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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O PODER DA PAISAGEM COMERCIAL SOBRE O ESPAÇO PÚBLICO DA AVENIDA DOM JOAQUIM, PELOTAS (RS) LUIS HENRIQUE FERREIRA DIAS1 GIOVANA MENDES DE OLIVEIRA2 Resumo A pesquisa aborda uma condição de poder da paisagem comercial sobre o espaço público da av. Dom Joaquim; Nesses termos, as imagens de marca funcionam como instrumento de seletividade social na esteira da elitização visual do espaço público. Com isso, a soberania do mercado faz desfilar o séquito da segregação social pela exposição de ícones consagrados ao consumo restrito; ocorre assim uma ostensiva vitrinização da paisagem como forma singular de privatizar os olhares da rua. Diante do exposto, o quadro de análise empírico corresponde aos fatos da teoria na medida em que o espaço público se torna galeria privilegiada para a exposição e visibilidade de uma simbologia que oprime os mais pobres. Palavras-chave: Paisagem Comercial. Poder. Espaço Público. Abstract The research deals with a condition of power of commercial landscape on the public space of the av. Dom Joaquim; In these terms, the brand images function as an instrument of social selectivity in the wake of elitism visual of public space. With this, the sovereignty of the market makes parading the retinue of social segregation by exposure of icons devoted to consumption restricted; occurs as a ostentatious vitrinização landscapes as natural way to privatise the eyes of the street.. In view of the foregoing, the framework of empirical analysis corresponds to the facts of theory in so far as the public space becomes privileged gallery for the exposure and visibility of a symbology that oppresses the poor. Key-words: Commercial landscape. Power. Public space. 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pelotas. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do programa de pós-graduação da Universidade Federal de Pelotas. E-mail de contato: [email protected] 2391 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 1 – Introdução Considerando a complexidade do mecanismo implicado na cognição individual, sem, no entanto, enveredar por essa discussão, é possível entender a paisagem urbana como uma arte social que se materializa dentro de cada um. De tal sorte que as imagens de marca figuram no tangível e incerto domínio do visível para cativar olhares como senhas de acesso ao nebuloso e confiável campo da imaginação. Com efeito, o marketing desafia o reservatório dos desejos humanos por meio de estratégias de comunicação visual que fixam na paisagem os conteúdos de consumo e de lazer. Nesses termos, Gorz (2005, p. 50) suscita o tema da pesquisa ao propor que “a imagem de marca exerce uma função de tomada de poder do capital fixo imaterial sobre o espaço público, a cultura do cotidiano e o imaginário social.” Essa assertiva remete à atual pedagogia capitalista cujo caráter segmentado serve para doutrinar todos os níveis da realidade social. Lembremos, também, que um dos elementos, ao mesmo tempo ideológico e empiricamente existencial, da presente forma de globalização é a centralidade do consumo com a qual muito têm a ver a vida de todos os dias e suas representações sobre a produção, as formas presentes de existência e as perspectivas das pessoas. (SANTOS, 2013, pp.161/162) Claro está que o setor terciário inaugura uma fábrica de produzir símbolos cujo ícone maior passa a ser o espaço social material. Em termos mais explícitos, a paisagem se faz elemento das atuais estratégias de sedução do olhar o que parece revelar os contornos espaciais da centralidade do consumo. Nessa perspectiva, o meio é a mensagem de um tipo específico de informação capaz de constranger o acontecer diário nos auspícios do fenômeno de vitrinização do espaço social. “Observando-se mais de perto esse tema, vemos que o capital fixo imaterial é utilizado num plano inteiramente diferente: ele funciona como um meio de produzir consumidores.” (GORZ, 2005, p.48) Além disso, o empirismo existencial disfarça a violência de uma invasão sem contrapartida do mundo da mercadoria sobre o cotidiano; contudo, ao mesmo tempo em que ninguém escapa dessa hodierna ideologia, poucos são os que efetivamente podem adquirir o estilo de vida anunciado em certos locais da cidade. 2392 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Diante do exposto, entende-se a paisagem comercial da avenida Dom Joaquim enquanto a expressão visual de uma ação subliminar do capital que tem por objetivo espacializar a troca sem anular o trânsito ordinário do uso. Pode-se pensar numa forma de poder que avança sobre o espaço público para aliciar os olhares da rua a fim de coagir o comportamento das pessoas e movimentar a esteira da rentabilidade econômica. Para Foucault (1988, p. 92), “é nesse campo das correlações de força que se deve tentar analisar os mecanismos de poder.” Em tal contexto, a conquista publicitária pode ser equiparada a uma inscrição espacial das correlações de força indutoras do consumo, pois as imagens de marca se fazem ornamentos da paisagem como ardil da possibilidade de espacialização do lucro. A publicidade de marca, numa palavra, induz no consumidor uma produção de si que valoriza as mercadorias como emblemas de sua valorização própria. É pelo poder que tem sobre o trabalho invisível de produção de si, pela violência disfarçada que a conquista publicitária de todos os espaços e de todos os momentos da vida cotidiana exerce sobre o indivíduo, que o capital simbólico funciona realmente como capital fixo. (GORZ, 2005, p. 50) No caso em tela, a pista de caminhadas transmite a energia necessária para a realização do chamado trabalho invisível; isso se deve à presença das pessoas, as quais concretizam a exploração de uma mais-valia subjetiva ao interiorizarem em si os emblemas da arquitetura comercial. Assim, permanecem a lógica do lucro e a propriedade dos meios de produção, o que muda é a natureza do trabalho; dessa maneira, a apropriação social age como mão-de-obra imaterial de uma indústria de falsas necessidades que se instala sobre o espaço público. E uma vez que cada ser humano é um sujeito em potencial para os objetos de consumo, a conquista publicitária de todos os espaços e de todos os momentos da vida cotidiana se torna plausível. Contudo, não se pode olvidar de uma hegemonia econômica que faz da segregação social um ativo fundamental. 2393 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO De qualquer forma, a contradição de classe sempre foi um dado inseparável do capitalismo e, na medida em que “o poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis” (FOUCAULT, 1988, p. 90), reafirma-se, talvez, o poder da paisagem comercial como instrumento para influenciar a atitude pública, não obstante a qualquer disparidade socioespacial. Mapa com a localização da área de estudo Fonte: COLLISCHONN, Erika (2011) 2394 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2 – O PODER DA PAISAGEM COMERCIAL O poder, segundo Foucault (1988), “está em toda a parte.” Não se quer, contudo, acatar certa noção de uma onipresença agindo de sobrevoo; mas sim, e por justiça ao autor, a intenção é de se pensar o poder como algo inerente ao nível do chão sobre o qual a realidade social acontece. Onipresença do poder: não porque tenha o privilégio de agrupar tudo sob sua invencível unidade, mas porque se produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor, em toda relação entre um ponto e outro. O poder está em toda a parte; não porque englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares. (FOUCAULT, 1988, p. 89) Ao cabo, o poder está na substância do cotidiano enquanto forma-conteúdo. Portanto, tão-somente do ponto de vista da materialidade, qualquer paisagem em si não guarda autonomia de poder; por isso, essa discussão compreende a paisagem comercial da avenida Dom Joaquim como um para si em permanente relação com a apropriação social do espaço público. De outra parte, o espaço é mesmo “um conjunto de mercadorias, cujo valor individual é função do valor que a sociedade, em um dado momento, atribui a cada pedaço de matéria, isto é, a cada fração da paisagem.” (SANTOS, 2008, p. 104) Evidencia-se, pois, a valoração social da paisagem como fator de objetivação do capital simbólico; ou seja, mediada pela materialidade, a publicidade de marca induz no indivíduo uma produção de si mesmo. Há, aqui, uma ponte teórica entre Santos (2008: 104) e Gorz (2005: 48) uma vez que o espaço enquanto um conjunto de mercadorias se torna, também, um meio de produzir consumidores. Põe-se na conversa o hibridismo do processo de valoração social da paisagem comercial: de uma parte, o domínio de um cenário concebido para (se) vender ou de uma materialidade aplicada ao mercado; de outra, a apropriação social como “alvo” espacializado das intenções de venda. Na atualidade, a avenida Dom Joaquim parece demonstrar essa ambivalência nos marcos de uma inequívoca especulação capitalista da cidade. Por conseguinte, sua paisagem comercial é algo tangível para aqueles que efetivamente frequentam as lojas e restaurantes; enquanto que aos olhos dos economicamente mais pobres, é apenas outra miragem urbana. 2395 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Estaria o pobre no “pedaço do rico?”. Sublinhe-se essa questão para marcar a sutileza da estigmatização socioespacial na apropriação da avenida Dom Joaquim, pois não obstante o estatuto de público, o referido “pedaço” não constitui, na prática, um objeto espacial comum a todos. Em outras palavras, para aqueles que vão às lojas e restaurantes da avenida Dom Joaquim, a paisagem comercial é percebida de maneira real ou passível de pleno consumo; de outra parte, para os que apenas podem estar no espaço público, especialmente na pista de caminhadas, a materialidade de marca funciona como advertência visual no limite de uma espacialidade excludente. Nesse sentido, vê-se que o espaço público em questão “também é analisado sob a perspectiva crítica de sua incorporação como mercadoria para o consumo de poucos, dentro da lógica de produção e reprodução do sistema capitalista na escala mundial.” (SERPA, 2011, p.09) Aproveita-se o gancho para dizer que a escala de ação do sistema capitalista impõe certas condições ao espaço material da atividade social. Isso não é novidade uma vez que “o espaço social material, sob o capitalismo, foi sendo, ao longo dos séculos e das décadas, crescentemente dessacralizado e tornado, potencialmente, uma mercadoria como outra qualquer”. ( SOUZA, 2013, p. 66) Na atualidade, o espaço social material da cidade aparece subsumido pela homogeneização comercial da paisagem como meio de dirigir a moderna sociedade de consumo; em última instância, os espaços públicos urbanos integram o universo da troca monetária por estarem potencialmente abertos ao uso social. É a sociedade, isto é, o homem, que anima as formas espaciais, atribuindolhes um conteúdo, uma vida. Só a vida é passível desse processo infinito que vai do passado ao futuro, só ela tem o poder de tudo transformar amplamente. Tudo o que não retira sua significação desse comércio com o homem, é incapaz de um movimento próprio, não pode participar de nenhum movimento contraditório, de nenhuma dialética. (SANTOS, 2008, p. 109) O substrato espacial material pode representar um gargalo para a reprodução econômica; por isso, os atores hegemônicos concorrem para a aparição de novas formas espaciais, e conteúdos sociais igualmente inovados, que sejam capazes de fomentar o fluxo intraurbano do capital. 2396 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Considerando essa hipótese, o espaço público da avenida Dom Joaquim é partidário de um processo de refuncionalização espacial feito a partir da eltização comercial da paisagem; pois “refuncionalizar um espaço material significa atribuir novas funções a formas espaciais e objetos geográficos preexistentes, modificandoos muito pouco ou mesmo sem modificá-los.” (SOUZA, 2013, p. 69) Sem dúvida, muitos dos atuais estabelecimentos exercem suas funções em formas preexistentes, porém interessa mais a essência simbólica, transmitida pela paisagem comercial, por repercutir funcionalmente no uso do espaço público. A repercussão funcional diz respeito à “compra social” de imagens projetadas sobre os espaços do cotidiano; em boa medida, uma paisagem comercial será mais ou menos vendável conforme o grau de persuasão exercido sobre as pessoas. Na raíz desse debate, a substância dos valores imateriais começa a se realizar pelos olhares da rua; é facil perceber, como Gomes (2013, p. 23), que “o atributo da visibilidade é, portanto, central na vida social moderna e se ativa e se exerce pela existência dos diferentes espaços públicos”. 3 – OLHARES DA RUA Discutir em torno de um poder imanente de imagens de marca, agrupadas em determinados locais da cidade, implica em estabelecer sólida conexão teórica entre a paisagem comercial, o espaço público e a presença das pessoas. Dessa maneira, a visibilidade é atributo-chave para uma síntese geograficamente coerente. Em relação ao fenômeno da visibilidade, se estabelecemos a existência de uma condição espacial que intervém diretamente nesse fenômeno, então não é mais cabível duvidar da relevância e do alcance de uma análise que leve em consideração a trama das posições espaciais. Essa trama locacional é, consequentemente, matéria fundamental para a compreensão daquilo que é visível e para a compreensão das formas sob as quais algo se faz visível, ou inversamente, daquilo que é invisível e as formas pelas quais se produz essa invisibilidade. (GOMES, 2013, p. 34) Eis o ponto, a existência de diferentes espaços públicos na cidade suscita uma diversidade de condições espaciais que intervêm na visibilidade; sendo que o capital imaterial concorre nesse fenômeno pela diferenciação comercial da paisagem como forma de angariar seletivamente a atenção pública. 2397 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Vê-se, então, como a publicidade de marca se vale do poder das imagens para engendrar múltiplas situações sociais nos espaços da rua. Conclui-se, portanto, que o discurso do consumo pode agir visualmente sobre o substrato espacial material a fim de elitizar o comércio em certas partes da cidade. Surgem algumas especulações de ordem essencialmente espacial, a começar que na avenida Dom Joaquim, a simbologia comercial da paisagem se projeta sobre um espaço público; destarte, parece haver uma socialização visual na tentativa de espacializar o lucro sem emparedar a circulação social. Talvez por isso a pista de caminhadas adquira nuanças de praça, na evidência de uma apropriação humana que transcende a singularidade pragmática do ato de “caminhar-pela-saúde”. Acentua-se, pois, a condição espacial materialmente dirigida no sentido de atribuir àquele espaço público alguns dos valores inerentes às galerias comerciais. Não se pode esquecer, porém, que nos conjuntos comerciais do tipo galeria a visualização da materialidade de marca é concebida para dentro de um espaço (num espaço de dentro), o que denota uma privatização do olhar quando nesses locais o livre adentrar é refratário para muitas pessoas. Os agentes do capital imaterial são pródigos no direcionamento das condições espaciais intraurbanas; dentre outras ações, o processo de elitização comercial da paisagem é uma forma de fragmentar a cidade em status locacionais de modo que a descontinuidade do visível permita lucros diferenciais. Reitera-se a primazia da trama locacional aventada por Gomes (2013, p. 24), ao “mostrar como na formação da imagem e na comunicação de seus significados o espaço age como um componente essencial.” Especificamente, o substrato espacial material age como suporte dos conceitos associados às marcas; logo, analisar o poder de uma paisagem comercial é um desafio espacial intrínseco ao fenômeno de construção social do consumidor. Fica evidente o quanto “a marca já é, em si mesma, um capital na medida em que seu prestígio e sua celebridade conferem aos produtos que levam seu nome um valor simbólico comercial”. (GORZ, 2005, p. 45) 2398 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Voltando ao objeto da pesquisa, é o espaço público da avenida Dom Joaquim que, ao fim, leva o prestígio e a celebridade conferidos pelas marcas comerciais dos estabelecimentos; a ponto de a visibilidade objetivar uma apropriação seletiva num ensejo característico das praças urbanas. Isso acontece porque a abertura visual causada pela pista de caminhadas é uma condição espacial que vai sendo materialmente dirigida pelos valores de troca; assim, ao elevarem o olhar, as pessoas encontram o apelo publicitário indicando as maneiras de participar daquela sociabilidade. A abertura no tecido urbano causada pelas praças alarga o horizonte de visão, elas induzem à elevação do olhar e à permanência. São lugares onde se produz a vida urbana moderna, de reconhecimento da publicidade, maneira de ser e de conviver. Notemos que os espetáculos urbanos das praças na cidade moderna são compostos pela maneira de ver, de assistir e de participar dessa maneira de ser. Por isso, praças são também sítios de celebração dessa sociabilidade. (GOMES, 2013, p. 97) Nesse caso, o reconhecimento social da publicidade repercute na apropriação daquele espaço ao produzir uma espécie de psicosfera elitizada. Pode-se dizer que o capital simbólico idealiza um espetáculo orientado por imperativos econômicos que fazem da paisagem urbana um artigo de mercado. Tornada mercadoria, a paisagem da avenida Dom Joaquim passa a ser artigo de consumo restrito, dentro lógica de produção e reprodução do sistema capitalista, e mesmo não havendo uma explícita proibição dos pobres, o regime de visibilidade pode segregar quase como as cancelas de um condomínio fechado. E a sutileza do fato não esvazia o argumento segundo o qual “há muitos meios de se obter lucro – ou alcançar mais-valia: qualquer que seja o modo que funcione, provavelmente se acham experiências crescentes com isso.” (HARVEY, 2005, p. 29); um exemplo é o poder da imagem funcionando através de ícones previamente celebrados como experiência espacial voltada para o consumo. 2399 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Em tais condições, é estruturado um sítio de possibilidades comunicativas cuja intenção é aliciar os olhares da rua. E uma vez que a publicidade de marca ganha a materialidade do cotidiano, são oportunas as linhas de Goffman (2010, p. 259) a fim de expressar o quanto “as pessoas presentes umas para as outras são assim transformadas de um mero agregado em uma pequena sociedade, um pequeno grupo, um pequeno depósito de organização social”. 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS No movimento final de reflexão, a meta não é registrar um pleno amarrar das ideias discutidas ao longo do texto. Sem desdenhar de explicações pormenorizadas, se pretende ensejar diferentes possibilidades de interpretação à força das questões deixadas em aberto. O que não significa, porém, constituir álibi para tangenciar a boa pedagogia, quando um arremate onipotente, capaz de bastar a si só, não pode referendar uma análise socioespacial. Doravante, as considerações apresentadas encerram essa discussão como mãos pueris contêm um punhado de areia. Certamente que algumas conclusões se impõem, a começar que agindo sobre o espaço público, a paisagem comercial da avenida Dom Joaquim suscita questões de fundo espacial, pela perspectiva na qual a publicidade de marca concretiza uma base física para a criação de novas necessidades. Nesse processo, a natureza simbólica dos ícones comerciais se materializa por meio do substrato espacial material; assim, as imagens de marca exercem a tomada de poder do capital imobilizado sobre o movimento do cotidiano. Não à toa, o meio se faz mensagem de um tipo específico de informação capaz de oprimir o acontecer diário nos auspícios do fenômeno de vitrinização do espaço social. Dessa maneira, o espaço é introduzido no metabolismo da troca conferindo à rua elementos empíricos capazes de pavimentar o caminho por onde a ideologia do consumo avança sobre as cidades. Logo, paisagens concebidas para (se) vender confirmam a dimensão material como função das estratégias de sedução do olhar, essa assertiva parece revelar os contornos espaciais da centralidade do consumo. 2400 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO E nessa metamorfose do espaço encenado, os agentes do imaterial alistam um esquadrão de consumidores; transparece, então, a instituição de uma indústria de símbolos cujo ícone maior passa a ser o espaço social material. O consumo é sempre uma experiência de fundo espacial, e ao que tudo indica, o processo de criação de novos desejos e necessidades comunga da concepção de novos espaços comerciais. Pode-se dizer que a cidade é campo privilegiado desse fenômeno, o qual faz da paisagem urbana uma inequívoca demonstração material da ideologia do consumo. Nesses termos, é coerente ver a paisagem comercial da avenida Dom Joaquim como a expressão visual de uma ação subliminar do capital que visa a espacializar o amálgama sutil entre valores de uso e de troca. Fica evidenciada uma forma de poder que avança sobre o espaço público para cooptar o comportamento social; isso se faz através da conquista publicitária como a inscrição espacial de correlações de força indutoras do consumo. E considerando que a celebridade e prestígio das marcas conferem à pista de caminhadas um aspecto inerente às galerias comerciais, a pesquisa expõe como os valores de uso chegam a contornar o pragmatismo característico de muitas ações sociais, como, por exemplo, o corriqueiro ato de caminhar na rua. No âmago dessa discussão, está uma materialidade em permanente relação espaço-temporal com a presença das pessoas. Isso demonstra a valoração social da paisagem como fator de objetivação do capital simbólico, pois a publicidade comercial induz no indivíduo uma produção de si mesmo. Com isso, há o domínio de um cenário concebido para (se) vender ou de uma materialidade aplicada ao mercado; e de outra parte, a apropriação social como “alvo” espacializado das intenções de venda. A noção de alvo espacializado traz na essência o fato de cada ser humano ser virtualmente um sujeito dos bens de consumo programado; assim, o movimento das pessoas sobre a rua integra as estratégias de sedução do olhar, sendo a paisagem urbana um objeto material que dá visibilidade àquelas marcas cujo status econômico é transmitido ao substrato espacial. 2401 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Em tal contexto, caso fosse possível recortar a av. Dom Joaquim do tecido da cidade, restaria como amostra um fragmento do espaço urbano materialmente elitizado pelo investimento financeiro. E na contramarcha de um acesso irrestrito, vai uma psicosfera excludente que parece iluminar o caráter de classe nos subterrâneos da apropriação social do espaço público. 5 – REFERÊNCIAS FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988 p. 88/93 GOFFMAN, Erving. Comportamento em lugares públicos. Notas sobre a organização social dos ajuntamentos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2010 GOMES, Paulo César da Costa. O lugar do olhar: elementos para uma geografia da visibilidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013 GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. Tradução de Celso Azzan Jr. São Paulo: Annablume, 2005 HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 23ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 2013 A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. 4ª Edição, 4ª Reimpressão. São Paulo: Edusp, 2008 SERPA, Angelo. O espaço público na cidade contemporânea. 1a Edição. 2a Reimpressão. São Paulo: Contexto, 2011 SOUZA, Marcelo Lopes de. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócioespacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013 2402