tomada de decisão norteasse o encontro
que se estabelece entre estes e os profissionais de saúde.
Mas, como ponderam Albert Jonsen e colaboradores (1999) a autoridade das
“preferências do paciente” não é ilimitada, sendo as obrigações éticas dos profissionais
de saúde definidas pelos objectivos da intervenção proposta e os desejos dos pacientes.
O profissional de saúde não está obrigado a realizar actos que ultrapassem ou sejam
contraditórios com os objectivos da medicina, mesmo que o paciente o solicite. Por outras
palavras, os autores defendem que os pacientes não têm o direito de pedir aos
profissionais de saúde que procedam a actos que estejam contra-indicados, sejam
desnecessários, pouco “ortodoxos”, ilegais ou eticamente inadequados. Os profissionais
de saúde não podem efectuar procedimentos diagnósticos e/ou terapêuticos sem o
240 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
consentimento do paciente ou do seu representante legal, quando for o caso, mas podem
abster-se de actos que considerem técnica ou eticamente errados.
Parece pertinente para o caso em apreço a recomendação, que fazem David Doukas e
Laurence McCullough (1996), para que os profissionais dos CSP explorem as
solicitações dos pacientes, verificando se há crenças resultantes de informações
distorcidas que possam ser corrigidas por acções de educação para a saúde e
averiguando se existem outras preocupações, histórias e valores a fim de, com o
paciente, trabalhar a possibilidade de outras alternativas, além da que está sendo pedida.
Ainda para situações como esta, Allan Brett (2000) afirma que, ocasionalmente, os
benefícios de renovar a confiança do paciente que está em dúvida sobre o seu
diagnóstico pode justificar a realização de exames mesmo que desnecessários e mesmo
que onerando o sistema de saúde. Esta visão parece centrar-se muito no âmbito
individual e tecnicista, valorizando excessivamente o direito à livre escolha que
caracteriza a sociedade americana. Mas, uma visão que vise a capacitação e a promoção
da cidadania dos pacientes, além do seu empoderamento nas questões relacionadas
com a sua saúde, e procure conseguir uma maior capacitação dos indivíduos, famílias e
comunidades é um elemento determinante no sucesso dos cuidados de saúde primários
(Sousa, 2007). Assim, ter-se-á que ponderar a recusa de procedimentos desnecessários
em nome de uma justa distribuição dos recursos escassos como eticamente justa, e os
argumentos a usar para justificar que não se deve ludibriar o sistema, não dizem respeito
única e simplesmente aos resultados ou às consequências indesejáveis: ofendem a
veracidade; ofendem a justiça contratual; e ofendem a justiça distributiva/equidade. Um
benefício a curto termo é, para muitos eticistas, um malefício a longo prazo (Santos,
2008). Logo no processo de co-decisão, aplicando o modelo centrado no paciente
(beneficência com confiança), seria desejável que paciente e médico incluíssem nas suas
considerações o uso apropriado dos recursos sociais (Lourenço, 2008), e procurassem
outras formas de apoiar o doente no processo de enfrentar a sua condição patológica que
ultrapasse a esfera do biológico e a mera realização de procedimentos médicos.
E, como argumenta Susan Duncan (1992) ao discutir os desafios éticos da prática da
enfermagem comunitária em Bristish Columbia (Canadá), a defesa e o desenvolvimento
da comunidade requerem que os enfermeiros que actuam nos cuidados de saúde
primários se centrem nas condições que determinam a saúde, encontrando maneiras de
fortalecer as habilidades dos pacientes para assegurarem os seus direitos e avaliarem a
DISCUSSÃO
241
qualidade dos serviços. Na opinião da autora, o aumento da participação dos pacientes
no seu cuidado, tanto no âmbito individual como no planeamento da saúde da
comunidade, aumentaria a resposta do sistema de saúde às necessidades dos pacientes,
principalmente para os que estão em situação de alto risco.
O item P8 (“Avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem
a autorização dos seus pais ou tutores”) apresenta uma média de 3,41 e um desviopadrão de 1,193.
A solicitação de procedimentos por pacientes menores de idade sem autorização ou
conhecimento dos pais ou tutores tem implicações éticas e legais.
Como afirmam Lainie Ross e John Lantos (2000), com base nos aspectos legais, até
recentemente era assumido que as crianças eram incompetentes para decidir, cabendo
exclusivamente considerar as escolhas dos seus pais ou tutores. Entretanto,
actualmente, já são comuns os movimentos para que se reconheça a competência da
criança para decidir em algumas situações, argumentando-se que às psicologicamente
mais maduras, e especialmente aos adolescentes, seja permitido fazerem as suas
próprias escolhas sem a permissão ou o conhecimento dos seus pais, nomeadamente na
área da sexualidade e contracepção. Há quem contra argumente, afirmando que a
competência por si só não é o único factor a determinar a participação da criança no
processo de tomada de decisão nas questões relativas à sua saúde. Estes defendem que
os pais têm o direito moral de exercer um papel determinante ou mesmo exclusivo nas
decisões sobre os cuidados de saúde aos seus filhos, acreditando que estes sempre
agirão no melhor interesse da criança e o que decidirem será bom para ela, para os pais
e para a sociedade.
Muitos profissionais optam por um caminho entre estes dois extremos e tentam incluir as
crianças, quando possível e da maneira que lhes pareça mais praticável para a decisão.
O direito da criança de participar nas decisões aumenta na medida em que
psicologicamente amadurece e desenvolve a sua capacidade de compreensão e de
análise da informação que necessita para decidir. Entretanto, quanto mais graves forem
as consequências da decisão, mais os profissionais de saúde devem tender a seguir a
opinião dos pais quando esta difere das da criança (Ross, 2000).
242 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
O item P9 (“Não partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa
à intimidade da vida familiar e conjugal do meu paciente”) apresenta uma média de 3,48
e um desvio-padrão de 1,117.
A privacidade constitui um mecanismo de regulação do relacionamento entre os
profissionais de saúde e os pacientes, que pode facilitar o estabelecimento da mútua
confiança necessária ao desenvolvimento do trabalho. Parece que isto pode assumir
especial importância nos CSP devido à relação pessoal e familiar que existe neste nível
de cuidados de saúde. Além do mais, os cuidados à família propiciam à equipa de saúde
o acesso a informações mais íntimas, o que chega a ser reconhecido por muitos como
um problema ético (Zoboli, 2004).
Do direito que o paciente tem à privacidade decorre o dever de todos os integrantes da
equipa manterem segredo. Como afirma Amir Halevy (2000), sem a garantia da
confidencialidade, na maioria das circunstâncias, o paciente não se sentiria à vontade
para revelar à equipa de saúde informações relevantes, mas que são potencialmente
embaraçosas, ou não teria mesmo confiança para comparecer às consultas e
tratamentos com vista ao seu cuidado.
São sigilosas não somente as informações reveladas confidencialmente, mas todas as
que os profissionais de saúde conhecem no exercício da sua actividade, seja na
entrevista de enfermagem, na história clínica, no exame físico, na realização de exames
complementares, ou em outros testes de rastreio e/ou diagnóstico, e ainda nas visitas
domiciliárias.
Alguns estudos realizados com profissionais de saúde e utentes de serviços de cuidados
de saúde primários na Austrália, nos Estados Unidos e na Inglaterra também apontam a
manutenção da confidencialidade como um problema ético frequente para o quotidiano
dos profissionais de saúde que actuam no âmbito dos CSP (Robillard, 1989; Viens, 1994;
Carman, 1995; Braunack-Mayer, 2001).
David Carman e Nicky Britten (1995) descrevem um estudo desenvolvido, numa área
semi-rural inglesa de 12.000 habitantes, com 39 utentes de seis clínicos gerais. Em
entrevistas semi-estruturadas, realizadas nas suas casas, os utentes foram encorajados
a manifestar as suas expectativas sobre a confidencialidade dos dados constantes dos
seus registos clínicos. Os entrevistados afirmaram que os médicos e a equipa de
enfermagem deveriam ter algum grau de acesso aos seus registos, mas não ilimitado,
DISCUSSÃO
243
sendo feitas reservas principalmente para os médicos não directamente envolvidos no
seu cuidado e, 23 dos participantes afirmaram categoricamente que nenhum membro do
“staff” administrativo dos consultórios deveria ter acesso aos seus registos clínicos.
Os resultados deste estudo também referem atitudes diferentes quanto à maneira de
considerar a informação confidencial nos hospitais e nos consultórios. Dos 23
entrevistados que esperam que ninguém, excepto os médicos e a equipa de
enfermagem, em alguns casos, tenham acesso aos seus registos no consultório,
somente três defendem restrições semelhantes para os seus registos hospitalares. O
determinante desta diferença é o anonimato que ocorre no hospital e que não pode ser
garantido no consultório, especialmente na sua realidade em que moravam em pequenos
lugares de uma área semi-rural. Também 28 dos entrevistados consideraram que,
comparando os registos hospitalares com os do consultório, os últimos incluem muito
mais informação pessoal, como circunstâncias sociais, relacionamentos, comentários
críticos e tudo abarcando um longo período de tempo (Carman, 1995).
É necessário ainda considerar, com especial cuidado, o lugar da família nesta questão.
Sendo esperado que esta partilhe dos segredos dos seus membros, em virtude de seu
papel “cuidador”, que proporciona sentimento de segurança, protecção e diminui a
sensação de vulnerabilidade provocada pela doença. Os familiares são considerados
aliados no processo doença/cura e, dessa forma, há pouca expectativa em relação à
manutenção da privacidade de informações nomeadamente na família nuclear. No
entanto, fique claro que a família não deve substituir o paciente e que a questão da
proximidade deve ser algo determinante, na medida em que estabelece a fronteira entre
os familiares mais distantes e os parentes mais próximos. O profissional de saúde deve
considerar as expectativas do paciente, a quem compete sempre decidir o sentido e o
limite da inserção da família na sua situação. Para tal, esse tema deve constar da
conversa que se estabelece entre os profissionais de saúde e os pacientes (Zoboli,
2004).
Como assinala Howard Brody (1983), para os que actuam no âmbito da saúde da família
não pode haver discussão mais fundamentada do que a do significado de tratar a família
como um todo, a unidade do cuidado, e gerir os conflitos entre os interesses de um
membro, individualmente, e os dos restantes membros da família.
A ponderação dos interesses dos diferentes membros individualmente e da família como
um todo, segundo Howard Brody (1983), pode constituir uma oportunidade para o
244 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
fortalecimento dos laços familiares, desde que a decisão tomada resulte de uma
discussão face a face entre todas as partes interessadas. Entretanto, isto não pode
acontecer como algo unilateral, imposto pela equipa de saúde, não importando aqui
quanto benevolentes sejam as intenções.
Neste questionário, esta questão aparece nos problemas éticos da solicitação de
procedimentos por menores sem autorização dos pais, descrita anteriormente, e no
partilhar as informações com os demais membros da família, que era o item P10
(“Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o
seu estado de saúde quando relevante”), mas que foi retirado da escala por apresentar
valores negativos na correlação com o total da escala e assim reduzir o Alpha de
Cronbach (quadro X, p. 182). No entanto, é oportuno ainda referir que no estudo de
Helen Robillard e colaboradores (1989) os pedidos de informação por parte da família
impondo riscos à confidencialidade de um dos seus membros foram percebidos como
problemas éticos frequentes, tanto pelos médicos como pelos outros profissionais de
saúde estudados.
O item P11 (“Preservo o meu segredo profissional”), com uma média de 4,31 e um
desvio-padrão de 0,858, foi o 3º mais bem pontuado da escala, assegurando o valor
deontológico do segredo profissional para os profissionais dos cuidados de saúde
primários (CSP).
No entanto, refere-se que no estudo de Helen Robillard e colaboradores (1989),
anteriormente mencionado, a violação da confidencialidade do paciente foi um dos
problemas éticos mais frequentemente apontados pelos profissionais de saúde que
trabalhavam em serviços de CSP no Kentuchy (EUA).
Amir Halevy (2000) alerta que os profissionais dos CSP devem estar particularmente
atentos, para os potenciais problemas de preservação da confidencialidade na sua
actividade diária. A maioria dos pacientes tem família e amigos que estão interessados
nos seus cuidados: esposas, filhos, “primos curiosos”, “vizinhos bisbilhoteiros”, e vários
“melhores amigos” que querem saber sobre o seu estado de saúde e o seu plano de
cuidados. Uma prática padrão de que o profissional não revela nenhuma informação a
ninguém, a não ser ao próprio paciente, embora louvável na perspectiva da
confidencialidade, pode ser problemática sob outros aspectos. Na maior parte dos casos,
dar algumas informações gerais, omitindo no entanto os detalhes delicados ou
potencialmente embaraçosos, parece apropriado, uma vez que não dar nenhuma
DISCUSSÃO
245
informação pode ser interpretado como indicativo de que a condição do paciente é muito
pior do que é na realidade. A equipa de saúde da família deve lançar mão da discrição e
do discernimento ao determinar o que pode ser revelado e a quem. Idealmente, deve-se
procurar saber junto do paciente quais são os seus desejos quanto à revelação de
informações sobre o seu estado, à família e amigos, não cedendo automaticamente à
insistência de quem procura saber algo. Se o paciente for uma pessoa competente, a sua
vontade deve ser respeitada e na falta de capacidade de decisão deste, o seu
representante dará a devida orientação aos profissionais.
Pode-se ainda recordar que é comum, frente a problemas clínicos e éticos, o profissional
de saúde procurar conselho e orientação junto dos seus colegas. Esta prática também é
frequente aquando de dúvidas sobre a melhor maneira de conduzir o caso. Neste
sentido, é bom lembrar que uma linha muito ténue separa a consulta aos colegas, para
uma segunda opinião, da conversa de circunstância nos ambientes partilhados da
unidade de saúde, como a cafetaria, o restaurante ou as reuniões técnicas (Halevy,
2000).
O item P12 (“Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o
seu caso em evento ou publicação científica”), com uma média de 4,26 e um desviopadrão de 0,924, foi surpreendentemente o 5º mais bem pontuado da escala.
Desconhecia-se que esta atitude estivesse tão presente nos profissionais de saúde dos
CSP. Pelo contrário, considerava-se que a prática seria a não solicitação do
consentimento do paciente ou da sua família para relatar a sua história em evento ou
publicação científica, juntamente com a não solicitação do consentimento da equipa de
saúde para relatar o caso em evento ou publicação científica. Mas, o alerta aqui fica, não
somente os profissionais de saúde, mas também os investigadores e estudiosos, agora
que os CSP estão a ser alvo de diversas investigações e trabalhos de acompanhamento
e avaliação, no sentido de que se tomem todas as medidas para assegurar a
preservação da privacidade e confidencialidade dos pacientes, das famílias e dos
próprios profissionais de saúde, bem como para se respeitar a sua liberdade de
participação nos estudos e o seu consentimento para a divulgação das suas histórias e
casos clínicos. Aliás, as novas normas para apresentação de artigos à Revista
Portuguesa de Clínica Geral estabelecem a obrigatoriedade de juntar aquando da
submissão de artigos à apreciação editorial, uma declaração de autorização por cada
pessoa mencionada nos agradecimentos; tratando-se de um estudo original uma
246 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
declaração de conduta ética; tratando-se de um relato de caso, uma declaração de
consentimento informado assinada pelo doente que motivou o relato de caso; e havendo
fotografia de doente(s), declaração de consentimento informado assinada pelo doente
fotografado (Conselho Editorial da RPCG, 2009).
O item P13 (“Estabeleço os limites na relação profissional-paciente”) apresenta uma
média de 3,62 e um desvio-padrão de 1,045.
Sally Wellard (1992) entrevistando enfermeiros de serviços de diálise ambulatória em
Victoria (Austrália), onde a exemplo dos CSP as relações com os pacientes são mais
duradouras e com contactos constantes, identifica que o início deste relacionamento é
referido como “muito difícil”. Alguns conflitos surgem porque os pacientes não acreditam
que os enfermeiros tenham a competência requerida para providenciar o cuidado
adequado, tendo estes que demonstrar a sua competência antes de adquirirem a
confiança dos doentes. Com o decorrer do tempo, este conflito resolve-se e a relação
distante e de desconfiança dá lugar a uma amizade e a um apoio mútuo, então, o dilema
para os enfermeiros passa a ser como responder profissionalmente sendo o paciente um
amigo.
Esta preocupação em defender e proteger o paciente e os seus direitos talvez decorra da
proximidade da pessoa doente a quem se presta cuidados, o que constitui outra
característica própria dos enfermeiros, segundo os estudos de Giggi Udén e
colaboradores (1992) e de Rivka Grunstein-Amado (1992). No primeiro estudo, os
médicos nas suas narrativas expressam que uma relação próxima pode ser perigosa,
pois pode levar o profissional de saúde a ser parcial quando decide sobre a alocação de
recursos nos cuidados, enquanto os enfermeiros defendem que somente assim é
possível perceber os desejos dos pacientes e prestar melhores cuidados.
Mas, o tratamento rude e ofensivo por parte de algumas equipas de saúde para com os
pacientes também aparece em alguns estudos sobre problemas éticos nos CSP.
Elizabeth Morrow (1997) descreve um estudo, que decorreu numa cidade do sul da
Califórnia (EUA), com mulheres entre os 18 e os 60 anos de idade, e provenientes de
populações vulneráveis (idosas, latino-americanas que não falavam inglês, sem abrigo,
vítimas de violência doméstica, etc.), que revela que além de experimentarem grandes
dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, estas mulheres são alvo de falta de
respeito quando conseguem o atendimento. Da mesma forma, Cátia Ducati e Magali
Boemer (2001), que estudaram as ocorrências registadas pelas comissões de ética de
DISCUSSÃO
247
enfermagem dos hospitais da cidade de Ribeirão Preto (Brasil), denunciam a existência
deste problema ético no contexto hospitalar. É aqui oportuno assinalar, que também Nurit
Wagner e Ilana Ronen (1996) ao compararem, em Israel, os dados obtidos nos serviços
de CSP com os dos hospitais, encontram uma maior frequência deste problema a nível
hospitalar.
O problema ético do desrespeito para com o paciente parece ser resultante da
imprevisibilidade de relações que marcam o encontro entre pacientes e profissionais de
saúde, no qual entra em jogo um conflito de interesses. De um lado o paciente procura a
resolução de um problema de saúde que ele considera muito importante e do outro lado,
o profissional de saúde, que muitas vezes, se mantém preso a procedimentos, normas e
rotinas de serviço, ou ainda ao seu sentido técnico do que é melhor para o paciente.
Neste desencontro de necessidades e interesses, a negociação é imprescindível, pois
nem sempre a necessidade do paciente é interpretada como um problema pelo
profissional de saúde (Matumoto, 2001).
Os itens P14 (“Quando prescrevo um cuidado/tratamento de resultado impreciso ou com
prováveis efeitos secundários significativos, comunico o facto ao meu paciente”), que
apresenta uma média de 3,34 e um desvio-padrão de 0,997, e P15 (“Não omito
informação relevante ao meu paciente”), que apresenta uma média de 3,79 e um desviopadrão de 0,926, alertam que os profissionais de saúde devem estar mais atentos para a
defesa do paciente e para a sua segurança (Viens, 1994).
Assim, no estudo de Helen Robillard e colaboradores (1989), é mencionada a informação
inadequada aos pacientes como sendo um dos problemas éticos mais frequentemente
apontados pelos profissionais de saúde que trabalham em serviços de cuidados de saúde
primários (CSP) no Kentuchy (EUA).
Também, no estudo de Israel é mencionado, entre os problemas éticos mais
frequentemente assinalados pelos enfermeiros que trabalham em CSP, a administração
de tratamentos considerados errados ou com interesse duvidoso (52% e 49,8%
respectivamente), o constrangimento provocado pelos pacientes que recusam o
tratamento (48,2%) e a omissão de informação ao paciente por pressão da família
(45,2%) (Wagner, 1996).
A omissão de informação e a revelação da verdade ao paciente também aparecem como
problemas éticos importantes nos estudos realizados em serviços de saúde não
248 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
hospitalares do sul da Austrália (Braunack-Mayer, 2001). No estudo de Nurit Wagner e
Ilana Ronen (1996) com enfermeiros israelitas de hospitais e de CSP, as situações que
envolvem dar ao paciente informação inadequada sobre o seu diagnóstico são vistas
como geradoras de problemas éticos por 14,8% dos 506 que trabalham na área
hospitalar e por 12,3% dos 239 que trabalham nos CSP. Da mesma forma, a omissão de
informação ao paciente por insistência do médico é mencionada por 25,2% e 26% dos
grupos, respectivamente.
A transformação do modelo assistencial e a humanização do atendimento, que estão na
essência estruturante da reforma dos CSP, requerem que seja garantido o direito à
informação do paciente, pois é um dos elementos fundamentais para que este possa
tomar decisões sobre as questões relacionadas com a sua saúde. Os profissionais de
saúde devem estar conscientes da responsabilidade de esclarecer os pacientes, assim
como cabe aos gestores criar as condições para o estabelecimento de uma cultura
institucional de informação e comunicação que leve em conta as especificidades e
particularidades de cada região e da sua população.
Desta forma, em virtude da construção de uma relação de confiança, parece inadmissível
omitir ao paciente informação acerca de questões que lhe dizem respeito, como o seu
estado de saúde. Uma justificação aceitável para tal conduta poderia ser a preocupação
de não lhe causar danos ou a sua solicitação para não receber informações. No entanto,
é preciso prudência com essas justificações, pois não é raro na prática dos cuidados de
saúde a utilização da autoridade profissional para favorecer ou perpetuar a dependência
dos pacientes, em vez de promover e respeitar a sua autonomia livre e esclarecida.
Assim, é comum não os esclarecer devidamente sob a alegação de que não suportariam
ou, o que é ainda pior, não compreenderiam a informação. Mas, não se pode desprezar o
facto de que, muitas vezes, atrás da justificação de que o paciente não estaria preparado
para receber a notícia, especialmente as más notícias, esconde-se a falta de preparação
do próprio profissional para lidar com essas situações.
Um estudo acerca da discussão dos cuidados de saúde no final de vida, realizada como
43 médicos e 53 pacientes de cuidados de saúde primários, indica que os médicos
demonstram grande hesitação para iniciar este tipo de discussão, pois temem prejudicar
as esperanças dos pacientes e o seu relacionamento com eles. Por outro lado, os
resultados sugerem que os médicos provavelmente têm pouco a temer nesse sentido,
porque os pacientes entrevistados manifestaram acolher bem a discussão, vêem-na
DISCUSSÃO
249
como parte integrante da intimidade da relação e acreditam que os profissionais de saúde
devem gerir a informação com verdade (Pfeifer, 1994).
De acordo com Albert Jonsen e colaboradores (1999), é mais difícil aos profissionais de
saúde, principalmente aos médicos, serem “emissários de más notícias”, do que as
pessoas terem capacidade para aceitar a informação. A conversa entre os profissionais
de saúde e os pacientes deve ser verdadeira, isto é, as declarações devem estar em
consonância com os factos da situação. Se estes são incertos, a incerteza deve ser
revelada. Deve ser evitada a desilusão, ao contar o que não é verdade ou omiti-la. Com
isto não se quer dizer que a forma de relatar os factos não deva ter em conta a
percepção da resistência emocional e a compreensão intelectual do paciente e/ou da
família. Ao contrário, a verdade pode ser “brutal”, mas a maneira de a revelar não o deve
ser. A equipa de saúde precisa de ser cuidadosa e sensível ao informar, tendo em conta
o respeito pela autonomia e a sensibilidade das pessoas. Somente assim a capacidade
do paciente para decidir e escolher sairá reforçada, além de se fomentar a relação deste
com os profissionais de saúde. O paciente necessita, acima de tudo, dos benefícios de
um bom e confiante relacionamento com uma equipa de saúde competente e isto é mais
fácil de se conseguir com a honestidade do que com a mentira.
Russel Searight e Rick Barbarash (1994), discutindo os aspectos clínicos, éticos e legais
do consentimento informado, livre e esclarecido, na prática dos médicos de família,
reconhecem que nas situações de uma relação médico-paciente prolongada é possível
que alguns pacientes tendam a transferir a decisão para o profissional de saúde. São
habitualmente competentes e comunicam uma clara preferência que deve ser respeitada.
Entretanto, para a procuração ser válida, devem ser esclarecidos que o profissional de
saúde tem o dever de os informar sobre o tratamento, que têm o direito legal de decidir
sobre este, que não podem ser tratados sem o seu consentimento e que têm o direito de
consentir ou recusar o tratamento. Esta discussão alertam os autores, deve ser registada
no processo clínico e esta procuração deve ser realizada somente quando o paciente
declara explicitamente que não quer mais ser informado ou indica claramente o desejo de
que o médico tome a decisão por ele. Ainda assim, os profissionais de saúde devem
deixar claro que fornecerão imediatamente qualquer informação adicional se o paciente
mudar de ideia.
Parece oportuno recordar os resultados do estudo desenvolvido por Ronald Christie e
colaboradores (1983) com professores do Departamento de Medicina da Universidade
250 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Ontário Ocidental (Canadá), que revela um número relativamente alto de médicos que
afirmam ser sua prática habitual tentar coagir os pacientes a aceitarem exames,
tratamentos e hospitalizações. Da mesma forma, cerca de metade dos 212 enfermeiros
holandeses de instituições hospitalares e comunitárias afirmam “persuadir o paciente a
colaborar” (van der Arend, 1999).
A disponibilidade de “conversar”, de “trabalhar” os conflitos com os pacientes parece
indicar que alguns profissionais reconhecem que os múltiplos contactos mantidos com
estes e suas famílias favorecem a troca contínua de informação e as pessoas são mais
propícias a manter e compreender o que lhes é apresentado repetidamente, como
afirmam Russel Searight e Rick Barbarash (1994). As equipas de saúde da família estão
numa posição única e favorável para implementar o consentimento informado, livre e
esclarecido, no espírito ético no qual foi concebido, ou seja, como uma forma para
aumentar o conhecimento do paciente e a sua participação na tomada de decisão. Como
têm uma relação contínua com os pacientes e as famílias, podem discutir as informações
pertinentes a cada situação com mais frequência e num contexto mais pessoal (Brody,
1989).
Neste sentido, cabe citar que, para a maioria dos enfermeiros de família holandeses, não
forçar o paciente, mas ter presente que se deve tentar chegar a um acordo imediato ou
futuro, parece ser a norma mais importante quando enfrentam uma recusa da ajuda
oferecida e têm objecções a essa opção (Gremmen, 1999).
Os itens P16 (“Estou atento à capacidade do meu paciente pagar os produtos que lhe
prescrevo”), que apresenta uma média de 4,13 e um desvio-padrão de 0,747, e P17
(“Estou atento à prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais
baratos”), que apresenta uma média de 3,91e um desvio-padrão de 0,885, denotam uma
preocupação dos profissionais de saúde com os custos dos cuidados de saúde.
Nesse sentido merece destaque os problemas éticos que decorrem das preocupações
com as condições dos pacientes em adquirirem os fármacos prescritos, devendo ser
promovida uma reflexão com os pacientes sobre a medicalização da saúde e a relação
entre eficácia e preço dos medicamentos. Este tipo de reflexão vai para além das
habituais informações de cunho biomédico, avança para uma troca de valores e
concepções, o que denota capacitação e responsabilização do paciente favorecendo o
seu empoderamento e cidadania, em consonância com os pilares dos CSP.
DISCUSSÃO
251
Um estudo realizado na Escócia com uma amostra representativa da diversidade da
população utente dos serviços de saúde daquele país aponta a prescrição de
medicamentos genéricos, mais baratos, como uma área especialmente problemática,
pois a falta de informação dos pacientes gera a falta de confiança na eficácia destes
produtos (Hill, 1988).
Sem esquecer as diferenças de cada país, tanto em relação ao sistema de saúde como
no que diz respeito às condições sócio-económicas da população, é de assinalar que
alguns estudos norte-americanos apontam a insuficiência de recursos financeiros dos
pacientes entre as questões éticas mais frequentes nos cuidados de saúde primários
(Aroskar, 1989; Robbilard, 1989; Viens, 1994; Connelly, 1998). Num destes estudos, o
realizado por Helen Robillard e colaboradores (1989), a limitação financeira dos pacientes
enquanto factor de não adesão ao tratamento é mencionada como problema ético por
70,8% dos 391 médicos e 78,3% dos 311 restantes profissionais.
Num estudo efectuado por Guilhermina Rego e colaboradores demonstrou-se claramente
que a implementação concreta do princípio da justiça, enquanto pilar estrutural de uma
nova ética médica, implica que a racionalidade na utilização de medicamentos seja
considerada uma prioridade ética na saúde (Rego(a), 2002). Em termos práticos estes
autores sublinham o imperativo ético da necessidade de ponderar os custos da prestação
de cuidados como um factor decisivo no processo de tomada de decisão.
O item P18 (“Não identifico problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde
que trabalham neste centro de saúde”), que apresenta uma média de 3,58 e um desviopadrão de 1,260, e é o início da sub-escala – dimensão B (“Problemas éticos nas
relações inter-profissionais e inter-pares”), e o item P19 (“No meu local de trabalho existe
delimitação de competências de cada profissional na equipa de saúde”), que apresenta
uma média de 3,62 e um desvio-padrão de 1,076, referem-se ao trabalho de equipa de
saúde, e procuram avaliar o que foi encontrado em diversos estudos empíricos realizados
com enfermeiros e médicos de diferentes países, tanto em hospitais como nos cuidados
de saúde primários (CSP), nos quais os profissionais de saúde apontam os seus colegas
ou os membros da outra categoria profissional como fontes de problemas éticos, muitas
vezes mais importantes que os pacientes e/ou as famílias (Pellegrino, 1985; Prescott,
1985; Udén, 1992; Wagner, 1996; van der Arend, 1999; Ducati, 2001).
252 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Assim, no estudo de Israel, já mencionado, entre os problemas éticos mais
frequentemente assinalados pelos enfermeiros que trabalham em CSP figura a denúncia
de actos de incompetência médica ou de enfermagem (57,3%) (Wagner, 1996).
Também o estudo realizado com enfermeiros holandeses, já mencionado, permite
perceber a ocorrência de pontos semelhantes com os atrás referidos. Nesse estudo,
figuram entre os problemas mais frequentes nos CSP: o desacordo com as acções
prescritas (45,9%); e o manter-se em silêncio sobre erros cometidos (37,8%) (van der
Arend, 1999).
Merece um comentário o facto de que tanto no estudo citado no parágrafo anterior (van
der Arend, 1999) como no realizado em Israel (Wagner, 1996) os problemas éticos
apontados pelos enfermeiros que trabalham nos CSP também são assinalados como
situações que ocorrem a nível hospitalar, às vezes até em maior proporção. Por exemplo,
no estudo holandês o manter-se em silêncio sobre erros cometidos é citado por 37,8%
dos enfermeiros que estão nos CSP e por 51,8% dos que trabalham na área hospitalar.
Giggi Udén e colaboradores (1992) ao pedirem a médicos e enfermeiros, dos
departamentos de Medicina Interna e Oncologia do Hospital Universitário de Tromsö
(Noruega), que narrassem situações de cuidados que fossem eticamente problemáticas e
que tivessem ocorrido na enfermaria, percebem que, especialmente nas histórias dos
enfermeiros há menções a desacordo entre as duas profissões. Os médicos são
frequentemente apontados como fonte de conflitos éticos pelos enfermeiros; por outro
lado, estes raramente são mencionados nas narrativas dos primeiros. Este estudo não é
o único a sugerir esta questão, também os estudos de Gregory Gramelspacher e
colaboradores (1986) e de Kathleen Oberle e Dorothy Hughes (2001) têm dados
semelhantes.
Os problemas e conflitos nas relações entre os profissionais de saúde não são algo
inesperado, especialmente se for considerado que a equipa de saúde, como afirmam
Sílvia Matumoto e colaboradoras (2001), configura uma rede de relações tecida no
quotidiano, entre agentes que transportam saberes diferenciados e desenvolvem práticas
distintas, sendo necessária uma certa disponibilidade para que reconheçam e respeitem
as suas diferenças.
Neste sentido, Patricia Prescott e colaboradores (1985) chegam a afirmar que o
desacordo não é de todo indesejável. Antes, pelo contrário, defendem que este pode ter
DISCUSSÃO
253
um papel importante nos cuidados de saúde, uma vez que médicos e enfermeiros têm
perspectivas diferentes quanto a muitos problemas dos pacientes.
Entretanto, para que esta afirmação seja verdadeira é necessário estar muito atento, pois
os conflitos tanto podem desempenhar esse papel protector do paciente, por levar à
percepção dos diferentes aspectos dos seus problemas e necessidades, como podem
ser prejudiciais, comprometendo a qualidade dos cuidados de saúde. O próprio estudo de
Patricia Prescott e colaboradores (1985), realizado com mais de 1000 enfermeiros e
cerca de 700 médicos de 15 hospitais gerais de seis áreas metropolitanas dos EUA,
indica que a demora no cuidado ao paciente e os problemas recorrentes de disputas não
resolvidas são um subproduto desse desacordo entre os profissionais.
No estudo realizado com enfermeiros de serviços de diálise, todos os entrevistados
descrevem conflitos na relação com a equipa médica, por situações nas quais percebem
que esta não aceita a sua competência profissional como válida ou como uma
contribuição valiosa para as decisões do tratamento. Mencionam ainda problemas
relativos a pedidos para execução de trabalhos para os quais não têm competência legal
(Wellard, 1992).
É oportuno referir que os resultados do estudo de Patricia Prescott e colaboradores
(1985) mostram que, em geral, as descrições que enfatizam a competência dizem
respeito aos enfermeiros e não aos médicos. Os primeiros assumem a competência dos
últimos, a menos que se prove o contrário. Em contraste, a preocupação dos médicos
pela competência dos enfermeiros é básica na discussão dos relacionamentos e
desacordos, sugerindo que esta não é um pressuposto. Pelo contrário, é justamente o
oposto que aparece em que o conhecimento e o julgamento dos enfermeiros é assumido
como suspeito até que pela experiência se demonstre o contrário.
No estudo de Giggi Udén e colaboradores (1992), feito com médicos e enfermeiros do
Hospital Universitário de Tromsö (Noruega), os médicos referem nas suas narrativas que
os enfermeiros querem participar das decisões sobre os cuidados, mas não estão
preparados para assumir essa responsabilidade e dão importância a aspectos que, para
eles, são menos relevantes, como a qualidade de vida. Consideram ainda que os
enfermeiros não têm vontade de aprofundar os assuntos, por exemplo, procurando ir à
biblioteca ou lendo artigos.
254 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
No estudo norte-americano, os enfermeiros apontam a falta de respeito dos médicos para
com eles, enfatizando a sua falta de confiança. Do seu ponto de vista, uma relação é boa
quando o médico acredita no julgamento do enfermeiro e confia que este o chamará
quando necessário. É importante para os enfermeiros sentirem-se tratados com respeito,
como pessoas inteligentes e saberem que contarão com o apoio do médico na frente do
paciente. Já para os médicos tem importância a maneira como o enfermeiro os aborda e
a sua competência clínica, apontando que é comum a falta de diplomacia ou de tacto, de
bom julgamento clínico e de ajuda. Para os médicos, as características positivas incluem
a forma do enfermeiro comunicar com eles, a sua disposição para ajudar e a sua
competência. Uma aproximação não exigente por parte do enfermeiro assim como uma
aproximação inconveniente por parte do médico são comummente mencionadas
(Prescott, 1985).
Outro dado importante do estudo de Patricia Prescott e colaboradores (1985) é que a
maioria dos médicos (65%) e dos enfermeiros (53%) assumem uma atitude competitiva,
isto é, ambos querem fazer valer os seus direitos e não se mostram cooperativos na
forma de resolver os seus conflitos.
Quanto às dificuldades para delimitar as especificidades e responsabilidades de cada
profissional de saúde, problema que, provavelmente, subjaz aos conflitos entre médicos e
enfermeiros, torna-se necessário que estes definam as atribuições e responsabilidades
mutuamente, discutindo as questões de qualificação e competência de maneira conjunta
e não cada profissão em separado (Makadon, 1985). E isto sem esquecer que a
centralidade dos cuidados de saúde reside na atenção às necessidades do paciente e/ou
das famílias.
O item P20 (“No meu local de trabalho existe partilha de informação relativa ao paciente e
sua família entre os diversos profissionais da equipa de saúde”) apresenta uma média de
3,70 e um desvio-padrão de 0,952.
Partilhar informações no âmbito da equipa de saúde é fundamental para um trabalho de
qualidade nos cuidados ao paciente e sua família. Entretanto, será que todos os
profissionais têm que ter acesso a tudo? A conduta mais prudente parece ser a proposta
por Debra Humphris (2007) que recorda que o trabalho multiprofissional não significa que
todos os membros da equipa necessitem e devam ter acesso a todas as informações de
um paciente. Desta maneira, apesar de a troca de informações entre a equipa ser
necessária, esta deve ser limitada às informações que cada profissional necessita para
DISCUSSÃO
255
realizar as suas actividades em benefício do paciente e/ou família. Neste sentido, é
conveniente lembrar que esta limitação relacionada com a prestação de cuidados é
percebida e requerida pelos pacientes, como já foi discutido no item P9.
O item P21 (“No meu local de trabalho existe partilha de informação entre os profissionais
de saúde face a indicações clínicas imprecisas”) apresenta uma média de 3,05 e um
desvio-padrão de 1,027.
Discutindo a ética clínica, Albert Jonsen e colaboradores (1999) alertam que, muitas
vezes, a análise de um problema ético deveria começar com a resposta à pergunta
“Quais são as indicações médicas para o tratamento?” Isto porque boa parte dos
problemas éticos pode ser evitada quando as decisões terapêuticas se baseiam em
indicações clínicas claras. Entretanto, a incerteza sobre a matéria clínica do caso é um
factor para emergência de conflitos éticos que podem ser rapidamente resolvidos ou, por
vezes, tornarem-se grandes obstáculos aos cuidados de saúde.
O estudo de Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996), em Israel, também aponta a imprecisão
nas indicações clínicas como situações potencialmente geradoras de problemas éticos
para os enfermeiros, tanto nos cuidados de saúde primários como nos hospitais. O
administrar tratamentos entendidos como errados ou inadequados é citado como
problema ético por 52% dos enfermeiros da área dos CSP e 67,9% dos que trabalham no
contexto hospitalar e o administrar tratamentos de valor duvidoso é mencionado por
49,8% e 58,7% dos entrevistados, respectivamente. A discordância sobre as indicações
clínicas entre profissionais também aparece como um problema ético em estudos
realizadas com médicos de diferentes especialidades nos EUA e com enfermeiros de
diferentes tipos de serviços de saúde na Holanda (Pellegrino, 1985; van der Arend,
1999).
Em relação à omissão dos profissionais de saúde frente à indicação clínica imprecisa,
parece oportuno mencionar que outros estudos registam a denúncia da prática
incompetente como um problema ético para os profissionais de saúde. Por exemplo, no
estudo de Susan Duncan (1992), os enfermeiros de serviços comunitários de áreas
urbanas e rurais de British Columbia (Canadá) afirmam serem decisões difíceis as que
envolvem o conflito entre a sua relação com os colegas e o seu dever ético de tomar uma
atitude frente à prática profissional insegura ou inadequada.
256 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Da mesma forma, enfermeiros que trabalham em saúde pública, no estado de Minnesota
(EUA), ao descreverem questões sobre contar a verdade como um problema ético
significativo das suas práticas, exemplificam-no com situações que abrangem o
denunciar a qualidade discutível dos cuidados prestados por alguns colegas e/ou
médicos quando o bem estar do paciente está em jogo (Aroskar, 1989).
Comparando os cenários intra e extra-hospitalar, em Israel, Nurit Wagner e Ilana Ronen
(1996) afirmam que denunciar ou não a incompetência de um enfermeiro ou médico é um
problema muito mais comum para os enfermeiros da área hospitalar, embora também
seja importante para os que trabalham nos cuidados de saúde primários.
Uma das prováveis justificações para esse conflito pode estar no conflito entre o dever de
proteger o paciente contra actos potencialmente lesivos e o temor de comprometer as
relações da equipa. Quanto a este último aspecto, cabe lembrar que não é raro entre os
profissionais de saúde, de modo especial na enfermagem, o entendimento de que por
uma “questão de ética” não se deve criticar os colegas e outros membros da equipa
(Veiga, 2006).
Isto é demonstrado pelos resultados do estudo de Sally Wellard (1992), na Austrália, que
referem as preocupações manifestadas pelos enfermeiros de diálise em comprometerem
a confiança entre o paciente e o médico, no caso de criticarem as opiniões e as opções
de tratamento, chegando mesmo a desculparem-se por tecerem críticas aos seus pares.
Para atenuar este tipo de dilema alguns autores sugerem uma “nova filosofia da
medicina” de modo a ser possível diminuir consideravelmente a margem de erro na
prática clínica. Segundo Rui Nunes esta “nova filosofia da medicina” inclui, mas não se
esgota, na Medicina Baseada na Evidência (Nunes(c), 2003). Para este autor “A medicina
baseada na evidência (MBE) pode definir-se como o uso consciente e judicioso da
melhor evidência existente na tomada de decisão relativa aos cuidados de saúde de um
doente individual. Este conceito de MBE deve ser encarado como um instrumento de
grande utilidade para médicos e pacientes. Esta definição insere-se numa nova dinâmica
da relação médico-paciente, isto é na procura incessante do melhor interesse do paciente
e da sua qualidade de vida, inscrevendo-se numa perspectiva moderna do exercício da
medicina na qual a ciência exerce um papel fundamental. (…) A MBE – como uma
ferramenta de enorme importância para médicos e pacientes – deve ser enquadrada na
perspectiva tradicional da prática médica, nomeadamente na relação singular entre
médico e paciente e no compromisso em obter o melhor resultado clínico possível. De
DISCUSSÃO
257
facto, na maioria dos países desenvolvidos, a integração da melhor evidência científica
com a experiência clínica e os valores do paciente é o novo paradigma da ética médica
contemporânea. Neste contexto, pode tratar-se mesmo de uma nova perspectiva da
prática médica – mesmo de uma nova filosofia da medicina – não tendo a medicina como
uma arte que ser oposta à objectividade de tratamentos efectivos avaliados por ensaios
clínicos aleatorizados, estudos seccionais cruzados, estudos de coorte prospectivos ou
por meta-análises estatísticas. Isto é a componente científica da medicina – através de
uma avaliação objectiva de todas as facetas da prática clínica – deve ser decisiva na
determinação do melhor interesse do paciente. Em termos éticos os conceitos de
beneficência e de MBE tendem a convergir progressivamente.” (Nunes(d), 2009).
O item P22 (“No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo profissional por parte
dos profissionais de saúde”) com uma média de 3,85 e um desvio-padrão de 1,035 foi o
10º mais bem pontuado da escala e o mais bem pontuado da dimensão B. O que está de
acordo com o valor já atribuído ao item P11 sobre a preservação do segredo profissional.
O item P23 (“No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa de saúde
para o relato de casos em evento ou publicação científica”), apresenta uma média de
3,32 e um desvio-padrão de 1,052, e é menos pontuado que o item P12 (“Solicito o
consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em evento ou
publicação científica”), realçando que esta atitude está menos presente que a do pedido
de autorização ao paciente. No entanto, como referido no comentário feito aquando da
discussão do item P12, a prática ética de solicitar o consentimento da equipa de saúde
para relatar o caso em evento ou publicação científica deve ser implementada nos CSP.
Os itens P24 (“No meu local de trabalho existe acordo no compromisso ético dos
profissionais de saúde”), com uma média de 3,67 e um desvio-padrão de 1,012, e P25
(“No meu local de trabalho existe solidariedade e colaboração entre os profissionais de
saúde”), com uma média de 3,53 e um desvio-padrão de 1,145, referem-se ao trabalho
em equipa.
De acordo com Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996), os enfermeiros que trabalham nos
CSP, em comparação com os que trabalham na área hospitalar, mencionam mais
frequentemente as situações que envolvem questões de confidencialidade, cobertura dos
serviços de saúde e greves como potenciais geradoras de problemas éticos.
258 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
Ainda, no estudo de Helen Robillard e colaboradores (1989), é mencionada a falta de
preparação e actualização dos profissionais de saúde, entre os problemas éticos mais
frequentemente apontados pelos profissionais de saúde, que trabalham em serviços de
cuidados de saúde primários no Kentuchy (EUA).
No estudo de Giggi Udén e colaboradores (1992) o enfermeiro concebe-se como um “ser
junto com os colegas”, procurando o apoio do grupo quando tenta resolver conflitos
éticos, em contraste com o médico que se concebe como um “ser isolado, como um
indivíduo”. Neste sentido, Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996) assinalam que os
enfermeiros da área hospitalar se aconselham com os colegas quando estão frente a um
problema ético, enquanto para os que trabalham nos CSP não fica claro esse padrão.
Oddi e colaboradores (1995) defendem que estas situações representam uma pesada
carga para que o enfermeiro lide com ela sozinho.
Desta forma, tornam-se pertinentes as ponderações de Helen Robillard e colaboradores
(1989) que enfatizam a necessidade de se considerar as noções de cada uma das várias
disciplinas no reconhecimento e na resolução dos problemas éticos e de Kathleen Oberle
e Dorothy Hughes (2001) que defendem um maior diálogo dentro e entre a medicina e a
enfermagem sobre os aspectos éticos dos cuidados de saúde e das decisões clínicas.
O item P26 (“Existe preservação da privacidade dos pacientes no espaço físico dos
consultórios e gabinetes neste centro de saúde”) apresenta uma média de 3,35 e um
desvio-padrão de 1,280, e é o início da sub-escala – dimensão C (“Problemas éticos na
gestão/organização do centro de saúde/sistema de saúde”).
Os problemas pontuados pelos médicos e enfermeiros nesta sub-escala relacionam-se
directamente com a ética da gestão de serviços de saúde. Não é de surpreender incluirse esta sub-escala, já que, pela sua própria finalidade, nas instituições de saúde, é muito
difícil separar a ética dos cuidados de saúde da ética da gestão de serviços de saúde.
Assim, parece claro que a fraca pontuação, a média das respostas da dimensão C foi de
3,14, a mais baixa das 3 dimensões da escala, reflecte que a organização do sistema, e
dos centros de saúde pode apresentar-se como um factor gerador de problemas éticos,
acabando também por determinar a forma de sua percepção, análise e solução. Albert
Jonsen e colaboradores (1999) alertam que o contexto da prestação dos cuidados de
saúde tem vindo a assumir uma proeminência nunca antes atingida e que,
ocasionalmente, os aspectos contextuais parecerão mais importantes e, algumas vezes
serão decisivos.
DISCUSSÃO
259
Este item (P26) relaciona-se, com o valor já atribuído aos itens P11 e P22 sobre a
preservação do segredo profissional e, com o item P27 (“Existem os meios necessários
neste centro de saúde para a realização de domicílios”), que apresenta uma média de
3,29 e um desvio-padrão de 1,266, sendo oportuno referir que, segundo afirmam
Kathleen Oberle e Dorothy Hughes (2001), é necessário que os gestores de saúde
reconheçam os problemas éticos enfrentados pelos médicos e enfermeiros na sua
actividade diária e considerem que as decisões éticas são modeladas pelas condições do
local de trabalho.
Também nesta matéria se faz sentir a preponderância da ética principialista, ao salientar
a importância de considerações de justiça distributiva na organização dos serviços de
saúde (Rego, 2001). De toda a evidência os modernos sistemas de saúde, incluindo o
norte-americano (Mentzel, 2009) – que por diversas razões não se pautava pelo princípio
da equidade no acesso a cuidados de saúde –, valorizam cada vez mais não apenas a
qualidade assistencial mas também a correcção das iniquidades existentes, tradutoras da
desigualdade existente no seio da sociedade.
O item P28 (“Existe apoio da direcção e chefias para discutir os problemas detectados
neste centro de saúde”) apresenta uma média de 3,49 e um desvio-padrão de 1,246.
Já no estudo de Nurit Wagner e Ilana Ronen (1996), em Israel, quando questionados em
que extensão os esforços para lidar com problemas éticos são institucionalizados, mais
da metade dos enfermeiros, tanto nos hospitais como nos CSP, relatam que podem
discutir as questões éticas em reuniões multidisciplinares e na formação, enquanto outros
fóruns, como as comissões de ética, estão menos disponíveis.
Pelo seu lado Kathleen Oberle e Dorothy Hughes (2001) recomendam que sejam
implementadas estratégias para apoiar o processo de tomada de decisão ética, e que
sejam criadas oportunidades para os profissionais de saúde envolvidos na prestação dos
cuidados de saúde se ajustarem através da discussão de temas éticos, devendo isto ser
um objectivo para os gestores que desejem fomentar um ambiente de trabalho
colaborante e ético.
A gestão da organização, quando guiada pela justiça, procura agir de forma correcta, e
propicia momentos e espaços para a reflexão ética, os quais, por sua vez, dependem das
situações de comunicação existentes na organização. Para que a organização concretize
as suas possibilidades de reflexão ética, torna-se necessário desenvolver as suas
260 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
capacidades de comunicação interna, pois somente assim se potencializa a capacidade
dos profissionais para avaliarem as acções desenvolvidas, as suas alternativas,
justificarem a escolha realizada com considerações válidas e, em última instância, é esta
capacidade de prestar contas que configura a responsabilidade e a “accountability”
(Nunes(b), 2002). Equipas que comunicam fundamentalmente por ofícios, circulares,
normas, comunicados ou em reuniões com normas e rituais, nas quais as discussões
directas, francas e abertas, em torno de questões difíceis são raras e dificultadas, terão
mais dificuldade em lidar com os problemas éticos do quotidiano.
O item P29 (“Existe transparência da direcção e chefias deste centro de saúde na
resolução dos problemas com os profissionais de saúde”) apresenta uma média de 3,45
e um desvio-padrão de 1,271.
Em relação à falta de transparência da direcção do centro de saúde (CS) na resolução
dos problemas com os profissionais, pode-se afirmar que um dos maiores desafios
éticos, com que se defrontam os que estão em função dirigente, é pautar a gestão dos
conflitos pela essência dos problemas, e não pela personalidade dos envolvidos ou pelos
interesses pessoais afectados. Tornam assim claro para os membros da organização que
a resolução das situações de conflito leva em consideração o mérito, não sendo aceites
ataques, privilégios pessoais, ou práticas, como o uso de influências, o favoritismo e a
camuflagem de factos por cobardia, temor, adulação ou servilismo. Neste sentido, devese assinalar que o poder da e na organização requer os limites da ética e da justiça, a fim
de não causar danos ou abusos nos direitos dos profissionais (Brandão, 2004).
O item P30 (“Não existe excesso de utentes e famílias inscritos por cada profissional de
saúde neste centro de saúde”), que apresenta uma média de 2,75 e um desvio-padrão de
1,161, é o primeiro dos 3 itens da escala com média inferior a 3,00. Este dado representa
o assumir que, em alguns CS da região Centro existem ficheiros com um número de
utentes excessivo, por vezes superior a 2.000 utentes. Isto acontece porque em alguns
locais as direcções negociaram com os profissionais o aceitar desse número para assim
garantirem que no CS não há doentes sem médico de família.
O mesmo transparece no item P31 (“Existe uma organização deste centro de saúde que
garante o acesso de todos os utentes aos seus serviços”), com uma média de 3,84 e um
desvio-padrão de 1,138, foi o 11º mais bem pontuado da escala e o mais bem pontuado
da dimensão C, reflecte a opinião dos profissionais de saúde de que os CS da região
Centro garantem a acessibilidade a todos os seus utentes.
DISCUSSÃO
261
Os itens P32 (“Existe facilidade no acesso a meios complementares de diagnóstico
necessários aos utentes deste centro de saúde”), que apresenta uma média de 3,37 e um
desvio-padrão de 1,124, e P33 (“Existe fiabilidade nos resultados dos meios
complementares de diagnóstico efectuados pelos utentes deste centro de saúde”), que
apresenta uma média de 3,63 e um desvio-padrão de 0,868, reflectem a acessibilidade a
exames auxiliares de diagnóstico a nível dos CS da região Centro.
No estudo canadiano (Oberle e Hughes, 2001), com médicos e enfermeiros, a
disponibilidade de recursos surgiu como uma preocupação ética nos dois grupos de
profissionais, embora por razões diferentes. Para os médicos ter a função de ‘gatekeeper’
e a responsabilidade de gerir os recursos, decidindo sobre a solicitação, ou não, de
meios complementares de diagnóstico e outros recursos causa uma considerável
angústia. Já as preocupações dos enfermeiros eram mais dirigidas para a incapacidade
de prover cuidados de boa qualidade devido aos cortes financeiros e de pessoal.
Os itens P34 (“A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de
referenciação (cuidados de saúde secundários) que dão resposta atempada às
solicitações deste centro de saúde”), com uma média de 2,18 e um desvio-padrão de
0,925, e P35 (“Existe informação de retorno pertinente sobre os cuidados prestados aos
utentes deste centro de saúde pelos serviços de referenciação (cuidados de saúde
secundários)”), com uma média de 2,05 e um desvio-padrão de 0,956, são os menos
bem pontuados no questionário. Este facto demonstra o problema ético que consiste na
falha de articulação do Serviço Nacional de Saúde particularmente sentida na região
Centro.
Um estudo realizado pelo investigador, em 2002, com 152 pacientes, do CS de Góis, a
quem tinha sido pedida uma consulta externa hospitalar em 2000, revelou graves
problemas de acessibilidade aos cuidados de saúde secundários, com uma demora
média de consultas externas de referenciação de 247,1 dias. A informação de retorno
recebida pelo médico de família, após a ida do seu utente a consulta externa hospitalar,
foi de 36,4%. Num segundo estudo, com 135 médicos de consulta externa hospitalar e 9
médicos de família, que procurou avaliar a adequação e satisfação com a troca de
informação entre os dois níveis de cuidados de saúde, mostrou que os médicos dos CS
consideraram mais adequada a informação que receberam das várias consultas externas
hospitalares (55,5% das respostas consideraram-na muito ou medianamente adequada),
do que os médicos das consultas externas hospitalares consideraram a informação que
262 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
receberam dos CS da sub-região de saúde (SRS) de Coimbra (52,6% consideraram-na
pouco ou nada adequada). Relativamente à satisfação com a informação que recebem,
os médicos dos CS mostraram-se mais satisfeitos (61,5% das respostas) do que os
médicos das consultas externas hospitalares (13,3%). A principal causa de insatisfação
referida pelos médicos das consultas externas hospitalares foi a de considerarem a
informação que recebem dos CS escassa (60,7%). Enquanto que a principal causa de
insatisfação dos médicos dos CS sobre este assunto foi a falta de informação (45,6% das
respostas) (Simões, 2003).
Mas também, o estudo de Helen Robillard e colaboradores (1989), já mencionado,
realizado com diversos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas,
assistentes médicos) que trabalham em serviços de cuidados de saúde primários (CSP)
no Kentuchy (EUA), colocava entre os problemas éticos mais frequentemente apontados
as dificuldades com os serviços e procedimentos de referência.
Igualmente o estudo realizado com enfermeiros holandeses para identificar as questões
que estes vivenciam como problemas éticos nos diferentes tipos de instituições de saúde
permite perceber a ocorrência de falhas semelhantes às atrás referidas. Neste estudo,
figura entre os problemas mais frequentes nos CSP (93,3%) a demora na
referência/transferência do paciente para outros níveis de cuidados (van der Arend,
1999).
RESPOSTAS DO ESTUDO QUALITATIVO
Em 107 dos 370 questionários recebidos verificou-se que os inquiridos tinham respondido
a todas, ou a algumas, das perguntas abertas da terceira parte e que foram a base da
análise qualitativa que já foi descrita nos capítulos anteriores.
Esta segunda amostra é assim constituída por 107 indivíduos, sendo 78 do sexo feminino
(72,9%) e 29 do sexo masculino (27,1%), dos quais 56 são médicos (52,3%) e 51
enfermeiros (47,7%). As suas características sócio-profissionais foram apresentadas no
quadro XXVII (p. 210).
Como já foi descrito, as respostas escritas nos questionários foram lidas e para cada uma
das três perguntas de cada um dos casos, a presença dos “índices”, referidos no quadro
XIV (p. 190), levou ao agrupamento em cinco categorias: “ética principialista”, “ética das
DISCUSSÃO
263
virtudes”, “ética do cuidado”, “ética casuística” e “ética profissional” (anexo 8). numa
segunda fase as categorias atribuídas às respostas dadas a cada um dos casos foram
reagrupadas numa das cinco categorias em análise, isto se da maioria das 3 respostas
dadas se inferisse que prevalecia uma das categorias, caso contrário, era agrupada na
categoria “mista”, que se refere à utilização de várias categorias, não prevalecendo
nenhuma.
Pela leitura do quadro XXVIII (p.211), verifica-se que para o caso I, que reflecte um
problema de relacionamento profissional de saúde/paciente, 40,2% das respostas foram
consideradas na categoria “ética principialista”, 23,4% na da “ética do cuidado”, e 11,2%
na da “ética das virtudes”. Já para o caso II, que reflecte um problema de relacionamento
inter-profissionais, verifica-se que 44,9% das respostas foram consideradas na categoria
“ética profissional”, 18,7% na da “ética do cuidado” e 14% foram respostas “mista” em
que não prevaleceu nas 3 questões nenhuma das categorias consideradas. por fim, para
o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de saúde, verificase que 31,8% das respostas foram consideradas na categoria “ética principialista”, 28%
na da “ética profissional” e 14% na da “ética casuística”.
Somando o total de respostas pelas categorias dos casos, conclui-se que 87 respostas
desenvolvem os problemas éticos pela categoria “ética principialista”, 85 respostas pela
categoria “ética profissional”, 48 respostas pela categoria “ética do cuidado”, 23 respostas
pela categoria “ética casuística” e 21 respostas pela categoria “ética das virtudes”.
Para o caso I, em que se apresenta um problema ético muito comum e próprio dos
cuidados de saúde primários (CSP), um paciente que perturba a rotina do serviço, podese observar que a maioria das respostas foram atribuídas à categoria “ética principialista”
seguida pela “ética do cuidado” (quadro XXVIII, p. 211); quer pelos homens quer pelas
mulheres (quadro XXVIX, p. 212); quer pelos médicos quer pelos enfermeiros (quadro
XXX, p. 213); quer nos diferentes grupos etários (quadro XXXII, p. 216); e apenas na
área de trabalho é que surgiram diferenças (quadro XXXI, p. 214). Nas áreas urbana e
semi-urbana ainda se manteve o quadro geral anteriormente referido e só a nível da área
rural é que as categorias maioritárias foram a “ética do cuidado” e a “ética das virtudes”
com a mesma percentagem de respostas.
É curioso notar que haja menos enfermeiros que médicos na categoria “ética das
virtudes” (quadro XXX, p. 213), uma vez que o modelo da “enfermeira virtuosa” é um dos
que marca a construção histórico-social da enfermagem. Isto talvez possa ser motivado
264 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
pelo facto dos enfermeiros, nos últimos tempos, virem a desenvolver um processo de
avaliação da sua independência como profissionais de saúde e de revisão colectiva e
crítica da natureza dos seus papéis, actividades e responsabilidades profissionais, como
explica João Veiga (2006).
Ainda nas respostas principialistas do caso I, é possível identificar uma posição, em certa
medida, autoritária de alguns médicos e enfermeiros, quando estes profissionais apontam
os seguintes problemas éticos nas relações com o paciente: “como informar o utente para
conseguir a sua adesão ao tratamento”; “solicitação de procedimentos pelo utente” e
“recusa do utente às indicações médicas”. Isto remete para os comentários de Tom
Beauchamp e James Childress (2001) relativos aos problemas encontrados no contexto
dos cuidados de saúde para se efectivar o respeito pela autonomia dos pacientes nos
serviços de saúde, devido à sua condição dependente e à atitude autoritária dos
profissionais de saúde.
Nos CSP, não são raras as práticas perpetuadoras da dependência do paciente, em vez
de se procurar a promoção da sua autonomia e cidadania. Isso é percorrer o caminho da
beneficência paternalista com os seus traços de superprotecção e, em certa medida, de
autoritarismo que descrevem as atitudes do tipo “eu sei o que é melhor para si”. Na
enfermagem, esta atitude reveste-se de uma nuance particular, pois o processo do
trabalho da enfermagem é marcado pela uso de protocolos e por rotinas de cuidados e
procedimentos que, supostamente, respondem às necessidades de quase todos os
pacientes, isto na maioria das vezes. É bastante comum os enfermeiros encaixarem os
cuidados dispensados a uma pessoa ou a um grupo numa rotina pré-estabelecida, não
importando se ela é, ou não, congruente com as condições de quem procura ou precisa
dos seus cuidados. Parece que se instala o “paternalismo burocrático”, no qual as
normas, os procedimentos e as rotinas determinam o que deve ser feito, não importando
o que é melhor ou mais indicado, ou ainda, o que o paciente autonomamente solicita. Os
pacientes são, então, rotulados de “colaboradores” e “não colaboradores”, sendo que os
primeiros, geralmente recebem os cuidados sem os questionar, ao passo que os
segundos, de uma forma ou outra fazem-no (Thompson, 2004).
Tom Beauchamp e James Childress (2001) afirmam que nas instituições onde as
pessoas são admitidas contra a sua vontade, como as prisões, as violações ao princípio
do respeito pela autonomia são explícitas; mas contudo naquelas onde a admissão é
voluntária, este comprometimento das escolhas autónomas pelas regras, políticas e
DISCUSSÃO
265
práticas da instituição, frequentemente, é subtil. Como exemplo citam os lares para
idosos, considerando que a liberdade dos residentes nestas instituições, para viverem de
acordo com as suas preferências e planos de vida, deve ser balanceada com a protecção
da sua saúde, a protecção dos interesses dos demais internados, a promoção da
segurança e eficiência da instituição e a alocação dos recursos escassos. Neste
contexto, segundo os autores, muitos contestam o respeito pela autonomia, afirmando
que este configura uma exigência demasiado elevada para estas organizações e
propõem, em lugar do consentimento informado, o “consentimento negociado” que regula
os deveres mútuos em vez dos direitos individuais. Esta alternativa é considerada pelos
autores como arriscada sem o estabelecimento de protecções claras à vulnerabilidade
dos residentes (Beauchamp, 2001).
Guardadas as devidas proporções, parece possível traçar um paralelo destas
considerações com os cuidados de saúde prestados nos centros de saúde (CS),
especialmente porque o contacto dos profissionais com o paciente, a exemplo do que
ocorre nos lares, perdura por um longo período e o modelo de consentimento praticado
por médicos e enfermeiros aproxima-se desta negociação em relação às normas e
rotinas. Cabe aqui um alerta para a vulnerabilidade, pois também se observa nalgumas
respostas, que o paciente é visto pelos profissionais de saúde como alguém que não
conta com os outros quando recorre ao CS, o que lhe imprime alguma vulnerabilidade,
quando deveria ser alvo de protecção, com vista a promover a sua autonomia e
cidadania.
É claro que não se advoga com isto que os profissionais de saúde desprezem as rotinas
que tão bem se prestam a organizar os serviços, melhorando o seu fluxo e o processo do
trabalho. O absurdo está na sua conversão em normas rígidas que ordenam as condutas.
Isto talvez possa ser evitado se houver uma ponderação dos princípios da não
maleficência e da beneficência pelos médicos e enfermeiros, embora no momento de
prevenir os danos ou eliminar as condições que os possam provocar, o cumprimento de
normas continue a gozar de uma importância particular.
Para o caso II, que reflecte um problema de relacionamento inter-profissionais, um
profissional de saúde dependente do álcool, pode-se observar que a maioria das
respostas foram atribuídas à categoria “ética profissional” seguida pela “ética do cuidado”
(quadro XXVIII, p. 211); quer pelos homens quer pelas mulheres (quadro XXIX, p. 212); e
quer pelos médicos quer pelos enfermeiros (quadro XXX, p. 213). Na área de trabalho
266 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
(quadro XXXI, p. 214) e nos diferentes grupos etários (quadro XXXII, p. 216) é que
surgiram pequenas diferenças, não em relação à primeira categoria que se manteve, a
“ética profissional”, mas em relação à segunda. Assim, nas áreas urbana e semi-urbana
ainda se manteve o quadro geral anteriormente referido, a nível da área rural é que a
segunda categoria foi a “ética principialista” embora o número de respostas tenha sido
muito pequeno. O mesmo aconteceu com o grupo de menos de 40 anos, em que a
segunda categoria foi igual.
Para a discussão dos resultados deste 2º caso, recorda-se que, segundo Carol Gilligan
(1993), os dilemas hipotéticos, graças à abstracção da sua apresentação, afastam os
actores morais da história e da psicologia das suas próprias vidas individuais e separam
o problema ético dos contextos sociais que envolvem a sua ocorrência. Ao fazerem isso,
segundo a autora, esses dilemas são úteis para verter e apurar os princípios objectivos
da justiça e mensurar a lógica formal da igualdade e reciprocidade. Entretanto, a
reconstrução do dilema na sua particularidade contextual permite a compreensão da
causa e da consequência o que implica a compaixão e a tolerância observadas, nos seus
estudos, e na distinção dos juízos morais das mulheres. Somente quando se dá
substância aos esqueletos da vida das pessoas hipotéticas é possível considerar a
injustiça social que os seus problemas morais podem reflectir e imaginar o sofrimento
individual que a sua ocorrência pode implicar, ou que a sua resolução pode significar
(Gilligan, 1993).
Isto talvez contribua para justificar a mistura das categorias “ética profissional”, “ética do
cuidado” e “ética principialista” que, de forma geral, norteia as resoluções recomendadas
para este caso.
Para o caso III, que reflecte um problema de gestão/organização do sistema de saúde,
em que uma paciente sem médico de família, após percorrer o percurso do sistema de
saúde só consegue que o seu problema de saúde seja resolvido com uma “cunha”, podese observar que a maioria das respostas foram atribuídas à categoria “ética principialista”
logo seguida pela “ética profissional” (quadro XXVIII, p. 211). No entanto, para este caso
surgiram diferenças em todos os grupos. Assim, os homens privilegiaram a “ética
profissional” seguida pela “ética principialista”, e ocorreu o inverso com as mulheres
(quadro XXIX, p. 212). Os médicos privilegiaram a “ética profissional” seguida pela “ética
casuística”, enquanto os enfermeiros privilegiaram a “ética principialista” seguida pela
“ética profissional” (quadro XXX, p. 213). Os profissionais de saúde da área de trabalho
DISCUSSÃO
267
urbana privilegiaram a “ética profissional” seguida pela “ética principialista”, mas ocorreu
o inverso com os profissionais das áreas semi-urbana e rural (quadro XXXI, p. 214). Por
grupos etários, os profissionais com menos de 50 anos privilegiaram a “ética
principialista” seguida pela “ética profissional”, enquanto os profissionais com mais de 49
anos privilegiaram a “ética profissional” seguida pela “ética casuística” (quadro XXXII, p.
216).
Susan Pierce (1997), com base em estudos empíricos, afirma que os profissionais de
saúde, ao discutirem os casos éticos reais, não revelam nenhum modelo de tomada de
decisão linear, do tipo passo a passo. Ao invés disso, evidenciam uma abordagem
multifacetada, não linear e integrada que se move dos dados e factos para as alternativas
e consequências; voltando para os dados, valores pessoais, visões de mundo, princípios
da bioética e, finalmente, uma escolha e a sua justificação.
As respostas aos questionários revelam, também, um aspecto importante do princípio da
justiça, como defendido por Tom Beauchamp e James Childress (2001), isto é a
distribuição dos bens e recursos de maneira justa, equitativa, apropriada e determinada
por normas justificadas. Se no que respeita à alocação “macro” são essenciais as
políticas públicas, já na alocação “micro” parece também ter peso, além ou em
consequência destas, as normas internas dos CS que, muitas vezes, são determinadas
pelos próprios profissionais unilateralmente.
A inclusão da categoria “ética casuística” neste último caso ocorreu por alguns dos
profissionais de saúde terem referido as suas experiências anteriores, assim como o
raciocínio por paradigma e analogia.
CONCLUSÕES
269
6. CONCLUSÕES
No capítulo anterior discutiu-se os dados obtidos no presente trabalho que tomou
a forma de um estudo quantitativo e qualitativo, de tipo descritivo, situando-se no âmbito
da ética descritiva, enquanto investigação empírica, de tipo não normativo.
Com o presente estudo procurou-se dar resposta aos seguintes objectivos:
•
Analisar o quadro de atitudes éticas nas relações dos profissionais de saúde
com os pacientes e suas famílias;
•
Analisar o quadro de atitudes éticas nas relações inter-profissionais e interpares;
•
Analisar o quadro de atitudes éticas na gestão/organização do centro de
saúde/sistema de saúde.
•
Analisar as relações existentes entre algumas características sóciodemográficas dos profissionais de saúde e as suas atitudes éticas.
•
Construir uma escala de avaliação das atitudes éticas dos profissionais de
saúde.
Considerando-se “mais firme” a obtenção de valores superiores na avaliação feita
através da aplicação da escala que se construiu, pode-se concluir, para os profissionais
de saúde da área geográfica de intervenção da Administração Regional de Saúde do
Centro que responderam ao questionário, que:
•
As atitudes éticas dos profissionais de saúde de cuidados de saúde primários
parecem ser mais firmes na dimensão “Problemas éticos nas relações dos
profissionais de saúde com os pacientes e suas famílias” do que nas
dimensões “Problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares” e
“Problemas éticos na gestão / organização do centro de saúde / sistema de
saúde”;
•
As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pela
profissão (médico ou enfermeiro);
•
As atitudes éticas dos profissionais de saúde não são influenciáveis pelo
género (masculino ou feminino);
270 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
•
À medida que aumenta a idade e o número de anos de profissão tornam-se
mais firmes as atitudes éticas dos profissionais de saúde;
•
As atitudes éticas dos profissionais de saúde parecem ser mais firmes nas
sub-regiões de saúde de Viseu e Aveiro;
•
As atitudes éticas dos profissionais de saúde foram mais firmes para a
dimensão “Problemas éticos nas relações dos profissionais de saúde com os
pacientes e suas famílias” nos que trabalham em área que consideram
urbana.
Os profissionais de saúde estudados utilizam, na tomada de decisão frente a
problemas éticos, atitudes principalmente justificadas pelas “Ética Principialista” e “Ética
Profissional”, embora também recorram a justificações da “Ética do Cuidado” e, em
menor número, da “Ética Casuística” e da “Ética das Virtudes”.
As atitudes dos profissionais de saúde perante os problemas éticos apontados
parecem confirmar a ideia de que, nos cuidados de saúde primários, os problemas éticos
são constituídos, de maneira geral, por preocupações do dia-a-dia dos cuidados de
saúde e não por situações críticas que requeiram soluções ponderadas, como as
enfrentadas no contexto hospitalar.
Também apontam para a responsabilidade ética dos gestores da saúde, uma vez
que muitos dos problemas éticos decorrem da estruturação dos serviços. Evidenciando,
assim, que a excelência ética e técnica da prática dos profissionais de saúde passam,
obrigatoriamente, pelas políticas públicas de saúde e pelas condições organizacionais
das instituições e do sistema de saúde.
As soluções propostas para os casos apresentados indicam que os médicos e
enfermeiros que responderam aos questionários, de uma maneira geral, têm a
preocupação de preservar os direitos individuais, mas procuram fazê-lo de uma forma
que proteja tanto os vínculos familiares quanto os da equipa com os pacientes, o que
pode ser considerado como uma mistura das abordagens principialista e do cuidado.
Nesta junção ainda tem lugar o raciocínio por analogia e paradigma na análise
dos problemas éticos, o que fica patente quando os inquiridos comparam os casos
apresentados com situações reais semelhantes, vivenciadas por eles próprios ou por
colegas. Entretanto, a utilização da casuística como um método na tomada de decisão
face a problemas éticos no contexto dos cuidados de saúde primários, enfrenta limitações
e requer a constituição de um reportório de casos que incorpore as diferentes
CONCLUSÕES
271
circunstâncias e situações próprias desta esfera de cuidados de saúde e que possam
servir para paradigma e analogia.
O trabalho em saúde, a despeito da fragmentação e tecnicismo do seu processo
de produção, ainda é percebido por muitos profissionais como uma prática, no sentido
defendido por Alasdair MacIntyre. Como tal, admitem haver um bem interno que os
mobiliza e quando este não é atingido, o trabalho em saúde perde o seu sentido e fica
encoberto na sua dignidade, equiparando-se a uma outra ocupação qualquer. Abre-se,
desta maneira, um espaço para a ética das virtudes nas atitudes éticas destes
profissionais e das equipas de saúde em cuidados de saúde primários.
A capacidade para tomar decisões frente aos problemas éticos que emergem das
situações do dia-a-dia é essencial para a excelência profissional e dos cuidados de
saúde, pois para que estes cuidados mereçam o qualificativo de excelente devem aliar à
qualidade técnica a correcta tomada de decisão ética, por parte dos profissionais.
A abordagem ética inclui o exame de situações que envolvam problemas éticos
através da análise, ponderação, justificação, escolha e avaliação das razões
concorrentes numa dada circunstância, proporcionando oportunidade para discutir
valores e determinar a justificação moral para o decurso de acção escolhida. Na
abordagem ética do dia-a-dia, os profissionais de saúde misturam as explicações dos
princípios, regras, direitos, virtudes, analogias, paradigmas, narrativas, correlacionando o
mais geral (teorias, princípios, regras) com o mais particular (juízos de casos,
sentimentos, percepções, práticas, etc.). Esta mistura, além de indicar que uma única
perspectiva seria incapaz de abarcar a amplitude e diversidade da dimensão moral da
experiência humana, possibilita a convergência na solução de problemas éticos por uma
equipa, ainda que persistam diferenças teóricas entre os seus membros.
O facto dos problemas éticos nos cuidados de saúde primários não serem
caracterizados por situações dilemáticas merecedoras de destaque mediático, mas o
serem aspectos éticos que permeiam circunstâncias comuns da prática diária, não
significa que sejam de menor importância, mas sim que os cuidados de saúde primários,
quando comparados com os hospitalares, lidam com factos e valores distintos e, por
vezes, de maior amplitude e complexidade, ainda que de menor dramaticidade.
Estas particularidades dos problemas éticos vividos nos cuidados de saúde
primários podem resultar numa dificuldade em percebê-los. O que pode colocar em
causa a prestação de cuidados pelas equipas de saúde e resultar no rompimento da
relação ética estabelecida entre os profissionais e os pacientes, pois, embora os
problemas identificados neste contexto pareçam triviais, frente aos típicos do hospital, e
272 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
sejam
subtis
a
ponto
de
passarem
despercebidos,
podem
implicar,
quando
inadequadamente solucionados, consequências negativas, por vezes desastrosas para
os pacientes, para as suas famílias, para as relações com a equipa de saúde e para a
comunidade local.
A actuação nos cuidados de saúde primários requer um redireccionamento não só
da prática clínica, mas também da análise ética, desfocando-a do hospitalocentrismo e da
alta especialização que marcam o sistema de saúde e a formação dos profissionais, que
tem levado a bioética a centrar-se nas situações limite, em detrimento das situações do
dia-a-dia.
A reorganização dos cuidados de saúde primários, atendendo à estratégia das
unidades de saúde familiares (USF), parece reforçar a necessidade da sensibilidade e
compromisso ético, uma vez que a sua efectivação não se deve resumir a uma nova
configuração da equipa tecnico-assistencial ou da unidade prestadora de saúde. Assim,
se a construção do serviço nacional de saúde configura um processo ético por exigir dos
envolvidos, como os políticos, gestores, profissionais e pacientes, mudanças de atitudes
e de cultura frente aos cuidados de saúde, as USF ampliam e aprofundam esse trajecto
ético.
As equipas de saúde das USF têm de exercer uma nova prática marcada pela
humanização, pelo cuidado, pelo exercício da cidadania e alicerçada na compreensão de
que as condições de vida definem o processo saúde/doença das famílias, exigindo às
equipas empenho para a sua transformação.
Deste modo, a abordagem dos problemas éticos que surgem nos cuidados de
saúde primários será incompleta se não incorporar a questão das desigualdades sociais
e das políticas públicas na sua discussão, análise e deliberação. Sendo necessário reler
as distintas propostas da bioética, dando-lhes uma configuração mais estruturante.
Este estudo norteou-se pelos objectivos de identificar e comparar o quadro de
atitudes éticas, a partir das respostas de médicos e enfermeiros que trabalham em
centros de saúde, e os fundamentos que utilizam na justificação para a tomada de
decisão perante os problemas éticos por eles vividos. Teve também a finalidade de
explorar a interface da bioética com os cuidados de saúde primários, com vista a
aproximar a bioética do dia-a-dia dos cuidados de saúde. Com base nos resultados
apresentados, é possível afirmar que os objectivos e a finalidade propostos foram
atingidos.
CONCLUSÕES
273
No entanto, é de referir que, sendo este um primeiro estudo, ainda há muito para
se investigar neste campo, ficando abertas linhas de investigação a serem continuadas
por estudos posteriores.
Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências da Saúde
2010
JOSÉ AUGUSTO
RODRIGUES SIMÕES
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS.
UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE
SAÚDE.
PARTE III
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Universidade de Aveiro Secção Autónoma de Ciências da Saúde
2010
JOSÉ AUGUSTO
RODRIGUES SIMÕES
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS.
UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE
SAÚDE.
ANEXOS
VARIÁVEIS A ESTUDAR
297
ANEXO 1
VARIÁVEIS A ESTUDAR
Objectivo
Questão
Nome da
variável no
ficheiro
Definição da variável
Tipo de
variável
Caracterizar
a amostra
Caracterizar
a amostra
Idade
Idade
Quantitativa
Sexo
Sexo
Número de anos
completos de vida
Sexo do inquirido
Caracterizar
a amostra
Profissão
Profissão
Profissão do
inquirido
Qualitativa
Caracterizar
a amostra
Nº de anos na
Profissão
Nº de anos
Quantitativa
Caracterizar
a amostra
Sub-Região a que
pertence
Sub-Região
Número de anos
completos na
profissão
Sub-Região a que
pertence o inquirido
Caracterizar
a amostra
Trabalha em área
urbana ou rural
Área
Trabalho em área
urbana ou rural do
inquirido
Qualitativa
1, 2 e 3
Eu procuro a
melhor estratégia
de esclarecimento
do meu paciente
P1
Qualitativa
1, 2 e 3
Eu discuto com o
meu paciente a
sua situação
clínica
P2
1, 2 e 3
Eu aceito a recusa
do meu paciente
às minhas
indicações clínicas
P3
1, 2 e 3
Eu não interfiro no
estilo de vida do
meu paciente
P4
1, 2 e 3
Eu não tenho
P5
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
Qualitativa
Qualitativa
Escala de
medida e
gama de
valores
Razão
Dicotómica
1 - Masculino
2 - Feminino
Dicotómica
1 - Médico
2 - Enfermeiro
Razão
Nominal
1 - Aveiro
2 - Castelo
Branco
3 - Coimbra
4 - Guarda
5 - Leiria
6 - Viseu
Nominal
1 - Urbana
2 - Rural
3 - Semirural/urbana
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
298 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
ideias préconcebidas na
relação clínica com
o meu paciente
1, 2 e 3
Eu respeito os
valores religiosos
do meu paciente
P6
1, 2 e 3
Eu discuto com o
meu paciente a
sua solicitação de
procedimentos
P7
1, 2 e 3
Eu avalio a
solicitação de
procedimentos
feita por paciente
menor de idade
sem a autorização
dos seus pais ou
tutores
Eu não partilho
com outros
elementos da
equipa de saúde a
informação relativa
à intimidade da
vida familiar e
conjugal do meu
paciente
Eu partilho com os
demais membros
da família do meu
paciente as
informações sobre
o seu estado de
saúde quando
relevante
Eu preservo o meu
segredo
profissional
P8
Eu solicito o
consentimento do
meu paciente ou
da sua família para
relatar o seu caso
em evento ou
publicação
científica
Eu estabeleço os
limites na relação
profissionalpaciente
P12
1, 2 e 3
1, 2 e 3
1, 2 e 3
1, 2 e 3
1, 2 e 3
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
P9
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Qualitativa
Escala de
Likert
P10
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Qualitativa
Escala de
Likert
P11
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
Qualitativa
Escala de
Likert
P13
VARIÁVEIS A ESTUDAR
1, 2 e 3
299
Quando prescrevo
um
cuidado/tratamento
de resultado
impreciso ou com
prováveis efeitos
secundários
significativos,
comunico o facto
ao meu paciente
Eu não omito
informação
relevante ao meu
paciente
P14
1, 2 e 3
Eu estou atento à
capacidade do
meu paciente
pagar os produtos
que lhe prescrevo
P16
1, 2 e 3
Eu estou atento à
prescrição de
produtos mais
caros com eficácia
igual a outros mais
baratos
Não identifico
problemas éticos
na relação entre os
profissionais de
saúde que
trabalham neste
centro de saúde
No meu local de
trabalho existe
delimitação de
competências de
cada profissional
na equipa de
saúde
No meu local de
trabalho existe
partilha de
informação relativa
ao paciente e sua
família entre os
diversos
profissionais da
equipa de saúde
No meu local de
trabalho existe
partilha de
informação entre
os profissionais de
saúde face a
indicações clínicas
P17
1, 2 e 3
4, 5 e 6
4, 5 e 6
4, 5 e 6
4, 5 e 6
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Qualitativa
Escala de
Likert
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações dos
profissionais de
saúde com os
pacientes e suas
famílias
Problemas éticos
nas relações interprofissionais e interpares
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
P19
Problemas éticos
nas relações interprofissionais e interpares
Qualitativa
Escala de
Likert
P20
Problemas éticos
nas relações interprofissionais e interpares
Qualitativa
Escala de
Likert
P21
Problemas éticos
nas relações interprofissionais e interpares
Qualitativa
Escala de
Likert
P15
P18
300 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
4, 5 e 6
4, 5 e 6
4, 5 e 6
4, 5 e 6
7, 8 e 9
7, 8 e 9
7, 8 e 9
7, 8 e 9
7, 8 e 9
imprecisas
No meu local de
trabalho não existe
quebra do sigilo
profissional por
parte dos
profissionais de
saúde
No meu local de
trabalho é
solicitado o
consentimento da
equipa de saúde
para o relato de
casos em evento
ou publicação
científica
No meu local de
trabalho existe
acordo no
compromisso ético
dos profissionais
de saúde
No meu local de
trabalho existe
solidariedade e
colaboração entre
os profissionais de
saúde
Existe preservação
da privacidade dos
pacientes no
espaço físico dos
consultórios e
gabinetes do
centro de saúde
Existem os meios
necessários no
centro de saúde
para a realização
de domicílios
Existe apoio da
direcção e chefias
para discutir os
problemas
detectados no
centro de saúde
Existe
transparência da
direcção e chefias
do centro de saúde
na resolução dos
problemas com os
profissionais de
saúde
Não existe
excesso de
utentes e famílias
inscritos por cada
profissional de
P22
Problemas éticos
nas relações interprofissionais e interpares
Qualitativa
Escala de
Likert
P23
Problemas éticos
nas relações interprofissionais e interpares
Qualitativa
Escala de
Likert
P24
Problemas éticos
nas relações interprofissionais e interpares
Qualitativa
Escala de
Likert
P25
Problemas éticos
nas relações interprofissionais e interpares
Qualitativa
Escala de
Likert
P26
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Qualitativa
Escala de
Likert
P27
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Qualitativa
Escala de
Likert
Qualitativa
Escala de
Likert
P29
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Qualitativa
Escala de
Likert
P30
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Qualitativa
Escala de
Likert
P28
VARIÁVEIS A ESTUDAR
7, 8 e 9
7, 8 e 9
7, 8 e 9
7, 8 e 9
7, 8 e 9
10, 11 e 12
saúde do centro de
saúde
Existe uma
organização do
centro de saúde
que garante o
acesso de todos
os utentes aos
seus serviços
Existe facilidade
no acesso a meios
complementares
de diagnóstico
necessários aos
utentes do centro
de saúde
Existe fiabilidade
nos resultados dos
meios
complementares
de diagnóstico
efectuados pelos
utentes do centro
de saúde
A organização do
sistema de saúde
garante, no geral,
serviços de
referenciação
(cuidados de
saúde
secundários) que
dão resposta
atempada às
solicitações do
centro de saúde
Existe informação
de retorno
pertinente sobre os
cuidados
prestados aos
utentes do centro
de saúde pelos
serviços de
referenciação
(cuidados de
saúde
secundários)
Questões de
resposta aberta
301
P31
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Qualitativa
Escala de
Likert
P32
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Qualitativa
Escala de
Likert
P33
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Qualitativa
Escala de
Likert
P34
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Qualitativa
Escala de
Likert
P35
Problemas éticos na
gestão/organização
do centro de
saúde/sistema de
saúde
Qualitativa
Escala de
Likert
Atitudes que
moderam a tomada
de decisão frente a
problemas éticos
Qualitativa
Análise de
conteúdo das
respostas
Para o estudo dos objectivos 10, 11 e 12 serão apresentados os três casos e colocadas
três questões de resposta aberta.
302 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Casos:
A) O senhor J., hipertenso e diabético, faz pedidos frequentes de cuidados que
dificultam as actividades e perturbam a rotina da unidade de saúde. No entanto, os seus valores
de tensão arterial e de glicemia são sempre elevados. O médico e a enfermeira da equipa onde
ele está inscrito tentam assisti-lo da melhor maneira possível, mas a cada dia que passa
sentem-se tentados e deixar de investir nele os seus esforços. (Zoboli, 2003)3
B) Ninguém sabe o que levou a E. a tornar-se dependente do álcool, mas a sua vida
afectiva sempre tinha sido complicada. A nível do serviço, de vez em quando, surgiam algumas
queixas dos doentes e colegas sobre o seu mau humor e alguns gestos bruscos. Notava-se-lhe
grande instabilidade, saía frequentemente do serviço, sentia-se um hálito alcoólico quando
alguém dela se aproximava, mas ninguém tinha tido coragem para a confrontar directamente.
Um dia, o familiar de um doente fez uma participação por escrito, queixando-se do seu
atendimento e acusando a equipa de saúde de cumplicidade neste estado de coisas. (Loff,
2004)
C) F., de 46 anos de idade, foi à Consulta Aberta/Complementar do Centro de Saúde,
por não ter Médico de Família, tal como mais 3.000 pessoas na área, por insuficiência de
médicos no Centro, queixando-se de desconforto num dos seios. A médica ouviu-a, fez-lhe um
exame sumário e requisitou uma mamografia a ser efectuado na cidade a 50 Km de distância.
Dois meses depois voltou à consulta, o médico era outro e no relatório o radiologista dizia não
poder concluir sem uma ecografia. Nova requisição e novo exame na cidade. Dois meses
depois nova consulta e terceiro médico a consultá-la no Centro de Saúde, é necessário a sua
referenciação ao Hospital por lesão mamária suspeita pelo que lhe é passado o respectivo P1.
Recebeu um postal para ir à consulta hospitalar seis meses depois da consulta ter sido pedida.
A decisão foi ir fazer exames analíticos pedidos pelo Centro de Saúde e voltar para punçãobiópsia do nódulo. Novas consultas, novas credenciais e mais três meses de espera. Vista dois
meses depois da punção-biópsia deram-lhe a decisão final: tem de ser operada, aguarde o
postal a chamá-la para a operação. Esperou seis meses e nada recebeu. Pediu ao filho da
patroa, onde trabalhava a dias, que tinha um colega médico, que lhe desse uma ajuda e
passado um mês foi internada pelo serviço de urgência e operada: tumor maligno com
metástases ganglionares. (Serrão, 2002)
Questões de resposta aberta:
- Que problemas éticos lista nesta situação?
- O que recomendaria aos profissionais envolvidos neste caso?
- E por quê?
3
pp. 33.
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
303
ANEXO 2
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
“ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS”
O meu nome é José Augusto Rodrigues Simões, sou médico, especialista de medicina
geral e familiar, mestre em bioética e doutorando em ciências da saúde na Universidade de
Aveiro, e estou a realizar um estudo onde pretendo conhecer a sua opinião e atitude perante o
tema Ética e Cuidados de Saúde Primários.
Nesse sentido, agradeço a sua colaboração ao aceitar o preenchimento deste questionário,
pedindo desde já desculpa pelo possível incómodo que lhe causo.
Este questionário é anónimo e os dados por si fornecidos são confidenciais, destinando-se
a ser tratados em conjunto. Esses dados serão utilizados apenas para fins de investigação no
âmbito da minha tese de doutoramento em ciências da saúde na Universidade de Aveiro e
passíveis de publicação, no todo ou em partes, em revistas médicas ou de saúde. Será elaborado
um relatório da investigação efectuada para a Administração Regional de Saúde do Centro.
O Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do Centro, IP autorizou a
realização do presente estudo nos Centros de Saúde da Região Centro de Portugal.
A Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São João - Porto deu parecer
favorável à realização do presente questionário como integrante do projecto de investigação
“Ética e Cuidados de Saúde Primários”.
A resposta a este questionário é facultativa, sendo o seu preenchimento considerado como
expressão de consentimento informado em participar na investigação.
304 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Não escrever
neste espaço
A. Sexo:
1. - Sexo Masculino €
B. Idade:
2. - Sexo Feminino €
______
C. Profissão:
1. - Médico €
2. - Enfermeiro €
D. Número de anos na Profissão:
______
E. Sub-Região de Saúde a que pertence:
1. - Aveiro
€
2. - Castelo Branco
3. - Coimbra
4. - Guarda
5. - Leiria
6. - Viseu
€
€
€
€
€
A-[
]
B-[
]
C-[
]
D-[
]
E-[
]
F. Centro de Saúde / Extensão / Unidade de Saúde onde trabalha habitualmente (o maior
número de horas semanais):
1. Urbano €
2. Rural €
3. Semi-rural/urbano €
F-[ ]
Segue-se uma lista de afirmações, por favor, assinale com uma cruz (x) o grau de
concordância, segundo a escala de 1 a 5, que melhor descreve a sua atitude perante cada
uma.
P1. Procuro a melhor estratégia de esclarecimento do meu paciente.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
43De acordo
Nem de
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P1 - [
]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
305
P2. Discuto com o meu paciente a sua situação clínica.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P2 - [
]
P3 - [
]
P4 - [
]
P5 - [
]
P6 - [
]
P3. Aceito a recusa do meu paciente às minhas indicações clínicas.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
43Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P4. Não interfiro no estilo de vida do meu paciente.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P5. Não tenho ideias pré-concebidas na relação clínica com o meu paciente.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P6. Respeito os valores religiosos do meu paciente.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
306 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
P7. Discuto com o meu paciente a sua solicitação de procedimentos.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P7 - [
]
P8. Avalio a solicitação de procedimentos feita por paciente menor de idade sem a
autorização dos seus pais ou tutores.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P8 - [
]
P9. Não partilho com outros elementos da equipa de saúde a informação relativa à
intimidade da vida familiar e conjugal do meu paciente.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
43Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P9 - [
]
P10. Partilho com os demais membros da família do meu paciente as informações sobre o
seu estado de saúde quando relevante.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34De acordo
Nem de
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P10 - [
]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
307
P11. Preservo o meu segredo profissional.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P11 - [
]
P12. Solicito o consentimento do meu paciente ou da sua família para relatar o seu caso em
evento ou publicação científica.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P12 - [
]
P13 - [
]
P13. Estabeleço os limites na relação profissional-paciente.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34De acordo
Nem de
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P14. Quando prescrevo um cuidado/tratamento de resultado impreciso ou com prováveis
efeitos secundários significativos, comunico o facto ao meu paciente.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P14 - [
]
308 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
P15. Não omito informação relevante ao meu paciente.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P15 - [
]
P16. Estou atento à capacidade do meu paciente pagar os produtos que lhe prescrevo.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P16 - [
]
P17. Estou atento à prescrição de produtos mais caros com eficácia igual a outros mais
baratos.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
43Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P17 - [
]
P18. Não identifico problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde que
trabalham neste centro de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P18 - [
]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
309
P19. No meu local de trabalho existe delimitação de competências de cada profissional na
equipa de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P19 - [
]
P20. No meu local de trabalho existe partilha de informação relativa ao paciente e sua
família entre os diversos profissionais da equipa de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P20 - [
]
P21. No meu local de trabalho existe partilha de informação entre os profissionais de saúde
face a indicações clínicas imprecisas.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
43Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P21 - [
]
P22. No meu local de trabalho não existe quebra do sigilo profissional por parte dos
profissionais de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P22 - [
]
310 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
P23. No meu local de trabalho é solicitado o consentimento da equipa de saúde para o relato
de casos em evento ou publicação científica.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P23 - [
]
P24. No meu local de trabalho existe acordo no compromisso ético dos profissionais de
saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P24 - [
]
P25. No meu local de trabalho existe solidariedade e colaboração entre os profissionais de
saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
43Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P25 - [
]
P26. Existe preservação da privacidade dos pacientes no espaço físico dos consultórios e
gabinetes neste centro de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P26 - [
]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
311
P27. Existem os meios necessários neste centro de saúde para a realização de domicílios.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P27 - [
]
P28. Existe apoio da direcção e chefias para discutir os problemas detectados neste centro
de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P28 - [
]
P29. Existe transparência da direcção e chefias deste centro de saúde na resolução dos
problemas com os profissionais de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P29 - [
]
P30. Não existe excesso de utentes e famílias inscritos em cada profissional de saúde neste
centro de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
43Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P30 - [
]
312 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
P31. Existe uma organização deste centro de saúde que garante o acesso de todos os utentes
aos seus serviços.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P31 - [
]
P32. Existe facilidade no acesso a meios complementares de diagnóstico necessários aos
utentes deste centro de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P32 - [
]
P33. Existe fiabilidade nos resultados dos meios complementares de diagnóstico efectuados
pelos utentes deste centro de saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
43Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P33 - [
]
P34. A organização do sistema de saúde garante, no geral, serviços de referenciação
(cuidados de saúde secundários) que dão resposta atempada às solicitações deste centro de
saúde.
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
P34 - [
]
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
313
P35. Existe informação de retorno pertinente sobre os cuidados prestados aos utentes deste
centro de saúde pelos serviços de referenciação (cuidados de saúde secundários).
1Totalmente
em
desacordo
€
2Em
desacordo
€
34Nem de
De acordo
acordo, nem
em
desacordo
€
€
5Totalmente
de acordo
€
Não
escrever
neste
espaço
P35 - [
]
Seguem-se três casos, por favor, responda às questões apresentadas descrevendo a sua
atitude perante cada caso.
I. O senhor J., hipertenso e diabético, faz pedidos frequentes de cuidados que dificultam as
actividades e perturbam a rotina da unidade de saúde. No entanto, os seus valores de tensão
arterial e de glicemia são sempre elevados. O médico e a enfermeira da equipa onde ele está
inscrito tentam assisti-lo da melhor maneira possível, mas a cada dia que passa sentem-se
tentados e deixar de investir nele os seus esforços.
- Que problemas éticos lista nesta situação?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
- O que recomendaria aos profissionais envolvidos neste caso?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
- E por quê?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
314 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
______________________________________________________________________________
II. Ninguém sabe o que levou a E. a tornar-se dependente do álcool, mas a sua vida afectiva
sempre tinha sido complicada. A nível do serviço, de vez em quando, surgiam algumas queixas
dos doentes e colegas sobre o seu mau humor e alguns gestos bruscos. Notava-se-lhe grande
instabilidade, saía frequentemente do serviço, sentia-se um hálito alcoólico quando alguém dela
se aproximava, mas ninguém tinha tido coragem para a confrontar directamente. Um dia, o
familiar de um doente fez uma participação por escrito, queixando-se do seu atendimento e
acusando a equipa de saúde de cumplicidade neste estado de coisas.
- Que problemas éticos lista nesta situação?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
- O que recomendaria aos profissionais envolvidos neste caso?
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
- E por quê?
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III. F., de 46 anos de idade, foi à Consulta Aberta/Complementar do Centro de Saúde, por não ter
Médico de Família, tal como mais 3.000 pessoas na área, por insuficiência de médicos no Centro,
queixando-se de desconforto num dos seios. A médica ouviu-a, fez-lhe um exame sumário e
requisitou uma mamografia a ser efectuada na cidade a 50 Km de distância. Dois meses depois
voltou à consulta, o médico era outro e no relatório o radiologista dizia não poder concluir sem
QUESTIONÁRIO DA INVESTIGAÇÃO
315
uma ecografia. Nova requisição e novo exame na cidade. Dois meses depois nova consulta e
terceiro médico a consultá-la no Centro de Saúde, é necessário a sua referenciação ao Hospital
por lesão mamária suspeita pelo que lhe é passado o respectivo P1. Recebeu um postal para ir à
consulta hospitalar seis meses depois da consulta ter sido pedida. A decisão foi ir fazer exames
analíticos pedidos pelo Centro de Saúde e voltar para punção-biopsia do nódulo. Novas consultas,
novas credenciais e mais três meses de espera. Vista dois meses depois da punção-biopsia deramlhe a decisão final: tem de ser operada, aguarde o postal a chamá-la para a operação. Esperou seis
meses e nada recebeu. Pediu ao filho da patroa, onde trabalhava a dias, que tinha um colega
médico, que lhe desse uma ajuda e passado um mês foi internada pelo serviço de urgência e
operada: tumor maligno com metástases ganglionares.
- Que problemas éticos lista nesta situação?
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- O que recomendaria aos profissionais envolvidos neste caso?
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- E por quê?
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Muito obrigado pela sua colaboração.
316 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Mestre José Augusto Rodrigues Simões
Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro
Campus Universitário de Santiago
3810-193 Aveiro
Telem. 968 065 135
E-mail: [email protected]
PARECER DA COMISSÃO DE ÉTICA PARA A SAÚDE
ANEXO 3
317
ANEXO 4
ANEXO 4
319
321
CARTA AOS DIRECTORES DE CENTROS DE SAÚDE
ANEXO 5
Ex.mo(a) Senhor(a)
Director(a) do Centro de Saúde
Eu, José Augusto Rodrigues Simões, médico, especialista de medicina geral e familiar,
mestre em bioética e doutorando em ciências da saúde na Universidade de Aveiro, estou a
realizar um estudo onde pretendo conhecer a opinião e atitude de médicos e enfermeiros que
trabalham em Centros de Saúde perante o tema Ética e Cuidados de Saúde Primários.
Este questionário é anónimo e os dados são confidenciais, destinando-se a ser tratados
em conjunto. Assumo a responsabilidade que esses dados serão utilizados apenas para fins de
investigação no âmbito da minha tese de doutoramento em Ciências da Saúde na Universidade
de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou em partes, em revistas médicas ou de saúde.
Será elaborado um relatório da investigação efectuada para a Administração Regional de Saúde
do Centro.
O Conselho de Administração da Administração Regional de Saúde do Centro
autorizou a realização do presente estudo nos Centros de Saúde da Região Centro (anexo cópia).
A Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São João - Porto deu parecer
favorável à realização do presente questionário como integrante do projecto de investigação
“Ética e Cuidados de Saúde Primários” (anexo cópia).
Na impossibilidade de me deslocar pessoalmente ao seu Centro de Saúde, agradeço a
sua intermediação na solicitação a médicos e enfermeiros que trabalham consigo que aceitem
preencher o questionário anexo, pedindo desde já desculpa pelo possível incómodo causado.
A resposta ao questionário é facultativa, sendo o seu preenchimento considerado como
expressão de consentimento informado em participar na investigação por parte do respondente.
Agradeço a devolução dos questionários preenchidos no envelope anexo dentro de 2
semanas.
Muito obrigado pela sua colaboração.
Aceite os meus melhores cumprimentos.
(José Augusto Rodrigues Simões)
323
ANEXO 6
ANEXO 6
TERMO DE RESPONSABILIDADE DO INVESTIGADOR
Eu, José Augusto Rodrigues Simões, médico, especialista de medicina geral e familiar, mestre em bioética e
doutorando em ciências da saúde na Universidade de Aveiro, estou a realizar um estudo onde pretendo conhecer a
sua opinião e atitude perante o tema Ética e Cuidados de Saúde Primários.
Nesse sentido, agradeço a sua colaboração ao aceitar o preenchimento do questionário anexo, pedindo desde
já desculpa pelo possível incómodo que lhe causo.
Este questionário é anónimo e os dados por si fornecidos são confidenciais, destinando-se a ser tratados em
conjunto. Assumo a responsabilidade que esses dados serão utilizados apenas para fins de investigação no âmbito da
minha tese de doutoramento em Ciências da Saúde na Universidade de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou
em partes, em revistas médicas ou de saúde. Será elaborado um relatório da investigação efectuada para a
Administração Regional de Saúde do Centro.
Com a investigação a desenvolver, espero dar resposta aos seguintes aspectos a nível da Administração
Regional de Saúde do Centro:
1. Identificar problemas éticos nas relações entre médicos de família – que trabalham em Centros de Saúde – e
os pacientes (e suas famílias).
2. Identificar problemas éticos nas relações entre enfermeiros – que trabalham em Centros de Saúde – e os
pacientes (e suas famílias).
3. Comparar os problemas éticos identificados nas relações entre médicos de família – que trabalham em
Centros de Saúde – e os pacientes (e suas famílias) com os problemas éticos identificados nas relações entre
enfermeiros – que trabalham em Centros de Saúde – e os pacientes (e suas famílias).
4. Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares reconhecidos por médicos de
família que trabalham em Centros de Saúde.
5. Identificar problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares reconhecidos por enfermeiros que
trabalham em Centros de Saúde.
6. Comparar os problemas éticos nas relações inter-profissionais e inter-pares reconhecidos por médicos de
família que trabalham em Centros de Saúde com os reconhecidos por enfermeiros que trabalham em Centros
de Saúde.
7. Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do Centro de Saúde/Sistema de Saúde
reconhecidos por médicos de família que trabalham em Centros de Saúde.
8. Identificar problemas éticos implicados na gestão/organização do Centro de Saúde/Sistema de Saúde
reconhecidos por enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.
9. Comparar os problemas éticos implicados na gestão/organização do Centro de Saúde/Sistema de Saúde
reconhecidos por médicos e família que trabalham em Centros de Saúde com os reconhecidos por
enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.
10. Identificar as atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de médicos de
família que trabalham em Centros de Saúde.
11. Identificar as atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de enfermeiros
que trabalham em Centros de Saúde.
12. Comparar as atitudes que moderam a tomada de decisão frente a problemas éticos por parte de médicos de
família que trabalham em Centros de Saúde com as que moderam a tomada de decisão frente a problemas
éticos por parte de enfermeiros que trabalham em Centros de Saúde.
O Conselho de Directivo da Administração Regional de Saúde do Centro, IP autorizou a realização do
presente estudo nos Centros de Saúde da Região Centro.
A Comissão de Ética para a Saúde do Centro de Saúde de São João - Porto deu parecer favorável à
realização do presente questionário como integrante do projecto de investigação “Ética e Cuidados de Saúde
Primários”.
A resposta ao questionário é facultativa, sendo o seu preenchimento considerado como expressão de
consentimento informado em participar na investigação.
Muito obrigado pela sua colaboração,
DELIBERAÇÃO Nº 227/2007 DA COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (CNPD)
325
ANEXO 7
Análise da Deliberação nº 227/20074 da Comissão Nacional de Protecção de
Dados (CNPD) aplicável aos tratamentos de dados pessoais efectuados no âmbito de
estudos de investigação científica na área da saúde.
Nesta Deliberação a CNPD estabelece que “os tratamentos de dados com a
finalidade de realizar estudos de investigação na área da saúde incidem sobre dados
sensíveis, pelo que, nos termos da alínea a) do artigo 28º da Lei de Protecção de
Dados (LPD), estão sujeitos a controlo prévio. Consequentemente, tais tratamentos
não poderão iniciar-se antes da obtenção da respectiva Autorização da CNPD, a emitir
nos termos e condições fixadas após notificação do tratamento a esta Comissão”.
No entanto, pela leitura da deliberação verifica que “quanto à admissibilidade
do tratamento, este deve ser efectuado de forma lícita e com respeito pelos princípios
da boa fé, tratando e conservando os mesmos dados pessoais apenas durante o
tempo necessário ao cumprimento da finalidade. Desta forma, verifica-se a
conformidade do tratamento com todo o artigo 5º da LPD. A observância dos
princípios da transparência e da boa-fé está directamente relacionada com a
prestação do direito de informação, não podendo os dados ser utilizados para outras
finalidades, sendo a informação efectivamente prestada pelos responsáveis pelo
tratamento aos titulares dos dados, no momento da obtenção do consentimento, uma
das medidas da transparência, da boa fé e da lealdade do tratamento”.
No presente estudo, foi entregue pelo investigador aos inquiridos um Termo de
Responsabilidade (Anexo 6) em que garante seriam unicamente utilizados para fins de
investigação no âmbito da sua tese de doutoramento em Ciências da Saúde na
Universidade de Aveiro e passíveis de publicação, no todo ou em partes, em revistas
médicas ou de saúde, que seria elaborado um relatório da investigação efectuada para
a Administração Regional de Saúde do Centro.
“Sempre que um estudo possa ser efectuado sem o tratamento de dados
pessoais, deve ser essa a opção do investigador. Isto é, sempre que o estudo puder
ser feito com dados anonimizados, em que não se identifica nem permite identificar os
titulares dos dados, deve ser esta a opção tomada para a investigação”.
4
Disponível em http://www.cnpd.pt/bin/decisoes/2007/htm/del/del227-07.htm [citado em 13-06-2007]
326 ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE
No presente estudo, não é feito qualquer tratamento de dados de identificação
pessoal, todos os participantes são anónimos, não sendo sequer identificado o
respectivo Centro de Saúde, unicamente se tratam os dados por Sub-Região de
Saúde, que é equivalente aos distritos administrativos.
“Assim, no caso dos tratamentos de dados pessoais efectuados no âmbito de
estudos de investigação na área da saúde, a legitimidade terá de decorrer do
consentimento livre, específico, informado (alínea h) do artigo 3º da LPD) expresso do
titular (nº 2 do artigo 7º da LPD) e escrito (nº 3 do artigo 4º da Lei 12/2005). O
consentimento livre significa que o titular não conhece nenhuma condicionante ou
dependência no momento da sua declaração que afecte a formação da sua vontade e,
ainda, que pode revogar, sem penalizações e com efeitos retroactivos, o
consentimento que haja prestado. O consentimento específico significa que o
consentimento se refere a uma contextualização factual concreta, a uma actualidade
cronológica precisa e balizada e a uma operação determinada. O consentimento
específico afasta os casos de consentimento preventivo e generalizado, prestado de
modo a cobrir uma pluralidade de operações. O consentimento informado significa que
ao titular foi dado conhecimento, não apenas dos elementos do artigo 10º da LPD,
mas ainda de todas as informações relevantes para a compreensão de todos os
elementos atinentes ao tratamento. O dever de informação por parte do responsável
inclui o dever de esclarecer e a obrigação de se certificar que o titular conheceu e
apreendeu todos os elementos do conteúdo do direito de informação. A existência ou
possibilidade de ocorrência de riscos para o titular, quer para a sua saúde, quer para a
sua privacidade, deve ser comunicada. O consentimento expresso significa que a sua
prestação tem de visar directamente o tratamento de dados pessoais de saúde, não
podendo ser inferido ou extraído implicitamente de outras declarações ou
comportamentos. O consentimento escrito significa que deve constar de texto lavrado
ou subscrito pelo próprio titular”.
No presente estudo, a presunção da obtenção do consentimento do titular dos
dados é devida ao facto de o inquirido ter preenchido o questionário, o que ocorreu
sem a presença do investigador, e o ter devolvido. Na introdução do questionário era
expressamente dito que “a resposta a este questionário é facultativa, sendo o seu
preenchimento considerado como expressão de consentimento informado em
participar na investigação”.
Pelo exposto, o autor do presente estudo considera que, apesar de não ter
solicitado, nem previamente nem a posteriori, autorização à Comissão Nacional de
DELIBERAÇÃO Nº 227/2007 DA COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS (CNPD)
327
Protecção de Dados, por o estudo não fazer tratamento de dados pessoais, mas
unicamente tratar, anonimamente, a opinião dos inquiridos, cumpre os fundamentos
da Deliberação nº 227/2007.
329
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
ANEXO 8
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
Artigo
Ethical aspects of
clinical decisionmaking
Empirical studies
of ethics in family
medicine
Autores e
Ano
KOLLEMOR
TEN, I. et al.,
1981
BRODY, H.,
1983
Revista
J Med
Ethichs.
1981; 7(2):
67-9.
J Fam Pract
1983; 16:
1061-3.
Tipo de
estudo
Quantitativo
Reflexivo
Profissionais
Meio
Resumo
Médicos e
Enfermeiros
Hospitalar
O objectivo do presente estudo foi descrever e
classificar problemas éticos significativos encontrados
pelo pessoal de saúde durante o trabalho clínico diário
num departamento de medicina de um hospital
dinamarquês. Um conjunto de definições foi preparado
para o efeito, incluindo a definição de ‘problema ético
significativo’. Durante um período de três meses 426
pacientes foram internados e 173 pacientes foram
admitidos em consulta externa. Problemas éticos
significativos foram encontrados durante o cuidado de
106 dos pacientes internados (25%) e de 9 pacientes
de consulta externa (5%). Não foi encontrada diferença
significativa da frequência de problemas éticos entre os
pacientes mulheres e homens, mas uma correlação
positiva foi observada entre o número de problemas e a
idade dos pacientes. Os problemas tipo foram
classificados de acordo com uma lista de problemas.
Os resultados deste estudo sugerem que uma maior
atenção deve ser dada ao debate sobre problemas
éticos entre os médicos e enfermeiros e que, entre
outros, os estudantes de medicina e enfermagem
deveriam ser ensinados na análise de problemas
éticos.
Os limites da interferência da equipa no estilo de vida
das famílias ou dos pacientes, ou seja, em que medida
os profissionais de saúde podem ser coercivos acerca
das opções terapêuticas e das mudanças de estilo de
330
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
vida constitui um tema central nas questões éticas
envolvidas nos cuidados de saúde familiar. De acordo
com o autor, uma forma peculiar de coerção pode ser
exercida pelos profissionais de saúde, especialmente
os médicos, pela qual estes, com base na sua
autoridade, manipulam o paciente através de
apresentações enviesadas ou pela omissão de dados,
opções ou informações. Quando o profissional
meramente descreve os cursos alternativos de acção
de maneira neutra, permitindo que o paciente faça a
sua opção, a coerção fica explicitamente ausente.
Porém, sabe-se que uma comunicação com tal
neutralidade se torna impossível na prática e o mais
frequente é o profissional explanar ao paciente as
várias opções, tentando persuadi-lo a aceitar a que, na
opinião do profissional, defende melhor os seus
interesses.
How family
physicians
approach ethical
problems
CHRISTIE,
RJ. et al.,
1983
J Fam Pract
1983; 16(6):
1133-8.
Qualitativo
Médicos
Universitár
io
Estudo realizado com professores do Departamento de
Medicina da Universidade de Ontário Ocidental,
Canadá. Sugere que a disponibilidade ou não para
interferir no estilo de vida das pessoas doentes varia de
acordo com as consequências para a saúde e com o
comportamento que deve ser alterado. A maioria dos
inquiridos (84,3%) está preparada para tentar mudar o
estilo de vida de um paciente quando este configura um
potencial dano para a sua saúde. Entretanto, poucos se
sentem preparados para tentar essa alteração quando
a questão envolve problemas como a interrupção de
uma gravidez, contracepção permanente, fim de um
casamento, uso de drogas ilícitas ou casos
extraconjugais, situação em que 86% dos entrevistados
afirma que raramente interferiria. Excepção deve ser
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
331
feita aos médicos mais velhos, que além de mais
propensos a coagir os pacientes a aceitarem um plano
de tratamento ou um internamento, também tendem
mais a tentar alterar o estilo de vida dos pacientes no
que diz respeito a práticas sexuais, casos
extraconjugais e uso de drogas ilícitas.
Ethical decision
making by family
physicians
DAYRINGER
, R., PAIVA,
EAR.,
DAVIDSON,
GW., 1983
J Fam Pract
1983; 17:
267-72.
Qualitativo
Médicos
Relevance and
utility of courses in
medical ethics: a
survey of
physicians’
perceptions
PELLEGRIN
O, ED. et al.,
1985
JAMA 1985;
253(1): 4953.
Quantitativo
Médicos
Cuidados
Primários
Estudo realizado com 131 médicos de Illinois, EUA;
sobre problemas éticos encontrados na prática da
medicina familiar aponta para que se um paciente do
sexo masculino contraísse uma doença sexualmente
transmissível, infectasse a sua esposa, não quisesse
contar a verdade e pedisse que ela fosse tratada sem
saber da sua condição, os profissionais resistiriam ao
pedido e diriam a verdade para a esposa, tratando-a
abertamente. Além de indicar que os problemas éticos
relativos à contracepção são comuns na prática diária,
revelam uma disposição destes profissionais para
prescrever contraceptivos às adolescentes que os
peçam, ainda que sem permissão dos pais. Do total de
131 respondentes, 76% prescreveriam; 13% refeririam
para um serviço especializado e somente 11% se
recusariam a ficar envolvidos.
Estudo que apresenta os dados do inquérito realizado
em 1982, pela Associação Médica Americana, para
apurar como os médicos avaliam a eficácia da sua
educação em os preparar para lidar com as questões
éticas encontradas na prática clínica. Os resultados
indicam que os médicos que tiveram cursos de ética
médica percebem que eles são de grande valor prático
e recomendam que o seu conteúdo seja expandido.
Apresentam também dados sobre a frequência relativa
332
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
das questões éticas específicas encontradas na prática
e sobre a influência relativa de valores pessoais,
educação médica, prática médica, ética e cursos sobre
abordagens para as questões éticas.
Physician-nurse
relationships
PRESCOTT,
PA.,
BOWEN,
SA., 1985
Ann Intern
Med 1985;
103(1): 12733.
Quantitativo
Médicos e
Enfermeiras
Hospitalar
Estudo realizado com mais de 1000 enfermeiras e
cerca de 700 médicos de 15 hospitais gerais de seis
áreas metropolitanas dos EUA, que indica que a
demora no cuidado do paciente e os problemas
recorrentes de disputas não resolvidas são um
subproduto do desacordo entre os profissionais. A
maioria dos médicos (65%) e dos enfermeiros (53%)
assumem uma atitude competitiva, isto é, ambos
querem fazer valer os seus direitos e não se mostram
cooperativos na forma de resolver os seus desacordos.
Os autores chegam a sugerir que o desacordo não é
indesejável. Ao contrário, defendem que este pode ter
um papel importante nos cuidados, uma vez que as
enfermeiras e os médicos têm perspectivas diferentes
quanto a muitos problemas de saúde dos utentes. No
estudo, as enfermeiras apontam o desrespeito dos
médicos para com elas, enfatizando a falta de
confiança. Do ponto de vista destes profissionais, uma
relação é boa quando o médico acredita no julgamento
da enfermeira e confia que esta o chamará quando
necessário. É importante para as enfermeiras sentiremse tratadas com respeito, como pessoas inteligentes e
saberem que contarão com o suporte do médico na
presença do paciente. Já para os médicos, tem
importância a maneira como a enfermeira os aborda e
a competência clínica destes profissionais, apontando
que é comum a falta de diplomacia ou tacto, de bom
julgamento clínico e de ajuda. Para os médicos, as
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
333
características positivas incluem a forma da enfermeira
comunicar com eles, a sua disposição para ajudar e a
sua competência. Uma aproximação não exigente por
parte da enfermeira e uma não abusiva por parte do
médico são comummente mencionadas.
Perceptions of
ethical problems
by nurses and
doctors
GRAMELSP
ACHER, GP.,
HOWELL,
JD., YOUNG,
MJ., 1986
Archives of
Internal
Medicine
1986; 146(3):
577-8.
Patients’ voices,
rights and
responsibilities: on
implementing
social audit in
primary health care
HILL, WY.,
FRASER, I.,
COTTON, P.,
1988
J Bus Ethics.
1988; 17:
1481-97.
Ethical issues in
ROBILLARD,
J Community
Qualitativo
Médicos e
Enfermeiros
Hospitalar
Pacientes
Quantitativo
Médicos e
Para identificar o modo como os médicos e os
enfermeiros percebem os problemas éticos na prática
clínica, foram realizadas entrevistas com 26
enfermeiros e 24 médicos que trabalham em unidades
de cuidados intensivos do Michigan, EUA. Ambos os
grupos referiram que frequentemente enfrentam
problemas éticos, embora se tenha verificado uma
variação significativa no seio de cada grupo sobre
quantas vezes tinham percebido tais problemas. Os
membros da equipa de cuidados de saúde muitas
vezes discordaram sobre decisões éticas. Os
enfermeiros frequentemente descrevem conflitos com
os médicos, enquanto os médicos só muito raramente
reconhecem desacordos com os enfermeiros. Os
eticistas clínicos devem estar conscientes desta
heterogeneidade de percepções, a fim de comunicarem
eficazmente sobre os problemas éticos.
Estudo interdisciplinar realizado na Escócia com uma
amostra representativa da diversidade da população
utente dos serviços de saúde daquele país aponta a
prescrição de medicamentos genéricos mais baratos,
como uma área especialmente problemática, pois a
falta de informação dos utentes gera a falta de
confiança na eficácia destes produtos.
Cuidados
Num estudo realizado numa amostra aleatória
334
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
primary health
care: a survey of
practioners’
perceptions
HM. et al.,
1989
Health. 1989;
14: 9-17.
Enfermeiras
Primários
estratificada, de 702 profissionais de saúde (médicos,
enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes médicos) que
trabalham em serviços de cuidados de saúde primários
no Kentuchy (EUA), também têm resultados que
confirmam o facto das ocorrências éticas mais comuns
nos cuidados primários configurarem as preocupações
pragmáticas do dia a dia, especialmente as ligadas à
prática clínica. Nesse estudo, os doze principais
problemas apontados como os mais frequentes não
são dramáticos ou tão pouco merecedores de destaque
na imprensa, mas ocorrem repetidamente. Dentre eles
estão a falta de preparação e actualização dos
profissionais de saúde; o trato desrespeitoso para com
os pacientes; a solicitação do paciente por
procedimentos desnecessários; a informação
inadequada aos pacientes; a solicitação de informações
por parte da família comprometendo a
confidencialidade do paciente; a violação da
confidencialidade do paciente e as dificuldades com os
serviços e procedimentos de referência. Ao
compararem os médicos com os outros profissionais de
saúde que actuam nos cuidados primários encontram
uma diferença estatisticamente significativa entre os
dois grupos no tocante ao registo da frequência com a
qual se deparam com problemas éticos. Isto ocorreu
para 28 dos 36 itens do questionário aplicado e,
somente em dois deles, os médicos reportam uma
proporção maior (tratamentos desnecessários
aplicados pela preocupação de proteger-se legalmente
e suspensão das medidas de suporte de vida), nos
demais, o grupo dos restantes profissionais afirma
encontrar os problemas comummente ou
ocasionalmente com mais frequência, o que poderia
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
335
indicar maior sensibilidade desses profissionais para as
situações potencialmente problemáticas. A restrição
financeira dos pacientes enquanto factor de não
adesão ao tratamento é mencionada como problema
ético por 70,8% dos 391 médicos e 78,3% dos 311
demais profissionais.
Ethical decision
making in clinical
practice
FOWLER
MD., 1989
Nurs Clin of
North Am.
1989; 24(4):
955-65.
Reflexivo
Enfermeiras
A educação ética contemporânea da enfermagem
incide sobre a utilização de um modelo de ética
analítica para a tomada de decisão tanto para o seu
processo como para o seu conteúdo. Talvez este seja o
caso porque ele tem algumas semelhanças com o
processo de enfermagem, que é ensinado de forma
semelhante. Assim, um método dedutivista de tomada
de decisões éticas encaixa-se dentro do mesmo
esquema geral do hipotético-dedutivo, método de
tomada de decisão que é ensinado para o diagnóstico
de enfermagem. A ética exige que a enfermagem
respeite as pessoas, informe os pacientes e se
assegure do seu consentimento, não infligindo danos,
deve preservar a qualidade de vida do paciente,
prevenir e eliminar os danos nocivos, criar condições
de fazer o bem aos doentes, e minimizar os riscos para
si própria. Estas são, entre as normas de obrigação
ética que orientam a análise e julgamento em
enfermagem, a essência do modelo de ética analítica
da tomada de decisão. A ética da enfermagem criou
elevados ideais e grandes exigências para a
enfermagem. Estas são exigências que a enfermagem
tem cumprido e ideais que têm sido frequentemente
realizados. Qualquer que seja a força da nossa ciência,
a enfermagem é um esforço intrinsecamente moral, tão
forte como o seu empenho nas suas obrigações éticas
336
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
e valores. A enfermagem deve estabelecer as suas
prioridades entre os aspectos que tenta controlar. A
Ética deve ser uma das suas prioridades.
Community health
nurses: their most
significant ethical
decision-making
problems
AROSKAR,
MA., 1989
Nurs Clin
North Am.
1989; 24(4):
967-75.
Qualitativo
Enfermeiras
Emotions and the
process of ethical
decision-making
CONNELLY
JE., 1990
J S C Med
Assoc. 1990;
86(12): 6213.
Reflexivo
Médicos
An integrative
model of clinicalethical decision
making
GRUNSTEIN
-AMADO, R.,
1991
Theor Med.
1991; 12(2):
157-70.
Reflexivo
Cuidados
Primários
Enfermeiras que actuam em saúde pública, no estado
de Minnesota (EUA), ao descreverem questões sobre
contar a verdade como um problema ético significativo
das suas práticas; exemplificam-no com situações que
abrangem o não denunciar a qualidade questionável da
assistência prestada por alguns colegas e/ou médicos
quando o bem estar do paciente está em jogo.
As emoções desempenham um papel central nas
nossas vidas diárias. Elas influenciam o nosso
comportamento, bem como o desenvolvimento e
direcção das nossas relações. Clinicamente, as
emoções podem sinalizar a presença de conflitos éticos
entre pacientes, médicos e outros profissionais
envolvidos nos cuidados aos pacientes. As emoções
precisam ser reconhecidas pelos médicos e
trabalhadas na direcção de interacções empáticas,
apesar de ambas, razão e emoção, precisarem de ser
integradas no processo de tomada de decisão ética
para garantir um resultado equilibrado.
O objectivo deste trabalho é propor um modelo de
tomada de decisão de ética clínica que contribua para o
profissional de saúde chegar a uma decisão eticamente
defensável. O modelo destaca a integração entre ética
e tomada de decisão, em que a ética é uma ferramenta
analítica sistemática para suportar os aspectos
positivos do processo de tomada de decisão. O modelo
é composto por três elementos principais. A
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
337
componente ética, a tomada de decisão e os aspectos
contextuais. Esta última integra os aspectos relacionais
entre o prestador e o paciente e a estrutura
organizacional. O modelo sugere que, a fim de se
chegar a uma decisão eticamente justificada se deve
fazer referência a esses três elementos.
Communication
problems between
doctors and nurses
MACKAY,
RC.,
MATSUNO,
K.,
MULLIGAN,
J., 1991
Qual Assur
Health Care
1991; 3(1):
11-9.
Quantitativo
Médicos e
Enfermeiros
Hospitalar
Dificuldades na comunicação entre médicos e
enfermeiros hospitalares estão bem documentadas. Um
estudo realizado em conjunto pela direcções médica e
de enfermagem do Hospital Sir Charles Gairdner em
Perth (Austrália Ocidental), sobre as dificuldades de
comunicação entre médicos e enfermeiros percebidos
pelos próprios, bem como por administrativos, como
observadores imparciais. As respostas ao questionário
revelaram alguns impedimentos no fluxo da
comunicação. Ambos, enfermeiros e médicos,
percebem com menos frequência as dificuldades em
comunicarem com os membros do seu próprio grupo
profissional, do que com os membros do outro grupo.
Os enfermeiros com preparação universitária e outras
especializações clínicas percebem significativamente
menos problemas de comunicação com os médicos do
que os enfermeiros com menor escolaridade. Os
Internos percebem uma maior frequência da dificuldade
em comunicar com os enfermeiros do que os médicos
mais qualificados. As médicas que não eram internas
alegaram menos problemas do que os seus homólogos
masculinos. Também, os médicos do sexo masculino
altamente qualificados, e que tiveram uma ocupação
anterior, referem menos problemas de comunicação
médico-enfermeiro.
338
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Physicians’ and
nurses’
perceptions of
ethics problems on
general medical
services
WALKER,
RM. et al.,
1991
J Gen Intern
Med. 1991;
6(5): 424-9
Qualitativo
Médicos e
Enfermeiras
Hospitalar
Estudo realizado na Florida (EUA), para entender que
tipos de situações clínicas os médicos e os enfermeiros
consideram ser “problemas éticos”. Estudaram
prospectivamente médicos e enfermeiros sobre as suas
percepções dos problemas éticos utilizando entrevistas
emparelhadas. Foram realizadas entrevistas individuais
aos médicos e enfermeiros sobre como eles cuidavam
dos pacientes durante o mesmo período de seis
semanas. Cada um foi questionado se tinha surgido
algum problema ético no cuidado dos seus pacientes e,
em caso afirmativo, fazer uma breve descrição do(s)
problema(s). Treze médicos (na sua maioria residentes
de medicina familiar) e 42 enfermeiros cuidaram de 142
pacientes internados em enfermaria geral. Os médicos
e os enfermeiros referiram casos com problemas éticos
em 75 dos 142 pacientes internados. Embora, os
médicos e os enfermeiros tenham identificado casos
com problemas éticos em número semelhante, porém,
muitas vezes os problemas éticos identificados foramno em diferentes pacientes ou foram identificados
diferentes problemas éticos no mesmo paciente. Foram
descritos uma variedade de tipos de problemas éticos.
Os médicos identificaram mais problemas relacionados
com a qualidade de vida, o internamento hospitalar
inadequado e os custos dos cuidados de saúde; os
enfermeiros identificaram mais problemas relacionados
com as preferências do paciente, os desejos da família,
a gestão da dor, a execução de tratamentos e o
planeamento da alta. Um quarto dos problemas éticos
identificados pelos médicos e enfermeiros envolveram
conflitos interprofissionais. Os médicos e os
enfermeiros estudados consideraram uma vasta gama
de situações clínicas como “problemas éticos” e que
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
339
elas ocorrem frequentemente. Foram encontradas
diferenças sistemáticas nas percepções dos médicos e
dos enfermeiros acerca dos problemas éticos e muitos
problemas éticos foram gerados por conflitos
interprofissionais. Integrar este tipo de informação nos
programas educacionais e em políticas hospitalares,
pode representar uma abordagem útil para melhorar a
interacção médico-enfermeiro.
Ethical decision
making by family
doctors in Canada,
Britain and the
United States
HOFFMAST
ER, CB.,
STEWART,
MA.,
CHRISTIE,
RJ., 1991
Soc Sci Med.
1991; 33(6):
647-53.
Quantitativo
Médicos
Cuidados
Primários
Estudo envolvendo 674 médicos de família do Canadá
e Estados Unidos e clínicos gerais da Inglaterra e País
de Gales. Foi enviado um questionário contendo seis
casos que levantavam questões éticas. Os médicos
foram convidados a escolher o curso de acção que
consideravam mais adequado para cada caso e a
referir as razões para essa decisão. Os problemas
éticos envolviam questões quanto à divulgação de
informações aos pacientes, quanto a um médico
interferir com os estilos de vida dos seus pacientes, e
quanto a lidar com um possível problema familiar. Os
inquiridos seleccionaram diferentes cursos de acção
para os casos. Os médicos americanos mais do que os
canadianos ou britânicos optaram por divulgar as
informações, enquanto mais os médicos britânicos do
que os canadianos ou americanos não queriam
interferir nos estilos de vida dos pacientes. Os médicos
que optaram por divulgar as informações eram mais
jovens, do sexo masculino, viviam em pequenas
comunidades e sem qualquer ligação a estruturas
académicas. Os médicos, que preferiram não interferir
nas questões de estilos de vida dos pacientes eram
mais jovens, ligados a igrejas, e trabalhavam em grupo
em pequenas comunidades.
340
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Differences in
ethical decisionmaking processes
among nurses and
doctors
GRUNSTEIN
-AMADO, R.,
1992
The nature of
dilemmas in
dialysis nurse
practice
Wellard
1992
J Adv Nurs.
1992; 17(2):
129-37.
S., J Adv Nurs.
1992; 17:
951-8.
Qualitativo
Médicos e
Enfermeiros
Enfermeiros
Hospitalar
Entrevistas a nove enfermeiros e nove médicos que
trabalham em unidades para pacientes agudos e
crónicos de dois hospitais de Toronto (Canadá)
encontra diferenças que sugerem uma tendência dos
primeiros apresentarem uma maior sensibilidade para
as questões éticas. Também indicam que ambos
entendem como importante buscar o melhor bem do
paciente, entretanto sob perspectivas distintas, com os
enfermeiros enfatizando mais a dignidade, o conforto e
os desejos deste, enquanto que os médicos estão mais
preocupados com os direitos dos pacientes e a
abordagem científica que implica focar mais a doença e
o seu tratamento. O estudo sugere que existe a
necessidade de desenvolvimento de uma nova prática,
com base em atributos comuns aos dois grupos
profissionais e em que ambos os grupos estejam
empenhados. Isso constituiria um ponto de referência
comum compartilhado pelas duas profissões a partir do
qual se poderiam resolver os problemas éticos e que
iria remover as barreiras de comunicação.
Entrevistas a enfermeiros de serviços de diálise, na
comunidade de Victoria (Austrália), onde as relações
com os pacientes são mais duradouras e com
contactos constantes, identifica que o início deste
relacionamento é visto como “muito difícil”. Conflitos
surgem porque os pacientes não acreditam que os
enfermeiros tenham a ‘expertise’ requerida para prover
o cuidado adequado, tendo estes que provar a sua
habilidade antes de gozarem da confiança dos
primeiros. Com o decorrer do tempo, este conflito
resolve-se, a relação distante e de desconfiança dá
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
341
lugar à amizade e ao apoio mútuo, então, o dilema para
os enfermeiros passa a ser como responder
profissionalmente sendo o paciente um amigo.
Ethical reasoning
in nurses’ and
physicians’ stories
about care
episodes
UDÉN, G. et
al.,1992
J Adv Nurs.
1992; 17(9):
1028-34.
Qualitativo
Médicos e
Enfermeiros
Hospitalar
Entrevistaram enfermeiros e médicos dos
departamentos de Medicina Interna e Oncologia do
Hospital Universitário de Tromsö (Noruega). Ao
pedirem para que os entrevistados narrassem uma
situação de cuidado que fosse eticamente problemática
e que tivessem vivido na enfermaria, percebem que
especialmente nas histórias dos enfermeiros e menos
nas dos médicos, há menções a desacordo entre as
duas profissões. Os médicos são frequentemente
apontados como fontes de conflitos éticos pelos
enfermeiros; por outro lado, estes raramente são
mencionados nas narrativas dos primeiros. Por outro
lado indica que os enfermeiros tendem a respeitar a
autonomia dos pacientes, enquanto que os médicos se
inclinam para o paternalismo. Estes resultados foram
interpretados como estando essencialmente ligados ao
facto de as duas profissões terem diferentes tarefas a
realizar e que estão treinados em disciplinas com focos
diferentes, a enfermagem e a medicina. É sublinhada a
necessidade de encontrar um quadro comum que
abranja as duas histórias profissionais.
Ethical challenge
in community
health nursing.
DUNCAN,
SM., 1992
J Adv Nurs.
1992; 17(9):
1035-41.
Qualitativo
Enfermeiras
Cuidados
Primários
Estudo com enfermeiros de serviços extra-hospitalares
de British Columbia (Canadá), que revelaram que as
situações éticas mais difíceis que enfrentam na sua
prática diária envolvem os direitos dos adultos e
adolescentes em risco. A defesa e o desenvolvimento
da comunidade requerem que os enfermeiros que
actuam na comunidade se centrem nas condições que
342
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
determinam a saúde, encontrando maneiras de
fortalecer as habilidades dos pacientes para
assegurarem os seus direitos e avaliarem a qualidade
dos serviços. No entendimento da autora, um aumento
na participação dos pacientes no seu cuidado, tanto no
âmbito individual como no planeamento da saúde da
comunidade, aumentaria a resposta do sistema de
saúde às suas necessidades, principalmente para os
que estão em situação de alto risco.
Ethical decisionmking processes
used by health
care providers
GRUNSTEIN
-AMADO, R.,
1993
J Adv Nurs.
1993; 18(11):
1701-9.
Qualitativo
Médicos e
Enfermeiras
Hospitalar
Este trabalho relata os resultados de um estudo
realizado com 18 profissionais de saúde em dois
hospitais de Toronto (Canadá). O estudo analisou e
avaliou o modo como estes prestadores de cuidados de
saúde tomavam decisões de ética clínica na linha de
um modelo teórico de tomada de decisão em ética
clínica. Nove enfermeiros e nove médicos foram
entrevistados em duas fases, em profundidade, e em
entrevista semi-estruturada. Os resultados sugerem
que, em relação aos dois principais elementos do
modelo, a saber, a componente ética e a componente
da decisão teórica, os prestadores de cuidados de
saúde não seguiram um padrão consistente e
sistemático de tomada de decisão ética. As diferenças
surgiram entre o seu comportamento real auto-relatado
e as suas potencialidades como capacidade (isto é, o
seu processo de pensamento abstracto). A imagem
geral que se obteve foi que as decisões eram tomadas
de um modo estreito, da forma habitual, com a
eliminação dos mais importantes e exigentes elementos
do processo. Para os prestadores de cuidados de
saúde avaliados na abordagem do processo de tomada
de decisão ética contava: a sua percepção do
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
343
problema, a sua procura e selecção de informações e
provas, e o seu desenvolvimento de alternativas e
consequências daí resultantes. Sugere-se (a) a
investigação e compreensão destas realidades
subjectivas dos indivíduos envolvidos no processo de
tomada de decisão, os seus valores e o significado que
atribuem à sua escolha, e (b) estabelecer programas
educativos para aumentar a capacidade dos
prestadores de cuidados de saúde tomarem decisões
éticas e, posteriormente, promover uma efectiva e
responsável prática profissional.
Two instruments to
measure
interdisciplinary
bioethical decision
making
BAGSS, JG.,
1993
Heart Lung.
1993; 22(6):
542-7.
Quantitativo
Médicos e
Enfermeiros
Hospitalar
Para desenvolver e testar dois instrumentos de
medição da tomada de decisão sobre o nível de
agressividade das unidades de cuidados intensivos.
Decisões sobre Agressividade da Assistência ao
Paciente (DAAP) mede as percepções sobre a tomada
de decisões dos prestadores de cuidados. Decisões
sobre Agressividade da Assistência ao Paciente para
Pacientes Específicos (DAAP [PE]) mede as
percepções em situações específicas. Duas fases na
avaliação dos instrumentos psicométricos. Fase I, envio
de um questionário de âmbito nacional. Fase II, em
unidade de cuidados intensivos médicos de um centro
médico do nordeste. Fase I, 22 médicos e enfermeiras
especialistas de unidades de cuidados intensivos. Fase
II, 35 enfermeiras da unidade de cuidados intensivos,
médicos e oito médicos residentes. Foram medidas as
propriedades psicométricas dos instrumentos. A
validade do conteúdo de ambas as ferramentas foi
apoiado pelo seu desenvolvimento a partir da literatura
e pelos peritos consultados. A validade de face foi
apoiada pelos peritos, enfermeiras e médicos
344
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
residentes. Ambos os instrumentos tinham variância
nas respostas e a sua consistência interna / fiabilidade
(r = 0,53, r = 0,73) e, no teste-reteste (r = 0,73). Estes
instrumentos podem enriquecer a nossa compreensão
de como os prestadores de cuidados nas unidades de
cuidados intensivos médicos tomam as decisões
bioéticas sobre os pacientes. Essa compreensão
poderá ajudar no desenvolvimento de intervenções
para aumentar a colaboração interdisciplinaridade na
decisão, levando a uma maior satisfação e melhores
resultados nos cuidados fornecidos aos pacientes.
Moral dilemmas
experienced by
nurse practitioners
VIENS, DC.,
1994
Nurs Pract
Forum. 1994;
5: 209-14.
Qualitativo
Enfermeiros
Cuidados
Primários
Um estudo feito com enfermeiros da região oeste dos
EUA, que já apresenta como um problema ético para
os que actuam nos cuidados primários o direito e o
acesso aos serviços de saúde, principalmente pelas
situações geradas em consequência dos cortes nos
gastos e das restrições de procedimentos impostas
pelos seguros de saúde, através da estratégia do
managed care.
The discussion of
end-of-life medical
care by primary
care patients and
physicians
PFEIFER,
MP. et al,
1994
J Gen Intern
Med. 1994;
9: 82-8.
Qualitativo
Médicos e
Pacientes
Cuidados
Primários
Estudo acerca da discussão dos cuidados médicos no
final da vida, realizado com 43 médicos e 53 utentes de
serviços de cuidados primários, indica que os primeiros
demonstram hesitação para iniciar esse tipo de
argumento, pois temem prejudicar as esperanças dos
últimos e o seu relacionamento com eles. Por outro
lado, os resultados sugerem que os médicos
provavelmente têm pouco a temer nesse sentido,
porque os utentes entrevistados manifestam receber
bem o argumento, vêem-no como parte integrante da
intimidade da relação e acreditam que os profissionais
devem gerir a informação com franqueza.
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
Informed consent:
clinical and legal
issues in family
practice
SEARIGHT,
HR.,
BARBARAS
H, RA., 1994
Fam Med.
1994; 26:
244-9.
Confidentiality o
medical records:
the patient’s
perspective
CARMAN,
D.,
BRITTEN,
N., 1995
Br J Gen
Pract. 1995;
45: 485-8.
Qualitativo
345
Médicos
Cuidados
Primários
Os autores analisam os aspectos clínicos, éticos e
legais do consentimento livre e esclarecido na prática
dos médicos de família, reconhecem que nas situações
de uma relação médico-paciente prolongada é possível
que alguns pacientes tendam a transferir a decisão
para o profissional. São habitualmente competentes e
comunicam uma clara preferência que deve ser
respeitada. Entretanto, para que a delegação seja
válida, devem ser esclarecidos que o profissional tem o
dever de informá-los sobre o tratamento, que têm um
direito legal de decidir sobre este, que não podem ser
tratados sem o seu consentimento e que têm o direito
de consentir ou recusar o tratamento. Esta discussão,
alertam os autores, deve ser registada no processo
clínico e esta delegação deve ser realizada somente
quando o paciente explicitamente declara que não quer
mais ser informado ou claramente indica o desejo de
que o médico tome a decisão por ele. Mesmo assim, os
profissionais devem deixar claro que imediatamente
fornecerão qualquer informação adicional se o paciente
mudar de ideias.
Pacientes
Cuidados
Primários
Estudo qualitativo desenvolvido, em diferentes cidades
inglesas de uma área semi-rural, com 39 pacientes de
consultórios de seis clínicos gerais, com 12.000
pessoas adstritas. Em entrevistas semi-estruturadas,
realizadas nas suas próprias casas, os utentes eram
encorajados a manifestar as suas expectativas sobre a
confidencialidade dos dados constantes nos seus
processos clínicos. Os entrevistados afirmam que os
médicos e enfermeiras deveriam ter algum grau de
acesso aos seus registos, mas não ilimitado, sendo
346
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
referidas reservas principalmente para os médicos não
directamente envolvidos no seu cuidado e, 23 dos
participantes referiram que nenhum membro do staff
administrativo dos consultórios deveria ter acesso aos
registos de seus processos clínicos. Os resultados
também apontam para diferentes atitudes quanto à
maneira para tratar a informação confidencial nos
hospitais e nos consultórios. Dos 23 entrevistados que
esperam que ninguém, fora os médicos e a equipa de
enfermagem, em alguns casos, tenham acesso aos
registos nos consultórios, somente 3 defendem
restrições similares para os seus registos hospitalares.
O determinante dessa diferença é o anonimato que
ocorre no hospital e que não pode ser garantido nos
consultórios, especialmente na sua realidade que
estavam em pequenas cidades de uma área semi-rural.
Também 28 dos entrevistados consideram que,
comparando os registos hospitalares com os dos
consultórios, os últimos incluem mais informações
pessoais, como circunstâncias sociais,
relacionamentos, comentários críticos, e abarcando um
longo período de tempo.
Medical and
nursing ethics:
never the twain?
GALLAGHE
R, A., 1995
Nurs Ethics.
1995;
2(2):95-101.
Reflexivo
Médicos e
Enfermeiros
Desde a publicação da Carol Gilligan's "In a different
voice" em 1982, tem havido muita discussão sobre as
abordagens masculina e feminina da ética. Tem sido
sugerido que a ética do cuidado, ou uma ética feminina,
é mais adequada para a prática da enfermagem, o que
contrasta com a tradicional ética ‘masculina’ da
medicina. Tem sido sugerido que a versão de Nel
Noddings da 'ética do cuidado’ (ou ética feminina) é um
modelo adequado para a ética da enfermagem. A
abordagem dos ‘quatro princípios’ tornou-se popular
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
347
como modelo de ética médica ou de ética da saúde. É
sugerido neste artigo que, embora Noddings apresente
uma interessante análise do cuidar e do relacionamento
no cuidar, esta tem limitações. Ao invés de agir como
uma alternativa à abordagem dos ‘quatro princípios’, é
necessário fornecer um enquadramento para a
estrutura de pensamento e de tomada de decisão em
saúde. Além disso, é sugerido que separatismo ético
(ou seja, uma ética para os enfermeiros e uma ética
para os médicos) nos cuidados de saúde não é um
passo para o progresso quer dos enfermeiros quer dos
médicos. São feitas três recomendações: que se deve
promover uma ética da saúde que incorpore o que é
valioso da tradicional ética ‘masculina' (a abordagem
dos ‘quatro princípios’) e da ‘ética do cuidado', ou ‘o
como' (aspectos dos trabalhos de Noddings e de Urban
Walker); que se encoraje os enfermeiros e os médicos
a participarem na "partilha da aprendizagem" e da
discussão ética; e que assim como a nossa língua as
nossas preocupações éticas são comuns a todos, e
não divididas em dicotomias inúteis.
Ethical decisionmaking by staff
nurses
SMITH, KV.,
1996
Nur Ethics.
1996; 3(1):
15-25.
Qualitativo
Enfermeiras
Hospitalar
A ética da tomada de decisão é inerente à prática da
enfermagem. Embora uma parcela da literatura de
enfermagem seja dedicada à deontologia e ética na
tomada de decisões, a profissão está apenas
começando a investigar a experiência real das
enfermeiras em ética. Portanto, o objectivo do presente
estudo fenomenológico foi o de examinar a experiência
pessoal das enfermeiras quando envolvidas no
processo de tomada de decisões éticas. Os dados das
entrevistas foram obtidos a partir de 19 enfermeiras da
equipa de um grande hospital metropolitano do oeste
348
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
americano. As entrevistas foram transcritas e
posteriormente analisadas pelo método de Giorgi de
análise de dados. As descrições que emergiram
revelaram quatro aspectos comuns na tomada de
decisão ética entre enfermeiras: o contexto, o
desencadear do processo de tomada de decisão ética
(ou seja, deliberação e integração), e os resultados.
Estes dados fornecem os fundamentos para uma futura
investigação em matéria de ética descritiva e
formulação de uma teoria sobre a tomada de decisão
ética em enfermagem.
Ethical dilemmas
experienced by
hospital and
community nurses:
an Israeli survey
WAGNER,
N., RONEN,
I., 1996
Nurs Ethics.
1996; 3(4):
294-304.
Quantitativo
Enfermeiros
Hospitalar
e
Cuidados
Primários
Um estudo realizado em Israel, durante os anos de
1993 e 1994, com 506 enfermeiros que trabalham em
hospitais e outros 239 que actuam na comunidade, em
centros de enfermagem comunitária ou em serviços de
saúde pública, indica que há diferenças entre os tipos
de problemas enfrentados por estes dois grupos.
Através de um questionário auto-aplicado, cada
enfermeiro deveria indicar se, nos últimos doze meses,
havia ou não vivenciado as 39 situações
potencialmente geradoras de problemas éticos,
abrangendo as esferas clínico-profissional,
administrativa e interpessoal. Os resultados mostram
que em todas as áreas, excepto nas questões relativas
à informação e confidencialidade, há diferenças
segundo o local de trabalho, sendo que no ambiente
hospitalar os enfermeiros são expostos a um leque
mais variado de problemas, de distintas natureza e
extensão. A análise de regressão feita para verificar a
associação entre as características demográficas e
profissionais dos sujeitos e os registos das situações
geradoras de problemas revela que esta ocorre
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
349
somente para a variável “cenário do hospital versus a
comunidade”, deixando manifesto que as variações
devem estar relacionadas às diferenças nas
peculiaridades de cada cenário. Ainda comparando os
enfermeiros dos centros de enfermagem comunitária
com os que actuam nos serviços de saúde pública
voltados a acções de prevenção, os últimos encontram
menos problemas do que os primeiros. Neste estudo,
entre os 10 problemas éticos mais frequentes
assinalados pelos enfermeiros que actuam em serviços
comunitários figuram o conflito entre as necessidades
dos pacientes e da família (69%); cuidados ofensivos a
pacientes (85,1%); denúncia de actos incompetentes
de médicos ou enfermeiros (57,3%); comportamento
insultuoso ou rude dos profissionais para com os
pacientes (58,9%); omissão de informação ao paciente
por pressões da família (45,2%); administração de
tratamento errado ou com validade questionável (52% e
49,8% respectivamente) e o constrangimento aos
pacientes que recusam tratamento (48,2%). De acordo
com os autores, os enfermeiros que trabalham nos
cuidados primários, em comparação com os que estão
na área hospitalar, mencionam mais frequentemente as
situações envolvendo questões de confidencialidade,
estigmas, cobertura dos serviços de saúde e greves
como potenciais geradoras de problemas.
A
phenomenological
study of ethical
decision-making
experiences
among senior
VINEY, C.,
1996
Nurs Crit
Care. 1996;
1(4): 182-7.
Qualitativo
Médicos e
enfermeiros
Hospitalar
O estudo comparou e contrastou as experiências de
médicos graduados e enfermeiros na tomada de
decisão ética relativa à paragem de tratamento. Os
médicos geralmente assumem o papel primordial na
tomada de decisão ética, deixando para os enfermeiros
o agirem como meros informadores da decisão. Os
350
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
intensive care
nurses and doctors
concerning
withdrawal of
treatment
enfermeiros sofrem de perturbação moral em resultado
da decisão de parar o tratamento, enquanto os médicos
sofrem de dissonância moral. Os médicos e os
enfermeiros necessitam de chegar a um acordo sobre a
suspensão de tratamento. Um modelo de comunicação
que irá reforçar a colaboração multidisciplinar da
tomada de decisão ética é sugerido neste artigo.
Ethical theory,
ethnography, and
differences
between doctors
and nurses in
approaches to
patient care
ROBERTSO
N, DW., 1996
J Med
Ethichs.
1996; 22:5
292-9.
Qualitativo
Médicos e
Enfermeiros
Hospitalar
Estudo etnográfico desenvolvido numa enfermaria
psiquiátrica, na Inglaterra, com o objectivo de estudar
empiricamente a teoria moral – dos princípios, das
virtudes ou as feministas – que descreveria de forma
mais adequada as abordagens dos enfermeiros e dos
médicos no cuidado diário ao paciente, chega a
resultados distintos, apontando diferenças entre a
abordagem moral dos dois grupos profissionais. As
observações mostram uma coincidência entre a virtude
e as concepções de beneficência baseadas no
relacionamento (um conceito elaborado na teoria
feminista do relacionamento) e, embora o compromisso
com a beneficência fosse central para toda a equipa, a
ocorrência deste tipo de reflexão encontra-se mais
expresso entre os enfermeiros (16 eventos) do que
entre os médicos (3 eventos).
Caring and justice:
a study of two
approaches to
health care ethics
RICKARD,
M., KUSHE,
H., SINGER,
P., 1996
Nurs Ethics.
1996; 3: 21223.
Quantitativo
Médicos e
Enfermeiras
Hospitalar
e
Cuidados
Primários
Estudo a fim de explorar a distribuição parcial e
imparcial da reflexão ética numa amostra de
enfermeiros e médicos de diferentes serviços de saúde
australianos. A finalidade principal do estudo é
descobrir se o género ou a ocupação influenciam a
abordagem parcial ou imparcial que os participantes
formulam para os diversos cenários hipotéticos com
dilemas éticos que lhe são apresentados. Para os
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
Partial and
impartial ethical
reasoning in health
care professionals
KUSHE, H.
et al, 1997
J Med
Ethichs.
1997; 23:
226-32.
Attitudes of women
from vulnerable
populations toward
physician-assisted
death: a qualitative
approach
MORROW,
E., 1997
J Clin Ethics.
1997; 8: 27989.
351
autores, a parcialidade caracteriza um aspecto central
da orientação do cuidado e envolve os juízos que
enfatizam as conexões pessoais e favorecem terceiros,
com os quais se é pessoalmente conectado, sobretudo
nas situações em que os interesses destes competem
com os de outros aos quais não se é pessoalmente
ligado. Por outro lado, a abordagem imparcial baseia-se
em juízos neutros e desconectados que não privilegiam
ligações pessoais e reflectem uma preocupação pelas
exigências decorrentes da igualdade e
responsabilidade impessoal, expressas em termos dos
direitos universais, regras e princípios. Em muitos
aspectos, para os autores, os resultados do seu estudo
surpreendem e não correspondem à expectativa de que
os enfermeiros raciocinariam mais parcialmente e os
médicos mais imparcialmente. As medidas tomadas
evidenciam que não há associação entre o tipo de
abordagem e a ocupação ou género dos inquiridos, ou
seja, os enfermeiros e os médicos entrevistados são
igualmente propensos para responder parcial ou
imparcialmente aos problemas éticos propostos nas
questões. Concluem, assim, que os dados não
sustentam a concepção de que a ética parcial do
cuidado seja característica do enfermeiro e a imparcial
da justiça, própria do médico. Enfermeiros e médicos
pensam de ambos modos, em diferentes ocasiões.
Qualitativo
Pacientes
Estudo feito numa cidade litoral do sul da Califórnia,
com mulheres entre os 18 e 60 anos de idade, de
populações vulneráveis (idosas, latino-americanas que
não falam inglês, sem residência, vítimas de violência
doméstica etc.) revela que além de experimentarem
dificuldades no acesso aos cuidados médicos, são alvo
352
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
de falta de respeito quando superam as barreiras e
conseguem atendimento.
An enquiry into a
combined
approach for
nursing ethics
LIPP, A.,
1998
Nurs Ethics.
1998; 5(2):
122-38.
Qualitativo
Enfermeiras
A method for
evaluating health
care providers’
decision making:
the provider
decision process
assessment
instrument
DOLAN, JG.,
1999
Med Decis
Making.
1999; 19(1):
38-41.
Quantitativo
Médicos
A teoria definitiva para a tomada de decisões éticas em
enfermagem é ainda apenas uma conjectura. A
literatura confirma que tem havido inúmeros estudos
sobre a tomada de decisão ética em enfermagem, quer
propondo a orientação pela justiça quer pelo cuidado,
ou por uma combinação de ambas. Na ausência de
uma teoria definitiva, este trabalho exploratório procura,
através da “grounded theory”, lançar alguma luz sobre
os métodos utilizados diariamente pelos enfermeiros
para tomarem decisões éticas na área clínica. Os
dados mostram que alguns factores, tais como os
médicos, os colegas e a organização, influenciam
profundamente a tomada de decisões éticas. Os
informantes utilizaram tanto o cuidado como a justiça
para a formulação de decisões, no que é conhecido
como a abordagem combinada.
Cuidados
Primários
A validade e confiabilidade da avaliação do processo
de tomada de decisão ética é essencial para que a
avaliação da decisão auxilie eficazmente os programas
de garantia da qualidade. O Instrumento de Avaliação
do Processo de Decisão de um Prestador é um
questionário de 12 itens que mede o grau de conforto
com uma decisão médica por parte de um prestador de
cuidados de saúde. A medida das suas propriedades
foram estudadas em duas clínicas de medicina geral. A
confiabilidade, medida utilizando o Alfa de Cronbach,
foi de 0,90 (IC 95% = 0,87 a 0,92). A validade do
construct também foi elevada, com correlações
negativas esperadas variando de -0,53 a -0,67. O
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
353
instrumento também satisfez os critérios uniformes para
a homogeneidade dos itens e foi prontamente
preenchido pelos médicos. Estes resultados sugerem
que o Instrumento de Avaliação do Processo de
Decisão de um Prestador prova ser um instrumento
valioso para a avaliação da decisão médica na prática
clínica.
Moral problems
among Dutch
nurses: a survey
VAN DER
AREND, AJ.,
REMMERSVAN DER
HURK, CH.,
1999
Nurs Ethics.
1999; 6(6):
468-82.
Qualitativo
e
Quantitativo
Enfermeiros
Cuidados
Primários
Estudo empírico, exploratório, realizado, na década de
90, com enfermeiras holandesas para identificar as
questões que vivenciam como problemas éticos nos
diferentes tipos de instituições de saúde. Foi
desenvolvido um questionário, baseado na literatura
publicada, em painéis de discussão, em observações
participadas e em entrevistas aprofundadas. O
instrumento foi testado num estudo piloto que provou
ser útil. Foram enviados um total de 2122 questionários
a 91 instituições de saúde de sete diferentes
configurações. Os resultados mostram que as
enfermeiras não estavam enfrentando problemas
sociais importantes como o aborto e a eutanásia como
os mais problemáticos moralmente, mas sim situações
como o comportamento verbalmente agressivo dos
colegas para com os pacientes, o manter silêncio sobre
erros e tratamentos médicos dados contra a vontade
dos pacientes. Os problemas morais ocorreram
principalmente quando as enfermeiras experienciaram
sentimentos de impotência em relação ao bem-estar
dos pacientes. Além disso, revelaram problemas morais
relacionados com a organização institucional, a
liderança e a colaboração com colegas e outros
profissionais. As enfermeiras pareceram ter um
conhecimento limitado das dimensões morais da sua
354
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
prática. Neste estudo, figuram como problemas mais
frequentes nos cuidados de saúde primários: a demora
na transferência do paciente para outros serviços
(93,3%); o conhecimento insuficiente das enfermeiras
(50%);a agressão verbal para com o paciente (48,9%);
o persuadir o paciente a cooperar (48,9%); o desacordo
com acções prescritas (45,9%); o desacordo com as
escolhas dos pacientes (40,7%); o manter-se em
silêncio sobre erros cometidos (37,8%).
Visiting nurses’
situated ethics:
beyond ‘care
versus justice’
GREMMEM,
I., 1999
Nurs Ethics.
1999; 6: 51527.
Refusal of
treatment
CONNELLY,
JE., 2000
In:
SUGARMAN,
J. (ed) Ethics
in Primary
Care. New
Qualitativo
Enfermeiras
Cuidados
Primários
Estudo que busca conhecer as considerações éticas de
enfermeiras visitadoras na Holanda. As entrevistadas
ponderam que têm que se adaptar ao modo de vida do
paciente para minimizar as consequências negativas
dos aspectos intrusivos, inevitáveis do seu trabalho.
Assim, frente a uma divergência de opiniões com o
paciente ou a sua família, devem tentar chegar a um
acordo, imediato ou num futuro próximo, através da
explicação das consequências do curso de acção
escolhido pelo paciente e das razões pelas quais a
enfermeira escolhe outra alternativa. Devem ser
capazes de oferecer sugestões e propostas sem
pressionar, tentando ganhar a confiança para que o
paciente possa manifestar as suas objecções, medos
ou preocupações e então o ouçam, dêem informação
ou o apoiem quando quiser discutir novamente a
questão.
Cuidados
Primários
Certas seitas religiosas impõem crenças sobre saúde,
doença e tratamentos, podendo influenciar as
preferências dos utentes. Muitas vezes, estas crenças
são subtis e passam desapercebidas pelos
profissionais de saúde, gerando mal entendidos que
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
York:
McGraw-Hill.
2000. pp.
187-210.
Ethical decisions
making in nurses.
Relationships
among moral
reasoning, coping
style, and ethics
stress
RAINES,
ML., 2000
JONA’S
Health Law,
Ethics Regul.
2000; 2(1):
29-41.
355
são agravados pelas barreiras de comunicação. Os
conflitos habitualmente surgem quando as crenças
religiosas ou culturais configuram motivos de recusa de
um cuidado médico, especialmente quando este é
importante ou pode salvar a vida da pessoa.
Quantitativo
Enfermeiros
Hospitalar
O stresse relacionado com a tomada de decisão ética é
uma grave consequência dos frequentes encontros
com os dilemas éticos para a enfermagem oncológica.
Foi utilizado um inquérito descritivo, desenhado
utilizando técnicas correlacionais, para o estudo de
uma amostra nacional de 229 enfermeiras oncológicas.
Os resultados indicaram que uma enfermeira
confrontou-se em média com 32 tipos diferentes de
dilemas éticos, no último ano. A gestão da dor é o
dilema ético mais frequentemente citado, seguido pela
contenção de custos e as questões relacionadas com a
qualidade de vida e outras decisões no melhor
interesse do paciente. Aproximadamente 80% dos
respondentes classificaram o seu stresse ético como
um nível de 6 ou acima, numa escala de 0 a 10.
Quarenta e três por cento da amostra indicou que
utiliza um estilo de raciocínio moral independente ou
“soberano”; 23% dependem ou acomodam-se ao
acórdão de outros; e 34% utilizam características de
ambos os estilos de raciocínio moral. Compreender as
relações entre o estilo de raciocínio moral, o estilo de
coping, e o stresse ético podem auxiliar as enfermeiras
e os administradores a lidarem de uma forma mais
eficaz com o aumento do perigo moral encontrado hoje
em muitos centros oncológicos. Os achados sugerem a
necessidade de intervenções específicas para a
redução do stresse ético na população de enfermagem.
356
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
Patients’ autonomy
and medical
benefit: ethical
reasoning among
GPs
BREMBERG,
S. NILSTIN,
T., 2000
Fam Pract.
2000; 17(2):
124-8.
Quantitativo
Médicos
Cuidados
Primários
Durante as últimas décadas, o tradicional papel dos
clínicos gerais como instância de decisão dos seus
pacientes tem sido questionado. O objectivo deste
estudo foi identificar e discutir como os clínicos gerais
lidam com as situações em que existe uma possível
tensão entre a obrigação de respeitar o direito do
paciente à auto-determinação e a obrigação de
promover a sua saúde. 120 clínicos gerais suecos
seleccionados aleatoriamente receberam um
questionário enviado pelo correio com dois casos, um
descrevendo uma paciente relutante em consentir
numa intervenção médica clinicamente justificada, o
outro descrevendo uma paciente solicitando uma
intervenção médica clinicamente duvidosa. 47 desses
clínicos gerais foram posteriormente entrevistados pelo
telefone. No que diz respeito ao primeiro caso,
aproximadamente dois terços das respostas ao
questionário (n = 82) foram que não iriam aceitar a
relutância da paciente. Os clínicos gerais mais velhos
mostraram-se um pouco mais inclinados para tentarem
convencer a paciente do que os colegas mais jovens.
Na entrevista, a maioria dos inquiridos respondeu que
deveria ser dada prioridade ao direito à autodeterminação, mas que a obrigação de promover a
saúde tinha uma grande influência no seu
comportamento. Quanto ao segundo caso, também
dois terços das respostas ao questionário foram que
não dariam seguimento ao pedido da paciente. Os
clínicos gerias mais jovens responderam "Não" com
mais frequência do que os seus colegas mais velhos.
Nas entrevistas telefónicas, justificaram as suas
respostas referindo que os médicos devem beneficiar
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
357
os pacientes, que a situação era desconfortável, que se
deve proteger, ser justos. Quando confrontados com
estes conflitos da prática quotidiana, os códigos éticos
da medicina são demasiado categoriais para darem
qualquer orientação. A situação ideal e mais útil seria
tentar uma aliança, o que deve ser enfatizado pelos
professores de medicina, bem como pelos tutores mais
velhos.
Are medical
ethicists out of
touch? Practitioner
attitudes in the US
and UK towards
decisions at the
end of life
DICKENSON
, DL., 2000
J Med Ethics.
2000; 26(4):
254-60.
Quantitativo
Médicos e
Enfermeiras
Para avaliar se os profissionais de saúde do Reino
Unido e Estados Unidos partilham a opinião da ética
médica sobre futilidade, suspensão/manutenção de
tratamentos, intervenções ordinárias/extraordinárias e
doutrina do duplo efeito, administrou-se um
questionário de atitudes com 138 itens. O questionário
foi preenchido por 469 enfermeiras britânicas a
frequentar o curso sobre "Morte e Morrer" da
Universidade Aberta, e foi comparado com o mesmo
questionário preenchido por 759 enfermeiras
americanas e 687 médicos a frequentar o curso sobre
"As decisões perto do fim da vida " do Hastings Center.
Os profissionais aceitaram a relevância de conceitos
amplamente divulgados pelos bioeticistas: duplo efeito,
futilidade médica, e as distinções entre intervenção
heróica/ordinária e manutenção/paragem de
tratamento. Dentro do grupo de enfermeiras britânicas
um eixo "racionalista" de inquiridos que se descreve a
si próprio como "sem religião" está mais perto do
consenso bioético sobre manutenção e suspensão de
tratamento. As crenças dos profissionais divergem
substancialmente das recomendações das suas
organizações profissionais e das opiniões maioritárias
em bioética. Os bioeticistas devem ser cautelosos
358
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
quanto assumem que as suas opiniões serão
prontamente aceites pelos profissionais.
Attitudinal patterns
determining
decisions-making
in the treatment of
the elderly: a
comparison
between
physicians and
nurses in Germany
and Sweden
RICHTER, J.,
EISEMANN,
MR., 2000
Intensive
Care Med.
2000; 26(9):
1326-33.
Quantitativo
Médicos e
Enfermeiros
Hospitalar
Ordens de não ressuscitar e directivas antecipadas têm
sido desenvolvidas e a sua utilização pelos doentes
está a aumentar. O objectivo do estudo foi avaliar a
conformidade entre os desejos dos pacientes e o
acordo de médicos e enfermeiros sobre a tomada de
decisões no tratamento de doentes idosos a partir de
uma perspectiva cultural transversal. Cento e quatro
médicos suecos e 122 enfermeiros, assim como 192
médicos alemães e 182 enfermeiros de hospitais
universitários, foram estudados através de um
questionário baseado num caso problema com
informação de três cenários possíveis sobre os desejos
de tratamento do doente. Foi estabelecida uma relação
entre o nível de percepção de ajuda e a opção de
tratamento escolhida em todas as quatro amostras,
especialmente para o cenário em que uma directiva
antecipada estava disponível. Surgiram dois padrões
de determinantes estreitamente relacionados: (a)
“desejo do paciente”, “questões éticas”, e “desejos da
família”, e (b) “idade do doente”, “nível de demência”, e
“custos hospitalares”. Uma intensa e contínua formação
de médicos e enfermeiros em ética médica é
necessária para promover a autonomia do paciente na
prática clínica. As implicações éticas da idade dos
pacientes e nível de demência em relação aos custos
hospitalares deve constituir um tópico importantes
desses programas formativos.
Doctors’ and
nurses’
OBERLE, K.,
HUGHES,
J Adv Nurs.
2001; 33:
Qualitativo
Médicos e
Enfermeiras
Hospitalar
Estudo realizado com 14 enfermeiras e 7 médicos
trabalhando numa unidade de cuidados intensivos
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
perceptions of
ethical problems in
end-of-life
decisions
D., 2001
707-15.
Comissões de
ética de
enfermagem em
instituições de
saúde de Ribeirão
Preto
Saúde coletiva: um
desafio para a
enfermagem
DUCATI, C.,
BOEMER,
MR., 2001
Rev Lat Am
Enfermagem.
2001; 9(3):
27-32.
Enfermeiras
MATUMOTO
, S.,
MISHIMA,
SM., PINTO,
Cad Saude
Publica.
2001; 17:
233-41.
Enfermeiros
359
médico-cirúrgicas de um hospital canadiano. Na
medida em que as categorias e os temas convergem e
o problema nuclear é essencialmente o mesmo, o
principal achado é a similaridade entre os profissionais,
apesar de algumas diferenças éticas entre eles. Estas
diferenças, de acordo com os autores, parecem ocorrer
menos em virtude de uma diferença no compromisso
ou na abordagem ética do que em função da estrutura
hierárquica da organização hospitalar e dos papéis
designados para médicos e enfermeiras como
prestadores de cuidados de saúde, uma vez que aos
médicos compete a responsabilidade de ter que tomar
decisões e prescrever ordens, enquanto às enfermeiras
é imposta a carga de viver com as decisões tomadas
por outrem. Por esta razão, é evidente que estes
profissionais fazem questionamentos distintos na
mesma situação de assistência, pois enquanto os
médicos se preocupam com o processo de tomada de
decisão em si, as enfermeiras, por não serem as
protagonistas desta actividade, centram as suas
inquietudes no “como” e no “porquê” de determinada
decisão.
Hospitalar
O trato rude e ofensivo das equipas de saúde para com
os pacientes também aparece em estudos brasileiros
que investigam as ocorrências registadas por
comissões de ética de enfermagem de hospitais da
cidade de Ribeirão Preto (Brasil).
O problema ético do desrespeito parece trazer à
superfície a imprevisibilidade de resultados que é
inerente às relações que marcam o encontro entre
pacientes e profissionais de saúde, no qual entra em
360
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
IC., 2001
What makes a
problem an ethical
problem? An
empirical
perspective on the
nature of ethical
problems in
general practice
BRAUNACKMAYER, AJ.,
2001
Whose autonomy? ROGERS,
Which choice? A
WA., 2002
study of GPs’
attitudes towards
patient autonomy
in the management
of low back pain
jogo uma disputa de interesses. De um lado o paciente
busca a resolução de um problema de saúde que
considera importante e do outro, o profissional, muitas
vezes, mantém-se preso a procedimentos, normas e
rotinas do serviço ou ainda ao seu entendimento
técnico do que é melhor para o paciente. Neste
desencontro de necessidades e interesses, a
negociação é imprescindível, pois nem sempre o
pedido do paciente é interpretado como um problema
pelo profissional e/ou para o serviço de saúde.
J Med Ethics.
2001; 27(2):
98-103.
Qualitativa
Médicos
Cuidados
Primários
Estudo feito com 15 clínicos gerais do Sul da Austrália,
que em entrevista semi-estruturada lhes era solicitado
que falassem sobre um problema ético que tivessem
encontrado na sua prática clínica. De maneira geral, as
situações enfrentadas por estes profissionais, quando
comparadas com as questões candentes e de maior
destaque na literatura de bioética, parecem
insignificantes ou comuns. Além disso, em vez de se
referirem a uma crise que ocorreu raramente, falam
antes de questões que lhes surgem corriqueiramente.
A variedade de pontos de vista sobre o que torna um
problema um problema moral indica que o domínio
moral é, talvez, mais amplo e mais rico do que, em
geral, permite a bioética integrar.
Fam Pract
2002; 19(2):
140-5.
Qualitativo
Médicos
Cuidados
Primários
O respeito pela autonomia do paciente é um importante
princípio ético para os médicos, no entanto,
investigações anteriores relataram atitudes incoerentes
dos profissionais para com o respeito pela autonomia
dos doentes. Este estudo de ética empírica, utilizando
metodologia qualitativa, investiga as atitudes dos
clínicos gerais em relação ao respeito pela autonomia
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
361
do paciente em consultas por lombalgia. O objectivo do
estudo é explorar as atitudes dos clínicos gerais em
relação ao respeito pela autonomia do paciente e
analisar as suas atitudes em relação a quatro questões
da gestão da lombalgia que levantam dilemas éticos e
práticos. Os participantes foram 21 clínicos gerais
seleccionados a partir de clínicas do Sul da Austrália
por amostragem estratificada e intencional que visava
maximizar a diversidade. Entrevistas semi-estruturadas
foram gravadas, transcritas e analisadas utilizando
itens desenvolvidos a partir da transcrição e outros
itens obtidos do estudo teórico. Na análise, as atitudes
em relação à autonomia do paciente foram
caracterizadas como de autonomia, de respeito,
intermediária e de controlo. Os resultados mostraram
inconsistências individuais nas atitudes dos clínicos
gerais em relação ao respeito pela autonomia do
paciente. Por exemplo, a maioria dos clínicos gerais
aceitou a decisão autónoma do paciente na utilização
de terapêuticas alternativas, mas tiveram atitudes muito
controladoras no que ao uso de analgésicos disse
respeito. As atitudes face à duração do tempo de
trabalho foram repartidas uniformemente, enquanto as
atitudes em relação ao uso de raios-X foram
modificadas pelo pedido de raios-X pelo paciente.
Estes resultados sugerem que as atitudes dos clínicos
gerais em relação à autonomia do paciente são
modificadas por factores éticos e pragmáticos, e variam
dependendo da natureza do assunto em questão.
Decision-making in
the treatment of
elderly people: a
RICHTER, J.,
et al., 2002
Scand J
Caring Sci.
2002; 16(2):
Quantitativo
Médicos e
Enfermeiros
Hospitalar
O objectivo do estudo foi avaliar a comparabilidade das
decisões no tratamento de idosos incompetentes
severamente doentes entre médicos e enfermeiros
362
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
cross-cultural
comparison
between Swedish
and Germany
physicians and
nurses
The relationship
between the
application of the
nursing ethical
code and nurses’
work satisfaction
149-56.
BITON, V.,
TABAK, N.,
2003
Int J Nurs
Pract. 2003;
9(3): 140-57.
numa perspectiva multi-cultural. Uma amostra de
conveniência de 192 médicos e 182 enfermeiros da
Alemanha e 104 médicos e 122 enfermeiros da Suécia
responderam a um questionário num estudo
transversal. Entre 39 e 58% dos respondentes optaram,
nos diversos grupos, por opções de tratamento, que
não são compatíveis com a vontade dos pacientes. No
entanto, os enfermeiros mostraram um significativo
maior respeito do que os médicos. A probabilidade de
escolha pela ressuscitação cardio-pulmonar diminuiu
com o aumento da informação sobre os desejos do
paciente. As preocupações éticas e os desejos dos
pacientes apareceram como as mais importantes
determinantes nas decisões do tratamento, enquanto
os custos hospitalares, bem como a religião dos
médicos eram de menor importância. A incoerência
relativa do processo de tomada de decisões dentro e
entre os grupos reflectem diferenças nos valores
subjacentes e falta de consenso social, que representa
uma condição essencial para a melhora da autonomia
dos pacientes. Centrar-se mais frequentemente, e em
maior medida, nos problemas relacionados com o
tratamento de pacientes idosos gravemente enfermos,
bem como para a formação em técnicas de
comunicação orientadas para o consentimento
informado na formação médica parece justificar-se.
Quantitativo
Enfermeiros
Hospitalar
A satisfação profissional é conhecida como sendo um
dos principais factores relacionados com a “qualidade”
dos cuidados de enfermagem. O ser capaz de aplicar
os princípios da profissão influencia a satisfação
profissional. O código ético da enfermagem é uma boa
manifestação desses princípios profissionais. A rotina
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
363
do trabalho quotidiano dos enfermeiros pode
comprometer a quantidade de energia investida no
seguir o código ético. A diferença entre os requisitos
éticos (percebidos pelos enfermeiros) e a percepção de
que são aplicados no trabalho poderá influenciar a
satisfação mediante o efeito de resolução de conflitos.
As variáveis demográficas, incluindo idade, ocupação e
número de filhos também podem exercer algum efeito.
Um questionário estruturado foi usado para medir a
percepção dos enfermeiros em relação à sua
capacidade de seguir o código ético num grande
hospital de Israel. O questionário incidiu sobre questões
éticas do código. Os resultados apoiam a hipótese de
que a lacuna ética não se correlaciona directamente
com a satisfação profissional. Este documento sublinha
que a profissionalização manifestada pelo código ético
deve ser aplicada no local de trabalho numa base
diária.
Empirical research
on research ethics
SIEBER, JE.,
2004
Ethics
Behav. 2004;
14(4): 397412.
Reflexivo
Investigadores
A ética é normativa; a ética indica, em termos gerais, o
que os investigadores devem fazer. Por exemplo, os
investigadores devem respeitar o ser humano
participante na investigação. Mas é o estudo empírico
que nos diz o que realmente acontece. A investigação
empírica é frequentemente necessária para aperfeiçoar
as melhores formas para atingir os objectivos
normativos, por exemplo, para descobrir a melhor
forma de atingir o duplo objectivo de obter importantes
conhecimentos e respeitar os participantes. A tomada
de decisões éticas pelos cientistas e a revisão
institucional não se deve basear só em opiniões (por
exemplo, questões como a informação que os
participantes gostariam de saber e aquilo que
364
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
compreendem dos protocolos de investigação, ou o que
eles consideram ser riscos aceitáveis). Estas perguntas
devem ser respondidas por meio de estudos empíricos.
Este artigo coloca a investigação empírica sobre ética
de uma perspectiva mais ampla e desafia os
investigadores a utilizarem os instrumentos das suas
disciplinas de uma forma proactiva para resolverem os
problemas éticos para os quais não existe actualmente
qualquer solução empiricamente provada.
Bioética e atenção
vásica: Um perfil
dos problemas
éticos vividos por
enfermeiros e
médicos do
programa saúde
da família
ZOBOLI, EL.,
FORTES,
PA., 2004
Cad Saude
Publica.
2004; 20(6):
1690-9.
A review of
instruments
measuring nursephysician
DOUGHERY,
MB.,
LARSON, E.,
2005
J Nurs Adm.
2005; 35(5):
244-54.
Qualitativo
Médicos e
Enfemeiras
Cuidados
Primários
Estudo empírico, qualitativo, de ética descritiva, com
enfermeiros e médicos do Programa Saúde da Família,
no Município de São Paulo (Brasil), com o objectivo de
identificar os problemas éticos vivenciados por esses
profissionais. Tendo sido solicitado aos profissionais
que listassem problemas éticos a partir da narrativa de
um caso vivido, os resultados apontam para problemas
éticos na relação com o utente e a família, na relação
da equipe de saúde e nas relações com a organização
e o sistema de saúde. Isto é, aspectos éticos que
permeiam circunstâncias comuns da prática diária dos
cuidados de saúde e não situações dilemáticas, que
requeiram soluções imediatas, habitualmente mais
exploradas na literatura bioética. Essa peculiaridade
dos problemas éticos vividos nos cuidados primários
pode levar à dificuldade em identificá-los como tal,
pondo em risco a relação vincular que está no cerne do
Programa de Saúde da Família.
A colaboração médico-enfermeira tem sido estudada
usando uma variedade de instrumentos. A capacidade
de generalizar os resultados dos estudos é baseada em
valores aceitáveis da métrica de confiabilidade e
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
collaboration
Ethical principles
BERNEY, L.
and the rationing of et al, 2005
health care: a
qualitative study in
general practice
365
validade desses instrumentos. Para rever que
instrumentos foram utilizados para medir a colaboração
médico-enfermeira e comparar os pontos fortes e as
oportunidades potenciais de cada instrumento, fez-se
uma pesquisa bibliográfica utilizando as bases de
dados PubMed e Health and Psychological Instruments
para artigos publicados entre 1990 e Maio de 2004.
Após a identificação dos instrumentos fez-se uma
segunda pesquisa para identificar pelo menos um artigo
de revisão descrevendo a psicometria do instrumento.
Os artigos identificados, de seguida, foram colocados
na ISI Web of Science Citation Index para identificar os
instrumentos que tinham sido usados em pelo menos
dois outros estudos. Os instrumentos seleccionados
foram, de seguida, revistos pela seguinte informação:
bases para o desenvolvimento da ferramenta,
descrição da ferramenta, testes psicométricos iniciais, e
aspectos fortes e aplicações potenciais para cada
instrumento. Cinco instrumentos reuniram os critérios
do estudo: “Collaborative Practice Scale”,
“Collaboration and Satisfaction About Care Decisions”,
“ICU Nurse-Physician Questionnaire”, “Nurses Opinion
Questionnaire”, “Jefferson Scale of Attitudes Toward
Physician Nurse Collaboration”. Os instrumentos
identificados tinham testes de confiabilidade e validade
e são recomendados para futuras investigações sobre
a colaboração médico-enfermeira.
Br J Gen
Pract. 2005;
55(517):
620–5
Qualitativo
Médicos
Cuidados
Primários
Estudo qualitativo com clínicos gerais de Londres
(Reino Unido), questionando um tema sensível, como o
racionamento e a negação de tratamentos e cuidados
de saúde, o que levanta uma série de problemas
metodológicos e éticos. Descrevem os métodos e as
366
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
conclusões de uma série de grupos focais que
discutiram e analisaram como os clínicos gerais
aplicam os princípios éticos na situação de afectação
de recursos escassos. A metodologia consistiu na
aplicação de uma pequena escala qualitativa com a
finalidade de amostragem, seguida de entrevistas semiestruturadas e grupos focais. Vinte e quatro clínicos
gerais de duas áreas contrastantes de Londres: uma
relativamente abastada e outra relativamente
necessitada. As entrevistas iniciais pediram aos clínicos
gerais para identificarem as principais questões
relacionadas com a atribuição de recursos. As
entrevistas foram transcritas e os temas foram
identificados. Uma série de casos, cada um ilustrativo
de uma questão ética relacionada com o racionamento,
foram escritos sob a forma de cartões. Em discussões
de grupo focal, foram dadas aos clínicos gerais alguns
destes cartões para debate. No que diz respeito à base
ética para a tomada de decisão, as conclusões desta
parte do estudo enfatizam o papel dos factores sociais
e psicológicos, a influência da qualidade das relações
entre médicos e pacientes e a confusão entre os
médicos sobre o seu papel na tomada de decisão. A
utilização dos cartões desenvolvidos a partir das
entrevistas com os clínicos gerais criaram um ambiente
não ameaçador o que permitiu discutir questões tão
sensíveis como controversas. A aceitação por parte dos
clínicos gerais dos princípios morais não implica
clareza e coerência na aplicação destes princípios na
prática.
Bioética e atenção
básica: Um estudo
SILVA, LT.,
ZOBOLI, EL.,
Cogitare
Enferm.
Quantitativo
Médicos e
Enfemeiras
Cuidados
Primários
Estudo quantitativo exploratório para identificar e
verificar a frequência dos problemas éticos vividos por
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
367
exploratório dos
problemas éticos
vividos por
enfermeiros e
médicos no
programa de
saúde da família
BORGES,
AL., 2006
2006; 11(2):
133-142.
enfermeiros e médicos no Programa de Saúde da
Família. Colheita de dados por questionário autoaplicado, contendo situações geradoras de problemas
éticos e escala de quatro pontos para a frequência.
Desrespeito do profissional para com o utente;
problemas relacionados com as informações a utentes
e às famílias e à preservação da privacidade e
confidencialidade apareceram na maioria dos
questionários, embora com frequências diferentes. Os
resultados indicam que a bioética nos cuidados
primários lida com situações do quotidiano e não com
dilemas de maior apelo dramático. A subtileza desse
panorama pode levar à não percepção dos problemas,
reforçando a necessidade de capacitação dos
profissionais em comunicação e acolhimento, para
instituir uma atitude ética baseada na cidadania,
solidariedade e humanismo.
Methods to identify
and address the
ethical issues
associated with
managed care
LUNDY, C.,
2006
Penn Bioeth
J. 2006;
2(2):3-7.
Existem muitos benefícios dos cuidados de saúde, com
o seu foco na prevenção das doenças e na promoção
da saúde. A integração dos serviços de saúde pode
minimizar ineficiências, e aumentar a capacidade de
limitar os custos da saúde, no entanto, existem também
algumas questões éticas que surgem a partir de gestão
da saúde. No contexto do sistema de saúde, a ética é
um método de análise do conflito de valores e
obrigações, sempre que existem interesses
concorrentes, cada um dos quais apresentando uma
posição razoavelmente justificada. Os princípios de
justiça são particularmente úteis e aplicáveis para as
questões éticas relacionadas com a gestão da saúde.
Através de uma revisão da literatura relevante, este
artigo analisa diferentes métodos e princípios de justiça
368
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
a considerar no estabelecimento de uma ética da
gestão das organizações da saúde e oferece alguns
exemplos de planos de políticas estabelecidas para
atingir objectivos éticos. O definir objectivos éticos,
inscritos nos planos, pode minimizar os conflitos éticos
e colaborar para assegurar que a utilização consistente
dos procedimentos pode garantir a qualidade dos
cuidados disponíveis.
Knowledge,
attitudes and
practice of
healthcare ethics
and law among
doctors and nurses
in Barbados
HARIHARAN
S. et al.,
2006
BMC Med
Ethics. 2006;
7(1): 7
Quantitativo
Médicos e
Enfemeiras
Hospitalar
Estudo cujo objectivo foi avaliar os conhecimentos,
atitudes e práticas dos profissionais da saúde de
Barbados, em relação à ética e ao direito relacionado
com os cuidados de saúde numa tentativa de ajuda e
guia da sua conduta profissional e no seu
desenvolvimento curricular. Um questionário autopreenchido sobre o conhecimento da ética dos
cuidados de saúde, do direito e do papel de uma
comissão de ética no sistema de saúde foi concebido,
testado e distribuído a todos os níveis de pessoal do
Hospital Queen Elizabeth, em Barbados (um hospital
universitário de cuidados terciários), durante os meses
de Abril e Maio de 2003. O artigo analisa as respostas
de 159 médicos e enfermeiros de diferentes níveis de
graduação. A frequência com que os inquiridos
encontraram problemas legais ou éticos variou
amplamente. 52% do pessoal médico mais graduado e
20% do pessoal de enfermagem mais graduado sabia
muito pouco sobre as leis pertinentes ao seu trabalho.
11% dos médicos não conheciam o conteúdo do
Juramento Hipocrático, enquanto um quarto dos
enfermeiros não tinha conhecimento do Código de
Enfermagem. O Código de Nuremberga e a Declaração
de Helsínquia eram conhecidos apenas por alguns
LISTA DE ESTUDOS CONSULTADOS QUE SERVIRAM DE BASE À CONSTRUÇÃO DA ESCALA
369
indivíduos. 29% dos médicos e 37% dos enfermeiros
não tinha conhecimento de que no hospital existia uma
comissão de ética. Os médicos tiveram uma opinião
mais forte do que os enfermeiros quanto à prática da
ética, tais como a adesão aos desejos dos pacientes, a
confidencialidade, o paternalismo, o consentimento
informado para os procedimentos e tratamentos não
conformes dos pacientes (p = 0,01). O estudo destaca
a necessidade de identificar os profissionais de saúde,
que parecem ser indiferentes às questões éticas e
jurídicas, de conceber meios para os sensibilizar para
estas questões e de lhes dar uma adequada formação.
371
GRELHA DE CATEGORIAS FUNDAMENTADA SOBRE OS CONTEÚDOS DAS RESPOSTAS DOS INQUIRIDOS
ANEXO 9
GRELHA DE CATEGORIAS FUNDAMENTADA SOBRE OS CONTEÚDOS DAS RESPOSTAS DOS INQUIRIDOS
N
A
B
C
D
E F
Ia
Ib
Ic
I
IIa
IIb
IIc
II
IIIa
IIIb
IIIc
III
1
2 39
2 17 3 3 Virtudes
Principios
Principios
Principios
2
1 51
1 30 3 1 Principios
Principios
Principios
Principios
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
5
2 57
2 32 3 1 Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
6
2 35
2 11 3 3 Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Cuidado
Deontologia
Deontologia
7
1 45
2 20 3 3
Principios
Principios
Principios
8
1 36
1 10 1 1 Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Casuistica
Cuidado
Misto
Principios
Casuistica
Virtudes
Misto
9
2 42
1 16 5 1 Principios
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Deontologia
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Cuidado
Deontologia
10
2 48
1 25 3 3 Principios
Principios
Virtudes
Principios
Deontologia
Deontologia
Virtudes
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
11
1 53
1 28 4 2 Deontologia Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
12
1 50
1 25 4 3 Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
13
2 48
1 25 4 2 Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Deontologia
Cuidado
Principios
Misto
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Casuistica
14
2 50
1 27 3 1 Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
15
1 58
1 28 3 3 Deontologia Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Casuistica
Virtudes
Misto
Principios
Casuistica
Casuistica
Casuistica
16
2 41
2 19 3 3 Principios
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Principios
Deontologia
Casuistica
Misto
17
2 55
1 29 3 1 Deontologia Cuidado
Casuistica
Misto
Deontologia
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
18
1 50
1 27 1 1 Principios
Principios
Principios
Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Principios
19
1 51
1 26 4 1 Deontologia Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Deontologia
Deontologia
20
1 48
1 24 5 2 Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Principios
Virtudes
Virtudes
21
2 53
1 28 3 1
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
22
2 33
1
Principios
Principios
Principios
23
1 58
1 30 3 2 Cuidado
Cuidado
Cuidado
24
1 51
1 27 4 3 Virtudes
Casuistica
25
2 53
1 29 3 1 Virtudes
Virtudes
27
2 57
1 30 3 1 Virtudes
Principios
Principios
Principios
28
2 34
1 10 1 3 Virtudes
Principios
Principios
29
1 54
1 29 3 1
Deontologia
30
2 52
2 31 3 1 Virtudes
Cuidado
31
2 31
2
Casuistica
32
1 49
1 25 6 1 Virtudes
Cuidado
7 3 2 Principios
7 3 1 Virtudes
Casuistica
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Virtudes
Virtudes
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Virtudes
Virtudes
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Principios
Casuistica
Principios
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Misto
Principios
Principios
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Cuidado
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
372
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
N
A
B
C
D
E F
Ia
Ib
33
2 50
1 25 2 1 Deontologia Deontologia
Cuidado
Deontologia
Deontologia
34
1 41
2 16 3 2 Deontologia Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
37
2 32
1
8 5 1 Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Cuidado
38
2 35
1 11 5 1 Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Deontologia
39
43
2 51
2 43
1 27 5 3 Principios
2 22 3 2 Virtudes
Principios
Cuidado
Cuidado
Principios
Cuidado
Deontologia
Deontologia
45
2 30
2
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
48
2 38
2 16 3 2 Virtudes
Cuidado
Principios
Misto
Principios
Cuidado
49
2 57
1 31 3 1 Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
50
2 55
1 25 3 1 Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
58
2 27
2
6 3 3 Principios
Principios
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
59
2 45
2 18 3 3 Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
60
2 43
2 18 3 3 Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Virtudes
Principios
Principios
61
2 39
2 10 3 1 Principios
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
62
1 23
2
1 3 3 Principios
Casuistica
Cuidado
Misto
Deontologia
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
63
2 43
2 16 3 3 Principios
Casuistica
Principios
Principios
Principios
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Principios
64
2 50
2 29 3 1 Principios
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Cuidado
Deontologia
Misto
Principios
Principios
Principios
65
1 53
1 30 3 1 Principios
Principios
Principios
Principios
Virtudes
Deontologia
Principios
Misto
Virtudes
Virtudes
67
2 47
2 23 3 1 Virtudes
Cuidado
Principios
Misto
Deontologia
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
68
2 48
2 28 3 1 Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Virtudes
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Principios
72
2 57
2 32 2 1
Virtudes
74
1 38
2 16 2 3
Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Principios
Virtudes
Virtudes
Virtudes
76
2 43
2 19 2 2 Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Virtudes
Deontologia
Deontologia
Deontologia
77
2 33
2 10 2 2 Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
78
2 40
2 16 2 1 Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
79
2 47
2 21 2 1 Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
80
2 39
2 17 2 1 Virtudes
Cuidado
Principios
Misto
Deontologia
Cuidado
Virtudes
Misto
Casuistica
Cuidado
Cuidado
Cuidado
82
1 50
1 25 2 1 Deontologia Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
86
1 56
1 30 2 3 Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Virtudes
Deontologia
Deontologia
Deontologia
90
1 54
1 27 2 2 Virtudes
95
2 49
1 25 2 1 Virtudes
Casuistica
96
2 44
1 20 2 2 Cuidado
Cuidado
97
2 56
1 32 2 1 Casuistica
Virtudes
7 3 3 Deontologia Deontologia
Ic
I
IIa
IIb
IIc
II
IIIa
IIIb
IIIc
III
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Virtudes
Principios
Virtudes
Virtudes
Misto
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Principios
Principios
Virtudes
Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Virtudes
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
Virtudes
Principios
Principios
Misto
Deontologia
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Misto
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Principios
Misto
Principios
Casuistica
Deontologia
Principios
Principios
Cuidado
Casuistica
Misto
Principios
Principios
Casuistica
Casuistica
373
GRELHA DE CATEGORIAS FUNDAMENTADA SOBRE OS CONTEÚDOS DAS RESPOSTAS DOS INQUIRIDOS
N
A
B
C
D
E F
Ia
Ib
98
1 57
1 34 2 1 Cuidado
Cuidado
99
2 52
1 26 2 3 Virtudes
Deontologia
100
1 55
1 30 2 1 Principios
101
1 54
1 29 2 1 Principios
102
2 56
104
105
Ic
I
Cuidado
IIa
IIb
IIc
II
IIIa
IIIb
IIIc
Misto
Principios
Principios
Principios
Casuistica
Virtudes
Principios
Misto
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Casuistica
III
Deontologia
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Principios
Misto
Deontologia
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Principios
Cuidado
Principios
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Principios
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Misto
Principios
Principios
Cuidado
Deontologia
1 29 2 1 Cuidado
Cuidado
2 56
1 31 5 3 Principios
2 52
1 26 6 3 Cuidado
106
2 44
2 22 6 3 Virtudes
107
2 39
2 18 6 1 Virtudes
Principios
108
2 57
1 33 6 1
Cuidado
109
2 58
2 36 1 1 Virtudes
Casuistica
110
2 38
2 15 1 3 Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
111
2 33
2 11 1 3 Principios
Principios
Principios
Principios
112
2 36
2 14 1 1 Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
113
2 56
2 36 1 3 Virtudes
Cuidado
Cuidado
114
2 24
2
Principios
Principios
115
2 36
2 13 1 1 Casuistica
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Cuidado
Principios
Misto
116
2 44
2 20 1 1 Cuidado
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
117
1 58
1 32 1 3 Virtudes
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Virtudes
Cuidado
Casuistica
Misto
Virtudes
118
2 52
1 18 1 1 Casuistica
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Casuistica
Casuistica
Casuistica
119
1 50
1 24 1 3 Principios
Principios
Principios
Principios
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Cuidado
Principios
Principios
121
2 61
1 37 4 2 Principios
Principios
Principios
Principios
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Casuistica
Casuistica
Virtudes
Casuistica
123
2 46
2 23 4 3 Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Principios
Deontologia
Deontologia
Principios
Deontologia
Principios
Principios
124
2 61
2 38 4 3 Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Casuistica
Casuistica
Casuistica
126
2 56
2 34 1 1 Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
127
2 35
2 14 1 3 Principios
Virtudes
Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Principios
131
1 54
1 30 1 3 Virtudes
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
132
1 52
1 29 1 3 Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Cuidado
Deontologia
Principios
Casuistica
Casuistica
Casuistica
133
2 39
2 17 1 3 Principios
Principios
Principios
Principios
134
2 49
2 26 5 1 Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Deontologia
135
2 54
2 30 5 1 Cuidado
Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Casuistica
Deontologia
Deontologia
Deontologia
136
2 41
2 10 5 1 Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Casuistica
Principios
Virtudes
Misto
1 1 2
Principios
Deontologia
Misto
Casuistica
Casuistica
Virtudes
Principios
Principios
Cuidado
Deontologia
Misto
Cuidado
Deontologia
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Cuidado
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Casuistica
Principios
Principios
Principios
Cuidado
Deontologia
Deontologia
Principios
Deontologia
Principios
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Principios
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Deontologia
Principios
Principios
Principios
Principios
Principios
Casuistica
Casuistica
Casuistica
Misto
374
N
ÉTICA E CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS. UM ESTUDO DESCRITIVO EM CENTROS DE SAÚDE.
A
B
C
D
E F
Ia
Ib
Ic
I
IIa
IIb
IIc
II
IIIa
IIIb
IIIc
III
137
2 58
2 32 5 1 Principios
Cuidado
Virtudes
Misto
Principios
Cuidado
Deontologia
Misto
Deontologia
Deontologia
Casuistica
Deontologia
138
2 42
2 20 5 3 Cuidado
Virtudes
Virtudes
Virtudes
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Cuidado
Principios
Casuistica
Principios
Principios
139
2 59
1 33 5 1 Principios
Principios
Principios
Deontologia
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140
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145
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2 53
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149
2 56
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150
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156
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2 10 2 3 Cuidado
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163
2 50
1 25 2 1
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