Sobre a cientificidade de Pareto para a Economia Política e noções

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Sobre a cientificidade de Pareto para a Economia Política e noções
Sobre a cientificidade de Pareto para a Economia Política e noções de
Verdade .
Ronald Wegner Neto*
RESUMO: O estudo da Economia Política não havia se dissociado
completamente das artes e discursos
na passagem do século XIX para o
século XX, e portanto não poderia ser considerada uma ciência evoluída de
acordo com Pareto, que em seu Manual de Economia Política ([1906], 1984)
traça em seus três primeiros capítulos motivações e considerações para um
conhecimento puro das ciências sociais (Sociologia e Economia Política
sobretudo). Dentro das colocações do corpo teórico e cientificante de Pareto
busca-se, então, analisar como a ciência tem de evoluir através de um projeto
mais rígido, onde as uniformidades guiam o seu rigor e fornecem um acesso
privilegiado ao fato real observado. Os paralelos com as ciências naturais,
como a física, fornecem material e método para lidar com a Economia Política,
onde as críticas insurgidas contra o neoclassicismo também tem uma
semelhança a uma autocrítica implícita de Pareto. Compreendido brevemente
as considerações de ciência e seu projeto para a Economia Política, busca-se
estabelecer possibilidades de verdade e discurso no corpo teórico exposto por
Vilfredo Pareto em seu Manual de Economia Política, também como um breve
esboço de uma retomada hermenêutica.
Motivações e Uniformidades no estudo da Economia Política.
Vilfredo Pareto inicia seu Manual de Economia Política tratando sobre as
categorias de motivações que levam ao estudo da própria Economia Política,
como também da Sociologia. Resumidas são elas [1] aconselhar utilmente os
particulares e autoridades públicas sobre suas atividades; [2] ter e divulgar
conhecimento útil e pertinente para toda uma existência, algo como um tratado
de moral; e [3] conhecer pura e simplesmente a Economia Política ou a
Sociologia, o “objetivo nesse caso é exclusivamente científico; quer apenas
* Graduando do curso de Ciências Econômicas do 5º período da UFPR e bolsista do
PET/Economia. E-mail: [email protected] ou [email protected]
conhecer, saber e basta.”. Logo ele expõe estas motivações, o autor já
arremata afirmando que apenas do conhecer científico ele tratará, mas jamais
– e sim pelo contrário – negando a utilidade das outras duas formas de se
estudar a Economia Política e a Sociologia, mesmo que as duas primeiras
formas não nos tragam um conhecimento puro.
Procedendo na busca do aspecto científico na Economia Política, partindo de
um simples saber, de um conhecer puramente, Vilfredo Pareto deixa notar já o
papel superior no acesso ao que se pode dar como real da ciência em relação
às outras duas maneiras de proceder. As uniformidades desempenham papel
fundamental nesta busca do que é real nas ciências, e que assim também o
serão para a Economia Política e a Sociologia. São as uniformidades, leis que
permitem um acesso a um conhecimento determinístico, onde uma vez
concluído que certo acontecimento A incorrerá sempre em um B, teremos que
“depois disso, é ridículo querer negar a existência de leis econômicas e
sociais.”. O papel das uniformidades para a Economia Política e para a
Sociologia fica mais claro quando Pareto afirma que:
“As ações humanas apresentam certas uniformidades e é apenas
graças a essa propriedade que podem ser objeto de um estudo
científico. Essas uniformidades têm ainda um outro nome; chamamolas de leis.” (PARETO, 1984, p.13)
Leis estas que:
“Estritamente falando, não pode haver exceções às leis econômicas e
sociológicas, assim como não há às outras leis científicas. Uma
uniformidade não uniforme não faz sentido.” (PARETO, 1984, p.14)
Desta maneira Pareto não apenas define as uniformidades, como também
através dela começa a caracterizar o seu objeto de estudo através delas. São
elas figuras que estabelecerão o rigor do seu projeto de ciência e, para a
Economia Política, mas ao mesmo tempo enxerga-se as limitações que este
projeto tem, pois mesmo que um estudo seja levado de maneira rigorosa e
precisa, existirão sempre pormenores que não poderão ser explicados, de
modo que nos cabe apenas um acesso aproximativo da realidade. Sendo este
acesso apenas aproximativo da realidade, o método que nos cabe será das
aproximações sucessivas, de modo que a cada abstração e aproximação
possamos estar mais perto de uma explicação dos fatos com poucos resíduos.
Ciência, Projeto Científico e ímpeto Antimetafísico
Uma conseqüência lógica em Pareto para as aproximações sucessivas, é de
que:
“É falso acreditar que se possa descobrir exatamente as propriedades
dos fatos concretos raciocinando com as idéias que fazemos a priori
desses fatos, sem modificar esses conceitos ao comparar a posteriori
essas conseqüências com os fatos. (…) É evidente que um fenômeno
qualquer somente pode ser conhecido mediante a noção que faz
nascer em nós; mas, exatamente porque dessa forma apenas
chegamos a uma imagem imperfeita da realidade, sempre
precisamos comparar o fenômeno subjetivo, isto é, a teoria, com o
fenômeno objetivo, isto é, o fato experimental.” (PARETO, 1984, p.16)
É justamente por esta concepção de que o conhecimento vem imperfeito
através da percepção do homem que faz com que muitos busquem através
deles mesmo a compreensão de uma nova ciência. Os homens “fazem
experiências com os nomes dos fatos em vez de fazer experiências com os
próprios fatos”, o que pode nos dar pistas importantes no primórdio de uma
ciência, mas não depois. Aqui insere-se uma colocação primeira do que se
tratará, então, em Pareto de “ciência madura”.
“Todas as ciências naturais chegaram agora ao ponto no qual os fatos
são estudados diretamente. Também a Economia Política chegou a
esse ponto, pelo menos em grande parte. Apenas nas outras ciências
sociais é que ainda há quem se obstine em raciocinar sobre palavras;
no entanto, é preciso desembaraçar-se desse método, se quisermos
que as ciências progridam” (PARETO, 1984, p.17)
Ainda nestas afirmações em princípios gerais que Pareto articula um debate
com a metafísica e as noções hermenêuticas das ciências no geral, e mais
fortemente para facilitar seu projeto para a Economia Política. Em nota contra
Croce sobre esta última citação das palavras e desse método, Pareto coloca
bastante claro que a comunicação da metafísica com seu trabalho é ao todo
inútil, já que segundo ele “(...) falamos duas línguas diferentes, de tal forma que
nenhum de nós dois compreende o que o outro fala”. Afirmação esta comum
entre positivistas, que se caracterizam em todas as suas correntes como
aqueles que não aceitam uma metafísica do ser ou da existência (SCHLICK et
alli, 1975), e justamente por esta destituição do sentido de tal pensamento, que
– como nota Habermas – abandoná-los não fará diferença relevante para o
estudo que se levará adiante. “Neste furor antimetafísico revelou-se um motivo
cientificista não esclarecido, o de elevar ao absoluto o pensamento científicoexperimental.” (HABERMAS, 1990).
Tanto Pareto como autores posteriores compreendem que o projeto de ciência
positiva é uma criação em si através de um mundo real dado, podendo ser isto
“um motivo cientificista não esclarecido” ou então lidar com o que é real
ignorando os aspectos imaginários da mesma. Pareto fica claramente nesta
segunda colocação, ainda defendendo o abandono do uso das concepções de
existência e impressões que venham através do homem. Raymond Aron nota:
“As proposições que Pareto considera como lógico-experimentais não
se ajustam, no seu conjunto aos nossos sentimentos. Este desacordo
ilustra a distinção radical entre as verdades científicas e os
sentimentos das pessoas, e nada tem de surpreendente. As verdades
experimentais ou científicas não são tão importantes na vida humana,
e num certo sentido seria legítimo afastá-las de uma vez por todas
como secundárias. As proposições lógico-experimentais só têm
interesse real para uma categoria de homens pouco numerosa: os
homens que preferem a verdade à utilidade; o que, em matéria social
ou econômica, é raro.” (ARON, 2008, p.645)
Raymond Aron nesta passagem mostra diretamente o caminho positivista
lógico-experimental em que Pareto se colocou. Caminho este composto por
vários outros economistas preocupados em trazer cientificidade à economia
através de um paralelo com ciências naturais, sobretudo a física e seus
mecanismos teóricos e experienciáveis; e é deste movimento cientificista para
a Economia Política, positivista, altamente matematizado que devemos
prosseguir o projeto paretiano. Mirowski (1989) é um autor necessário para
compreendermos uma das particularidades do movimento neoclássico,
sobretudo da revolução marginalista de 1870' para diante, de onde vem o
ímpeto do projeto cientificante para a Economia Política.
O paralelo com o avanço da física e a teoria da energia via Maxwell em anos
anteriores é ponto que faz nascer o ímpeto – além de simplesmente positivista
na maioria – destes novos autores da economia a buscarem rigor lógico e
matemático. As funcionalidades deste método e seu emprego determinista é
anotado por muitos autores, mas é em Pareto que se articula de maneira mais
direta e precisa, através de inúmeras exemplos da física, sobretudo da
mecânica para fazer paralelos com a Economia Política, tanto que:
“In some ways, Pareto was the most ruthless proponent of the
physical metaphor. In place of the flowery language and Victorian
prolixity of Edgeworth, the technocratic obscurity of Walras, or the coy
indirect invocation of the philosophy of science by Jevons, Pareto
openly admitted from the start form whence the marginalists derived
their inspiration, practically daring the reader to express any
demurrer(...)” (MIROWSKI, 1989, p.221)
De fato até mesmo a comparação inicial para lidar mais fortemente com o
método de análise para as ciências sociais vem de uma comparação mais
intrincada com as ciências físicas. Destarte Pareto admite a existência de duas
classes de ciências através da possibilidade do método, e para cada uma delas
haverá particularidades do mesmo método e suas possibilidades:
“(...) há duas grandes classes de ciências: as ciências que como a
Física, a Química, a Mecânica, podem recorrer à experiências e as
que , como a Meteorologia, a Astronomia, a Economia Política, não
podem ou apenas dificilmente podem recorrer à experiência e que
devem se contentar com a observação. (…) Não há, não pode haver,
outro critério sobre a verdade de uma teoria que não seja sua
concordância mais ou menos perfeita com os fenômenos concretos.
(…) As ciências que somente podem utilizar a observação separam
pela abstração certos fenômenos de outros; as ciências que podem
igualmente servir-se da experiência realizam materialmente essa
abstração; mas a abstração constitui para todas as ciências a
condição preliminar e indispensável de toda pesquisa.” (PARETO,
1984, p.18)
A observação e a relação de equivalência da teoria com a mesma é então fato
primordial e guia da ciência, e somente com abstrações e as aproximações
sucessivas é que podemos ter este acesso privilegiado a um conhecimento
puro, livre de preceitos dos autores, de modo a buscar uma separação do que
é ciência pura e seu acesso a uma verdade que uma vez descoberta não pode
ser negada. Como em muito do que Pareto escreveu, devemos relevar este
rigor de sua teoria, o que ele mesmo o faz. Para chegar neste ponto na
Economia Política precisamos adentrar no objeto por excelência da Economia:
as ações lógicas.
O Objeto da Economia Política, breves críticas e ressalvas
Como as ciências sociais se dão no estudo das atividades humanas, para
delimitar o estudo da Ciência Econômica Pareto precisava em seu esquema
teórico delimitar as vertentes das ações humanas. Grosso modo e de modo
puro temos as ações não-lógicas e as lógicas, e através desta contraposição
de ações que se empreenderá a distinção do que se trata a Economia Política
e do que se trata na Sociologia, deixando à primeira o estudo das “ações
lógicas, repetidas em grande número, que os homens executam para buscar as
coisas que satisfazem seus gostos.” e pelo contrário deixando às ações nãológicas à segunda. Ficamos então no foco da Economia Política doravante para
não empreender toda a extensão da diferenciação exaustiva das ações lógicas
das ações não-lógicas.
Sendo a Economia guiada pelo estudo de ações lógicas, que se repetem de
maneira comum, Pareto traçará então parte do projeto cientificante para a
Economia Política e seu objeto através dos paralelos com as ciências naturais,
para a formação de um objeto capaz de ser descrito pela matemática.
“(...) o problema é bastante complexo, pois os fatos objetivos são
muito numerosos e dependem, em parte, uns dos outros. Essa mútua
dependência faz com que a lógica comum se torne, em breve,
impotente, logo que se vá além dos primeiros elementos. É preciso,
então, recorrer a uma lógica especial apropriada a esse gênero de
estudos, isto é, à lógica matemática. Não há portanto por que falar de
um “método matemático” que se oporia a outros métodos. Trata-se de
um procedimento e demonstração que vem JUNTAR-SE aos outros.”
(PARETO, 1984, p.79)
Este tipo de raciocínio pode criar uma crítica daqueles que acusam a visão
neoclássica, tal como se firmou posteriormente, através da racionalidade
exacerbada dos agentes, do processo matematizante e complexo que em volta
da figura da racionalidade foi criada. Hodgson é um destes críticos, sobretudo
de uma racionalidade tida como perfeita e como figura ideal, próximo do que
temos em Pareto como ação lógica:
“ 'Rationality' is one of its basic assumptions, placing itself in a position
of dogmatic invulnerability: protected not merely by apparent horror for
the alternatives, but by the denial of full status as an economist to all
those that dare to question it. Indeed, in economic circles to question
the idea that human agents are rational to risk disapprobation, exile or
worse. An economist who raises such questions is likely to be met by
the accusation that he or she is abandoning 'economics' itself.”
(HODGSON, 1988 ,p.74)
Pareto parece bastante claro que mesmo no uso da lógica matemática ela
sozinha é incapaz de tratar de todos os temas que a Economia Política
demanda tratar, mas é necessário, mesmo que para Pareto a discussão de fato
dos métodos era para a Economia Política muitas vezes sem importância, já
que como dito: é da relação de equivalência entre a teoria e o fato objetivo,
observado que cabe o mérito da ciência em conhecer as uniformidades. E para
muitos que o colocam no âmbito neoclássico, estritamente matematizado, com
um homo oeconomicus
racional; de fato sem fazer as devidas ressalvas,
Pareto deixava ao mesmo tempo que seu aparente rigor de tratamento por
estas vias uma via de escape, uma espécie implícita de autocrítica. Para notar
veja-se – embora no âmbito positivista da experiência – sua concepção da
história, o que por muitos parece ser negada, em Pareto recebe uma atenção
de grande valor, além da exposição factual acerca da escolha do método:
“A meta da ciência é conhecer as uniformidades dos fenômenos;
portanto é preciso empregar todos os procedimentos, utilizar todos os
métodos que nos conduzem a essa meta. É na prova que se
reconhecem os bons e os maus métodos. O que nos conduz à meta é
bom, pelo menos enquanto não se encontrar um ainda melhor. A
história é útil porque prolonga no presente a experiência do passado
e supre as experiências que não podemos fazer: o método histórico,
portanto é bom. (…) Enfim, se um autor prefere tal ou qual método,
não o chicanearemos por isso; simplesmente pedir-lhe-emos que nos
mostre leis científicas, sem nos preocuparmos muito com o caminho
que seguiu para chegar a seu conhecimento.” (PARETO, 1984, p.23)
Junto de outras críticas à complexidade da teoria neoclássica que imputam
racionalidade limitada e outros, Pareto sem titubear já também colocava
patentemente a crítica a este tipo de raciocínio. O que o coloca como um autor
que ao mesmo tempo que defendia com rigor positivista ímpar, com paralelos
com a física de tamanha força e com grande uso de recursos matemáticos,
também o coloca como um defensor do método histórico, um crítico severo
daqueles que achavam que a ciência seria capaz a ter um acesso a todo tipo
de verdade.
“Certas pessoas acreditaram que, pelo único fato de utilizar a
Matemática, a Economia Política teria adquirido em suas deduções o
rigor e a certeza das deduções da Mecânica Celeste. Eis um grave
erro. Na Mecânica Celeste, todas as conseqüências que se tiram de
uma hipótese foram verificadas pelos fatos; e concluiu-se que é muito
provável que essa hipótese seja suficiente para nos fornecer uma
idéia precisa do fenômeno concreto. Não podemos esperar resultado
semelhante em Economia Política, pois sambemos, sem nenhuma
dúvida, que nossas hipóteses se agastam em parte da realidade, e é
apenas em certos limites que as conseqüências que podemos tirar
correspondem aos fatos.” (PARETO, 1984, p.142)
Eis que o autor do Manual de Economia Política, dentre vários do mesmo
movimento (marginalista), mesmo quando considerado o mais fervoroso
defensor dos paralelos e do uso de métodos semelhantes dos utilizados na
física, Pareto deixa delimitado um dado limite para a ação destes meios e uma
crítica para aqueles que achavam tais paralelos necessários e métodos –
matemáticos sobretudo – indispensáveis criando uma ciência no seu ínterim
exata e capaz de toda sorte de compreensão e previsão dos fenômenos. É
claro para Vilfredo Pareto que:
“O fenômeno econômico é excessivamente complexo e há grandes
dificuldades objetivas em conhecer as teorias de suas diferentes
partes. Suponhamos por um momento que vencemos essas
dificuldades e que, por exemplo, em certos grossos volumes in-fólio
estejam contidas as leis dos preços de todas as mercadoras.
Estaremos longe de ter uma idéia do fenômeno do preço. A própria
abundância de informações que encontramos em todos esses
volumes não nos permitiria ter qualquer noção do fenômeno dos
preços. O dia em que alguma pessoa, depois de ter folheado todos
esses documentos, dissesse-nos que a demanda cai quando o preço
sobe, nos daria uma indicação muito preciosa, ainda que mais
afastada, muito mais afastada do concreto que os documentos
estudados por ela.” (PARETO, 1984, p.21)
Por mais exato que o conhecimento da Economia Política possa ser para
explicar o fato objetivo, em outras vias no mesmo sistema teórico certas
simplificações são bem vistas. Mesmo que o método matemático seja
necessário para o estudo das inter-relações, se através de outros métodos
alcancemos nosso objetivo em fazer descrever pela teoria o fato observado
estamos no caminho correto. O que estas aparentes contradições nos mostram
sobre o projeto cientificante da Economia Política exposto por Pareto no seu
Manual de Economia Política?
Possibilidades de verdade e discurso
É pertinente neste ponto do pensamento, que se busca neste trabalho
estabelecer então as possibilidades de verdade e de discurso que as aparentes
contradições do projeto paretiano parecem ter.
Ao mesmo tempo que temos um acesso privilegiado à verdade, temos um
acesso limitado pela percepção, pelo lado subjetivo do fenômeno que se
estuda.
“É preciso considerar que o fenômeno objetivo somente se apresenta
a nosso espírito sob a forma de fenômeno subjetivo e que, portanto, é
este e não aquele a causa das ações humanas; para que o fenômeno
objetivo possa agir sobre elas, é preciso que ele se transforme
primeiro em fenômeno subjetivo.” (PARETO, 1984, p.31)
A percepção de um fenômeno por uma via subjetiva não nos coloca
suficientemente sob a égide de uma retomada hermenêutica, então, do
entendimento científico? E se retomarmos este aspecto hermenêutico, quais as
conseqüências desta retomada?
Habermas em seu texto “Ciências Sociais Reconstrutivas versus Ciências
Sociais Interpretativas” coloca três importantes considerações desta retomada
hermenêutica de investigação científica, as quais são: [1] “(...) os intérpretes
renunciam à superioridades da posição privilegiada do observador, porque eles
próprios se vêem envolvidos nas negociações sobre o sentido e a validez dos
proferimentos.”; [2] “(...) ao assumir uma atitude performativa, os intérpretes
não apenas renunciam à posição de superioridade em face de seu domínio de
objetos, mas confrontam-se além disso com a questão de como superar a
dependência de sua interpretação relativamente ao contexto.”; e [3] “(...) o fato
de que a linguagem quotidiana se estende a proferimentos não-descritivos e a
pretensões de validez não cognitivas. (…) Por isso, o saber que empregamos
quando dizemos algo a alguém é mais abrangente do que o saber estritamente
proposicional ou relativo à verdade.” (HABERMAS, 2003).
Se estas forem as três colocações mais importantes sobre o uso hermenêutico
para investigação, temos que no estilo de proferimento para concordância com
o fato observado em Pareto apenas a primeira colocação se faz pertinente. Isto
pois o cientista paretiano tem que apreender subjetivamente antes de ir ao
encontro de uma compreensão do objetivo; porque também deve buscar o
método que possibilite validar a uniformidade descoberta; isto também pelas
abstrações decorrerem de necessidades subjetivas de adaptação à meta. Este
ganho do engajamento no entendimento faz os cientistas paretianos perderem
“o privilégio do observador não participante ou da terceira pessoa,
mas que pela mesma razão, dispõem dos meios para manter de pé,
desde dentro, uma posição da imparcialidade negociada.”
(HABERMAS, 2003, p.46).
Agora o projeto em Pareto não deve ser visto apenas como um método onde o
cientista separa-se da arte ou discurso, pois vejamos que ele mesmo tem que
decidir como lidará com as características abstrativas e com sua própria
percepção do fenômeno. Uma proposta de “não fuga” do seu corpo teórico
pode ser colocada, dado que:
“O consenso universal dos homens não tem a virtude de tornar
experimental uma proposição que não o é, mesmo que esse
consenso se mantenha no tempo e compreenda todos os homens
que existiram. Assim, o princípio de que aquilo que não é concebível
não pode ser real é absolutamente sem valor e é absurdo imaginar-se
que a possibilidade do universo é limitada pela capacidade do espírito
humano” (PARETO, 1984, p.27)
Mas mesmo assim todo o projeto cientificante está já submetido à uma busca
de consenso nos meios para se fazer entender o caminho da observação ao
fato que se estuda de fato e suas uniformidades. A reconstrução do mundo
econômico não é possível internamente e puramente senão sem fazer-se
considerações de uma retomada hermenêutica. Nem querer prender o sistema
a um dado real é possível, já que negando o acesso perfeito à realidade pelo
subjetivismo do observador resta apenas lidar com uma interpretação do
mundo que se consegue apreender e estabelecer-se no entendimento com os
demais. E ainda, se este método hermenêutico nos levar à meta, parece ele
nos moldes paretianos suficientemente útil ao empreendimento científico.
Referências Bibliográficas
ARON, Raymond (2008). As etapas do pensamento sociológico. Tradução de
Sérgio Bath. São Paulo, SP: Martins Fontes.
HABERMAS, Jürgen (1990). Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos.
Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro, RJ: Tempo Brasileiro.
HABERMAS, Jürgen (2003). Consciência moral e agir comunicativo. Tradução
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HODGSON, Geoffrey M (1988). Economics and Institutions. Cambridge: Polity
Press.
MIROWSKI, Philip (1989). More Heat than Light. Economics as Social Physics,
Physics as Nature’s Economics. Cambridge, New York, and Melbourne:
Cambridge University Press.
PARETO, Vilfredo (1984). Manual de Economia Política. Tradução de João
Guilherme Vargas Netto. São Paulo, SP; Abril Cultural. 2 vol.
SCHLICK, Moritz et al (1975). Coletânea de textos. São Paulo, SP: Abril
Cultural. Os pensadores, v.44.