O Romantismo de Chopin e a cultura polonesa no exílio

Transcrição

O Romantismo de Chopin e a cultura polonesa no exílio
O Romantismo de Chopin
e a cultura polonesa no exílio
Tiago Halewicz
Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas,
Na minha infância campestre, celeste,
Na mocidade de alturas e loucuras,
Na minha idade adulta, idade de desdita;
Choveram-me lágrimas limpas, ininterruptas...
Adam Mickiewicz (1798-1855)
Resumo
Este artigo tem como objetivo principal comentar o movimento romântico na Polônia e seu
desenvolvimento na cidade de Paris. Toma-se como ponto de partida e objetos principais de
discussão a vida e a obra do compositor polonês Fryderyk Chopin (1810-1849) e seus feitos
como compositor que resultam em um novo capítulo da história da música ocidental. Para
cumprir com as finalidades deste trabalho, se faz necessário recapitular alguns fatos históricos dos últimos anos do século XVIII, para, em seguida, explorar a atmosfera do Romantismo na Polônia e também na França, onde se inscreve o trabalho de Chopin.
Palavras-chave: Chopin. Polônia. Romantismo. Música.
1 Introdução
A Polônia, fundada em 966 d.C. pela dinastia Piast, escreveu em sua
existência uma história de conquistas, perdas, soberania e submissão até o
processo de redemocratização do país nos fins do século XX. No contexto
desse milênio, o país viveu um dos seus momentos mais gloriosos no século XVI, quando, na ocasião da aliança entre o Reino da Polônia e o GrãoDucado da Lituânia, surgiu a República das Duas Nações, com estrutura
política de uma república aristocrática e monarquia eletiva. Conhecida por
sua excelência na produção de cereais e na indústria da guerra, a República
das Duas Nações enfraqueceu, até o colapso, após as invasões cossaca e
sueca ocorridas na segunda metade do século XVII. Completamente convulsionada no século XVIII, a República enfrentou muitos problemas

Pianista, pesquisador e curador do programa Memória Cultural Polonesa StudioClio,
que organiza as atividades oficiais do Ano Chopin no Rio Grande do Sul, com apoio do
Consulado Geral da República da Polônia em Curitiba. (E-mail: [email protected])
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internos e ficou vulnerável às influências estrangeiras. A desestabilização
do sistema político chegou à beira do anarquismo. As tentativas de
reformas culminaram na Constituição de 3 de maio de 1791, mas chegavam
tarde demais. O país foi desmembrado em três ocasiões por seus vizinhos:
o Império Russo, o Reino da Prússia e a monarquia dos Habsburgos. Dessa
forma, em 1795, a República das Duas Nações foi completamente apagada
do mapa da Europa, junto com a autonomia da Polônia e da Lituânia.
Assim, a nação polonesa experimentou as amarguras da inexistência e
submissão até o fim da I Guerra Mundial, no ano de 1918.
Conhecidos os fatos, resta constatar que a Polônia da juventude de
Fryderyk Chopin existiu unicamente por conta do seu idioma, da literatura, das artes visuais e, fundamentalmente, da música. Essas manifestações artísticas se desenvolveram intensamente no século XIX, com a finalidade de manter a cultura polonesa viva: “Para os jovens românticos poloneses a falta de liberdade nacional representava não menor desafio do que
a necessidade de libertação das amarras do Classicismo” (SIEWIERSKI,
2000, p. 72). Assim, neste trabalho explicamos o desenvolvimento do Romantismo polonês a partir da vida e da obra de Chopin, trazendo também
algumas referências sobre Adam Mickiewicz (1798-1855), expoente da
literatura polonesa que bem representa em seus poemas a atmosfera do seu
país durante o século XIX.
2 As origens do compositor
Fryderyk Chopin nasceu em Żelazowa Wola – localidade distante
54 km de Varsóvia – em uma construção colateral à residência dos Skarbek,
nobres que apadrinhavam a família Chopin. Há controvérsias sobre a data
exata de nascimento do compositor: seu registro de batismo aponta a data
de 22 de fevereiro, mas o próprio Fryderyk afirmou ter vindo ao mundo no
dia 1° de março. Embora Żelazowa Wola seja uma das localidades mais
visitadas como memória do compositor, ela foi deixada pelos Chopin no
outono de 1810. Transferiram-se, então, para Varsóvia, onde Nicolas Chopin – pai de Fryderyk – assumiu um cargo de professor de francês no liceu
da cidade. A família ainda visitou inúmeras vezes Żelazowa Wola durante
a infância e adolescência do compositor, principalmente no verão, quando
o piano dos Skarbek era colocado no jardim, espaço para as performances
do jovem pianista.
A Varsóvia de Chopin – então dominada pelos russos após a dissolução do Ducado de Varsóvia, que havia sido instituído por Napoleão Bonaparte – foi onde Fryderyk recebeu de sua mãe, Tekla Justyna, as
primeiras lições de piano. Sendo precocemente notória sua aptidão para o
instrumento, passou a ter aulas com o professor tcheco Wojciech Żywny
(1756-1842). Já nessa época fazia algumas composições; chegou a compor
uma polonaise dedicada à Condessa Skarbek e publicada em 1817. Após sua
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primeira apresentação pública, no ano de 1818, a notícia de seu talento
musical já era divulgada pela alta sociedade e pela imprensa de Varsóvia.
Dessa forma, passou desde muito cedo a frequentar os salões aristocráticos,
costume que fez parte de toda sua trajetória como compositor e pianista.
Como filho de um professor do Liceu de Varsóvia, o jovem Fryderyk residiu junto às dependências da escola até o ano de 1826. Durante o
período em que o Liceu esteve localizado no campus da Universidade de Varsóvia, a família Chopin mantinha em sua residência um pensionato para jovens estudantes provenientes do interior da Polônia. Sendo
essa uma informação aparentemente superficial e sem relevância alguma
para a construção deste trabalho, cabe salientar que os anos em que Fryderyk Chopin foi aluno do Liceu de Varsóvia converteram-se em um importante momento para um menino curioso que estava prestes a revolucionar a música para piano. Durante os dez anos em que existiu o pensionato da família, Fryderyk conviveu muito com seus colegas de classe e,
principalmente, com os rapazes que estavam sob a atenção de sua família.
Como retribuição, as famílias dos jovens estudantes do interior frequentemente convidavam Fryderyk para passar as longas férias de verão no interior, aproveitadas, também, para a recuperação da frágil saúde do compositor. As viagens a Szafarnia, à residência da família Dziewanowski, foram
fundamentais na formação de Chopin como compositor, pois, nesses emcontros com o campo, conheceu como se expressava a vida rural do centro
da Polônia e estabeleceu sua relação com a identidade folclórica do país.
Em virtude desse contato com o folclore, compôs as primeiras mazurkas – as primeiras de uma série de 51 – e também a Mazurka op. 17
n° 4, chamada pelo compositor de O pequeno judeu, referindo-se às famílias judaicas com quem tomou contato naquela ocasião. Periodicamente
escrevia cartas para a família e produzia o Kurier Szafarski, um jornal que
parodiava o Kurier Warszawy, principal jornal polonês da época, que sofria intensamente com a censura do czarista.
Correio de Szafarnia
Terça-feira
3 de setembro
de 1824
Notícias do Interior
Em 1º do mesmo mês e ano: O senhor Pichon tocava O pequeno judeu; o senhor Dziewanowski chamou
seu caseiro israelita para lhe perguntar o que ele pensava
do toque do virtuoso. Mosiek se aproximou da janela, introduzindo seu sublime nariz arqueado no quarto, escutou
e depois concluiu que se o senhor Pichon desejar tocar nos
casamentos judeus ele poderá ganhar cada vez pelo menos
dez moedas. Esta declaração encorajou o senhor Pichon a
trabalhar o mais possível este gênero de música e talvez se
voltará no futuro a harmonias bastante lucrativas.
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A 2 do mesmo mês e ano: Um gato, que tínhamos
trazido para casa, escapou. A pessoa que tinha a sua guarda começou a procurá-lo. No momento que ia pegá-lo, o
gato pulou para baixo de uma cerca e se julgou em segurança. Então a dama, desejando decididamente pegá-lo,
experimentou pular a cerca, deu um passo em falso, perdeu o equilíbrio e caiu esparramada no solo.
A 3 do mesmo mês e ano: O senhor Luc, de profissão ajudante de sítio, trepado sobre uma pereira, separava os galhos a fim de fazer cair as peras para as damas
que, na sombra da árvore, o esperavam avidamente. Luc
sacudiu muitas vezes a árvore sem que nenhuma fruta
despencasse e finalmente foi ele (nota bene: por acidente)
que caiu em terra no lugar delas.
A 2 do mesmo mês e ano: a senhorita Brigitte, a
cozinheira que amassa com grande força, em vista disso,
projetou a massa toda fora da gamela.
A 1º do mesmo mês e ano: O Negro, tendo saído
para o campo com seu dono, matou uma perdiz (nota bene: sem fuzil nem pólvora).
A vaca se encontra incontestavelmente melhor,
recebe visitas e talvez em breve ela mesmo poderá fazê-las. (SYDOW, 2007, p. 34).
Não há dúvida de que estas visitas a Szafarnia despertaram seu interesse pelo folclore polonês, fato que levou Chopin, aos olhos dos estudiosos, ao posto de fundador da primeira escola nacionalista na história
da música ocidental. As mazurkas e polonaises compõem a maior expressão da cultura polonesa na obra chopiniana. A mazurka é uma forma
estilizada da dança mazur e compreende, ainda, mais duas danças folclóricas: kujawiak e oberek. As três danças têm andamentos distintos; mazur,
oriunda da região central do país, possui andamento moderado; kujawiak
é lírica, lenta e cantabile; e oberek, dança conhecida por seus passos em
giro, é a mais rápida de todas.
3 O Romantismo de Chopin
Os quatro últimos anos que Chopin passou na Polônia, de 1826 a
1830, foram marcados pelo forte controle dos poloneses por parte dos russos e pela criação de um ambiente ainda mais hostil. A família Chopin
vivia, então, no Palácio Krasinski, onde hoje está instalado um dos museus
dedicados à memória do compositor. Essa residência possuía um diferencial, pois lá o jovem compositor de 16 anos tinha uma sala particular equipada com um piano, que possibilitou a composição de duas importantes
obras: os concertos para piano e orquestra op. 11 e op. 21.
No ano de 1826, Chopin ingressou no Conservatório de Varsóvia
para estudar composição, aos cuidados de Józef Elsner, professor fundador
da escola, que era um braço da universidade de Varsóvia. Chopin estudava
com Elsner desde o momento em que seu primeiro professor, Wojciech
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Zywny, informara aos pais do talentoso pianista de 12 anos de idade que
não teria mais o que acrescentar à vida musical do pequeno Fryderyk. Com
as orientações de Elsner e uma mente brilhante e imaginativa, Chopin
triunfou como compositor e pianista em Varsóvia, e, nesse contexto, concluiu, com o apoio dos amigos e da família, que sua cidade era pequena
demais para o seu trabalho.
Essa decisão ganhou forças após sua primeira viagem ao exterior,
quando Chopin visitou Berlin, Viena, Praga e Dresden nos anos de 1828 e
1829. A partir desse momento, Chopin teve novas referências musicais, pois
aprofundou seu gosto pela ópera italiana e pela música de John Field (17821837) e Johann Nepomuk Hummel (1778-1837). Assim, “a música de Chopin
derivou-se amplamente de sua experiência inicial com a ópera, dos ritmos e
harmonias de dança de sua nativa Polônia, e de Bach” (ROSEN, 1995, p. 395).
No dia 2 de novembro do ano de 1830, devido à situação política da
Polônia dominada e à busca de aperfeiçoamento profissional, Chopin saiu
de Varsóvia sem imaginar que jamais voltaria. Poucos dias depois da sua
despedida, explodiu a insurreição nacional polonesa naquela capital. Seu
primeiro impulso foi voltar à cidade, mas foi desencorajado por seus amigos. Durante dez meses Chopin transitou pela Europa de forma errante,
passando por Wroclaw, Dresden, Praga, Viena, Munique e Stuttgart, até
chegar a Paris, em setembro de 1831. Dias antes de chegar à capital francesa, Chopin ficou sabendo que o levante dos poloneses sucumbira.
A derrota do levante provocou graves repressões, a Constituição do Reino foi suspensa, o seu exército liquidado, as
Universidades de Varsóvia e Vilna fechadas. As deportações em massa para a Sibéria e o confisco dos bens levam cerca de dez mil participantes do levante à emigração, principalmente para a França. Agora Paris torna-se a
capital da vida cultural e política polonesa, lugar onde será
escrita grande parte das obras-primas do Romantismo polonês, obras de Adam Mickiewicz, Juliusz Slowacki, Cyprian
Norwid e Fryderyk Chopin. (SIEWIERSKI, 2000, p. 73).
Diante do desespero, Chopin escreveu “uma pungente indagação sobre si
mesmo” (MASSIN e MASSIN, 1998, p. 739), conhecida como O Diário de
Stuttgart:
Meu pobre pai, meu bravo pai. Talvez tenhas fome; talvez não possas achar pão para minha mãe! Minhas
irmãs talvez sejam vítimas da fúria da soldadesca moscovita desenfreada! Paskiewicz – este cão de Mohilew – se
apodera da residência dos primeiros monarcas da Europa!
O moscovita, senhor do mundo [duas palavras apagadas].
Ó meu pai, estes são os enfeites da tua velhice! Mãe, terna
mãe, dolorosa, sobreviveste à tua filha para ver o moscovita pisar nos seus ossos [uma palavra apagada]. Ah! Powązki. Terão eles respeitado a tumba?1 Ela foi sapateada e
1
Refere-se à tumba da pequena Emilia Chopin no cemitério Powązki de Varsóvia.
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mil outros cadáveres a recobrem. Ah! Por que não pude
matar ao menos um desses moscovitas? Ó Tytus, Tytus!2
[...]
Stuttgart. Onde está ela? A pobre [Constance].
Talvez esteja nas mãos dos moscovitas! Um moscovita a
estrangula, a assassina, a mata! Ah! Minha bem-amada, eu
estou só aqui – vem para junto de mim – eu enxugarei tuas lágrimas, acalmarei as feridas, lembrando-te o passado
– o tempo em que ainda não havia moscovitas. Agora, enquanto alguns moscovitas querem te agradar à toda força,
tu vais rir deles, pois eu estarei lá, eu, não Grab.3
Tu tens uma mãe tão má, mas eu tenho uma muito boa! Talvez nem tenha mais mãe, um moscovita pode
tê-la assassinado. Minhas irmãs apavoradas não se deixarão dominar – não. Meu pai em desespero não sabe o que
virá, não há ninguém para reerguer minha mãe, e eu estou
inativo aqui, as mãos vazias, suspiro de tempos em tempos, derramo meu desespero no piano. De que serve isto?
Deus, meu Deus, sacode a terra, que ela devore os homens
deste século, que as torturas mais cruéis atormentem os
franceses que não nos socorreram. (SYDOW, 2007, p. 166).
Após escrever esse desabafo em seu caderno de notas, Chopin compôs
uma das mais célebres de suas obras, o Estudo op. 10 nº 12, conhecido
como “Estudo Revolucionário”. A obra do mais célebre filho da Polônia
dialoga intensamente com o seu momento, suas angústias, amores e,
sobretudo, com a história do seu país.
4 O exílio em Paris
Fryderyk Chopin chegou a Paris para usufruir do novo papel social da música, impulsionado pela Revolução Francesa e pelo surgimento
de um novo público consumidor e numericamente mais importante: a
burguesia dos grandes centros, como Paris, Londres e Viena. O Romantismo conferiu aos artistas não só uma liberdade das amarras do passado,
mas também autonomia dentro de uma nova relação com o trabalho.
A partir desse momento, os músicos puderam sobreviver da venda de suas
obras para editoras, para famílias da alta sociedade; da promoção de concertos e de aulas particulares. Na verdade, essas novas atribuições se esboçaram nos vinte últimos anos do século XVIII, mas se consolidaram apenas
no século XIX, quando os reflexos da Revolução Francesa conferiram uma nova ordem social “baseada na livre iniciativa, na livre concorrência e na destruição de barreiras rígidas entre as classes sociais” (GONZAGA, 1993, p. 38). Contudo, a democratização da vida musical impulsionou a abertura de novas salas de concerto, a criação de sociedades para a
organização de concertos, bem como o aumento da produção e venda de
2
Refere-se aqui a Tytus Wojciechowski, seu grande amigo.
3
Chopin refere-se a Grabowski, futuro marido de Constance Gladkowska.
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instrumentos musicais e de produtos do mercado editorial, satisfazendo,
assim, a demanda de um mercado cada vez mais amplo.
Paris era tudo o que Chopin queria e desde os primeiros dias sentiu-se muito à vontade e encantado com tudo que o rodeava, como expressa em carta enviada a um amigo de Berlim, em novembro de 1831:
No meu quinto andar (habito o Boulevard Poissonière,
nº 27), não imaginas como é bonito o meu alojamento,
tenho um pequeno quarto com deliciosa mobília de acaju e
com um balcão dando para os boulevards, de onde descubro Paris, de Montmartre ao Pantéon, ao longo deste
mundo belo. (SYDOW, 2007, p. 169).
Nos primeiros meses, o jovem passou a frequentar as altas rodas parisienses, repletas de pessoas cultas e interessantes, que o admiravam como
artista e como pessoa. Em fevereiro de 1832 fez, seu primeiro concerto em
Paris, na Sala Pleyel. Foi o início de uma amizade e parceria entre o compositor que revolucionou a música para piano e um dos mais importantes
fabricantes desse instrumento da Europa. O piano é peça chave na história
de Chopin, bem como no desenvolvimento da música durante o período
romântico, pois passou por uma série de transformações que resultaram
em recursos e possibilidades sonoras nunca antes possíveis. Sob o ponto de
vista da mecânica, é um instrumento altamente complexo e considerado
uma das mais importantes máquinas aprimoradas no século XIX.
A vida musical e social de Fryderyk Chopin em Paris estava rodeada de importantes nomes das artes daquele momento, como o compositor Franz Liszt (1811-1886), responsável pela aproximação entre
Chopin e a escritora George Sand (1804-1876), pseudônimo utilizado pela
escritora Amantine Aurore Lucile Dupin. Mulher engajada politicamente,
fundadora da Revue Indépendent, periódico de posicionamento socialista,
George Sand conheceu Chopin no ano de 1836, pois frequentavam as
mesmas rodas sociais. O casal passou a assistir ao curso de literatura
eslava ministrado pelo escritor Adam Mickiewicz no Collège de France.
As aulas tratavam não só de literatura como também da situação dos
povos eslavos naquele momento. Assim como a obra de Mickiewicz funcionava como porta-voz das aspirações libertadoras dos poloneses, a
música de Chopin era uma forma de manter viva a cultura de um povo
que naquele momento sequer tinha seu país situado no mapa.
Os poloneses exilados ganham um ponto de apoio na capital francesa quando Adam Jerzy Czartoryski (1770-1861) – escritor e diplomata polonês, ministro de relações exteriores da Rússia Imperial e membro da mais
alta aristocracia polonesa – exilou-se em Paris e adquiriu o Hotel Lambert,
comando da causa polonesa na Europa e reduto de aristocratas e intelectuais simpatizantes das insurreições. O Hotel Lambert também foi um
centro de ajuda aos poloneses exilados e local escolhido para a fundação de
uma sociedade literária, fato muito importante para a difusão da literatura
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polonesa na França. Chopin e George Sand transitavam pelos salões da
família Czartoryski, assim, acompanhando muito de perto o dia-a-dia de
outros emigrados poloneses.
5 A obra
Como se explica a grandiosidade de um compositor que escreveu
essencialmente para piano, que não escreveu sinfonias, óperas, oratórios e
missas? Por que Chopin é tão célebre entre os mais diversos públicos e sua
obra é presente em grande parte dos programas de salas de concerto mundo afora? Embora tenha concentrado sua música no piano, Chopin foi o
primeiro a poder permitir-se tal posicionamento frente à música, devido à
excelência como executava sua obra. Foi dono de uma técnica em que não
há exata distinção entre improviso e composição e transformou o piano em
um instrumento com possibilidades de expressões inesperadas, criando
um universo de sons jamais anteriormente executados. Nesse contexto,
“Chopin não se encontra no posto mais elevado da hierarquia dos músicos,
segundo o crítico inglês Arthur Headley, mas possui o que não foi dado a
todos, pois era o único e encontrava-se acima do seu próprio domínio musical” (ZIELINSKI, 1995, p. 286). Um bom exemplo é a dissonância que, nas
mãos de Chopin, não só cumpriu com seu papel de trazer tensão à obra,
mas também pôde ser um elemento sonoro belo e interessante por si próprio. Através dos cromatismos, modulações, mudanças de climas, ele influencia sua geração posterior e, particularmente, o impressionismo do
compositor francês Claude Debussy na sua maneira de tratar a harmonia
como cor, tornando-se referência para as mudanças mais radicais da linguagem sonora do séc. XX.
Chopin foi um aplicado aluno de contraponto, processo que é ponto
de partida para uma finalidade harmônica não planejada, ou seja, a “harmonia em Chopin é resultado e não planejamento”, afirma a profª Drª Cristina Capparelli Gerling em entrevista para o vídeo documentário Chopin
200 anos. E ainda complementa: “a obra de Chopin é uma combinação de
enlevo, encantamento e ternura aliada ao perfeito domínio dos recursos
musicais. Assim, é possível compreender a capacidade de comunicação de
sua obra nos veículos mais distintos.”
Complementando a discussão sobre a popularidade de Chopin, é
importante mencionar o musicólogo Celso Loureiro Chaves, que, na apresentação de sua tradução para o português da obra Chopin, de Nicholas
Temperley, cita a seguinte frase do compositor argentino Astor Piazzola:
“Uma valsa de Chopin interpretado por Rubisntein é celestial; a mesma
valsa tocada por uma de nossas tias pode ser um inferno” (TEMPERLEY,
1989, p. 13). Solidário à citação de Piazzola, Chaves conclui: “Muitas dessas
obras estão ao alcance dos amadores, mas só nas mãos dos virtuoses elas
assumem sua plenitude” (TEMPERLEY, 1989, p. 13). Por essas caracte32
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rísticas, a obra de Chopin abriu diversos caminhos que se perpetuaram na
história da música a partir da segunda metade do século XIX. A revelação
da música de Chopin não fica apenas na utilização do piano como instrumento único, mas no fato de ter reservado a este uma técnica excepcional.
A criação de novas linguagens sonoras e a velocidade com que a harmonia
se movimenta desencadeando modulações e cromatismos qualificam-se
como a identidade musical chopiniana. Sua poética é individual e coloca-se
como a mais relevante propriedade de sua obra.
O caráter interdisciplinar do Romantismo, ou seja, a intensa relação entre as áreas de conhecimento, foi representada na música por seu
diálogo com a literatura. Muitos compositores utilizaram referências
literárias claras e óbvias em suas obras. O caso de Chopin é um pouco
diferente, pois a literatura de seus contemporâneos e conterrâneos, caminha ao lado de sua música em busca de um mesmo objetivo, mas sem
nenhuma interseção. Há uma especulação a respeito de que textos de
Adam Mickiewicz tenham servido de base para as quatro baladas de
Chopin, mas não há nenhuma evidência clara. Chopin criou uma literatura própria com muita imaginação musical e processos narrativos com
muita riqueza criativa de atmosfera claramente romântica.
6 Considerações finais
Ao escutar Chopin, a todo momento podemos ouvir um tema folclórico ou um ritmo de uma dança nacional. Assim, o compositor pode
ser considerado como fundador da primeira Escola Nacionalista na história da música ocidental. Dessa forma, é possível afirmar que a associação
das obras de Chopin e Mickiewicz operou, durante todo o século XIX,
como um estado polonês independente, embora virtual. Essa obra nutria
o sonho dos poloneses exilados em Paris de uma nova Polônia, constituída e autônoma.
No ano de 2010, em que está sendo celebrado o Ano Chopin, instituído pela UNESCO em virtude do bicentenário de nascimento do compositor, é fundamental considerar que o repertório chopiniano é essencial
para a formação dos pianistas e das platéias, por sua riqueza técnica e
capacidade de enlevo e imaginação. A música de Chopin integra ainda
hoje grande parte dos programas de concerto mundo afora, popularizando-se cada vez mais entre os apreciadores de música. Torna-se, hoje, patrimônio não só da Polônia, ou da França, mas de toda a humanidade.
Recebido em abril de 2010.
Aprovado em abril de 2010.
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Romanticism of Chopin and the Polish Culture in the Exile
Abstract
The main purpose of this article is to comment the Romantic Movement in Poland and its
development in Paris. We take as the starting point and as the main objects of discussion,
the life and works of the Polish composer Fryderyk Chopin (1810 – 1849) and his achievements as a composer, which resulted in a new chapter of the history of western music. In
order to fulfill the purposes of this work, it is necessary to recapitulate some historical facts
of the last years of the seventeenth century and then explore the Romantic atmosphere in
Poland and France where the works of Chopin perpetuate.
Keywords: Chopin. Poland. Romanticism. Music.
Referências
GONZAGA, Sergius. Manual de literatura brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1994.
MASSIN, Brigitte; MASSIN, Jean. História da Música Ocidental. Rio de
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ROSEN, Charles. A Geração Romântica. Trad. Eduardo Seicman. São Paulo: Edusp, 2000.
SIEWIERSKI, Henryk. História da literatura polonesa. Brasília: UnB, 2000.
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TEMPERLEY, Nicholas. Chopin. Trad. Celso Loureiro Chaves. Porto Alegre: L&PM, 1990.
ZIELINSKI, Tadeusz Andrzej. Magazyn Studio nr. 5. Warszawa: PWM,
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